A verdade sobre o Açafrão - Instituto de Investigação Científica

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Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008
A Verdade sobre o Açafrão
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A VERDADE SOBRE O AÇAFRÃO
Ana Maria Pintão e Inês Filipa da Silva
Instituto Superior de Saúde Egas Moniz,
Campus Universitário, Quinta da Granja - Monte de Caparica
2829-511 Caparica, Portugal
[email protected]
Resumo
Na Índia, Moçambique e para os povos da África Oriental “o açafrão” é o açafrão da Índia ou curcuma (Curcuma
longa, sin. C. domestica - Zingiberaceae) que confere o amarelo vivo e o sabor picante aos apreciados pratos de
caril. Foi trazido da Índia para o mundo através dos percursos dos mercadores árabes ou das caravelas quinhentistas
dos Portugueses. O valor medicinal desta planta não é tão conhecido no Ocidente como na Ásia. Em medicina
Chinesa é um remédio tradicional contra a icterícea e nas ultimas décadas o uso corrente do açafrão no tratamento de
problemas digestivos e hepáticos tem sido confirmado pela investigação A planta tem sido tradicionalmente usada
como fluidificante do sangue e na redução dos níveis de colesterol.
A curcumina, componente principal do caril, particularmente utilizado na alimentação Indiana, tem sido considerada
responsável pela baixa incidência de Alzheimer na Índia. Para além da sua forte actividade antioxidante, a
curcumina tem sido intensivamente estudada como agente anticancerígeno. Recentemente, foi verificado o seu papel
na indução da apoptose e como quimioprotector na inibição da formação de metastases em cancros da mama..
No Alentejo e Algarve “o açafrão” utilizado para a confecção do famoso arroz amarelo é o Açafrão-Bastardo ou
Cártamo, Carthamus tinctorius (Asteraceae). Esta planta foi, originalmente, trazida por missionários da Índia para o
Alentejo. É nativa do Irão, noroeste da Índia e África e as suas flores, semente e óleo têm várias aplicações
medicinais. Investigações recentes efectuadas na China indicam que podem reduzir a doença coronária, diminuir o
colesterol e ainda estimular o sistema imunitário. O óleo de cártamo, rico em ácido linoleico conjugado (CLA), tem
reconhecida acção na redução da gordura corporal e aumento da tonicidade muscular, pelo que tem particular
interesse comercial a nível alimentar e como suplemento.
Nos países ocidentais “o açafrão” é o Crocus sativus (Iridaceae) nativo da Índia, Balcãs e Mediterrâneo Oriental e
cultivado hoje em Espanha, França, Itália, Índia e Médio Oriente, pelo valor comercial elevado do condimento a que
dá origem. O seu pigmento, de sabor e aroma inconfundíveis, é muito valorizado em culinária e na indústria
alimentar pelo que atinge preços elevados no mercado. O rendimento deste pigmento é muito baixo por ser extraído
dos 3 finos estigmas e estiletes da for da planta do açafrão. As suas utilizações medicinais muito em voga na Idade
Média caíram em desuso embora em fitoterapia chinesa continuem a ser usadas para aliviar dores abdominais e
espasmos brônquicos. Vários dos seus constituintes sido investigados pelas suas actividades antioxidantes,
antitumorais, protectoras contra a agentes carcinogénicos, e ainda na redução do colesterol. Foi verificada em ratos
actividade neuroprotectora e efeito sobre o sistema nervoso central do safranal.
Palavras chave: Açafrão; Portugueses; Actividade medicinal; Produtos naturais
INTRODUÇÃO
As plantas e os produtos naturais delas derivados têm sido utilizados ao longo da História
e no mundo com variados fins. A medicina com base em plantas desempenhou um papel
fundamental na sobrevivência de várias civilizações. Em algumas, como é o caso da medicina
chinesa ou da medicinal tradicional indiana ayurvédica, o seu papel primordial como agente
curativo permaneceu até aos nossos dias. Na medicina ocidental cerca de 25% dos produtos
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A Verdade sobre o Açafrão
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farmacêuticos contêm na sua composição compostos provenientes ou derivados de moléculas
vegetais.
A expansão quinhentista de Portugal contribuiu intensamente para a divulgação de muitas
plantas medicinais desconhecidas até então pelos europeus e provenientes das regiões tropicais
visitadas na África, Índia, China ou Japão. Algumas plantas medicinais já eram conhecidas mas
chegavam à Europa através das vias terrestres dos mercadores árabes e o seu efeito terapêutico
ou culinário eram esquecidos ou adulterados nestes percursos. No âmbito da epopeia portuguesa
as plantas medicinais orientais foram transportadas e divulgadas no Brasil e aí foi descoberta
uma nova e até hoje inesgotável fonte de novas plantas com diferentes efeitos medicinais.
Algumas foram trazidas e cultivadas em climas similares das colónias africanas como Angola, S.
Tomé e Príncipe ou Moçambique. Uma das plantas mais apelativas e valorizadas da época era o
açafrão.
O açafrão é uma especiaria conhecida, cultivada e apreciada desde a antiguidade em toda
a bacia mediterrânica, como matéria corante, aromatizante e medicinal. Os egípcios usaram-na
para pintar múmias, foi o primeiro corante a ser usado em Histologia, em 1714, por Van
Leeuwenhoek, foi usada em vários países para tingir tecidos, dar cor aos alimentos ou como
calmante para a dentição infantil. O seu preço sempre foi elevado, por ser proveniente de uma
pequena parte da planta, por isso outras plantas trazidas pelas caravelas portuguesas com aspecto
semelhante começaram a ser designadas por açafrão. Estas confusões e falsificações chegaram
até aos nossos dias. A utilização das especiarias provenientes destas diferentes plantas são
conducentes a diferentes resultados gastronómicos e o seu uso terapêutico na forma de pós ou
formulações galénicas poderá ser ineficaz ou eventualmente perigoso. Pretende-se neste artigo de
pesquisa reconhecer as diferentes plantas designadas por “açafrão”, analisar a influência dos
portugueses na sua disseminação, distinguir os seus diferentes usos e os seus efeitos medicinais.
São descritas as actividades medicinais dos fármacos obtidos destas plantas evidenciadas por
estudos etnobotânicos ou pelos usos tradicionais relacionados com estes fármacos. São
apresentadas as suas propriedades, verificadas por ensaios in vitro em modelos animais e
humanos e in vivo, em modelos animais dos extractos e das suas moléculas activas, os seus
mecanismos de acção e a sua eventual toxicidade.
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“AÇAFRÃO” N.º 1: CURCUMA LONGA L.
Esta planta é nativa da Índia e Ásia Meridional. Foi trazida para o resto do mundo
através dos percursos dos mercadores árabes ou das caravelas quinhentistas dos Portugueses. A
Curcuma Ionga, hoje é muito cultivada, sobretudo nos países orientais.
No Colóquio dos Simples , Garcia d`Orta, médico do Vice-rei da Índia já referia esta
planta distinguindo-a do “ nosso açafrão”: “O Açafrão-da-Índia: Nasce no Malabar, em
Calecute...também se dá aqui em Goa mas em pequena quantidade...Avicena parece fazer
menção dele..” “Vulgarmente utilizam-se desta raiz para tingir e adubar os alimentos, tanto
aqui como entre os Árabes e Persas, pelo motivo de ser comprado mais barato que o nosso
açafrão, que também se dá na terra deles; também se aplica em medicina, principalmente em
medicamentos de olhos e para a sarna...” (Garcia d`Orta, 1563).
Em termos botânicos, a planta está classificada como Curcuma longa L. (sin. C.
domestica) pertencente à família das Zingiberaceae. As partes utilizadas são os rizomas (radix
curcuma), raízes tuberculosas (longa ou rotonda), aromáticas, cerosas e amareladas por fora e
alararanjadas por dentro. A sua designação comum é Açafrão-da-Índia mas também se aparece
designada por açafrão da terra, açafroa, gengibre amarelo, curcuma ou turmérico do nome
comum inglês “turmeric”. Neste idioma também é conhecida como French saffron, Indian
saffron, long turmeric ou yellow ginger e em francês como curcuma ou safran des Indes. A
palavra curcuma é derivada de «kurkum», designação persa para açafrão. Existem 5 variedades
comerciais de Curcuma: China, Bengala, Madras, Malabar e Bombaim.
É actualmente cultivado principalmente na Índia e na China
Figura 1 - Aspecto morfológico da Curcuma Longa L.
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/57/Koeh-048.jpg
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Para os Indianos, Moçambicanos e muitos povos provenientes da África Oriental “o
açafrão” é o açafrão da Índia ou curcuma responsável pelo amarelo vivo e sabor picante dos
apreciados pratos de caril. O pó de caril, que tanto se popularizou em todo ocidente nos últimos
30 anos, é constituído por uma mistura de cominhos, sementes de curcuma, coentros, mostarda,
funcho, feno-grego, cravinho, alho, louro, canela e malaguetas.
Em termos gastronómicos a Curcuma é, também, entre nós, frequentemente confundida
com o açafrão por ter igualmente a propriedade de corar de amarelo. No entanto, o verdadeiro
açafrão (referido como açafrão nº3 neste trabalho) dá origem a uma coloração mais alaranjada e
a um aroma mais intenso, pelo que para certos pratos não é considerado um substituto aceitável.
Composição química da curcuma
Relativamente à sua composição química a planta é rica em Curcumina (3-4%), um
composto polifenólico responsável pela cor amarela característica dos rizomas da C. longa.
Possui ainda outros Curcuminóides, as Curcuminas II e III. Possui também um óleo essencial (3
a 5%), de cor laranja, rico em sesquiterpenos.
As raízes do Açafrão das
Índias 2
são- Estrutura
colhidas aos 10
meses, lavadas
e colocadas em ebulição em água. São
Figura
química
da Carcumina.
depois secas, lentam
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moídas até se obter um pó fino.
Fitoterapia e medicina tradicional da Curcuma
Eupéptico, estimulante de secreções digestivas e carminativo
Planta
Nas perturbações hepatobiliares
Fluidificante do sangue. Anticoagulante. Distúrbios circulatórios.
Planta
Redução dos níveis de colesterol
Na prevenção de lipidemias, ateroesclerose e tromboembolias
Planta
Pomadas
Curcumina
Anti-inflamatório, artrites, asma e alergias
Infecções e eczemas externamente. Icterícia. Psoríase. Micoses.
Responsável pela baixa incidência de Alzheimer na Índia
Tabela 1 – Utilizações do Açafrão da Índia em fitoterapia e medicina tradicional
(adaptado de múltiplas referências)
O valor medicinal desta planta não é tão conhecido no ocidente como na Ásia. Em
medicina chinesa é um remédio tradicional contra a icterícia e nas últimas décadas o uso corrente
do Açafrão no tratamento de problemas digestivos e hepáticos tem sido confirmado pela
investigação. A planta tem sido tradicionalmente usada como fluidificante do sangue e na
redução dos níveis de colesterol (Tab.1).
A curcumina, componente principal do caril, particularmente utilizado na alimentação
Indiana, tem sido considerada responsável pela baixa incidência de Alzheimer na Índia (Tab.1).
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Farmacologia e actividades medicinais da curcumina
Actividade hipolipidémica
Curcuma
Acção antidispéptica, colerética,
espasmolítica e hepatoprotectora
Curcumina
Curcuma
Propriedades antiagregante
plaquetária
Extractos
curcuma
Diminui o colesterol e permite a
sua mobilizacão para o fígado,
aumentando assim a sua excreção
biliar
Prevenção da ateroesclerose em
coelhos
Raíz
Actividade Antioxidante sobre
Curcumina
Curcumina
certos ácidos gordos poli insaturados
(mais activa)
Curcumina
Actividade antimutagénica
inibindo as mutações induzidas por
UV
Curcumina
Actividade anti-inflamatória
Modelos de inflamação aguda,
subaguda e crónica em animais
Curcumina
Aumenta a resposta dos linfócitos e
a actividade fagocítica dos
macrófagos em ratos
Reduz o açúcar no sangue de
ratos albinos diabéticos
Actividade antibiótica
Actividade antiviral
Curcumina
HIV
Actividade imunomoduladora
Curcumina
Anti-diabético
Actividade anti- parasitária
Curcumina
Protozoário Leishmania
amazonensis
Tabela 2 – Farmacologia e actividades medicinais da Curcuma e curcumina.
(adaptado de múltiplas referências)
Para além da sua forte actividade antioxidante, a curcumina tem sido intensivamente
estudada como agente anticancerígeno. Recentemente, foi verificado o seu papel na indução da
apoptose e como quimioprotector na inibição da formação de metastases em cancros da mama
(Bachmeier et al. , 2008) .
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Existem muitos estudos relacionados com a farmacologia e actividade medicinais da
curcumina (Tab. 2) estando muitos desses estudos vocacionados para a actividade antitumoral da
molécula (Tab.3). Na pesquisa efectuada sobre a curcumina foram encontrados mil e
quatrocentos artigos científicos, onze estudos etnobotânicos, setenta e sete estudos de actividade
em animais, dezanove ensaios clínicos de eficácia em humanos, doze ensaios clínicos fase I e II a
decorrer no EUA, Japão e Israel, dez estudos de segurança sobre toxicidade e efeitos adversos
(PubMed, Agosto 2008).
A pesquisa intensiva de quem tem sido alvo nos últimos 50 anos indica que a curcumina
pode ser um agente importante quer na prevenção como no tratamento do cancro.
Curcumina
Curcumina
Antiproliferativa,
antitumoral e
anticancerígena
Indução da apoptose de
células cancerígenas e como
quimioprotector na inibição
da formação de metastases
In vitro, modelos
animais e ensaios
clínicos
Aggarwal, B.B. et
al. (2003)
Cancro, cólon,
pulmão, próstata,
etc
Aggarwal, B.B.
(2008)
Carcinoma da
mama
Bachmeier,B.E. et
al. (2008)
Curcumina
Actividade
Antiproliferativa e proapoptotica
Melanoma maligno
Pisano,M. (2007)
Curcumina
Protecção contra os efeitos
das nitrosaminas sobre as
células hepáticas.
Rato
Shukla (2003)
Tabela 3 – Farmacologia e actividade antitumoral da curcumina.
A curcumina é estável tanto no estômago como no intestino delgado e absorvida
rapidamente pelo tracto gastrointestinal devido à sua elevada afinidade para os lípidos (Ruiz,
2006).
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O modo de acção da curcumina parece incluir diferentes mecanismos. Para além de ser
um potente agente antioxidante, apresenta a capacidade de suprimir a proliferação de uma
variedade de células tumorais, a iniciação tumoral e a metástase. Actua como inibidor de
activação de factores de transcrição que regulam a expressão de genes relacionados com a
tumorogénese. Influencia a regulação da expressão de várias moléculas associadas a cancros
(COX2, LOX, NOS, MMP-9, uPA, TNF, citoquinas, moléculas de adesão superficial e a ciclina
D1) e a regulação de receptores de factores de crescimento (EGFR e HER2). Foi também
demonstrada a inibição da actividade de várias enzimas que contribuem para o desenvolvimento
de tumores e metastização (Aggarwal, et al.. 2003).
Toxicidade da curcumina
A curcumina apresenta baixa toxicidade. Os ensaios clínicos em humanos indicam que
não existe toxicidade em doses até 10 g.dia-1. Nos USA, o consumo de Curcumina é considerado
seguro quando se emprega como aditivo alimentar. Contudo, a Curcuma terá induzido alguns
efeitos teratogénicos. A dose diária admissível (OMS), quando utilizada como corante, é de 0,1
-1
mg.kg . A utilização de Curcumina aumenta as contracções biliares em pacientes
sãos pelo
que para pessoas com doenças neste órgão a utilização de Curcumina deve ser restringida.
Foram observadas hepatotoxicidade (induzida em ratos com 0,2 a 1% de extracto etanólico de
curcuma, durante 14 dias) e dermatites de contacto causadas pela curcumina (Ruiz, 2006).
Em termos de interacções farmacológicas, entre outras, a Curcumina inibe a agregação
das plaquetas, pelo que a administração do composto, aumenta o risco de hemorragias em
pessoas medicadas com anticoagulantes ou antiplaquetários (Ruiz, 2006).
Utilização Medicinal da Curcumina
Existe um interesse crescente na exploração comercial da Curcumina para a Indústria
relacionada com a obtenção de fármacos a partir de recursos naturais, pois apresenta inúmeras
actividades, baixa toxicidade e poucas interacções farmacológicas. A Curcuma Ionga, a sua
principal fonte de obtenção, é muito cultivada, sobretudo nos países orientais.
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“AÇAFRÃO” N.º2: CARTHAMUS TINCTORIUS L.
Em Portugal, sobretudo no Alentejo e Açores, “o açafrão” é o açafrão-bastardo ou
açafroa, botanicamente classificado como Carthamus tinctorius L. Apesar de ser
morfológicamente completamente diferente as suas flores ou pó são confundidas e vendidas
como açafrão, especiaria muito mais cara.
Esta planta é nativa do Irão, noroeste da Índia e África. Foi trazida da Índia,
provavelmente de Goa, no Séc. XVI, para o Alentejo por missionários ou marinheiros,
juntamente com outras especiarias muito usadas na culinária alentejana como o cravinho. No
distrito de Portalegre o açafrão-Bastardo ou cártamo é utilizado para a confecção do famoso
arroz amarelo que acompanha um ensopado de borrego com cravinho. Em Alter do Chão, no
Alto Alentejo, atribui-se a sua introdução, ao Alterense Arcebispo D. Francisco Garcia Mendes,
missionário e professor em Cochim e em Goa (Diário do Sul (1991); CMAlter do Chão, 2008). É
também usado na culinária açoreana, o que se justifica, eventualment, pela forte incidência de
radicação de alentejanos nos últimos séculos. Cultiva-se, raramente, no Alentejo e no Algarve
onde aparece também, ocasionalmente, como sub-expontânea. É uma cultura oleaginosa
importante na Índia, Hungria, Etiópia, EUA, Canadá, e América Latina.
Pertence à família das Asteraceae. O seu nome comum é açafrão-bastardo, açafroa,
açafrol, falso açafrão, cártamo, saflor. Em Inglês designa-se por safflower, safflor ou bastard
saffron. A palavra Carthamus deriva do hebraico «Kartami», que significa tingir.
As partes do cártamo utilizadas são as numerosas e finas flores alaranjadas dos capítulos
e ainda o óleo das sementes com usos diversos. Para utilização gastronómica as flores são
previamente tostadas ao lume e pulverizadas. Das flores do cártamo extraem-se dois corantes
um amarelo, solúvel na água, utilizado em culinária e um vermelho, insolúvel na água, utilizado
tradicionalmente em tinturaria, pintura e cosmética. Muitas vezes as flores ou o pó são vendidos
como “açafrão”. As sua sementes muito apreciadas pelos pássaros, originam um óleo alimentar
de elevado valor dietético muito usado actualmente como suplemento alimentar. Também é
usado, desde a antiguidade, como secante em tintas e vernizes para pintura e em cosmética,
devido a propriedades emolientes e regeneradoras do tecido cutâneo. O bagaço aproveita-se
como suplemento proteico na alimentação animal.
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Composição Química do Cártamo
As sementes são ricas num óleo onde predominam os ésteres glicéridos de ácidos gordos
insaturados (90%), ácido oleico (20-30%) e/ou ácido linoleico (55-88%). Considerado o óleo
com maior teor de gorduras poli-insaturadas e a razão PUFA/SFA mais favorável. São também
ricas em vitamina E (Ekin, 2005). Nas flores do capítulo do cártamo encontram-se os pigmentos
amarelo, cartamidina, e vermelho-alaranjado cartamina e saponinas. As folhas e sementes
possuem uma enzima que provoca a coagulação do leite.
Fitoterapia e medicina tradicional do cártamo
Hipercolesterolemias e prevenção
ateroesclerose
Óleo
Obstipação, reumatismo e dores
Topicamente em micoses
Purgante
Antifúngico
Sementes
Tumores
Flores
Como emenagogo, laxante, sedativo,
cicatrização feridas
Pigmentos mucilagens
e flavonóides
Acção cicatrizante e suavizante da
pele
Infusão
Bebida saudável recomendada para
pessoas de meia idade e idosos
Especialmente do fígado
Medicina Chinesa
Muito popular no Japão, Coreia e
recentemente no Ocidente
Tabela 4 – Utilizações tradicionais do cártamo em fitoterapia (múltiplas referencias).
Farmacologia e actividades medicinais do cártamo
As flores, semente e óleo de cártamo têm várias aplicações medicinais (Tab.5).
Investigações recentes efectuadas na China indicam que podem reduzir a doença coronária,
diminuir o colesterol e ainda estimular o sistema imunitário (Ekin, 2005).
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Óleo de cártamo,
rico em ácido
linoleico conjugado
(CLA)
Reduzir a gordura
corporal e aumentar a
tonicidade muscular
In vivo
Vários estudos
In vitro
Ekin, 2005
Yadava &
Chakravarti, 2008
Antifúngicas
Pigmentos
Antivirais
Anti-inflamatórias
Saponinas
Anti-inflamatórias
In vitro
Pigmentos
Reduzir a doença
coronária
Coelhos
Cartamidina
220 mg/ml inibe
totalmente a agregação
plaquetária e previne a
trombose
Zhengliang et al.
1984, 1987
Ratos
Dajue & Mundel,
1996
Diminuir o colesterol
Pigmentos
Estimular o sistema
imunitário
Extractos cártamo
Combater a esterilidade
masculina e feminina
Carthamus
tinctorius
geneticamente
modificado
Produção de insulina
humana em larga escala
In vitro
Ekin, 2005
Ratos
Ensaios
campo
Dajue & Mundel,
1996
Nykiforuk C.L. et
al. , 2006
Índia
Tabela 5 – Aplicações medicinais do Cártamo.
O óleo de cártamo, rico em ácido linoleico conjugado (CLA), tem reconhecida acção na
redução da gordura corporal e aumento da tonicidade muscular, pelo que tem particular interesse
comercial a nível alimentar e como suplemento.
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“AÇAFRÃO” N.º3: CROCUS SATIVUS L.
Para a Indústria e fitoterapia dos países ocidentais “O Açafrão” é o Crocus sativus L.
(Iridaceae). Flor lilás, cujos estigmas e parte dos estiletes, muito finos e de cor vermelha, dão a
especiaria mais cara do mundo, de pefume e sabor intensos e muito apreciados.
Originária da Índia, Balcãs e Mediterrâneo Oriental a cultura desta especiaria foi
introduzida em Portugal e Espanha no séc. IX pelos Árabes e daqui passou a ser divulgada a toda
a Europa e América. O Crocus sativus é hoje cultivado em Espanha, França, Itália, Índia e Irão
pelo valor comercial elevado do condimento a que dá origem. O seu pigmento, possui um aroma
intenso e agradável, com sabor levemente amargo, é muito valorizado em culinária e na indústria
alimentar pelo que atinge preços elevados no mercado. Ao ser imerso em água quente obtém-se
uma solução de cor amarelada.
O rendimento do pigmento do açafrão é muito baixo por ser extraído dos 3 finos estigmas
e estiletes da flor da planta do açafrão. A verdadeira especiaria é constituída apenas pelos
estigmas desidratados de Crocus sativus ou o seu pó. A colheita assim como a separação dos
estigmas da flor são inteiramente feitas à mão, pelo que o açafrão verdadeiro é um produto
susceptível de falsificação pois o seu preço é muito elevado. Um quilograma de açafrão
corresponde a cerca de 100 mil estigmas e custará o mesmo de um quilograma de ouro,
aproximadamente onze mil dólares.
A nível culinário o seu uso encontra-se difundido pelo mundo: na Europa, na paella
Valenciana, na bouillabaisse Francesa e no “risoto alla Milanesa”; na Ìndia alguns doces são
preparados com açafrão, bem como manteiga e vários pratos à base de arroz, onde pode ser
combinado a folhas de louro, canela, cravo, cardamomo, anis estrelado ou noz moscada; no Irão
em conjunto com hortelã; no golfo árabe associado a especiarias picantes. O tempero em pó não
deve ser utilizado directamente, necessitando ser refogado ou diluído e deve ser usado em
pequena quantidade.
O açafrão foi o primeiro corante a ser usado em Histologia, em 1714, por Van
Leeuwenhoek. Tem sido usado como condimento alimentar, agente corante de queijos, pastas,
arroz, massas, tecidos, manteiga, vernizes, e também em confeitaria e confecção de licores.
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A planta pertence à família Iridaceae. As partes utilizadas são os três estigmas e as partes
finais dos estiletes (Stigmata Croci) .
Figura 3- Aspecto morfológico do Crocus sativus
O seu nome vulgar em Portugal é Açafrão, Açafroeira ou Açaflor , no Brasil açafrãooriental, açafrão-verdadeiro ou flor-de-Hércules e no Reino Unido designa-se por “Safron”. Este
nome vulgar vem da palavra árabe “az-za'afran - ser amarelo“ que em latim medieval evoluiu
para “safranum”. O nome científico da planta deve-se à aldeia de Krokos, na Grécia, origem de
um dos maiores volumes de produção de açafrão no Ocidente.
Composição química do Crocus sativus
A coloração vermelho-escura dos estigmas é devida à existência de heterósidos do grupo
dos carotenóides, nomeadamente a crocina (2%) que é o diéster da crocetina e da gentobiose
(Fig. 4). Possui um óleo essencial (1%) onde predomina o safranal com propriedades
espasmolíticas e carminativas e ainda um glucósido amargo, a picrocrocina (4%) (Fig. 4) com
acção digestiva e eupéptica
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Figura 4 – Estrutura química da crocetina, crocina e picrocrocina.
Fitoterapia e medicina tradicional do Açafrão
Infusão
Aliviar dores abdominais e espasmos brônquicos
Medicina chinesa
Infecções na boca
Tintura
Acalmar dores nos bebés quando os dentes começam
a aparecer
Externamente
Infusão,
Alcoolato
Digestivo, aperitivo, carminativo, antiespasmódico e
emenagogo
Estimular o apetite, por aumento
das secreções
Açafrão
Estimula o sistema nervoso central e o útero
Em doses elevadas
Extracto
Melhora a disposição e acalma a ansiedade
Em pequenas doses
Considerado afrodisíaco na antiguidade
Extracto
Útil no tratamento de doenças neurodegenerativas e
perda de memória relacionada
Açafrão
Tratamento da depressão, 30 mg diárias tão eficazes
como os medicamentos convencionais para a
depressão - estudos preliminares, efectuados no Irão.
Akhondzadehet al., 2005, 2006
Tabela 6 - As utilizações medicinais do Crocus sativus (Múltiplas referências)
Existem referências ao açafrão desde 2300 A.C. Os Assírios utilizavam-no com fins
medicinais. Foi a especiaria mais valorizada pelos Gregos, Egípcios e Romanos devido ao seu
aroma, cor e propriedades afrodisíacas. Hipócrates e Dióscorides utilizavam o Crocus sativus
como planta terapêutica. São variadas e diversas as referências sobre o seu uso em ritos e
cerimónias religiosas, em medicina e em gastronomia.
As utilizações medicinais do Crocus, muito em voga na idade média, caíram em desuso,
embora em fitoterapia chinesa continuem a ser usadas para aliviar dores abdominais e espasmos
brônquicos. Nos países ocidentais tem sido utilizado sobretudo pela sua acção sedativa e em
xaropes para a dentição infantil (Tab. 6).
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A Verdade sobre o Açafrão
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Modelo animal
Abdullaev & Frenkel,
1992
Células Hela in
vitro
Escribano et al., 1996
Adenocarcinoma do
cólon
Garcia-Olmo, et al ,
1999
Leucemia
Tarantilis 1994,
Carcinoma Pele
Wang et al. ,1995
Proteger contra a toxicidade
induzida pela cisplatina
Ratos
El Daly, 1998
Actividade antioxidante
In vitro
Açafrão
Afectar a síntese proteíca e a
formação de ácidos nucleicos
Extracto de açafrão
Crocina, safranal e
picrocrocina
Extracto de açafrão
Inibir o crescimento de
células tumorais
Extracto de açafrão
Rios, 1996
Crocina e crocetina
Extracto de açafrão
Crocetina
Crocina
Bors et al., 1982
Actividade quimioprotectora
Ratos
contra a genotoxicidade
induzida por agentes
Hepatócitos de rato
antitumorais (aflatoxina B1,
nitrosaminas e benzopirenos)
Pele
Premkumar K et al.,
2006
Wang et al., 1991
Wang et al ., 1995
Extracto de açafrão
Reduzir os níveis de colesterol
Modelo animal
Xu et al., 2005
Crocina e crocetina
Aumentar a actividade
cerebral, a aprendizagem e
memorização
Ratos
Abe et al., 2000
Safranal
Actividade neuroprotectora e
efeito sobre o SNC
Ratos
Hosseinzadeh e
Sadegnhia, 2005
Tabela 7 – Farmacologia e aplicações medicinais do Crocus sativus
Vários dos constituintes do Açafrão tem sido investigados pelas suas actividades
antioxidantes, antitumorais, protectoras contra a agentes carcinogénicos, e ainda na redução do
colesterol. (Tab.7).
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A Verdade sobre o Açafrão
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Toxicidade do Açafrão
Em doses elevadas é considerado abortivo, hemorrágico e pode provocar vertigens. O seu
uso como abortivo tem levado a intoxicações graves. A dose letal para o adulto é considerada
entre 12 a 20g. Contudo, em estudos recentes com voluntários não se registaram efeitos
-1
negativos até 200 mg.dia de açafrão, durante uma semana, pelo que é considerado um produto
seguro (Modaghegh et al., 2008).
CONCLUSÃO
O historial das três plantas descritas esteve e está intimamente ligado com a nossa cultura
e vivência no Mundo assim como com a das civilizações com quem temos interagido. A tão
característica flexibilidade e capacidade de absorção portuguesa de outras formas de viver levounos a receber uma influência muito marcada de outros povos e a transmiti-la de várias formas.
Seria interessante analisar esta influência e observar o paradigma descrito com “os açafrões”
num universo maior de condimentos e plantas medicinais.
Os estudos recentemente efectuados sobre as três plantas pesquisadas confirmam o seu
interesse como plantas medicinais importantes, nomeadamente ao nível da actividade
antitumoral, o que as torna recursos importantes para a obtenção de fitoquímicos para a indústria
farmacêutica.
As diferenças encontradas entre as plantas, habitualmente designadas como açafrão, não
são apenas morfológicas e organolépticas mas, também se verificam ao nível das suas
actividades biológicas e toxicidade, pelo que a sua clara designação e reconhecimento são de
toda a importância. Existem ainda outras espécies (Tab. 8) que poderiam ser objecto de confusão
ou falsificação, facto que pode apresentar risco em aplicações medicinais ou gastronómicas.
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A Verdade sobre o Açafrão
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Estames amarelos das flores de Crocus
Qualidades inferiores de açafrão
Sem sabor próprio
Adição de gorduras e óleos ao pó de
açafrão
Aumento do peso dos estigmas
O açafrão deve ser
comprado inteiro e não
em pó
Substituído pelos pós e/ou flores de
Curcuma longa ou de Carthamus
tinctorius
Menos aromáticos e de sabores
diferentes
Confusão mais crítica
em aplicações
medicinais
Crocus clusii - Açafrão bravo
Tintureira, pouco aromática, pinhais e
matos Continente e Madeira
Crocus carpetanus – Açafrão da
Primavera
Pouco aromática, prados e zonas pedregosas
Centro e Norte
Colchicum autumnale – Açafrão de
Outono ou Açafrão dos prados
Bastante parecido e com colchicina
altamente tóxica
Utilização de espécies
afins ou similares
Menos frequente
Tabela 8 – Falsificações com a designação geral de Açafrão
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