Artigo Original

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Tradução para a língua portuguesa do M.D. Anderson
Symptom Inventory – head and neck module (MDASI-H&N)
Translation of the M.D. Anderson Symptom Inventory head and neck module (MDASI-H&N) to Brazilian Portuguese
RESUMO
Karine Azevedo São Leão Ferreira1
William Nassib William Jr.2
Tito R. Mendonza3
Miako Kimura4
Luiz Paulo Kowalski5
David I. Rosenthal6
Charles S. Cleeland7
ABSTRACT
Introdução: Pacientes com câncer de cabeça e pescoço (CCP)
apresentam diversos sintomas durante o curso de sua doença,
sejam decorrentes do câncer ou do tratamento. Entretanto, esses
sintomas são raramente avaliados de forma rotineira, resultando
em identificação tardia, piora da qualidade da vida, com impacto
significativo na capacidade funcional dos pacientes e nos custos da
assistência. Há diversos instrumentos genéricos disponíveis para
avaliar múltiplos sintomas em pacientes com câncer e, ao menos,
dois específicos para pacientes com CCP (o Head and Neck
Distress Scale [HNDS] e o M. D. Anderson Symptom Inventory Head&Neck [MDASI-H&N]). Infelizmente, nenhum desses
instrumentos foi traduzido ou validado para o português do Brasil.
Objetivo: Apresentar a tradução da versão brasileira do MDASIH&N, uma ferramenta simples, de auto-relato, validada na língua
inglesa, específica para avaliar a presença e intensidade de
múltiplos sintomas em pacientes com CCP e o impacto desses
sintomas na vida diária. Métodos: Foi realizada tradução e
retrotradução do MDASI-H&N, considerando os padrões
internacionalmente recomendados, sendo as versões finais
comparadas e avaliadas por comitê de pesquisadores brasileiros e
do hospital M. D. Anderson Cancer Center. Resultados: O
instrumento traduzido é apresentado nessa publicação e,
atualmente, passa por processo de validação clínica no Brasil.
Conclusão: Por ser um instrumento padronizado internacionalmente e racionalmente estabelecido, recomenda-se que, após sua
validação em português, o MDASI-H&N seja adotado como a
ferramenta padrão-ouro para avaliação sintomática de pacientes
de cabeça e pescoço em protocolos clínicos conduzidos no Brasil e
na prática clínica diária.
Introduction: Head and neck cancer (HNC) patients present
multiple symptoms during the course of their disease, either as a
result of cancer itself or its treatment. Nonetheless, these
symptoms are rarely systematically assessed, leading to delays in
their identification, quality of life deterioration, thus resulting in
significant impact on patient functional capacity and costs of health
care. Generic instruments for symptom evaluation in cancer
patients are available, and two have been specifically designed for
HNC (the Head and Neck Distress Scale [HNDS] and the M. D.
Anderson Symptom Inventory - Head&Neck [MDASI-H&N]).
Unfortunately, none of these tools have been translated to or
validated in Brazilian Portuguese. Objective: To describe the
Brazilian Portuguese version of the MDASI-H&N, a simple, selfreporting tool, which was originally developed and validated in
English. It was specifically designed to assess the occurrence and
severity of multiple symptoms, the overall symptom burden, and the
interference of these symptoms with daily life. Methods:
Translation and back-translation of the MDASI-H&N to Brazilian
Portuguese were performed. The final versions were compared and
contrasted by a committee composed of investigators from Brazil
and from M. D. Anderson Cancer Center. Results: The translated
instrument is presented herein. It is currently undergoing clinical
validation in Brazil. Conclusion: Since the MDASI-H&N is an
internationally standardized and rationally designed instrument, we
strongly recommend that, after the clinical validation in Portuguese,
this tool be adopted as the gold-standard instrument for symptom
evaluation in HNC patients participating in clinical studies in Brazil,
as well as in routine clinical practice.
Descritores: Neoplasias de Cabeça e Pescoço. Sinais e
Sintomas. Avaliação da Deficiência. Atividades Cotidianas.
Keywords: Head and Neck Neoplasms. Signals and Symptoms.
Disability Evaluation. Activities of Daily Living.
INTRODUÇÃO
Pacientes com câncer freqüentemente relatam sintomas
decorrentes da doença em si ou relacionados à toxicidade dos
tratamentos oncológicos. Esses sintomas, quando não
identificados e tratados precocemente, estão associados à
redução da sobrevida1,2, da qualidade de vida3 e da capacidade
funcional destes indivíduos4.
A prevalência, a intensidade e a percepção da importância e
impacto dos sintomas na qualidade de vida e atividades diárias
apresentam grande variabilidade entre pacientes e são
fortemente influenciadas pelo estádio da doença e do tratamento. Estudo avaliando a importância atribuída pelos pacientes
com câncer de cabeça e pescoço (CCP) aos sintomas antes e
após tratamento radioterápico verificou que antes da radioterapia, a capacidade para deglutir alimentos e líqüidos foi considerada a habilidade que o paciente menos gostaria de perder,
seguida pela voz. Após o término da radioterapia, estar sem dor
1) Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Pesquisadora visitante do Department of Symptom Research, the University of Texas M.D. Anderson
Cancer Center, Houston, Texas, Estados Unidos.
2) Médico Residente do Department of Thoracic/Head and Neck Medical Oncology the University of Texas M.D. Anderson Cancer Center, Houston, TX, Estados Unidos.
3) Professor Doutor do Department of Symptom Research, the University of Texas M.D. Anderson Cancer Center, Houston, TX, Estados Unidos.
4) Professora Livre-Docente do Departamento de Enfermagem Médico-cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.
5) Professor Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diretor do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital A. C.
Camargo, São Paulo.
6) Professor Associado do Department of Radiation Oncology, the University of Texas M. D. Anderson Cancer Center, Houston, Texas, Estados Unidos.
7) Professor Doutor. Diretor do Department of Symptom Research, the University of Texas M.D. Anderson Cancer Center, Houston, TX, USA.
Instituições: University of Texas M.D. Anderson Cancer Center e Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital A. C. Camargo
Correspondência: Karine Azevedo São Leão Ferreira, Rua Coronel Camisão, 409 apto. 72 – 05590-120 São Paulo, SP. Brasil. E-mail: [email protected] e [email protected]
Recebido em: 27/12/2007; aceito para publicação em: 21/03/2008; publicado on-line em: 15/05/2008.
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
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foi o principal aspecto priorizado pelos pacientes5.
Os sintomas mais prevalentes em pacientes com câncer de
cabeça e pescoço (CCP), independente da modalidade de
tratamento, são problemas com muco ou secreções e presença
de inflamação e feridas na faringe ou boca, alteração no
paladar, dificuldade para deglutir/mastigar, xerostomia, dor e
fadiga6. A freqüência dos sintomas varia a depender do tipo de
tratamento recebido. Pacientes submetidos apenas à radioterapia referem, principalmente: xerostomia, alterações na
saliva, dor e dificuldades para deglutir, abrir a boca e comer3.
Esses sintomas são mais prevalentes em pacientes submetidos à radioterapia convencional que à conformacional.
Nos pacientes submetidos à radioterapia conformacional,
observa-se maior incidência de dor, perda do apetite (inapetência), dificuldade para deglutir, falar e comer, alteração no
paladar e olfato e alterações dentárias7. A depressão também é
observada entre pacientes em radioterapia8.
Entre os brasileiros com câncer de cabeça e pescoço, estudo
realizado com pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo verificou
que os sintomas mais prevalentes foram dificuldade para
mastigar e deglutir, dor e diminuição no fluxo salivar. Esses
sintomas foram relatados pelos pacientes até um ano após o
tratamento, estando associados à piora da qualidade de vida
relacionada à saúde9. Assim, a avaliação regular dos sintomas
é fundamental para assegurar a identificação e o tratamento
precoce, bem como a manutenção e promoção da qualidade de
vida dos pacientes com CCP.
Os sintomas geralmente apresentam-se concomitantemente,
devendo ser investigados por instrumentos de avaliação dos
múltiplos sintomas. Essa avaliação pode ser objetiva ou
subjetiva. A primeira refere-se à avaliação dos sintomas
realizada pelo profissional de saúde e, dentre os instrumentos
aplicados, destaca-se o Critério Comum de Toxicidade do
National Cancer Institute (NCI)10, que tem sido largamente
utilizado em protocolos clínicos.
A avaliação subjetiva é realizada pelos instrumentos de autorelato, também denominados patient-reported outcomes
(PRO), que avaliam a percepção do paciente sobre o seu
tratamento ou condição clínica. PRO são medidas de qualquer
aspecto do estado de saúde do paciente, as quais são relatadas diretamente pelo paciente, sem a interpretação das
respostas pelo médico ou qualquer outra pessoa11. Dentre as
medidas de PRO, estão as de avaliação de sintomas e as de
qualidade de vida. Essas medidas de sintomas podem ser
genéricas (utilizadas para mensurar sintomas de qualquer
grupo de indivíduos) ou específicas (utilizadas para mensurar
sintomas em grupos específicos de doenças, faixa etária,
gênero etc.).
Os instrumentos genéricos, embora sejam úteis para fazer
comparações entre indivíduos com diferentes doenças, não
apresentam a especificidade necessária para determinar o
verdadeiro impacto, seja dano ou benefício, de tratamentos12.
Assim, os instrumentos específicos deveriam ser preferencialmente utilizados em ensaios clínicos e para avaliar resposta
terapêutica na prática clínica diária.
Estão disponíveis atualmente vários instrumentos genéricos
para avaliação de múltiplos sintomas13, mas eles diferem em
número de sintomas avaliados, nível de medida (ordinal,
nominal, contínua etc.) e o período de avaliação a que se
referem (ex. as últimas 24 horas, a última semana, o último mês
etc.). Os mais freqüentemente utilizados são: Symptom
Distress Scale, Memorial Symptom Assessment Scale,
Rotterdam Symptom Checklist, Edmonton Symptom
Assessment e, mais recentemente, o MD Anderson Symptom
Inventory (MDASI).
O Inventário de Sintomas do M.D. Anderson (MDASI-core) tem
sido identificado como um provável padrão-ouro para a
avaliação de sintomas por pacientes em ensaios clínicos e na
prática clínica diária, devido às suas propriedades
110
psicométricas; por avaliar a intensidade dos sintomas em uma
escala semi-contínua de 0 a 10; por avaliar os sintomas nas
últimas 24 horas; por ser de auto-relato; por ter-se mostrado
válido para avaliação de sintomas por entrevista via telefone e
por meio de sistema interativo de avaliação de sintomas via
telefone (IVR - Interactive Voice Response); e por conter itens
que avaliam o impacto dos sintomas nas atividades de vida
diária, humor, trabalho, habilidade para caminhar,
relacionamentos e aproveitamento da vida13.
O MDASI requer, em média, apenas cinco minutos para o seu
preenchimento. A versão original em inglês foi elaborada e
validada por Cleeland et al. (2000)14, tendo demonstrado ser
válida e confiável para mensuração de múltiplos sintomas e
interferência destes na vida de pacientes com câncer. Além
disto, o MDASI foi traduzido e validado em diversas línguas e
culturas, mostrando-se sensível, válido e confiável15-18.
Até o momento, apenas dois instrumentos foram especificamente desenvolvidos para aplicação em pacientes com CCP: o
Head and Neck Distress Scale (HNDS)19 e o Head&Neck MD.
Anderson Symptom Inventory (MDASI-H&N)6. O HNDS foi
elaborado a partir do Cancer Disease and Treatment Concern
Scale (CDTCS), com o acréscimo de 15 itens específicos, tendo
mostrado-se válido e confiável. Entretanto, não avalia o impacto
desses sintomas na vida diária do paciente, considera os
sintomas no período de um mês e utiliza uma escala de 6pontos (0 a 5), que é menos precisa que a de 11 pontos (0 a 10)
devido ao nível da medida20. O MDASI-H&N foi desenvolvido a
partir do MDASI-core (instrumento-base genérico), acrescido
de nove itens específicos para pacientes com CCP (vide
descrição detalhada na seção “Resultados”). Os sintomas são
avaliados numa escala de 11-pontos, levando-se em conta os
sintomas apresentados nas últimas 24 horas e a interferência
destes na vida do indivíduo. Dessa forma, o MDASI-H&N pode
ser considerado uma melhor alternativa em comparação ao
HNDS.
No Brasil, infelizmente nenhum desses instrumentos está
disponível para a avaliação de múltiplos sintomas em pacientes
com CCP. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi
realizar a tradução do Head&Neck MD. Anderson Symptom
Inventory (MDASI-H&N) para o português do Brasil, visando
disponibilizar para clínicos e pesquisadores um instrumento
simples, rápido e que pode ser utilizado regularmente.
MÉTODOS
A tradução e adaptação do MDASI-H&N foram realizadas
seguindo normas internacionalmente recomendadas21. O
MDASI-H&N foi traduzido para o português por dois brasileiros
com fluência em inglês e português, sendo geradas duas
versões independentes (V1 e V2). Essas duas versões foram
avaliadas pelos pesquisadores brasileiros que elaboraram uma
terceira versão (V3). A terceira versão foi então submetida à
retrotradução para o inglês (back-translation), realizada por um
médico com fluência em português e inglês, que desconhecia o
instrumento original em inglês e o objetivo da tradução, sendo
produzida uma versão em inglês.
A equivalência semântica da versão original em inglês, da
versão em inglês resultante da back-translation e da terceira
versão em português foi julgada por um comitê formado por
uma equipe multidisciplinar (enfermeiro, médico, psicólogo e
dentista) conhecedora do tema pesquisado e da finalidade do
instrumento e dos conceitos a serem analisados. O trabalho dos
juízes consistiu em detectar possíveis divergências nas
traduções, cabendo-lhes comparar os termos e palavras entre
si, verificando se os itens da escala referiam-se ou não aos
conceitos mensurados no instrumento original. A partir dos
pareceres dos juízes, foi elaborada a versão final do instrumento (V4).
A avaliação da equivalência semântica foi realizada sob
coordenação dos pesquisadores que elaboraram o MDASI
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original, com a participação da pesquisadora principal, no
Department of Symptom Research, University of Texas MD
Anderson Cancer Center, Houston, Texas.
Tabela 1. Distribuição dos itens do MDASI-head&neck nas subescalas.
RESULTADOS
A partir da retrotradução e da avaliação dos juízes, resultou a
versão brasileira final do MDASI-cabeça e pescoço (figura 1), a
qual está sendo submetida à avaliação das suas propriedades
psicométricas em estudo em andamento.
A concordância semântica entre a versão 3 em português e a
versão original foi de 100% para a maioria dos itens, exceto
para os itens 5, 21 e 28. No item 21 na versão 3 (em português)
constava a palavra “inflamação” a qual foi removida, sendo
mantida apenas a palavra “ferida” na versão 4. No item 5 a
palavra em inglês “upset” foi traduzida como “aborrecimento”
na versão 1 e como “estresse” na versão 2, sendo que na
versão 3 foram incluídas ambas as palavras, mas após a backtranslation e a avaliação dos juízes, na versão 4 foi mantida
apenas a palavra “aborrecimentos”.
No item 28, o termo “enjoyment of life” da versão original, foi
traduzido para o português, nas versões 1, 2 e 3 como “prazer
de viver”. Na back-translation o termo foi traduzido para o inglês
como “pleasure of life”. Apesar de esse termo não ser idêntico
ao da versão original, o comitê de juízes julgou haver equivalência semântica entre eles, sendo mantido na versão 4 o termo
“prazer de viver”.
O comitê de juízes não julgou necessária a remoção de
nenhum dos 28 itens da versão original em inglês. Assim, a
versão brasileira do MDASI-head&neck (MDASI-H&N) incluiu
28 itens, sendo nove para avaliação de sintomas gerais, seis
para avaliação da interferência dos sintomas com a vida e nove
itens específicos, que avaliam os seguintes sintomas: problemas com muco ou secreções (catarro) na boca ou garganta,
dificuldade para deglutir/mastigar, engasgamento com
alimentos ou líquidos, dificuldade para falar ou alteração na
voz, dor/irritação/queimação na pele, alteração no paladar,
feridas na garganta ou boca e alterações nos dentes ou
gengiva – figura 1.
Os sintomas e sua interferência são avaliados em escala tipo
Likert de 0 a 10 e referem-se às últimas 24 horas, sendo que
quanto maior o valor atribuído pelo paciente, maior a intensidade do sintoma ou sua interferência com as atividades da vida.
O MDASI H&N não permite calcular um escore geral, mas um
escore para os itens de sintomas e um para os de interferência
com a vida, conforme apresentado na tabela 1. O princípio para
determinar os escores das sub-escalas e escore total do
instrumento é apresentado abaixo. Valores mais altos nas
escalas de sintomas e de interferência com a vida representam,
respectivamente, maiores níveis percebidos de intensidade e
de interferência.
O escore (E) é formado pelo somatório do valor das alternativas
assinaladas em cada questão/item que compõe a escala,
dividido pelo número de respostas. O valor das alternativas
varia de 0 a 10:
E= q1+q2+q3....qn/n
sendo que n é o número total dos itens que compõem a escala
ou do item individual.
As propriedades métricas da versão original em inglês foram
testadas, tendo demonstrado ser válida e confiável para
mensuração de múltiplos sintomas e da sua interferência na
vida dos pacientes (alfa de Cronbach= 0,88 para sintomas em
geral; 0,83 para os nove itens específicos para câncer de
cabeça e pescoço e 0,92 para os seis itens de interferência com
a vida)6.
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DISCUSSÃO
Os sintomas em pacientes com câncer, apesar de altamente
prevalentes, muitas vezes não são tratados. As maiores
barreiras para o adequado controle dos sintomas seriam
decorrentes do comportamento e atitudes de profissionais e
pacientes. Dificuldades para a avaliação da dor e relutância do
paciente em relatar a presença da dor têm sido descritas por
cerca de 75% dos oncologistas e 77% dos radiologistas como
as principais causas para o inadequado controle desse
sintoma22,23. Muitas vezes, os pacientes hesitam em relatar a
presença desses sintomas até que a sua intensidade seja
insuportável24, sendo necessário atendimento de emergência
ou hospitalização, o que resulta em aumento dos custos e piora
da qualidade de vida desse pacientes e seus familiares.
Sob o ponto de vista do paciente, uma das justificativas para
esse comportamento é o temor da reação do profissional de
saúde ou por considerar que o profissional está ocupado
demais para despender tempo com o controle do seu sintoma19.
No que se refere aos profissionais de saúde, estes raramente
incluem a avaliação dos sintomas como parte da rotina nos seus
serviços25. Geralmente, atribuem menor freqüência e intensidade aos sintomas do que os pacientes26, o que também pode
resultar em sub-tratamento.
No Brasil, provavelmente os profissionais e pacientes apresentam crenças semelhantes e essa avaliação também é rara;
ademais, a disponibilidade de instrumentos validados também
é pequena. Como os pacientes com câncer geralmente
apresentam mais que três sintomas simultaneamente27, seria
logisticamente inviável a utilização regular de diferentes
instrumentos específicos para avaliar cada sintoma apresentado. Entretanto, instrumentos que avaliam múltiplos sintomas
não estão validados para pacientes brasileiros com câncer.
Nesse cenário, a disponibilização no Brasil de instrumentos
específicos para a avaliação diária de múltiplos sintomas em
pacientes com câncer seria certamente uma ferramenta
bastante útil para todos os profissionais de saúde e para
pesquisa clínica e potencialmente resultaria em identificação
precoce e tratamento dos sintomas28, redução dos custos;
melhoraria da qualidade de vida e da assistência aos pacientes
com câncer; definição de prognóstico, visto que o aumento de
sintomas está associado com menor sobrevida1; e demonstração da efetividade e controle da toxicidade de tratamentos
oncológicos29.
O impacto dos sintomas na qualidade de vida não é igual para
todos os sintomas. Em pacientes com câncer de mama, por
exemplo, a fadiga tem sido descrita como o principal preditor de
funcionalidade e qualidade de vida geral30; já em pacientes com
câncer de pâncreas, não apenas a fadiga, mas principalmente a
dor estaria associada à redução da qualidade de vida31. Assim,
instrumentos desenvolvidos para cada tipo de câncer devem
ser preferencialmente utilizados, uma vez que poderiam
potencialmente identificar os sintomas que apresentam maior
impacto na qualidade de vida dos pacientes com subtipos
tumorais específicos, sua variação conforme o estádio da
doença e/ou tratamento e, mesmo, associação com a
sobrevida.
O clínico ou pesquisador, antes de selecionar o instrumento a
ser utilizado para avaliar múltiplos sintomas, deve verificar se
111
este é clinicamente e cientificamente consistente, se foram
adequadamente desenvolvidos, envolvendo a participação de
pacientes e clínicos e se tiveram suas propriedades
psicométricas avaliadas. Caso contrário, não é possível
assegurar a sua confiabilidade (habilidade para produzir
escores consistentes e reproduzíveis/replicáveis) ou validade
(ser capaz de medir o que pretende medir). Além disso, o
instrumento deveria ser responsivo a mudanças (por exemplo,
ser capaz de medir o impacto da cirurgia ou da radioterapia).
Finalmente, além da confiabilidade, validade e responsividade,
deveria ser considerada a utilidade clínica do questionário,
devendo, nesse tópico, ser considerada a dificuldade para
responder os itens e o tempo necessário para o
preenchimento32.
Dessa forma, a versão brasileira do MDASI-HN encontra-se
agora traduzida e, após a sua validação (atualmente em
andamento), será certamente uma ferramenta muito útil para
clínicos e pesquisadores na identificação da ocorrência de
múltiplos sintomas, permitindo seu tratamento precoce e,
conseqüentemente, melhora da qualidade de vida do doente.
Por ser um instrumento padronizado internacionalmente e
racionalmente estabelecido, recomendamos que seja adotado
como a ferramenta padrão-ouro para avaliação sintomática de
pacientes de cabeça e pescoço em protocolos clínicos
conduzidos no Brasil.
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