Artigo Original Tradução para a língua portuguesa do M.D. Anderson Symptom Inventory – head and neck module (MDASI-H&N) Translation of the M.D. Anderson Symptom Inventory head and neck module (MDASI-H&N) to Brazilian Portuguese RESUMO Karine Azevedo São Leão Ferreira1 William Nassib William Jr.2 Tito R. Mendonza3 Miako Kimura4 Luiz Paulo Kowalski5 David I. Rosenthal6 Charles S. Cleeland7 ABSTRACT Introdução: Pacientes com câncer de cabeça e pescoço (CCP) apresentam diversos sintomas durante o curso de sua doença, sejam decorrentes do câncer ou do tratamento. Entretanto, esses sintomas são raramente avaliados de forma rotineira, resultando em identificação tardia, piora da qualidade da vida, com impacto significativo na capacidade funcional dos pacientes e nos custos da assistência. Há diversos instrumentos genéricos disponíveis para avaliar múltiplos sintomas em pacientes com câncer e, ao menos, dois específicos para pacientes com CCP (o Head and Neck Distress Scale [HNDS] e o M. D. Anderson Symptom Inventory Head&Neck [MDASI-H&N]). Infelizmente, nenhum desses instrumentos foi traduzido ou validado para o português do Brasil. Objetivo: Apresentar a tradução da versão brasileira do MDASIH&N, uma ferramenta simples, de auto-relato, validada na língua inglesa, específica para avaliar a presença e intensidade de múltiplos sintomas em pacientes com CCP e o impacto desses sintomas na vida diária. Métodos: Foi realizada tradução e retrotradução do MDASI-H&N, considerando os padrões internacionalmente recomendados, sendo as versões finais comparadas e avaliadas por comitê de pesquisadores brasileiros e do hospital M. D. Anderson Cancer Center. Resultados: O instrumento traduzido é apresentado nessa publicação e, atualmente, passa por processo de validação clínica no Brasil. Conclusão: Por ser um instrumento padronizado internacionalmente e racionalmente estabelecido, recomenda-se que, após sua validação em português, o MDASI-H&N seja adotado como a ferramenta padrão-ouro para avaliação sintomática de pacientes de cabeça e pescoço em protocolos clínicos conduzidos no Brasil e na prática clínica diária. Introduction: Head and neck cancer (HNC) patients present multiple symptoms during the course of their disease, either as a result of cancer itself or its treatment. Nonetheless, these symptoms are rarely systematically assessed, leading to delays in their identification, quality of life deterioration, thus resulting in significant impact on patient functional capacity and costs of health care. Generic instruments for symptom evaluation in cancer patients are available, and two have been specifically designed for HNC (the Head and Neck Distress Scale [HNDS] and the M. D. Anderson Symptom Inventory - Head&Neck [MDASI-H&N]). Unfortunately, none of these tools have been translated to or validated in Brazilian Portuguese. Objective: To describe the Brazilian Portuguese version of the MDASI-H&N, a simple, selfreporting tool, which was originally developed and validated in English. It was specifically designed to assess the occurrence and severity of multiple symptoms, the overall symptom burden, and the interference of these symptoms with daily life. Methods: Translation and back-translation of the MDASI-H&N to Brazilian Portuguese were performed. The final versions were compared and contrasted by a committee composed of investigators from Brazil and from M. D. Anderson Cancer Center. Results: The translated instrument is presented herein. It is currently undergoing clinical validation in Brazil. Conclusion: Since the MDASI-H&N is an internationally standardized and rationally designed instrument, we strongly recommend that, after the clinical validation in Portuguese, this tool be adopted as the gold-standard instrument for symptom evaluation in HNC patients participating in clinical studies in Brazil, as well as in routine clinical practice. Descritores: Neoplasias de Cabeça e Pescoço. Sinais e Sintomas. Avaliação da Deficiência. Atividades Cotidianas. Keywords: Head and Neck Neoplasms. Signals and Symptoms. Disability Evaluation. Activities of Daily Living. INTRODUÇÃO Pacientes com câncer freqüentemente relatam sintomas decorrentes da doença em si ou relacionados à toxicidade dos tratamentos oncológicos. Esses sintomas, quando não identificados e tratados precocemente, estão associados à redução da sobrevida1,2, da qualidade de vida3 e da capacidade funcional destes indivíduos4. A prevalência, a intensidade e a percepção da importância e impacto dos sintomas na qualidade de vida e atividades diárias apresentam grande variabilidade entre pacientes e são fortemente influenciadas pelo estádio da doença e do tratamento. Estudo avaliando a importância atribuída pelos pacientes com câncer de cabeça e pescoço (CCP) aos sintomas antes e após tratamento radioterápico verificou que antes da radioterapia, a capacidade para deglutir alimentos e líqüidos foi considerada a habilidade que o paciente menos gostaria de perder, seguida pela voz. Após o término da radioterapia, estar sem dor 1) Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Pesquisadora visitante do Department of Symptom Research, the University of Texas M.D. Anderson Cancer Center, Houston, Texas, Estados Unidos. 2) Médico Residente do Department of Thoracic/Head and Neck Medical Oncology the University of Texas M.D. Anderson Cancer Center, Houston, TX, Estados Unidos. 3) Professor Doutor do Department of Symptom Research, the University of Texas M.D. Anderson Cancer Center, Houston, TX, Estados Unidos. 4) Professora Livre-Docente do Departamento de Enfermagem Médico-cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. 5) Professor Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diretor do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital A. C. Camargo, São Paulo. 6) Professor Associado do Department of Radiation Oncology, the University of Texas M. D. Anderson Cancer Center, Houston, Texas, Estados Unidos. 7) Professor Doutor. Diretor do Department of Symptom Research, the University of Texas M.D. Anderson Cancer Center, Houston, TX, USA. Instituições: University of Texas M.D. Anderson Cancer Center e Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital A. C. Camargo Correspondência: Karine Azevedo São Leão Ferreira, Rua Coronel Camisão, 409 apto. 72 – 05590-120 São Paulo, SP. Brasil. E-mail: [email protected] e [email protected] Recebido em: 27/12/2007; aceito para publicação em: 21/03/2008; publicado on-line em: 15/05/2008. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 109 - 113, abril / maio / junho 2008 109 foi o principal aspecto priorizado pelos pacientes5. Os sintomas mais prevalentes em pacientes com câncer de cabeça e pescoço (CCP), independente da modalidade de tratamento, são problemas com muco ou secreções e presença de inflamação e feridas na faringe ou boca, alteração no paladar, dificuldade para deglutir/mastigar, xerostomia, dor e fadiga6. A freqüência dos sintomas varia a depender do tipo de tratamento recebido. Pacientes submetidos apenas à radioterapia referem, principalmente: xerostomia, alterações na saliva, dor e dificuldades para deglutir, abrir a boca e comer3. Esses sintomas são mais prevalentes em pacientes submetidos à radioterapia convencional que à conformacional. Nos pacientes submetidos à radioterapia conformacional, observa-se maior incidência de dor, perda do apetite (inapetência), dificuldade para deglutir, falar e comer, alteração no paladar e olfato e alterações dentárias7. A depressão também é observada entre pacientes em radioterapia8. Entre os brasileiros com câncer de cabeça e pescoço, estudo realizado com pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo verificou que os sintomas mais prevalentes foram dificuldade para mastigar e deglutir, dor e diminuição no fluxo salivar. Esses sintomas foram relatados pelos pacientes até um ano após o tratamento, estando associados à piora da qualidade de vida relacionada à saúde9. Assim, a avaliação regular dos sintomas é fundamental para assegurar a identificação e o tratamento precoce, bem como a manutenção e promoção da qualidade de vida dos pacientes com CCP. Os sintomas geralmente apresentam-se concomitantemente, devendo ser investigados por instrumentos de avaliação dos múltiplos sintomas. Essa avaliação pode ser objetiva ou subjetiva. A primeira refere-se à avaliação dos sintomas realizada pelo profissional de saúde e, dentre os instrumentos aplicados, destaca-se o Critério Comum de Toxicidade do National Cancer Institute (NCI)10, que tem sido largamente utilizado em protocolos clínicos. A avaliação subjetiva é realizada pelos instrumentos de autorelato, também denominados patient-reported outcomes (PRO), que avaliam a percepção do paciente sobre o seu tratamento ou condição clínica. PRO são medidas de qualquer aspecto do estado de saúde do paciente, as quais são relatadas diretamente pelo paciente, sem a interpretação das respostas pelo médico ou qualquer outra pessoa11. Dentre as medidas de PRO, estão as de avaliação de sintomas e as de qualidade de vida. Essas medidas de sintomas podem ser genéricas (utilizadas para mensurar sintomas de qualquer grupo de indivíduos) ou específicas (utilizadas para mensurar sintomas em grupos específicos de doenças, faixa etária, gênero etc.). Os instrumentos genéricos, embora sejam úteis para fazer comparações entre indivíduos com diferentes doenças, não apresentam a especificidade necessária para determinar o verdadeiro impacto, seja dano ou benefício, de tratamentos12. Assim, os instrumentos específicos deveriam ser preferencialmente utilizados em ensaios clínicos e para avaliar resposta terapêutica na prática clínica diária. Estão disponíveis atualmente vários instrumentos genéricos para avaliação de múltiplos sintomas13, mas eles diferem em número de sintomas avaliados, nível de medida (ordinal, nominal, contínua etc.) e o período de avaliação a que se referem (ex. as últimas 24 horas, a última semana, o último mês etc.). Os mais freqüentemente utilizados são: Symptom Distress Scale, Memorial Symptom Assessment Scale, Rotterdam Symptom Checklist, Edmonton Symptom Assessment e, mais recentemente, o MD Anderson Symptom Inventory (MDASI). O Inventário de Sintomas do M.D. Anderson (MDASI-core) tem sido identificado como um provável padrão-ouro para a avaliação de sintomas por pacientes em ensaios clínicos e na prática clínica diária, devido às suas propriedades 110 psicométricas; por avaliar a intensidade dos sintomas em uma escala semi-contínua de 0 a 10; por avaliar os sintomas nas últimas 24 horas; por ser de auto-relato; por ter-se mostrado válido para avaliação de sintomas por entrevista via telefone e por meio de sistema interativo de avaliação de sintomas via telefone (IVR - Interactive Voice Response); e por conter itens que avaliam o impacto dos sintomas nas atividades de vida diária, humor, trabalho, habilidade para caminhar, relacionamentos e aproveitamento da vida13. O MDASI requer, em média, apenas cinco minutos para o seu preenchimento. A versão original em inglês foi elaborada e validada por Cleeland et al. (2000)14, tendo demonstrado ser válida e confiável para mensuração de múltiplos sintomas e interferência destes na vida de pacientes com câncer. Além disto, o MDASI foi traduzido e validado em diversas línguas e culturas, mostrando-se sensível, válido e confiável15-18. Até o momento, apenas dois instrumentos foram especificamente desenvolvidos para aplicação em pacientes com CCP: o Head and Neck Distress Scale (HNDS)19 e o Head&Neck MD. Anderson Symptom Inventory (MDASI-H&N)6. O HNDS foi elaborado a partir do Cancer Disease and Treatment Concern Scale (CDTCS), com o acréscimo de 15 itens específicos, tendo mostrado-se válido e confiável. Entretanto, não avalia o impacto desses sintomas na vida diária do paciente, considera os sintomas no período de um mês e utiliza uma escala de 6pontos (0 a 5), que é menos precisa que a de 11 pontos (0 a 10) devido ao nível da medida20. O MDASI-H&N foi desenvolvido a partir do MDASI-core (instrumento-base genérico), acrescido de nove itens específicos para pacientes com CCP (vide descrição detalhada na seção “Resultados”). Os sintomas são avaliados numa escala de 11-pontos, levando-se em conta os sintomas apresentados nas últimas 24 horas e a interferência destes na vida do indivíduo. Dessa forma, o MDASI-H&N pode ser considerado uma melhor alternativa em comparação ao HNDS. No Brasil, infelizmente nenhum desses instrumentos está disponível para a avaliação de múltiplos sintomas em pacientes com CCP. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi realizar a tradução do Head&Neck MD. Anderson Symptom Inventory (MDASI-H&N) para o português do Brasil, visando disponibilizar para clínicos e pesquisadores um instrumento simples, rápido e que pode ser utilizado regularmente. MÉTODOS A tradução e adaptação do MDASI-H&N foram realizadas seguindo normas internacionalmente recomendadas21. O MDASI-H&N foi traduzido para o português por dois brasileiros com fluência em inglês e português, sendo geradas duas versões independentes (V1 e V2). Essas duas versões foram avaliadas pelos pesquisadores brasileiros que elaboraram uma terceira versão (V3). A terceira versão foi então submetida à retrotradução para o inglês (back-translation), realizada por um médico com fluência em português e inglês, que desconhecia o instrumento original em inglês e o objetivo da tradução, sendo produzida uma versão em inglês. A equivalência semântica da versão original em inglês, da versão em inglês resultante da back-translation e da terceira versão em português foi julgada por um comitê formado por uma equipe multidisciplinar (enfermeiro, médico, psicólogo e dentista) conhecedora do tema pesquisado e da finalidade do instrumento e dos conceitos a serem analisados. O trabalho dos juízes consistiu em detectar possíveis divergências nas traduções, cabendo-lhes comparar os termos e palavras entre si, verificando se os itens da escala referiam-se ou não aos conceitos mensurados no instrumento original. A partir dos pareceres dos juízes, foi elaborada a versão final do instrumento (V4). A avaliação da equivalência semântica foi realizada sob coordenação dos pesquisadores que elaboraram o MDASI Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 109 - 113, abril / maio / junho 2008 original, com a participação da pesquisadora principal, no Department of Symptom Research, University of Texas MD Anderson Cancer Center, Houston, Texas. Tabela 1. Distribuição dos itens do MDASI-head&neck nas subescalas. RESULTADOS A partir da retrotradução e da avaliação dos juízes, resultou a versão brasileira final do MDASI-cabeça e pescoço (figura 1), a qual está sendo submetida à avaliação das suas propriedades psicométricas em estudo em andamento. A concordância semântica entre a versão 3 em português e a versão original foi de 100% para a maioria dos itens, exceto para os itens 5, 21 e 28. No item 21 na versão 3 (em português) constava a palavra “inflamação” a qual foi removida, sendo mantida apenas a palavra “ferida” na versão 4. No item 5 a palavra em inglês “upset” foi traduzida como “aborrecimento” na versão 1 e como “estresse” na versão 2, sendo que na versão 3 foram incluídas ambas as palavras, mas após a backtranslation e a avaliação dos juízes, na versão 4 foi mantida apenas a palavra “aborrecimentos”. No item 28, o termo “enjoyment of life” da versão original, foi traduzido para o português, nas versões 1, 2 e 3 como “prazer de viver”. Na back-translation o termo foi traduzido para o inglês como “pleasure of life”. Apesar de esse termo não ser idêntico ao da versão original, o comitê de juízes julgou haver equivalência semântica entre eles, sendo mantido na versão 4 o termo “prazer de viver”. O comitê de juízes não julgou necessária a remoção de nenhum dos 28 itens da versão original em inglês. Assim, a versão brasileira do MDASI-head&neck (MDASI-H&N) incluiu 28 itens, sendo nove para avaliação de sintomas gerais, seis para avaliação da interferência dos sintomas com a vida e nove itens específicos, que avaliam os seguintes sintomas: problemas com muco ou secreções (catarro) na boca ou garganta, dificuldade para deglutir/mastigar, engasgamento com alimentos ou líquidos, dificuldade para falar ou alteração na voz, dor/irritação/queimação na pele, alteração no paladar, feridas na garganta ou boca e alterações nos dentes ou gengiva – figura 1. Os sintomas e sua interferência são avaliados em escala tipo Likert de 0 a 10 e referem-se às últimas 24 horas, sendo que quanto maior o valor atribuído pelo paciente, maior a intensidade do sintoma ou sua interferência com as atividades da vida. O MDASI H&N não permite calcular um escore geral, mas um escore para os itens de sintomas e um para os de interferência com a vida, conforme apresentado na tabela 1. O princípio para determinar os escores das sub-escalas e escore total do instrumento é apresentado abaixo. Valores mais altos nas escalas de sintomas e de interferência com a vida representam, respectivamente, maiores níveis percebidos de intensidade e de interferência. O escore (E) é formado pelo somatório do valor das alternativas assinaladas em cada questão/item que compõe a escala, dividido pelo número de respostas. O valor das alternativas varia de 0 a 10: E= q1+q2+q3....qn/n sendo que n é o número total dos itens que compõem a escala ou do item individual. As propriedades métricas da versão original em inglês foram testadas, tendo demonstrado ser válida e confiável para mensuração de múltiplos sintomas e da sua interferência na vida dos pacientes (alfa de Cronbach= 0,88 para sintomas em geral; 0,83 para os nove itens específicos para câncer de cabeça e pescoço e 0,92 para os seis itens de interferência com a vida)6. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 109 - 113, abril / maio / junho 2008 DISCUSSÃO Os sintomas em pacientes com câncer, apesar de altamente prevalentes, muitas vezes não são tratados. As maiores barreiras para o adequado controle dos sintomas seriam decorrentes do comportamento e atitudes de profissionais e pacientes. Dificuldades para a avaliação da dor e relutância do paciente em relatar a presença da dor têm sido descritas por cerca de 75% dos oncologistas e 77% dos radiologistas como as principais causas para o inadequado controle desse sintoma22,23. Muitas vezes, os pacientes hesitam em relatar a presença desses sintomas até que a sua intensidade seja insuportável24, sendo necessário atendimento de emergência ou hospitalização, o que resulta em aumento dos custos e piora da qualidade de vida desse pacientes e seus familiares. Sob o ponto de vista do paciente, uma das justificativas para esse comportamento é o temor da reação do profissional de saúde ou por considerar que o profissional está ocupado demais para despender tempo com o controle do seu sintoma19. No que se refere aos profissionais de saúde, estes raramente incluem a avaliação dos sintomas como parte da rotina nos seus serviços25. Geralmente, atribuem menor freqüência e intensidade aos sintomas do que os pacientes26, o que também pode resultar em sub-tratamento. No Brasil, provavelmente os profissionais e pacientes apresentam crenças semelhantes e essa avaliação também é rara; ademais, a disponibilidade de instrumentos validados também é pequena. Como os pacientes com câncer geralmente apresentam mais que três sintomas simultaneamente27, seria logisticamente inviável a utilização regular de diferentes instrumentos específicos para avaliar cada sintoma apresentado. Entretanto, instrumentos que avaliam múltiplos sintomas não estão validados para pacientes brasileiros com câncer. Nesse cenário, a disponibilização no Brasil de instrumentos específicos para a avaliação diária de múltiplos sintomas em pacientes com câncer seria certamente uma ferramenta bastante útil para todos os profissionais de saúde e para pesquisa clínica e potencialmente resultaria em identificação precoce e tratamento dos sintomas28, redução dos custos; melhoraria da qualidade de vida e da assistência aos pacientes com câncer; definição de prognóstico, visto que o aumento de sintomas está associado com menor sobrevida1; e demonstração da efetividade e controle da toxicidade de tratamentos oncológicos29. O impacto dos sintomas na qualidade de vida não é igual para todos os sintomas. Em pacientes com câncer de mama, por exemplo, a fadiga tem sido descrita como o principal preditor de funcionalidade e qualidade de vida geral30; já em pacientes com câncer de pâncreas, não apenas a fadiga, mas principalmente a dor estaria associada à redução da qualidade de vida31. Assim, instrumentos desenvolvidos para cada tipo de câncer devem ser preferencialmente utilizados, uma vez que poderiam potencialmente identificar os sintomas que apresentam maior impacto na qualidade de vida dos pacientes com subtipos tumorais específicos, sua variação conforme o estádio da doença e/ou tratamento e, mesmo, associação com a sobrevida. O clínico ou pesquisador, antes de selecionar o instrumento a ser utilizado para avaliar múltiplos sintomas, deve verificar se 111 este é clinicamente e cientificamente consistente, se foram adequadamente desenvolvidos, envolvendo a participação de pacientes e clínicos e se tiveram suas propriedades psicométricas avaliadas. Caso contrário, não é possível assegurar a sua confiabilidade (habilidade para produzir escores consistentes e reproduzíveis/replicáveis) ou validade (ser capaz de medir o que pretende medir). Além disso, o instrumento deveria ser responsivo a mudanças (por exemplo, ser capaz de medir o impacto da cirurgia ou da radioterapia). Finalmente, além da confiabilidade, validade e responsividade, deveria ser considerada a utilidade clínica do questionário, devendo, nesse tópico, ser considerada a dificuldade para responder os itens e o tempo necessário para o preenchimento32. Dessa forma, a versão brasileira do MDASI-HN encontra-se agora traduzida e, após a sua validação (atualmente em andamento), será certamente uma ferramenta muito útil para clínicos e pesquisadores na identificação da ocorrência de múltiplos sintomas, permitindo seu tratamento precoce e, conseqüentemente, melhora da qualidade de vida do doente. Por ser um instrumento padronizado internacionalmente e racionalmente estabelecido, recomendamos que seja adotado como a ferramenta padrão-ouro para avaliação sintomática de pacientes de cabeça e pescoço em protocolos clínicos conduzidos no Brasil. REFERÊNCIAS 1. Palmer JL, Fisch MJ. Association between symptom distress and survival in outpatients seen in a palliative care cancer center. J Pain Symptom Manage. 2005;29(6):565-71. 2. Teunissen S, de Graeff A, de Haes H, Voest E. Prognostic significance of symptoms of hospitalised advanced cancer patients. Eur J Cancer. 2006;42(15):2510-6. 3. Graff P, Lapeyre M, Desandes E, Ortholan C, Bensadoun RJ, Alfonsi M, Maingon P, Giraud P, Bourhis J, Marchesi V, Mège A, Peiffert D. Impact of intensity-modulated radiotherapy on health-related quality of life for head and neck cancer patients: matched-pair comparison with conventional radiotherapy. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2007;67(5):1309-17. 4. Dodd M, Miaskowski C, Paul S. Symptom clusters and their effect on the functional status of patients with cancer. Oncol Nurs Forum. 2001;28(3):465-70. 5. Sharp H, List M, MacCracken E, Stenson K, Stocking C, Siegler M. Patients' priorities among treatment effects in head and neck cancer: evaluation of a new assessment tool. Head Neck. 1999;21(6):538-46. 6. Rosenthal DI, Mendoza TR, Chambers MS, Asper JA, Gning I, Kies MS, Weber RS, Lewin JS, Garden AS, Ang KK, S Wang X, Cleeland CS. Measuring head and neck cancer symptom burden: the development and validation of the M. D. Anderson symptom inventory, head and neck module. Head Neck. 2007;29(10):923-31. 7. Fang FM, Tsai WL, Chen HC, Hsu HC, Hsiung CY, Chien CY, Ko SF. Intensity-modulated or conformal radiotherapy improves the quality of life of patients with nasopharyngeal carcinoma: comparisons of four radiotherapy techniques. Cancer. 2007;109(2):313-21. 8. Kelly C, Paleri V, Downs C, Shah R. Deterioration in quality of life and depressive symptoms during radiation therapy for head and neck cancer. Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;136(1):108-11. 9. Andrade F, Antunes J, Durazzo M. Evaluation of the quality of life of patients with oral cancer in Brazil. Pesqui Odontol Bras. 2006;20(4):290-6. 10. NCI. Commom terminology criteria for adverse events (CTAE): version 3.0. Bethesda: Department of Health and Human Services (USA). National Institute of Health. National Cancer Institute; 2003. [citado 2008 Fev., 20]. Disponível em: http://ctep.cancer.gov/forms/CTCAEv3.pdf. 11. Bren L. The importance of patient-reported outcomes...it's all about the patients. FDA Consum. 2006;40(6):26-32. 12. Fallowfield L. Quality of life: a new perspective for cancer patients. Nat Rev Cancer. 2002;2(11):873-9. 13. Kirkova J, Davis MP, Walsh D, Tiernan E, O'Leary N, LeGrand SB, Lagman RL, Russell KM. Cancer symptom assessment instruments: a systematic review. J Clin Oncol. 2006;24(9):1459-73. 14. Cleeland CS, Mendoza TR, Wang XS, Chou C, Harle MT, Morrissey M, Engstrom MC. Assessing symptom distress in cancer patients: the M.D. Anderson Symptom Inventory. Cancer. 2000;89(7):1634-46. 112 15. Ivanova MO, Ionova TI, Kalyadina SA, Uspenskaya OS, Kishtovich AV, Guo H, Mendoza TR, Novik A, Cleeland CS, Wang XS. Cancerrelated symptom assessment in Russia: validation and utility of the Russian M. D. Anderson Symptom Inventory. J Pain Symptom Manage. 2005;30(5):443-53. 16. Mystakidou K, Cleeland C, Tsilika E, Katsouda E, Primikiri A, Parpa E, Vlahos L, Mendoza T. Greek M.D. Anderson Symptom Inventory: validation and utility in cancer patients. Oncology. 2004;67(3-4):203-10. 17. Wang XS, Wang Y, Guo H, Mendoza TR, Hao XS, Cleeland CS. Chinese version of the M. D. Anderson Symptom Inventory: validation and application of symptom measurement in cancer patients. Cancer. 2004;101(8):1890-901. 18. Lin CC, Chang AP, Cleeland CS, Mendoza TR, Wang XS. Taiwanese version of the M. D. Anderson symptom inventory: symptom assessment in cancer patients. J Pain Symptom Manage. 2007;33(2):180-8. 19. Jones HA, Hershock D, Machtay M, Chalian AA, Weber RS, Weinstein GS, Schumacher K, Kligerman MM, Berlin JA, Rosenthal DI. Preliminary investigation of symptom distress in the head and neck patient population: validation of a measurement instrument. Am J Clin Oncol. 2006;29(2):158-62. 20. McDowell I, Newell C. Measuring health: A guide to rating scales and questionnaires. 2 ª ed. New York: Oxford University Press; 1996. 21. Assessing health status and quality-of-life instruments: attributes and review criteria. Qual Life Res. 2002;11(3):193-205. 22. Von Roenn JH, Cleeland CS, Gonin R, Hatfield AK, Pandya KJ. Physician attitudes and practice in cancer pain management. A survey from the Eastern Cooperative Oncology Group. Ann Intern Med. 1993;119(2):121-6. 23. Cleeland CS, Janjan NA, Scott CB, Seiferheld WF, Curran WJ. Cancer pain management by radiotherapists: a survey of radiation therapy oncology group physicians. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2000;47(1):203-8. 24. Ward SE, Goldberg N, Miller-McCauley V, Mueller C, Nolan A, Pawlik-Plank D, Robbins A, Stormoen D, Weissman DE. Patient-related barriers to management of cancer pain. Pain. 1993;52(3):319-24. 25. Porzio G, Valenti M, Aielli F, Verna L, Ricevuto E, Rispoli AI, Cannita K, Marchetti P, Ficorella C. Assessment and treatment of symptoms among Italian medical oncologists. Support Care Cancer. 2005;13(11):865-9. 26. Basch E, Iasonos A, McDonough T, Barz A, Culkin A, Kris MG, Scher HI, Schrag D. Patient versus clinician symptom reporting using the National Cancer Institute Common Terminology Criteria for Adverse Events: results of a questionnaire-based study. Lancet Oncol. 2006;7(11):903-9. 27. Silveira MJ, Kabeto MU, Langa KM. Net worth predicts symptom burden at the end of life. J Palliat Med. 2005;8(4):827-37. 28. Strasser F, Sweeney C, Willey J, Benisch-Tolley S, Palmer JL, Bruera E. Impact of a half-day multidisciplinary symptom control and palliative care outpatient clinic in a comprehensive cancer center on recommendations, symptom intensity, and patient satisfaction: a retrospective descriptive study. J Pain Symptom Manage. 2004;27(6):481-91. 29. Bezjak A, Tu D, Seymour L, Clark G, Trajkovic A, Zukin M, Ayoub J, Lago S, de Albuquerque Ribeiro R, Gerogianni A, Cyjon A, Noble J, Laberge F, Chan RT, Fenton D, von Pawel J, Reck M, Shepherd FA; National Cancer Institute of Canada Clinical Trials Group Study BR.21. Symptom improvement in lung cancer patients treated with erlotinib: quality of life analysis of the National Cancer Institute of Canada Clinical Trials Group Study BR.21. J Clin Oncol. 2006;24(24):3831-7. 30. Arndt V, Stegmaier C, Ziegler H, Brenner H. A population-based study of the impact of specific symptoms on quality of life in women with breast cancer 1 year after diagnosis. Cancer. 2006;107(10):2496-503. 31. Müller-Nordhorn J, Roll S, Böhmig M, Nocon M, Reich A, Braun C, Noesselt L, Wiedenmann B, Willich SN, Brüggenjürgen B. Healthrelated quality of life in patients with pancreatic cancer. Digestion. 2006;74(2):118-25. 32. Pusic A, Liu JC, Chen CM, Cano S, Davidge K, Klassen A, Branski R, Patel S, Kraus D, Cordeiro PG. A systematic review of patient-reported outcome measures in head and neck cancer surgery. Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;136(4):525-35. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 109 - 113, abril / maio / junho 2008 Figura 1. Versão em português do Brasil do M. D. Anderson Symptom Inventory - Head&Neck (MDASI-H&N). Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 109 - 113, abril / maio / junho 2008 113