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Mercados agrícolas: E depois da euforia?
Paulo Casaca * Estrasburgo, 2007-09-04
a) Expansão da economia mundial
N
este
caminhar
para o final de
2007
vamos
assistindo
à
generalização da subida dos
preços de mercado das
matérias primas agrícolas
que, tendo começado pelo
sector
cerealífero,
se
estendeu progressivamente
a todos os outros, não
deixando de fora sequer
sectores como o café ou o
sumo de laranja.
Muitas razões podem ser
invocadas
para
este
comportamento
dos
mercados, desde a subida
dos preços energéticos –
que fazem subir os custos de
produção e que aumentam a
procura de matérias primas
agrícolas
para
a
transformação energética –
passando por circunstâncias
climatéricas adversas em
alguns países exportadores
até ao comportamento da
procura mundial, razão que
me parece ter sido a mais
importante para as actuais
tendências de preços.
A título de exemplo, calculase que a Índia – segundo
país mais populoso do
mundo – apesar de ser o
país de mais consumidores
vegetarianos e em que,
mesmo entre os outros, o
consumo de carne é
historicamente reduzido, o
consumo de carne de frango
duplicou desde 2000.
Eu mesmo, por ocasião da
deslocação aos Açores a meu
convite do representante de
Taiwan em Lisboa, tinha já
chamado a atenção para o
facto de a capitação de
lacticínios neste país ser 40
vezes superior à da República
Popular da China, e tudo
apontar para que esta viesse a
expandir a sua procura de
acordo com o padrão de
Taiwan.
O actual momento favorável
dos mercados agrícolas está
assim intimamente ligado ao
dinamismo do crescimento
económico mundial e, muito
especialmente, à evolução
económica do continente
asiático, pelo que é nas
condições
de
desenvolvimento
mundial
que se focalizam as atenções.
A Ásia, ou melhor o Extremo
Oriente, ou melhor ainda, a
Ásia que não cabe no
chamado "Grande Médio
Oriente" apresenta condições
gerais de estabilidade, com
os principais focos de
problemas – como a Coreia
do Norte e a Birmânia –
relativamente circunscritos. O
fanatismo islâmico e os
movimentos de terror que
alimenta parecem estar sob
controlo em praticamente
todo o lado (o Afeganistão e
Paquistão podem ser vistos no
contexto do Grande Médio
Oriente). A Rússia, apesar do
aumento da sua instabilidade,
não parece poder vir a ser fonte
de
problemas
sérios
no
continente.
O Grande Médio Oriente
continua instável, com tendência
para piorar. A generalização da
guerra que o Irão move ao
Mundo Árabe – neste momento
centrada no Iraque mas que se
pode estender a todo o
momento aos países do Golfo –
iria ter profundas repercussões
em toda a economia mundial,
especialmente nos mercados
energéticos, que poderiam vir a
causar problemas significativos
nas economias asiáticas e outras
mal preparadas para essa
eventualidade.
No Ocidente desencadeou-se
este Verão uma crise financeira
centrada na bolha especulativa
imobiliária.
O
crescimento
desmesurado
dos
valores
imobiliários tem alimentado em
todo o Ocidente – em especial
nos EUA – um aumento da
procura e do endividamento que
têm servido para dinamizar a
economia mundial e em
particular
as
exportações
asiáticas.
Trata-se de um factor de
grande preocupação, mas
que
não
terá
necessariamente
de
redundar
em
crise
económica, como várias das
anteriores crises financeiras
também não o fizeram.
Em suma, parece-me que os
riscos de descarrilamento da
economia
mundial
são
grandes, mas continuo a
pensar que o mais provável
é que esta os consiga
ultrapassar e que, por essa
razão,
os
mercados
agrícolas se continuem a
comportar positivamente.
b) Alterações das políticas
agrícolas
leiteiras com o objectivo de
aumentar
esses
preços,
tornou-se aquele em que as
atenções mais se focalizaram.
Com o anúncio de um pacote
legislativo agrícola a ser
apresentado em Outubro pela
Comissão Europeia em que o
sector leiteiro era já visto
como aquele onde as
modificações iriam ser as
mais importantes, teremos
naturalmente de esperar
mudanças substanciais.
Com
efeito,
ninguém
consegue compreender que a
União Europeia imponha
quotas leiteiras quando há
escassez de leite no mercado,
e não me parece que a defesa
de posições imobilistas a todo
o custo seja uma posição
razoável.
penso que as organizações
agrícolas deverão pensar já
numa posição ofensiva.
c) Avançar na escala da cadeia
de valor
A
presente subida das
cotações das matériasprimas
e
em
particular, no que diz
respeito aos lacticínios, do leite e
soro em pó e da manteiga,
poderá convencer alguns que
não se torna necessário passar
de um modelo especializado na
faixa mais baixa da cadeia de
valor acrescentado para um
modelo
de
maior
valor
acrescentado.
Penso que seria um erro retirar
essa
conclusão,
porque
independentemente do que se
pesar
de
a
puder passar conjunturalmente,
economia
a lógica do desenvolvimento
europeia, pelo seu
Seja qual for a forma como a
terá sempre de passar por
alto
grau
de
desenvolvimen
produtos de maior
valor
to, ter já um
“ninguém consegue
acrescentado
pequeno grau
sobre a mesma
de
compreender que a União
dependência
matéria-prima.
Europeia
imponha
quotas
em relação aos
Com
apenas
preços
das
leiteiras quando há escassez de
algumas honrosas
matérias
excepções,
o
leite no mercado…”
primas
sector
dos
alimentares –
lacticínios
dos
porque
a
questão se vier a colocar,
Açores tem hoje os seus
alimentação ocupa um lugar
suspensão do sistema de
principais centros de decisão no
menos
importante
na
quotas ou sua progressiva
exterior da região. Trata-se de
estrutura da despesa e
eliminação, penso que não é
uma situação de facto sobre a
porque estas ocupam uma
agora possível permanecer
qual há que saber trabalhar.
parte cada vez menos
com o discurso inalterado e
É natural que as empresas do
importante no preço final do
que, como assinalei no artigo
sector que apenas vêem nos
produto alimentar, a subida
anterior,
é
fundamental
Açores uma fonte conveniente
dos preços alimentares não
pensar
em
políticas
para obter matéria-prima a
deixou de ser notada.
alternativas de segurança do
baixo custo não estejam
rendimento agrícola.
Em particular, o sector
especialmente
vocacionadas
leiteiro, um daqueles em
Por outras palavras, em vez
para modificar o seu sistema de
que a subida dos preços foi
de
permanecerem
funcionamento, introduzindo nos
mais notada, e em que existe
intransigentes na defesa de
Açores cadeias de maior valor
uma política de quotas
posições
insustentáveis,
acrescentado, a menos que as
A
Deste ponto de vista, a situação,
por exemplo, dos excelentes
iogurtes açorianos produzidos
Por essa razão, penso ser
em São Miguel e
absolutamente
na Terceira não
necessário
“pequenas unidades de produção de queijos
é distinta da que
afastar dos
tradicionais e de iogurtes nasceram nos últimos
se observa no
Açores
anos
nos
Açores.
São
iniciativas
cuja
domínio da
qualquer lógica
água, cerveja e
importância não se mede apenas pelo lugar
explícita ou
refrigerantes.
ocupado por elas em quantidade de leite
apenas
Penso que as
implícita de
transformado, mas que influenciam
medidas a
condicionamen
decisivamente todo o desenvolvimento do
desenvolver
têm
to industrial,
sector.”
de ser de vária
não dando a
ordem, mas
novos
às pequenas e médias
investimentos no sector que
empresas, pelo apoio técnico
nenhuma me parece mais
tenham como objectivo
e
administrativo,
pelo
importante do que um apoio à
aumentar o valor
incentivo
à
tecnologia,
comercialização. Com efeito,
acrescentado dos produtos
modernização
e
penso que seria uma excelente
condições de crescimento.
comercialização
destas
ideia – que teria de ser
unidades
e,
ponto
de
capital
compatibilizada com as regras
Algumas
iniciativas
de
importância, estímulo ao
europeias de mercado – atribuir,
pequenas unidades de
mercado
local
para
que
este
com um sistema de pontos por
produção
de
queijos
tenha
mais
em
consideração
a
produto alimentar regional em
tradicionais e de iogurtes
produção regional.
função do seu preço, prémios
nasceram nos últimos anos
aos consumidores como viagens
nos Açores. São iniciativas
Não só nos lacticínios, mas no
ou quaisquer outros utilizados
cuja importância não se
consumo alimentar em geral,
nas campanhas promocionais.
mede apenas pelo lugar
é impressionante verificar a
ocupado por elas em
parte absolutamente exígua
Em qualquer caso, como tenho
quantidade
de
leite
ocupada
pela
produção
sistematicamente sustentado, a
transformado, mas que
regional no consumo geral,
diversificação continua na ordem
influenciam decisivamente
sem qualquer razão aparente
do dia, e a melhor forma de
todo o desenvolvimento do
que esteja para lá desta vaga
prevenir o futuro é ter várias
sector.
noção de que aquilo que é
portas abertas de saída em caso
regional
é
necessariamente
de dificuldades em manter
Estou em crer que é
menos bom do que aquilo
escancarada a que costumamos
necessário estimular essas
que vem de fora.
utilizar.
iniciativas e permitir que
condições de mercado as
forcem a tomar essa opção.
muitas outras nasçam, e isto
passa por dar maior atenção
no incentivo ao investimento
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