1 A Filosofia da Práxis em Gramsci: Uma Leitura a Partir do Caderno 11 (1932-1933) 2014 2 Universidade Federal Fluminense Faculdade de Educação Sérgio Miguel Turcatto A Filosofia da Práxis em Gramsci: Uma Leitura a Partir do Caderno 11 (1932-1933) Niterói 2014 3 Sérgio Miguel Turcatto A Filosofia da Práxis em Gramsci: Uma Leitura a Partir do Caderno 11 (1932-1933) Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Educação. Orientador: Prof. Dr. Giovanni Semeraro Filosofia, Estética e Sociedade (FES) Programa de Pós-Graduação em Educação Faculdade de Educação Universidade Federal Fluminense Niterói, Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 4 Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá T932 Turcatto, Sérgio Miguel. A Filosofia da Práxis em Gramsci: uma leitura a partir do Caderno 11 (1932-1933) / Sérgio Miguel Turcatto. – 2014. 210 f. Orientador: Giovanni Semeraro. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, 2014. Bibliografia: f. 177-184. 1. Gramsci, Antônio, 1891-1937; crítica e interpretação. 2. Práxis (Filosofia). 3. Senso comum. I. Semeraro, Giovanni. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título. CDD 335.411 Autorizo, para fins acadêmicos e científicos, investigativos e de pesquisa, a reprodução total ou parcial desta Tese de Doutorado, sempre acompanhada com a devida e indispensável citação de sua origem. ____________________________ Sérgio Miguel Turcatto Niterói, Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 2014. 5V VI 6 DEDICATÓRIA A todo o homem e mulher que escolhe, de maneira consciente e crítica, participar ativamente na construção das necessidades históricas, ser guia de si mesmo e elaborar a marca da própria personalidade. À Andrea Eni e Angelo Thiago. VII 7 AGRADECIMENTOS Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que me concedeu a Bolsa de pesquisa, proporcionando a tranquilidade necessária para o desenvolvimento mais adequado possível, o estudo e a pesquisa. Este incentivo fomenta não só a atividade intelectual, mas possibilita que novas verdades sejam socializadas junto à sociedade civil organizada. À Universidade Federal Fluminense, à coordenação e aos professores e professoras do Programa da Pós-Graduação e os professores da Graduação pelo carinho, acolhimento, incentivo e exame das pesquisas produzidas. Espaço agradável e favorável para o bom empreendimento intelectual e prático. Especialmente ao Prof. Dr. Giovanni Semeraro pela unidade e coerência na condução do processo de elaboração da tese. O seu constante incentivo e crítica pela atividade intelectual, remete ao senso filosófico da necessidade de fazer nascer um novo homem e um novo senso comum, tão contraditório se comparado à cultura hegemônica. Aos professores e amigos do Núcleo de Filosofia, Política e Educação (NuFiPE/UFF), pelos quais sinto um grande apreço, pessoas decisivas no meu processo formativo e pelo constante estímulo em prosseguir com a pesquisa. Nele nasceu o I Seminário Internacional sobre Gramsci e os Movimentos Populares e sociais, cursos com professores visitantes e os constantes seminários internos promovidos pelos próprios membros do NuFiPE. O Curso de Extensão de Filosofia no Ensino Médio e a produção de materiais didáticos foram significativos, pois me engrandeceu de modo crítico e consciente, tendo em vista o retorno da Filosofia à Educação Básica. Foi um aprendizado constante em participar da produção, exposição de trabalhos e partilhar inquietações com outros grupos de pesquisa. Este processo de doutorado é feito de muitos nomes e situações que perpassaram a minha história precedente e possibilitaram um concreto existente de elaboração constante da própria concepção de mundo. A intensidade da pesquisa, do estudo diário, marcada pelo desejo de mergulhar num novo universo, esteve marcada pelo movimento que minha esposa, Andréa Eni, e meu filho, Angelo Thiago, fizeram para que pudéssemos estudar com tranquilidade. A todos os familiares que acompanharam esse trabalho de perto ou de longe. Aos amigos diretores do Sindicato dos professores de Niterói e região (SINPRONITERÓI e região), que partilharam de acaloradas discussões tanto da organização, 8 VIII cooperação e união da própria entidade quanto na busca de instrumentos necessários para manter os direitos da classe dos profissionais em educação. A todos aqueles que contribuíram de modo crítico e decisivo para o bom desempenho dessa atividade. Entendo que a originalidade de Gramsci não está em afirmar que todos os homens são filósofos, mas demonstrar que há meios cabíveis para que todos, especialmente os subalternos, possam elevar-se culturalmente, ser guia de si mesmo e constituir a marca da própria personalidade, para engrandecer a própria história e a nação a que pertencemos. Sérgio Miguel Turcatto Niterói, janeiro de 2014. ________________________ 9 A nova construção só pode surgir de baixo, enquanto toda uma camada nacional, a mais baixa econômica e culturalmente, participe de um fato histórico radical que envolva toda a vida do povo. Antonio Gramsci Cadernos do Cárcere, Caderno 6, § 162 10 X RESUMO TURCATTO, Sérgio Miguel. A Filosofia da Práxis em Gramsci: Uma Leitura a Partir do Caderno 11 (1932-1933). Brasil. 2014. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014. Orientador: Prof. Dr. Giovanni Semeraro A pesquisa trata da filosofia da práxis em Antonio Gramsci, a partir de uma leitura do Caderno 11. Na primeira metade do século XX ele aprofundou de modo original os mais diversos aspectos da filosofia da práxis esboçada pelos fundadores do materialismo histórico. Na “segregação carcerária” a filosofia da práxis emerge tanto da crítica à filosofia contemporânea quanto do estudo sobre os recentes desenvolvimentos do marxismo, aprofundada nos Cadernos 4, 7, 8, 10, 11 e 16, pois lutam para a superação tradicional da filosofia e, ao mesmo tempo, é um texto filosófico clássico. A partir do problema da unificação entre teoria e prática, no Caderno 11 e especificamente no parágrafo 12, o marxista sardo elabora um projeto de elevação cultural de modo original ao demonstrar as necessidades históricas do senso comum. A imperatividade do senso comum denota o seu núcleo sadio, o qual fornece à própria ação uma direção consciente, que necessita ser transformada em algo unitário e coerente, atividade atribuída aos intelectuais de novo tipo. Somente pela política acontece o contato entre intelectuais e o homem ativo de massa, criando a identidade do subalterno e a conformação de um bloco intelectual-moral, transformando a filosofia numa atividade prática. O “senso comum” vivencia a atividade intelectual como elemento de fé, no grupo ao qual pertence e na atitude da filosofia da práxis, elaborando a organicidade de pensamento e a solidez cultural. Assim, todo movimento cultural possui determinadas necessidades se pretende substituir a filosofia primitiva e mudar o “panorama ideológico” de uma época. _________________ Palavras-Chave Antonio Gramsci, Filosofia da Práxis, senso comum. ________________________ XI11 RESUMEN TURCATTO, Sérgio Miguel. La Filosofía de la Praxis en Gramsci: Una Lectura Partiendo del Cuaderno 11 (1932-1933). Brasil. 2014. Tesis (Doctorado en Educación) – Facultad de Educación, Universidad Federal Fluminense, Niterói, 2014. Orientación de Tesis: Prof. Dr. Giovanni Semeraro Esta investigación trata de la filosofía de la praxis en Antonio Gramsci, partiendo de la lectura del Cuaderno 11 de los Cuadernos de la Cárcel. En la primera mitad del siglo XX Gramsci profundizó de forma original los diversos aspectos de la filosofía de la praxis esbozada por los fundadores del materialismo histórico. En la prisión, la filosofía de la praxis surge de la crítica de la filosofía contemporánea y del estudio de la evolución reciente del marxismo, detallados en los Cuadernos 4, 7, 8, 10, 11 y 16, pues lucha por superar la filosofía tradicional y, al mismo el tiempo, es un texto filosófico clásico. Partiendo del problema de la unificación entre teoría y práctica, en el Cuaderno 11 y específicamente nel § 12, el marxista sardo prepara un proyecto de elevación cultural de manera original para demostrar las necesidades históricas del sentido común. El carácter imperativo del sentido común denota su núcleo sano, que da a la acción en sí misma una dirección consciente, que necesita ser transformada en algo unificado y coherente, actividad atribuida a los intelectuales de nuevo tipo. Sólo por la política ocurre el contacto entre los intelectuales y el hombre activo de la masa, con la creación de la identidad de los subalternos y la conformación de un bloque intelectual- moral, convirtiendo la filosofía en una actividad práctica. El "sentido común" vivencia la actividad intelectual como un elemento de la fe, en el grupo al que pertenece, y la actitud de la filosofía de la praxis, elaborando el la organicidad del pensamiento y la solidez cultural. Así que todo el movimiento cultural tiene ciertas necesidades determinadas a sustituir a la filosofía primitiva y cambiar el "panorama ideológico" de una época. _________________ Palabras-Llave Antonio Gramsci, Filosofía de la Praxis, sensido común. ________________________ XII12 ABSTRACT TURCATTO, Sérgio Miguel. The Philosophy of Praxis in Gramsci: A Reading from the Prison Notebook 11 (1932-1933). Brazil. 2014. Doctoral Thesis – Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014. Adviser: Dr. Pr. Giovanni Semeraro The research deals with the philosophy of praxis in Antonio Gramsci, from a reading of the Notebook 11 of the Prison Notebooks. In the first half of the twentieth century he deepened the original way the various aspects of the philosophy of praxis outlined by the founders of historical materialism. In his period of prison, his philosophy of praxis emerges of the critique of contemporary philosophy and of the study of the recent developments of Marxism, detailed in Notebooks 4, 7, 8, 10, 11 and 16, to the struggle to overcome the traditional philosophy and, at the same time, is a classic philosophical text. From the unification problem between theory and practice, in Notebook 11, the sardinian marxist prepare a project of his cultural elevation, original, to demonstrate the historical needs of common sense. The imperative nature of common sense denotes its nuclear aspects, which gives to the action itself a conscious direction, it needs to be transformed into something coherent and unified, attributed to the new type intellectuals activity. Only in politics happens contact between intellectuals and active man of mass, creating the identity of the subalterns and the conformation of an intellectual-moral bloc, turning the philosophy into a practical activity. The "common sense" living intellectual activity as an element of faith in the group to which it belongs and the attitude of the philosophy of praxis, preparing the organic thinking and cultural strength. So the whole cultural movement has certain requirements intended to replace the primitive philosophy and change the "ideological panorama" of an era. _________________ Keywords Antonio Gramsci, “common sense”, Praxis Philosophy. ________________________ 13 As mudanças e a concepção de mundo que se desenham nas tantas experiências dos movimentos populares não apenas se distanciam dos horizontes restritos da democracia liberal, mas põe em questão todo o modelo dominante indicando que a construção da democracia no Brasil não se resolve mitigando a barbárie neoliberal com propostas mais harmônicas e humanitárias. Giovanni Semeraro Gramsci e os Novos Embates da Filosofia da Práxis 14 XIV SUMÁRIO DEDICATÓRIA ................................................ AGRADECIMENTOS ........................................... RESUMO E CONCEITOS-CHAVE RESUMEN Y CONCEPTOS-CLAVE ABSTRACT AND KEY-WORDS INTRODUÇÃO VI VII ................................ X ............................... XI .................................. ................................................ XII 19 1. A FILOSOFIA DA PRÁXIS EM GRAMSCI: Uma Leitura a Partir do Caderno 11 (1932-1933) .................... 23 1.1. CAPÍTULO I A Arquitetura da “Filosofia” na Obra Carcerária .................... 23 1.1.1. O Projeto de Pesquisa nas Cartas e nos Cadernos do Cárcere . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 1.1.2. A Crescente Meditação Filosófica de Gramsci nos Cadernos Miscelâneos ................................. 30 1.1.3. Condições e Método da Atividade Intelectual no Cárcere . . . . . . 33 1.1.4. As “Anotações de Filosofia” nos Cadernos Miscelâneos . . . . . . . 38 1.1.5. Gênese e Estrutura dos Apontamentos Filosóficos ........... 46 1.1.5.1. A Originalidade do Marxismo no AF I . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 1.1.5.2. O Homem como o Embrião da Filosofia da Práxis no AF II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 1.1.5.3. Um Novo Conceito de “Filosofia da Práxis” no AF III . . . . . . 56 1.2. CAPÍTULO II A “Filosofia da Práxis” no Caderno 11 ............................. 65 1.2.1. Gênese e Estrutura da “Filosofia da Práxis” no Caderno 11 . . . . . 69 1.2.2. Conteúdo do Caderno 11 71 .............................. 1.2.3. A Originalidade do Pensamento de Gramsci ............... 78 15 XV 1.2.4. As Grandes “Veias” no Caderno 11 ...................... 79 1.2.4.1. Uma Filosofia que Basta a si Mesma ................. 80 1.2.4.2. O Imanentismo da Filosofia da Práxis ................ 82 ................... 84 .............................. 87 1.2.4.5. Uma Filosofia que é Política e uma Política que é Filosofia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 1.2.4.6. Uma Ideologia Histórica e Orgânica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 1.2.4.7. A Hegemonia como um Grande Progresso Filosófico 99 1.2.4.3. A Filosofia se Desenvolve Porque se Desenvolve a História Geral do Mundo 1.2.4.4. Unidade e Coerência ........................... 1.3. CAPÍTULO III A Edificação do parágrafo 12 no Caderno 11 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 1.3.1. Gênese Textual e Crítica ............................... 109 1.3.2. Disposição e Cronologia ............................... 111 1.3.3. O Conteúdo do Parágrafo 12 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 1.3.4. A Peculiar Estrutura do Parágrafo 12 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 1.4. CAPÍTULO IV Uma Leitura da Filosofia da Práxis do Parágrafo 12 no Caderno 11 . . . 123 1.4.1. O Problema da Unificação Entre Teoria e Prática ........... 125 1.4.2. A Filosofia da Práxis como Método Analítico-Sintético . . . . . . . 131 1.4.3. Atividade Intelectual e Filosofia ........................ 134 1.4.3.1. A “Filosofia dos Não Filósofos” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 1.4.3.2. Princípios Formadores da Consciência e da Crítica . .. . . . . . . 144 1.4.4. A “Prática” como Fonte de Filosofia dos “Não Filósofos” . . . . . . 149 1.4.5. A Intelectualidade Subalterna 154 .................... .... . XVI 16 1.4.5.1. Uma Filosofia Crítica e Reflexiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 1.4.5.2. A Vivência da Filosofia Pelo Subalterno . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 2. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................... 175 ............................................... 177 ..................................................... 185 3. BIBLIOGRAFIA 4. ANEXOS 4.1. ANEXO I Composição Temática do Q 11 ............................... 4.2. ANEXO II Quadro Demonstrativo da Gênese do § 12 185 ...................... 191 4.3. ANEXO III Texto Completo do Parágrafo 12 do Caderno 11 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193 4.4. ANEXO IV Quadro Demonstrativo com Distintos Termos e Reincidências por Subparágrafo ............................ 210 ________________________ 17 Antonio Gramsci Antonio Gramsci Ales, Sardenha, Itália, 22 de janeiro de 1891 Roma, 27 de abril de 1937. 18 Descobrir a identidade real sob a aparente diferenciação e contradição, e descobrir a substancial diversidade sob a aparente identidade, eis o mais delicado, incompreendido e, não obstante, essencial dom do crítico das ideias e do historiador do desenvolvimento histórico. Antonio Gramsci 19 INTRODUÇÃO Antônio Gramsci é o autor que, na primeira metade do século XX, aprofundou com originalidade diversos aspectos da filosofia da práxis delineada pelos fundadores do marxismo. O tema perpassa toda a sua obra. Todavia, há um tratamento bem mais explícito nos Cadernos1 4, 7, 8, 10, 11 e 16. A filosofia da práxis em Gramsci emerge da crítica à filosofia contemporânea e ao estudo aprofundado da filosofia marxista até aquele momento. De que maneira Gramsci resgata a filosofia no marxismo? Quais as contribuições e os novos aspectos que Gramsci desenvolveu na filosofia da práxis? Para responder a tais questões, faz-se necessária uma análise rigorosa e cuidadosa dos escritos de Gramsci, particularmente dos Cadernos do Cárcere, uma vez que se trata de uma produção vivente que ganhou materialidade na “caneta-tinteiro que raspa” o papel e rompe o mofo do cárcere para desaguar na configuração de anotações. O trabalho de Gramsci é expresso de forma tão cuidadosa que Giorgio Baratta o exprimiu da seguinte maneira: A materialidade dos Cadernos torna-se expressão de uma forma original de pensamento que pode ser designada de maneiras diferentes: uma estrutura em espiral, um retículo, um labirinto. É, de certa forma, uma filosofia criança que aprende a andar e precisa, portanto, de ajuda para existir e se desenvolver, de ser aceita pelo que é, frágil na sua grandeza, inacabada na sua originalidade e fertilidade. (BARATTA, 2004, p. 15). E, neste processo de construção, tanto dos escritos pré-carcerários quanto das Cartas2 e dos Cadernos, deparamo-nos com uma forma sui generis de escrita aforismática e experimental. Escrita esta moldada pelas condições em que ele vivia na política e na prisão, marcada, inclusive, pelas debilidades psicofísicas e pela provisoriedade. Dentre as anotações carcerárias de Gramsci, a filosofia torna-se um tema de tamanha relevância que nos manuscritos miscelâneos há três séries de Apontamentos Filosóficos (AF) sobre o Materialismo e o Idealismo. Na primeira série, o pensador sardo examina detidamente a Teoria da história e da historiografia ao tratar da problemática filosófica do marxismo, apontada por Antonio Labriola3, e o retorno a Marx, para compreender a gênese do 1 Deste ponto em diante, usaremos, como abreviatura padrão, o símbolo Q para designar os Cadernos do Cárcere, principal obra de Antônio Gramsci, escrita em forma de ensaios, apontamentos, texto investigativos e de auto estudo, nos anos que Gramsci esteve preso. Nesta abreviatura, amplamente usada por analistas e investigadores da obra do grande teórico sardo, os algarismos que seguem à letra Q referem-se ao número do Caderno específico, seguido ou não do parágrafo, §. Neste caso acima, trata-se dos Cadernos 4, 7, 8, 10, 11, 16. 2 Cartas do Cárcere, conjunto de correspondências que Gramsci trocou enquanto esteve preso. Organizado, editado e publicado após sua morte. 3 Antonio Labriola (1843 – 1904), importante filósofo marxista e acadêmico italiano, sendo referendado por Gramsci várias vezes ao longo dos Cadernos do Cárcere. No seu livro, Discorrendo di Socialismo e di Filosofia, in Id., Saggi sul Materialismo Storico, organizado por V. Guerratana e A. Guerra, Roma: Editori Riuniti, 1964, Labriola afirma ser a Filosofia da práxis o coração do marxismo. 20 materialismo histórico-filosófico. Na segunda série, analisa a nova proposta de filosofia e do enfrentamento dos clássicos e, na terceira série, mergulha na problemática do método do filosofar, orientado por um historicismo absoluto do qual emergem novas exigências e um novo projeto de trabalho. As reflexões que recolhe nessas três séries não apresentam caráter de uma especulação filosófica, mas expressam demandas da realidade, tanto históricas quanto políticas. Do conteúdo à forma das ideias, a primavera de 1932 será uma fase crucial do trabalho carcerário de Gramsci, por ser nesse período que ele inicia os Cadernos especiais. Curiosamente, os temas filosóficos dos manuscritos 10 e 11 não estavam previstos na proposta de trabalho enunciada na abertura do Q 8. Será a partir da problemática da unidade da teoria e da prática que o marxista sardo enfrentará a filosofia de Croce4 e o marxismo mecanicista explicitado no Ensaio Popular de Bukhárin5. Nesta perspectiva a pesquisa assume a hipótese de que a filosofia práxis, enquanto método e agir “praticamente”, o parágrafo12 do Caderno 11encaminha uma clara concepção de educação e atividade intelectual das massas populares, mesmo que o homem do povo não tenha captado todo o significado sintético da justa compreensão da unidade e coerência entre teoria e prática. Considerando que a centralidade da reflexão gramsciana no Q 11 é a filosofa da práxis e, no seu interior, o parágrafo 12 a espinha dorsal, trata-se de um projeto de elevação filosófica e cultural das massas populares. Gramsci estabelece como ponto de partida na sua oficina carcerária o estudo sobre a atividade intelectual do senso comum. Para que a sua jornada alcance um determinado télos, toma como ponto de partida a “filosofia dos não filósofos”, e localiza na direção consciente do bom senso a possibilidade de atribuir à filosofia uma atividade prática. 4 Benedetto Croce (1866-1952) nasceu em Pescasseroli, região de Abruzzo, Itália. Ainda criança passou a morar em Nápoles, tornando-se grande iintelectual. Sobrinho dos irmãos Bertrando Spaventa (1817-1883) e Silvio Spaventa (1822-1893), intelectuais que introduziram, junto com Francesco De Sanctis (1817-1883), o idealismo hegeliano na Itália. Croce só conheceu mais tarde o hegeliano, no período que estudou em Roma. Antonio Labriola o introduziu ao autor da Fenomenologia do Espírito e à teoria marxista. Posteriormente, afastou-se de Labriola e estreitou amizade com um de seus seguidores, Giovanni Gentile, com quem fundou, em 1902, a revista La Critica. 5 Nicolai Bukhárin (1888-1938) nasceu em Moscou, Rússia. Formou-se em Direito e Economia. Bolchevique desde 1906, exilado em 1909, conheceu Lênin em Cracóvia, na Polônia, em 1911. Com a Revolução Russa de 1917, retornou à sua pátria e passou a fazer parte do núcleo dirigente do Partido Bolchevique. Publicou, entre outros textos, A Economia Mundial e o Imperialismo (1918), O Programa dos Comunistas Bolcheviques (1920), ABC do Comunismo (1921), Tratado de Materialismo Histórico (1923). Em 1930, foi acusado por Stálin de “desvio de direita”. Morreu fuzilado, no dia 13 de março de 1938. 21 A pesquisa aponta para a originalidade do pensador sardo ao tratar das necessidades históricas do homem do povo e seu ensejo pela criatividade, autonomia e criticidade. A filosofia da práxis como método de análise dos problemas vividos pelo homem do povo encontrará na política a possibilidade do contraste e do contato entre as almas “simples” e os intelectuais. No § 12 do Q 11, Gramsci deixa claro que a massa necessita desenvolver a atividade intelectual e criar seus próprios intelectuais para forjar um processo de elevação filosófica e cultural. Sem esse empreendimento, as classes populares teriam dificuldade, visto que suas convicções são extremamente débeis quando estão em contradição com as convicções socialmente conformistas. Procura demonstrar como uma filosofia se transforma num movimento cultural e na unidade de fé entre uma concepção de mundo e uma norma de conduta. Também está em contraponto à posição da Igreja católica, que mantém os “simples” numa filosofia primitiva do senso comum. A filosofia da práxis busca conduzir o homem simples a uma concepção de vida superior. Grmasci sinaliza as necessidades das classes subalternas e a constituição de uma elite intelectual que trabalhe no sentido de tornar coerente os princípios e os problemas vividos pela massa. Tratam do elemento prático da ligação teórica entre os dois grupos, possibilitando que a massa constitua sua identidade subalterna. O homem ativo de massa desenvolve uma atividade volitiva em se tornar dirigente e responsável pela atividade econômica de massa, portador de uma nova história e um agente necessariamente ativo e empreendedor. Para isso pretende-se averiguar os possíveis passos que Gramsci percorreu para criar, estruturar e produzir armas suficientemente capacitadas para garantir e afinar políticas passíveis das classes subalternas. Neste viés, a pesquisa está dividida em quatro capítulos. O capítulo primeiro localizará nas Cartas e nos Cadernos a crescente meditação filosófica de Gramsci. Os apontamentos filosóficos escritos nos Cadernos miscelâneos apresentarão três movimentos de análise distinta da Teoria da história e da historiografia. Especificamente no terceiro movimento, emergirão problemáticas que serão aprofundadas nos Cadernos monográficos. O capítulo segundo se deterá em analisar a filosofia da práxis no Caderno 11. Tratará da sua gênese e estrutura, conteúdo, originalidade do pensamento de Gramsci e os grandes temas desse manuscrito monográfico. O terceiro capítulo refinará o tema da filosofia da práxis no parágrafo 12 do Caderno 11. Verificará a gênese textual e crítica, sua disposição e cronologia, conteúdo e estrutura. 22 O último capítulo intentará situar o que Gramsci entende por filosofia da práxis. Verificar sua configuração que trata da unidade entre teoria e prática. O ponto de partida é a filosofia primitiva dos “não filósofos”. A consciência e crítica como os elementos estruturantes do agir “praticamente”. A política possui um papel central na análise desenvolvida por Gramsci, pelo seu contato e por fazer emergir dos problemas dos “não filosófos” as necessidades históricas e a própria identidade das classes subalternas. A vivência da filosofia da práxis pelo homem ativo de massa passa pelo movimento da das classes populares em contanto com a autoconsciênica, configurando um novo tipo de conhecimento e de ciência, pautado na perspectiva de ser uma filosofia crítica, autônoma e criativa. Sérgio Turcatto Niterói, janeiro de 2014. ________________________ 23 A Filosofia da Práxis em Gramsci: Uma Leitura a Partir do Caderno 11 (1932-1933) CAPÍTULO I A Arquitetura da “Filosofia” na Obra Carcerária Para Antonio Gramsci, todo ser humano é desafiado a participar da construção da história e ser o guia de si mesmo. Mesmo no cárcere, o secretário do partido comunista italiano desenvolveu um minucioso trabalho reflexivo sobre a atividade intelectual que o conduzirá à descoberta do “grande peso filosófico” de Maquiavel. Seu ponto de partida é a [...] própria atividade de ‘homem político’ e ‘cientista da política’ [que,] envolvido em uma coletiva ‘luta pela hegemonia’, encontra a coragem para medir suas forças diretamente sobre o terreno dos problemas tradicionais da filosofia. (BARATTA, 2004, p. 114). Resguardada a complexidade de cada Caderno, na oficina de Gramsci emerge o aspecto prático e político, e o desenvolvimento de um trabalho filosófico profundamente refinado. A expressão “filosofia” adquire um novo conceito na perspectiva do conjunto das relações sociais, pois se trata da atividade humana voltada para o “trabalho do próprio cérebro” (Q 11, § 12, p. 1375). É tão significativa a posição da filosofia nos Cadernos que, na primeira fase dos escritos carcerários, recebeu um lugar especial nomeado de Apontamentos Filosóficos. Ela foi construída através da análise da Teoria da história e da historiografia na perspectiva do marxismo ou “filosofia da práxis”. Neste sentido, para mergulhar no movimento intelectual e filosófico de Gramsci é necessário conhecer a arquitetura da história da “filosofia da práxis” na particularidade dos Cadernos, sem descuidar dos apontamentos ao “correr da pena” nas Cartas. Essa história não se esgota nos textos dos Apontamentos Filosóficos escritos no período que vai de outubro de 1930 aos primeiros meses de 1932, encontrados nos Cadernos miscelâneos 4, 7 e 8 (cf, FROSINI, 2010, p. 51). 24 Ao considerar o “ritmo do pensamento em desenvolvimento” de Gramsci, vemos uma progressiva elaboração da locução filosofia da práxis enquanto fundamento filosófico do marxismo que, aos poucos, substitui sistematicamente a expressão “materialismo histórico” e “marxismo”6. Nesse processo, é necessário considerar as razões que motivaram tal intento. Por um lado, são razões marcadas pela prudência frente ao sistema carcerário, por outro, tratase do resultado do seu trabalho de pesquisa. 1.1.1. O Projeto de Pesquisa nas Cartas e nos Cadernos do Cárcere Os planos de pesquisa que Gramsci esboçou foram passados, em primeira mão, para sua cunhada Tatiana. Esse trabalho carcerário pode ser subdividido em três grandes etapas. Nas Cartas escritas ao correr da pena, são explicitadas as etapas de trabalho. Frosini (2003) elenca algumas Cartas e dois Cadernos que apresentam o “sul” do programa e o trabalho entre 1927 e o Caderno 8, na seguinte ordem: 1. A carta de 19 de março de 1927 a Tatiana7, da prisão de San Vittore, apresenta o primeiro projeto de pesquisa, mas que só dois anos mais tarde dará início aos Cadernos. 2. A preocupação com o estudo da língua aparece na carta de 23 de maio de 1927 a Tatiana, escrita na prisão de San Vittore, ao afirmar: Alguma coisa neste sentido talvez comece a acontecer no estudo das línguas, que tento fazer sistematicamente, isto é, não deixando de lado nenhum elemento gramatical, tal como nunca havia feito até agora, porque me contentava em saber o suficiente para falar e especialmente para ler. (LC 378). 3. O terceiro programa de trabalho foi esboçado por Gramsci em 8 de fevereiro de 1929, na abertura do Caderno 1, com dezesseis argumentos principais. 4. A carta de 25 de março de 1929, escrita a Tania, apresenta a seguinte vereda: 6 O francês Jacques Texier (2002) fez uma análise filológica das formulações de Marx sobre a autogestão. Apontou as seguintes teses: 1) que Marx tem uma posição fundamentalmente positiva em relação à autogestão, ênfase na concepção marxiana de socialismo e etapa necessária de transição (ao socialismo); 2) há duas tradições de pensamento sobre autogestão: uma “libertária” (libartaire), filiada ao pensamento de Proudhon, e uma marxista; 3) Marx é considerado o postulador pioneiro do socialismo autogestionário, e não Proudhon. 7 Tatiana Schucht é cunhada de Gramsci e vivenciou profundamente todo o processo de encarcermento do grande marxista sardo. Acompanhara por carta a produção dos Cadernos, visitava Gramsci na prisão. Com a morte de Gramsci, cuidou dos manuscritos para que não caíssem nas mãos dos fascistas. 8 A abreviatura LC, refere-se às Cartas do Cárcere, de Gramsci, editadas e publicadas. Ver GRAMSCI, Antonio. Lettere dal Carcere. Obra organizada por Sergio Caprioglio e Elsa Fubini 2 a edição, Torino: Giulio Einaudi, 1968. 25 Decidi me ocupar predominantemente e tomar notas sobre os três assuntos seguintes: 1) A história italiana no século XIX, com especial referência à formação e ao desenvolvimento dos grupos intelectuais; 2) A teoria da história e da historiografia; 3) O americanismo e o fordismo. (LC 147). 5. Em 17 de novembro de 1930 (LC 207), Gramsci escreve para Tatiana que está trabalhando entre três e quatro argumentos principais e enfatiza o tema dos intelectuais. 6. Nos escritos entre novembro e dezembro de 1930 do Caderno 8, encontramos “Notas esparsas e apontamentos sobre uma história dos intelectuais italianos. Ensaio principal”: elenco de temas em vinte e um pontos. 7. Na carta a Tatiana escrita em 3 de agosto de 1931 (LC 243), Gramsci afirma não possuir programa algum de estudo e de trabalho. 8. Entre fevereiro e abril de 1932, Gramsci elenca no Caderno 8 o Reagrupamento de matéria em dez temas pontuais. As meditações materializadas paulatinamente por Gramsci ao longo dos Cadernos explicitam claramente que [...] a compreensão crítica de si mesmo é obtida [...] através de uma luta de ‘hegemonias’ políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real. (Q 11 § 12, p. 1385). Esta maneira de compreender o fazer de Gramsci traduz uma consciência política capaz de unificar a teoria e a prática. Os Cadernos estão marcados não por uma atividade meramente sistematizadora, mas profundamente criativa, [...] no sentido em que ensina como não existe uma ‘realidade’ em si mesma, em si e para si, mas em relação histórica com os homens que a modificam, etc. (Q 11, § 59, p. 1486). Na medida em que Gramsci compreende a sua real situação de isolamento do meio social, passa a lutar com todas as suas forças para manter viva a sua práxis. Para tal, “lança mão” do que dispõe e passa a escrever, pois estava ciente do seu pouco tempo de vida. No período dos cinco anos que envolvem a primeira fase, passara dois anos “devorando” os materiais que havia na biblioteca9 do cárcere. Em janeiro de 1929, Gramsci 9 Há uma pérola interessante que está na Carta LC 74, onde Gramsci explicita com todo o seu sarcasmo, a experiência científica desse universo: “[...] às duas obras primas que compendiam a experiência milenária dos homens no campo da organização de massa – o manual do capataz e o catecismo católico [...] é preciso acrescentar, embora em um espaço muito mais restrito e de caráter excepcional, o regulamento carcerário, que encerra verdadeiros tesouros de introspecção psicológica”. Lincoln Secco (2004), no artigo Biblioteca Gramsciana: Os Livros da Prisão de Antonio Gramsci explicita que o pensador sardo tivera acesso a poucos livros de autores marxistas na prisão. Todavia, fora capaz de reflexionar sobre temas importantes de seu tempo. 26 obteve a permissão para escrever na cela, condição material necessária para colocar em movimento todo o seu projeto de trabalho, “florescendo as rosas” em forma de Cadernos, segundo a tradução de Giorgio Baratta (2004). O primeiro registro no Primo Quaderno acontece em 8 de fevereiro de 1929, no qual Gramsci deposita “Notas e Apontamentos”: 1) Teoria da história e da historiografia. Desenvolvimento da burguesia italiana até 1870; 2) Formação dos grupos intelectuais italianos: desenvolvimento, atitudes; 3) A literatura popular dos romances de folhetim e as razões de sua permanência e influência; 4) Cavalcante e Cavalcanti: a sua posição na estrutura e na arte da Divina Comédia; 5) Origens e desenvolvimento da Ação Católica na Itália e na Europa; 6) O conceito de folclore; 7) Experiência da vida no cárcere; 8) A “questão meridional” e a questão política das ilhas; 9) Observações sobre a população italiana: sua composição, função da imigração; 10) Americanismo e fordismo; 11) A questão da língua na Itália: Manzoni e G.I. Ascoli; 12) O “senso comum” (cf. 7); 13) Tipos de revista: teórica, crítico-histórica, de cultura geral (divulgação); 14) Neogramáticos e neolinguístas (“essa mesa redonda é quadrada”); 15) Os sobrinhos do padre Bresciani. (Q 1, p. 5). Esses temas estão citados tanto nas Cartas quanto no Caderno 1. Na prisão de San Vittore, a 19 de março de 1927 (LC 93), escreve a Tânia o seu programa de trabalho: 1º) uma pesquisa sobre a formação do espírito público na Itália no século passado; e outras pelaras, uma pesquisa sobre os intelectuais italianos, suas origens, agrupamentos segundo as correntes culturais, diversos modos de pensar, etc. [...] 2º) um estudo de lingüística comparada. [...] 3º) um estudo sobre o teatro de Pirandello e a transformação do gosto teatral italiano que Pirandello representou e contribuiu par determinar. [...] 4º) um ensaio sobre os romances de folhetim e o gosto popular na literatura. (LC 93). Verifica-se uma aparente tensão entre o tratamento depositado nas Cartas e nos Cadernos ao considerar que há duas modalidades de estilo e de escrita. A primeira mais direta, intempestiva e fluida, e a segunda, analítica, argumentativa e interiorizada. No entanto, essa tensão externa torna-se complementar entre a ordem biográfica e teórica. O espírito criativo de Gramsci não se dá por vencido no “largo” espaço da cela. Na carta de 25 de março de 1929 (LC 264), declara a Tânia uma nova delimitação do seu objeto Os livros e os periódicos foram mediações imprescindíveis para sentir a vida molecular da sociedade e sua conexão entre a cultura e as pessoas. 27 de trabalho. Propõe-se a “fazer anotações” sobre a Teoria da história e da historiografia, divididas em três temas: 1) a história italiana no século XIX, com um interesse específico à formação e ao desenvolvimento dos grupos intelectuais; 2) a teoria da história e da historiografia; 3) o americanismo e o fordismo(in, BARATTA, 2004, p. 26). Esse traçado da pesquisa permanecerá até o fim, fruto de um debruçar-se sobre o objeto de trabalho, não apenas enquanto forma, mas de um conteúdo amadurecido intelectualmente. Nesse primeiro momento percebe-se que o autor dos Cadernos está preocupado com dois problemas importantes: o método do pensamento e a elaboração de um estilo próprio de escrita. Essa resistência em escrever será vencida paulatinamente na medida em que passa a traduzir algumas obras para pôr em ordem seus pensamentos. Essa dificuldade esteve posta dois anos antes na carta de 23 de maio de 1927 a Tatiana, na qual manifestara a seguinte dificuldade: Creio ser impossível para mim um estudo próprio e verdadeiro por muitas razões, não só psicológicas como ainda técnicas; é muito difícil eu me dedicar completamente a um tema ou a uma matéria, aprofundar-me apenas nesta, tal como se faz quando se estuda a sério, de modo a colher todas as relações possíveis e estabelecer harmonicamente suas conexões. (LC 37). A honestidade de Gramsci é transparente no trecho da Carta acima. Se, por um lado, sente a necessidade de fazer um estudo aprofundado sobre determinada matéria, por outro ainda lhe faltam determinados instrumentos, [...] das formas técnicas de linguagem que me atormentam, uma vez que toda expressão se apresenta com formas fossilizadas e ossificadas que me passam repugnância (in, BARATTA, 2004, p. 27). Noutra carta, escrita para a sua companheira Julia, observa-se claramente o cuidado com a escrita. Num primeiro momento, está preocupado em estabelecer as relações necessárias e, num segundo momento, repudia todas as expressões por serem formas “fossilizadas e ossificadas”. Esse cuidado verifica-se nos planos de trabalho, os quais apontam para o movimento do pensar de Gramsci nos Cadernos e, especificamente, sobre o tema da “filosofia da práxis”. Esse itinerário visa encontrar um tipo de marxismo, desenvolvido de maneira inconfundível pelo pensador sardo, que “responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem determinados e ‘originais’ em sua atualidade” (Q 11, § 12, p. 1378). O próprio fundador da filosofia da práxis não chamou a sua concepção de “materialismo”, mas o 28 criticou de forma exaustiva, a começar pelo materialismo francês, usando a fórmula “dialética racional”. Gramsci também está preocupado com o debate que ocorre sobre as correntes interpretativas do marxismo na Itália. Na sua oficina, empreendeu uma nova significação à filosofia de modo imanente, isto é, “tudo o que tende a encontrar nesta terra, e não no paraíso, a finalidade da vida” (Q 11, § 16, p. 1408). O secretário do partido comunista italiano apropria-se da expressão “filosofia da práxis” cunhada por Antonio Labriola (1897) e a coloca no centro do próprio pensamento de Marx. Nesse movimento, inscreve esta locução não sob uma visão mecanicista ou deformadora do materialismo histórico, mas dentro de uma concepção bem precisa de autonomia filosófica do marxismo. Na primavera de 1932, Gramsci dará início à redação dos Cadernos monográficos ao retomar e aprofundar crescentes reflexões e traduções ainda inéditas no campo da filosofia. À medida que os Cadernos monográficos ganhavam corpo, riscava os textos previamente escritos de forma a preservar a sua leitura. Ele não ordenara os manuscritos, tarefa realizada por Tatiana após a sua morte. Na Edição crítica, Gerratana (1975) os enumerará da seguinte maneira: Q 10 – A filosofia de Benedetto Croce (100 páginas). Q11 – Sem título, mas cujo conteúdo corresponde ao item 4º do “Ragruppamenti”(Introdução ao estudo da filosofia e notas críticas a um ensaio popular de sociologia – 80 páginas). Q 12 – Apontamentos e notas esparsas para um grupo de ensaios sobre a história dos intelectuais e da cultura na Itália (24 páginas em formato grande). Q 13 – Notas sobre a política de Maquiavel (60 páginas em formato grande). Q 16 – Argumentos de cultura: 1º (74 páginas). Q 18 – Nicolau Maquiavel II (3 páginas em formato grande). Q 19 – Sem título, mas cujo conteúdo corresponde ao item 7º dos Ragguppamenti (Risorgimento italiano – 132 páginas). Q 20 – Ação católica – Católicos integrais, jesuítas e modernistas (23 páginas). Q 21 – Problemas da cultura nacional italiana, 1º Literatura popular (32 páginas). Q 22 – Americanismo e fordismo (46 páginas). Q 23 – Crítica literária (75 páginas). Q 24 – Jornalismo (18 páginas). Q 25 – À margem da história (história dos grupos sociais subalternos) (17 páginas). Q 26 – Agrupamentos de cultura: 2º (11 páginas). Q 27 – Observações sobre o folclore (7 páginas). Q 28 – Lorianismo ( 18 páginas). Q 29 – Notas para uma introdução ao estudo da gramática (10 páginas) (in, BIANCH, 2008, p. 29-30). Gerratana (1997), Frosini (2002) e Bianchi (2008), apontam que o “Reagrupamento de matéria” sofreu modificações ao longo do trabalho com algumas variações e enriquecimentos. Somente o ponto 6º do programa de trabalho não se concretizou como caderno especial. Não foram mencionados cinco Cadernos especiais: 29 1. O já mencionado Caderno 10 sobre a Filosofia de Benedetto Croce: um tema distinto que não estava previsto no titulo de rubrica (reiterado na “Teoria da História”), e nem estava previsto na origem do desenvolvimento do trabalho ao final do AF III (Q 8, § 225). 2. O Caderno 29 sobre a Nota por uma introdução ao estudo da gramática: o tema está presente na carta de 19 de março de 1927 e no programa de 1929; todavia não vem desenvolvido como diretriz de pesquisa autônoma (o texto mais completo está no Q 7, 77: “Linguística”10. 3. O Caderno 25 sobre À margem da história. História dos grupos sociais subalternos: esta formulação comparada com o título da seção sobre tudo no Q 3 (§ 14: “História da classe dominante e história da classe subalterna; § 18 e § 90: “História da classe subalterna”, tudo foi retomado no Q 25), com aprofundamento posterior (como no 7,51 e 9,81). É verdade que não estava previsto em nenhum dos programas precedentes. 4. O Caderno 22 sobre o Americanismo e fordismo: o argumento era que já estava amplamente desenvolvido, e anotado já no elenco dos “Primeiros Cadernos”, já está no “Ensaio principal” do Q 8 (já no apêndice). 5. O Caderno 27 sobre Observações do “folclore”: desenvolvido em menor extensão da precedente pesquisa efetiva, mas como uma precedente presente em ambos os programas (naquele do Q 8 que faz parte integrante do “Ensaio”) (FROSINI, 2002, p. 14). Como explicar a ausência desses Cadernos especiais e a “aparente” divergência dos programas de trabalho elaborados até meados de 1932? Há um problema que necessita ser investigado devido a possíveis hipóteses. No seminário de Roma em 2000, com o tema os Quaderni del Carcere, Fábio Frosini sugeriu que Gramsci teria abandonado, mas não repudiado o reagrupamento temático. Teria optado por uma “impostação mínima” dos escritos, entre 1933 e 1935. E segue afirmando que entre março e abril de 1932, o pensador sardo oscilara entre duas hipóteses: A primeira nos Raggruppamenti di Materia, objetiva ordenar o material já produzido e encerrar e a segunda, relativa ao elenco de Saggi Principali, que na carta de 7 de setembro de 1931 a Tatiana, manifesta o desejo de iniciar uma segunda etapa do trabalho sobre os intelectuais em sintonia com um elenco de ensaios sobre a teoria da história e da historiografia e outro sobre americanismo e fordismo (in, BIANCHI, 2008, p. 31). Numa carta dirigida a Tania, escrita na Penitenciária de Turi a 22 de fevereiro de 1932, o marxista sardo aborda a questão das “notinhas que escrevi sobre os intelectuais italianos, não sei mesmo por onde começar: estão espalhadas numa série de cadernos, mescladas com outras notas, e primeiro deveria recolher todas em conjunto para ordená-las” (LC 286, p. 537). Essa preocupação aparece no “Ensaio principal” como Notas Esparsas e Apontamentos para uma História dos Intelectuais Italianos. A temática será tratada especificamente no Q 12, intitulado como Apontamentos e Notas Esparsas para um Grupo de Ensaios sobre a História dos Intelectuais e da Cultura na Itália. 10 Segundo Frosini (2002, p. 14 e 2003, p. 62) da Edição Crítica de Guerratana, 1997, não há correspondência do número do Caderno, isto é, o Q 7 § 71, mas trata-se do Q 6 § 71. 30 Segundo Frosini (2003), os treze últimos Cadernos foram marcados pela metodologia da “impostação mínima” de trabalho. Houve o ordenamento e a reescrita de textos mais antigos a partir de uma determinada temática. Os Cadernos foram marcados pela gravíssima crise de saúde na primavera de 1933. A sua produção intelectual acontecerá até os primeiros meses de 1935. No exterior, é retomada a campanha pela libertação do líder comunista, com a publicação de um opúsculo por Romain Rolland. Após ter conseguido a liberdade condicional em setembro de 1934 e superar uma nova crise de saúde em junho de 1935, no ano seguinte retoma a correspondência com sua família. Em abril de 1937, Gramsci readquire a plena liberdade e planejava retornar a Sardenha. Entretanto, no dia 25 daquele mês, sofre uma crise imprevista seguida de um derrame. Gramsci explicita o movimento da existência humana, que soube apontar caminhos para a emancipação das classes subalternas. Elas permanecem como fonte de “inspiração” real do comunista sardo. Todo seu esforço está perpassado pela construção de uma estratégia de enfrentamento político das concepções de mundo. No seu último modelo de escrita dos Cadernos, o pensador sardo fundamenta uma filosofia marxista capaz de compor uma concepção de mundo, com elementos que se tornaram estáveis e permanentes. Metodologicamente é necessário [...] explicitar como ocorre que em cada época coexistam muitos sistemas e correntes de filosofia, como nascem, como se difundem, por que nessa difusão seguem certas linhas de separação e certas direções, etc. (Q 11 § 12, p. 97). 1.1.2. A Crescente Meditação Filosófica de Gramsci nos Cadernos Miscelâneos Considerando que, em Gramsci, a atividade intelectual esteve presente tanto como ativista político quanto como pensador encarcerado, o ponto de partida da sua reflexão filosófica é a política. O movimento do fascismo italiano potencializou o seu presente. Em face desse presente buscará respostas radicais colocadas pelo marxismo. Já nos escritos pré-carcerários, percebe-se uma crescente ponderação em torno da filosofia. Constrói paulatinamente uma concepção de mundo que se tornará critica, unitária e coerente. Verifica-se uma constante sintonia com a necessidade da própria historicidade. O movimento intelectual ocorre pelo fato de que esse “estar no mundo” se opunha às debilidades das filosofias imanentistas. 31 Essa nova concepção de mundo aponta que a análise filosófica deve demonstrar como nasce o movimento histórico com base na estrutura (cf, Q 11, § 22, p. 1422). Pela atividade crítica é possível enfrentar e resolver racionalmente os problemas que se apresentam como desdobramento histórico. Mas [,] o primeiro destes problemas a colocar e compreender é o seguinte: a nova filosofia não pode coincidir com nenhum sistema do passado, não importa qual seja o seu nome. Identidade de termos não significa identidade de conceitos (Q 12, § 16, p. 1410). Giorgio Baratta (2004) explicita que, no processo do pensar percorrido pelo marxista sardo, primeiro vieram as Cartas entre 1926 e 1929, as quais já anunciam suas preocupações com um plano sistemático de estudos ao longo da vida carcerária. Essas preocupações serão desenvolvidas ao longo dos Cadernos, as quais gravitam em torno da seguinte problemática: Como ter a iniciativa em uma sociedade dominada pelo poder econômico? Como chegar à hegemonia em um mundo essencialmente controlado por megaempresas transnacionais? Como tornar-se dirigente em condições de subalternidade, de dependência e de colonização? Como construir a democracia em um sistema autoritário? Como desenvolver a autodeterminação dentro de aparelhos coercitivos? Como chegar ao “trabalhador coletivo” em um mundo que idealiza a auto-empresa? (SEMERARO, 2006, 124). Essa problemática também está relacionada às Cartas dos três primeiros meses do prisioneiro sardo, as quais narram os novos cenários e espetáculos, ao passar por quase todas as cadeias do Sul da península. Ele se sente como “uma bola de futebol que pés anônimos podem lançar de um lado para o outro da Itália” (LC 46). Nesse mundo a que fora submetido, no qual o arcaico e o contemporâneo se encontram no “mundo subterrâneo” da prisão, Gramsci foi criativo o suficiente para perceber “tudo o que de essencial existe ainda nas camadas populares mais submersas” (cf., BARATTA, 2004, p. 24). A sensibilidade leva-o a mergulhar naquele mundo, onde o elementar será um permanente debater-se “na cela como uma mosca que não sabe morrer” (LC 452). Há, portanto, uma dimensão não só antropológica e psicoanalítico-social, mas filosófico-política que tenciona o submundo das penitenciárias na sua concepção de sociedade. Segundo Baratta (2004): As cartas nos transmitem a intuição de que o “comunismo”, antes ou além de uma deliberada opção política ou filosófica, pode representar a transcrição, a tradução ideal de um sentimento, quase de um instinto histórico e cósmico de pertencimento à “unidade do gênero humano” e no fundo de todos os seres viventes (BARATTA, 2004, p. 25). Há uma profunda ligação entre a prática teórica e o viver como encarcerado. Os relatos biográficos clarificam a precarização da saúde do pensador sardo devido ao tipo de espaço 32 físico a que fora submetido. Se, na prisão de Ústica, Gramsci tinha clareza e controle sobre o peso de sua condenação, na penitenciária de “San Vittore em 7 de fevereiro de 1927, no início do ano seguinte reconhece o embrutecimento do cárcere”(cf. FROSINI, 2002, p. 2). As deformações provocadas pelo sistema carcerário italiano foram relatadas pelo próprio Gramsci através das Cartas à sua companheira Julia11, à cunhada Tatiana, bem como aos seus familiares e amigos. Elas traduzem o que estava na pele do “prisioneiro”: a fé no homem e num novo modo de conceber o mundo no qual pudesse expressar democraticamente a paixão pela vida. Assim, escreve em 19/11/1928: Sinto falta, realmente, da sensação molecular: como poderia, mesmo sumariamente, perceber a vida do todo complexo? Também minha própria vida se sente como enrijecida e paralisada: como poderia ser diferente, se me falta a sensação de sua vida e da vida dos meninos? E mais ainda: tenho sempre medo de ser dominado pela rotina carcerária. Esta é uma máquina monstruosa que esmaga e nivela segundo um certo padrão. Quando vejo agir e ouço falar homens que estão há cinco, oito, dez anos no cárcere, e observo as deformações psíquicas que sofreram, sinto realmente um calafrio e hesito na previsão sobre mim mesmo. Penso que os outros também pensaram (nem todos, pelo menos alguns) em não se deixar dominar e, no entanto, sem nem se darem conta, pois, na verdade, o processo é lento e molecular, hoje se encontram mudados e não sabem, não podem julgar, porque eles estão completamente mudados. Certamente, eu vou resistir (LC 132). Se por um lado, o prisioneiro está distante das questões moleculares da família e do convívio social, por outro, na sua fragilidade física que o acompanhava desde criança, encontra forças para continuar a escrever. Gramsci sofre de uricemia crônica e, após a primeira crise em agosto de 1931, passou a explicitar por cartas também o agravamento de seu estado físico. Na segunda metade de 1932 e primavera de 1933, Gramsci relata sua condição de saúde e solicita a ajuda da cunhada Tânia, nas Cartas de 29/8/1932 (LC 665), 13/2/1933 (LC 747) e em 27/2/1933 (LC 755). A crise de março de 1933 é tão forte que o pensador a registra nos Cadernos e a relata para Tânia através de carta (LC 761). A condição da vida no cárcere, segundo a narrativa das Cartas, não era estimulante para assegurar um projeto de trabalho teórico. Mas, o pensador sardo tinha clareza de pertencer 11 Tatiana (Tania) Schucht fora uma das mais importantes e excepcionais intermediárias das vicissitudes políticas e humanas de Gramsci durante seu encarceramento. Segundo LEPRE (2001), o casal Apollon e Julia Schucht tiveram seis filhas: Nadine, Tatiana, Eugenia, Assia, Julca (Giulia) e Vitia (Vittorio). Devido a oposição política o regime czarista, a família Schucht fora exilada em Samara, às margens do Volga. Lá conheceram outra família de exilados, os Ulianov. Vladmir Illitch Ulianov seria conhecido mais tarde com o nome de Lenin. Em 1909 a família Schucht transferiu-se para a Itália. Em 1918 a família retorna à Rússia e Tatiana fora a única das mulheres da casa Schucht que permanecera com o ensejo de concluir seus estudos de medicina. Gramsci conheceu Tatiana em Roma no ano de 1924, a pedido de sua querida Giulia (esposa), pois a família Schucht perdera o contanto. 33 [...] a ‘um mundo grande e terrível e complicado’, que vinha tendencialmente se unificando ou ‘mundializando’, e que por isso mesmo era potencialmente comunista, como haviam afirmado os jovens Marx e Engels na Ideologia Alemã. (in, BARATTA, 2004, p. 28). Essa unificação não ocorria de forma linear, mas profundamente contraditória e falseada do ponto de vista político e econômico. Com isso, os interesses, tanto dos indivíduos como dos Estados Nacionais no início do século XX, estavam profundamente imbricados. Tal antinomia também está presente ao longo do processo de trabalho, no qual as Cartas ponderam planos de estudo profundamente luminosos para os Cadernos. Nos Cadernos, vemos materializada uma maneira peculiar de pensar que não traduz ainda uma forma explicita de exposição do texto. Usando a linguagem de Marx: há clareza quanto ao modo de pesquisar, mas não a peculiaridade da exposição. Gramsci estava à procura de um modelo ao qual pudesse se remeter entre os seus contemporâneos para construir sua pesquisa. Segundo seu juízo, por diversas razões, “não serviam Croce nem Bergson, nem James nem Bukárin, enquanto clássicos do marxismo, inclusive Lênin, continuavam válidos, mas já distantes” (ibidem, p. 28). 1.1.3. Condições e Método da Atividade Intelectual no Cárcere Para a vida de Gramsci, o ano de 1926 tornou-se um tempo crucial. Por um lado, o III Congresso Nacional do Partido Comunista Italiano (23-26 de janeiro), conhecido como “Teses de Lyon” (encontro realizado na França, para evitar a repressão do governo fascista), no qual se afirmou um novo grupo dirigente por dentro do partido liderado pelo então secretário Gramsci e o último encontro com sua família (seu primogênito Délio, Júlia grávida de Giuliano, filho que nunca conhecerá porque, com o avanço do fascismo na Itália, se mudaram para a Rússia). Por outro lado, a prisão do Deputado e Secretário do Partido Comunista Antonio Gramsci em 8 de novembro devido às “medidas excepcionais” impostas pelo regime fascista, quando, com base na Lei de Segurança Pública, o Estado o condenou a cinco anos de confinamento sob o controle da polícia italiana. Em 25 de novembro, Gramsci é transferido da prisão de Regina Coeli, em Roma, com outros deputados comunistas, sob o regime de “transferência ordinária”. Em seguida, passa pelas prisões de Nápoles, Palermo e a ilha de Ústica, situada no Mar Tirreno, ao norte da Sicília. No início de 1927, Gramsci é transferido para o cárcere de Milão por conta do Tribunal Especial para a Defesa do Estado. Não foram poucas as Cartas que relatam a 34 passagem por várias prisões e quartéis. Em 4 de junho de 1928, Gramsci é condenado a 20 anos, 4 meses e 5 dias de reclusão. Já na prisão da ilha de Ústica, percebera as intenções do então governante Mussolini para com os comunistas. Naquele espaço físico, o Estado italiano não garantia os direitos básicos para a população e para os próprios encarcerados. Para superar o tédio, tanto do isolamento como do “novo” mundo do qual passara a fazer parte, Gramsci organiza com seus companheiros uma escola para confinados. Coube-lhe a tarefa de dirigir a seção históricoliterária. Na prisão, Gramsci escreverá muitas cartas, em sua maioria endereçada a Tatiana, sua cunhada, e a seu amigo Piero Sraffa12, grande intelectual e economista que vivia na Inglaterra. A leitura explícita que Gramsci passou a fazer do regime fascista está evidenciada numa Carta endereçada à sua cunhada Tatiana Schucht, em março de 1927: Estou atormentado [...] por esta ideia: de que é preciso fazer algo für ewig13. [...] Em suma, gostaria, segundo um plano pré-estabelecido, de ocupar-me intensa e sistematicamente de alguns temas que me absorvessem e centralizassem minha vida interior ( LC 72, p. 58). Todos os acontecimentos da sua ação na vida pública não poderiam ser negados, e isso o desafiava, tanto na condição de prisioneiro como no laborar cotidiano vivido no sentido de compreender as múltiplas contradições que perpassam os militantes políticos contra o fascismo. Afinal, a revolução socialista estava na ordem do dia para o proletariado italiano ou para seus líderes comunistas? Tais inquietações o farão pôr mãos à obra. Na medida em que o Estado buscou controlar a “práxis” de Gramsci, a prisão lhe dera a possibilidade de acessar a biblioteca14 e, após muitos pedidos negados, o direito de escrever na sua própria cela e ter os seus próprios livros15. 12 Pietro Sraffa (1898-1983) conheceu Gramsci através do professor da Universidade de Turim, Umberto Cosmo, na época em que fazia o curso de Economia sob a orientação de Luigi Einaudi. Em 1927, abdicou do cargo de professor do Ateneo em Cagliari para lecionar na Universidade de Cambridge, onde entrou em contato com as teorias de Jonh Maynard Keynes (1883-1946). Permaneceu em Cambridge mesmo após a queda do fascismo. Publicou, em 1960, Produzione di Merci a Mezzo Merci (Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias), sua obra mais significativa. Foi o principal intermediário de Gramsci nas compras de livros, visto que abrira uma conta ilimitada na livraria milanesa Sperling e Kupfer no final de 1926. 13 Em alemão, no original: für ewig = para sempre; ewg = eterno, perpétuo. 14 Certamente, o acervo das bibliotecas das prisões da Itália por onde Gramsci passara continham poucos materiais acadêmicos. Mas, tivera acesso aos jornais diários, revistas, espaço ainda que precário, mas que lhe possibilitava não perder a noção do tempo e dos acontecimentos. 15 Após ter lido a maior parte do acervo da biblioteca que havia na prisão, Gramsci solicita livros importantes para desenvolver a sua pesquisa e a redação dos Cadernos. Contou com a ajuda da Tatiana e Sraffa, entre outros, para abrir uma conta numa livraria de Turin. O acervo de Gramsci, até hoje, está preservado na Casa Museu de Antonio Gramsci na cidade Ghilarza, Sardenha, Itália. 35 O projeto de estudo na prisão esteve marcado pela precarização da saúde, cujas condições foram relatadas nas Cartas e também nos Cadernos. Com as sucessivas crises e a necessidade de tratamento médico intenso, Gramsci sente a vida se extinguir. À luz dessa nova consciência e do seu continuum pensar, notam-se nos seus escritos duas formas de trabalho distintas: primeiro vieram os Cadernos miscelâneos e depois os Cadernos especiais. A fragilidade física forçou o pensador a adotar definitivamente um novo método de trabalho, ao retomar e ordenar os apontamentos produzindo Cadernos especiais e, em paralelo, novos miscelâneos desprovidos de subdivisão e seção temática. Frosini (2002) propõe chamar o método de trabalho, ao considerar os limites psicofísicos, de “impostação mínima”, caracterizada pela impossibilidade em continuar sua pesquisa, bem como, a forma de organizar e ordenar aquilo que já produzira. Considerando que os Cadernos investigam problemas filosóficos mais antigos da filosofia, tornando-se um texto filosófico, que, por um lado, é clássico e, por outro, luta para superar o estatuto da filosofia clássica. Muitos estudiosos se dedicaram à obra carcerária e contribuíram de diversas maneiras. Ênfase para os instrumentos desenvolvidos por Valentino Gerratana (1997) com a edição crítica dos Cadernos publicada no ano de 1975, o que possibilitou uma leitura menos isolada e determinista dos textos. Esse modo de expor a obra ampliou e potencializou a investigação de outros pesquisadores. Não foram poucos os esforços de Gianni Francioni (1984), ao apontar com mais precisão a datação dos parágrafos no interior de cada Caderno. Essas e outras tantas produções intelectuais são produto de encontros promovidos pelos próprios gramscianos com o intuito de ampliar e aprofundar a perspectiva de análise da realidade humana a partir do pensamento de Gramsci. Neste novo século, vale ressaltar que a fecundidade do pensamento gramsciano continua a transbordar e a exigir dos seus pesquisadores novos instrumentos com o intento de desdobrar o conhecimento historicamente produzido pelo marxismo. Merecem destaque três importantes pesquisas: estrutura e datação; dicionário e a edição microfotografada dos Cadernos. Quanto à questão da Estrutura e Datação dos projetos de trabalho entre as Cartas e os Cadernos, desenvolvido por Fábio Frosini (2000) e apresentado no seminário promovido pelo IGS em Roma no ano de 2000, o texto objetiva facilitar a compreensão mais ampliada e profunda da obra carcerária com ênfase nos projetos do trabalho teórico de Gramsci. A produção do Dicionário Gramsciano 1926-1937, edição de Caro Plekhánov cc Plekhánov i Editore, Roma, foi coordenado por Guido Liguori e Pasquale Voza, professores e pesquisadores vinculados, respectivamente, às universidades da Calabria e de Bari, na Itália. 36 O dicionário apresenta, pela primeira vez, todo o léxico específico do marxismo de Gramsci ao traçar e detalhar o significado das palavras, dos conceitos e expressões presentes nos Cadernos do Cárcere e nas Cartas do Cárcere. Também, a edição Anastática produzida em 18 volumes por Gianni Francioni em 2009, em colaboração com Fabio Frosini e Giuseppe Cospito. Tais volumes tratam da microfotografia de toda a obra carcerária de Gramsci, incluindo os quatro Cadernos de tradução. Os editores elaboraram para cada Caderno uma Nota Introdutória com as seguintes orientações: a descrição, a datação dos parágrafos e o conteúdo de cada Caderno, visando apresentar as principais questões filológicas não só do trabalho em si, mas também a estrutura global. Gramsci é muito prático em sua investigação. Constata que tanto as doutrinas filosóficas como os métodos de pesquisa são pouco consistentes ao considerar o movimento da teoria e da prática. Segundo Frosini (2003), Baratta (2004) e Bianchi (2009), o pensador sardo finaliza o parágrafo e, entre parênteses, encontramos a primeira observação sobre a sua forma de escrever. Recordar em geral que todas estas notas são provisórias e escritas ao correr da pluma: elas devem ser revistas e controladas minuciosamente porque certamente contêm inexatidões, falsas aproximações, etc., que não implicam danos, porque as notas têm apenas a missão de rápido pró-memória (Q 4, §16, p. 438). Na abertura do Caderno 8, escrito entre novembro e dezembro de 1930, trata da História dos Intelectuais Italianos e explicita o claro sentido metodológico ao tratar dos procedimentos e registros do trabalho de pesquisa: 1º Caráter provisório – de pró-memória – de tais notas a apontamentos; 2º Delas poderão resultar ensaios independentes, não u m trabalho orgânico de conjunto; 3º Ainda não pode haver uma distinção entre a parte principal e aquela secundária da exposição, entre aquilo que seria o ‘texto’ e aquilo que deveriam ser as ‘notas’; 4º Trata-se frequentemente de afirmações não controladas, que poderiam ser denominadas de ‘primeira aproximação’: algumas delas poderão ser abandonadas nas pesquisas ulteriores e talvez a afirmação oposta pudesse demonstrar-se a exata; 5º Não devem causar uma má impressão a vastidão e a incerteza dos limites do tema, por causa do que dizemos acima: não há absolutamente a intenção de compilar uma mistura confusa sobre os intelectuais, uma compilação enciclopédica que queira preencher todas as ‘lacunas’ possíveis e imagináveis (Q 8, p. 935). Essa recomendação será retomada na abertura do Q 11, como Advertência, escrita no ano de 1932: As notas contidas neste Caderno, como nos demais, foram escritas ao correr da pluma, para um rápido pró-memória. Elas devem ser completamente revistas e controladas minuciosamente porque contém certamente inexatidões, falsas aproximações, anacronismos. Escritas sem ter presente os livros a que se referem é 37 possível que após o controle devam ser radicalmente corrigidas exatamente o contrário do que se afirma resulta ser o verdadeiro (Q 11, p. 1365). Essas três advertências objetivam refinar o trabalho intelectual. O próprio pensador sardo considerou que o hábito de severa disciplina filológica foi adquirido durante os estudos universitários, produzindo uma dose talvez excessiva de escrúpulos metodológicos. Na carta de 3 de agosto de 1931, expressa a Tatiana a crise no seu programa de trabalho e a forma de desenvolver o trabalho de pesquisa: Tinha me proposto pensar uma certa série de questões, mas devia acontecer que, num certo ponto, estas reflexões deveriam passar a uma fase de documentação e, portanto, a uma fase de trabalho e de elaboração que requer grandes bibliotecas (LC, 243). Naquele momento, Gramsci está preocupado em fixar alguns aspectos característicos da história dos intelectuais da Itália e se vê às voltas com várias possibilidades de ensaios sobre essa temática. Além de toda a preocupação com sua produção teórica, por ser uma obra em movimento e desinteressada, chama atenção para a necessidade de penetrar em suas articulações e estar atento à natureza fundamentalmente processual (cf. Frosini, 2003, p 74). A preocupação teórica está conectada com o problema da sustentação filosófica do marxismo. Deseja desenvolver a atividade intelectual a partir da política à luz dos critérios do materialismo histórico. O ponto de partida de sua metodologia são os problemas nascidos na cultura geral de maneira parcial, isto é, dos problemas oriundos das classes subalternas. O critério de análise da cultura geral não está na impossibilidade de se compreender a história, mas no acesso do senso comum à história, mediante a qual será possível demonstrar o seu real valor. Neste sentido, [...] a tarefa epistemológica, em Gramsci, não se resolve em abstrações, em exercícios cerebrais nem em ‘mero dizer’ de narradores que ‘conversam’ e ‘redescrevem’, ‘livres de injunções’, mas está vinculada a um ativo agir político. (SEMERARO, 2006, p. 18). A construção efetiva de uma teoria do conhecimento parte da complexidade da cultura na medida em que produz uma determinada atividade capaz de universalizar-se e tornar-se inteligível ao senso comum dos subalternos nas relações sociopolíticas. Nesta perspectiva, os subalternos poderão elaborar um [...] método apurado e ‘por conta própria’, os nexos existentes entre as coisas, as contradições entre a condição desumana em que vivem e os discursos encobridores do poder. (idem, ibidem). 38 Na reconstrução do fazer de Gramsci, é necessário perceber que nas três séries de notas sobre o Materialismo e o Idealismo, é reconstruída outra perspectiva de história da filosofia, tanto por dentro do marxismo quanto dos debates com Croce, que aparecerão explicitamente no Caderno 8. O tema gerador é a Teoria da história e o historicismo, segundo Semeraro (2001), Frosini (2002), Baratta (2004) e Bianchi (2008). Só assim [...] o estudo pode dar lugar ao nascimento da ‘filologia’ como método de erudição na verificação dos fatos particulares e ao nascimento da filosofia entendida como metodologia geral da história (Q 11, § 25, p. 857). A “filologia vivente” desenvolvida por vários pensadores (Médici, 2000; Frosini 2003; Baratta, 2004; Frosini e Liguori, 2004; Semeraro, 2006; e, Bianchi, 2008) renova e valoriza a história interna dos Cadernos. 1.1.4. As “Anotações de Filosofia” nos Cadernos Miscelâneos Para Gramsci, a história e o homem são imprescindíveis para explicitar claramente a realidade objetiva. “Objetivo significa sempre ‘humanamente objetivo’, o que pode corresponder exatamente a ‘historicamente subjetivo’, isto é, objetivo significa ‘universal subjetivamente subjetivo’ (Q 11, § 17, p. 1415-1416). O marxismo examina a realidade objetiva e, sem superar as complexidades do real não há como empreender de modo “científico” as relações entre a sociedade e a “natureza”. Encontram-se no Prefácio à Crítica da Economia Política de Marx as seguintes proposições: 1) A humanidade só pode tratar de tarefas que pode resolver; a própria tarefa só desabrocha quando as condições materiais de sua resolução já estão presentes na realidade ou, pelo menos, já estão potencialmente presentes; 2) Uma formação social não finda antes que se tenha desenvolvido a totalidade das forças produtivas da qual é portadora; e que as novas e superiores relações de produção não tomam os seus lugares sem que as condições materiais de existência da nova ordem tenham sido geradas no interior da velha sociedade ( apud., Q 11 § 22, p. 1422). Desse itinerário científico de Marx, o secretário do partido comunista italiano construirá suas próprias interpretações filosóficas. De acordo com Frosini (2012), a filosofia da práxis é uma filosofia historicista segundo a qual não há uma determinação atemporal de valores, conceitos e categorias. Parte da vida concreta e vive a instabilidade do mundo no conjunto das relações sociais em constante disputa. Desempenhou um papel fundamental ao ser revolucionário, líder político e periodista. Não separou o pensar do agir. 39 No cárcere construiu a sua própria oficina. Nela, as ideias foram carburadas e materializadas em forma de manuscritos. Não são poucos os assuntos ali tratados e, dentre eles, está a “filosofia”. Num primeiro momento, aparecem as anotações e, num segundo momento, elaborou textos mais robustos que procuravam responder aos recentes desenvolvimentos da filosofia da práxis. As “anotações de filosofia” foram escritas nos Cadernos 4, 7 e 8, orientadas pela Teoria da História e da historiografia. A locução “filosofia da práxis” vai progressivamente substituindo as expressões “materialismo histórico” e “marxismo”. Isso não quer dizer que Gramsci rompe com os “fundadores da filosofia da práxis” que são Marx, Engels e Lênin, mas dá continuidade à concepção de mundo por eles empreendida. Em virtude dos problemas do desenvolvimento da filosofia da práxis, isto é, foi subsumido numa dupla combinação filosófica, Antonio Labriola já afirmara que “a filosofia da práxis é o coração do materialismo histórico” (in, SEMERARO, 2006, p. 67). Nesse sentido, ao embrenhar-se nas questões mais importantes da filosofia marxista, o ponto de partida de Gramsci é o de reconfigurar o pensamento dos “fundadores da filosofia da práxis” pelas interpretações oriundas da metafísica do materialismo mecanicista (Bukhárin, Plekhánov, etc.) ou do (neo)idealismo teorético (Croce, Gentile, Bergson, Sorel, etc.). Martelli (1996) resume essa problemática da seguinte maneira: Em antítese ao “monismo” metafísico idealista (hipótese do ‘Espírito’) ou positivista-mecanicista (hipótese da ‘Matéria’), que de maneira diferente separam abstratamente o homem da natureza, e também em oposição ao criacionismo gnosiológico subjetivista, Gramsci elabora uma concepção materialista, mas ao mesmo tempo histórica e dialética, da relação homem/natureza, cujo baricentro é constituído pelo conceito de práxis (MARTELLI, 1996, p. 41). As reflexões gramscianas permitem a recondução do marxismo ao seu registro originário de Marx nas Teses sobre Feuerbach e o questionamento de Engels em Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. Mais do que isso, para Gramsci “o problema da filosofia da práxis, é, ao mesmo tempo, o problema da filosofia depois de Marx, ou seja, do seu estatuto no nosso tempo” (FROSINI, 2002, p. 16). O estatuto dessa nova concepção de mundo não fora plenamente definida pelos seus fundadores. Segundo SEMERARO (2006), Gramsci contribuiu tanto no resgate do pensamento de Marx, quanto em buscar a especificidade, originalidade e solidez dessa perspectiva filosófica. Preocupa-se, então, em colocar em evidência a autonomia, o pensamento novo e independente de um ‘marxismo [...] que contém em si todos os elementos fundamentais [...] de uma concepção global de mundo [...]’, que ‘renova completamente a maneira de entender a filosofia’ (SEMERARO, 2006, p. 68). 40 Há no marxista sardo um modo muito peculiar de interpretar o marxismo. Essa forma livre em compreender a verdadeira concepção de mundo leva-o a ajuizar que “é preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou filósofos profissionais e sistemáticos” (Q 11 § 12, p. 1375). Profundamente criterioso para desenvolver a pesquisa sobre o fundador da filosofia da práxis, o pensador sardo utilizou os seguintes textos: as Teses sobre Feuerbach, o Manifesto do partido comunista, a Miséria da filosofia, A Sagrada Família, o Prefácio à Contribuição da Economia Política e O 18 Brumário, mas não conhecera a obra Ideologia Alemã (cf. FROSINI, 2012 – mimeografado). Ele buscou limpar o terreno interpretativo do materialismo histórico. Reafirmou a “potência” do fundador de uma concepção de mundo que “nunca fora exposta sistematicamente” (Q 16, § 2, p. 1840). Nesse movimento do pensar de Gramsci, BARATTA (2004) fez o seguinte apontamento: A peculiar ‘discrição e cautela’ com a qual deveriam ser consideradas as obras ‘inéditas’, assim como o ‘epistolário’ deste autor; os ‘indícios’ derivados da análise do ‘trabalho de elaboração’ conduzido pelo mesmo não apenas para a publicação de textos ‘depois de impressos’, mas claramente também para a redação definitiva dos escritos destinados a operar imediatamente, embora não impressos, como as cartas, as circulares, os manifestos etc.; a distância que deveria ser mantida na avaliação da ‘contribuição de outras pessoas’ – mesmo indispensável e marcada pelo ‘desinteresse’ e ‘absoluta lealdade pessoal’ – à ‘documentação’ do ‘pensador original e pessoal’ do ‘nosso’ autor [...] (BARATTA, 2004, p. 88). Neste texto verifica-se uma brilhante análise do material de pesquisa. BARATTA (2004), no seu livro As Rosas e os Cadernos, no capítulo IV compara o primeiro parágrafo da primeira série de Anotações de Filosofia do Caderno 4 (1930-1932) com o texto C do Q 16, § 2, escrito entre (1933-1934), intitulado Questões do Método para o “caso de Marx”. Se por um lado, Gramsci tinha clareza da importância do método de pesquisa e de exposição desenvolvido por Marx, por outro lado, era necessário que a sua oficina não chamasse a atenção do regime fascista. Neste sentido, seria possível estabelecer, a princípio, uma analogia entre os métodos de pesquisa e exposição de Marx e Gramsci? A meditação filosófica segue o seguinte itinerário: Em primeiro lugar, é preciso acompanhar o processo de desenvolvimento intelectual do pensador, para reconstruí-lo conforme os elementos que se tornaram estáveis e permanentes, ou seja, que foram realmente assumidos pelo autor como pensamento próprio, diverso e superior ao “material” anteriormente estudado (Q 4, § 1, p. 419). 41 No texto C, verifica-se o movimento de aprofundamento e ampliação da questão do método com os acréscimos em itálico: E primeiro lugar, é preciso reconstruir o processo de desenvolvimento intelectual do pensamento em questão para identificar os elementos que se tornaram estáveis e ‘permanentes’, ou seja, que foram assumidos como pensamento próprio, diverso e superior ao ‘material’ anteriormente estudado e que serviu de inspiração; só estes elementos são momentos essenciais do processo de desenvolvimento (Q 16, § 2, p. 1842). O centro da apreciação do marxista sardo, explicitado no texto A e aprofundado no texto C, é a questão do processo de produção intelectual que gera uma determinada identidade. Há uma variante substitutiva no texto C em relação ao texto A, quando foca não mais no pensador, mas no pensamento, naquilo que realmente “se pensa é o que une ou diferencia os homens” (Q 7, § 35, p. 885). Não trata apenas em perceber uma “concepção de mundo”, mas verificar o seu “nascimento”, a “natural premissa do seu ‘processo de desenvolvimento’, do qual precisamos ‘identificar os elementos que se tornaram estáveis e permanentes’” (BARATTA, 2004, P. 91). A principal dificuldade do pesquisador está em restaurar o “processo” desenvolvido pelo pensador e localizar o que se tornou permanente do provisório. Por isso, há um aparente paradoxo entre conteúdo e forma, na medida em que, no projeto de trabalho, esboça que uma “forma de escrever não é exterior ao conteúdo, é o conteúdo” (ibidem, p. 97). Todavia, na continuação do texto A, Gramsci afirma que o pensador “em alguns momentos, ele pode ter tido simpatia, e tê-lo até aceito e usado provisoriamente para o seu trabalho crítico ou de reconstrução histórica ou científica” (Q 4, § 1, p. 420). Isso denota que o ritmo do pensar e de trabalho imputado por Gramsci ao longo dos Cadernos é diacrônico. A pesquisa não está deslocada da realidade, do pulsar da vida. Os manuscritos estão em permanente acabamento: Esta seleção pode ser feita por períodos mais ou menos extensos, como resultado de informações internas e não externas (que também podem ser utilizadas) e leva a uma série de “depurações”, ou seja, de doutrinas e teorias parciais [...] aquele pensador pode ter tido, [...]. Todo estudioso, por experiência pessoal, tem observado que cada nova teoria estudada com ‘heroico furor’ (quer dizer, quando não se estuda por mera curiosidade exterior, mas por um interesse profundo) durante algum tempo, especialmente quando jovens, atrai por si mesma, apodera-se de toda a personalidade e é limitada pela teoria sucessivamente estudada até não se estabelecer um equilíbrio crítico e se estudar em profundidade sem com isso render-se imediatamente ao fascínio do sistema ou do autor estudado (Q 16, § 2. p. 1841). O texto gramsciano aponta para a necessidade de reflexão amadurecida. Não deixa de ser um modo de pesquisar que contém uma determinada peculiaridade. O pesquisador 42 necessita construir uma visão crítica do próprio trabalho de pesquisa. Desenvolver a capacidade de traduzir fielmente as situações filológicas do estudo do fundador da filosofia da práxis. Do “heroico furor” a um “equilíbrio crítico” Gramsci encontra a chave que potencializa “a continuidade de um percurso, e as razões ao mesmo tempo do seu crescimento e da sua maturação” (BARATTA, 2004, p. 92). O exame crítico sobre a própria pesquisa explicita o apreço pelo trabalho intelectual em permanente movimento. O pensador sardo não tivera o tempo necessário para separar o “método de investigação” do “método da exposição”. No entanto, há, sem dúvida, “um incentivo, um convite a um diálogo, embora naquele momento impossível e idealmente diferido” (ibidem, p. 89). Por isso, o cuidado em pesquisar um autor que não por ser considerado especialista. Esta observação é fundamental exatamente quando se trata de um pensador não sistemático, quando se trata de uma personalidade na qual a atividade teórica e a atividade prática estão indissoluvelmente entrelaçadas, portanto de um intelecto em contínua criação e perpétuo movimento (Q 4, § 1, p. 420). Neste texto, o marxista sardo orienta a postura do pesquisador em relação ao modo de pensar que não é comum. A perspectiva comum de pesquisa é a separação entre teoria e prática. Se aqui a análise se detém sobre o fundador da filosofia da práxis, no Caderno 8 Gramsci aplica a ideia de unificação da teoria e da prática sobre os recentes desenvolvimentos do marxismo no século XX. Por isso, trata das convicções que movem o intelectual, do juízo crítico nos seguintes termos: [...] escassa segurança em seus critérios particulares utilizados, quem não tenha uma plena inteligência dos conceitos utilizados, quem tenha escassas informações e conhecimento do estágio precedente dos problemas tratados, quem não seja muito cauteloso em suas afirmações, quem não progrida de uma maneira necessária, mas sim arbitrária e sem concatenação, quem não saiba levar em conta as lacunas que existem nos conhecimentos já atingidos, mas as ignore e se contente com soluções ou nexos puramente verbais, ao invés de declarar que se trata de posições provisórias que poderão ser retomadas e desenvolvidas, etc. (Q 11, § 15, p. 1404). Enquanto pesquisador arguto, o marxista sardo tinha expressado claramente os movimentos precisos para o desenvolvimento de uma pesquisa eficiente. No segundo Caderno monográfico essa questão aparece quando trata do papel dos intelectuais na relação com as classes subalternas. Torna-se necessário demonstrar a “futilidade do determinismo mecânico no campo da atividade intelectual” (Q 11, § 12, p. 1388). Neste sentido, o próprio Gramsci demonstrou que na sua oficina os textos foram submetidos a três tipos de variáveis: destitutivas, instaurativas, substitutivas. A produção intelectual se torna coerente em relação com a realidade pesquisada. Nesse paralelo entre o Q 43 4 e o Q 16, a questão do método é ampliado e aprofundado de modo a garantir a unidade de pensamento, isto é, as ideias são refinadas com o intento de eliminar possíveis inclinações ao determinismo mecanicista. As palavras em itálico identificam o movimento de mudança que ocorreu no texto C. Este conjunto de observações adquire tanto mais valor quanto mais o pensador em questão é um pouco impetuoso, de caráter polêmico e não tem espírito de sistema, quando se trata de uma personalidade na qual a atividade teórica e prática não estão indissoluvelmente entrelaçadas, de um intelecto em contínua criação e perpétuo movimento, que sente vigorosamente a autocrítica na forma mais impiedosa e consequente. (Q 16, § 2, p 1841). Percebe-se claramente que a perspectiva do texto mudou, visto que há uma nova temática em pauta. Ao referir-se a Marx, Gramsci, em parte, salienta a sua forma de práxis “teórica”, no curto tempo de pesquisa e de escrita, mesmo perpassada pela oscilação de fadiga psicofísica e de elaboração teórica. No seu processo de elaboração teórica, há momentos da “contida prudência” e do “heroico furor”, este último evidencia-se nos escritos entre 1932 e 1933, quando passou a desenvolver os Cadernos especiais. O novo modo de produzir os Cadernos denota que o marxista sardo ultrapassou a análise da Teoria da história e da historiografia. Fundamenta a filosofia marxista enfatizando os elementos que se tornaram estáveis e permanentes ao longo do movimento da história. “Deve-se, portanto, explicitar como ocorre que em cada época coexistam muitos sistemas e correntes de filosofia, como nascem, como se difundem, por que nessa difusão seguem certas linhas de separação e certas direções, etc.” (Q 11 § 12, p. 97). Essa análise aponta para a perspectiva de totalidade da produção cientifica, isto é, a pesquisa deve ser desenvolvida no conjunto da história, [...] que mostra qual foi a elaboração que o pensamento sofreu no curso dos séculos e qual foi o esforço coletivo necessário para que existisse o nosso atual modo de pensar, que resume e compreende toda esta história passada (...), pode ainda se reproduzir no presente e exigir novamente a sua correção (idem, p. 97-98). A apropriação de uma teoria exige a escavação meticulosa não só das ideias, mas do movimento de formação do próprio pensador. Neste caso, trata-se de um trabalho filológico sobre a biografia do fundador da filosofia da práxis. Gramsci elabora um itinerário meticuloso que possa abranger a real atividade intelectual do pensador, nos seguintes termos: Portanto: 1º biografia, muito minuciosa com [2º] apresentação de todas as obras, até as mais secundárias, em ordem cronológica, divididas nos vários períodos: de formação intelectual, de maturidade, de domínio e aplicação serena do novo modo de pensar (Q 4, §1, p. 420). Nessa passagem, Gramsci não separa a prática e a teoria do pensador. A biografia e os escritos estão intimamente relacionados. Para compreender o processo como um todo, do 44 gestar a maturação crítica do trabalho intelectual, salienta que em Marx não há um “espírito de sistema”, mas de um “espírito criativo” e movimento unitário da teoria e da prática. Por isso, o elemento central é o ser humano, explicitado a partir da sua biografia. Em seguida, trata das ideias que sustentam esse homem e não da sua atividade em si. No texto C há uma instrução ainda mais clara, considerando a seguinte perspectiva: A partir destas premissas, o trabalho deve seguir estas linhas: 1) a reconstrução da biografia não apenas no tocante à atividade prática, mas especialmente à atividade intelectual; 2) o registro de todas as obras, até as mais secundárias, em ordem cronológica, divididas conforme critérios intrínsecos: de formação intelectual, de maturidade, de domínio e aplicação do novo modo de pensar e de conceber a vida e o mundo (Q 16, § 2, p. 1841). (Em itálico estão os acréscimos feitos por Gramsci no texto C). Neste texto C há um movimento que necessita ser concatenado para garantir a fidelidade da pesquisa. São momentos distintos que fazem parte de um todo. O discurso contém um determinado compasso, que se move repetidamente, está perpassado de intensa vitalidade à espera de liberação. Se, no texto A, verifica-se “a busca do leitmotiv, do ritmo do pensamento mais importante de cada citação separada.” (Q 4, §1, p. 420), no texto C, verifica-se um discurso mais refinado: “A busca do leitmotiv, do ritmo do pensamento em desenvolvimento, deve ser mais importante do que cada afirmação casual e dos aforismos separados” (Q 16, § 2, p. 1841). Gramsci aponta para o problema do discurso, isto é, do uso adequado da palavra. Isto denota a profunda relação entre o ritmo do pensamento e a exteriorização do mesmo através da palavra. Filologicamente, o “leitmotiv ‘passa naturalmente’ de instância da experiência individual, particular, à expressão e instrumento de um organismo coletivo antitotalitário, ‘democrático’“ (BARATTA, 2004, p. 111), explicitado através da linguagem. Sem a linguagem não há discurso filosófico. Essa tese é reafirmada também na abertura do §12 do Q 11. Nele, cita que a linguagem não está carregada apenas de palavras gramaticalmente vazias, mas está perpassada por um conjunto de noções concretas e de conceitos filosoficamente determinados. O discurso filosófico está perpassado pela linguagem que contém elementos figurativos, musicais, orquestrais. Atento a esse problema, Gramsci fará a seguinte observação: É verdade que na oratória o elemento não é só a ‘palavra’: há o gesto, o tom da voz, etc., ou seja, um elemento musical que comunica o leitmotiv do sentimento predominante, da paixão principal e o ‘elemento orquestral’, o gesto no sentido amplo, que cadencia e articula a onda sentimental e apaixonada (Q 9, § 132, p. 1194). 45 Pelo conjunto dos elementos que compõem a linguagem, seja a “onda” musical como o gesto que orquestra, são mediações necessárias para entender a gênese dos Cadernos. A produção textual está perpassada pela forma, estilo e ritmo do pensar do pensador sardo. O problema da provisoriedade e a imperfeição dos textos carcerários, marcados pela forma e conteúdo ao mesmo tempo, é superada na medida em que, “para perceber este ritmo precisamos nos colocar em sintonia com o seu pensamento: ir além da fragmentariedade do seu discurso, reviver seu fluxo ou o seu continuum” (BARATTA, 2004, p. 101). Isso denota que a estrutura e a gênese estão mergulhadas numa constante luta de refinamento do discurso e de transformação do trabalho de pesquisa. Não trata apenas de transformar a gramática, mas inovar a concepção de mundo. O próprio fundador da filosofia da práxis explicitara claramente na 11ª Tese sobre Feuerbach a concepção da nova filosofia, cujo ponto de partida é a classe trabalhadora. Esse discurso será atualizado pelo marxista sardo no século XX. Os Cadernos, que lutam para a superação do estatuto tradicional da filosofia, são ao mesmo tempo um texto clássico, porque investigam os problemas mais antigos da filosofia a partir da interrogação: ‘o que é o homem?’ (idem, 2004, p. 102). Sem entrelaçar a gênese e a estrutura dos Cadernos não há como perceber o “ritmo do pensamento em desenvolvimento” (cf., BARATTA, 2004, p. 102). Nesse ritmo do pensar couberam muitas temáticas, dentre elas, a filosofia. Tal observação justifica-se ao considerar que um dos Cadernos mais bem acabados é o Caderno 11. Não se trata de um sistema filosófico fechado, mas que está em permanente síntese. A investigação dos Cadernos na sua globalidade e no seu perenal movimento está condicionada ao movimento da “filologia vivente” de cada temática. Daí a importância do trabalho filosófico. Gramsci explicita um novo tipo de filósofo, nomeado de “filósofo democrático”, pautado na tese de que “os homens são produtos das circunstâncias e da educação, e, portanto homens modificados são produtos de outras circunstâncias e educação modificada, esquece que as circunstâncias são tranformadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado” (MARX & ENGELS, 2007, p. 611- 612). Aqui, a distinção entre teoria e prática está no campo metodológico. Na prática, esse filósofo está mergulhado no mundo das experiências concretas, elaboradas criticamente. Ele busca identificar os elementos que se tornaram permanente, que potencializaram e fizeram nascer uma nova concepção de mundo, uma teoria do conhecimento capaz de conquistar a prevalência. A conquista desta prevalência passa, segundo o marxista sardo, pelo intento de compreender a crise dos intelectuais na Itália no início do século XX. Perceber as 46 necessidades históricas das classes subalternas e o seu esforço para elevar-se culturalmente. Por isso, a urgência em pensar uma estrutura política que conquiste a hegemonia em todos os seus níveis, como o econômico, o político e o filosófico. Assim, a pretensão em estudar a formação de uma concepção de mundo exige perceber que o seu processo de sistematização está em permanente movimento. É possível criar uma primeira chave de leitura ao situar os Cadernos como uma obra político-filosófica e, o seu autor, como um “político” prático. Essa unidade da filosofia e da práxis, a partir da ação política, tem como seu fundamento a filosofia de Marx. Trata-se de uma filosofia de novo tipo ao transformar o pensamento como movimento da realidade, subtraindo o espaço teórico ocupado pelas filosofias até aquele momento. Em Marx, a filosofia da práxis possui uma mistura do senso de uma teoria da unidade entre teoria e prática, e uma prática desta unidade, onde uma não se dá sem a outra (cf., FROSINI, 2010, p. 19). Razão pela qual Marx é considerado um dos fundadores da filosofia da práxis. No entanto, Gramsci, ao apoiar-se em Marx, desenvolve uma segunda chave de leitura filosófica aparentemente absurda, na medida em que gera uma nova perspectiva sobre a sua filosofia. Fundamentado num pensamento eminentemente prático-crítico ou inatista, cujo ponto de partida é a política, dada a interpenetração pela atividade teórica e atividade prática. O foco da política como ponto de partida da construção do conhecimento e da sua relação com a filosofia da práxis capacita e problematiza as experiências concretas. Também elabora uma concepção de mundo própria, uma teoria do conhecimento calcada no desenvolvimento de métodos em que “cada pesquisa científica cria para si da forma mais adequada” (Q 6 § 180, p. 826). Tanto para Marx como para Gramsci, a teoria não está deslocada da realidade ou do fazer humano. Há uma ligação inseparável, de modo a formar a unidade entre teoria e prática, e trata as experiências particulares imediatas com um método de pesquisa que chama de “filologia vivente”. 1.1.5. Gênese e Estrutura dos Apontamentos Filosóficos A exposição mais pontual do vivido por Gramsci possibilita fazer uma primeira observação sobre a importância da filosofia, pois é o único tema que será tratado de modo diferenciado ao longo dos Cadernos miscelâneos. Essa observação inclui a ideia de que a filosofia também está presente noutras temáticas que Gramsci trata mais especificamente nos Cadernos do Cárcere. 47 Segundo Frosini (2003), com a concordância de Baratta (2004) e Bianchi (2008), na redação da obra carcerária de Gramsci é possível distinguir três grandes fases. Na primeira fase (metade de 1929 aos primeiros meses de 1932), são escritos os cadernos miscelâneos de 1 à 9 (e quatro cadernos só de traduções A, B, C, D). Neles encontramos uma divisão temática: Apontamentos de filosofia nos Q 4, 7 e 8, Ressurgimento italiano no Q 9. A segunda fase, (metade de 1932 à metade de 1933) são escritos quatro cadernos especiais (10, 11, 12 e 13) e o início de outros cadernos miscelâneos (14, 15 e 17). Na terceira fase (metade de 1933 até quase junho de 1935) os trabalhos prosseguem nos cadernos miscelâneos 14,15 e 17. Desenvolve o Q 13 e os novos cadernos especiais (16-29). O método de “impostação mínima” fez com que transcrevesse quase que exclusivamente os textos da primeira fase. Já a distinção entre a segunda e a terceira fase é de natureza médica: a gravíssima crise de 7 de março de 1933. Já a divisão entre a primeira e a segunda fase que é de natureza teórica (FROSINI, 2003, p. 23). A “projeção” da “filosofia da práxis” ocorre na primeira fase da produção dos miscelâneos ao longo dos Apontamentos Filosóficos (AF I, II e III). Nas Três séries de Apontamentos Filosóficos sobre o Materialismo e o Idealismo a filosofia é tratada a partir da perspectiva da Teoria da história e da historiografia. Ela é caracterizada como um “historicismo absoluto, a mundialização e a terrenalidade absoluta do pensamento, um humanismo absoluto da história” (Q 11 § 27, p. 1437). Segundo Semeraro (2010), a expressão “filosofia da práxis” é tão significativa que somente nos Cadernos 10 e 11 há 321 recorrências. Os Cadernos miscelâneos ampliam e aprofundam a estrutura e o continuum do pensamento de Gramsci por dentro do marxismo. Esses apontamentos foram analisados também sob a perspectiva da filosofia e da política por Gerratana (1997), Francioni (1984), BuciGlucksmann (1990), Martelli (1996), Frosini (2003), Baratta (2004) Semeraro (2006), Bianchi (2008) e Frosini (2010). Nesta reconstrução histórica do tema da filosofia sustenta-se apresentar criticamente verdades já descobertas e “socializá-las” para transformá-las em base de ações vitais ao longo deste trabalho de pesquisa. Objetiva-se no movimento desta pesquisa sobre o pensador sardo as perspectivas da originalidade do marxismo, a “elevação” filosófica e o historicismo. 1.1.5.1. A Originalidade do Marxismo no AF I No projeto de trabalho elencado e no conjunto de notas desenvolvidas no Caderno 1, indica-se que uma das perspectivas de trabalho é a filosofia. Tal via fica mais clara no § 76 do mesmo Caderno, intitulado Crise do “Ocidente”. Nesse texto, Gramsci recupera a história 48 do “ocidente” e sua preocupação volta-se para dois elementos importantes: a crise e a nova unidade provocada pela crise. Afirma que tal unidade se apoia em três pilares: o espírito crítico, o espírito científico e o espírito do capitalismo, sendo que os dois últimos estão estáveis, já o primeiro encontra-se desestruturado na relação da consciência crítica com a ação. Sob o ponto de vista da ação, da cooperação com a vida, “o imperativo filosófico é tão cinza e vazio quanto o solidarismo científico. Neste vazio a alma agoniza, e disto dá algum indício a inspiração poética, que se tornou cada vez mais lúgubre ou febril” (Q 1 § 76, p. 83). Esse caminho reflexivo desvela o tipo de discurso prático. Gramsci constata que nesse processo há uma separação entre teoria e prática. Quase nenhum dia em nosso tempo é alegre (mas esta crise não estará antes ligada à queda do mito do progresso indefinido e do otimismo que daí decorria, isto é, de uma forma de religião, do que à crise do historicismo e da consciência crítica? Na realidade, a “consciência crítica” se restringia a um pequeno círculo, certamente hegemônico, mas restrito; o ‘aparelho de governo’ espiritual se rompeu com a crise, mas ele também é de difusão, o que levará a uma nova ‘hegemonia’ mais segura e estável) (Q 1 § 76, p. 84). Essa questão é tratada por Gramsci de modo a fazer emergir em seus textos o desejo pela honestidade e a unidade entre o conhecimento e a ação na vida. A solução é apresentada na abertura dos Apontamentos Filosóficos, tendo como ponto de partida da sua reflexão o próprio fundador do marxismo. O mês de maio de 1930 é muito significativo, segundo a datação de Francioni (1984), pois marca o término do Caderno 1 e o início de três Cadernos miscelâneos. Esse primeiro ordenamento do seu trabalho explicita a importância do tema da filosofia nos Cadernos miscelâneos. Alguns anos mais tarde, o tema adquire autonomia física delimitada sob a ideia de “Cadernos especiais”. Especificamente, partes dessas anotações filosóficas serão reescritas dentro de uma nova perspectiva, originando os Cadernos 10 e 11. A partir de uma leitura analítica dos temas e da organização dos primeiros Cadernos, percebe-se que os escritos miscelâneos expressam indiretamente o estado de crise do próprio pensador, marcado pelo “ritmo do pensamento em movimento”. Nesse conjunto de notas e apontamentos, será necessário entrelaçar a gênese e a estrutura dos escritos carcerários. Os Cadernos são a expressão viva da ampla atividade intelectual de Gramsci. Se, por um lado, os textos manuscritos se “apresentam na forma de anotações e de incursões de ‘primeira aproximação’” (SEMERARO, 2006, p. 16), por estarem inacabados abertos ao diálogo, com possíveis interlocutores com o intuito de ampliar e aprofundar tais referências, por outro lado, encerram temáticas mais meditadas e elaboradas em relação aos seus antecessores. 49 Devido à motivação da pesquisa, o Caderno 4 foi subdividido em duas partes. A primeira parte trata de diversos temas e a segunda parte vem intitulada Apontamentos de Filosofia. Materialismo e Idealismo. Primeira Série. Na abertura desse Caderno fica explícito, por um lado, o método empregado na pesquisa no caso de Marx, ao ressaltar a liberdade e autonomia com a finalidade de reconstruir o autêntico pensar de acordo com a filologia vivente e, por outro lado, o movimento do processo de construção do pensamento em desenvolvimento, [...] o que permanece ao longo de um processo, o que é localizado e fixado na elaboração do vivenciado, do pensado; o que no tempo material ultrapassará a materialidade do tempo: a tudo isso deve visar o trabalho do analista crítico (BARATTA, 2006, p. 91). Ainda neste viés reflexivo, afirma-se que a “gnosiologia” é apreendida para além de um conjunto de técnicas e de meios que se combinam para obter um resultado, num ativo agir político que visa construir uma teoria do conhecimento. A “realidade objetiva” para Gramsci é a pesquisa que “funciona como mestre”, pois está sujeita a um fluxo de pensamento em permanente superação. Baseado nessa afirmação, uma das queixas expressas nas Cartas era a dificuldade de estudar, isto é, sem participar da complexidade molecular da vida real não teria a “matéria-prima” da “impressão imediata, direta, viva, da vida de Pedro, de Paulo, de João, de específicas pessoas reais, sem entender as quais não é possível compreender o que é universalizado e generalizado” (Q 6 § 180, p. 826). Nesse processo da “filologia vivente” os textos são produzidos obedecendo ao seguinte itinerário: “A nota tem uma estrutura em espiral. Os assuntos principais, abordados em um primeiro momento de longe, são filtrados e inseridos em secções mais afuniladas e densas no cone por ela desenhado” (BARATTA, 2006, p. 93). Essa operação possibilita progredir, lentamente, na “intimidade” do fundador do marxismo, comparar de modo analítico a consistência teórica do pensador para alcançar a generalização e a universalização da concepção de mundo. Só após ter exposto, passo a passo, o reconhecimento do autor e da sua teoria, retoma a problemática do marxismo, com a seguinte citação: A filosofia da práxis foi um momento da cultura moderna; numa certa medida determinou ou fecundou algumas de suas correntes. O estudo deste fato, muito importante e significativo, foi negligenciado ou mesmo ignorado pelos chamados ortodoxos, e pela seguinte razão: a de que a combinação filosófica mais relevante aconteceu entre a filosofia da práxis e diversas tendências idealistas, o que aos chamados ortodoxos, ligados essencialmente à corrente particular de cultura do último quarto do século passado (positivismo, cientificismo), pareceu um contrasenso (Q 4, § 3, p. 421). 50 Se, num primeiro momento, o marxismo ordenara momentaneamente a cultura moderna, a priori pode ser encarado como algo positivo. Nos quadros da história, a filosofia da práxis demonstrou a necessidade de tornar-se uma concepção de mundo independente e autônoma. Essa carência de complexificação teórico-prática pode ser demonstrada através da seguinte deformação sofrida: O marxismo sofreu realmente uma dupla revisão, isto é, foi subsumida numa dupla combinação filosófica. Por uma parte, alguns de seus elementos, de modo explícito ou implícito, foram absorvidos e incorporados por algumas correntes idealistas (basta citar Croce, Gentile, Sorel, o próprio Bergson, o pragmatismo); por outra, os chamados ortodoxos, preocupados em encontrar uma filosofia que fosse, segundo seu ponto de vista muito restrito, mais compreensiva do que uma “simples” interpretação da história, acreditaram-se ortodoxos identificando-a fundamentalmente no materialismo tradicional. Outra corrente voltou para o kantismo (e se podem citar, além do professor vienense Max Adler, os dois professores italianos Alfredo Poggi e Adelchi Baratono) (Q 16, § 9, p. 1854-1855). Essa dupla revisão possibilitou, por um lado, que determinadas correntes filosóficas tirassem proveito de elementos necessários para continuarem hegemônicas na cultura moderna e, por outro, as disputas internas marcadas por um tipo de ortodoxia mais difundido nas massas populares. Esse não era um problema qualquer. Para fazer o marxismo avançar na história, era necessário enriquecer a formulação do problema como fora experimentado por Antonio Labriola. Gramsci descreve desta maneira a perspectiva de Labriola: Labriola se distingue de uns e de outros por sua afirmação (nem sempre segura, para dizer a verdade) de que a filosofia da práxis é uma filosofia independente e original que tem em si mesma os elementos de um novo desenvolvimento para passar da interpretação da história à filosofia geral (ibidem, p. 1855). Gramsci não só fortalece a posição de Labriola, mas está convicto de que o marxismo “é uma filosofia independente e original”. Se ele se combinar, perde a vitalidade ao revitalizar o idealismo e o materialismo vulgar. Não basta recuperar sua originalidade, mas será necessário verificar os elementos que lhe dão vitalidade. Esse é um problema que só pode ser verificado na história e no estudo da cultura moderna. E não é um problema de Marx e Engels, mas, posterior a eles. Trata-se da construção do estatuto da “filosofia da práxis”. Nesse sentido, o marxismo possui duas tarefas: “combater as ideologias modernas em sua forma mais refinada, para poder constituir o próprio grupo de intelectuais independentes, e educar as massas populares, cuja cultura era medieval” (Q 4, § 3, p. 422). A partir dessas duas tarefas que o marxista sardo se propõe a enfrentar, recupera todo o processo cultural ocorrido entre o Renascimento e a Reforma, a filosofia clássica alemã e a Revolução Francesa, o calvinismo e a economia política inglesa, o liberalismo laico e o historicismo, como elementos basilares da filosofia moderna. Essas são as diretrizes para 51 definir o marxismo sob o foco da filosofia. Assim, “o materialismo histórico é o coroamento de todo este movimento da reforma intelectual e moral, dialetizado no contraste entre cultura popular e alta cultura” (Q 16, § 9, p. 1860). Cabe indicar a importância da palavra “coroamento” ao explicitar claramente o sentido da expressão “filosofia da práxis”. Há um diacronismo com base no seguimento da reflexão, pois “corresponde ao nexo Reforma Protestante + Revolução Francesa: é uma filosofia que é também política e uma política que é também filosofia” (ibidem, p. 1860). Nesta citação, Gramsci potencializa o elemento prático do marxismo pela oposição entre cultura popular e alta cultura. Se, no Caderno ‘Temas da Cultura’ a perspectiva de política está diretamente relacionada com a filosofia, no Q 4 § 3, a política ainda estava no campo da universalidade. Na transcrição do texto A para o texto C, nota-se uma variante substitutiva pela íntima relação entre filosofia e política. A partir dessa conexão, em Gramsci, a filosofia da práxis não supera apenas a concepção tradicional de filosofia, mas demonstra sistematicamente sua pujança e a novidade filosófica. Para garantir a atualização desta concepção de mundo é necessário perceber distintos planos de ação do marxismo. No plano teórico, o marxismo não se confunde e não se reduz a nenhuma outra filosofia: ele não é original apenas enquanto supera as filosofias precedentes, mas é original, sobretudo enquanto abre um caminho inteiramente novo, isto é, renova de cima abaixo o modo de conceber a filosofia (Q 4 § 11, p. 433). Essa tese, por exemplo, demonstra sua eficiência no § 12 do Caderno 11, quando afirma a necessidade de destruir o preconceito referente à filosofia. A originalidade teórica do marxismo não está em superar o “pré-conceito”, mas elaborar e colocar o conceito em movimento enquanto novo senso comum. Entretanto, Gramsci chama atenção para outro plano profundamente significativo para o materialismo histórico: No plano da investigação histórica, deverão ser estudados os elementos que motivaram a elaboração filosófica de Marx, os elementos que incorporou, homogeneizando-os, etc.: então se deverá reconhecer que, destes elementos “originários”, o hegelianismo é relativamente o mais importante, especialmente por sua tentativa de superar as concepções tradicionais de “idealismo” e de “materialismo” (ibidem, p. 433). Nesse segundo plano, Gramsci não está mais preocupado em apresentar os passos para retornar ao fundador do marxismo. Ocupa-se com a “terrenalidade” do materialismo histórico, isto é, a imanência, ao afirmar que “Marx é essencialmente um historicista” (Q 4 § 11, p. 433). Como também, alarga o elemento prático da filosofia da práxis, a partir da produção de 52 Machiavel no campo da política. Ainda neste sentido, o marxista sardo ordena o trabalho intelectual, acrescentando a questão bibliográfica nos seguintes termos: No plano da investigação histórico-bibliográfica, deve-se estudar os interesses que motivam a elaboração filosófica do fundador da filosofia da práxis, levando em conta a psicologia do jovem estudioso que, em cada ocasião, deixa-se atrair intelectualmente por toda nova corrente que estuda e examina, e que forma a sua individualidade através deste ir e vir que cria o espírito crítico e a potência de pensamento original, após ter experimentado e confrontado tantos pensamentos contrastantes; e também quais elementos ele incorporou, homogeneizando-os, ao seu pensamento, mas notadamente aquilo que é criação nova” (Q 11 § 27, p. 14361437). Neste sentido, outro elemento fundamental do marxismo é a cultura filosófica do fundador da filosofia da práxis. Não se deve a sua formação cultural aos grandes filósofos ou às vertentes filosóficas que estudou, “mas, precisamente, o que não estava contido a não ser em germe em todas estas correntes e que Marx desenvolveu, ou cujos elementos de desenvolvimento abandonou” (Q 4 § 11, p. 433). Através desse refinamento intelectual de Marx, [...] afirma-se mais ou menos que caberia ver se, no íntimo de suas consciências, os industriais mais inteligentes não estariam convencidos de que a Economia Crítica compreendera muito bem seus próprios assuntos e não se serviam dos ensinamentos assim aprendidos. Nada disto seria de modo algum surpreendente, porque, se o fundador da filosofia da práxis analisou exatamente a realidade, ele apenas sistematizou racional e coerentemente aquilo que os agentes históricos desta realidade sentiam e sentem confusa e instintivamente e de que tomaram maior consciência depois da crítica adversária (Q 16 § 9, p. 1857). Entretanto, Gramsci cita o ensaio de Rosa Luxemburgo, Estagnação e Progresso no Desenvolvimento da Filosofia da Práxis, publicado no Vorwärts16, de Berlim, em 14 de março de 1903, no vigésimo aniversário da morte de Marx (in, COUTINHO, 2007, vol. 4, p. 329). Nele, afirma-se que [...] os fundadores da filosofia nova teriam se antecipado em muito às necessidades do seu tempo e mesmo às do tempo subsequente, teriam criado um arsenal com armas que ainda não serviriam por serem anacrônicas (Q 16 § 9, p. 1857). Mesmo sendo uma explicação um pouco falaciosa, essa memória de Gramsci é significativa, tanto para o momento que estava vivendo no cárcere, quanto para os recentes desenvolvimentos da filosofia da práxis. Neste viés, a análise feita por Antonio Labriola sobre a filosofia no marxismo é preciosa. Ele não só resgata a complexidade da filosofia no materialismo histórico, mas o faz “de acordo com as necessidades da atividade prática” (ibidem). Com isso, o pensador sardo 16 Jornal socialdemocrata alemão. Vorwärts = Avante, Vorwärts gehen = verbo avançar, ir para frente. 53 não apenas localiza o problema da filosofia, mas também identifica e define claramente o conceito de ortodoxia. Bianchi (2008) sinalizou a relação do § 3 e o § 31 do AF I, visto que Gramsci situa na elaboração teórica de Labriola a possibilidade de criticar a revisão e a combinação a que fora subordinado o materialismo histórico. Não bastava afirmar o marxismo como uma concepção original e suficiente a si mesma, mas era preciso compreender quem lhe dava ou lhe retirava sua vitalidade. 1.1.5.2. O Homem como o Embrião da Filosofia da Práxis no AF II A problemática da vitalidade do marxismo marcará uma nova fase, “que representa o principal momento de virada na evolução ‘filosófica’ dos Cadernos” (Baratta, 2004, p. 114). Trata-se da complexa expressão do “que é o homem?”. A perspectiva que orienta a produção dos AF II é a Teoria da história e a historiografia a partir da problemática fundante da filosofia em geral. Essa temática também era tratada pelo seu compatriota Benedetto Croce, seguidor do hegelianismo. Não se trata aqui de aprofundar o pensamento croceano, no entanto, a reflexão de Gramsci passa por esse viés no primeiro parágrafo do Caderno 7. Respeita seu adversário e passa a medir força na seguinte perspectiva: Quando escreve que as superestruturas são concebidas como aparências, não se dá conta de que isto pode significar simplesmente algo similar à sua afirmação da não ‘definitividade’, ou seja, da ‘historicidade’ de toda filosofia? Quando, por razões ‘políticas’, práticas, para tornar um grupo social independente da hegemonia de um outro grupo, fala-se de ‘ilusão’, como é possível confundir de boa-fé uma linguagem polêmica com um princípio gnosiológico? E como explica Croce o caráter não definitivo das filosofias?(Q 10, II § 41, p. 1299). Ao apoiar-se no discurso do seu adversário, o marxista sardo afirma que a filosofia deve ser vista como um ato político fundamentado na prática imediata. No seguimento da escrita, aponta o princípio gerador desse discurso: Por um lado, ele faz esta afirmação gratuitamente, sem justifica-la senão através do princípio geral do ‘devir’; por outro lado, reafirma o princípio (já afirmado por outros) de que a filosofia não é uma coisa abstrata, mas a resolução dos problemas que a realidade, em seu desenvolvimento, apresenta incessantemente (ibidem, p. 1299). Gramsci percebe que o discurso de Croce visa apoiar-se no movimento filosófico do marxismo, não para ampliá-lo, mas para reduzi-lo, o que lhe serviu para construir uma doutrina particular da origem prática do erro. Croce ataca o materialismo histórico ao afirmar 54 que tal teoria teria criado o dualismo entre estrutura e superestrutura. Todavia, fora ele que introduzira o conceito de dialética dos distintos. Os próprios gentilianos criticaram Croce por ter desarticulado o processo do real. Mas, a “filosofia da práxis” concebe que estrutura e superestrutura estão interpenetradas de tal forma que fundamenta o estudo dos métodos das ciências naturais e exatas. Tal “consistência” é objetivamente verificável nas múltiplas relações do ser social por ser verificado de modo “científico” (cf., Q 10, II § 41, p. 1300). O fundamento dessa concepção “científica” de história compreende a própria realidade em movimento, a qual está citada na terceira Tese sobre Feuerbach de que “a coincidência do ato de mudar as circunstâncias com a atividade humana pode ser compreendida e entendida de maneira racional apenas na condição de práxis revolucionária (umwälzende Praxis)” (MARX e ENGELS, 2007, p. 612). Nessa relação entre educador e educação, há uma relação ativa do homem sobre a estrutura, definindo a unificação do real. “O conceito de ‘bloco histórico’, construído por Sorel17, apreende plenamente esta unidade defendida pela filosofia da práxis” (Q 10, II § 41, p. 1300). Essa reflexão apresenta o movimento crescente dos Cadernos. A concepção de homem ativo, que educa e é educado, define claramente a perspectiva dos fundadores da “filosofia da práxis”. De Maquiavel, fundador da política moderna e concebida como “atividade independente e autônoma” (Q 4 § 8, p. 341), Gramsci encontra o “homem político” e o “cientista político”, que se depara com as filosofias tradicionais (cf, BARATTA, 2004, p. 114). A disputa com as filosofias clássicas sob a problemática “do que é o homem?” fora tratada por Gramsci de forma cuidadosa e relevante no Caderno 7, considerando que o tema pode ser encontrado, tanto nos Cadernos miscelâneos como nos Cadernos especiais. Materialismo e Materialismo Histórico é o tema que abre tal problemática. Por um lado, o enfrentamento do problema da concepção de homem e, por outro, esta problemática aponta para a questão da imanência ou da terrenalidade. As questões não estão desvinculadas, pois 17 Georges Sorel (1847 – 1922) fora pensador socialista mas não marxista e desenvolveu o conceito de “bloco histórico” na perspectiva de mito. Gramsci se apropria do termo num sentido bem diferente daquele soreliano. No livro de Sorel, Reflexões sobre a Violência (Petrópolis: Vozes, 1993), pode-se ler na Introdução a seguinte ideia: “Os homens que participam dos grandes movimentos sociais representam suas futuras ações, para si mesmo, sob a forma de imagens de batalha, para assegurar o triunfo de sua causa. Propus chamar de ‘mitos’ essas construções, cujo conhecimento tem uma importância tão grande na história: a greve geral dos sindicalistas e a revolução catastrófica de Marx são mitos. Como exemplos notáveis de mitos, dei aqueles construídos pelo cristianismo primitivo, pela Reforma, pela Revolução, pelos mazzinianos; o que queria mostrar é que não é preciso tentar analisar tal sistema de imagens do mesmo modo que um objeto se decompõe em seus elementos, mas que é preciso torna-lo um bloco como forças históricas” (in, Coutinho , vol. 1, 2004, p. 482). 55 ambas tratam de uma reflexão sobre o estatuto do materialismo histórico, o estatuto da “filosofia da práxis”. Se a vulgarização do marxismo fora um momento necessário para estabelecer o diálogo com as massas e com o homem na sua particularidade, o marxista sardo buscou por dentro do seu projeto de trabalho compreender os instrumentos de mecanização e os possíveis momentos de superação. Ele não desqualifica o universo do homem comum e da religião enquanto espaço precioso para compreender o homem e a sua “natureza humana”. Para Croce, a filosofia está numa perspectiva metafísica ao afirmar que o “espírito” unificou o homem. Em Gramsci, a filosofia também participa desse movimento, mas ele muda totalmente de perspectiva na medida em que a identifica com o processo social que realmente pode unificar a humanidade. O pensador sardo reinterpreta a tese de Engels, do reino da necessidade para o reino da liberdade, ao afirmar o marxismo como uma filosofia que está em movimento. É uma filosofia capacitada para analisar as contradições do ponto de vista dos “homens” que querem superar a tirania. A validade do marxismo está na possibilidade de ampliar e aprofundar o seu caráter que é totalmente imanente. Essa verdade só pode ser entendida e sentida se for arrolada no conjunto das relações concretas (cf., FROSINI, 2011, p. 22 - mimeografado). A concretude do materialismo histórico está na necessidade histórica das massas que desejam desenvolver a sua própria filosofia. Gramsci universaliza a “filosofia da práxis” ao lhe dar validade a partir de um contexto histórico preciso. Cada filosofia responde por um determinado contexto e não há verdade interna, mas um imanentismo radical, pois o que une ou distingue os homens não é o “pensamento”, mas aquilo que realmente se pensa (cf., Q 7 § 35, p. 885). Se os “filósofos” não estiverem convencidos do rumo na busca da verdade, os homens não poderão criar nova história e nem possibilitar que as filosofias se transformem em ideologia ou “religião”. A ampliação da concepção de mundo numa ideologia exige a aderência da massa. O filósofo é o primeiro a estar convencido dessa verdade. O materialismo histórico se diferencia das filosofias anteriores por combinar duas coisas que não tinham sido ainda combinadas: o caráter imanente da produção da realidade e o caráter da consciência, dos limites dessa produção da verdade (cf., FROSINI, 2011, p. 23 – mimeografado). Nesta perspectiva, a filosofia encontra na prática a “equação entre ‘filosofia e política’, entre pensamento e ação, ou seja, uma filosofia da práxis” (Q 7 § 35, p. 886). Assim, a perspectiva de homem em Gramsci passa pela relação prática. Ocorre a unificação do gênero humano a partir da unidade entre teoria e prática, visto que a “natureza humana” se 56 constitui no “conjunto das relações sociais” (cf., Q 7 § 35, p. 885). A partir desse “progresso” intelectual, Gramsci busca elementos de unidade e coerência para a própria filosofia da práxis. 1.1.5.3. Um Novo Conceito de “Filosofia da Práxis” no AF III A Terceira Série de Apontamentos Filosóficos sobre o Materialismo e Idealismo expressa a progressiva definição do conceito de “filosofia da práxis”. Todo esforço de Gramsci voltou-se para fundamentar a “filosofia da práxis” como a relação unitária entre filosofia e senso comum. Essa é a grande novidade presente no AF III e que se tornará a discussão central do Caderno 11. Francioni (1984) afirma que, entre os meses de março e abril de 1932, Gramsci redigiu, no Caderno 8, sua versão mais elaborada como projeto de trabalho. Se em momentos anteriores havia um “aparente” arrastar-se na elaboração do “Ensaio Principal”, isso não acontece com o “Reagrupamento de Matéria” (cf., FROSINI, 2002, p. 13): 1° Intelectuais. Questões escolares. 2º Maquiavel. 3º Noções enciclopédicas e temas de cultura. 4º Introdução ao estudo da filosofia e notas críticas a um Ensaio popular de sociologia. 5º História da Ação Católica. Católicos integristas – jesuítas – modernistas. 6º Miscelânea de notas variadas de erudição (Passado e Presente). 7º Risorgimento italiano (no sentido da Età del Risorgimento italiano de Omodeo, mas insistindo sobre os motivos mais estritamente italianos). 8º Os sobrinhos do Padre Bresciani. A literatura popular (Notas de Literatura). 9º Lorianismo. 10º Apontamentos sobre o jornalismo (Q 8, p. 936). Segundo Gerratana (1997), Fancioni (1984), Frosini (2002) e Bianchi (2008), o “Reagrupamento de Matéria” é considerado, por um lado, um projeto de “índice incompleto”, com a intenção de desenvolver “cadernos especiais” e, por outro, uma proposta alternativa ao “Ensaio Principal” com relação aos temas dos intelectuais. A importância do Caderno 8 para Gramsci está na significativa relação com os Q 10 e 11, visto que apontara perspectivas inacabadas sobre a filosofia da práxis. O Caderno possui 89 parágrafos, dos quais o marxista sardo utilizou 43 para reelaborar o Caderno 11, subdivididos em 21 parágrafos como texto C e, 15 notas para o Caderno 10. Nem todas as notas foram transcritas mecanicamente, visto que havia distintas temáticas e as ideias serão postas dentro dessas novas perspectivas de análise da realidade filosófica. Esse novo movimento investigativo da “filosofia da práxis” posto nas notas do Q 8, tem como pano de fundo os recentes desenvolvimentos do marxismo no século XX. Com base nessa nova impostação da filosofia, o trabalho e a figura de Labriola tornam-se importantes por tratar do problema da complexidade filosófica do marxismo. O marxista 57 sardo está preocupado em constituir um núcleo filosófico autossuficiente para o marxismo. O faz a partir da seguinte explicitação: A afirmação de que a filosofia da práxis é uma concepção nova, independente, original, mesmo sendo um momento do desenvolvimento histórico mundial, é a afirmação da independência e originalidade de uma nova cultura em preparação, que se desenvolverá com o desenvolvimento das relações sociais (Q 16, § 9, p. 18621863). Mesmo que a alta cultura moderna tenha tentado estilhaçar o pensamento crítico de Marx, ao interpretar livremente o pensamento do fundador da filosofia da práxis, Gramsci indica claramente a necessidade histórica do próprio marxismo. As Teses sobre Feuerbach compõem o núcleo da “nova filosofia”. Sobre a última Tese, Gramsci tece o seguinte comentário: A tese XI – “os filósofos apenas interpretaram o mundo de várias maneiras, trata-se agora de transformá-lo” – não pode ser interpretada como um gesto de repúdio a qualquer espécie de filosofia, mas apenas de fastio para com os filósofos e seu psitacismo, bem como de enérgica afirmação de uma unidade entre teoria e prática (Q 10 II, § 31, p. 1270). Gramsci tinha clareza da pujança do materialismo histórico e do movimento de superação tanto do idealismo quanto do materialismo vulgar. A partir desse movimento transformador que agora parte da própria filosofia, o marxista sardo questiona e até usa os argumentos dos próprios adversários. Que tal solução, por parte de Croce, seja criticamente ineficiente é o que se pode observar também a partir do fato de que, mesmo admitindo por absurda hipótese que Marx quisesse “suplantar” a filosofia em geral com a atividade prática, poder-se-ia “desembainhar” o argumento peremptório de que não se pode negar a filosofia senão filosofando, isto é, reafirmando o que se queria negar; e o próprio Croce, em uma nota do volume Materialismo histórico e economia marxista, reconhece (reconhecera) explicitamente como justificativa a exigência, posta por Labriola, de construir uma filosofia da práxis (ibidem, p. 1270). Os adversários do marxismo reconheceram a importância da nova filosofia, não resta dúvida que “deste ponto de vista revela-se como Croce soube tirar bom proveito de seu estudo da filosofia da práxis” (Q 10 II § 31, p. 1271). Dessa afirmação sobre Croce, a crítica será impiedosa por parte do marxista sardo com base no historicismo e aponta a seguinte análise: De fato, é a tese crociana da identidade entre filosofia e história será algo mais do que um modo, o modo crociano, de colocar o mesmo problema posto pelas teses sobre Feuerbach e confirmado por Engels em seu opúsculo sobre Feuerbach? Para Engels, a ‘história’ é prática (a experiência, a indústria); para Croce, a ‘história’ é ainda um conceito especulativo (ib. idem, p. 1271). 58 O modo de pôr o problema da identidade entre filosofia e história no marxismo, não pode ser reduzido à forma, mas parte do movimento histórico e da relação com a política. Neste sentido, Labriola trata dessa questão no seu livro Discorrendo e Engels sobre Ludwig Feuerbach. Gramsci aprofundará essa questão nos AFI em maio de 1930, em fevereiro de 1932 no Caderno 8 §198, como também no Caderno 10, II § 31, escrito entre junho e agosto de 1932. Ainda no Caderno 4 §28, verifica-se o registro de um pequeno livro de Antonio Lovecchio18 (Filosofia dela Prassi e Filosofia dello Espírito) que chamara a atenção de Gramsci sobre o tema debatido por Labriola, passando por Gentile19 e Croce, chegando a Mandolfo20, Adelchi Baratono21 e Alfredo Poggi22. Porque, nesse debate, Gramsci cita imediatamente Labriola e não a Engels? Engels é colocado por Gramsci em segundo plano, pois define a práxis como um experimento da indústria, como uma falsa tentativa de resolver a antinomia da filosofia tradicional (cf, Caderno 10, II § 31, p. 1271). Para Engels, a resolução do conflito entre Materialismo e Idealismo passa pela determinação do estatuto filosófico do marxismo. Nos seus escritos, aparece a distinção entre materialismo como uma concepção de mundo baseada numa determinada relação entre matéria e espírito, e a forma particular na qual a concepção de mundo se apresenta em um determinado grau de desenvolvimento histórico no século XVIII (cf., FROSINI, 2002, p. 15). O marxista sardo reconhece o esforço de Engels, mas não aceita a sua tese. No Anti-Dühring a filosofia marxista é posta no patamar como “ciência positiva da natureza e da história”, isto é, na perspectiva do mecanicismo. 18 Antonio Lovecchio é um médico de Palmi e escreva sobre Filosofia della prassi e filosofia dello spirito, sendo que o livro consta de duas partes, uma sobre a filosofia da práxis e a outra sobre o pensamento de B. Croce, vinculadas pela cooperação do pensamento crociano à critica da filosofia da práxis. O último título do texto é “Marx e Croce”, com uma discussão voltada para o marxismo especialmente as de Antonio Labriola, Croce, Gentile, Rodolfo Mondolfo, Adelchi Baratono e Alfredo Poggi. Segundo o próprio Gramsci, trata-se de um croceano e aparentemente de um autor que desconhece o assunto em pauta (cf, Q 11, § 8, p. 1371). 19 Segundo Oliveira (2008), Giovanni Gentile (1875-1944) escreveu, dentre vários textos, Che cosa è il Fascismo (1925), famoso manifesto dos intelectuais fascistas, onde advogou que os intelectuais devem estar diretamente ligados aos grandes gestores da pátria italiana (ou até mesmo, exercer o poder político). Além de ter sido ministro da educação do governo fascista de Mussolini, foi diretor da famosa editora italiana G. C. Sansoni. Chegou a romper com Benedetto Croce, devido a algumas discordâncias filosóficas e pelo distanciamento do autor napolitano do fascismo. 20 Rodolfo Mondolfo (1877-1976) ingressou no final de 1895, no Partido Socialista Italiano. Estudou as teorias políticas e a Revolução Francesa. Durante o período de 1910 a 1913, ensinou História da Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Turim. Nesse período, publicou Il materialismo Storico in Federico Engels (1912) e Sulle Orme di Marx (1912). Reverenciou o revisionismo de Eduard Bernstein. Transferiu-se para a Argentina em 1938. Ali, foi professor da Universidade de Córdoba durante o período de 1940 a 1958. 21 Adelchi Baratono (1875–1947) foi professor universitário de filosofia, lecionou em Gênova, Cagliari e Milano. Foi militante político e um dos principais expoentes do Partido Socialista Italiano, entre as duas guerras mundiais. 22 Alfredo Poggi (1881–1974), professor universitário e político socialista. Foi perseguido pelo regime fascista. Como escritor, desenvolveu trabalhos sobre Kant, Socialismo e Cultura. 59 Por isso. a posição de Labriola sobre essa problemática é significativa para Gramsci. Ele apontou a redução produzida pelo mecanicismo no interior do próprio marxismo. Nessa perspectiva analítica, Gramsci aprofunda a Tese 11 sobre Feuerbach numa circularidade aberta entre filosofia-política-economia. Devido a essa relação, amplia-se o estatuto da filosofia da práxis. A filosofia da práxis luta para superar o estatuto tradicional da filosofia, tratado por Gramsci tanto no Caderno 4 § 11, intitulada Problemas Fundamentais do Marxismo, quanto no Caderno 11, na perspectiva do Conceito de Ortodoxia. Na primeira versão, no texto há preocupação com os fundamentos do marxismo postos por Marx. Neles, o fundador da filosofia da práxis reconhecera os elementos filosóficos desenvolvidos por Giordano Bruno como precedente possível de imanência. Na carta a Tatiana, em 25/03/1929, Gramsci afirma ter dado um passo à frente do idealismo em superar a metafísica, e dois passos atrás na questão da relação entre o pensamento e a realidade natural e histórica (cf., LC, 147, p. 249). O avanço seria relativo à historicidade da consciência em Hegel, e que Croce “supera” na eternidade das quatro formas do espírito (cf., FROSINI, 2002, p. 17). O retroceder é o da filosofia que não se põe em sintonia com o problema dos subalternos. A elevação dos subalternos não está desvinculada da construção da sociedade civil23 nem da conquista da hegemonia. Na segunda versão, o pensador sardo está preocupado não apenas com a fundamentação histórica do termo, mas com o enfrentamento por dentro do marxismo, da seguinte maneira: O estudo da cultura filosófica de um homem como Marx é não só interessante como necessário, contanto que não se esqueça de que tal estudo faz parte apenas da reconstrução de sua biografia intelectual e que os elementos de spinozismo, de feuerbachismo, de hegelianismo, de materialismo francês, etc. não são de nenhum modo partes essenciais da filosofia da práxis, nem esta se reduz a eles, mas o que sobretudo interessa é precisamente a superação das velhas filosofias, a nova síntese ou os elementos da nova síntese, o novo modo de conceber a filosofia, cujos elementos estão contidos nos aforismos ou dispersos nos escritos do fundador da filosofia da práxis, os quais, precisamente, devem ser investigados e coerentemente desenvolvidos (Q 11§ 27, p. 1436). O pensador sardo está preocupado em perceber os nexos históricos entre a filosofia e a política em Hegel e Marx, devido à relação privilegiada entre ambos os termos tratados pelos seus antecessores. Como se não bastasse, radicaliza sua pesquisa para entender e pôr a verdade em outro lugar, isto é, no plano da imanência. Num determinado momento, entre 1931 e nos primeiros meses de 1932, Gramsci acreditara ter encontrado o caminho percorrido 23 Gramsci esboça os seguintes traços da sociedade civil: “livre, aberta, múltipla, dinâmica e criativa e. ao mesmo tempo, profundamente unificada em torno do objetivo dominante em toda a sua vida, ou seja, a elevação social, cultural e política das massas e dos excluídos, até a sua transformação em protagonistas autônomos duma sociedade verdadeiramente democrática” (SEMERARO, 1999, p. 15). 60 por Marx que possibilitara entender o desenvolvimento histórico. Se no § 128 do Q 8 vem intitulada Ciência Econômica, no Q 11 o título é refinado e nomeado de Regularidade e Necessidade. Observa-se a seguinte argumentação: Ao que parece não se pode pensar em uma derivação das ciências naturais, mas sim, ao contrário, em uma elaboração de conceitos nascidos no terreno da economia política, notadamente na forma e na metodologia que a ciência econômica recebeu em David Ricardo. Conceito e fato de “mercado determinado”, isto é, observação científica de que determinadas forças decisivas e permanentes surgiram historicamente, forças cuja ação se manifesta com um certo “automatismo”, que permite um certo grau de “previsibilidade” e de certeza para o futuro com relação às iniciativas individuais que se adequam a tais forças, após tê-las intuído e compreendido cientificamente (Q 11, § 52, p. 1477). Na crítica da ciência econômica, o marxista sardo percebeu que “mercado determinado” na linguagem dos economistas ingleses, significa afirmar que há determinada correlação de forças sociais em determinada estrutura do aparelho de produção. Todavia, essa determinação mantém sua legitimidade pela íntima conexão com a superestrutura política, jurídica e moral (cf., ibidem, p. 1477). O mercado estabelece e luta para que haja uma determinada regularidade, isto é, as leis da ciência econômica. Sobre isso, Gramsci exprime a seguinte ideia: É necessário partir destas considerações para estabelecer o que significa “regularidade”, “lei”, “automatismo”, nos fatos históricos. Não se trata de “descobrir” uma lei metafísica de “determinismo” e nem mesmo de estabelecer uma lei “geral” de causalidade. Trata-se de indicar como se constituem no desenvolvimento histórico forças relativamente “permanentes”, que operam com certa regularidade e automatismo. [...] Para estabelecer a origem histórica deste elemento da filosofia da práxis (elemento que é, ademais, nada menos do que seu modo particular de conceber a “imanência”), será necessário estudar o modo pelo qual David Ricardo tratou das leis econômicas (ibidem, p. 1479). Não se trata de manter a verdade posta por David Ricardo, mas pôr a verdade noutro lugar, no lugar da história, com a qual Marx pôde criticar o carácter especulativo da filosofia de Hegel de uma maneira não especulativa. Esse seria o marco geral, o problema tratado por Gramsci nos seus escritos sob o foco de Hegel e de David Ricardo. Então, a “filosofia da práxis” é igual a Hegel + Marx e David Ricardo. Nesse sentido, por que Gramsci volta a David Ricardo? A forma de trabalhar do pensador sardo é muito inusitada, pois trata de teses e de problemáticas filosóficas como quase que do nada (cf, FROSINI, 2011, mimeografado). De uma maneira bem resumida, Gramsci, no cárcere, não teve acesso a todos os livros que desejava ter lido ou que o diretor lho permitia. Não lera o livro Princípios de Economia Política, de David Ricardo, mas tivera acesso a um manual de história da economia política escrito por dois franceses. Nele, há um capítulo no qual David Ricardo é apresentado como um pensador impressionante, com uma lógica apurada e prática, na qual formulava leis 61 econômicas supondo haver um princípio comum na economia. A originalidade do marxista sardo estava em relacionar o mercado determinado e homo economicus, supondo a lei de tendência. Gramsci solicita que seu grande amigo e economista Pietro Sraffa, que estava a traduzir as obras de David Ricardo na Inglaterra, analise tal ideia. Sraffa afirma ser um absurdo, visto que Ricardo nunca teria construído isso e tão pouco tal manual. Para o economista, está claro que Gramsci está desenvolvendo sua ideia. O que aqui importa é a impostação do problema (cf., FROSINI, 2011, mimeografado). O problema é enunciado por Marx quando afirma que os economistas Adam Smith e David Ricardo formularam leis implacáveis do desenvolvimento econômico dentro de uma determinada sociedade. Essas leis intransigentes que lutavam contra o Antigo Regime possuem um cunho não apenas econômico, mas político, para o marxista sardo. Elas não apresentam apenas a verdade econômica. Possuem um valor de mediação estratégica com a aristocracia. Com isso, Ricardo se coloca numa posição mais progressista dos demais pensadores da sua época sob o ponto de vista das relações sociais. Isso explicita a importância desse economista para o entendimento de uma nova ideia de imanência para Gramsci. Ricardo, ao enunciar as leis econômicas de tendência, não está fora da sociedade e nem especulando. Está marcando uma posição verdadeira dentro da realidade social favorável à luta da burguesia contra as leis de tendência da aristocracia. Tais leis só poderiam se concretizar com a luta da burguesia por ser uma verdade prática e não apenas teórica. Há um novo conceito de lei, que é determinista e necessária, mas tendencial por estar em conexão com as forças sociais, com as lutas em andamento. Podemos distinguir entre o que é necessário e o que não se faz necessário. As forças em disputa se encontram e a há uma estreita relação entre triunfo e submissão. A lei é necessária e verdadeira por estar dentro da luta. Para pensar a história como a disputa de forças segundo as circunstâncias específicas na política, Gramsci enaltece A Miséria da Filosofia de Marx como uma das obras que enunciaram conceitos chaves a partir da economia. Os conceitos econômicos expostos por Ricardo estão a favor da luta da burguesia por enfatizar leis necessárias, pois visa a ganhar ideologicamente a luta. Não se trata de ganhar a luta enganando as classes subalternas, mas de algo que tem um sentido de verdade. Não há como negar as forças do capital e tudo que envolve enquanto algo necessário. A necessidade sempre é algo hipotético e essa é a posição de Ricardo, segundo Gramsci. 62 O marxista sardo reconhece que Marx utiliza tal chave de leitura e possibilita pôr Hegel sob os “próprios pés” ao deslocar a ideia hegeliana de verdade. Ele próprio utilizará tais fundamentos para enfrentar Croce no campo da filosofia. Esse enfrentamento pode ser visto no Caderno 8, nos parágrafos 122, 128 e 224 escritos na primavera de 1932, segundo Francioni (2002). Respectivamente no último parágrafo, intitulado Teologia – Metafísica e Especulação, verifica-se a definição de filosofia em Croce: Croce aproveita qualquer ocasião para sublinhar como ele, em sua atividade de pensador, procurou meticulosamente afastar da sua filosofia qualquer traço e resíduo de transcendência e de teologia, e, consequentemente, de metafísica entendida no sentido tradicional. Por isso, em confronto com o conceito de “sistema”, ele valorizou o conceito de problema filosófico (Q 10 I, § 8, p. 1225). No senso croceano, o historicismo é definido no campo “teológico”, mediado por considerações “utopísticas” e, enquanto tais, o religioso é a sua última instância, explicitando o seu lado regressivo. Evidencia-se o caráter transcendente e teológico do idealismo contemporâneo. Segundo Frosini (2002), no §224 do Caderno 8 encontra-se de modo inédito a importância da história da filosofia como sendo um historicismo absoluto, capaz de rever e criticar a teoria historicista de caráter especulativo, assim como o passo seguinte da sua análise, será a construção de um texto Anti-Croce. O pensador sardo verificou que Croce procurou retirar da filosofia tradicional a ideia de sistema e valorizar o conceito de problema filosófico. Negou que o raciocínio pudesse produzir outros pensamentos também abstratos, mas afirmou que a filosofia deve resolver problemas situados na história. Verifica-se o enorme esforço de Croce em relacionar a vida à filosofia idealista. Gramsci reconhece a luta de Croce no desenvolvimento da ciência filosófica, do liberalismo e da superação do pensamento religioso-confessional na Itália. Croce é a expressão do pensamento burguês na Itália do século XX, mas não consegue retirar da “filosofia da práxis” a sua terrenalidade. Nessa perspectiva, a definição de filosofia da práxis é assim definida: A filosofia da práxis está relacionada não só ao imanentismo, mas também à concepção subjetiva da realidade, precisamente enquanto a inverte, explicando-a como fato histórico, como ‘subjetividade histórica de um grupo social’, como fato real, que se apresenta como fenômeno de ‘especulação’ filosófica e é simplesmente um ato prático, ou seja, a forma de um concreto conteúdo social e o modo de conduzir o conjunto da sociedade a forjar para si uma unidade moral (Q 10, I § 8, p. 1226). Por isso, a “filosofia da práxis” está perpassada por uma concepção de mundo imanentista e por uma “subjetividade histórica de um grupo social”. Nesse processo, percebe- 63 se o movimento do homem ativo de massa, capaz de superar o velho e fazer nascer o novo, a partir da necessidade histórica. A filosofia da práxis é a concepção historicista da realidade que se libertou de todo resíduo de transcendência e de teologia até mesmo em sua última encarnação especulativa; o historicismo idealista crociano permanece ainda na fase teológicoespeculativa (ibidem, p. 1226). Tanto o critério de imanência quanto da concepção historicista é alargado nos Cadernos. A partir da releitura de Ricardo e da perspectiva de imanência de Giordano Bruno, a II Tese sobre Feuerbach apresenta a seguinte noção de saber: A questão de saber se cabe ao pensar o humano uma verdade objetiva não é uma questão de teoria, mas sim uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de provar a verdade, quer dizer, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensar. A controvérsia acerca da realidade ou não realidade do pensar que está isolado da práxis é uma questão puramente escolástica (MARX e ENGELS, 2007, p. 611). Essa tese é traduzida por Gramsci em como o ser humano que, ao operar na história, se terrenaliza e transforma a sua realidade. O labutar é histórico e político, segundo Maquiavel, e pondera Gramsci: Em sua elaboração, em sua crítica presente, [Maquiavel] expressou conceitos gerais, que se apresentam sob forma aforística e assistemática, e expressou uma concepção do mundo original, que também poderia ser chamada de “filosofia da práxis,” ou “neo-humanismo”, na medida em que não reconhece elementos transcendentais e imanentistas (em sentido metafísico), mas baseia-se inteiramente na ação concreta do homem que, por suas necessidades históricas, opera e transforma a realidade (Q 5 § 127, p. 657). Essa maneira de conceber a imanência possibilitou a Gramsci expor uma linha filosófica marxista, que elimina toda a especulação e a transcendência, de Maquiavel-BrunoRicardo-Marx. Como também “a proposição de Vico24 ‘verum ipsum factum’, que Croce desenvolve no senso idealístico, de que o conhecer é um fazer e que se conhece o que faz sentido no qual ‘fazer’ tem um significado particular [...], que termina em uma tautologia” (Q 8 § 199, p. 1060). A concepção de Vico deve ser inventariada com a concepção própria da filosofia da práxis. Por isso, Gramsci apresenta os conceitos de imanência e práxis de forma tão imbricada, dado o nexo diretivo entre economia-história-política nos AF III. 24 Segundo Oliveira (2008) Giambattista Vico (1668-1744) nasceu em Nápoles, escreveu, dentre seus tratados filosóficos, La Scienza Nuova (1725), sua obra mais célebre. Foi um dos primeiros críticos da filosofia de René Descartes (1596-1650). Argumentava que o “cogito” cartesiano revela e atesta apenas a existência do pensamento e não a sua causa, ou seja, apenas o puro pensar (sem o entendimento de atividade) não leva o homem a edificar uma verdadeira “ciência”, não leva a uma verdadeira objetividade filosófico-científica. 64 Na primavera de 1932, introduz dois novos títulos: “Pontos para um Ensaio sobre Croce” no § 225 e “Introdução ao Estudo da Filosofia”, no § 204. Esses dois temas novíssimos, expressam um nível mais elevado de reflexão e tradução do pensamento filosófico no marxismo do pensador sardo. Eles irão convergir, respectivamente, nos Cadernos 10 e 11. Os dois Cadernos são a expressão do “movimento de pensamento” que alarga a estrutura e gênese do marxismo e reformula o plano de trabalho de 1929. Esse núcleo reflexivo do pensador sardo também estará presente na estruturação de outros temas tratados nos Cadernos especiais. Especificamente para o campo da filosofia, novas perspectivas serão delineadas por Gramsci como forma de combater as filosofias contemporâneas e as deformações do próprio marxismo. ________________________ 65 CAPÍTULO II A “Filosofia da Práxis” no Caderno 11 Considerando que nos Apontamentos Filosóficos sobre o Materialismo e Idealismo, iniciados em 1930, Gramsci estava convencido de que o fundador do marxismo propunha uma “filosofia independente e original” (Q 4, § 3, p. 422) com a capacidade de “renovar de cima a baixo o modo de conceber a filosofia” (Q 4, § 11, p. 433), não será diferente nos manuscritos monográficos, pois afirma que [...] uma teoria é ‘revolucionária’ precisamente na medida em que é elemento de separação e de distinção consciente em dois campos, na medida em que é um vértice inacessível ao campo adversário (Q 11, § 27, p. 1434). Na primavera de 1932, num determinado momento no curso do trabalho dos Apontamentos Filosóficos, o pensador sardo introduziu duas novidades em sua pesquisa, devido aos recentes acontecimentos relativos à filosofia da práxis. Essa efervescência no trabalho intelectual do pensador sardo, especificamente no campo da filosofia, aconteceu na “primavera clássica”25, ao produzir os quatro primeiros Cadernos especiais. Na genealogia das notas 225 e 204 do Caderno 8, percebe-se, por um lado, que há uma unidade conceitual alcançada ao longo da pesquisa sobre a Teoria da História e da historiografia do marxismo e, por outro lado, a necessidade de unificar teoria e prática e contribuir para uma nova expansão do materialismo histórico. Gramsci reafirmou e aprofundou os conceitos fundamentais do marxismo. Criou uma sintonia fina no decorrer de seu discurso filosófico e contribui de forma a competir e criticar o pensamento mais “evoluído” da filosofia contemporânea. Neste sentido, quais são os temas principais que perpassam esses dois parágrafos tão significativos do Caderno 8? O primeiro texto, Introdução ao Estudo da Filosofia, § 204, escrito no Q 8, entre fevereiro e março daquele ano, e o segundo, Pontos para um Ensaio sobre Croce, escrito no mesmo Caderno no § 225, em abril de 1932, segundo Francioni26. Esses dois planos de trabalho reformulam o programa de pesquisa de 1929. Em decorrência da sua reflexão 25 A “primavera clássica” pode ser entendida, por um lado, como o período áureo da produção intelectual de Gramsci, e, por outro lado, o texto filosófico elaborado na luta para superar o estatuto tradicional da filosofia a partir de uma nova perspectiva de homem (cf, BARATTA, 2004, p. 102). 26 Ao tratar da datação do Caderno 10, em Coutinho (2002, v. 6, nos dois apêndices), verifica-se no apêndice II, a sustentação de Francioni de que a escrita dos parágrafos ocorreu entre 1931 e 1932, já segundo Coutinho, no apêndice I, que está entre parênteses, a construção do caderno teria sido entre 1932-1935. Portanto, não há uma efetiva correspondência entre os dois pensadores quanto à finalização desse precioso caderno. 66 filosófica, o marxista sardo tratou de elaborar uma nova perspectiva de filosofia com base na concretude histórica. Seu ponto de partida será o estudo do idealismo de Croce e o manual de Bukhárin. Sistematizou critica e coerentemente as próprias intuições do mundo e da vida como elementos centrais para o debate com o marxismo. Na ordenação dos Cadernos especiais, a Filosofia de Benedetto Croce será o primeiro tema a ser desenvolvido. Trata-se de uma profunda análise da filosofia hegemônica na Itália, com os seguintes pontos de estudo: 1) Quais são os interesses intelectuais ou morais (e também sociais) que tem predominado na atividade cultural de Croce? [...] 2) Croce como líder da tendência revisionista; [...] 3) [(cfr n. 7)] Por que Croce é “popular” e como e por quais vias se difundiu não o seu pensamento central, mas determinante foi a sua solução do problema particular. [...] 4) Tradução italiana de modernidade. [...] 5) Papini – as ordens religiosas - Croce dá as razões porque após o Concílio de Trento e dos Jesuítas não houve nenhuma grande ordem religiosa; [...] 6) Continuação do ponto 4. A Teoria da revolução-restauração na Itália. [...] 7) Continuação do ponto 3. (Q 10, § 225, p. 1082-1083). O texto esboça o cotejar do discurso filosófico do idealismo italiano. Gramsci afirma que “‘deve ser justo com os adversários’, no sentido de esforçar-se para compreender o que eles realmente quiseram dizer, e não fixar-se maliciosamente nos significados superficiais e imediatos das expressões” (Q 11, § 15, p. 1405). No primeiro plano de trabalho está expressa a contraposição ao idealismo do tipo especulativo e subjetivista (cf., MARTELLI, 1996, p. 13), o qual provocou uma redução qualitativa do marxismo ao sofrer a revisão de “Croce, Gentile27, Sorel28, do próprio Bergson29 e da corrente pragmatista”. O segundo plano de trabalho trata da expansão quantitativa da cultura do materialismo histórico de forma vulgarizada a partir da concepção mecanicista do marxismo, citado no § 27 GENTILE, Giovanni (1875-1944) escreveu, dentre vários textos significativos, Che Cosa è il Fascismo (1925). Manifesto dos intelectuais fascistas, advogou em favor dos intelectuais, pois deviam estar diretamente ligados aos grandes gestores da pátria italiana (ou até mesmo, exercer o poder político). Ministro da educação do governo fascista de Mussolini foi diretor da famosa editora italiana G. C. Sansoni. Rompeu com Benedetto Croce devido a discordâncias filosóficas e pelo distanciamento do autor napolitano ao fascismo. 28 Sorel, Georges Eugène (1847-1922) teórico francês do “sindicalismo revolucionário”, produziu a teoria do “mito” da greve geral em confluência com pontos significativos da Segunda Internacional. Buscou uma solução por “via parlamentar” para o socialismo. 29 Bergson, Henri (1859-1941), parisiense de nascimento, foi considerado o mais brilhante filósofo francês com ascendência sobre o pensar da sua época. Fortemente espiritualista, tentou recuperar a metafísica dos ataques do kantismo e do positivismo. Desenvolveu uma perspectiva dualista, opondo espírito e matéria, formulando o princípio vitalista – recomenda a criatividade como princípio explicativo da evolução e não a seleção natural – recusando o materialismo, o mecanicismo e o determinismo. 67 204 do Q 8. A problematização que emerge dessa nota é desenvolvida tanto no § 199 do Q 8, quanto na reescrita no Q 11: Deve-se pesquisar, analisar e criticar as diversas formas nas quais se apresentou, na história das ideias, o conceito de unidade entre teoria e prática, já que parece indubitável que toda concepção do mundo e toda filosofia se preocupa com este problema (Q 11, § 54, p. 1482). A questão central é o problema da unidade da teoria e da prática enquanto necessidade histórica. O marxista sardo procede à seguinte análise: Afirmação de Santo Tomás e da escolástica: “Intellectus speculativus extensione fit practicus”, a teoria se faz prática por simples extensão, isto é, afirmação da necessária conexão entre ordem das ideias e a da ação. Aforismo de Leibniz, bastante repetido pelos idealistas italianos: “Quo magis speculativa magis practica”, afirmado quanto à ciência. A proposição de Giambattista Vico, “verum ipsum factum”, tão discutida e diversamente interpretada (cf. o livro de Croce sobre Vico e outros escritos polêmicos do próprio Croce), desenvolvida por Croce no sentido idealista de que o conhecer é um fazer e que se conhece o que se faz, sentido no qual “fazer” tem um significado particular, tão particular que não significa nada mais do que “conhecer”, isto é, termina em uma tautologia (concepção que, entretanto, deve ser relacionada com a concepção própria da filosofia da práxis) (Q 11, § 54, p. 1482 ou Q 8, § 199, p. 1060). Como o problema da unidade entre teoria e prática esteve presente na história das ideias, o próprio marxismo dele não esteve isento. Gramsci pesquisou e analisou criticamente as diferentes maneiras que essa problemática se apresenta no conjunto das relações sociais. O marxista sardo não pode ser visto como um autor revisionista do marxismo. O pensador revisionista não sentiria a exigência imputada ao longo do seu trabalho e nem poderia interpretar livremente a concepção em foco. Ele estudou, por um lado, criticamente o seu oponente, neste caso, Croce, e, por outro lado, não deixou de elaborar um programa pedagógico de elevação filosófico-cultural da massa através da socialização e autonomia da atividade intelectual. O Caderno 10 está subdividido em duas partes. A primeira parte amplia os pontos do parágrafo 225 do Caderno 8 em forma de sumário. Após o sumário, o autor dos Cadernos desenvolve doze parágrafos relativos ao sumário e o último constará em forma de nota, subdividido em oito itens. A segunda parte é intitulada A Filosofia de Benedetto Croce. É um texto laboral de pesquisa em fase de carburação das ideias. Há uma permanente tensão entre o momento de construção da pesquisa e a dificuldade em continuar a pesquisar. O tema central é a filosofia e sua relação com a economia. A estrutura do Caderno 10 é bem diversa dos três Cadernos especiais da segunda fase. Constituído por 74 parágrafos, dos quais, 51 são de escrita única, ou texto B, abordando uma nova reflexão sobre velhos pontos no confronto entre Croce e o marxismo. Dos textos C 68 tratados no Caderno, 16 parágrafos são AF III. Na oficina de Gramsci esse manuscrito monográfico é “canteiro de obras” em aberto. Diferentemente do Caderno 10, o segundo manuscrito monográfico é considerado pela maioria dos pesquisadores do pensamento gramsciano o mais bem elaborado. Consta no parágrafo 204 do Caderno 8 o programa de trabalho que será reescrito dentro de uma nova perspectiva a partir do décimo segundo parágrafo do Q 11. Esse Caderno fora escrito entre 1932-1933, intitulado Introdução ao Estudo da Filosofia. Subdividido em dois tipos de apontamentos, o primeiro apresenta uma Advertência e, em seguida, Apontamentos e Referências de Caráter Histórico-crítico, com doze parágrafos. O segundo tipo de apontamentos é intitulado Apontamentos para uma Introdução e om Encaminhamento ao Estudo da Filosofia e da História da Cultura. Nela há seis secções muito bem articuladas. O modo de expor, os critérios de escolha dos textos miscelâneos e a forma de tradução dos textos A para o texto C obedece a uma sequência ritmada ou mecânica. Porque, na construção desse Caderno, Gramsci se apoiou muito mais nos AF III e só em seguida retoma apontamentos nos AF II e AF I? A transcrição vem composta por textos dos Apontamentos Filosóficos mais recentes e seguidos de textos mais antigos com o intento de reafirmar as questões desenvolvidas, como também, descontextualizando e atribuindo funções novas de impostação (cf. FROSINI, 2000, p. 17). Por se tratar de um texto bem mais acabado, qual é o texto “cerne”? O que Gramsci pretende ao escrever o Q 11? Qual é a questão central em jogo? Assim, ao situar a gênese dos primeiros dois Cadernos especiais iniciados na primavera de 1932 e a localização da reescrita dos dois parágrafos no corpo dos Cadernos 10 e 11, qual será a perspectiva de filosofia da práxis? Frente aos dois problemas centrais do marxismo, da regressão qualitativa e da expansão quantitativa, que temas serão relevantes e que irão compor tanto o Caderno 10 como o Caderno 11? Os dois Cadernos são construídos por Gramsci como a exigência de dedicar um cuidado específico, por um lado, pesquisar criticamente o pensamento mais desenvolvido na contemporaneidade, isto é, o de Croce, e, por outro lado, uma introdução ao estudo da filosofia enquanto projeto coletivo e passível de universalização (cf. FROSINI, 2000, p. 17). Considerando o complexo trabalho de pesquisa desenvolvido por Gramsci sobre a filosofia da práxis, desdobrado em dois Cadernos de forma ampla e profunda, a presente investigação opta pelo movimento analítico-sintético desenvolvido por Gramsci no Q 11. Isto não impede em se apoiar nos demais Cadernos, nem que mais tarde haja a ampliação desse trabalho. 69 1.2.1. Gênese e Estrutura da “Filosofia da Práxis” no Caderno 11 Voluntariamente Gramsci desenvolve um espaço monográfico sobre o tema Introdução ao Estudo da Filosofia e Notas Críticas para um Ensaio Popular de Sociologia, explicitado no Reagrupamento de Matéria do Caderno 8, entre março e abril de 1932. A problematização germinada no AF III - sobre a unidade entre teoria e prática torna-se tão significativa que o pensador sardo abriu um novo manuscrito. Trata-se do estudo da filosofia e da história da cultura dos “não filósofos”. A gênese histórico-filosófica do marxismo encontra-se nos parágrafos 189, 204 e 225 do Caderno 8, pois, ao tratar do “‘homem-coletivo’ explicita a passagem e fixa o movimento dentro de uma circularidade indeterminada enquanto conjunto político” (BARATTA, 2004, p. 111). Essa circularidade é indeterminada na reescrita desses dois parágrafos sob a temática da Teoria da história e da historiografia, considerando a sua unidade conceitual dos Cadernos miscelâneos e o resultado dos especiais, especificamente no Caderno 11. A conformação do Q 11 fôra marcado por um intenso trabalho em meio à construção de outros manuscritos monográficos. A primeira sistematização sucede com os Cadernos 12 e 13. A segunda sistematização intercorre no reagrupamento da matéria dos AF III sob dois temas: o da Introdução ao Estudo da Filosofia (Caderno 11) e o de Benedetto Croce (Caderno 10). Esses dois últimos Cadernos são iniciados ao mesmo tempo, todavia, o Caderno 11 será concluído em tempo menor que o Caderno 10. A pesquisa fluiu em torno de oito meses, segundo a datação de Francioni (in, COUTINHO, 2006, p. 360-362). A postura de pesquisador analítico/sintético fica evidente quando analisa as “impressões da vida popular”, “combustível” da sua reflexão. Enquanto político, o marxista sardo encontra a materialidade filosófica não ao debruçar-se sobre a história, mas a partir da história. A análise das impressões da vida popular não se reflete naquilo que o tempo é ou da ordem do mundo da “representação”, mas da atividade do indivíduo que cria e é parte da história das classes subalternas. Se, por um lado, a história como método, conduz o “curioso” à reflexão consciente do seu agir, por outro lado, a filologia vivente possibilita a passagem “naturalmente” do campo da experiência particular para o universal, da história, como sendo o “algo mais” que o pensador sardo estava a buscar desde a escrita do primeiro Caderno. Esse “algo mais” envolveu todo o processo de livre interpretação do marxismo e do entendimento da unidade prática da “filosofia práxis”. Através da atitude polêmica e crítica 70 amplia e aprofunda o debate do Ensaio popular ao tratar da atividade intelectual do senso comum. A estrutura do Q 11 está posta no continuum do movimento do pensar de Gramsci ao longo das 160 páginas. Curiosamente, na composição temática da segunda parte dos apontamentos, o título está em aberto e foi enunciado por Gramsci no Caderno 10. No verso da página 3, verifica-se a abertura da primeira parte dos apontamentos, intitulado Apontamentos e Referências de Caráter Histórico-crítico, com dez notas distribuídas ao longo de 10 folhas frente e verso. No reverso da folha 11, figura o segundo título, Apontamentos para uma Introdução e um Encaminhamento ao Estudo da Filosofia e da História da Cultura. Ele possui 58 parágrafos distribuídos em seis seções, todas intituladas na seguinte ordem: I. Alguns pontos preliminares de referência, II. Observações e notas críticas sobre uma tentativa de “Ensaio popular de sociologia”, III. A ciência e as ideologias científicas. IV. Os instrumentos lógicos do pensar, V. Tradutibilidade das linguagens científicas e filosóficas e, VI. Apontamentos miscelâneos. Cabe observar que, dentre todas as notas, o “miolo” do Caderno 11 é o § 12. Quanto ao tipo de escrita da segunda parte desse manuscrito especial, há textos de versão única e de segunda versão. Dos 70 parágrafos, 63 são de segunda versão ou texto C e apenas 7 de versão única ou texto B. O trabalho analítico dos textos e da sua arquitetura aponta que Gramsci nem sempre manteve a mesma reescrita. Algumas vezes suprime palavras, ou insere outras, muda expressões, palavras da 1ª versão para a 2ª versão. A filologia da escrita demonstra que o pensador sardo transcreveu textos ou partes de textos de forma mecânica, ou trocando poucas coisas ou algumas vezes mudando muitas coisas. Utilizou três tipos de variáveis: as variáveis destitutivas, apontam que determinadas palavras, expressões ou ideias estavam na 1ª versão e são destituídas na segunda versão; as variáveis substitutivas apontam que a ideia está na 2ª versão modificada em relação à 1ª versão; e, por fim, as variáveis instaurativas fundam uma nova perspectiva da pesquisa em curso. O uso desse tipo de variantes ao longo do texto C demonstra que há fragmentos de versão única. Quanto à translação de textos, todas as seções iniciam com a transcrição de textos recentes e depois vêm textos mais antigos. Por que Gramsci procede desta forma? A tese de Giusseppe Cospito é de que Gramsci apresenta o resultado do seu trabalho dentro de um fluxo de produção, visto que os textos devem ser lidos à luz dos manuscritos mais recentes. O Caderno representa o processo de um trabalho que não contém tudo desde o princípio, mas 71 como um trabalho que vai se construindo pouco a pouco, sem considerar o trabalho em si, mas dentro de uma estrutura global (cf., FROSINI, 2012). Quanto à cronologia, a escavação arqueológica de cada parágrafo feita por Francioni (2002) é de grande valia para o aprofundamento da pesquisa. O Caderno 11 foi iniciado por Gramsci na primavera de 1932 com a escritura do parágrafo 1 ao parágrafo 11. O parágrafo 12 fora escrito entre junho e julho de 1932. Do parágrafo 13 ao § 31, a escrita aconteceu entre julho e agosto daquele ano. Somente o parágrafo 32 fora escrito em agosto, e os demais (3370) foram escritos entre agosto e final de 1932 ou início de 1933 (cf., COUTINHO, 2002, p. 462). A Edizione Anastática trata da questão da cronologia de maneira mais detida. Reafirma aquilo que fora desenvolvido por Giani Francioni (2002) em pesquisas anteriores. Entretanto, ela acrescenta o continuum da redação, a localização temporal de determinados parágrafos com base nas citações de determinados pensadores, e a citação dos mesmos ao longo dos 70 parágrafos. 1.2.2. Conteúdo do Caderno 11 A substancialidade do Caderno 11 está perpassada pela necessidade histórica precedente e do pensamento concreto existente produzido pelo homem do povo. O pensador sardo está convencido de que o ponto de partida é a investigação da atividade intelectual do senso comum. A confecção desse manuscrito é a plena consciência das pretensões a partir da circularidade aberta da filosofia-política-economia. Os motivos estão conectados à novidade dos meses que antecederam o início do seu manuscrito através das leituras sobre Trocky30, Michael Fabmam31, Dimitrij P. Mirskij32 e Henri De Man33. Mirskij, num suplemento do The Economist de 1º de novembro de 1930, 30 Trocky Trockij ou Lev Davidovich Trotsky (1879–1940) escreveu livros importantes, dentre eles Vers le Capitalisme ou Vers le Socialisme e La Révolution Défigurée, fundamentais para que Gramsci pudesse iniciar o seu trabalho sobre o Q 11. 31 Michael Fabmam, pseudônimo de Grigori Abramowitz (1880–1933), nasceu em Odessa, Rússia. Estudou em Munique e Zurique, tornando-se sionista socialista, editor e jornalista. Ele publicara na revista The Economist em 1 de novembro de 1930 um suplemento sobre An Impression of Russia. Gramsci o lerá em junho de 1931. 32 Dimitrij P. Mirskij (1890-1939) de berço familiar monarquista, após a Revolução de Outubro seguiu para Londres, onde foi professor da University of London. Publicou seu mais famoso estudo sobre a literatura russa. Em 1931, entrou para o Partido Comunista Britânico, o que lhe garantiu um retorno à Rússia (ou melhor, à URSS) em 1932 (cf., OLIVEIRA, 2008, p. 192). 33 Henri De Man (1885 – 1953), líder do Partido Trabalhista belga, teórico do neo-socialismo, participou do grupo que planejara a superação da depressão de 1930. Ele escreveu dois livros significativos para Gramsci: A Superação do Marxismo e a Alegria do Trabalho, ambos traduzidos para o italiano, respectivamente em 1929 72 tratava do plano quinquenal soviético. O pensador sardo dispunha desse suplemento na prisão. Fora informado pela sua cunhada Tatiana Schucht sobre a nova realidade vivida pelos russos após a instauração do socialismo. Esse novo momento histórico do marxismo, demonstra o problema que motivara a pesquisa, isto é, como se constrói um “novo” marxismo após Marx? Após a leitura e reflexão do texto Mirskij, vê-se a escrita do § 169 do Caderno 8, intitulado Unidade da Teoria e da Prática. No embate teórico com Henri De Man, Gramsci entende que no plano da política poderia superar o modo do pensar tradicional. Essa tese possibilitava ao marxismo uma nova impostação filosófica enquanto fonte de investigação de sua hegemonia. (cf. FROSINI, 2012, mimeografado). Gramsci aponta que a ausência de uma função político-filosófica eficiente levará à uma formação difusa de “duas consciências teóricas”. Uma consciência implícita na função prática e a outra, herdada do passado, expressa verbalmente, que conduz à formação de um bloco intelectual-moral, passível de construção da hegemonia. A hegemonia aconteceria com base na unificação da teoria e da prática, da filosofia e do senso comum, ao se referir a Mirskij e Farbman. O marxista sardo retoma o texto de Mirskij. Amplia sua análise sobre a questão da superação da predestinação e do salto determinista ao ativismo que estava ocorrendo na Rússia e o lugar que a filosofia passa a ocupar na política de Stalin. A partir dessa problemática concreta, no parágrafo 204 do Caderno 8, o pensador sardo apresenta um esquema sintético que desenvolverá ao longo do Caderno 11. Nele encontram-se as perspectivas do seu novo trabalho monográfico: 1°. É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou filósofos profissionais e sistemáticos. [...] 2°. Religião, senso comum, filosofia. [...] 3°. Ciência e religião – senso comum. 4°. Não existe uma “filosofia” em geral. [...] 5°. A sistematização da própria concepção de mundo e da vida. [...] 6°. Transcendência, imanência, historicismo absoluto. Significado e importância da história da filosofia. 7°. A filosofia é independente da política? Ideologia e filosofia (Q 8 § 204, p. 10631064). Segundo Frosini (2012), a questão da filosofia e do senso comum é retomada no novo trabalho monográfico, que já fora abordado no primeiro Caderno miscelâneo sob a perspectiva da política. Pela relação entre filosofia e a política unifica-se os intelectuais e a e 1930, com grande sucesso. O pensador sardo se ocupará de vários parágrafos para criticar duramente as ideias deste refugiado político na Suíça desde 1941. 73 massa popular. Já no estudo da Teoria da história e da historiografia, a filosofia demonstra sua contradição interna e sua função cultural. Gramsci caracterizará a “filosofia da práxis” como “historicismo absoluto” e crítica do senso comum em contraposição às outras filosofias. Neste sentido, o conteúdo do Caderno 11 está marcado por um movimento continuum e ascendente, com etapas distintas. Nos Apontamentos e Referências de Caráter Históricocrítico, primeira parte desse Caderno, o elemento problematizador é a educação, isto é, desenvolver moralmente o homem simples do povo: Que um povo ou um grupo social atrasado tenha necessidade de uma disciplina exterior coercitiva, a fim de ser educado civilizadamente, não significa que deva ser escravizado, a não ser que se pense que toda coerção estatal é escravidão (Q 11, § 1, p. 1368). O caráter histórico-crítico está assentado na competência intelectual de [...] fazer a história do presente, é grande livro de história aquele que, no presente, ajuda as forças em desenvolvimento a se tornarem mais conscientes de si mesmas, e, portanto, mais concretamente ativas e operosas (Q 19, § 5, p. 1983-1984). A importância da autoconsciência de um grupo social ou da massa popular define o seguinte critério metodológico: A história dos grupos sociais subalternos é necessariamente desagregada e episódica. É indubitável que, na atividade histórica destes grupos, existe tendência à unificação, ainda que em termos provisórios, mas esta tendência é continuamente rompida pela inciativa dos grupos dominantes e, portanto, só pode ser demonstrada com o ciclo histórico encerrado, se este se encerra com sucesso. Os grupos subalternos sofrem sempre a iniciativa dos grupos dominantes, mesmo quando se rebelam e insurgem: só a vitória “permanente” rompe, e não imediatamente, a subordinação (Q 25, § 2, p. 2283-2284). As iniciativas autônomas dos subalternos para Gramsci devem ser pesquisadas pelos historiadores integrais considerando a preciosidade de tais traços. A importância dos intelectuais na investigação dessa questão abre e fundamenta teoricamente a primeira parte desse Caderno. O conteúdo da segunda parte está sistematizado no título de abertura: Apontamentos para uma Introdução e um Encaminhamento ao Estudo da Filosofia e da História da Cultura. A problematização está centrada sobre a atividade intelectual. Gramsci demonstra, ao longo dos 58 parágrafos desse Caderno, a tese de que todos os homens são filósofos e de que maneira é possível renovar o senso comum. Os instrumentos do pensar e do agir moralmente são a observação, a experiência, o raciocínio dedutivo e indutivo, a habilidade moral e a fantasia criadora (cf., Q 11, § 44, p. 1465). Gramsci investiga de modo ascendente, que parte da religião para o senso comum ao nível mais elevado, a filosofia. Esse movimento metodológico está ordenado pelos quatro verbos de ação que compõem o título. 74 A opção metodológica esboçada no próprio título denota uma determinada intenção do autor dos Cadernos. Visto que a identidade dos verbos apontar, introduzir, encaminhar e estudar não significa a identidade dos conceitos, há uma clara demonstração de que Gramsci acentua ainda no apontamento, a necessidade da atividade filosófica e cultural. Nesta perspectiva, o termo “apontar” não designa o uso posterior de alguma coisa ouvida, mas dirigir-se para um ponto, estabelecer, assentar, determinar (cf., CUNHA, 1986, p. 622). O verbo “introduzir” é bem mais explícito em relação ao anterior, dada a atitude polêmica e crítica da filosofia da práxis, condensada no “fazer entrar, iniciar, admitir” (ibidem, p. 42). Já o verbo “encaminhar” tem grande afinidade com o termo apontar. Todavia, nesse Caderno, afirma a necessidade de um caminho, abrir uma estrada, vereda, via ou trilho (cf., ibidem, p. 144) para os mais recentes desenvolvimentos do materialismo histórico. E, por fim, o verbo “estudar” está sistematizado na frase dos povos precedentes: “Conhece-te a ti mesmo!”. Esse conceito está intimamente conectado à atividade intelectual, isto é, à inteligência humana. Para Gramsci há uma sintonia fina entre a atividade intelectual e o termo racional. O emprego do termo racional é necessário em oposição ao místico ou metafísico. A segunda parte do Caderno 11 está subdividida em seis seções. A primeira seção abre-se sem título, pois certamente Gramsci deixara essa tarefa em aberto. Filosofia da práxis e a história da cultura estão profundamente imbricadas. Nessa investigação o marxista sardo resgata uma ideia da sua juventude, segundo a qual o socialismo tinha a necessidade de uma filosofia da ação e da liberdade, e de uma grande reforma no modo de pensar, que conduzisse a classe operária a adquirir uma mentalidade de classe dirigente (cf., FROSINI, 2012, p. 11 – mimeografado). No entanto, o Caderno 11 apresenta uma perspectiva de “filosofia da práxis” bem distinta da anterior, não mais voltada para a Teoria da história e da historiografia. Essa nova perspectiva de filosofia está alicerçada na atividade intelectual e crítica do homem “simples”. A necessidade histórica de aprofundar a unificação entre a teoria e a prática tornou-se imprescindível para o exercício hegemônico dos “simples”. O projeto do Q 11 objetiva popularizar a filosofia e fazer constar um novo senso comum. Nessa perspectiva. Gramsci é inovador. Fundamentou cientificamente um novo tipo de saber no interior da classe social que lhe dá realidade e autonomia histórica. Por isso, a deliberação unificada da teoria e da prática ocorre na relação coerente do trabalho dos intelectuais e dos “simples”. Nela, [...] o elemento formal (a coerência lógica), o elemento de autoridade e o elemento organizativo têm uma função muito grande neste processo tão logo tenha tido 75 lugar e orientação geral, tanto em indivíduos singulares como em grupos numerosos (Q 11 § 12, p. 1390). Aos intelectuais cabe alimentar a participação ativa da massa e da íntima relação entre ética-política-filosofia: A compreensão crítica de si mesmo é obtida [...] através de uma luta de ‘hegemonias’ políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no campo da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real (ibidem, p. 1385). Essa luta “hegemônica” pode ser demonstrada analogamente entre o AF III e o Caderno 11. Respectivamente, o primeiro explicita a história como o epicentro do processo, já no segundo, apresenta-se como uma posição antitética à questão católica, visto que eleva os simples. Esse novo horizonte possui uma premissa “ética” de unificação histórica da teoria e da prática, que objetiva o bloco intelectual-moral. É um movimento orgânico entre filosofiapolítica-economia. O processo de difusão da nova concepção vem por razões políticas, e, em última instância, por razões sociais. Nesse novo foco da “filosofia da práxis”, os elementos da ética, da política e da filosofia estão dispostos num plano homogêneo da educação entre ideologia-linguagem. No campo educativo não há como prescindir da produção tanto passiva como ativa. A passividade está conectada [...] a um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade, de uma maneira mais ou menos intensa, que pode até mesmo atingir um ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha (ib. idem, p. 1385). O ativismo de massa é abordado pelo marxista sardo baseado na crítica à Teoria do materialismo histórico de Nikolai Bukhárin. Essa nova perspectiva de discussão filosófica buscou apreender os elementos que estruturaram o Ensaio Popular, enquanto manual para o marxismo. Verificam-se a partir desse ponto, a segunda seção, a qual trata das observações e notas críticas sobre uma tentativa de “Ensaio popular de sociologia”. Gramsci compara o manual de Bukhárin ao tratado de filosofia moderna de Ernest Bernheim. Apontará que a questão do método filológico geral utilizado pelo autor do Ensaio Popular fora tratado como algo exterior, sem a devida consciência unitária de interpretação da história e da política. Dentre as várias questões que nascerão nesse confronto com Bukhárin, há uma nova perspectiva e uma nova problemática da filosofia como crítica do senso comum. Além da necessidade de organizar uma metódica filologia do materialismo 76 histórico, para se confrontar como o senso comum do Ensaio Popular, como constante ponto crítico de referência da reflexão filosófica (cf., FROSINI, 2012, p. 15). No Ensaio Popular, o pensador sardo indica, claramente, o tipo de trato dado ao problema do senso comum: Um trabalho como Ensaio popular, destinado essencialmente a uma comunidade de leitores que não são intelectuais de profissão, deveria partir de uma análise crítica da filosofia do senso comum, que é a ‘filosofia dos não-filósofos’, isto é, a concepção de mundo absorvida acriticamente pelos vários ambientes sociais e culturais nos quais se desenvolve a individualidade moral do homem médio. O senso comum não é uma concepção única, idêntica no tempo e no espaço: é o ‘folclore’ da filosofia e, como folclore, apresenta-se em inumeráveis formas; seu traço fundamental e mais característico é o de ser uma concepção (inclusive nos cérebros individuais) desagregada, incoerente, inconsequente, conforme a posição social e cultural das multidões das quais ele é a filosofia (Q 11 § 13, p. 1396). Nesse sentido, é possível aproximar a concepção de Bukhárin àquela de Croce e Gentile, pois ambos relacionam de maneira desagregada a verdade filosófica e a verdade do senso comum, contrapondo-se à concepção de Marx. Trata-se de referências não à validez do conteúdo de tais crenças, mas sim à sua solidez formal, e consequentemente, à sua imperatividade quando produzem normas de conduta. Aliás, em tais referências, está implícita a afirmação da necessidade de novas crenças populares, isto é, de um novo senso comum e, portanto, de uma nova cultura e de uma nova filosofia, que se enraízem na consciência popular com a mesma solidez e imperatividade das crenças tradicionais (ibidem, p. 1400). Na perspectiva da normatização do agir humano, a “filosofia da práxis” enquanto método permitiu que Gramsci lhe desse uma genuína configuração concreta ao “prever” unicamente a luta. Essa concepção metodológico-científica se contrapõe à metafísica mecanicista presente na obra de Bukhárin, carente de historicismo e de dialética. O autor do Ensaio Popular também empregou o conceito de materialismo em oposição à imanência, mas o fez no senso metafórico. O emprego desse termo pelo marxista sardo não poderia ocorrer segundo a concepção tradicional e menos ainda num sentido panteísta de imanência. No caso de Bukhárin, o sentido deve ser pesquisado. Para o filósofo da práxis, o marxismo é um “historicismo absoluto, a mundanização e terrenalidade absoluta do pensamento, um humanismo absoluto da história” (Q 11, § 27, p. 1437). Na terceira seção, o tema A Ciência e as Ideologias Científicas continua a análise sobre a reformulação intelectual e moral projetada no Caderno 11. O corolário do texto C fundamenta-se nos textos A dos Cadernos 8 e 4, sobre a realidade do mundo exterior e do modo em que se estabelece a objetividade da ciência. 77 A quarta seção sobre Os Instrumentos Lógicos do Pensamento, compõe-se de textos A dos Cadernos 8, 4 e 7. Trata da questão metodológica e da estreita relação entre lógica formal e dialética, clarificando as dificuldades contidas no Ensaio Popular. Situa a questão da “técnica do pensar”. Desenvolve a questão do Anti-Dühring apresentada por Croce em seu livro Materialismo Histórico e Economia Marxista, a [...] arte de operar com os conceitos não é algo inato ou dado na consciência comum, mas é um trabalho técnico do pensamento, que tem uma longa história, tanto quanto a pesquisa experimental das ciências naturais (Q 11, § 44, p. 1462). Sobre o esperanti científico e filosófico, Gramsci declara que: A filosofia da práxis, reduzindo a “especulatividade” aos seus justos limites (isto é, negando que a “especulatividade”, como a entendem inclusive os historicistas do idealismo, seja o caráter essencial da filosofia), revela-se a metodologia histórica mais adequada à realidade e à verdade (Q 11, § 45, p. 1467). Uma nova filosofia e um novo modo de pensar necessita apresentar uma nova técnica. É possível desvincular o fato técnico do fato filosófico? Certamente, apenas com finalidades práticas e didáticas. A quinta seção trata da Tradutibilidade das Linguagens Científicas e Filosóficas. Nela, há textos A do Caderno 7, 4 e 8. Tais reflexões nasceram da inspiração que relaciona linguística, política e filosofia com base no ponto de vista do conceito de determinação do “criticismo” e do “historicismo”. Na medida em que a filosofia é reordenada como ideologialinguagem, o seu ponto de partida será sempre o particular, a singularidade do historicamente dado, devido aos problemas e às exigências formuladas em seu interior. A abertura dessa secção explicita o problema da tradutibilidade: Em 1921, tratando de problemas de organização, Vilitch escreveu ou disse (mais ou menos) o seguinte: não soubemos ‘traduzir’ nas línguas europeias a nossa língua (Q 11, § 46, p. 1468). Neste sentido, [...] é possível dizer, ao que parece, que só na filosofia da práxis a ‘tradução’ é orgânica e profunda, enquanto de outros pontos de vista trata-se frequentemente de um mero jogo de esquematismos genéricos” (Q 11, § 47, p. 1468). Na última seção, os Apontamentos Miscelâneos são transcritos de vários textos A dos Cadernos 8, 4, 9 e 3. Dos sete textos de versão única do Caderno 11, seis parágrafos fazem parte da última seção e apenas um está na penúltima seção. A natureza dessa seção não foi bem definida e tão pouco corresponde ao título da secção. Dentre os parágrafos, o § 59 retoma sinteticamente todo o tema da filosofia de forma 78 sucinta. Apresenta uma nova perspectiva da realidade do mundo exterior e sua relação com a política. Novas nomenclaturas são introduzidas ao longo do Caderno 11, como a expressão “filosofia da práxis” em substituição dos termos marxismo e materialismo histórico. Esse intento visa definir um espaço privilegiado para a filosofia dentro do marxismo. Em muitos momentos ao longo do manuscrito, Gramsci cita Marx de forma direta, ou apenas com a letra M, ou com adjetivos, tais como: “mestre fundador”; “fundador”; “autor da Economia crítica”; ou simplesmente como o “nosso autor”. Ele também cita Marx e Engels como os fundadores ou os “primeiros escritores da filosofia da práxis”. O diálogo com Marx é tão intenso que, para não recorrer ao adjetivo “marxista”, o pensador sardo elabora outras expressões como “escritor da filosofia da práxis”; “filósofo da práxis”; “seguidor da filosofia da práxis” e “ortodoxo da filosofia da práxis” (cf., FROSINI, 2012, p. 17). No lugar da palavra “classe”, o pensador sardo fará prevalecer “grupo” ou “agrupamento”, não passando de dez recorrências. Também há diversos nomes próprios que são abreviados ao longo do texto por razões de prudência, ou por falta de tempo ou acessibilidade, de fato, a uma biblioteca. Assim, é possível perceber, com clareza, que esse Caderno é possuidor de uma elaboração mais refinada, mas que nele há muitas questões que precisam ser atualizadas e traduzidas para os nossos dias. Aparentemente, é um texto de leitura fácil. Muitos conceitos são desdobrados ao longo de outros Cadernos. Por isso, a proposta do pensador marxista nesse texto desafia seus pesquisadores a aprofundar e apreender as problematizações do estudo e do ensino e sua tradutibilidade. 1. 2.3. A Originalidade do Pensamento de Gramsci Buscar na pesquisa de Gramsci a originalidade sobre determinados temas não é uma tarefa simples. Se, por um lado, encontramos nos seus escritos, apontamentos, anotações e ocupação de termos ainda inexplorados pelo marxismo, provisoriamente inacabada e, por outro lado, há textos mais complexos que se formam paulatinamente sendo burilados e que respondem a determinados problemas da realidade do cárcere ou dos embates, tanto internos como externos, vividos pelo materialismo histórico. Sobre essa questão, Semeraro (2006) observou que [...] nenhum livro sistematizado ou tratado acadêmico, no entanto, resultou desta ampla atividade intelectual que se adentrou na política, na história, na filosofia, na 79 educação, na literatura, na economia, na sociologia, na arte, na religião etc. (SEMERARO, 2006, p. 16). Na esfera da filosofia e da história da cultura, os Cadernos apresentam claramente a relação de força entre o estatuto tradicional da filosofia e a filosofia dos não filósofos. Essa é a grande originalidade de Gramsci. Nesse confronto da filosofia “espontânea” com os filósofos profissionais e sistemáticos, o marxista sardo coloca sobre os próprios pés o problema da pergunta originária da filosofia. E afirma que a filosofia da práxis torna clássica a perspectiva do homem concreto ao perguntar: “o que é que o homem pode se tornar?” (Q 10, § 54, p. 1343), isto é, o homem pode desenvolver o seu destino pela educação e pela política? Essa nova perspectiva de homem e do modo de pensar concretamente o mundo, a natureza e a si mesmo denota a capacidade de desencadear o “movimento histórico” e criar uma nova epistemologia. A inovação gramsciana fundamenta-se na dialética dinâmica e criativa, que pela prática da política e da historicidade encontra a “unidade na diferença e a substancial diversidade por dentro da aparente identidade” (Q 25, § 4, p. 2268). Para Gramsci, o desenvolvimento da atividade intelectual tem como ponto de partida a realidade concreta forjada no conjunto das relações sociais. A conquista de um conhecimento democrático passa pelo fato de que as [...] conquistas das classes subjugadas não podem se restringir às reivindicações econômicas, à produção de bens de consumo material, mas devem inaugurar uma nova maneira de pensar, deve instaurar valores e relações sociais que promovam a participação (SEMERARO, 2006, p. 29) Como mostramos, são muitas as questões tratas e delineadas no Q 11. Aqui, nos limitaremos a focalizar apenas alguns temas que nos parecem constituir as vértebras principais desse Caderno especial. 1.2.4. As Grandes “Veias” do Caderno 11 O tema da filosofia é expressivo, tendo em vista que há mais de 1.300 ocorrências ao longo da sua obra carcerária. A concepção de filosofia nos Cadernos é tensionada, ampliada e aprofundada, posta no centro da política, por ser sediciosa, é capaz de modificar e inovar tanto o seu quadro conceitual, como a construção de uma nova concepção de mundo. Desde o início da sua pesquisa, ficou evidente a preocupação em delinear para o marxismo uma linha de pensamento autônomo, dada a centralidade da filosofia no campo de ação do materialismo histórico e no confronto com as ideologias hegemônicas do mundo moderno. 80 Essas exigências imputam a necessidade em demonstrar os temas gerados a partir de novo referencial prático-teórico, no âmbito da própria filosofia ao longo dos Cadernos. Perceber a estrutura, as conexões e a especificidade delineadas por Gramsci no Q 11, possibilita mergulhar com mais precisão na perspectiva filosófica traçada no décimo segundo parágrafo desse manuscrito monográfico. Gramsci aprofunda esse veio e afirma que a “filosofia de uma época” presume todo um passado cultural. O próprio fundador reviveu toda essa experiência, de hegelianismo, feuerbachianismo, materialismo francês, e, objetivando construir a síntese da unidade dialética, afirmou que “o homem caminha sobre as próprias pernas” (Q 16, § 9, p, 1861). Também não foi por acaso que o aroma do desaparecimento do “fatalismo” e do “mecanicismo” indicou uma grande mudança a partir dos recentes desenvolvimentos da filosofia da práxis para o próprio Gramsci. O grande estímulo da sua pesquisa fora posto por Antonio Labriola ao afirmar que a “filosofia da práxis é o coração do marxismo”. Essa asseveração o fez distinguir-se de uns e de outros, por sustentar que a filosofia da práxis é uma filosofia autônoma e original, devido aos novos referenciais que partem do movimento da realidade, primeiramente pensados pelos fundadores do marxismo em contraposição a história da filosofia em geral (cf., Q 16, § 9, p. 1862-1863). 1.2.4.1. Uma Filosofia que Basta a si Mesma O marxismo é uma nova maneira de conceber a filosofia, expressa em forma de aforisma na XI Tese sobre Feuerbach, na qual se lê que os “filósofos apenas interpretaram o mundo de várias maneiras, trata-se agora de transformá-lo” (MARX e ENGELS, 2007, 613). Dessa tese, Gramsci afirma um conceito fundamental de que a filosofia da práxis [...] contendo em si todos os elementos fundamentais para construir uma total e integral concepção de mundo, não só uma total filosofia e teoria das ciências naturais, mas também os elementos para fazer viva uma integral organização prática de sociedade (Q 11, § 27, p. 1434). Esse fundamento não está apenas no nível teórico, neste ou naquele que professa o materialismo histórico, mas no nível prático. Trata-se do tornar, do movimento que uma civilização necessita para ser total e integral. O tema da autonomia da filosofia da práxis aparece em outros Cadernos, como no Q 16, cujo tema central é a cultura, assim ela é definida: 81 [...] independente e original, mesmo sendo um momento do desenvolvimento histórico mundial, é a afirmação da independência e originalidade de uma nova cultura em preparação, que se desenvolverá com o desenvolvimento das relações sociais (Q 16, § 9, p. 1862-1863). Há duas ideias centrais postas nestas citações. A primeira visa esboçar um conceito de filosofia suficientemente geral capaz de abarcar as “filosofias das épocas”, e, a segunda, pelas próprias razões que lhe dão autonomia e independência filosófica. Essa reflexão não está desvinculada da meditação sobre o conceito de “filosofia científica”, superando o reducionismo histórico e a própria historicidade, mas, faz desse processo um modo metodológico de analisar o movimento do real. Esse modo de tratar a filosofia e sua história é entendido por Gramsci como a “tradutibilidade da linguagem”, a qual visa sustentar uma perspectiva de relação crítica com as filosofias tradicionais. A exigência posta pelo marxismo labriolano tratada em vários textos do Primeiro Caderno miscelâneo (Q1, § 87; Q1, § 92; Q 1, § 105; Q1, § 132) vem acompanhada da análise da filosofia tradicional como concepção geral de mundo e da própria vida, analisada ao longo de vários textos intitulados como Os Moderados e os Intelectuais (Q1, § 46, p. 56); Filippo Meda, Statisti Cattolici ( Q 1, § 107, p. 98); Notas e Observações Críticas sobre o Ensaio Popular (Q 4, § 13, p. 434); Notas sobre o Ensaio Popular (Q 11, § 30, 1442) etc. Esse tipo de análise permitiu a Gramsci diferenciar o marxismo das filosofias tradicionais. Nesse nível de análise, o foco não era a crise de hegemonia que permeou o mundo contemporâneo, mas a peculiaridade da filosofia da práxis, por dentro do materialismo histórico, sua reformulação conceitual de filosofia interconectada entre senso comum e filosofia. Tal tema é riquíssimo e foi profundamente trabalhado no Caderno 8. No entanto, são poucos os textos intitulados com essa temática, diferente se comparado ao tema da filosofia, sob o título Introdução ao Estudo da Filosofia. A fundamentação da filosofia da práxis como uma concepção independente e original esboçada no § 27 do Q 11, é ampliada e aprofundada num dos poucos textos B do Q 11, entitulado Que é a Filosofia?. Para o marxista sardo a filosofia é “uma vontade racional, não arbitrária, que se realiza na medida em que corresponde às necessidades objetivas históricas” (Q 11, § 59, p. 1485). O curioso nesta citação é que Gramsci não utiliza mais a expressão “filosofia da práxis”, mas apenas filosofia. Tornara-se um vértice impenetrável ao campo adversário. Supera a perspectiva de atividade receptiva, para reafirmá-la como uma atividade prática ou política. 82 Como último apontamento sobre esta temática, vale a pena ressaltar que não é por acaso que Gramsci abre e encerra o Q 11 falando de Antonio Labriola. Labriola foi a única exceção em todo o processo de revisão do marxismo, pois entendeu perfeitamente o ponto central do materialismo histórico. A filosofia da práxis é o momento em que as classes subalternas iniciam o processo de constuição da subalternidade. 1.2.4.2. O Imanentismo da Filosofia da Práxis A ideia de imanência aparece ainda no Caderno 1 miscelâneo. Nele, o autor dos Cadernos afirma que uma das debilidades das filosofias imanentistas em geral incidiu sobre a perda da unidade ideológica entre os simples e os intelectuais. Entretanto, o termo “imanência” é citado em vários parágrafos do Q 11, a exemplo do §13, ao criticar o Ensaio Popular e sua relação com a religião, e do § 16, quando trata da nomenclatura de conceitos e de conteúdo. Neste ponto, Gramsci busca uma nova perspectiva de imanência, comparando distintos termos e da seguinte problemática: A dificuldade de adequar a expressão literária ao conteúdo conceitual, bem como a confusão entre as questões de terminologia e as de substância e vice-versa, são características do diletantismo filosófico, da falta de senso histórico na apreensão dos diversos momentos de um processo de desenvolvimento cultural, ou seja, são características de uma concepção antidialética, dogmática, prisioneira dos esquemas abstratos da lógica formal (Q 11, § 16, p. 1408). Se Gramsci critica o uso do termo “imanência” no âmbito da filosofia, não seria diferente com o autor do Ensaio Popular, o qual emprega “os termos ‘imanência’ e ‘imanente’ só em sentido metafórico, como se essa pura afirmação fosse em si mesma exaustiva” (Q 11, § 24, p. 1427). Há uma relação que não é simples entre a linguagem e a metáfora. A linguagem é sempre metafórica, todavia, ela se modifica com a transformação de toda a cultura. Assim, uma nova cultura também amplia metaforicamente, cria um novo significado e empresta o termo a outras línguas. O parágrafo 28 do Q 11 é o único intitulado A Imanência e a Filosofia da Práxis, no qual Gramsci se dedica a tratar da imanência não mais no campo metafórico. Nele apresenta a seguinte argumentação: O termo “imanência” tem, na filosofia da práxis, um significado preciso, que se oculta sob a metáfora e que deve ser definido e precisado; na realidade, esta definição é que teria sido verdadeiramente, “teoria”. A filosofia da práxis continua a filosofia da imanência, mas depurando-a de todo o seu aparato metafísico e conduzindo-a ao terreno concreto da história (Q 11, § 28, p. 1438-1439). 83 O tema desta nota fora tratado primeiramente no Q 4, § 17, p. 438. A superação do uso metafórico do termo “imanência” ocorre em relação à imanência tratada pelas filosofias especulativas. O marxista sardo problematiza a história da filosofia sob o aspecto da imanência, quando se pergunta se o termo é completamente novo. Seria a partir de uma suposta contribuição de Giordano Bruno, conhecida pelos fundadores da filosofia da práxis e pela influência sobre a filosofia tedesca e etc. Se até aqui Gramsci não encontrara uma perspectiva clara para o termo “imanência”, o § 52, intitulado Regularidade e Necessidade, do Q 11, apresenta uma apreciação mais brilhante dessa temática. Mas, para entender esta nota, será necessário verificar o §10 do Q 10, II. O importante para Gramsci é mudar a dialética, mas não enquadrar-se no modelo dialético especulativo de Hegel. Marx falara da necessidade de dar a volta, pensar uma nova dialética. A filosofia de Hegel também se põe o problema dos subalternos, mas no campo das ideias. Se Hegel está a cavalo da revolução francesa, quer dizer que estabelecera uma mediação com a política e a filosofia. Neste sentido, não se pode entender Marx se não se compreende Hegel. Não se trata de questão especulativa, mas de mudar de terreno, pôr a verdade noutro lugar. Por assim dizer, Gramsci teria descoberto num determinado momento, entre 1931 e primeira metade de 1932, uma chave que possibilitava compreender Marx e criticar a Hegel. Marx encontrara em David Ricardo as noções necessárias para criticar o caráter especulativo da filosofia de Hegel de modo não especulativo, nos seguintes termos: Para estabelecer a origem histórica deste elemento da filosofia da práxis (elemento que é, ademais, nada menos do que seu modo particular de conceber a “imanência”), será necessário estudar o modo pelo qual David Ricardo tratou das leis econômicas. Trata-se de ver que Ricardo não teve importância na fundação da filosofia da práxis somente pelo conceito de “valor” em economia, mas teve uma importância “filosófica”, sugeriu uma maneira de pensar e de intuir a vida e a história. O método do “dado que”, da premissa que dá lugar a certa consequência, deve ser identificado, ao que parece, como um dos pontos de partida (dos estímulos intelectuais) das experiências filosóficas dos fundadores da filosofia da práxis (Q 11, § 52, p. 1479). Gramsci entende que o conceito de “necessidade” histórica está intimamente conectado ao da “regularidade” e ao da “racionalidade”. A imanência só pode ser percebida quando a necessidade histórica, a verdade de uma lei, está dentro da luta e não fora dela, isto é, há uma premissa ativa e eficiente. Na premissa em desenvolvimento encontram-se os seguintes elementos: As condições materiais necessárias e suficientes para a realização do impulso de vontade coletiva; mas é evidente que desta premissa “material”, quantitativamente 84 calculável, não pode se destacar um certo nível de cultura, isto, um conjunto de atos intelectuais, e deste (como seu produto e consequência), um certo complexo de paixões e de sentimentos imperiosos, isto é, que tenham a força de induzir à ação “a todo o custo” (ibidem, p. 1480). Aqui, o marxista sardo explicita claramente que este é o único caminho para que uma filosofia se transforme em concepção de mundo historizada da racionalidade na história, isto é, num profundo imanentismo. Assim, percebe-se que há uma articulação interna do tema entre o Q 11 e o Q 10. No entanto, é no Q 11 que Gramsci parte do conceito de imanência, posto inicialmente no campo da linguagem, isto é, como metáfora, considerado tanto pela perspectiva das filosofias especulativas quanto do autor do Ensaio Popular. Todavia, o cuidado com o qual o autor dos Cadernos armava sua atividade intelectual, estabeleceu uma perspectiva de imanência totalmente original. Com isso a filosofia da práxis abriu um vértice frente aos seus adversários, dando-lhe total autonomia e independência. 1.2.4.3. A filosofia se Desenvolve Porque se Desenvolve a História Geral do Mundo A segunda parte do manuscrito monográfico do Q 11, desenvolvido por Gramsci a partir da primavera de 1932, parte de dados concretos sobre o momento histórico de transformação que estava ocorrendo na Rússia. O Secretário do Partido Comunista Italiano estava encarcerado e preocupado com as notícias que lhe chegavam. Desejava participar ativamente do processo de ampliação do comunismo e, para isso, continua a escrever a seus companheiros. O papel de Tatiana, sua cunhada, e de Piero Sraffa, é significativo na medida em que as análises daquela realidade e os apontamentos do pensador encarcerado pelo fascismo italiano chegam até Palmiro Togliatti que estava exilado na União Soviética durante aqueles anos de repressão. Entre junho e novembro de 1931, Gramsci lê dois ensaios que lhe causaram uma nova impressão sobre a União Soviética: An Impression of Russia, escrito por Michael Farbman com o pseudônimo de Grigori Abramowitz, publicado como suplemento na revista The Economist, em 1º de novembro de 1930, texto enviado por Sraffa a Tatiana e que Gramsci o recebera, e o teria lido, em junho de 1931, visto que o mesmo fora citado no Q 7, parágrafo 44 intitulado de Reforma e Renascimento, e The Philosophical Discussion in the C.P.S.U. in 1930-1931, de Dmitrij P. Mirskij, escrito na revista Labour Monthly, que apareceu em outubro de 1931. Essa leitura fora sugerida por Sraffa, segundo as Cartas de 26 de janeiro e 11 de julho daquele ano e Gramsci fará referência pela primeira vez no Q 8, parágrafo 169, 85 intitulado de Unidade da Teoria e da Prática. Essa nota será reescrita no décimo segundo parágrafo do Q 11 juntamente com outras cinco notas do mesmo Caderno. Gramsci demonstrou uma profunda impressão pelos ensaios de Farbman e Mirskij, pois tratavam dos últimos movimentos do materialismo no século XX. O pensador apoiou-se nesse “aroma” da filosofia da práxis e avançou em suas reflexões. Neste sentido, se revela o esforço em demostrar que há uma íntima conexão entre ambos, do ponto de vista da filosofia, como também, esses dois momentos representam a ampliação da cultura moderna. A partir do artigo de Michael Farbman, Gramsci afirma [...] que o processo atual de formação molecular de uma nova civilização possa ser comparado ao movimento da Reforma é algo que se pode mostrar também através do estudo de aspectos parciais dos dois fenômenos (Q 7, § 44, p. 892). No primeiro plano, observa-se que o raciocínio do pensador é concreto. Parte do modelo econômico, postulado pela nova civilização. Refere-se imediatamente ao momento vivido na Rússia no início do século XX com a revolução bolchevique. Ao tomar esse aspecto de forma parcial, observou o problema histórico-cultural solucionado na Reforma e Renascimento da seguinte forma: O de transformação da concepção da graça, que “logicamente” deveria levar ao máximo de fatalismo e de passividade, numa prática real de empreendimento e de iniciativa em escala mundial, prática que foi sua consequência dialética e que formou a ideologia do capitalismo nascente (ibidem, p. 893). O movimento de superação de uma concepção por outra, apontada por Gramsci no texto acima, pode ser tencionada por certa lógica empreendida em certas versões marxistas, como a ideia de continuidade e de determinadas especificidades do capitalismo. Já a concepção do materialismo histórico desenvolvida pelo movimento bolchevique na Rússia, [...] na opinião de muitos críticos, só pode derivar “logicamente” fatalismo e passividade, ela na realidade dá lugar, ao contrário, ao florescimento de iniciativas e de empreendimentos que surpreendem muitos observadores (Q 7, § 44, p. 893). Neste sentido, tratar do tema da história, para Gramsci, é de fundamental importância para ampliar e aprofundar a filosofia da práxis. Ele próprio afirmava que sem a molecularidade da vida, seria especulativo produzir uma análise fecunda da realidade. Para explicar como nasce ou se difundem, em cada época, diversas correntes e sistemas filosóficos, com direções até mesmo contrárias, é preciso sistematizar crítica e coerentemente no quadro da história da filosofia. Numa variante instaurativa do § 12 do Q 11, Gramsci afirma a necessidade de demonstrar o movimento histórico, 86 [...] a elaboração que o pensamento sofreu no curso dos séculos e qual foi o esforço coletivo necessário para que existisse o nosso atual modo de pensar, que resume e compreende toda esta história passada, mesmo em seus erros e em seus delírios, os quais, de resto, não obstante terem sido cometidos no passado e terem sido corrigidos, podem ainda se reproduzir no presente e exigir novamente a sua correção Q 11, § 12, p. 1379). Esse modo de analisar a história é apresentado claramente no § 22, intitulado Questões Gerais, do mesmo Caderno. Nele, Gramsci trata de como nasce o movimento histórico como base na estrutura. Para isso, retoma duas proposições do Prefacio à Crítica da Economia Política34: 1)A humanidade só se coloca sempre tarefas que pode resolver; a própria tarefa só surge quando as condições materiais da sua resolução já existem ou, pelo menos, já estão em vias de existir; 2) Uma formação social não desaparece antes que se tenham desenvolvido todas as forças produtivas que ela ainda comporta; e novas e superiores relações de produção não tomam o seu lugar antes que as condições materiais de existência destas novas relações já tenham sido geradas no próprio seio da velha sociedade (Q 11, § 22, p. 1422). O uso devido dessas proposições elimina o fatalismo, toda a forma de mecanicismo, o próprio “aroma” da filosofia da práxis, colocando o problema da constituição dos grupos políticos ativos. Nessa perspectiva política de análise da história, “a filosofia da práxis se realiza no estudo concreto da história passada e na atividade atual de criação de uma nova história” (Q 11, § 26, 1433). Mais do que isso, “a filosofia da práxis é o historicismo absoluto, a mundialização e terrenalidade absoluta do pensamento, um humanismo absoluto da história” (Q 11, § 27, p. 1437). Nesse crescente do pensamento em movimento de Gramsci, a temática da história encontra no § 62, intitulado Historicidade da Filosofia da Práxis, do mesmo Caderno, uma das mais belas notas do marxista sardo, quanto ao modo historicista de conceber o próprio materialismo histórico. Ela apresenta o movimento histórico assim: [...] como uma fase transitória do pensamento filosófico, esta concepção, além de estar implícita em todo o seu sistema, resulta explicitamente da conhecida tese segundo a qual o desenvolvimento histórico se caracterizará, em determinado ponto, pela passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade (Q 11, § 62, p. 1487). Se a própria filosofia da práxis é uma necessidade histórica, “se demonstra que as contradições desaparecerão, demonstra-se implicitamente que também desaparecerá, isto é, será superada, a filosofia da práxis” (ibidem, p. 1488). 34 De Marx. 87 Assim, percebe-se que o marxista sardo encerra a própria filosofia nos quadros da história, isto é, ela é uma necessidade histórica para alcançar uma civilização integral. Por isso, a história é a espinha dorsal da filosofia da práxis. 1.2.4.4. Unidade e Coerência O tema da unidade e coerência aparece de maneira mais detida no Q 8 e em vários escritos monográficos. As notas que tratam desse tema assim vêm intituladas: Unidade da Teoria e da Prática (Q 8, § 169. P. 1041); o título repete-se no (Q 8,§ 199, p. 1060); Pontos de Referência para um Ensaio sobre Croce (Q 10 II, §31, p. 1270-1) ; Passado e Presente (Q 14, §58, p. 1717) e Introdução ao Estudo da Filosofia (Q 15,§ 22, p. 1780). Somente a nota escrita em novembro de 1931 é transcrita no § 12 do Q 11. A análise mais refinada dessa temática ocorreu com a leitura do ensaio The Philosophical Discussion in the C.P.S.U. in 1930-1931, de Dmitrij P. Mirskij. Gramsci reflete sobre os recentes movimentos vividos pela filosofia da práxis. O Q 11 é uma resposta a essa demanda por dentro do marxismo. Como já fora apontado, o modo de estruturá-lo é novo. Segundo a tese de Giuseppe Cospito, primeiro são transcritos para o manuscrito monográfico textos mais recentes e em seguida os mais antigos. Já o tempo de produção entre o texto A e a transcrição para o texto C ocorreu quase que simultaneamente. Aqui a pesquisa fará o caminho inverso. Primeiro verificará o parágrafo 199 do Q 8, transcrito de forma mecânica na sexta seção dos Apontamentos miscelâneos no Q 11 no parágrafo 54, intitulado Unidade da Teoria e da Prática. Em seguida, tratará das questões candentes, embrenhando-se na situação cultural da Rússia e como resposta, na elaboração de uma proposta para elevação dos “simples”. Esse movimento visa tencionar os dois parágrafos. Se, por um lado, Gramsci reflete sobre o momento russo, por outro lado, não há como se furtar em [...] pesquisar, analisar e criticar as diversas formas nas quais se apresentou, na história das ideias, o conceito de unidade entre teoria e prática, já que parece indubitável que toda concepção de mundo e toda filosofia se preocuparam com este problema (Q 11, § 54, p. 1482). O modo de proceder da pesquisa diverge em parte da práxis gramsciana, visto que o problema vem primeiro, para depois historicizá-lo. Não se trata de introduzir elementos especulativos, mas, a partir da normatização histórica deste tema, perceber o tratamento inicialmente apontado nos manuscritos carcerários e, a partir desses apontamentos, a 88 insistência em desenvolver uma larga pesquisa sobre o assunto no plano da história das filosofias. O critério analítico desse tema no campo da história das ideias, segundo São Tomás de Aquino e da escolástica, afirmava que “a teoria se faz prática por simples extensão, isto é, afirmação da necessária conexão entre a ordem das ideias e a da ação” (Q 11, § 54, p. 1482). No plano da estrutura, a teoria e a prática estão separadas, visto que a operação é puramente mecânica. Isso denota historicamente que a fase histórica é ainda relativamente elementar. A sociedade encontra-se na fase econômico-corporativa, no qual se transforma o quadro geral da estrutura (cf., Q 8, §169, p. 1041). A unidade entre teoria e prática não pode ser entendida apenas como uma conexão ou uma operação especificamente mecânica, visto que na mais rígida alienação, o “simples” está permeado por dupla “consciência teórica” e um “operar prático”. Nesta dupla consciência, o homem ativo apresenta, por um lado, uma consciência explícita que lhe foi passada historicamente pelos seus genitores e pelo senso comum e, por outro lado, uma consciência implícita, visto que participa de um trabalho concreto de transformação prática do mundo. A ideia do trabalho concreto já fora posta na Ideologia Alemã, no entanto, Gramsci não conhecera tal escrito de Marx e Engels, visto que o texto só fora publicado mais tarde. Nele, os fundadores da filosofia da práxis apontam que a constituição de duas consciências aconteceu com o aumento das necessidades e do crescimento populacional, cuja gênese é a divisão do trabalho no ato sexual e, por consequência, a disposição “pela natureza” humana. Todavia, “a divisão do trabalho só se torna efetivamente divisão do trabalho a partir do momento em que se opera uma divisão entre o trabalho material e o trabalho intelectual” (MARX e ENGELS, 2002, p. 26). Tal instigação está intimamente relacionada ao método de análise empregado por Proudhon. Marx desenvolve a seguinte crítica na Miséria da Filosofia: A divisão do trabalho reduz o operário a uma função degradante; a esta corresponde uma alma depravada, a que convém uma redução sempre crescente do salário. E, para provar que essa redução do salário convém a uma alma depravada, o Sr. Proudhon, para alívio de consciência, diz que ela é requerida pela consciência universal. A alma do Sr. Proudhon está incluída na consciência universal? (MARX, 2009, p. 148). Para Gramsci, a superação desses dois momentos passa pelo problema da política, unificando a teoria e a prática no campo da ética, isto é, como norma de conduta (Q 11, §12, p. 1385), e, concomitantemente na política, por se tratar de uma questão de hegemonia (Q 8, § 169, p. 1041). O problema da hegemonia é tratado de modo comparativo pelo marxista sardo 89 no confronto com a filosofia de Croce. O representante do idealismo contemporâneo projeta a hegemonia de modo especulativo enquanto um fato de unificação das duas consciências teóricas no campo da formalidade. Já no marxismo, a unificação da teoria e da prática se produz na materialidade, isto é, na disputa entre as diversas consciências politicamente organizadas (cf., Q 15, § 22, p. 1780). Também por dentro dessa temática, está a questão do ato crítico que nasce da identificação entre teoria e prática. O problema da identidade entre esses dois campos da ação humana passa pela constituição de indivíduos que determinarão um organismo coletivo na medida em que aceitarem ativamente patamares hierárquicos e uma direção coletivamente determinada. Todavia, para superar o problema da cultura tradicional, tanto o indivíduo quanto o organismo coletivo necessitam elaborar um determinado tipo de consciência, segundo Gramsci: Uma consciência coletiva, ou seja, um organismo vivo só se forma depois que a multiplicidade se unifica através do atrito dos indivíduos: e não se pode dizer que o “silêncio” não seja multiplicidade. Uma orquestra que ensaia cada instrumento por sua conta, dá a impressão da mais horrível cacofonia; porém, estes ensaios são a condição para que a orquestra viva como um só “instrumento” (ibidem, p. 1771). A construção da consciência coletiva depara-se com outro problema por dentro da unidade da teoria e da prática, o da intervenção ideológica clara nas disputas pela hegemonia que se iniciaram entre comunismo e liberalismo no século XX. A relação entre ideologia e filosofia sob o ponto de vista da disputa entre real e ideal ou prática e teoria, expressa a crise e a degradação do pensamento que outrora fora hegemônico, na perspectiva de Croce de distinção, apontado no Q 1, § 132, p. 119. Assim, a unificação da teoria e da prática só pode ocorrer pela formação da autoconsciência, dada historicamente pela criação de uma vanguarda de intelectuais, visto que uma “massa” não se “distingue” e não se torna “independente” sem organizar-se, bem como, não há organização sem os intelectuais, sem dirigentes e dirigidos (cf., Q 11, § 12, p. 1386). 1.2.4.5. Uma Filosofia que é Política e Uma Política que é Filosofia O ponto de partida da política está na ação dos indivíduos. Para ilustrar tal tese sobre política, o discurso de Treves sobre a “expiação” expõe a verdadeira chaga da confusão política e da ação amadora dos dirigentes políticos: Por trás destas escaramuças, há o medo das responsabilidades concretas; por trás deste medo, a completa ausência de união com a classe representada, a completa ausência de compreensão de suas exigências fundamentais, de suas aspirações, de 90 suas energias latentes: partido paternalista, de pequeno-burgueses que se comportam de modo ridiculamente presunçosos. Por que não defesa? A ideia de psicose de que guerra e a de que um país civilizado não pode “permitir” que se verifiquem certas cenas selvagens. Estas generalidades também eram disfarces de outros motivos mais profundos (por outra parte, estavam em contradição com a afirmação repetida depois de cada massacre: sempre dissemos que a classe dominante é reacionária), que sempre se resumem na separação em relação à classe, ou seja, nas “duas classes”: não se consegue compreender o que acontecerá se a reação triunfar, porque não se vive a luta real, mas só a luta como “princípio livresco” (Q 3, § 42, p. 319-320). Esse discurso é elucidativo, entre tantos outros, visto que Gramsci se dispõe a investigar a política para além do “princípio livresco”, tanto que a centralidade do trabalho na sua oficina é a política. Não é uma política qualquer, ele sente o pulsar da realidade, compromete-se em elaborar “uma ‘ciência política’ adequada à filosofia da práxis, isto é, ao marxismo” (COUTINHO, 2003, p. 67). Tal originalidade aponta para a necessidade de se investigar, a partir da unidade entre teoria e prática, as reais motivações e consequências da temática “ciência política”. Trata-se de pesquisar [...] o ‘ponto de vista da totalidade’, ou seja, precisamente a abordagem metodológica que, segundo o jovem Lukács, distingue radicalmente o marxismo da chamada ‘ciência burguesa’ (ibidem, p. 67). Tais motivações podem ser encontradas ao longo da vida de Gramsci, ainda na sua infância ou no acesso ao saber sistematizado na universidade e especificamente na participação ativa e crítica do marxismo como concepção irradiadora da luta dos operários italianos contra o economicismo vigente naquele período. No entanto, era necessário perceber os limites dessa concepção política de mundo e “afirmar o papel criador da práxis humana na história, sua percepção das ‘relações de força’ como momento constitutivo do ser social” (ibidem, p. 68), que fecundaram o estudo desse fenômeno em seus diferentes níveis. Historicamente o pensamento italiano sempre fora muito expressivo no campo da política, a exemplo de Maquiavel, Vico, Mosca e Croce que contribuíram positivamente na construção da “ciência da política”, sem destacar aqui as distintas perspectivas defendidas. Gramsci esteve profundamente integrado aos problemas da massificação do comunismo em nível internacional, sem se desligar das lutas políticas que permeavam a sua Itália. O termo “política” foi empregado nos Cadernos dentro de um tipo de escrita, como elemento circular de um discurso unitário, permeado por vários temas sob diversos interesses. Está assentado nos planos da história e do teórico, visto ser elemento fundamental para analisar e interpretar as concepções de mundo do período moderno e contemporâneo. Dentre os vários manuscritos monográfos, no Caderno 13 o discurso sobre a política assume uma das categorias-síntese em sua oficina, permeada por um conteúdo e de elementos 91 intrínsecos na perspectiva de um entendimento crítico. Esse caminho gramsciano da critica implica aprofundamento gnosiológico da política, relativa ao senso moral da ação, permeada pela dialética do sujeito social no conflito. Potencializa a reconstrução da noção teórica da política. Costuma-se apontar da política duas acepções principais mais comuns nos Cadernos, chamada de “restrita” e “ampla” ou respectivamente, a “pequena política” e a “grande política”. Neste sentido, Gramsci delimitou ainda no Q 8,§ 48, p. 970 e reescreveu mecanicamente o texto no Q 13 da seguinte maneira: A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre diversas frações de uma mesma classe política (Q 13, § 5, p. 1563-64). Os Cadernos apontam para dois sentidos bem claros sob o tema da política, e essa delimitação teórica, em parte, já estava presente nos escritos de Nicolau Machiavel e em Marx. Visto que aqui se trata de apontar temas e situar suas possíveis interconexões, se vê, nos fundadores da política moderna diferentes noções, que tomadas de forma separada, dão a impressão de enunciados unilaterais, mas, que, tomadas na sua totalidade, o conceito-fato amplia-se profundamente. Maquiavel fundamentou e caracterizou a estrutura da política com base no princípio da autonomia35. Até aquele momento histórico a política era discutida pelos intelectuais da época como elucubração metafísica. Nicolau Maquiavel passou a concebê-la no seu conteúdo historicamente concreto, sob dois elementos fundamentais. O primeiro trata da “afirmação que a política é uma atividade independente e autônoma que possui princípios e leis diversas daquelas da moral e da religião em geral” (Q 4, § 8, p. 431) e o segundo define o “conteúdo prático e imediato da arte política estudada e afirmado com objetividade realística, interdependente da última afirmação” (Q 13, §20, p. 1599). Neste discurso Gramsci tenciona a política também no campo do juízo prático e moral, isto é, no viés da ética, senso comum, religião e etc. 35 A questão da autonomia em Maquiavel deve ser tomada na perspectiva da disputa política com a concepção de mundo que fora hegemônica durante a Idade Média, cujo princípio era a autoridade. Vale lembrar todo o trabalho desenvolvido por Galileu Galilei na divulgação das ideias de Copérnico. O poder político da cristandade ainda era presente no início da modernidade através da Santa Inquisição e não são poucos os relatos históricos de perseguição e morte dos intelectuais que se opunham a tal concepção de mundo. (cf. Galileo Galilei. Dialogo Sopra i Due Massimi Sistemi del Mondo Tolemaico e Copernicano (1632). 92 Certamente Marx conhecera as obras de Nicolau Maquiavel na fase da maturidade. Ampliou o viés maquiaveliano sob o prisma da ação ativa e “militante”. A política é redefinida coma ciência do conflito. Já o marxista sardo toma a concepção de política a partir das leituras de mundo produzidas pelos fundadores da filosofia da práxis. Trata de modo preciso a teoria da ação e da prática, como se pode deduzir da emblemática correlação entre passado e presente. Não é por acaso que nos manuscritos há vários textos que tratam de temas diversos, nomeados de Passado e Presente. Este título aparece primeiramente no § 34, com 18 reincidências dos 166 parágrafos que compõem o Q 3. Essa recorrência terminológica expressa um modo próprio, isto é, da filologia vivente de analisar o movimento da vida na sua singularidade. A história é posta na forma de disputa, sendo que, no nível da teoria, beira à “lei” sob o viés explicitamente político. Nesta direção, a política espraia-se na criticidade e na sua força síntese, entre o passado como força objetiva de transformação, depositário de uma determinada consciência lapidada politicamente e, na valoração de um presente bem determinado. A acepção de política e seu arcabouço lógico sinalizado pelo telos ao conflito apontam para um contínuo saber que dá início à humanização do gênero humano. O passado é um presente para o ser humano, devido à estrutura lógica de conservação no alargamento da consciência e na síntese da vida e da história. Gramsci empreende uma guinada em relação aos seus antecessores. Afirma a íntima relação entre política e história, que envolve duas maneiras de se movimentar, que parte do ato e evoca a criticidade, incluída na luta, sendo a disputa o único elemento previsível, na presença da memória de um projeto de longa duração. Por isso, no Q 11. o termo “política” está posto ao final da seguinte interrogação: O problema da religião, entendido não no sentido confessional, mas no laico, de unidade de fé entre uma concepção de mundo e uma norma de conduta adequada a ela: mas por que chamar esta unidade de fé de “religião”, então de “ideologia” ou, mesmo, de “política”? (Q 11, § 12, p. 1378). O termo “política” não está posto nem no nível da grande política ou da pequena política, mas no nível da estrutura lógica do pensar, sob a perspectiva de catarse, [...] para indicar a passagem do momento meramente econômico (ou egoísticopassional) ao momento ético-político, isto é, a elaboração superior da estrutura em superestrutura da consciência dos homens (Q 10, II, § 6, p. 1244). No interior desta estrutura lógica, a criticidade visa tencionar a ação humana, tanto na composição da memória histórica quanto da vida presente. Para analisar cognitivamente e 93 alcançar a verdadeira concepção de mundo, o pensador sardo questiona a verdade como um “fato intelectual”, ou a consequência da ação de cada indivíduo, que implica na sua forma de agir. “E, já que a ação é sempre uma ação política, não se pode dizer que a verdadeira filosofia de cada um se acha inteiramente contida na política?” (Q 11, § 12, p. 1379). Este problema da apreender a verdadeira concepção de mundo é expresso ainda no primeiro manuscrito monográfico. A estrutura, de força exterior que esmaga o homem, assimilando-o e tornando-o passivo, transforma-se em meio de liberdade, em instrumento para criar uma nova forma ético-política, em origem de novas iniciativas (Q 10, II, § 6, p. 1244). Este movimento catártico contém implicitamente o contraste entre o pensar e o agir, que compreende duas visões de mundo, como a expressão de contraste íntimo de natureza histórico-social, presente no indivíduo em determinados grupos ou entre os “simples”, por razões de passividade e subordinação intelectual. Por isso, não há como “separar filosofia da política; ao contrário, pode-se demonstrar que a escolha e a crítica de uma concepção de mundo são, também elas, fatos políticos” (Q 11, § 12, p. 1379). Neste sentido, tanto a filosofia como a política estão num nível mais elevado. “‘A fixação do momento catártico’ torna-se assim, parece-me, o ponto de partida de toda a filosofia da práxis; o processo catártico coincide com a cadeia de sínteses que resultam do movimento dialético (Q 10, II, § 6, p. 1244). Gramsci reafirma que o processo catártico oscila entre dois pontos, [...] que nenhuma sociedade se coloca tarefas para cuja solução já não existam, ou estejam em vias de aparecimento, as condições necessárias e suficientes; - e que nenhuma sociedade deixa de existir antes de haver expressado todo o seu conteúdo potencial (Q 8, §195, p. 1057). Portanto, não se pode buscar uma visão simplista da política, da filosofia e da ciência. Cientificamente, não há como pressagiar o movimento da sociedade. Segundo Gramsci, [...] é possível prever “cientificamente” apenas a luta, mas não os momentos concretos dela, que não podem deixar de ser resultados de forças contrastantes em contínuo movimento, sempre irredutíveis a quantidades fixas, já que nelas a quantidade transforma-se continuamente em qualidade. Na realidade, pode-se “prever” na medida em que se atua, em que se amplia um esforço voluntário e, desta forma, contribui-se concretamente para criar um ato científico “previsto”. A previsão revela-se, portanto, não como um ato científico de conhecimento, mas como a expressão abstrata do esforço que se faz, de modo prático de criar uma vontade coletiva (Q 11, § 15, p. 1403-1404). 94 1.2.4.6. Uma Ideologia Histórica e Orgânica Reconhecidamente Gramsci desenvolveu o tema da ideologia de maneira inovadora no âmbito do marxismo. Nos primeiros escritos carcerários predomina uma perspectiva de ideologia como um sistema de ideias políticas. O movimento do pensar do marxista sardo inova o conceito de ideologia a partir de Engels, que o conduz a restaurar uma visão dialética do nexo entre “estrutura” e “superestrutura”. Esse modo de proceder na sua pesquisa objetiva sustenta o significado e a eficácia histórica da esfera ideológica (cf., DIZIONÁRIO GRAMSCIANO, 2007, p. 400). No entanto, deve-se tomar cuidado para não cair no engodo quanto à acepção do termo. Um elemento de erro na consideração sobre o valor das ideologias, ao que me parece, deve-se ao fato (fato que, ademais, não é causal) de que se dê o nome de ideologia tanto à superestrutura necessária de uma determinada estrutura, como às elucubrações arbitrárias de determinados indivíduos. O sentido pejorativo da palavra tornou-se exclusivo, o que modificou e desnaturou a análise teórica do conceito de ideologia (Q 7, § 19, p. 868). No entanto, a ideologia é de vital importância, não como elemento de distinção da estrutura, de uma solução política “ideológica”, ou mesmo, da redução do conteúdo da ideologia, mas por derivar do fato de ser um elemento importante de organização de classe. O próprio Marx enfatizou a “solidez das crenças populares”, como fato imprescindível de uma determinada circunstância, ou “uma persuasão popular tem, com frequência, a mesma energia de uma força material, ou algo semelhante, e que é muito significativa” (Q 7, § 21, p. 869). Essas afirmações conduzem analiticamente à conclusão de que as forças materiais são o conteúdo e as ideias são as formas. Tal distinção se faz necessária sob o ponto de vista da didática, visto que há uma interdependência entre as ideias e as forças materiais, nos seguintes termos: A crítica, portanto, deve traduzir a especulação em seus termos reais de ideologia política, de instrumento de ação prática; mas a própria crítica terá a sua fase especulativa, que assinalará o seu apogeu. A questão é a seguinte: se este apogeu não será o início de uma fase histórica de novo tipo, na qual, tendo necessidadeliberdade se compenetrado organicamente, não mais existirão contradições sociais e a única dialética será a ideal, dos conceitos e não mais das forças históricas (Q 11, § 53, p. 1482). Se crítica à ideologia possibilita perceber o seu movimento prático, a partir de uma determinada perspectiva da civilização integral, o mesmo procedimento possibilita distinguir distintas ideologias. Há dois tipos distintos de ideologias: ideologia historicamente orgânica, como elemento necessário de uma determinada estrutura e, ideologia arbitrária, racionalística e “voluntarista”. 95 A partir dessa classificação, verifica-se o seguinte problema de validade: Enquanto são historicamente necessárias, as ideologias têm uma validade que é a validade “psicológica”: elas “organizam” as massas humanas, formam o terreno no qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam etc. enquanto são “arbitrárias”, não criam mais do que “movimentos” individuais, polêmicas, etc. (nem mesmo estas são completamente inúteis, já que funcionam como o erro que se contrapõe à verdade e a afirma) (Q 7, § 19, 869). Nesta perspectiva, a contribuição de Liguori (2007) é profundamente significativa. No seu livro Roteiros para Gramsci, na primeira parte que trata do léxico gramsciano, relaciona a questão da ideologia e a concepção de mundo. Faz um belíssimo rastreamento dessa palavra ao longo da obra carcerária. No penúltimo ponto deste tema, sustenta a questão da família de conceitos, nos seguintes termos: Para entender plenamente o conceito de ideologia nos Cadernos, deve-se levar em conta que ele se articula numa “família de palavras”, que também é uma “família de conceitos”: ideologia, filosofia, visão ou concepção de mundo, religião, conformismo, senso comum, folclore, linguagem. Cada um deles indica um conceito que não se pode sobrepor inteiramente ao outro. Mas, ao mesmo tempo, todos estes termos estão correlacionados entre si, aparecem simultaneamente. Formam uma rede conceitual que, no seu todo, desenha a concepção gramsciana de ideologia. Ideologia, filosofia, concepção de mundo, religião, senso comum etc. podem diferir segundo o grau de consciência e de funcionalidade, mais ou menos mediatas em relação à práxis e à política (LIGUORI, 2007, p. 91). O próprio Liguori (2007) elege a nota 12 do Q 11 como um dos textos mais ricos e importantes para desenvolver o tema da ideologia. Gramsci define a ideologia como [...] o significado mais alto de uma concepção do mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida, individuais e coletivas (Q 11, § 12, p. 1380). Entretanto, o próprio autor dos Cadernos explicita que tal conceito se trata de uma “premissa” teórica implícita. Isto denota o problema de manter a unidade ideológica em todo o bloco social, ou, por acaso, também seria no bloco intelectual-moral? Essa problemática emerge no texto C, quando se percebem movimentos distintos do pensar do marxista sardo, como apontamento, introdução, encaminhamento e estudo? Não haveria uma “premissa teórica explícita” na nota 12 do Q 11 sobre ideologia? Ao longo da nota em estudo, não há mais do que seis reincidências do termo “ideologia”. Essas reincidências não se apresentam num único subparágrafo. O pensamento em movimento de Gramsci no Q 11 denota que o termo foi tratado de maneira distinta devido à necessidade histórica do homem “simples”. 96 Por isso, na concepção de mundo do senso comum, a ideologia é tomada como premissa teórica implícita, considerando que ela tenha se transformado num movimento cultural, numa “religião” na medida em que produziu uma atividade prática. Neste sentido, é imprescindível recuperar a previsão do fundador da filosofia da práxis na constatação: Marx afirma explicitamente que os homens tomam consciência das suas tarefas no terreno ideológico, das superestruturas, o que não é pequena afirmação de “realidade”: sua teoria pretende precisamente fazer com que um determinado grupo social “tome consciência” das próprias tarefas, da própria força do próprio devir. Mas ele destrói as “ideologias” dos grupos adversários, que são precisamente instrumentos práticos de domínio político sobre a sociedade restante: ele demonstra como elas são destituídas de sentido, porque estão em contradição com a realidade efetiva (Q 4, § 15, p. 436-437). Gramsci amplia a perspectiva marxiana de ideologia quando afirma que as ideias não têm nada de ilusão e aparência. Mesmo que não seja o elemento de propulsão, compõe uma realidade objetiva em operação. A escolha de uma determinada concepção não resulta de um fato intelectual, mas da atividade real. No senso comum coabitam duas concepções de mundo, isto é, há um contraste entre o pensar e o agir. Para compreender esse contraste é preciso averiguar os elementos geradores de tais concepções, sistematizá-las a partir dos quadros da história. Concretamente necessária na história, a concepção de mundo alcança a solidez cultural e a organicidade de pensamento quando preserva a sua unidade ideológica. Gramsci demonstra que toda concepção de mundo necessita de uma unidade doutrinária para manter seus estratos intelectualmente superiores em contato com estratos inferiores. O bloco cultural e social se constitui na medida em que os “intelectuais tivessem elaborado e tornado coerentes os princípios e os problemas que aquelas massas colocavam como a sua atividade prática” (Q 11, § 12, p. 1383). Com isso, Gramsci demonstra a precedência e a importância histórica da filosofia nos seguintes termos: A história da filosofia tal como é comumente entendida, isto é, como história das filosofias dos filósofos, é a história das tentativas e das iniciativas ideológicas de uma determinada classe de pessoas para mudar, corrigir, aperfeiçoar as concepções de mundo existentes em todas as épocas determinadas e para mudar, portanto, as normas de conduta que lhes são relativas e adequadas, ou seja, para mudar a atividade prática em seu conjunto (Q 10, II, § 17, p. 1255). É visível o esforço de Gramsci em apontar os elementos históricos que forjaram as concepções de mundo dos subalternos. Ao sustentar a tese de que a atividade intelectual está presente em todo homem, pôs em evidência a luta ideológica entre as diversas concepções de mundo. Pela escolha e disputa ideológica no movimento da história, uma concepção de mundo e uma norma de conduta produz a unidade de fé, isto é, uma atividade prática e uma 97 vontade, na qual a ideologia está contida como “premissa” teórica implícita. Para uma ideologia se manter unificada, necessita de uma união doutrinária. Quanto à necessidade da ideologia de uma determinada estrutura, são distinguidas em ideologias historicamente orgânicas e ideologias arbitrárias. As ideologias formam, organizam, põem o homem em movimento e a tomada de consciência e de luta, daí a sua validade. Se, por um lado, no Q 7 § 19, o autor dos Cadernos distingue a validade das ideologias entre historicamente orgânicas e arbitrárias, por outro lado - no Q 10, § 41 - a filosofia da práxis não separa a estrutura das superestruturas, mas estabelece uma relação necessariamente “inter-relativa e recíproca”. Em contraponto, o marxista sardo não mudaria a perspectiva de ideologia para a filosofia da práxis? Verifica-se a seguinte resposta: Para a filosofia da práxis, as ideologias não são de modo algum arbitrárias; são fatos históricos reais, que devem ser combatidos e revelados em sua natureza de instrumentos de domínio, não por razões de moralidade etc., mas precisamente por razões de luta política: para tornar os governados intelectualmente independentes dos governantes, para destruir uma hegemonia e criar outra, como momento necessário da subversão da práxis (Q 10, II, § 41, XII, p. 1319). No terreno da política enquanto relação, as ideologias unificam e asseguram a relação tanto entre filosofia ‘superior’ e senso comum para o marxismo, quanto os intelectuais e os “simples” no catolicismo. Todavia, a filosofia da práxis enquanto superestrutura, “é o terreno no quais determinados grupos sociais tomam consciência do próprio ser social, da própria força, das próprias tarefas, do próprio devir” (Q 10, II, § 41, XII, p. 1319). Isto quer dizer que a consciência de que todo homem é ativo intelectualmente só pode ser concebido no campo da superestrutura. No entanto, há uma profunda diferença entre as filosofias tradicionais e a filosofia da práxis. As primeiras são [...] criações inorgânicas porque contraditórias, porque voltadas para a conciliação de interesses opostos e contraditórios; a sua ‘historicidade’ será breve, já que a contradição aflora após cada evento do qual foram instrumento (ibidem, p. 13191320). A brevidade histórica desse tipo de ideologia ocorreu na Europa, com o imediato enfraquecimento do Renascimento e o parcial abrandamento da Reforma em face da Contrarreforma da Igreja Católica (cf., Q 11, § 12, p. 1382). Contrariamente a essa postura é a atitude da filosofia da práxis. Não tende a resolver pacificamente as contradições existentes na história e na sociedade, ou, melhor, ela é a própria teoria das contradições; não é o instrumento 98 de governo de grupos dominantes para obter consentimento e exercer a hegemonia sobre as classes subalternas; é a expressão destas classes subalternas, que querem educar a si mesma na arte de governo e que têm interesse em conhecer todas as verdades, inclusive as desagradáveis, e em evitar os enganos (possíveis) da classe superior e, ainda mais, de si mesmo (Q 10, II, § 41, XIV p. 1320). No segundo Caderno monográfico, Gramsci é enfático ao afirmar que a filosofia da práxis não se apresenta enquanto atividade intelectual ou consciência, mas como atitude polêmica e crítica, que extrapola o modo de pensar precedente e o pensamento concreto vivente. A filosofia da práxis é a crítica das ideologias arbitrárias, “engloba o conjunto das superestruturas e afirma a sua rápida caducidade na medida em que tendem a esconder a realidade” (ibidem, p. 1320). A inovação da filosofia da práxis não se manifesta pela introdução do ex novo, num tipo de ciência na individualidade. Ao contrário, ela potencializa o movimento histórico e torna presente a unidade entre teoria e prática, isto é, uma ideologia política imediata. O que será conservado do passado no processo dialético não pode ser determinado a priori, mas resultará do próprio processo, terá um caráter de necessidade histórica e não de escolha arbitrária por parte dos chamados cientistas e filósofos (ibidem, p. 1325-1326). As ideologias arbitrárias são extintas pela competição histórica (cf., Q 11, § 12, p. 1393), pela necessidade do próprio processo, enquanto contraditório, de idas e vindas, e não é linear. Por isso, o processo dialético é inovador, pois assim se apresenta: Deve-se observar que a força inovadora, enquanto ela própria não é um fato arbitrário, não pode deixar de já estar imanente no passado, não pode deixar de ser, ela mesma, em certo sentido, o passado, um elemento do passado, o que do passado está vivo e em desenvolvimento; ela mesma é conservação-inovação, contém em si todo o passado digno de desenvolver-se e perpetuar-se (Q 10, II, § 41, XII, p. 1326). No processo de inovação-conservação, isto é, na luta, a ideologia tem um papel importantíssimo, pois [...] ‘os golpes não são dados de comum acordo’, e toda antítese deve necessariamente colocar-se como antagonista radical da tese, tendo mesmo o objetivo de destruí-la e substituí-la completamente ((Q 10, II, § 41, XVI, p. 1328). Gramsci utiliza a seguinte metáfora do futebol, observador que era: Conceber o desenvolvimento histórico como um jogo esportivo, com seu árbitro e suas normas preestabelecidas a serem lealmente respeitadas, é uma forma histórica com uma meta determinada, na qual a ideologia não se funda sobre o “conteúdo” político, mas sobre a forma e o método da luta. É uma ideologia que tende a enfraquecer a antítese, a fragmentá-la numa longa série de momentos, isto é, a reduzir a dialética a um processo de evolução reformista “revolução-restauração”, na qual apenas o segundo termo é válido, já que se trata de consertar continuamente (de fora) um organismo que não possui inteiramente os motivos próprios de saúde. 99 Ademais, poder-se-ia dizer que tal atitude reformista é uma “astúcia da Prudência” para determinar uma maturação mais rápida das forças internas refreadas pela prática reformista (ibidem, p. 1328). A função da ideologia, na perspectiva da evolução reformista, não trata em reparar o desenvolvimento histórico das construções arbitrárias, mas, aperfeiçoar e responder às exigências de um período histórico complexo e orgânico, isto é, polir as contradições e gerar organicidade histórica da parte dos subalternos. 1.2.4.7. A Hegemonia como um Grande Progresso Filosófico O tema da hegemonia é uma das grandes contribuições de Gramsci para a teoria marxista e uma das fontes mais pesquisadas do pensamento gramsciano. Não há pretensão alguma em propor uma nova interpretação do termo, mas analisar os diversos nexos a partir da atividade intelectual e da atitude da filosofia da práxis no Q 11 e sua relação com os demais Cadernos. Já nos escritos pré-carcerários, o termo “hegemonia” referia-se tanto a uma estratégia de classe para criar a ditadura do proletariado, superando o Estado burguês, isto é, “guerra de movimento”, quanto sistema de alianças, que nos Cadernos designará de “guerra de posição”, conformado no interior da classe trabalhadora, momento em que Gramsci analisa o movimento operário russo e sua necessária relação com a classe camponesa. Gramsci parte da história existente e dos recentes movimentos da filosofia da práxis no século XX para demonstrar a densidade do conceito de hegemonia. Seu grande inspirador é Lênin, pelo fato de ter representado para além de um progresso político-prático, um grande progresso da filosofia da práxis com a Revolução bolchevique na Rússia. Entretanto, na medida em que o secretário do partido do comunista italiano reflete sobre os debates da Internacional Comunista, de cunho economicista vulgar, analisa o desenvolvimento da sociedade burguesa no Ocidente e da realidade do encarceramento das iniciativas marxistas no Ocidente, afirma a necessidade de repensar novas estratégias no rastro da ilusão para que um “novo Outubro” pudesse se concretizar. O termo ganha novos contornos na obra carcerária. No exame do Ressurgimento Italiano, Gramsci afirma que as massas populares não tiveram participação alguma, isto é, uma “revolução sem revolução”. O termo é posto entre aspas pela primeira vez no Q 1. Nele, há uma oscilação entre hegemonia igual a direção e hegemonia igual a direção e domínio. No 100 problema da direção política na formação e no desenvolvimento da nação e do Estado moderno italiano, vê-se o seguinte critério metodológico: Um grupo social domina com a força armada, e dirige os grupos afins e aliados. Um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das condições principais para a própria conquista do poder); depois, quando exerce o poder e mesmo o mantém fortemente nas mãos, torna-se dominante, mas deve continuar a ser também “dirigente” (Q 1, § 44, p. 41). Para Gramsci, a questão da direção política condiciona a função de domínio na medida em que a elite do grupo adversário é absorvida e destrói o grupo inimigo, por um período de tempo, até gerar uma nova antítese. No entanto, um grupo não pode se tornar dominante, sem antes investir-se como dirigente e nem depositar no poder da força material o sucesso de uma direção coerente. Tão pouco, estar separado dos seus intelectuais, como no caso dos moderados intelectuais italianos “já naturalmente ‘condensados’ pela organicidade de suas relações com os grupos sociais de que eram a expressão” (Q 19, p. 24, p. 2012). Dada a concentração orgânica de poder intelectual, os moderados faziam o exercício “espontâneo” sobre a massa de intelectuais em todos os níveis sociais de maneira “difusa”, “molecular” tanto na catequização quanto na administração. Além das duas formas de supremacia de um grupo social, Gramsci estabelece uma nova condensação metodológica de um critério de investigação histórico-político: Não existe uma classe independente de intelectuais, mas todo grupo social tem uma própria camada de intelectuais ou tende a formar uma para si; mas os intelectuais da classe historicamente (e realisticamente) progressista, nas condições dadas, exercem um tal poder de atração que terminam, em última análise, por subordinar a si os intelectuais dos outros grupos sociais e, assim, criar um sistema de solidariedade entre todos os intelectuais com laços de ordem psicológica (vaidade, etc.) e, muitas vezes, de casta (técnico-jurídicos, corporativos etc.) (Q 1, § 44, p. 42). Esses critérios metodológicos estão vinculados aos problemas instrumentais para manter o consentimento e a manutenção da hegemonia. Daí a íntima analogia entre estrutura e superestrutura para compreender analiticamente as relações de força entre elas que determinaram e determinam a história. Sobre a distinção entre a relação estrutura e superestrutura, Gramsci apresenta três momentos articulados: primeiro no campo da estrutura e tem na sua base o desenvolvimento das forças materiais; o segundo ocorre na relação das forças políticas e o último momento é o da relação das forças militares. 101 Assim, Alberto Burgio (2003), no seu livro Gramsci Storico36, interpreta de modo amplo e aponta dois elementos fundantes do conceito de hegemonia dos Cadernos: Em primeiro lugar, a hegemonia é sempre econômica: “Gramsci reitera várias vezes que a hegemonia ideológica do dominante – escreve Burgio – se enraíza na sua hegemonia econômica, da qual a direção ‘intelectual e moral’ é função”. É “o fundamento materialista – estrutural - da relação hegemônica”. Portanto, a “função hegemônica” tem “dois aspectos”: o “econômico” e o “ético-político”. E a crise hegemônica, ou crise orgânica, é igualmente estrutural e superestrutural (Apud LIGUORI, 2007, p. 221). Considerando que a hegemonia está arraigada e sua solidez está na estrutura, nas relações de forças entre partes há interesses em disputa, gerando e organizando determinado desenvolvimento da capacidade crítica, inclusive para o subalterno, isto é, as relações de força ampliam e aprofundam a sua atividade intelectual. Gramsci afirma que “toda relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica” (Q 10, II, § 44, p. 1331). Por isso, “os subalternos são aquela parte da sociedade que, por definição, sofre o domíniohegemonia (econômico-político-militar-cultural) dos hegemônicos-dominantes” (BARATTA, 2011, p. 168). Nessa relação de subalternidade e preponderância das classes mais cultas, as classes subalternas lutam pela sua autonomia. De fato, o pensamento não será mais independente da trama ideológica, dada sua expressividade ao ser incorporado necessariamente à superestrutura, isto é, à relação social organizada a partir de um determinado modo. O modo e o poder de organizar a atividade intelectual representa um momento de análise do sistema hegemônico e de toda a sua estrutura de “força”: pela sua correspondência contribui de maneira decisiva para produzir e se reproduzir. No Q 11, Gramsci aponta para a ideia de que o “conhecer a si mesmo” necessita de uma compreensão crítica. Esse processo ocorre através de uma luta de “hegemonias” políticas, de direções contrastantes (cf., Q 11, § 12, p. 1385), nos distintos campos do fazer humano. No exame dos sistemas hegemônicos, a filosofia é parte dessa relação de forças. A primeira atitude de Gramsci na abertura da nota 12 do Q 11 é expressar a determinação necessária em transformar a “filosofia espontânea”. O manifesto claro do secretário do partido comunista italiano parte da vida molecular no cotidiano do senso comum e da sua negação histórica precedente. A relação de força ocorre em afirmar a história da filosofia, isto é, a história de uma determinada categoria de filósofos profissionais, cujo [...] trabalho filosófico sendo concebido não mais como elaboração ‘individual’ de conceitos sistematicamente coerentes, mas, além disso, e sobretudo, como luta 36 BURGIO, Alberto. Gramsci Storico: Uma Lettura dei Quaderni del Carcere. Roma-Bari: Laterza, 2003. 102 cultural para transformar a ‘mentalidade’ popular e difundir as inovações filosóficas (Q 10, II, § 44, p. 1330) que se mostraram verdades no decurso da história, na medida em que se concretizaram, filologicamente socializadas e universais. A transformação da mentalidade popular tem como tese e lugar-comum a afirmação de que “todos os homens são ‘filósofos’” (Q11, § 12, p. 1375). Pelo processo de “historicização” das filosofias, busca-se o nexo histórico entre os cientistas especializados e a realidade histórica. Nesta análise, identifica-se na obra do filósofo aquilo que é “social” e o que “restou” enquanto “filosofia”. Gramsci reivindica e justifica tal posição mental da seguinte maneira: Após ter distinguido o que é social ou “histórico” em uma determinada filosofia, o que corresponde a uma exigência da vida prática, a uma exigência que não seja arbitrária e cerebrina (e, por certo, nem sempre é fácil esta identificação, sobretudo se tentada de uma forma imediata, isto é, sem um distanciamento suficiente), após isto se deverá valorizar este “resíduo”, que, aliás, não será tão grande como parecia à primeira vista (Q 10 II, § 31, p. 1272-1273). A crítica do autor dos Cadernos à política das filosofias e dos filósofos profissionais denota o esvaziamento da própria filosofia como uma atividade intelectual. Não basta reconhecer que nessa atividade a “filosofia espontânea” é o progresso, mas também é o devir da história da filosofia ou de alguns filósofos individuais. O que está em jogo nessa conclamação gramsciana é a praticidade da atividade intelectual, isto é, o elemento ético da filosofia. Dentre os três momentos que compõem o campo hegemônico, Gramsci está discutindo as relações de força no campo da estrutura. A distinção metodológica pode induzir ao erro entre estrutura e superestrutura. No entanto, para o marxista sardo, a atividade intelectual, isto é, a filosofia, é parte da estrutura ontológica de todo ser humano. Como nenhum ser humano pode negar a sua atividade intelectual exteriorizada no pertencimento a uma determinada concepção de mundo, pois independe da sua vontade, é objetiva e pode ser mensurada pelo conjunto de sistemas que forma as relações humanas, isto é, na histórica concreta. Com base no grau de desenvolvimento das forças materiais de produção, têm-se os agrupamentos sociais, cada um dos quais representa uma função e ocupa uma posição determinada na própria produção. Esta relação é o que é, uma realidade rebelde: ninguém pode modificar o número das empresas e de seus empregados, o número de cidades com sua dada população urbana, etc. Este alinhamento fundamental permite estudar se existem na sociedade as condições necessárias e suficientes para uma sua transformação, ou seja, permite verificar o grau de realismo e de viabilidade das diversas ideologias que nasceram em seu próprio terreno, no terreno das contradições que ele gerou durante seu desenvolvimento (Q 13, § 17, p. 1583). 103 A atividade intelectual é o elemento insurgente, que dá materialidade ao conjunto das relações sociais. No entanto, algumas dessas relações são necessárias e outras são voluntárias. Enquanto relações necessárias, o conhecer parte da atividade humana em interferir mais ou menos no modo pelo qual as necessidades podem ser modificadas. “As próprias relações necessárias, na medida em que são conhecidas em sua necessidade, mudam de aspecto e de importância. Neste sentido, o conhecimento é poder” (Q 10, II, § 54, p. 1345). Deve-se considerar outro elemento importante frente a essa problematização do conhecimento. Todo indivíduo é a síntese das relações existentes e da história dessas relações, conhecê-lo geneticamente implica percebê-lo como o resumo de todo o passado. Por isso, deve-se perceber a seguinte previsão: Dir-se-á que o que cada indivíduo pode modificar é muito pouco, com relação às suas forças. Isto é verdadeiro apenas até certo ponto, já que o indivíduo pode associar-se com todos os que querem a mesma modificação; e, se esta modificação é racional, o indivíduo pode multiplicar-se por um elevado número de vezes, obtendo uma modificação bem mais radical do que à primeira vista parecia possível (ibidem, p. 1346). Desse modo, pela associação o indivíduo é parte do gênero humano, participa de múltiplas maneiras de se relacionar com a natureza, com o mundo e com ele mesmo. Gramsci subverte a ideia de técnica. Afirma que “deve-se entender não só o conjunto de noções científicas aplicadas na indústria como habitualmente se entende, mas também os instrumentos ‘mentais’, o conhecimento filosófico” (ibidem, p. 1346). Portanto, o conhecimento filosófico é uma relação necessária a todo ser humano. Considerando que o modo de pensar envolve uma determinada técnica, seria possível separar o fato técnico do fato filosófico? É possível, mas só com finalidades práticas e didáticas. E, de fato, deve-se notar a importância que tem a técnica do pensamento na construção dos programas didáticos. E não é possível comparar a técnica do pensamento com as velhas retóricas” (Q 11, § 44, p. 1464). A importância da técnica está em oferecer critérios de juízo e de controle, principalmente as distorções, isto é, os preconceitos presentes no modo imperativo de pensar do senso comum. O modo de perceber do senso comum se distingue dos organismos supra-individuais. A não organicidade do senso comum está intimamente conectada à ausência de significação mecanicista e determinista. E Gramsci reage da seguinte maneira: É necessário elaborar uma doutrina na qual todas estas relações sejam ativas e dinâmicas, fixando bem claramente que a sede desta atividade é a consciência do 104 homem individual que conhece, quer, admira, cria, na medida em que já conhece, quer, admira, cria, etc.; e do homem que se concebe não isoladamente, mas repleto de possibilidades oferecidas pelos outros homens e pela sociedade das coisas, da qual não pode deixar de ter um certo conhecimento (Q 10, II, § 54, p. 134). Na disputa pela atividade intelectual entre especialistas e o senso comum, determinadas ideologias e movimentos culturais desenvolvem a perspectiva política de que tais atributos eram expressos por divindades ou de forma especulativa e metafísica. À grande maioria da massa humana lhes é negado o conhecimento, no entanto, no próprio fato do negar há conhecimento por um determinado grupo social ou de castas. Assim, o momento seguinte se concretiza na relação das forças políticas que disputam a atividade intelectual enquanto poder. Nele, é possível avaliar o “grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização alcançado pelos vários grupos sociais” (Q 13, § 17, p. 1583). No interior desse momento há graus diferenciados, expressões das disputas que a consciência política coletiva travou na história precedente e no concreto existente. O econômico-corporativo é o primeiro e mais rudimentar grau do exercício da solidariedade entre os pares, isto é, “sente-se a unidade homogênea do grupo profissional e o dever de organizá-la, mas não ainda a unidade do grupo social mais amplo” (ibidem, p. 1583). Esse grau refere-se à força das mitologias e das religiões e mais especificamente à Igreja Católica. Dada a perspectiva heteronômica das forças, o indivíduo sente-se impulsionado ao dever ser, isto é, uma ética deontológica, sendo o sistema kantiano o mais refinado. Especialmente a concepção cristã de mundo, hegemônica durante o período da cristandade, manteve a unidade ideológica do bloco social com base na “necessidade de uma união doutrinária de toda a massa ‘religiosa’ e lutam para que os estratos intelectualmente superiores não se destaquem dos inferiores” (Q 11, § 12, p. 1381). No subparágrafo 20º. Gramsci compara as necessidades da concepção mecanicista e do cristianismo. Quando à função do cristianismo, o artigo de 15 de março de 1932 da Civilità Cattolica assim explicita: A fé em um porvir seguro, na imortalidade da alma destinada à beatitude, na certeza de poder atingir o eterno gozo, foi a mola propulsora para um trabalho de intenso aperfeiçoamento interno e de elevação espiritual. O verdadeiro individualismo cristão encontrou nisso o impulso para as suas vitórias. Todas as forças do cristão foram concentradas em torno a este nobre fim. Libertado das flutuações especulativas que lançam a alma na dúvida, e iluminado por princípios imortais, o homem sentiu renascer as esperanças; certo de que uma força superior o sustentava na luta contra o mal, ele fez violência a si mesmo e venceu o mundo (ibidem, p. 1389). Essa diretriz ideológica determinou o constante trabalho da Igreja para manter a unidade “oficial” entre “intelectuais” e as “almas simples”, houve críticas desgastantes ao 105 sistema, gerando lutas ao longo de todo o processo histórico, o que transformou a perspectiva de comunidade em sociedade. No § 12 do Q 11, Gramsci nomeia as forças em relação para o caso da Igreja Católica. Por um lado, denota o esforço em demonstrar pedagogicamente a importância da “filosofia espontânea” na configuração da atividade intelectual, por outro, a nomeação dos atores sociais em disputa em identificar e perceber o movimento de expressão social de tais forças. Por isso, não existe uma classe destacada de intelectuais ou que não tende a formar seus próprios intelectuais. Há uma determinada consciência de solidariedade que todo grupo social necessita para manter a unidade ideológica da sua concepção de mundo. Um movimento claro da consciência de solidariedade com o grupo social é a feroz crítica do marxista sardo que desfere ao fascismo e seus intelectuais. O discurso apontava para os movimentos que aconteceram em escala europeia e sua fragilidade para elevar a cultura e a concepção de mundo dos “simples”. Aparenta que o movimento do pensar de Gramsci muda de direção. Está adensando a reflexão sobre o problema do acesso e formação cultural do homem “simples”. Aponta o movimento de mudança. No contexto escolar daquele momento histórico italiano, os pedagogos, ainda que ateus, não fizeram um esforço significativo para encontrar outra perspectiva pedagógica, que não a religião. Para Gramsci, há mérito nisso? Onde esteja o mérito é difícil de compreender. Mérito de uma classe culta, por ser sua função histórica, é dirigir as massas populares e desenvolver seus elementos progressistas; se a classe culta não for capaz de imprimir sua função, não se deve falar em mérito, mas em demérito, isto é, a imaturidade e fraqueza íntima (Q 19, § 28, p. 2053). Não há demérito nas atividades escolares do modo liberal, pois desenvolvem os mecanismos necessários da hegemonia liberal dos intelectuais. No interior da atividade escolar há diferentes graus e possuem significado, também econômico, para a intelectualidade dos diversos níveis. Para Gramsci, a questão da escola é de fundamental importância para a construção da hegemonia e apresenta a seguinte fundamentação: A hegemonia de um centro diretivo sobre os intelectuais afirma-se através de duas linhas principais: 1) uma concepção geral de vida, uma filosofia, a qual ofereça aos seguidores uma “dignidade” intelectual que dê um princípio de diferenciação e um elemento de luta contra as velhas ideologias coercivamente dominantes; 2) um programa escolar, um princípio educativo e pedagógico original, que alcance e dê uma atividade própria, em seu campo técnico, àquela fração dos intelectuais que é a mais homogênea e a mais numerosa (os educadores, desde o professor primário até os da universidade) (Q 19, § 27, p. 2047). 106 Dessa maneira, os intelectuais mantêm a unidade ideológica da classe à qual pertencem, por manterem contato com os intelectualmente subalternos. Por outro lado, [...] os intelectuais da classe historicamente (e realisticamente) progressista, nas condições dadas, exercem um tal poder de atração que terminam, em última análise, por subordinar a si os intelectuais de outros grupos sociais (Q 19, § 24, 1584), gerando um sistema de solidariedade junto à intelectualidade das demais classes subalternas. O elemento comum não é mais a defesa dos interesses das classes a que pertencem. Os elos são estabelecidos de forma psicológica e por atribuições de ordem técnica, jurídica, corporativa, entre outros aspectos. Além desses aspectos relacionais que os intelectuais estabelecem entre si e com os simples, Gramsci demonstra que a relação entre a filosofia “superior” e o senso comum é afirmada pela política. A perspectiva de política desenvolvida pela Igreja é distinta do marxismo. Enquanto que a Igreja corrigia as rupturas entre massa e intelectuais produzindo movimentos populares religiosos e os absorvia, fixando sua atividade científica, oposta é a posição da filosofia da práxis. Ela forja um bloco intelectual-moral, abrindo caminho para o progresso político-intelectual de classe. Entretanto, a filosofia da práxis concebe o homem como um conjunto de relações sociais, ativo e em permanente movimento, aberto para a possiblidade de reduzir as barreiras da necessidade e ampliando sua liberdade, isto é, sua vontade concreta. O homem ativo de massa cria sua própria personalidade com base nos seguintes elementos: 1) dando uma direção determinada e concreta (“racional”) ao próprio impulso vital ou vontade; 2) identificando os meios que tornam esta vontade concreta e determinada e não arbitrária; 3) contribuindo para modificar o conjunto das condições concretas que realizam esta vontade, na medida de suas próprias forças e de maneira mais frutífera. O homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos puramente subjetivos e individuais e de elementos de massa e objetivos ou materiais, com os quais o indivíduo está em relação ativa (Q 10, II, § 48, p. 1338). A previsão de homem da filosofia da práxis é antitética à concepção religiosa do cristianismo e também ao positivismo. O cristão exercitava a iluminação interior do homem e o positivismo punha no ‘melhoramento’ ético a síntese ilusória da individualidade humana. A filosofia da práxis encontra na transformação do mundo exterior e no conjunto das relações o fortalecimento e o desenvolvimento do próprio homem. Gramsci conclui a reflexão afirmando que “é possível dizer que o homem é essencialmente ‘político’, já que a atividade para 107 transformar e dirigir conscientemente os outros homens realiza a sua ‘humanidade’, a sua ‘natureza humana’” (ibidem, p. 1338). ________________________ 108 CAPÍTULO III A Edificação do § 12 no Caderno 11 Considerando a fecundidade do trabalho filosófico no Q 11, objetiva-se nesta pesquisa, analisar de maneira mais detida o parágrafo 12, isto é, o texto que compõe o núcleo central deste segundo Caderno monográfico. Nele, Gramsci apresenta claramente a preocupação com a atividade intelectual das classes subalternas. Nessa perspectiva, assume o desafio de inovar a filosofia a partir do senso comum e demonstra passo a passo um projeto de elevação cultural dos subalternos. Frente às inúmeras interpretações especulativas do tema, o marxista sardo amplia e aprofunda a perspectiva de filosofia desenvolvida originalmente pelos fundadores do materialismo histórico. Neste sentido, a pesquisa abordará a partir do movimento textual as indicações de uma nova gênese, o borbulhar de temáticas no interior da nota 12 do Q 11 e, especificamente, visa demonstrar o problema da configuração da filosofia da práxis após Marx. Motivado pelos recentes desdobramentos da filosofia da práxis, o autor dos Cadernos elabora, na sua oficina, armas ideológicas mais depuradas e decisivas para a construção de um novo tipo de sociedade. Nela, está debruçado sobre o ponto fundamental do seu trabalho: “como nasce o movimento histórico com base na estrutura?” (Q 11, § 22, p. 1422). Reportase à história do marxismo e em Plekhánov percebe que tal questão já fora assinalada. O Ensaio Popular é analisado detidamente, criticado em muitos momentos ao longo do Q 11, tendo em vista o refinamento das armas ideológicas e da própria linguagem do marxismo. Por isso, os termos não possuem os mesmos conceitos frente a distintas perspectivas de filosofia, tanto das tradicionais quanto do materialismo histórico. Neste sentido, há uma nova gênese textual em Gramsci no § 12, como nos parágrafos seminais. Daí a necessidade de se demonstrar a ordenação dos textos A num único texto C. Como Gramsci “costura” uma ideia à outra dentro de um movimento crescente do seu pensar? Quais são os termos que mais reincidem ao longo do “miolo” do Q 11? O texto possui uma determinada estrutura lógica e um tipo de técnica que potencializa um novo modo de pensar, bem como, na construção dos programas didáticos. Seria então possível comparar a técnica de pensamento com os velhos discursos baseados na oratória e na retórica? Gramsci faz a seguinte afirmação: 109 Estas não criavam artistas, não criavam o gosto, não forneciam critérios para apreciar a beleza: só eram úteis para criar um “conformismo” cultural e uma linguagem de conversação entre literatos. A técnica do pensamento, elaborada como tal, não criará certamente grandes filósofos, mas fornecerá critérios de julgamento e de controle, bem como corrigirá as distorções do modo de pensar do senso comum (Q 11, § 44, p. 1465). 1.3.1. Gênese Textual e Crítica Todo trabalho intelectual padece de uma reclusão consentida. No caso de Gramsci, na imposição do moderno claustro floresceram rosas. Certamente seus algozes não puderam notar, dada à impossibilidade cognitiva, um operário intelectual na sua oficina que estava a demonstrar a “futilidade do determinismo mecânico” (Q 11, § 12, p. 1388) e as necessidades do desenvolvimento histórico-filosófico global dos subalternos. O cuidado com a roseira para que pudesse florir no chão da prisão pode ser comparado ao acurado trabalho intelectual de Gramsci na produção textual. Se é verdade que toda linguagem contém os elementos de uma concepção de mundo e de uma cultura, será igualmente verdade que, a partir da linguagem de cada um, é possível julgar a maior ou menor complexidade da sua concepção de mundo (Q 11,, p. 1377). Por isso, é imperativo examinar a produção textual do nosso pensador e explicitar a concepção de mundo, bem como a demonstração pedagógica da necessidade filosófica da massa popular. Na segunda parte do Q 11, intitulada Apontamentos para uma Introdução e um Encaminhamento ao Estudo da Filosofia e da História da Cultura, demonstra a intencionalidade da produção textual, ao utilizar quatro verbos de ação antes de explicitar os temas centrais da pesquisa. Na redação do título está expresso o tipo de orientação da pesquisa científica em curso. Deve-se tomar cuidado com a redação do texto de Gramsci. Para ele a “identidade de termos não significa identidade de conceitos” (Q 11, § 16, p. 1410). Na medida em que a redação do nosso pensador faz emergir a perspectiva filosófica do subalterno, esboça um “novo modo de pensar” (Q 11, § 44, p. 1462), também vincula uma “nova técnica” (ibidem, p. 1462) de construção textual. Essa questão não passa pelo controle metodológico dos conceitos, mas se trata de verificar com rigor a seguinte perspectiva que está na gênese textual: Esta exigência metodológica que é tão mais viva quanto mais a referência subentendida é feita não para os intelectuais e para as chamadas classes cultas, mas para as massas populares incultas, para as quais é ainda necessária a conquista da lógica formal, da mais elementar gramática do pensamento e da língua. Poderá 110 surgir a questão do lugar que uma tal técnica deve ocupar nos quadros da filosofia da ciência (ibidem, p. 1464). O Gramsci filólogo chama atenção para a unidade e coerência da língua. Os verbos “apontar”, “introduzir”, “encaminhar” e “estudar”, que antecedem os três temas tratados ao longo da nota 12 do Q 11, delimitam a postura da ciência. Mas, romper com o sistema gramatical taylorista e o autodidatismo, os termos gramaticais devem ser inseridos no quadro da história. Por isso, toda expressão linguística está intimamente conectada à consciência [...] de que o fato linguístico, como qualquer outro fato histórico, não pode ter fronteiras nacionais estritamente definidas, mas que a história é sempre ‘história mundial’ e que as históricas particulares vivem somente no quadro da história mundial (ibidem, p. 2343). Nesse movimento filológico entre o particular e o universal dos quatro verbos, explicita que a orientação cultural possui determinada intencionalidade. No entanto, “deve-se notar como o povo não se empenha em decorar bem estas palavras, que são frequentemente extravagantes, antiquadas, barrocas, mas as reduza a ladainhas cuja única utilidade é recordar o motivo musical” (Q 29, § 3, p. 2345). Por isso, Gramsci faz a seguinte afirmação: Quem fala somente o dialeto ou sempre compreende a língua nacional em graus diversos participa necessariamente de uma intuição do mundo mais ou menos restrita e provinciana, fossilizada, anacrônica em relação às grandes correntes de pensamento que dominam a história mundial. Seus interesses serão restritos, mais ou menos corporativistas ou economicistas, não universais (Q 11, § 12, p. 1377). Elaborar conceitos mais universais é a grande tarefa da filosofia da práxis. Elabora um tipo de linguagem ativa e crítica, no caso dos conceitos de filosofia, história e cultura. Se, por um lado, o texto dirige-se para o subalterno, que não quer ser adotado, mas faz-se perceber, resolve ativar sua inteligência na filosofia, na história e na cultura, por outro lado, “deve sempre valer o princípio de que as ideias não nascem de outras ideias, de que as filosofias não são geradas por outras filosofias, mas que elas são a expressão sempre renovada do desenvolvimento histórico real” (Q 9, § 63, p. 1143). A demonstração da universalidade dos conceitos está especificamente naquilo em que ela transforma: 1. Estímulo para conhecer melhor a realidade efetiva num ambiente diverso daquele onde foi descoberta, residindo nisso seu primeiro grau de fecundidade; 2. Tendo ajudado e estimulado essa melhor compreensão da realidade efetiva, incorpora-se a essa realidade mesma como se fosse uma sua expressão originária. Nessa incorporação reside sua concreta universalidade, e não meramente em sua coerência lógica e formal, nem em ser um instrumento polêmico útil para confundir o adversário (Q 9, § 63, p. 1134). Assim, a verdade de um conceito, ainda que expresso de maneira abstrata, “deve sua eficácia ao fato de ter sido expressa nas linguagens das situações concretas particulares: se 111 não é expressável em línguas particulares, é uma abstração bizantina e escolástica, boa para o passatempo dos resumidores de frases” (ibidem, p. 1134). A verdade encontra-se nas formas de vida mais elevadas, cruciais, que sinalizam a ponta mais avançada do progresso. Se, por um lado, a filosofia da práxis combate o conceito de racionalidade como inovação na perspectiva idealista, por outro lado, a verdade racional tem sua “razão de existir, serviu de racional, “facilitou” o desenvolvimento histórico e a vida” (Q 14, § 67, p. 1727). Torna-se necessário estudar a história, as concepções de mundo e todo modo de vida, isto é, a “racionalidade” original, “e depois, reconhecida esta, propor a pergunta se em cada caso particular esta racionalidade ainda existe, na medida em que ainda existam as condições nas quais a racionalidade se baseava” (ibidem, p. 1727). Neste sentido, a palavra escrita não pode ser tomada na perspectiva “iluminista”, ao pé da letra, em si, no modo de pensar e de operar da classe dirigente. Mas, a partir da realidade das “almas simples”, que “se modifique o costume, introduzindo um modo de pensar historicista, que facilitará as mudanças de fato assim que as condições mudarem, vale dizer, que tornará menos ‘viscoso’ o costume” (ibidem, p. 1728). Por isso, Gramsci demonstra que todos os “filósofos” utilizam a própria linguagem para explicitar seus conceitos, dentro de uma determinada universalidade. 1.3.2. Disposição e Cronologia O parágrafo 12 pode ser entendido como o “miolo” do Q 11. Não é por acaso que o pensador sardo deixara uma linha em branco do seu caderno, certamente para atribuir um título posteriormente. Também é a única nota longa, que abre a primeira seção, intitulada Alguns Pontos Preliminares de Referência, situada na segunda parte dos apontamentos do segundo manuscrito monográfico. Segundo a maioria dos estudiosos da Obra carcerária de Gramsci, é a nota mais organizada e articulada de todas. Quanto à cronologia da nota 12, fora escrita por Gramsci entre junho e julho de 1932 na Casa Penal Especial de Turi. Na Nota Introdução da Ediccione Anastática, Fábio Frosini aborda com muita propriedade e amplos detalhes sobre a descrição, datação, cronologia e o conteúdo do § 12 do Q 11. Considerando a importância da palavra “filosofia” no conjunto da nota, nos seis textos A, há 33 recorrências, já no texto C, verificam-se 45 repetições. Isto é muito significativa, em se tratando da estrutura arquitetônica dos textos, tanto os seminais, quanto a Nota 12. Sustenta-se que no texto C Gramsci reproduziu mecanicamente fragmentos dos textos 112 seminais, mas também introduziu novas ideias para clarificar a perspectiva de filosofia em construção. Na gênese da nota 12 encontram-se seis manuscritos, dos quais, cinco deles são extraídos do AF III e apenas um dos Cadernos especiais. As notas obedecem ao critério de elevação filosófica e cultural do senso comum e serão utilizadas na seguinte ordem: § 204 do Q 8, § 21 do Q 10, § 213, § 220, § 169 e a § 205 do Q 8. Curiosamente, os quatro primeiros apontamentos possuem o mesmo título: Introdução ao Estudo da Filosofia. Isto sugere que o mesmo título de um texto não significa a mesma perspectiva analítica, mas a unificação das diferentes perspectivas. Já o quinto texto seminal vem intitulado Unidade da Teoria e da Prática e, o último, Determinismo Mecânico e Atividade-Vontade. Todos esses textos foram escritos entre novembro de 1931 e junho de 1932 (anexo II). A própria Edição Gerratana fez referência aos textos com a seguinte ordenação: “Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 63bis - 64, 67 bis - 68 bis, 72 bis - 73 bis, 51 bis - 52, 64 - 64 bis; e Quaderno 10 (XXXIII), p. 6a.” (Q 11, p 1395). Por isso, verifica-se nos AF III a fecundidade da produção intelectual de Gramsci, quando utiliza cinco notas, as quais formam construídas a partir dos critérios da Teoria da história e da historiografia, para propor uma intervenção direta no senso comum. Esse movimento do pensar exigiu certamente um profundo esforço do autor dos Cadernos. Ainda nesta linha de raciocínio, na Terceira Série das Notas de Filosofia, verifica-se a seguinte ponderação: É preciso reconhecer os esforços de Croce para vincular à vida a filosofia idealista; e, entre as suas contribuições positivas ao desenvolvimento da ciência, deve ser incluída a sua luta contra a transcendência e a teologia, nas formas peculiares ao pensamento religioso-confessional. Todavia, não se pode admitir que Croce tivesse realizado consequentemente a sua intenção: a filosofia de Croce permanece uma filosofia “especulativa”, existindo nela não apenas traços de transcendência e teologia, mas toda a transcendência e a teologia, apenas liberadas da mais grosseira ganga mitológica (Q 8, § 224, p. 1082). Não só criticou o idealismo de Croce, como também, a metodologia mecanicista utilizada por Bukhárin ao longo do Ensaio Popular, considerando o esquecimento da dialética e do senso comum. A nota 12 do Q 11, em parte, é uma resposta à perspectiva metodológica idealista e mecanicista, cujo ponto de partida é a Teoria da história e da historiografia. Todavia, o texto C não parte da Teoria da história e da historiografia, mas da realidade do senso comum, isto é, do subalterno. A própria escolha dos textos C, como elementos basilares da nota 12, parte das estratificações consolidadas na filosofia popular. Os textos são postos progressiva e 113 analiticamente tanto no texto C quanto para o senso comum. Esse modo de construir o texto possibilita conduzir pela mão o “simples” e identificar o movimento percorrido pela filosofia ingênua, que necessita elevar-se culturalmente. A compreensão do movimento da escrita entre os apontamentos e a conformação do § 12, o método comparativo possibilita apreender esse processo. Neste sentido, optou-se pela fidelidade ao texto original do italiano. No texto A do Q 8, § 204, observa-se a seguinte consideração: É preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada, isto é, “participar” de uma concepção de mundo “imposta” pelo ambiente exterior, por um dos muitos grupos (e que pode ser a própria aldeia ou a província, pode se originar no vigário ou do velho patriarca, cuja “sabedoria” dita leis, na mulher que herdou a sabedoria das bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela impotência para a ação) ou é preferível elaborar a própria concepção de mundo de uma maneira consciente e crítica e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio intelecto, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do universal? Etc. (Q 8, § 204, p. 1063). No texto C, § 12, Gramsci trata da problemática da consciência ao refinar os termos da seguinte maneira: É preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção de mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos muitos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (e que pode ser a própria aldeia ou a província, pode se originar na paróquia e na “atividade intelectual” do vigário ou do velho patriarca, cuja “sabedoria dita leis, na mulher que herdou a sabedoria das bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela impotência para a ação), ou é preferível elaborar a própria concepção de mundo de uma maneira consciente e crítica e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade? (Q 11, § 12, p. 1375-1376). Na comparação dos dois textos, parte da gramática “espontânea” e pela gramática normativa torna-se possível identificar determinados aspectos significativos na estruturação dos textos A e C. O texto C vem acrescido de 42 palavras. Quanto à clareza, o texto C é superior ao primeiro texto, devido à sua precisão das palavras e síntese. Quanto ao tempo dos verbos, os dois textos mantêm a mesma coerência. Todavia, há um movimento do pensar expresso em ambos os textos, isto é, o texto muda na medida em que Gramsci define outra orientação. O trabalho intelectual não se dá por concluído ao término da nota. O nosso pensador demonstra o movimento da própria linguagem, visto que entre as notas A e o texto C, algumas ideias, termos e expressões sofreram variações. No trabalho filológico da escrita, há três tipos de variáveis que possibilitam entender a arquitetura do texto C: variáveis substitutivas, 114 destitutivas e instaurativas. Não se trata aqui de apresentar todas as variáveis contidas no § 12, mas, exemplificar, a partir dos dois textos acima, visto que se trata de uma questão central dessa nota. Quanto às variáveis substitutivas, como por exemplo, nos textos acima, a palavra “intelecto” utilizada no § 204 do Q 8, será substituída pelo termo “cérebro” no § 12 do Q 11. A mudança de orientação parte de perspectivas reais de “distinção” e “oposição”, por considerar que a palavra “inteligência” designa “faculdade de compreender, rapidez de apreensão mental, sagacidade, entendimento” (CUNHA, 1986, p. 440), enquanto que no cérebro acontece uma atividade especificamente humana. Esse tipo de atividade humana está carregado de um determinado télos. Quanto às variáveis destitutivas, Gramsci utiliza o termo “construisse” no § 204 do Q 8, e no §12 esse termo não aparece. Isso aponta para a ideia de que as mulheres bruxas não constroem suas atividades, mas as conhecem na medida em que foram introduzidas naquele ritual específico. Quanto às variáveis institutivas do texto A, ênfase para a expressão “critica” e a proposição “ser guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade” (Q 11, § 12 p. 1376). Quanto à questão da crítica, na nota C (Q 8, § 204) não aparece claramente a perspectiva de consciência, diferente no texto A, considerando o tipo de perspectiva filosófica que o pensador sardo está desenvolvendo. Na proposição, designa analiticamente demonstrar que Gramsci aponta para um ponto bem específico, a questão da autoconsciência. Além dos três tipos de variáveis encontradas de forma comparativa entre os textos A e o texto C pelos pesquisadores, Gramsci escreveu fragmentos novos ou notas, isto é, textos B para estabelecer a conexão, para “costurar” os textos A no texto C. Em outras palavras, o texto C é texto específico, que trata de questões bem determinadas, considerando a priori a quantidade de caracteres em relação aos textos seminais. Nele o nosso pensador não poupa o uso de variáveis substitutivas. Se por um lado, cada texto A fora escrito dentro de uma perspectiva que difere da lógica do texto C, por outro lado, além dessa lógica interna de ordenação dos textos A, com seus títulos e da reescrita no texto C, percebe-se que o número de páginas37 dos textos A nos manuscritos é menor que o número de páginas do texto C. Há quase um consenso entre os estudiosos de Gramsci de que a nota 12 do Q 11 é a mais organizada no campo da filosofia, todavia, o nosso pensador não cogitara a possibilidade 37 A questão do número das páginas (frente e verso) nos manuscritos fora o método instituído por Gramsci para facilitar a localização do texto e sua reescrita, com variantes institutivas, destitutivas e substitutivas. 115 de ser publicada, considerando as possíveis sistematizações que desejava realizar após sair da prisão. Não resta dúvida que, em parte, esse texto C já está sistematizado e apropriado para o estudo. Para melhor tratamento da nota 12, optou-se por subdividi-la em vinte e sete subparágrafos38 (vide anexo III), ou, do 11 bis39 ao 22. Numa análise mais atenta desse parágrafo, nota-se que há uma estrutura clara delineada já na proposição de abertura do texto. Gramsci se põe a problematizar a atividade intelectual do ponto de vista do senso comum, do preconceito. Para transformar a perspectiva da atividade intelectual, utilizou três notas (§ 204 do Q 8, § 21 do Q 10 e o § 213 do Q 8) que analisam “sistematicamente os problemas nascidos no processo de desenvolvimento da cultura geral” (Q 11, § 12, p. 1383). As notas 220, 169 e 205 do Q 8 tratam da apresentação e do empreendimento da filosofia da práxis. Do subparágrafo vigésimo primeiro ao final da nota, há seis subparágrafos inéditos. Neles, Gramsci trata da necessidade de tornar a filosofia da práxis uma ideologia. Curiosamente, quanto ao número de caracteres, o décimo nono é o mais longo, com 1062 palavras. Ele reúne, respectivamente, fragmentos das notas 169, 205 e 213 do Q 8, encerrando a reprodução dos textos A. O subparágrafo vigésimo primeiro é o mais curto, com 74 palavras de toda a nota 12 e trata da seguinte questão: Mas, a posição do calvinismo, com a sua férrea concepção da predestinação e da graça, que determina uma vasta expansão do espírito de iniciativa (ou torna-se a forma deste movimento), é ainda mais expressiva e significativa. (Sobre este assunto, consulte-se Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, publicado nos Nuovi Studi, fascículos de 1931 e ss.; bem como o livro de Groethuysen sobre as origens religiosas da burguesia na França.) (ibidem, p. 1389). Gramsci inicia o fragmento com a conjunção adversativa “mas” pela segunda vez ao longo da nota 12. Esse fragmento estabelece a conexão, isto é, não apenas reforça aquilo que estava em pauta, mas, delimita, com base em dados históricos, a versão renovada do cristianismo moderno. Trata-se de um fragmento novo, visto que não houve nenhuma citação sobre a atitude do calvinismo e do Sociólogo Max Weber. Essa mesma ideia fora desenvolvida no subparágrafo décimo segundo, anterior ao tema da filosofia da práxis, da seguinte forma: 38 O uso da palavra “subparágrafo” apresenta o limite das nomeações explicitadas pelos debatedores e tradutores da obra de Gramsci. No parágrafo 12 do Caderno 11 encontra-se mais de um parágrafo. Isto explicita o desdobramento e as articulações internas do texto C, tornando o parágrafo extenso. Essa nomenclatura visa apenas facilitar a indicação das ideias. 39 Essa forma de identificar o texto fora criada pelo próprio Gramsci, visto que favorecia o melhor trânsito entre o texto A e o texto C. 116 Mas, nesse ponto, coloca-se o problema fundamental de toda concepção do mundo, de toda filosofia que se transformou em um movimento cultural, em uma “religião”, em uma “fé”, ou seja, que produziu uma atividade prática e uma vontade nas quais ela esteja contida como “premissa” teórica implícita (ibidem, p. 1380). Comparando os dois textos, o pensador sardo inicia a questão do movimento cultural com a conjunção adversativa “mas”. Só que o ponto de análise é a fé como uma atividade prática, capaz de sedimentar a unidade ideológica em torno da doutrina religiosa católica. Não é à toa que no subparágrafo vigésimo primeiro o tema é retomado, considerando a perspectiva mais avançada do cristianismo moderno, isto é, o individualismo mais exacerbado possível impulsionado pela “fé” calvinista. Assim, o movimento do próprio texto em permanente construção ao longo da nota 12, permite a Gramsci, por um lado, demonstrar analiticamente que um estudo da filosofia passa pela exposição sistemática de problemas que surgiram no processo da história da filosofia e da cultura como um todo, por outro lado, traduzir conceitos, termos, expressões organicamente de modo que a língua possa evoluir com novos conceitos críticos. 1.3.3. O Conteúdo do Parágrafo 12 Considerando as motivações expressas no capítulo anterior sobre a motivação, a gênese e as razões, as leituras que antecederam a construção do Q 11, o conteúdo central do § 12 é a unificação da teoria e da prática. A hipótese é de que o homem ativo de massa poderia superar as duas consciências teóricas, uma implícita na sua ação e a outra explícita pela linguagem, herdada do passado e abrigada sem consciência crítica, devido à ausência de uma competente função político-filosófica, potencializando um processo de formação hegemônica. A perspectiva da unificação da teoria e prática em Gramsci vem reformulada no âmbito da história e da política, alcançando enquanto tal um valor filosófico. Também a unidade de teoria e prática não é um dado de forma mecânica, mas, um devir histórico, que tem a sua fase elementar e primitiva no sentimento de “distinção”, de “separação”, de “independência” (Q 8, § 169, p. 1041). Por isso, o desenvolvimento do conceito-fato de hegemonia, concebe para além do progresso político-prático, um grande progresso “filosófico” (cf., Q 11, § 12, p. 1385). Daí a relevância da filosofia da práxis em ser o “cerne” necessário para ordenar o senso comum do subalterno, não são poucas as questões que envolvem a direção consciente de uma política cultural. O que teria levado Henri De Man, no ensaio Il Superamento del Marxismo, à “refutação peremptória e radical da filosofia da práxis?” (Q 8, § 167, p. 1041). 117 A resposta a tal oposição ao marxismo, o pensador sardo encontra em Marx. O fundador da filosofia da práxis afirma que os homens adquirem consciência de sua posição social no terreno da superestrutura, isto é, na ideologia. Por acaso, há que se excluir o proletário deste modo de tomar consciência de si? (cf., Q 11, § 66, p. 1505). Durante o processo de construção do § 12, o marxista sardo demonstra a preocupação com o salto do determinismo para o ativismo, isto é, a subordinação da filosofia à política. Em outras palavras, Stalin reivindica uma estreita funcionalidade da filosofia durante o processo da Revolução Cultural na Rússia. No entanto, o autor dos Cadernos contesta tal posicionamento político e afirma: [...] a autoconsciência histórica significa a criação de uma elite de intelectuais: uma ‘massa’ não se ‘distingue’ e não se torna ‘independente’ sem organizar-se e não existe organização sem intelectuais, isto é, sem organizadores e dirigentes (Q 8, § 169, p. 1041). A filosofia da práxis estuda, por um lado, no plano analítico, a Teoria da história e da historiografia, por outro lado, no plano sintético, aplica objetivamente a inteligência no fazer/saber do homem. Possui a tarefa histórica de modificar [...] as fases culturais precedentes, etc. Na realidade, a filosofia da práxis trabalhou sempre no terreno que De Man acredita ter descoberto, mas trabalhou buscando inová-lo, não conservá-lo passivamente (Q 11, § 67, p. 1505). O marxismo, enquanto filosofia luta incessantemente por inovar as representações ideológicas da massa, fornece armas capazes de desenvolver uma vontade coletiva que a torna protagonista nas relações de força atuais. Essa vontade coletiva se sustenta pela interação mediada pela política. Somente a política é capaz de por em confronto o modo de pensar tradicional e a relação social atual. A nota 12 do Q 11 esboça um programa pedagógico de elevação cultural da massa, como Introdução à filosofia enquanto projeto coletivo, passível de universalização e “massificação”. Segundo Frosini (2012), toda essa reflexão de Gramsci está perpassada pela relação entre práxis, ideologia e verdade, iniciada no AF I e que se desdobra neste programa pedagógico (cf., Frosini, 2012, mimeografado). No interior deste programa de elevação cultural dos “simples”, o texto demonstra uma série de termos, conceitos e expressões que reincidem40. A partir das várias questões que perpassam a nota 12 e deste quadro demonstrativo, torna-se imprescindível preparar o terreno 40 Ver Anexo IV, ao fim desta Tese. 118 para bem fundamentar a configuração da filosofia da práxis e a relação orgânica entre subalternos e seus intelectuais. A grande novidade registrada no Q 8 é o propósito de uma determinada especificidade e funcionalidade em que se dá à filosofia em dois níveis. A filosofia da práxis é “atual” e real, enquanto atua sobre o senso comum, por reorganizá-lo com base numa relação de hegemonia no existente. Sendo a filosofia uma intervenção prática, pode-se afirmar que todos os homens são irrequietos na medida em que participam das relações sociais na história. Se, por um lado, há os que fazem por fazer, isto é, os cegamente ativos, por outro lado, não há como negar a atividade intelectual, inclusive dos diletantes. O senso comum dos “especialistas” se contrapõe ao senso comum das massas por ostentar a atividade intelectual mal aprendida, visto que a maioria estará “naturalmente” fadada à atividade manual? A tentativa de controle da “atividade intelectual” exercido pelos mais “esclarecidos” ou grupos sociais mais cultos, não quer dizer que na massa tal atividade tenha desaparecido. Há uma tentativa de engessar a massa e Gramsci faz a seguinte ponderação: Pode-se dizer que a irrequietude é devida ao fato de que não existe identidade entre teoria e prática, o que significa ainda que existe uma dupla hipocrisia: ou seja, agese, mas, na ação, há uma teoria ou justificação implícita que não se quer confessar, e ‘confessa-se’, ou seja, afirma-se uma teoria que não tem uma correspondência na prática. Este contraste entre o que se faz e o que se diz produz irrequietude, isto é, descontentamento, insatisfação (Q 14, §58, p. 1717). Além dessa dupla hipocrisia, busca-se fundamentar determinadas posições cuja causalidade é fictícia, com predomínio da concepção mitológica, visto que não há justificativas e nem explicações plausíveis. O homem de ação não se conecta imediatamente com o predomínio da atividade intelectual, mas ele almeja tal atividade. Verifica-se a seguinte complexidade na questão: O que agrava a situação é que se trata de uma crise cujos elementos de resolução são impedidos de se desenvolverem com a celeridade necessária; quem domina não pode resolver a crise, mas tem o poder de impedir que outros a resolvam, isto é, tem só o poder de prolongar a própria crise (ibidem, p. 1718). Os intelectuais são devedores de determinadas responsabilidades. A ausência de coerência e unidade entre os próprios intelectuais e com a massa gera profunda hipocrisia e contraste entre o agir e o pensar. É inevitável e [...] necessário para que os elementos reais da solução se preparem e se desenvolvam, dado que a crise é de tal modo grave e requer meios tão excepcionais 119 que só quem viu o inferno pode decidir-se a emprega-los sem tremer e hesitar (ibidem, p. 1718). Entretanto, seria possível estabelecer um critério unificador capaz de caracterizar as mais variadas e diversas atividades intelectuais? Quando se busca definir determinada atividade intelectual segundo o que lhe é intrínseco, comete-se um erro metodológico. Devese compreender tal atividade no “conjunto do sistema de relações no qual estas atividades (e, portanto, os grupos que as personificam) se encontram no conjunto geral das relações sociais” (Q 12, § 1, p. 1516). Pelo trabalho, o subalterno não realiza apenas uma atividade especificamente manual ou instrumental (intelectual), mas, está a trabalhar dentro de determinadas condições e relações sociais. A pura ação física não determina a totalidade, o homem. Assim, o homem de massa ativo opera praticamente, no entanto não possui a clareza teórica da sua ação, dado que o seu conhecimento do mundo acontece na medida em que o transforma. Esse, com o conhecimento que está presente no senso comum, necessita historicamente ser tensionado. Mesmo que a atividade intelectual fora refém de determinados grupos sociais em “épocas normais”, Gramsci demonstrará no § 12 do Q 11 que todos os homens são ativos intelectualmente, isto é, são portadores da atividade intelectual. 1.3.4. A Peculiar Estrutura do Parágrafo 12 Esse é um dos poucos parágrafos em que o método de investigação e o método de exposição aparecem separados um do outro, pois no decorrer da escrita, percebe-se que há uma estrutura e uma clara intenção para o seu manuseio. Nele, há um fio condutor que tem como finalidade o estudo do “senso comum” e a aproximação do autêntico pensamento de Gramsci. O texto denota que houve uma concentração de energia, justificada pela urgência do movimento real da conjuntura filosófico-político-econômica, com base no que já foi citado. O marxista sardo centraliza no título da segunda parte de apontamentos do Q 11 toda a reflexão antecedente sobre o materialismo histórico sob a forma de Apontamentos para uma Introdução e um Encaminhamento ao Estudo da Filosofia e da História da Cultura. O texto resgata uma inspiração da sua juventude, segundo a qual o socialismo necessitava de uma filosofia da ação e da liberdade, como também uma grande “reforma” do modo de pensar do senso comum, reunindo armas ideológicas suficientes para que a classe operária adquirisse uma mentalidade de classe dirigente. Essa ideia aparece implicitamente no ano de 1924, na terceira série do “Ordine Nuovo”, e no ano seguinte, ao desenvolver uma escola interna do 120 partido. Nesse entusiasmo, certamente fora influenciado em parte, pela Teoria do Materialismo Histórico de Bukhárin (cf., FROSINI, 2013 – mimeografado). Se, naquele momento da sua juventude, o marxista sardo pressupõe a filosofia como uma ideologia-linguagem, como algo novo e independente da vertente idealista, no § 12 a filosofia é uma atividade de crítica ao senso comum, cuja funcionalidade se realiza historicamente ao unificar teoria e prática, imprescindível para o exercício de uma determinada hegemonia. Na crescente meditação da nota, percebe-se que há três movimentos bem definidos, num crescente processo de elaboração textual. No primeiro movimento, Gramsci demonstra a necessidade da atividade intelectual e a importância da política em “épocas normais”. No segundo, fundamenta a necessidade da filosofia da práxis e seu embate com a religião. E, por fim, apresenta os elementos necessários para unificar a teoria e a prática. Essas etapas serão mais claras na medida em que forem situadas ao longo dos subparágrafos. Entre o primeiro subparágrafo e o décimo quarto, a atividade intelectual, isto é, a filosofia, é assentada como uma atividade crítica pelo autor dos Cadernos. Tem, como pano de fundo, o difícil fato e a contestação de ser uma atividade intelectual restrita a determinadas categorias. A tese de que todo homem é um ser ativo intelectualmente, demonstra implicitamente que a grande maioria das pessoas encontra-se no nível do senso comum, isto é, são portadores de uma “filosofia espontânea”. Não é atoa que ao longo do § 12 há 17 reincidências da palavra atividade e 33 repetições do termo intelectual. Na medida em que o homem se depara com o problema da crítica e da consciência, verifica-se no texto que o pensador sardo abre quatro notas, que não aparecem nos textos C, para fundamentar uma nova perspectiva de filosofia. Essa filosofia está conectada com o senso comum e a religião. Esses níveis de conhecimento se relacionam pela política. Sendo a política a expressão prática do ser humano, Gramsci demonstra que na história precedente houve “o contraste entre o pensar e o agir, isto é, a coexistência de duas concepções de mundo” (Q 11, § 12, p. 1370). A escolha desta ou daquela concepção é também um fato político. Verifica-se que o conceito de política no texto é tensionado pelo nosso pensador a todo o momento. Para se compreender o movimento de uma concepção de mundo deve-se analisá-la no quadro da história da filosofia. Nesse processo filosófico e nas expressões populares, o autor dos Cadernos localiza no senso comum o núcleo sadio, “o da superação das paixões bestiais e elementares numa concepção de necessidade que fornece à própria ação uma direção consciente” (ibidem, p. 1380), que necessita de refinamento para ser unitário e coerente. 121 A transformação da filosofia num movimento cultural e a necessária formação de dois grupos bem distintos, os intelectuais e as almas simples, garantiu a hegemonia da Igreja católica durante vários séculos, bem como despertou o ensejo de outros movimentos de ida ao povo. Ao final do subparágrafo décimo terceiro, Gramsci demonstra que só através do contato entre os intelectuais e os “simples” será possível que “uma filosofia se torne ‘histórica’, depurar-se dos elementos intelectualistas de natureza individual e se transforma em ‘vida’” (ibidem, p. 1382). Essa tese é retomada e aprofundada no vigésimo segundo subparágrafo na perspectiva das massas, visto que a “filosofia não pode ser vivida senão como uma fé, [...], sobretudo no grupo social ao qual pertence” (ibidem, p. 1391). Após definir com precisão o termo “senso comum”, no décimo quinto subparágrafo, Gramsci apresenta e fundamenta a filosofia da práxis como a grande novidade, como antítese às demais concepções de mundo. Situa a política como elemento necessário para a relação entre a filosofia “superior” e o senso comum, reafirmando a tese desenvolvida no décimo segundo subparágrafo, visto que a relação entre os intelectuais e os “simples” foi garantida pela política. A filosofia da práxis é inovadora, porque transforma a dupla consciência do homem ativo de massa [...] através de uma luta de ‘hegemonias’ política, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no campo da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real (ibidem, p. 1385). A unidade de teoria e prática não pode se definida mecanicamente, mas, é parte de um movimento histórico, de superação da fase mais elementar e progride de modo a conquistar uma concepção de mundo coerente e unitária (cf., ibidem, p. 1385). Por isso, o autor dos Cadernos afirma que o “desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa, para além do progresso político-prático, um grande progresso filosófico” (ibidem, p. 1385). E o terceiro movimento do texto é o encaminhamento analítico do desenvolvimento da filosofia da práxis no século XX, a partir do décimo nono subparágrafo. Nele, Gramsci desenvolve duas questões distintas, porém, profundamente inter-relacionadas. A primeira questão é a formação tanto dos intelectuais quanto da elevação do subalterno. Parte da necessidade de colocar o problema da unificação da teoria e da prática nos quadros da história. Trata do problema da criação de uma elite de intelectuais e sua relação contraditória com a massa. Se o catolicismo criara políticos para garantir a unidade ideológica, Gramsci afirma que o partido político é o elemento prático de ligação teórica entre intelectuais e a massa atuante. Os partidos possuem a seguinte especificidade: 122 São os elaboradores das novas intelectualidades integrais e totalitárias, isto é, o crisol da unificação de teoria e prática entendia como processo histórico real; e compreende-se, assim, como seja necessária que a sua formação se realize através da adesão individual e não ao modo “laborista” (ibidem, p. 1387). A elite intelectual inova sua relação com a massa, por intermédio “de uma concepção implícita na atividade humana [que] já se tenha tornado, em certa medida, consciência atual coerente e sistemática e vontade precisa e decidida” (ibidem, p. 1387). Ao percorrer esse processo, profundamente contraditório, possibilita que o “subalterno” assuma a posição de dirigente ao ser responsável pela atividade econômica de massa. Por limitar a sua fase elementar e primitiva, o subalterno “torna-se uma pessoa histórica, um protagonista; se ontem era irresponsável, já que não é mais resistente, mas sim agente e necessariamente ativo e empreendedor” (ibidem, p. 1388). Esse processo não é linear, pois depende do subalterno tornar-se dirigente e responsável. A segunda questão não aparece nos textos A. Isso denota a inovação intelectual de Gramsci no processo de produção textual. O autor dos Cadernos percebeu a necessidade de abordar o modo de praticar a filosofia, tanto pelos intelectuais quanto pelo homem do povo. Para as massas a forma racional só é decisiva secundariamente, visto que a filosofia só pode ser vivida como elemento de fé no grupo social ao qual pertence. Para que uma concepção de mundo se torne um movimento cultural, necessita empreender determinadas tarefas, como também, a “a adesão ou não de massas a uma ideologia é o modo pelo qual se verifica a crítica real da racionalidade e historicidade dos modos de pensar” (ibidem, p. 1393). Da parte dos intelectuais, o modo e a qualidade da contribuição criadora dependem da “capacidade orgânica de discussão e de desenvolvimento de novos conceitos críticos por parte das camadas intelectualmente subordinadas” (ibidem, p. 1393). Isso envolve a determinação de uma orientação de política cultural, tanto no trabalho de escavação de novas verdades, quanto no estudo concreto e no exame prático das organizações que movimentam o mundo ideológico e cultural. Por fim, Gramsci encerra o § 12 com uma nota no subparágrafo vigésimo sétimo, fazendo um elogio funesto ao “aroma” vivido pela filosofia da práxis num determinado período histórico. Destaca a posição do historiador que – “com toda a necessária distância – consegue fixar e compreender que os inícios de um novo mundo, sempre ásperos e pedregosos, são superiores à decadência de um mundo em agonia e aos cantos de cisne que ele produz” (ibidem, p. 1394). ________________________ 123 CAPÍTULO IV Uma Leitura da Filosofia da Práxis no § 12 do Caderno 11 Considerando a perspectiva filosófica dos fundadores da filosofia da práxis, Gramsci trabalha de modo incisivo para demonstrar a necessidade de suplantar a função histórica desenvolvida pela concepção mecanicista do materialismo histórico, a concepção da teoria da graça e da predestinação, dada as corrosões produzidas nas classes subalternas no decorrer das “épocas normais”. Contraditoriamente, esse processo ocorreu no conjunto das relações sociais e da necessidade histórica para a construção de uma consciência crítica, criativa e autônoma. A perspectiva da elevação filosófico-cultural do homem ativo de massa possui uma determinada especificidade e nasce da seguinte configuração: A partir do momento em que um grupo de subalterno torna-se realmente autônomo e hegemônico, suscitando um novo tipo de Estado, nasce concretamente a exigência de construir uma nova ordem intelectual e moral, isto é, um novo tipo de sociedade e, consequentemente, a exigência de elaborar os conceitos mais universais, as mais refinadas e decisivas armas ideológicas (Q 11, § 70, 1508-1509). A filosofia da práxis torna-se justificada e historicamente necessária na medida em que desenvolve um processo de educação do subalterno em sintonia com seus intelectuais, constituindo um bloco intelectual-moral. Especificamente no § 12 do Q 11 Gramsci apresenta claramente linhas para um processo de formação do homem subalterno. Trata-se de uma resposta aos mais recentes movimentos da filosofia da práxis, isto é, de uma crítica a Stalin, visto que Iosif Vissarionovitch alcançou o poder supremo desde o final da década de 1920 na União Soviética, o qual considerava a “teoria como ‘complemento’ e ‘acessório’ da prática, da teoria como serva da prática” (Q 11, § 12, p. 1386). Seu antecessor, Vladimir Ilitch Ulianov, mais conhecido por Lênin, importante líder e teórico político do marxismo do século XX, afirmara que a Revolução Cultural necessitava problematizar o próprio comunismo. Nossos discursos e artigos de hoje não são uma simples repetição do que se disse antes sobre o comunismo, pois estão ligados ao nosso trabalho diário em todos os terrenos. Sem trabalho, sem luta, o conhecimento livresco do comunismo, adquirido em folhetos e obras comunistas, não tem absolutamente nenhm valor, uma vez que não faria mais que continuar o antigo divórcio entre a teoria e a prática, esse mesmo divórcio que constituía o mais repugnante traço da velha sociedade burguesa (LÊNIN, 1967, p. 97). 124 Percebe-se neste fragmento que Ilitch aponta para a problemática da historicidade da filosofia da práxis. Gramsci afirma que a “filosofia da práxis é uma expressão das contradições históricas” (Q 11, § 12, p. 1488). Não é à toa que no último fragmento da nota 12 do Q 11, verifica-se a seguinte inquietação: “Será possível que uma nova concepção se apresente ‘formalmente’ em outra roupagem que não na rústica e desordenada da plebe?” (ibidem, p. 1394-1395). Essa interrogação está apoiada na seguinte dificuldade: Se a filosofia da práxis afirma teoricamente que toda ‘verdade’ tida como eterna e absoluta teve origens práticas e representou um valor ‘provisório’ (historicidade de toda concepção do mundo e da vida), é muito difícil fazer compreender ‘praticamente’ que tal interpretação é válida também para a própria filosofia da práxis, sem com isso abalar as convicções que são necessárias para a ação (ibidem, p. 1489). Todo o empreendimento de Gramsci nessa nota remete à necessidade de investigar o movimento histórico da atividade intelectual e o que o homem está fazendo com essa atividade. O fato de demonstrar que todos os homens são filósofos denota a existência de uma luta entre perspectivas de filosofia. Por um lado, um tipo de intelectualismo que se sustenta pelo preconceito, ao tomar para si determinadas verdades, empoderando-se da categoria de cientistas especializados e, por outro lado, uma inteligibilidade do real que inova, torna “crítica” a atividade intelectual para todo ser humano, através de uma elite de intelectuais em contato com o senso comum e as classes subalternas. A preocupação central de Gramsci é lançar os fundamentos de uma nova cultura que não invista apenas na vida individual, mas na socialização do conhecimento historicamente produzido. A originalidade de autor dos Cadernos está em afirmar um novo ponto de partida para a filosofia. Fazer filosofia a partir da filosofia primitiva implica na construção de um novo tipo de cultura e de ciência. As filosofias individuais construíram uma ciência que respondia aos seus problemas históricos. Não seria possível produzir uma nova perspectiva de mundo com o mesmo referencial teórico das filosofias individuais. Esse tipo de postura tornaria a pesquisa anacrônica. No entanto, pelo exercício da atividade intelectual o homem ativo de massa, através da filosofia da práxis, faz emergir um novo senso comum, apoiado em novas verdades e novos conceitos. Com isso o subalterno passa a assentar um tipo de conhecimento de seu interesse. Para demonstrar a validade de uma nova proposta de educação delineada pelo marxista sardo é necessário investigar a seguinte pergunta chave: o que Gramsci entende por filosofia da práxis? Neste capítulo trataremos do problema da unificação da teoria e da prática, a filosofia da práxis como método analítico da necessidade histórica da educação para o homem ativo de 125 massa, examinando os fundamentos dessa filosofia, sua caracterização histórica, princípios formadores e a necessidade histórica da real identidade subalterna. A consciência do homem individual que participa do conjunto das relações sociais escolhe e é portador de uma determinada consciência política, ainda que limitada. A vontade real e ativa pode capacitar e interferir nas relações de força que existem no interior de uma sociedade? Esse movimento possibilita ao senso comum a construção de uma identidade? De que modo o subalterno poderia ingressar numa fase subsequente e progressiva para a formação de uma autoconsciência? Há perspectivas o homem ativo de massa elaborar a sua própria filosofia? O termo “autoconsciência” deve ser tomado no contexto da escrita, pois designa o desenvolvimento político do conceito de hegemonia. O problema da unificação da teoria e da prática depende do subalterno, pois “uma parte da massa, ainda que subalterna, é sempre dirigente e responsável, e a filosofia da parte precede sempre a filosofia do todo, não só como antecipação teórica, mas também como necessidade atual” (Q 11, § 12, p. 1389). 1.4.1. O Problema da Unificação Entre Teoria e Prática O ponto de partida que estimula a investigação do marxista sardo é a filosofia primitiva, presente no senso comum. Sua reflexão concentra-se na análise e superação histórica da separação entre teoria e prática, entre atividade intelectual e atividade manual. Pelo processo de historicização, a problemática da teoria e da prática é posta no seguinte sentido: Construir, com base numa determinada prática, uma teoria que, coincidindo e identificando-se com os elementos decisivos da própria prática, coerente, eficiente em todos os seus elementos, isto é, elevando-se à máxima potência; ou então, dada certa posição teórica, no de organizar o elemento prático indispensável para que esta teoria seja colocada em ação (Q 15, § 22, p. 1780). Esse viés analítico-sintético está baseado no problema das relações entre estrutura e superestrutura. Deve-se tratar com clareza as relações de força e, fazer uma adequada análise nos quadros da história de um período específico explicitando suas relações. Gramsci relembra os dois princípios que orientam a necessária movimentação da história. Eles foram reescritos a partir do fundador da filosofia da práxis. Curiosamente o trecho marxiano está entre colchete escrito na margem do manuscrito. Esse trecho, no Prefácio ao Para a Crítica da Economia Política, fora escrito da seguinte maneira: Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contém, e jamais aparecem relações de produção novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da própria sociedade antiga as condições 126 materiais para sua existência. Por isso, a humanidade se propõe sempre apenas objetivos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, vemos sempre que estes objetivos só brotam quando já existem ou, pelo menos, estão em gestação as condições materiais para sua realização (Prefácio, Para a Crítica da Economia Política) ( MARX apud, Q 13, § 17, p. 1579). O Prefácio de 1859 possui para Gramsci um sentido metodológico incisivo para apreender as mudanças históricas. Como elemento basilar para análise, extrai-se uma série de outros princípios para o campo da metodologia da história. Para demonstrar o movimento da estrutura, faz-se necessário distinguir dois tipos de movimento: os movimentos orgânicos (relativamente constantes) dos movimentos chamados conjunturais (apresentam-se ocasionais, imediatos, quase acidentais). A relação entre os dois movimentos distintos ocorre de maneira intrínseca, sendo que os fenômenos conjunturais dependem de movimentos orgânicos. Possuem alcance e significado histórico restrito. “Eles dão lugar a uma crítica política miúda, do dia-a-dia, que envolve os pequenos grupos dirigentes e as personalidades imediatamente responsáveis pelo poder” (ibidem, p. 1579). Aqui, a palavra “movimento” foi substituída pela palavra “fenômeno”, mudou o termo, mas permanece o conteúdo. Já “os fenômenos orgânicos dão lugar à crítica histórico-social, que envolve os grandes agrupamentos, para além das pessoas imediatamente responsáveis e do pessoal dirigente” (ibidem, p. 1579). Gramsci estava atento aos recentes movimentos da filosofia da práxis sinalizado em parte pelo ensaio de Mirskij. Nele, aparece o problema do debate filosófico. Stálin reivindica o enquadramento da filosofia como subserviente à política. O trato da filosofia como “acessório”, “complemento” denota a necessidade de colocar historicamente esse aspecto da autoconsciência crítica. O significado histórico e político da criação de uma elite de intelectuais afirma a necessidade de dar organicidade de pensamento a um determinado grupo social que objetiva organizar a massa humana. Considerando que nos Cadernos a categoria de organicidade vem acompanha pelo termo “orgânico” e “conjunto orgânico”, esta expressão merece exame mais aprofundado. Gramsci a define nos seguintes termos: “Organicidade” [...] é uma contínua adequação da organização ao movimento real, um modo de equilibrar os impulsos a partir de baixo com o comando pelo alto, uma contínua inserção dos elementos que brotam do mais fundo da massa na sólida moldura do aparelho de direção, que assegura a continuidade e a acumulação regular das experiências (Q 13, 36, p. 1634). A organicidade, sendo definida pela relação a partir da massa com seus dirigentes, expressa como um “conjunto orgânico”, pois designa “um grupo social, que tem sua própria 127 concepção de mundo, ainda que embrionária, se manifesta na ação” (Q 11, § 12, p. 1379), enquanto força antagonista se movimenta de maneira incontínua e ocasional. O termo “orgânico” se opõe a “desagregado” e “ocasional”, que é a condição na qual as classes dominantes optam em benefício próprio, se organizam, enquanto a massa se torna subserviente. No entanto, a massa é portadora de determinadas concepções de mundo. Gramsci chama a atenção que, no exame de uma determinada concepção de mundo de um determinado período histórico, é necessário considerar os elementos que emergiram das contradições no interior daquela estrutura. Bem como, averiguar e identificar os mecanismos que lançaram mão da força para conservar e defender a própria estrutura. Metodologicamente, uma estrutura em crise se comporta do seguinte modo: Estes esforços incessantes e perseverantes (já que nenhuma forma social jamais confessará que foi superada) formam o terreno do “ocasional”, no qual se organizam as forças antagonistas que tendem a demonstrar (demonstração que, em última análise, só tem êxito e é “verdadeira” se se torna nova realidade, se as forças antagonistas triunfam, mas que imediatamente se explicita numa série de polêmicas ideológicas, religiosas, filosóficas, políticas, jurídicas, etc., cujo caráter concreto pode ser avaliado pela medida em que se tornam convincentes e deslocam o alinhamento preexistente das forças sociais) que já existem as condições necessárias e suficientes para que determinadas tarefas possam e, portanto, devam ser resolvidas historicamente (devam, já que a não-realização do devir histórico aumenta a desordem necessária e prepara catástrofes mais graves) (Q 13, 36, p. 1580). Através da historicização do movimento da realidade em questão, encontra-se a justa relação entre o que é orgânico e o que é ocasional ou conjuntural e o nexo dialético entre as duas ordens de movimento. A clara demonstração de fatos históricos concretos, através do uso adequado destes critérios metodológicos, amplia o seu significado e dá visibilidade didática ao processo como um todo. Gramsci descreve as forças antagonistas à classe dominante durante a Revolução Francesa e o movimento de Restauração, como “ondas” de longa duração, com a seguinte ponderação: É exatamente o estudo dessas “ondas” de diferente oscilação que permite reconstruir as relações entre estrutura e superestrutura, por um lado, e, por outro, entre o curso do movimento orgânico e o curso do movimento de conjuntura da estrutura. Assim, pode-se dizer que a mediação dialética entre os dois princípios metodológicos enunciada no início da nota pode ser encontrada na fórmula político-histórica da revolução permanente (ibidem, p. 1582). Esses dois princípios orientam o exame das concepções de mundo entre os subparágrafos nono e décimo quarto. A relação entre as concepções de mundo tem na sua base a organicidade como o elemento irradiador da reflexão gramsciana. A análise segue três 128 níveis interconectados, ao problematizar o pensamento filosófico, a solidez organizativa e a centralização cultural. A organicidade, enquanto pensamento filosófico verifica que não há uma concepção universal de filosofia. Neste caso, inverte-se a concepção determinista de filosofia, colocandoa sobre os próprios pés. Pela atividade intelectual, o homem no conjunto das relações sociais opera escolhas, objetivando a verdade. Assim, a verdadeira filosofia está no fato intelectual? Ou é o resultado de uma ação política enquanto tal e nela residiria a verdadeira filosofia? Gramsci demonstra que habitualmente na atividade filosófica coexistem duas concepções de mundo, pelo contraste entre o pensar e o agir. Uma concepção se expressa na ação concreta e a outra, explicitada pela palavra. O mais significativo desta reflexão está na afirmação da existência de um pensamento filosófico no interior do grupo subalterno. Mesmo que tome emprestado determinada concepção que não sua, por razões de submissão e subordinação intelectual, esse grupo social demonstra a sua escolha e crítica, tornando-se um fato político. Tal grupo social se movimenta como um conjunto orgânico, ainda que de modo conjuntural, expressa a sua adesão à atividade intelectual por incorporar “épocas normais”. Todavia, deve-se fixar com exatidão o que se entende por “sistema”. A elaboração analítica deve partir do quadro da história da filosofia. A solidez organizativa de uma concepção filosófica pode ser recuperada pelas expressões da linguagem coloquial. A filosofia está contida na linguagem, pois é um “museu fossilizado da vida e da civilização passada” (Q 11, § 28, p. 1438). A linguagem comum demonstra a necessidade de uma premissa eficiente e ativa, na medida em que a filosofia é tomada como convite implícito ou explícito, como para a resignação, tomada de consciência, entre outras expressões que perpassam o pensamento filosófico popular. A premissa está orientada pela concepção de necessidade que pauta a própria ação numa direção consciente. Em outras palavras: Na premissa devem estar contidas, já desenvolvidas, as condições materiais necessárias e suficientes para a realização do impulso de vontade coletiva; mas é evidente que desta premissa “material”, quantitativamente calculável, não pode ser destacado certo nível de cultura, isto é, um conjunto de atos intelectuais, e destes (como seu produto e consequências), certo complexo de paixões e de sentimentos imperiosos, isto é, que tenham a forma de induzir à ação “a todo custo” (Q 11, § 52, p. 1480). No interior dessa filosofia primitiva encontra-se uma determinada intelectualidade e a vontade. Eles compõem o elemento sadio ou bom senso, “que merece ser desenvolvido e transformado em algo unitário e coerente” (Q 11, § 12, p. 1379). 129 A organicidade como centralização cultural refere-se ao movimento de uma concepção de mundo, a qual se transformou em movimento cultural. Esse tipo de movimento cultural se constituiu pelo contraste, afirmando uma atividade prática e uma “premissa” teórica implícita. Nesse movimento ainda elementar, Gramsci chama atenção para a aplicação do conceito de “ideologia”. A unidade ideológica da concepção de mundo carecia da união doutrinária, que no caso da Igreja Católica, esta soube muito bem impedir a fragmentação entre os “intelectuais” e as “almas simples”. Os inconvenientes históricos, as corrosões e os prejuízos irreparáveis estão conectados ao processo de transformação da “comunidade” para “sociedade”. Entretanto, as filosofias imanentistas provam sua debilidade por estarem dentro da história, interpretam a luta de modo progressista ao manter uma “premissa” teórica implícita. Determinam normas de conduta não para desenvolver a história, não para retirar algo, mas para bloquear a unidade ideológica. Este tipo de comportamento objetiva o poder hegemônico de uma classe. Na história da civilização oriental, esse tipo de procedimento teórico levou ao fracasso o Renascimento, por atingir somente um grupo social culto e, em parte, a própria Reforma, devido à oposição da Igreja Católica. O idealismo também manifestou interesse pelo homem do povo ao criar Universidades Populares, expressão concreta para intervir no senso comum, isto é, de “ida ao povo”. Esses movimentos demonstraram que da parte dos “simples”, houve “um sincero entusiasmo e um forte desejo de elevação a uma forma superior de cultura e de concepção de mundo” (ibidem, p. 1382). Não resta dúvida que os elementos intelectualistas interferem no senso comum, mas só de modo exterior. Mesmo que represente um fato intelectual para o “simples”, Gramsci afirma que a unidade ideológica de um movimento filosófico, que deseja constituir um bloco cultural e social, necessita do contato entre os “simples” e os “intelectuais”, entre o pensamento superior e o senso comum. Assim, a discussão remete para um ponto em comum: “a organicidade de pensamento e a solidez cultural só poderiam ocorrer se entre os intelectuais e os simples se verificasse a mesma unidade que deve existir entre teoria e prática” (ibidem, p. 1383). Nesse viés, percebe-se que a originalidade do pensamento do autor dos Cadernos está na fundamentação de uma nova perspectiva de filosofia, isto é, uma filosofia renovada de alto a baixo, que retira de si mesma a capacidade de transformar-se, por superar a história parcial. A nova filosofia carrega em si não mais a atividade intelectual enquanto tal. Ela só pode apresentar-se em atitude polêmica e crítica, por historicizar e inovar a atividade intelectual precedente e existente. 130 Esse novo patamar da filosofia, isto é, a filosofia da práxis, relaciona-se com o problema do homem ativo de massa e não mais sobre o homem contemplativo. A atividade intelectual é superada pela atitude filosófica, carente da unidade entre teoria e prática. Gramsci percorre um caminho original ao polemizar o tema da unidade entre teoria e prática na nota 12 do Q 11 no subparágrafo décimo oitavo. Se, no movimento histórico das filosofias, a preocupação do marxista sardo era encontrar um ponto em comum, afirmar a organicidade das filosofias no seu conjunto, a partir do subparágrafo décimo quinto, o discurso volta-se para a organicidade de pensamento e a solidez cultural. O marxista sardo demonstra essa disputa nos quadros da história, diacronicamente, utilizando um discurso explicativo quanto à formação da consciência. Parte da “filologia vivente” do homem ativo de massa, possuidor da atividade intelectual. Todavia, lhe falta clareza em de fato a necessidade em conhecer os elementos constituintes da atividade intelectual. Esse homem ativo se opõe ao homem limitado na sua individualidade. Do ponto de vista “filosófico”, o que não satisfaz no catolicismo é o fato de, não obstante tudo, ele colocar a causa do mal no próprio homem individual, isto é, conceber o homem como indivíduo bem definido e limitado. É possível dizer que todas as filosofias que existiram até hoje reproduziram esta posição do catolicismo, isto é, conceberam o homem como indivíduo limitado à sua individualidade e o espírito como sendo esta individualidade. É neste ponto que o conceito do homem deve ser reformado (Q 10, § 54, II, p. 1344-1345). Gramsci situa o homem como um ser inserido numa série de relações ativas, onde sua humanidade se apresenta em cada individualidade. Os elementos constitutivos desse homem em movimento estão perpassados pelo indivíduo, os demais homens e a própria natureza. A relação com outros homens não acontece de forma mecânica, nem por justaposição, mas de modo orgânico, na medida em que participa das relações sociais, parte do mais simples ao mais complexo. A relação do homem com a natureza não ocorre exclusivamente por ter vindo dela, mas por meio do trabalho e da técnica, modifica a natureza e a si próprio. A atividade humana e a elaboração da consciência correspondem a um maior ou menor grau de “racionalidade” do homem individual em contraposição à “mística”. “Daí ser possível dizer que cada um transforma a si mesmo, modifica-se, na medida em que transforma e modifica todo o conjunto de relações de que ele é o centro estruturante” (ibidem, p. 1345). Se o homem “contemplativo” carecia da práxis, devido ao contraste entre o pensar e o agir, coexistindo duas concepções de mundo, o homem ativo possui duas consciências teóricas. A expressão “uma consciência contraditória” (Q 11, § 12, p. 1385), que aparece no texto entre parêntese, designa a situação de crise, pois se trata de uma escassez da sua própria história. Devido à atitude desse homem ativo, sua capacidade de compreensão crítica de si 131 mesmo ocorre “através de uma luta de ‘hegemonias’ políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real” (ibidem, p. 1385). O homem ativo de massa é político, isto é, toma consciência do seu agir “praticamente” numa constante disputa. Assim, a centralidade da teoria e da prática se constitui pela necessidade da consciência que o homem ativo adquira a partir da luta. Para que ele se eleve culturalmente, Gramsci aponta um caminho a seguir: É necessário elaborar uma doutrina na qual todas estas relações sejam ativas e dinâmicas, fixando bem claramente que a sede desta atividade é a consciência do homem individual que conhece, quer, admira, cria, etc. e do homem que se concebe não isoladamente, mas repleto de possibilidades oferecidas pelos outros homens e pela sociedade das coisas, da qual não pode deixar de ter um certo conhecimento (Q 10, § 54, II, p. 1346). 1.4.2. A Filosofia da Práxis como Método Analítico-Sintético A atividade intelectual de Gramsci em relação às filosofias não é uma atitude de negação ou eliminação. Ele demonstrou que há necessidade de “explicar como ocorre que em cada época coexistam muitos sistemas e correntes de filosofia, como nascem, como se difundem, por que nessa difusão seguem certas linhas de separação e certas direções, etc.” (Q 8, § 204, p. 1064). A coerência e a crítica são critérios fundamentais para fixar com precisão o significado do termo “sistema”. Esse processo deve ser produzido no quadro da história da filosofia. Está perpassado pela elaboração ocorrida com o pensamento no decurso da história e o esforço coletivo imprescindível que possibilitou a maneira de pensar no presente e no passado. No quadro da história Gramsci demonstra com precisão as contradições vividas pelo homem do povo, seu pensamento precedente/existente, configurando uma forma-mente subjulgada a determinadas classes mais elevadas culturalmente. Se no APF II verifica-se que o autor dos Cadernos imprime um modo bem original de perceber a estrutura, diferentemente na reescrita do texto, a prórpia perspectiva de homem assume um novo horizonte: Se o conceito de estrutura é concebido “especulativamente”, torna-se certamente um “deus oculto”; mas ele não deve ser concebido especulativamente, e sim historicamente, como o conjunto das relações sociais nas quais os homens reais se movem e atuam, como um conjunto de condições objetivas que podem e devem ser estudadas com os métodos da “filologia” e não da “especulação” (Q 10, I, § 8, p. 1226). 132 O método da “filologia” possibilita passar “naturalmente” do nível da experiência individual, particular, à expressão e instrumento de um organismo coletivo antitotalitário, “democrático” (cf., BARATTA, 2006, P. 11). Na reescrita da mesma ideia, verifica-se uma pequena modificação e uma ampliação [...] pela experiência dos particulares imediatos, por um sistema que se poderia dizer de “filologia vivente”. Forma-se, assim, uma estreita ligação entre a grande massa, partido, grupo dirigente e do conjunto, bem articulado, agindo como um “homemcoletivo” (Q 11, § 25, p. 1430). No entanto, BOTTOMORE (2001), no Dicionário do Pensamento Marxista, apresenta cinco tendências do significado de dialética, cada qual mais ou menos transformada no materialismo histórico. Gramsci é inserido na segunda tendência, nomeada de argumentação dialética, assim expressa: De Sócrates, a argumentação dialética é, de um lado, transformada sob o signo da luta de classes, mas de outra, continua a funcionar num certo pensamento marxista como uma norma de verdade, em “condições ideais” (em Gramsci, uma sociedade comunista; em Habermas, um “consenso sem constrangimento”) (BOTTOMORE, 2001, P. 106). Certamente há uma diferença não pequena entre Gramsci e Habermas. Aqui se faz necessário reafirmar a importância da advertência posta pelo autor dos Cadernos, na abertura do segundo manuscrito monográfico. Por isso, o método se constitui na medida em que a pesquisa progride. O modo de tratar a matéria muda na medida em que a própria matéria está em movimento. Em Gramsci é possível perceber modos distintos de lidar com a matéria. Assim, o marxista sardo demonstra a dialética na história da filosofia, mais especificamente no § 12, pois ela mesma tem raízes e condicionalmente é um agente das mudanças nas relações e circunstâncias que apresenta, constituindo-se uma dialética relacional (cf., BOTTOMORE, 2001. p. 104). Quanto ao modo de investigar e de expor o coração do Q 11, o autor dos Cadernos não faz atinar com força a diferença entre o “método de exposição” e “método de investigação”. No entanto, há dois momentos distintos entre dialética crítica e dialética sistemática. A dialética crítica pode ser caracterizada como uma operação prática na história. Forma-se pela tríplice crítica à teoria da união ideológico-doutrinária, da concepção de seus representantes, e das estruturas geradoras e relações essenciais que formam sua base. Esse processo é historicizado, ressaltado originalmente por Max Adler, o qual abordou as condições históricas de legitimidade e ajustamento prático das várias categorias, teorias e formas que são criticadas. A dialética crítica delineada pelo fundador da filosofia da práxis e 133 apropriada pelo marxista sardo pode ser delineada como uma fenomenologia dialética, empiricamente em aberto, condicionada materialmente e historicamente circunscrita (cf., ibidem, p. 104). A dialética crítica está expressa no trato da filosofia e das filosofias primitivas. Se todos os homens são filósofos, caracteriza-se tal atividade, esclarece as relações e conexões, trata da estrutura e sistematizações das filosofias, o contraste e a contradição entre o pensar e o agir, a necessidade do movimento progressivo do movimento cultural, as debilidades das filosofias e a constituição de um bloco cultural e social. No entanto, a preocupação central de Gramsci está expressa no elemento de ligação entre o final da primeira parte e o início do subparágrafo décimo quinto do texto C. Ele o faz em forma de problema: Um movimento filosófico só merece este nome na medida em que busca desenvolver uma cultura especializada para restritos grupos de intelectuais ou, ao contrário, merece-o na medida em que, no trabalho de elaboração de um pensamento superior ao senso comum e cientificamente coerente, jamais se esquece de permanecer em contanto com os “simples” e, melhor, dizendo, encontra neste contato a fonte dos problemas que devem ser estudados e resolvidos? (Q 11, § 12, p. 1382). Para o secretário do partido comunista italiano é um problema que se fazia presente na Itália, na Rússia e ao longo da história dos movimentos filosóficos que se transformaram em cultura. O mérito da cultura tem como ponto de partida a realidade objetiva, comum a todos os homens que habitam o senso comum e não a restritos grupos “cultos”. O senso comum só pode elevar-se pela elaboração intelectual e cientificamente coerente. Todavia, esse trabalho já fora realizado por determinados movimentos filosóficos, mas sem a “socialização”. No interior desse enunciado problematizador, Gramsci aponta para o “contato” entre intelectuais e o senso comum, como o ponto central do movimento filosófico. Afirma claramente que “só através deste contato é que uma filosofia se torna ‘histórica’, depura-se dos elementos intelectualistas de natureza individual e se transforma em ‘vida’” (ibidem, p. 1382). Quanto à dialética sistemática, é necessário estabelecer o nível de tratamento dado à questão. Em se tratando do seu trabalho intelectual, o autor dos Cadernos advertia para a necessidade do aprofundamento teórico. Considerava que seu acesso às fontes de pesquisa não fora eficiente, devido ao seu encarceramento. Se, por um lado, adverte aos seus leitores, por outro lado, afirma a sistematização da nota 12 e de todo o Q 11, como o mais sofisticado de toda a obra. Na sua oficina, elaborou conceitos fundamentais que se tornaram armas ideológicas, ao considerar as exigências do recente desenvolvimento da filosofia da práxis, visto que o aprofundamento da filosofia e da política ainda permanece numa fase inicial. 134 Quanto ao modo de desenvolver o pensamento do marxista sardo nessa nota, ele obedece ao princípio da comparação-historicização-demonstração do pensar precedente e do pensamento existente. Reuniu sob a expressão “filosofia espontânea” as várias concepções de mundo que evidenciavam interpretá-lo. Fundamentou uma filosofia que se basta a si mesma, isto é, uma concepção que torna o subalterno protagonista, devido à sua atitude transformadora. A comparação entre dois grandes vieses da atividade intelectual definiu que a única situação de previsibilidade é a luta, “que é, simultaneamente, a substituição do velho [pelo novo,] e, muito frequentemente, de combinação entre o velho e novo” (Q 11, § 12, p. 1390). A filosofia existente é capaz de fazer perceber que o movimento da atividade intelectual na história representou um grande progresso cultural para a classe culta e um progresso político para os “simples”. Mas, a atitude da filosofia da práxis permite à política assegurar a relação entre a filosofia “superior” e o “senso comum”. Neste encaminhamento do estudo, ainda que secundário, se alimenta e se aponta para possibilidade de elevação cultural das massas populares. Neste sentido, faz-se necessário demonstrar que entre a afirmação da atividade intelectual e a atitude filosófica, cabe apresentar a perspectiva da filosofia da práxis. 1.4.3. Atividade Intelectual e Filosofia A convicção da importância da filosofia está posta na abertura da segunda parte do Caderno 11 por Gramsci. Afirma que a filosofia é uma atividade intelectual presente em todos os homens. Há uma posição ativa que se apresenta tanto ao historicizar a filosofia, quanto aponta para um mesmo ponto e introduz uma nova posição filosófica. A posição filosófica de que o senso comum produz cultura fora tratada pelo idealismo, ênfase do pensamento alemão e de Croce. Gramsci também assume essa tese. Isto não quer dizer que haja algo em comum entre eles. Os dois primeiros caem no solipsismo ontológico presente na grande maioria dos filósofos ocidentais. Gramsci sabia, como Marx, que o único modo de vencer o solipsismo do pensamento é conjugá-lo com a socialidade da prática. Mas não somos nós, [os] filósofos e os intelectuais, que, em primeiro lugar, fazemos a prática, mas os outros, os proletários de todo o mundo, os subalternos (BARATTA, 2011, p. 164). Esse viés crítico denota um modo original de tratar a filosofia primitiva presente no senso comum. O pensar humano não acontece porque o homem é um ser racional, mas porque 135 o seu pensar se constitui na relação social, ou melhor, no conjunto das relações sociais. Posto o homem e sua atividade comum neste prisma, Gramsci revoluciona a filosofia, retirando-lhe o preconceito que outrora fora difundido. Há o deslocamento do elemento “comum” que separava, para pôr todos os homens em relação, principalmente aos que vivem “praticamente”. Gramsci concentra-se nos primeiros quatorze subparágrafos do §12 para fazer emergir da história e demonstrar que o homem se constitui pelas relações, pelo contato com os outros indivíduos e a natureza. Há uma filosofia comum e espontânea no homem simples. A problematização do termo homem denota que o marxista sardo movimenta não o termo em si, mas o seu conteúdo. Se o idealismo desconsidera a “socialidade”, entretanto é pelo princípio das relações sociais que a “filosofia espontânea” ganha uma nova configuração. Ela necessita ultrapassar a barreira do preconceito e afirmar-se enquanto filosofia, ainda que desagregada e insipiente, realizada por homens concretos e não afirmados pela história dos filósofos e da filosofia. Essa perspectiva estivera presente na análise desenvolvida pelos fundadores da filosofia da práxis. Baratta (2011) habilmente utiliza a ideia “proletários do mundo inteiro”, fazendo uma alusão direta à posição ativa de Marx e Engels no Manifesto Comunista. A teoria da “ditadura do proletariado” é uma das distinções mais evidentes dos obstáculos no horizonte do século XIX. Numa carta a Joseph Weydemeyer, em 5 de março de 1852, Karl Marx expõe sua convicção da seguinte maneira: No que me concerne, não me cabe o mérito nem de ter descoberto a existência das classes nem a da luta de classes na sociedade moderna. Muito antes de mim, historiadores burgueses tinham descrito o desenvolvimento histórico da luta de classes e economistas burgueses tinham representado sua anatomia econômica. O que eu fiz de novo foi: 1) provar que a existência das classes está ligada a determinadas fases históricas do desenvolvimento da produção; 2) que a luta de classes leva necessariamente à ditadura do proletariado; 3) que essa ditadura, ela mesma, constitui apenas a transição [Übergang] para a superação [Aufhebung] de todas as classes e para uma sociedade sem classes (apud, KONDER, 1992, p. 44). Esse relato aponta para a capacidade que Marx tinha para determinar um tipo de luta de classes bem específica, cuja base é o modo de produzir a história, a vida. Esse viés analítico é ampliado por Karl Marx no plano filosófico, no ajuste de contas tanto com o materialismo do século XVIII quanto com o idealismo dos jovens hegelianos. Elaborou teses sucintas, as quais introduzem uma nova concepção de mundo (Weltanschauung). Sobre essa questão, Michel Löwy (1970) fez a seguinte ponderação: 136 Neste sentido elas são, por assim dizer, o primeiro texto ‘marxista’ de Marx, quer dizer, o primeiro escrito onde estão esboçados os fundamentos do seu pensamento filosófico ‘definitivo’, esse pensamento que Gramsci, nos seus Quaderni del Carcere, designou pela expressão feliz de filosofia da práxis (LÖWY, 1970, p. 120). No campo filosófico, tanto Marx como Gramsci enfrentaram o idealismo e o materialismo, salvo o tempo e o nível de debate. Marx enfrenta, por um lado, o materialismo de Feuerbach, ao assegurar que não havia lugar para o prestígio de que a consciência de um ser consciente ativo, cujo modo de existir incide na intervenção transformadora sobreba realidade. Por outro lado, sustenta a seguinte análise: Os pensadores idealistas tinham sobre os materialistas a vantagem de assumir o caráter ativo do sujeito, isto é, de saber que o sujeito humano jamais se limita a constatar, de maneira pretensamente ‘neutra’, o que acontece à sua volta. Mesmo quando Kant em Crítica da razão pura tende a reduzir a atividade do sujeito a algo que se realiza apenas no plano do conhecimento (e tende a lidar com ela abstratamente), ele ao menos tem consciência de que ela é essencial (MARX apud, KONDER, 1992, p. 115). Marx supera tanto o materialismo metafísico quanto o idealismo dialético em Hegel para fundamentar concretamente um novo modo de perceber o indivíduo, a natureza e o mundo. O homem é um ser social cuja ação é práxis, isto é, uma atividade “revolucionária”, “subversiva”, “crítico-prática”. Para Gramsci o homem age “praticamente”, redefinindo a possibilidade concreta de intervenção no mundo. Essa ação direta é práxis, a atividade crítica e inovadora, isto é, “crítico-prática”. Para o fundador da filosofia da práxis, atividade é assim expressa: A práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformam-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais consequente, precisa da reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos, cortejando-os com a prática (ibidem, 1992, p. 115). Gramsci era conhecedor dessa Tese e a amplia. Seu ponto de partida é também a atividade concreta do ser humano, isto denota que o trabalho intelectual é uma atividade humana. A atividade intelectual estaria presente no homem do senso comum? Essa problemática é tratada também pelos contemporâneos de Gramsci. Para Croce, a ideia de que todo homem é um filósofo é demasiado forte. Afirma que o “senso comum é um agregado caótico de concepções disparatadas e nele se pode encontrar tudo o que se queira” (Q 11, § 13, p. 1398), desenhando uma concepção mais concretamente historicista da filosofia. E, quando, na história, se produz um grupo social uniforme, produz-se também o 137 contra o senso comum, uma filosofia uniforme. Por isso a crítica a Bukhárin é tecida do seguinte modo: Um trabalho como o Ensaio popular, destinado essencialmente a uma comunidade de leitores que não são intelectualmente de profissão, deveria partir da análise crítica da filosofia do senso comum, que é a “filosofia dos não-filósofos”, isto é, a concepção do mundo absorvida acriticamente pelos vários ambientes sociais e culturais nos quais se desenvolve a individualidade moral do homem médio (ibidem, p. 1396). O Ensaio Popular se equivoca ao tomar como ponto de partida, ainda que de forma implícita, a “filosofia dos não filósofos” em oposição aos grandes sistemas produzidos por uma elite de intelectuais e da alta cultura, conferindo-lhes a história da filosofia. A eficácia desses sistemas sobre o seu modo de agir e pensar é apenas parcial, pois estão desvinculados e não possuem pujança histórica. A influência sobre os “simples” ocorre de modo externo, como força coercitiva das classes dirigentes. Gramsci reúne a atividade e o senso comum na abertura da nota 12 sob a expressão “filosofia espontânea” (Q 11, § 12, p. 1375). E afirma o seguinte: O senso comum não é uma concepção única, idêntica no tempo e no espaço: é o “folclore” da filosofia e, como o folclore, apresenta-se em inumeráveis formas; seu apreço fundamental e mais característico é o de ser um concepção (inclusive nos cérebros individuais) desagregada, incoerente, inconsequente, conforme à posição social e cultural das multidões das quais ele é a filosofia ( Q 11, § 13, p. 1396). No plano filosófico, é “folclore” da filosofia e é atividade pela intelectualidade que reside no senso comum. Gramsci não permanece nessa brilhante conclusão. Problematiza-a procurando perceber no interior do próprio senso comum um fermento vital de transformação implícita naquilo que as massas pensam. Ainda que predominem no seu interior elementos “realistas”, concretos, ninguém pode se elevar intelectualmente por si só. Somente pela socialidade, isto é, pelo contato entre os “simples” e os que desenvolveram a atividade intelectual poderá criar outras normas de conduta. Essa perspectiva analítica da “filosofia espontânea” fica mais clara se comparada à atitude da filosofia da práxis segundo o subparágrafo décimo quinto. Enquanto as filosofias se preocuparam em controlar o senso comum e produziram um ativismo mecanicista, a filosofia da práxis é a única capaz de se apresentar em atitude de luta e crítica, por inovar a atividade intelectual presente no senso comum. A filosofia da práxis, como coroamento e superação da história precedente, encontra sua argumentação nos seguintes elementos: 1) Hegemonia da cultura ocidental sobre a toda a cultura mundial. Mesmo admitindo que outras culturas tiveram importância e significação no processo de unificação “hierárquica” da civilização mundial (e, por certo, isto deve ser admitido inequivocamente), elas tiveram valor universal na medida em que se tornaram 138 elementos constitutivos de uma cultura européia, a única histórica ou concretamente universal, isto é, na medida em que contribuíram para o processo do pensamento europeu e foram por ele assinaladas. 2) Mas também a cultura europeia sofreu um processo de unificação e, no momento histórico que nos interessa, culminou em Hegel e na crítica ao hegeliano. 3) Dos dois primeiros pontos, resulta que se leva em conta o processo cultural que se encarna nos intelectuais; não cabe tratar das culturas populares, para as quais é impossível falar de elaboração crítica e de processo de desenvolvimento. 4) Tampouco se deve falar dos processos culturais que culminam na atividade real, como se verificou na França do século XVIII; ou, pelo menos, só se deve falar deles em conexão com o processo que culminou em Hegel e na filosofia clássica alemã, como uma comprovação “prática”, no sentido já várias vezes e alhures mencionado, a saber, no da recíproca tradutibilidade dos dois processos, um, o francês, políticojurídico, o outro, alemão, teórico-especulativo. 5) Da decomposição do hegelianismo resulta o início de um novo processo cultural, de caráter diverso dos precedentes, isto é, no qual se unificam o movimento prático e o pensamento teórico (ou buscam unificar-se, através de uma luta teórica e prática). 6) Não é relevante o fato de que este novo movimento tenha seus berço em obras filosóficas medíocres, ou, pelos menos, não em obras-primas filosóficas. O que é relevante é o nascimento de uma nova maneira de conceber o homem e o mundo, e que essa concepção não mais seja reservada aos grandes intelectuais, mas tenda a se tornar popular, de massa, com caráter concretamente mundial, modificando (ainda que através de combinações híbridas) o pensamento popular, a mumificada cultura popular. 7) Que tal início resulte da confluência de vários elementos aparentemente heterogêneos, não causa espanto: Feuerbach como crítico de Hegel, a escola de Tübingen como afirmação da crítica histórica e filosófica da religião etc. Aliás, deve-se notar que uma transformação radical não podia deixar de ter vinculações com a religião. 8) A filosofia da práxis como resultado e coroamento de toda a história precedente. Da crítica ao hegelianismo, nascem o idealismo moderno e a filosofia da práxis. O imanentismo hegeliano torna-se historicismo; mas só é historicismo absoluto com a filosofia da práxis, historicismo absoluto ou humanismo absoluto (Q 15, § 61, p. 1825-1827). A capacidade sintética de Gramsci é brilhante. Expõe Hegel como o grande ponto de encontro da cultura moderna, no qual se entrecruzam várias perspectivas filosóficas. Em certo sentido, Hegel também é um “filósofo coletivo” ao unificar o movimento prático e o pensamento teórico, e rompeu com as formas clássicas de especulação filosófica ao introduzir a crise na filosofia moderna. Hegel representa, na história do pensamento filosófico, um papel especial; e isto porque, em seu sistema, de um modo ou de outro, ainda que na forma de “romance filosófico”, consegue-se compreender o que é a realidade, isto é, tem-se, num só sistema e num só filósofo, aquele conhecimento das contradições que, antes dele, resultava do conjunto dos sistemas, do conjunto dos filósofos em polêmica entre si, em contradição entre si (Q 11, § 62, p. 1487). Os fundadores da filosofia são considerados “filósofos coletivos” e o mesmo vale para o próprio Gramsci. São cumpridores de três competências fundamentais assim explicitadas pelo marxista sardo: Se este for capaz de reviver concretamente as exigências do conjunto da comunidade ideológica, de compreender que ela não pode ter a rapidez de movimento própria de um cérebro individual e, portanto, de conseguir elaborar formalmente a doutrina 139 coletiva de maneira mais aderente e adequada aos modos de pensar do que um pensador coletivo (Q 11, § 12, p. 1392). Esse novo modo do fazer prático de filosofia é uma força ou uma debilidade? “É um preconceito intelectual fossilizado acreditar que uma concepção de mundo possa ser destruída por críticas de caráter racional”?(Q 10, II, § 41, I, p. 1292). Quando Gramsci estabelece e demonstra a novidade da atividade intelectual no senso comum e a capacidade inovadora da filosofia da práxis, orienta-se pela tese de que todos os homens são filósofos. Esta prerrogativa é explicitada da seguinte maneira: Entre os filósofos profissionais ou “técnicos” e os demais homens não existe diferença “qualitativa”, mas apenas “quantitativa”, (e, neste caso, “quantidade” tem um significado bastante particular, que não pode ser confundido com soma aritmética, porque indica maior ou menos “homogeneidade”, “coerência”, “logicidade” etc., isto é, quantidade de elementos qualitativos), deve-se ver, todavia, em que consiste propriamente esta diferença (Q 10, II, § 52, p. 1342). Esse movimento concreto que Gramsci trata em vários momentos da nota 12, fundamenta-se na dialética intelectuais-massa e afirma: O estrato dos intelectuais se desenvolve quantitativamente e qualitativamente, mas todo progresso para uma nova “amplitude” e complexidade do estrato dos intelectuais está ligado a um movimento análogo da massa dos simples, que se eleva a níveis superiores de cultura e amplia simultaneamente o seu círculo de influência, com a passagem de indivíduos, ou mesmo de grupos mais ou menos importantes, para o extrato dos intelectuais especializados (Q 11, §12, p. 1386). Ao pôr essa nova perspectiva, o método reivindica a concretude empírica da “filologia viva”. Por isso, Gramsci critica as diferenças qualitativas entre filósofo “especialista” e o “vulgar”, entre “direção consciente” e a “espontaneidade”. 1.4.3.1. A “Filosofia dos Não Filósofos” A “filosofia dos não filósofos” pode ser encontrada na linguagem, no senso comum e na religião. Por ser “espontânea”, pode receber diferentes definições, visto que esse tipo de fenômeno está perpassado por referências multilaterais. Não há como encontrar na história a espontaneidade “pura”, em si, visto que está conectada à reprodução social. No senso comum, o movimento é “‘mais espontâneo’, os elementos de ‘direção consciente’ são simplesmente impossíveis de controlar, não deixaram nenhum documento comprovável” (Q 3, § 48, p. 328). Vista dessa maneira, a “filosofia espontânea” pode ser caracterizada como a “história das classes populares”. Nela encontram-se “elementos mais marginais e periféricos destas classes, que não alcançaram a consciência de classe “para si” e que, por isto, sequer 140 suspeitam que sua história possa ter alguma importância e que tenha algum valor deixar traços documentais” (ibidem, p. 328). Afirmar a existência e o movimento de uma variedade de elementos de “direção consciente”, não implica que o nível da “ciência popular” ultrapasse determinada concepção de mundo tradicional de certo estrato social. Mesmo no interior dessa concepção de mundo clássica àquele determinado grupo social, existe o movimento, que nem sempre é acrítico e inconsciente. No entanto, religião e senso comum não poderiam constituir uma ordem intelectual? Se no texto A do Q 8, § 204, o autor dos Cadernos afirma que há uma estreita conexão entre religião, senso comum e filosofia, constituindo três ordens intelectuais, o mesmo não é expresso no § 12 do Q 11. Na realidade a filosofia é uma ordem intelectual, capaz de criticar e de se contrapor tanto ao senso comum quanto à religião. Pois não há possibilidade de reduzi-los à unidade e coerência, tão pouco na consciência individual ou coletiva, mesmo que dentro de certos limites do passado, ocorreu de fato uma redução à unidade de coerência de forma “natural”, considerando a necessidade de doutrinamento dos simples por parte das classes mais cultas. Nesta perspectiva, o marxista sardo usa a expressão “épocas normais” para designar um determinado período histórico regulado, isto é, através da “unidade de fé entre uma concepção de mundo e uma norma de conduta adequada a ela” (Q 11, § 12, p. 1378). Essa normatização ocorre tanto de modo vertical, entre ciência-religião-senso comum quanto horizontal, por entender que a unidade de fé da “religião”, como a “ideologia” e mesmo a “política” tecem relações dentro de um determinado estrato social e sua ascendênica sobre estratos subjugados. No caso da relação horizontal da unidade de fé, De Man demonstra sua contraposição ao marxismo por comprovar que há raízes historicamente substanciais e que estão esparramadas no tecido, na psicologia de determinados estratos populares. Essa comprovação, ainda que incidental por parte de De Man, deve ser posta nos seguintes termos: Demonstra a necessidade de estudar e elaborar os elementos da psicologia popular, historicamente e não sociologicamente, ativamente (isto é, para transformá-los, através da educação, numa mentalidade moderna) e não descritivamente, como ele faz; mas esta necessidade estava pelo menos implícita (talvez também explicitamente declarada) na doutrina de Ilitch, coisa que De Man ignora completamente (Q 3, § 48, p. 329). Todo movimento “espontâneo” está perpassado por um elemento primeiro de direção consciente e de disciplina. Em determinados estratos sociais, especialmente nas classes 141 populares, a espontaneidade é reivindicada como método. Por isso, devem-se distinguir interesses aventureiros que evocam das massas e da ação política real dos “simples”. Neles, há unidade de uma relativa “espontaneidade” e “direção consciente” que se apresenta na norma disciplinar, compondo elementos do inconsciente. O elemento “espontâneo” das massas populares é assim definido: “Espontâneos” no sentido de que não se devem a uma atividade educadora sistemática por parte de um grupo dirigente já consciente, mas que se formaram através da experiência cotidiana iluminada pelo “senso comum”, ou seja, pela concepção tradicional popular do mundo, aquilo que muito pedestremente se chama de “instinto” e que, ele próprio, é somente uma conquista histórica primitiva e elementar (ibidem, p. 330-331). Percebe-se que o marxista sardo busca uma base firme para a “filosofia espontânea”, que possibilite tomá-la como conquista histórica, ainda que primitiva e embrionária. Esse tipo de conquista, expressa em forma de sentimento pelas massas populares, estaria em oposição à teoria moderna? “Não pode estar em oposição: entre eles há diferença ‘quantitativa’, de grau, não de qualidade: deve ser possível uma ‘conversão’, por assim dizer, uma passagem da teoria para os sentimentos e vice-versa” (ibidem, p. 332). Para que esse movimento de conversibilidade aconteça, é necessário investigar a “filologia viva” como o ponto de partida. Esse modelo relacional se associa ao caráter móvel e dinâmico dos conceitos no campo da filosofia da práxis. Neste sentido há uma peculiaridade do autor dos Cadernos, pois reflexiona ao construir o discurso, enquanto “pensador coletivo” e “filósofo democrático”. Num primeiro plano, desenvolve uma análise dos elementos que se apresentam dentro de um determinado contexto, de maneira paciente e pontual e que vão se ampliando ao longo do discurso. No caso da atividade intelectual e sua relação como o senso comum, Gramsci registra nos quadros da história as possíveis necessidades do homem simples e do homem ativo de massa. Esse modo de produzir o discurso assenta os fundamentos possíveis de um “novo senso comum” e sua relação com a “nova cultura”. A ideia de que “cada estrato social tem o seu senso comum” (Q 1, § 65, p. 76), foi demonstrada pelo autor dos Cadernos na seguinte perspectiva. Primeiramente, que o termo é extremamente genérico. Para entendê-lo é necessário traduzi-lo em suas devidas articulações. Gramsci constata que o senso comum em si é inexistente, assim como a filosofia, só existe em circunstâncias diversas, segundo os sentidos comuns dos diferentes estratos sociais. Numa terceira ampliação do conteúdo, o senso comum só existe em situações e fases diversas, constituindo-se pelo sentido comum do mesmo estrato social. Entre os próprios intelectuais 142 existe um tipo de senso comum, fator que os unifica, o lugar-comum. Pelo processo de associação, na multiplicidade social reside a possibilidade de mudança histórica dos estratos. Considerando que o senso comum é algo que se modifica, se transforma constantemente, não quanto à validade do conteúdo das crenças, mas quanto à solidez formal, à imperatividade devido à sua capacidade de produzir constantemente novas normas de conduta. Há uma contínua transformação. Por isso, “comum” não significa dizer que é único: “O senso comum não é uma concepção única, idêntica no tempo e no espaço: é o ‘folclore’ da filosofia, e como folclore, se apresenta em formas inumeráveis” (Q 8, § 173, p. 1045). O marxista sardo afirma que os elementos principais do senso comum são produzidos pelas religiões. A estreita conexão entre senso comum e religião não coincide com a filosofia. Entretanto, o senso comum “é um produto e um devir histórico” (Q 11, § 12, p. 1378), que carece de criticidade e de distinção. Em toda religião, especialmente a católica, devido à sua concretude na história europeia, por se manter aparentemente numa determinada unidade na diversidade. Observa-se uma realidade múltipla de credos distintos e comumente contraditórios. Essa crise interna pelo contraste entre o pensar e o agir, favorece a fragmentação e a produção de “subcredos”. As religiões incidem sobre o senso comum elaborando formas e normas de comportamento. No entanto, no senso comum prevalecem [...] “elementos ‘realistas’, materialistas, isto é, o produto imediato da sensação bruta, o que, de resto, não está em contradição com o elemento religioso, ao contrário; mas estes elementos são ‘supersticiosos’, acríticos” (Q 8, § 173, p. 1045). A posição de Gramsci é crítica em relação ao senso comum: “seu caráter fundamental é ser uma concepção do mundo desagregada, incoerente, inconsequente, conforme com o caráter das multidões das quais ele é a filosofia” (ibidem, p. 1045). Esse modo de perceber o senso comum não significa que deva ser anulado enquanto tal. Não resta dúvida que as filosofias que residem no senso comum se contrapõem à filosofia “homogênea” ou sistemática. No entanto torna-se necessário definir com clareza o que se deve entende por “sistema”, para evitar uma acepção no sentido pedante e professoral. Uma filosofia sistemática é orgânica à classe subalterna, quando possui solidez organizativa e centralização cultural. Neste sentido Gramsci faz a seguinte ponderação: É possível dizer corretamente que uma verdade determinada tornou-se senso comum visando a indicar que se difundiu para além do círculo dos grupos intelectuais, mas, neste caso, nada mais se faz do que uma constatação de caráter histórico e uma afirmação de racionalidade histórica; neste sentido, contanto que seja empregado com sobriedade, o argumento tem o seu valor, precisamente porque o senso comum é grosseiramente misoneísta e conservador, e ter conseguido inserir nele uma nova 143 verdade é prova de que tal verdade tem uma grande força de expansividade e de evidência (Q 11, § 13, p. 1399-1400). No interior dessa argumentação há um caráter tendencial do senso comum, devido à sua imperatividade e multiplicidade, pois nele cabem outras verdades que não as dele próprio. O dinamismo do senso comum permite substituir o velho pelo novo, a exemplo da Revolução Francesa, quando a ideologia cristã sofreu profundas corrosões, impossíveis de serem recompostas, com grande prejuízo para o catolicismo. Ou “quando, individualmente, um elemento da massa supera criticamente o senso comum, ele aceita, por este mesmo fato, uma filosofia nova” (ibidem, p. 1397). Frequentemente o senso comum combina elementos novos com os velhos, por isso reside nele essa tendência chamada por Gramsci de bom senso. Poderia ser presunçosa a tese em apontar a existência de leis inexoráveis do marxismo em relação ao senso comum, como escreve Gramsci ao analisar as previsões econômicas de David Ricardo sobre a economia política capitalista. Pelo caráter tendencial de filosofia de massa e a necessária exposição polêmica da filosofia da práxis com as filosofias tradicionais, possibilita-se que a verdade se realize não na teoria, mas na prática. São verdades na medida em que realizam as verdades de um senso comum renovado. Só assim a filosofia da práxis pode se realizar, visto que o seu “ponto de partida deve ser sempre o senso comum, que é espontaneamente a filosofia das multidões, as quais tratam de tornarem-se ideologicamente homogêneas” (ibidem, p. 1397-1398). Entre seus escritos Gramsci não deixou de notar que na literatura filosófica francesa existem muitas produções sobre o senso comum, se comparada a outras literaturas nacionais. A razão dessa produção literária está no estreito relacionamento da cultura francesa com seus intelectuais, os quais estão mais próximos do senso comum devido a determinadas condições trazidas pela tradição, pela fidelidade entre o povo e seu grupo dirigente. Esse contato entre os intelectuais e o povo possibilitou tornar o senso comum mais orgânico. É uma verdade profunda que todos os homens são filósofos, seja ao afirmar que todo o homem desenvolve uma atividade intelectual e, este próprio homem é capaz de inovar a sua atividade precedente e o concreto existente. Nesta linha de raciocínio a verdade está posta em dois níveis. Não são duas verdades distintas: é única com dois lados distintos. No conjunto de relações que formam o ser humano essa verdade ganha concretude e responde pelas demandas históricas do concreto existente. É também um conjunto de possibilidades plausíveis para dar materialidade à “filosofia democrática”, como representa um “progresso intelectual de massa”. 144 A materialidade da filosofia não poderia consistir em si mesma. Necessitava encontrar o elemento que pudesse conectá-la a outros níveis de saber. Curiosamente, ao tratar das conexões entre religião, senso comum e filosofia, no subparágrafo sétimo, há uma variante destitutiva entre o texto C e o texto A. Na última versão, Gramsci afirma que a “filosofia é uma ordem intelectual” (Q 11, § 12, p. 1378). Na primeira versão, consta que tanto a religião, senso comum e filosofia compõem três ordenações intelectuais. A supressão da religião e do senso comum na nota 12 do Q 11 como não participantes da ordenação intelectual denota que Gramsci retira a questão da homogeneidade, a qual só pode ser encontrada na filosofia. Qual seria o elemento de conexão entre os três níveis? Considerando que a religião é o elemento desagregado do senso comum e este é superado pela crítica da filosofia, a qual coincide com o bom senso, percebe-se que o autor dos Cadernos, por um lado, se apoia no movimento que acontece entre os três níveis e, por outro lado, o elemento de conexão está na atividade intelectual presente especificamente em cada nível, isto é, o núcleo sadio. A tese do movimento intelectual enquanto elemento de conexão se baseia no fato de que todos os homens são filósofos, observando-se os limites e as características desta filosofia dos “não-filósofos”. Na filosofia “espontânea” predomina um tipo de educação que não é sistemática. Nela, os elementos psicológicos determinam a imperatividade. A norma de conduta está relacionada a uma concepção de mundo conectada pela unidade de fé. A relação que é assegurada pela “ideologia” ou mesmo pela “política” que se transforma pela educação no campo da sociabilidade. 1.4.3.2. Princípios Formadores da Consciência e da Crítica As determinações que fazem emergir a crítica e a consciência no interior da filosofia dependem das necessidades históricas precedentes e do concreto existente. O seu modo de se manifestar é desagregado em diferentes graus e se apresenta em distintos grupos sociais distintos. Todavia, no homem simples a desagregação é muito mais aguda, e motivada pela ausência de autonomia e inatividade histórica de uma filosofia primitiva. Para que o homem “simples” do povo supere princípios que lhe foram infligidos e não propostos, torna-se necessário demonstrar o contraste entre o agir e o pensar. A contradição permite perceber que a “história é uma contínua luta de indivíduos e de grupos, para mudar aquilo que existe em cada momento dado; mas, para que a luta seja eficaz, estes indivíduos 145 deverão se sentir superiores ao existente, educadores da sociedade, etc.” (Q 16, § 12, p. 1875). Nesse processo histórico a superação não está motivada apenas pela consciência, mas pela vontade, “na medida em que se atua em que se aplica um esforço voluntário e, desta forma, contribui-se concretamente para criar o resultado ‘previsto’” (Q 11, § 15, p. 1403). Esse esforço voluntário e consciente merece e possibilita ser enaltecido e convertido em “algo unitário e coerente” (Q 11, § 12, p. 1380). Para que a consciência e a vontade se tornem ativas, devem conter as seguintes demandas: Na premissa devem estar contidas, já desenvolvidas, as condições materiais necessárias e suficientes para a realização do impulso da vontade coletiva; mas é evidente que desta premissa “material”, quantitativamente calculável, não pode ser destacado um certo nível de cultura, isto é, um conjunto de atos intelectuais, e destes (como seu produto e consequência), um certo complexo de paixões e de sentimentos imperiosos, isto é, que tenham a força de induzir à ação “a todo custo” (Q 11, § 52, p. 1480). Neste sentido, a “prática” da “atividade intelectual” exige certo grau de cultura para que o homem possa desenvolver o momento da crítica e da consciência. Curiosamente no Caderno 11 Gramsci escreve quatro Notas inéditas, as quais não aparecem citadas em nenhum dos seis textos A. Essas notas assentam o viés da crítica e da consciência no texto C. Para neste estudo faz-se necessário examinar como Gramsci trata a questão do gênero humano, o processo de construção da autonomia histórica, o papel da linguagem e a criação de uma nova cultura. A Nota I fundamenta a unificação do gênero humano, pois todo homem, enquanto ser de “socialidade” vive numa dupla polaridade entre individualismo e individualidade. Luta contra o individualismo é luta contra um determinado individualismo, com um determinado conteúdo social, e precisamente contra o individualismo econômico num período em que ele se tornou anacrônico e anti-histórico (não esquecer, porém, que ele foi historicamente necessário e representou uma fase do desenvolvimento progressivo). Que se lute para destruir um conformismo autoritário, tornado retrógrado e embaraçoso, e segue ao homem-coletivo através de uma fase de desenvolvimento da individualidade e da personalidade crítica é uma concepção dialética difícil de ser compreendida pelas mentalidades esquemáticas e abstratas (Q 9, § 23, 1111). Percebe-se no texto gramsciano que há termos diferentes que apontam para o mesmo conteúdo, como é o caso dos termos “individualismo” e “conformismo”. Distingue o conformismo artificial, justificado historicamente pelo movimento do jesuitismo, como também, o conformismo “racional”. Entretanto, nos escritos dos Cadernos há outro Gramsci, “realista” expresso na seguinte afirmação: “conformismo significa nada mais do que ‘socialidade’, mas cabe usar a palavra ‘conformismo’ precisamente para chocar os imbecis” 146 (Q 14, § 61, p. 1719). Gramsci estabelece uma previsão original de homem que não está desvinculada da atividade intelectual. Todavia, o exercício da filosofia parte do “conhece-te a ti mesmo”, após um inventário daquilo que foi acolhido sem análise crítica. A filosofia da práxis não é simplesmente uma filosofia da ação, mas é uma filosofia que gera a polêmica no homem simples e ativo de massa. Transforma o próprio homem e o lugar em que a sua filosofia está centrada. Naturalmente, o filósofo também tem que mudar de lugar sob o qual está situado, isto é, construir uma nova individualidade implica em mudar sua maneira de desenvovler a atividade intelectual. Seu caráter fundamentalmente político no trabalho filosófico é posto por Gramsci “como luta cultural para transformar a ‘mentalidade’ popular e difundir as inovações filosóficas que se revelam ‘historicamente verdadeiras’, na medida em que se tornam coerentes, isto é, histórica e socialmente, universais” (Q 10, II, § 44, p. 1330). A mentalidade filosófica que parte da intelectualidade subalterna faz emergir um novo tipo de filósofo, “que se pode chamar de ‘filósofo democrático’, isto é, do filósofo consciente de que a sua personalidade não se limita à sua individualidade física, mas é uma relação social ativa de modificação do ambiente cultural” (ibidem, p. 1332). E Gramsci finaliza a nota com a seguinte advertência: Quando o “pensador” se contenta com o próprio pensamento, “subjetivamente” livre, isto é, abstratamente livre, é hoje motivo de troça, somente nela se realizando a liberdade de pensamento; é uma relação professor-aluno, uma relação entre o filósofo e o ambiente cultural no qual atuar, de onde recolher os problemas que devem ser colocados e resolvidos, isto é, é a relação filosofia-história (ibidem, p. 1332). Fazer filosofia de maneira “democrática” implica tratar e demonstrar com rigor os problemas e as demandas vividas no interior da “filosofia espontânea”, atividade que expressa os conflitos que existem na sociedade. O filósofo “democrático” participa da sociedade, toma posição e sabe que seu trabalho é algo parcial, isto é, está em processo de universalização. A Nota II trata do movimento da história-filosofia-cultura, pois, tanto não se pode separar a filosofia da história da própria filosofia, quanto a cultura da história da própria cultura. Historicidade quer dizer que o homem ativo intelectualmente, isto é, o filósofo, deve ter uma “concepção de mundo criticamente coerente” (Q 11, § 12, p. 1377), visto que está consciente de si mesmo e da própria concepção de mundo, “da fase de desenvolvimento por ela representada e do fato de que ela está em contradição com outras concepções ou com elementos de outras concepções” (ibidem, p. 1377). A historicidade se constitui pela materialidade de uma determinada concepção de mundo e de cultura, como o real significado de imanência. Isso denota a verdade de uma 147 determinada cultura em disputa é estar dentro da luta e não fora dela. O autor dos Cadernos afirma que “a própria concepção do mundo responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem determinados e “originais” em sua atualidade” (ibidem, p. 1377). Daí a necessidade de estudar os problemas que se originaram no processo de desenvolvimento da cultura geral, que só aparecem parcialmente na história e que formam o senso comum. A atividade cultural se torna imanente na medida em que exige demonstrar o seu valor real enquanto história de homens parcialmente sem história. Recuperar a cultura significa reformar a história e o seu emaranhado ideológico, mesmo com a ausência de material documental. Isso implica em verificar os elos superados e apreender velhos problemas ou novos e atuais, traçar hipóteses cientificamente demonstráveis para que a cultura subalterna se torne um movimento de massa, com vista a uma completa autonomia histórico-filosóficocultural. A Nota III trata do significado que a linguagem adquire por conter elementos de uma determinada vertente filosófica ou um conjunto desagregado de distintas perspectivas de filosofia e de cultura. O autor dos Cadernos não se limita à discussão teórica, mas está ocupado em explicitar criticamente o processo de interposição e a influência “molecular” na construção da língua por parte de grupos e ou de uma massa de uma determinada nação. E acrescenta: [...] há inovação por interferência de culturas diversas etc., o que ocorre sob formas muito diferentes: ocorre com massas inteiras de elementos linguísticos e ocorre molecularmente (o latim inovou o céltico das Gálias em “massa” e, ao contrário, influenciou o germânico “molecularmente”, isto é, emprestando-lhe palavras ou formas singulares, etc.). A interferência e a influência “molecular” podem ocorrer no próprio seio de uma nação, entre diversos estratos, etc.; o jargão das profissões, etc., isto é, das sociedades particulares, inova molecularmente (Q 6, §71, p. 739). Nenhum linguista ou filósofo da linguagem pode negar o lugar-comum da língua. Não obstante, há questões em aberto ao tratar a língua enquanto arte, como também enquanto “material” da arte, visto que é produto social, expressão cultural de uma determinada nação. Entretanto, há limitações históricas ao considerar a língua e toda a linguagem dos “não filósofos” devido à falta de documentação, principalmente para as classes populares. “A história das línguas é a história das inovações linguísticas, mas estas inovações não são individuais (como ocorre na arte): são de toda uma comunidade social que inovou sua cultura, que ‘progrediu’ historicamente” (ibidem, p. 738). 148 Essas inovações culturais permitidas pela linguagem são portadoras de uma determinada perspectiva de mundo, definindo os limites e possibilidades da mesma em cada ser humano. Gramsci demonstra a complexidade entre o dialeto e a língua-literária. A extensão qualitativa da língua como atividade revolucionária gera o “novo homem”, visto que a literatura não produz literatura, as ideologias não são capazes de produzir outras ideologias, salvo pela “partenogênese”. Somente nos quadros da história da língua o homem cria novas relações sociais. Dessas observações pode-se deduzir que “o velho ‘homem’, em função da mudança, torna-se também ele ‘novo’, já que entra em novas relações, tendo sido subvertidas as relações primitivas” (Q 6, § 64, p. 733). Com essas palavras, Gramsci esboça o limite tanto do dialeto como de um tipo de materialismo histórico. Enquanto defensor de uma língua nacional, sua crítica se dirige, por um lado, para a língua fossilizada, anacrônica e provinciana, por outro lado, o marxismo não pode se distanciar da molecularidade da língua e das novas relações geradas no seu interior. O tema da linguagem é tão significativo no Q 11, que o secretário do partido comunista italiano dedica a V seção – Tradutibilidade das Linguagens Científicas e Filosóficas, demonstrando o tratamento que o próprio Marx esboçou no texto intitulado Sagrada Família. Assim, “toda expressão cultural, toda atividade moral e intelectual têm uma língua própria historicamente determinada: esta língua é o que se chama também de ‘técnica’ e também de ‘estrutura’” (Q 23, § 7, p. 2193). Neste viés, se uma nova cultura tem a possibilidade de ser traduzida para outras línguas, pois alcançou grande expressão mundial, essa cultura tráz no seu bojo verdades que anteriormente não foram socializadas por determinadas civilizações. Na Nota IV o ponto em destaque é a transformação da cultura “em base de ações vitais” (Q 11, § 12, p. 1378). Gramsci se ocupa do tema da originalidade e o tenciona da seguinte maneira: Existe, por isso, uma técnica da divulgação que deve ser adaptada e reelaborada em cada oportunidade: a divulgação é um ato eminentemente prático, no qual se deve examiar a conformidade dos meios ao fim, isto é, precisamente a técnica empregada. Mas também o exame e o julgamento do fato e da argumentação “original”, ou seja, da “originalidade” dos fatos (conceitos, conexões de pensamento) e dos temas, são muito difícieis e complexos e requerem os mais amplos conhecimentos históricos (Q 23, § 5, p. 2191-2192). A ideia de originalidade presente no homem simples considera o aparente critério de uniformidade e semelhança que vem do exterior. Também se faz presente, em parte, entre cientistas que tratam de produzir descobertas absolutamente “ímpares”. Essa ideia aplica-se também à produção exclusiva de determinados produtos para determinados consumidores que 149 somente eles poderão comprar, isto é, na produção serial há um único produto. A originalidade não está em determinar a produção acadêmica, mas “da necessidade histórica e da arte política, isto é, da capacidade concreta e atual de adequar o meio ao fim” (ibidem, p. 1302). Para o nosso pensador, originalidade é expressão de vida “socializada” que surge interiormente e no conjunto das relações sociais. É sinônimo de autonomia histórica, de uma vanguarda, pela qual a “filosofia espontânea” tem a capacidade de propor-se como civilização “integral”. Assim, esses quatro princípios fundantes da crítica e da consciência, isto é, de uma nova ciência da filosofia, estão na base da atividade intelectual. O homem escolhe entre acolher outra história ou elaborar a sua própria concepção de mundo e participar ativamente da construção da história. 1.4.4. A “Prática” como Fonte de Filosofia dos “Não Filósofos” A originalidade de Gramsci está na perspectiva de pôr em evidência a atividade intelectual do homem “simples” e a necessidade histórica de disputar com outras concepções de mundo a construção da sua própria autonomia e identidade. A construção da subalternidade passa pela disputa e pelo contato entre intelectuais e massa. Nesse operar “praticamente” o subalterno reelabora termos, conceitos e expressões. Gramsci defende essa perspectiva ao inspira-se na 3ª Tese a Feuerbach: A doutrina materialista de que os homens são produtos das circunstâncias e da educação, e, portanto homens modificados são produtos de outras circunstâncias e educação modificada, esquece que as circunstâncias são transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educador tem de ser educado. Por isso ela chega, necessariamente, a separar a sociedade em duas partes, das quais uma é superior à sociedade. A coincidência do ato de mudar as circunstâncias como atividade humana pode ser compreendida de maneira racional apenas na condição de práxis revolucionária (umwälzende Práxis) (MARX, 2007, p. 611-612). A grande inovação da filosofia da práxis está em demonstrar que a partir da política e da história é possível confirmar a “natureza humana” não como algo abstrato ou projeto idealisticamente. Ao contrário, “a natureza humana é o conjunto das relações sociais historicamente determinadas, ou seja, um fato histórico verificável, dentro de certos limites, com os métodos da filologia e da crítica” (Q 13, § 20, p. 1598-1600). A política torna-se ciência autônoma ao ser compreendida tanto na sua concretude de conteúdo e de lógica interna, quanto um organismo em processo de desenvolvimento. Do ponto de vista histórico, as demonstrações de Nicolau Maquiavel quanto à questão política 150 não foram tomadas e tornadas “senso comum”, posto que o debate não ocorresse para os “simples”. O secretário florentino afirmou a seguinte tese: A [...] política é uma atividade autônoma que tem princípios e leis diversos daqueles da moral e da religião, proposição que tem grande alcance filosófico, já que implicitamente inova a concepção da moral e da religião, ou seja, inova toda a concepção do mundo (ibidem, p. 1600). Isto denota que não há perspectiva de autonomia humana sem o suporte da política, visto que os homens adquirem consciência com base numa posição social no plano das ideologias. A partir desse viés, o tratamento do tema na nota 12 do Q 11 é desenvolvido em três planos diferentes. A primeira citação do termo política está posto no oitavo subparágrafo. Segundo ele, só a política pode reduzir-se à unidade e à coerência, tanto no nível da consciência individual quanto consciência coletiva, por constituir uma ordem intelectual. A política é entendida como relação, como unidade de fé entre uma norma de conduta e uma concepção de mundo. Por isso, o termo “política” denota relação, o desabrochar da atividade intelectual sobre uma determinada concepção de mundo.. Num processo de ampliação e aprofundamento, ao longo do § 12 do Q 121 verificasse que o termo política está posto num segundo plano de trabalho. Trata do homem ativo de massa, que possui duas consciências teóricas ou contraditórias, ocorre não pela relação, mas pela manutenção ou superação. A superação dessa contrariedade passa pela escolha. Gramsci aponta, no subparágrafo décimo oitavo, duas posturas políticas muito claras. Parte da problematização da política sob o ponto de vista da ontologia, da superação, isto é, enquanto práxis política ou “catarse”. O termo “catarse” é utilizado primeiramente por Aristóteles. O filósofo de Estagira falava do termo como o purgar das paixões, da superação da moral, como sendo o efeito vivido pelos espectadores ao longo das apresentações teatrais. Diferentemente de Aristóteles, em Gramsci o termo catarse significa superação e elevação, momento da passagem, isto é, de uma filosofia primitiva para uma filosofia prática. Esse conceito é universalizado, pois nele encontra-se uma determinação essencial da práxis social em geral e, especificamente, a práxis política. No Q 10 o termo recebe a seguinte fundamentação: Pode-se empregar a expressão “catarse” para indicar a passagem do momento meramente econômico (ou egoístico-passional) ao momento ético-político, isto é, a elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens. Isso significa, também, a passagem do “objetivo ao subjetivo” e da “necessidade à liberdade” (Q 10, II, § 6, p. 1244). 151 Isto demonstra a “filologia vivente” como passagem do particular ao universal, considerando a determinação essencial da práxis política quando posta no senso amplo. Além dessa determinação essencial da política, num segundo momento, Gramsci sugere um modo dialético de analisar a relação entre estrutura e superestrutura com base no Prefácio Para a Crítica da Economia Política, de Marx. O movimento dialético está posto como a passagem do “objetivo ao subjetivo” e da “necessidade à liberdade”, como uma força objetiva externa ao homem ativo, tornando-o passivo. Entretanto, segundo Gramsci, quais são a determinações da estrutura sobre o homem ativo? O marxista sardo afirma: A estrutura, de força exterior que esmaga o homem, assimila-o e tornando-o passivo, transforma-se em meio de liberdade, em instrumento para criar uma nova forma ético-política, em origem de novas iniciativas. A fixação do momento “catártico” torna-se assim, parece-me, o ponto de partida de toda a filosofia da práxis; o processo catártico coincide com a cadeia de sínteses que resultam do desenvolvimento dialético (ibidem, p. 1244). Reside nesta análise um momento essencialmente ontológico do ser social, visto que há uma conjugação, um movimento dialético de superação, de passagem da objetividade à subjetividade, dando origem a uma nova iniciativa. Este empreendimento de superação introduz a perspectiva de que a compreensão crítica de si mesmo é obtida, destarte, através da luta de “hegemonias” políticas, de direções contrastantes (cf., Q 11, § 12 p. 1385), na medida em que amplia e aprofunda a concepção do real. Pelo movimento dialético, o homem ativo participa de dois níveis de consciência. Pelo fato de fazer parte de uma determinada força hegemônica, nela participa conscientemente de um determinado grupo social, e numa ampliação da sua consciência política em diferentes esferas, produz uma progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática, enfim, se unificam. Num terceiro plano, a política é configurada por Gramsci como o elemento “prático” da ligação teórica entre teoria e prática, isto é, da autoconsciência crítica ou criação de uma elite de intelectuais, em diferentes esferas. É o momento de uma nova consciência política tanto para os intelectuais quanto para o homem ativo de massa. A formação dos intelectuais fiéis à massa está perpassada por um processo longo e contraditório. O progresso desse processo está conectado a uma dialética intelectuais-massa da seguinte maneira: O estrato dos intelectuais se desenvolve quantitativamente e qualitativamente, mas todo progresso para uma nova “amplitude” e complexidade do estrato dos intelectuais está ligado a um movimento análogo da massa dos simples, que se eleva a níveis superiores de cultura e amplia simultaneamente o seu círculo de influência, com a passagem de indivíduos, ou mesmo de grupos mais ou menos importantes, para o extrato dos intelectuais especializados (ibidem, p. 1386). 152 O secretário do partido comunista italiano insiste no elemento “prático”, pois o senso comum age “praticamente”, daí a importância e o significado que o partido político assume no mundo moderno. O partido político caracteriza-se por trabalhar na “elaboração e difusão das concepções do mundo, na medida em que elaboram essencialmente a ética e a política adequadas a elas” (ibidem, p. 1387). O partido político é possuidor de um papel central na formação da consciência política do homem simples, isto é, o crisol, que tem a possibilidade de unificar a teoria e a prática. Compõe o espaço vital para a elaboração de intelectualidades integrais e visão de totalidade. A metodologia dos partidos políticos consiste em acolher indivíduos que aderem espontaneamente ao processo formativo. Esta seleção opera-se simultaneamente nos campos prático e teórico, com uma relação tão mais estreia entre teoria e prática quanto mais seja a concepção vitalmente e radicalmente inovadora e antagônica aos antigos modos de pensar (ibidem, p. 1387). No plano da organização da autoconsciência, da contribuição criadora dos grupos superiores, a questão política é posta como autolimitação, isto é, direitos e deveres em fixar uma direção consciente da massa popular. A capacidade orgânica da polêmica e de criar e desenvolver “novos conceitos críticos por parte das camadas intelectualmente subordinadas” (ibidem, p. 1393) está em estreita ligação com as camadas da elite intelectual e da sua contribuição criadora. Gramsci passa a empregar a expressão “camadas intelectualmente subordinadas”, para designar que na ação prática do “senso comum” há elaboração teórica. Daí a tamanha importância e necessidade histórica da política em garantir o contato entre os “sensos comuns” e o grupo dirigente. O elemento político em comum é a própria ciência. Então, o que a ciência pode fornecer nesta perspectiva? Ela seleciona os elementos primeiros do conhecimento, da criação de novos conceitos. O autor dos Cadernos esboça os seguintes limites da produção científica: O trabalho científico tem dois aspectos principais: um de retificar incessantemente, o modo do conhecimento retifica e reforça os órgãos sensoriais, elabora princípios novos e complexos de indução e dedução, isto é, aperfeiçoa os próprios instrumentos de experiência e de sua verificação; outro, que aplica este complexo instrumental (de instrumentos materiais e mentais), para determinar, nas sensações, o que é necessário e o que é arbitrário, individual, transitório (Q 12, § 37, p. 1455-1456). Esse modo de proceder da ciência demonstra que a experiência comum pode conhecer objetivamente, averiguar de forma individual, pois, todos os homens são possuidores igualmente das mesmas condições técnicas para o exercício científico. A realidade prática se faz presente neste sentido: 153 [...] ‘objetivo’ significa precisamente e apenas o seguinte: que se afirma ser objetivo, realidade objetiva, aquela realidade que é verificada por todos os homens, que é independente de todo ponto de vista que seja puramente particular ou de grupo (ibidem, p. 1456). A ciência não está fora da história, é uma concepção de mundo, uma ideologia, “ou mesmo, política” (Q 11, § 12, p. 1378), isto é, “uma categoria histórica, é um movimento em contínuo desenvolvimento” (Q 11, § 37, p. 1456). O que acontece de fato é uma luta pela “objetividade” (Q 11, § 17, p. 1416). Semeraro (2006) analisa a luta com base na seguinte previsão: A ciência recorre a representações e teorias para se expressar e as representações são produtos humanos, construções históricas que nascem de práticas científicas, sociais e de interesses políticos. As categorias e os conceitos utilizados são criados, organizados, transformados e aplicados dentro da visão, dos valores e das relações que os grupos sociais estabelecem entre si (SEMERARO, 2006, p. 27). A tarefa epistemológica em Gramsci não pode ser demonstrada por previsões “desapaixonadas”, mas por um agir de modo ativo e político. A perspectiva do conhecimento existente fundamenta-se na possibilidade do real tornar-se [...] inteligível às classes subalternas e que estas possam descobrir, com método apurado e ‘por conta própria’, os nexos existentes entre as coisas, as contradições entre a condição desumana em que vivem e os discursos encobridores do poder (ibidem, p. 18). A unificação do real a partir de uma determinada previsão, isto é, das massas populares, denota as seguintes demandas: A profunda ligação com os problemas reais do mundo, a descoberta das suas contradições e as tentativas de superá-las politicamente constituem a base sobre a qual os subalternos podem vir a construir a formação da própria subjetividade, adquirir uma outra inteligibilidade do real e se utilizar de um “espírito crítico” que recuse qualquer princípio de autoridade, desconfie e crie as condições para projetos alternativos de sociedade (ibidem, p. 18). Em Gramsci, o modo de pôr a questão da atividade intelectual é político, isto é, filosófico. A previsão de inteligibilidade das classes subalternas é demonstrada, não por conjecturas, mas pela “superação das paixões bestiais e elementares numa concepção de necessidade que fornece à própria ação uma direção consciente” (Q 11, § 12, p. 1380). Considerando que nenhuma ideologia reconhece sua debilidade imanentista, o subalterno é possuidor de um núcleo sadio que “merece ser desenvolvido e transformado em algo unitário e coerente” (ibidem, p. 1380). O modo de pôr a questão da inteligibilidade do subalterno também é político. Mesmo que não possa reduzi-la à unidade e à coerência, reside no bom senso a perspectiva de 154 conhecimento crítico, autônomo e criativo. Assim, é possível indicar alguns fundamentos da relação entre filosofia e política por parte do homem “simples”: a) Se todos os homens são portadores da atividade intelectual, reside no homem “simples” uma “filosofia espontânea” que se apresenta na linguagem, no senso comum e na religião; b) Em qualquer manifestação da atividade intelectual, expressa pela linguagem, reside uma determinada concepção de mundo; c) Toda concepção de mundo tem na sua base a crítica e a consciência, isto é, na realidade pode-se prever “cientificamente” apenas a luta como resultante de forças contrastantes em contínuo movimento; d) O conhecimento se constitui pela conexão e pela relação entre os distintos níveis da atividade intelectual; e) O modo de conhecer ocorre pela ação prática e pela palavra, a qual foi herdada do passado e acolhida sem crítica. É um conjunto orgânico que se apresenta de modo descontínuo e ocasional; f) O viés de conceber o conhecimento se dá pela imperatividade do homem “simples”, isto é, através da norma de conduta; g) A atividade intelectual do homem “simples” na história precedente e do pensamento concreto existente demonstra “da parte do simples, um sincero entusiasmo e um forte desejo de elevação a uma forma superior de cultura e de concepção de mundo” (Q 11, § 12, p. 1382). 1.4.5. A Intelectualidade Subalterna A questão da elaboração da identidade do homem “simples” torna-se mais evidente para Gramsci a partir dos hodiernos desenvolvimentos da filosofia da práxis, isto é, na segunda e terceira década do século passado. O problema da unidade entre teoria e prática fundamenta a atitude dos intelectuais em elaborar e tornar coerente os problemas e os princípios que o senso comum colocou como sua atividade política. Por isso, a necessidade de demonstrar que o elemento determinista, fatalista e mecanicista fora uma espécie de “aroma” ideológico confinante da “filosofia da práxis, uma forma de religião e de excitante (mas ao modo dos narcóticos) tornada necessária e justificada historicamente pelo caráter ‘subalterno’ de determinados estratos sociais” (Q 11, § 12, p. 1387). 155 Essa problemática da necessidade histórica do homem simples também pode ser verificada, ainda que de forma distinta, na Contrarreforma. A Igreja Católica esterilizou o cristianismo ingênuo para delimitar a efervescência das forças populares. Essa tarefa coube à última grande ordem religiosa, de cunho reacionário e com um viés totalmente repressivo “diplomático”: a Companhia de Jesus. Os jesuítas assumiram uma nova postura perante o organismo católico, explicitado no Concílio de Trento. Com isso, a Igreja eliminava o cristianismo ingênuo e instituía o cristianismo jesuitizado, tornando-o o “ópio”, do povo, segundo Feuerbach, ou das massas populares, segundo Gramsci. Entretanto, há determinadas especificidades entre essas duas concepções de mundo, pois ambas fazem a passagem explícita da estrutura para o domínio da superestrutura. Ambas tratam da política, todavia em níveis distintos. Enquanto a cristandade é estilhaçada pelo movimento do homem ativo, mantendo o homem “simples” na filosofia do senso comum, a antítese é a filosofia da práxis, mesmo com resíduos do mecanicismo, programa uma sociedade regulada e cria elementos para uma nova cultura. Outro dado que Gramsci não despreza é a “experimentação” histórica criada pela religião. A conservação das posições políticas da Igreja Católica freou as forças renovadoras da própria ideologia. Para a Igreja se manter na superestrutura, transformando-se em “jesuitismo”, modernizando as “ordens religiosas” e ao criar “prelados” e “políticos”, refinou e endureceu o organismo católico, ao elaborar um partido político denominado de Democracia Cristã. Todo esse movimento cultural traduz a necessidade histórica do contraste entre o agir e o pensar, entre filosofia e senso comum. É a fase em que as ideologias geradas anteriormente se transformam em “partido”, entram em confrontação e lutam até que uma delas, ou pelo menos uma única combinação delas, tenda a prevalecer, a se impor, a se irradiar por toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, pondo todas as questões em torno das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas num plano “universal”, criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados (Q 13, § 17, p. 1584). A confrontação e a luta só podem ser percebidas no movimento histórico entre forças contrastantes. Se na Idade Média não havia explicitamente partidos políticos, entretanto, havia disputas políticas expressas pelos movimentos populares religiosos. Esses movimentos suscitaram conflitos simultâneos mediante a “politicagem” tanto dos “prelados”, quanto da legitimação ideológica da filosofia escolástica. Se houve rupturas entre as “almas simples” e os intelectuais, a Igreja os reabsorve, “através da formação das ordens religiosas mendicantes e de uma nova unidade religiosa” (Q 11, § 12, p. 1384). 156 O cristianismo substituiu a concepção ingênua de cristianismo pelo jesuítico, mas não neutralizou os movimentos populares religiosos, visto que a massa de fiéis progredisse cientificamente ao ponto de inovar os movimentos populares, tornando-os mais concretos. Gohn (2003) faz a seguinte afirmação: Na realidade histórica, os movimentos sempre existiram e cremos que sempre existirão. Isto porque eles representam forças sociais organizadas que aglutinam as pessoas não como força-tarefa, de ordem numérica, mas como campo de atividades sociais, e essas atividades são fontes geradoras de criatividade e inovações socioculturais (GOHN, 2003, p. 14). Não se pode desconsiderar os movimentos populares religiosos, pois expressam a necessidade histórica das classes populares, fornecem à ação uma direção consciente, isto é, o núcleo sadio do senso comum. A necessidade histórica se apresenta porque não houve a unidade entre teoria e prática, mesmo com a superação das paixões bestiais, com seus interesses econômicos na perspectiva da atividade econômica de massa. Essa possibilidade de previsão deve ser vista enquanto movimento popular religioso, ainda que contraditoriamente diferente, por exemplo, dos empreendimentos jesuíticos na região dos Sete Povos das Missões, região oeste do Estado do Rio Grande do Sul. Todavia, movimentos populares religiosos pautados pela profunda contradição no interior das religiões e pela exploração abusiva do modelo econômico vigente, determinados grupos com seus intelectuais fizeram emergir a consciência política e a construção de uma perspectiva de organicidade. É o momento da crítica e da consciência, pois é preferível refinar a própria concepção de mundo de uma maneira consciente e crítica e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade, para elaborar a própria identidade (cf., Q 11, § 12, p. 1376). Se ao longo do texto verifica-se um processo de ampliação dos termos, a própria nomeação dos sujetos muda. Curiosamente, como do nada, no § 12 do Q 11, entre o subparágrafo vigésimo sétimo e o vigésimo oitavo, o autor dos Cadernos substitui o termo “simples” por “homem ativo de massa”. Certamente essa mudança está condicionada à superação de uma determinada “época normal” por outra. Esse homem ativo de massa está mergulhado num processo contraditório por ser portador de duas consciências teóricas, que pela compreensão crítica de si mesmo, perpassado por uma luta interna de “hegemonias” políticas, busca uma elaboração superior. 157 Nesse momento, se instala a relação de força entre a filosofia ingênua de massa e a filosofia reflexiva e coerente elaborada pelos dirigentes intelectuais de classe. Gramsci não especula sobre a filosofia ingênua de massa, mas é objetivo ao afirmar que se pode esperar que o subalterno quisesse ser dirigente e responsável. No interior da filosofia ingênua de massa onde se justificava o caráter “subalterno” de determinadas forças sociais, Gramsci chama atenção para a seguinte configuração das forças: Quando não se tem a iniciativa na luta e a própria luta termina assim por identificarse com uma série de derrotas, o determinismo mecânico transforma-se em uma formidável força de resistência moral, de coesão, de perseverança paciente e obstinada. ‘Eu estou momentaneamente derrotado, mas a força das coisas trabalha por mim a longo prazo’, etc.(ibidem, p. 1387). O autor dos Cadernos não despreza o movimento das classes subalternas, mas parece justo que essa problemática deva ser posta historicamente. A atividade intelectual do subalterno implica inicialmente na elaboração da própria consciência política e na criação da autoconsciência critica dos seus problemas. A criação de uma massa humana intelectualmente subalterna implica na íntima relação entre subalterno e intelectual ou dirigente. Se as classes subalternas não tiverem seus problemas elaborados e tornado coerentes os princípios, a classe dirigente não será dominante sem a fidelidade das massas. Para reformar a massa, é necessário que a filosofia da práxis forje a reforma intelectual e moral, isto é, a mudança no modo de pensar, correndo o risco de repetir a futilidade do mecanicismo. Daí a insistência sobre o elemento “prático”, que favorece a ligação teórica entre subalternos e grupo dirigente, materializado nos partidos políticos. Enquanto a Igreja instituiu o partido político para manter a unidade ideológica de forma arbitrária e deliberada, a filosofia da práxis gera uma perspectiva ativa da atividade volitiva na massa subalterna. Para o marxista sardo, os partidos políticos são os espaços de disputa, isto é, a passagem da consciência à autoconsciência, os formadores do novo modo de pensar, pela adesão individual e não ao modo mecânico, produtivista (cf., ibidem, p. 1387). Para Gramsci, a conformação da atividade intelectual e concepção do subalterno no conjunto das relações sociais se apresentam pela vontade real que se [...] disfarça em um ato de fé, numa certa racionalidade da história, numa forma empírica e primitiva de finalismo apaixonado, que surge como substituto da predestinação, da providência, etc., próprias das religiões confessionais (ibidem, p. 1387). Novamente, Gramsci afirma a atividade volitiva do subalterno, isto é, o núcleo sadio do senso comum ou que necessita de uma intervenção direta, ainda que de maneira implícita 158 devido à “força das coisas”, visto que sua consciência é contraditória e precisa de unidade crítica. A interversão deve ocorrer no modo de pensar, que não está separada da luta política, pois toda relação de hegemonia é uma disputa que gera aprendizado, isto é, amplia o conhecimento científico da massa. Esse movimento de ampliação do conhecimento científico só pode ser vivido pelas massas populares no campo da disputa, pois jamais aceitam mudar de forma “pura”, mas por combinações “mais ou menos heteróclitas e bizarras” (ibidem, p. 1390). A relação ativa das massas se constitui pela unidade de fé de uma norma de conduta e da filosofia da práxis. O elemento racional é decisivo na relação política entre os intelectuais e os subalternos. Os partidos políticos introduzem o elemento racional, geram organicidade de pensamento, da configuração de um novo senso comum, de uma nova cultura. Mas, também, o processo de amadurecimento de uma concepção de mundo subalterna intelectualmente exige a configuração de uma nova ideologia. Essa ideologia só pode ser vivida através da intelectualidade subordinada das camadas populares. No subparágrafo décimo oitavo do § 12 do Q 11, Gramsci elenca passos necessários para a constituição da identidade do subalterno. 1º. O homem ativo adquire compreensão crítica de si mesmo a partir de uma luta de “hegemonias” políticas, isto é, a formação da consciência política; 2º. O contato com uma elite intelectual, pois “uma massa humana não se ‘distingue’ e não se torna independente ‘para si’ sem organizar-se (em sentido lato); e não existe organização sem intelectuais” (Q 11, § 12, p. 1386); 3º. A confecção de uma racionalidade histórica, pois o homem ativo carece de unidade crítica. 4º. Pela atividade volitiva, esse homem ativo participa do elemento “prático” da ligação intelectual, em especial o crisol da unificação teórica e prática, isto é, os partidos políticos. 5º. Pela atividade econômica, o homem ativo se torna dirigente e responsável. Esse processo modifica o seu modo social de ser, devido à revisão de todo o modo de pensar. 6º. Na medida em que os limites e o domínio da “força das coisas” se encurta, o homem ativo era, na história precedente, uma coisa, no concreto existente assume a identidade de subalterno. Para manter a unidade ideológica de uma concepção de mundo, a organicidade de pensamento e a solidez cultural possibilitam distinguir as novas convicções das classes 159 subalternas, dada a sua fragilidade e debilidade quando estão em contradição com os interesses das classes dominantes. 1.4.5.1. Uma Filosofia Crítica e Reflexiva Ao longo do § 12 do Q 11 observa-se um grande investimento de Gramsci com o objetivo de refletir sobre os elementos que realmente poderão alterar o panorama cultural na Rússia. A filosofia não pode ser tratada como “acessório” pelos intelectuais dos subalternos, correndo o risco de não modificar o panorama ideológico. Lênin apontara nos seus escritos a necessidade de uma nova intelectualidade dos subalternos e seu empreendimento enquanto produtores da própria atividade intelectual. Para o historiador da cultura e das concepções de mundo, a filosofia-políticaeconomia, isto é, pela “concordata” lexical e disciplinar, o marxista sardo contribui de modo muito preciso à discussão sobre a “morte da filosofia”, pois, trata-se da morte do “velho” que abre caminho para o nascimento do “novo” (cf., Q 3, § 42, p. 319), visto que compõe um círculo homogêneo que está aberto a demandas e critérios de investigação e perspectivas críticas de enorme expressão. Demarca a especificidade do discurso filosófico a partir do “grande peso filosófico” de Maquiavel na qualidade de fundador da política entendida como “atividade independente e autônoma” (Q 4, § 8, p. 431). Em parte, o autor dos Cadernos se apresenta nas seguintes palavras: Pode ocorrer que uma grande personalidade expresse o seu pensamento mais fecundo não no local que aparentemente deveria ser o mais “lógico”, do ponto de vista classificatório externo, mas em outra parte que aparentemente pode ser julgada estranha. Um político escreve sobre filosofia: pode se dar o caso de que a sua “verdadeira” filosofia deva ser buscada, antes que nos livros filosóficos, em seus escritos de política (Q 11, § 65, p. 1493). Apoiado em Marx, nesta passagem, o marxista sardo salienta a posição do “filósofo” ocasional, isto é, daquele indivíduo que desempenha na sociedade a tarefa da atividade intelectual, do “homem político” e “cientista político” que está mergulhado numa coletiva “luta de hegemonia”, “encontra a coragem para medir suas forças diretamente sobre o terreno dos problemas tradicionais da filosofia” (BARATTA, 2006, p. 114). O intelectual e cientista da política “enfrenta mais imediatamente e com toda a originalidade a mesma concepção, penetra em seu interior, desenvolvendo-a de uma maneira vital” (Q 11, § 65, p. 1493), como personalidade livre. 160 Neste sentido, vale a pena destacar que devido à riqueza da vida italiana e por fazer parte daquele contexto, Gramsci recuperou na história antecedente o movimento contraditório empreendido pela religião. Nesse movimento percebeu como a Igreja se portou para manter a unidade ideológica a e sua hegemonia sobre os principados e o homem simples. Refletiu sobre o homem ativo de massa e os recentes desenvolvimentos da filosofia da práxis. Repudiou uma derteminada tradição e o determinismo marxista derivado da Segunda Internacional Comunista e da perspectiva filosófica posta no Ensaio Popular de Bukhárin. Concentra sua crítica sobre o papel do filósofo na sociedade e a concretude dessa atividade está na ampliação e no aprofundamento no campo da política. Não basta ser filósofo, é preciso ser um filósofo político de classe, isto é, um intelectual orgânico das massas. Verifica-se uma nova perspectiva histórica de intelectual. Certamente, o próprio Gramsci na sua reclusão forçada, tratara de fundamentar tal pensamento profundamente original. Por isso, todo o movimento cultural, para manter a sua unidade ideológica, necessita historicamente do intelectual. A configuração da cultura a atividade intelectual tem papel estratégico, não só para as classes dirigentes, pois elas devem “trabalhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo” (Q 11, § 12, p. 1392) vindas das classes subalternas. A relação entre intelectuais e as massas fora delineada pelo fundador da filosofia da práxis nos seguintes termos: A doutrina materialista de que os homens são produtos das circunstâncias e da educação, e, portanto homens modificados são produtos de outras circunstâncias e educação modificada, esquece que as circunstâncias são transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado. (MARX & ENGELS, 2007, p. 611-612). O homem não pode ser visto como “produto do meio” ou como “produto da educação” - tese sustentada por determinadas interpretações do materialismo (cf, KONDER, 1992, p. 116). A modificação de um modo de vida é bem mais complexa. O processo educativo ocorre tanto para as elites intelectuais quanto para o homem do povo, conservando a especificidade de cada grupo social e a sua íntima relação. Gramsci reforma o crescente termo intelectual na perspectiva da relação com o “senso comum”, denominado de bloco intelectual-moral. No subparágrafo vigésimo quinto o termo é empossado como “estratos mais cultos” ou mesmo “intelectual” no subparágrafo vigésimo sétimo em diante. Entretanto, o intelectual só pode se relacionar com o senso comum de maneira prática. O subparágrafo décimo nono cita os partidos políticos como as “novas intelectualidades integrais e totalitárias” (ibidem, p. 1378), por unificar a teoria e a prática 161 no processo histórico real. Mas, para transformar o modo de se produzir a cultura, o subparágrafo vigésimo terceiro explicita a necessidade de criar a autoconsciênica de novo tipo. A mesma reforma acontece com o senso comum, sob a perspectiva da cultura, por ter alcançado determinado progresso ao se relacionar com o intelectual de novo tipo. No subparágrafo vigésimo quinto o termo “senso comum” é ampliado por Gramsci ao acrescentar “popular” por refletir a ausência de uma história do senso comum popular. No subparágrafo vigésimo oitavo, o senso comum aparece na expressão “homem ativo de massa”, por ser portador de duas consciências e conhecer o mundo na medida em que trabalha, isto é, esse homem luta para superar a sua própria contradição. Torna-se uma luta por “hegemonias”, de modo a elevar-se do nível da ética ao da política e da política à produção da própria intelectualidade subalterna. No subparágrafo décimo nono verificam-se novas denominações para o senso comum como “massa humana”, “massa dos simples” e “massa” ao tratar dos recentes desenvolvimentos da filosofia da práxis. Se, no termo “alma simples” continha o elemento de fé na norma de conduta, imposta por uma concepção do mundo religioso, o termo massa esboça uma perspectiva que se distancia das “épocas normais”. Devido à necessidade histórica, desloca o elemento de fé da religião para o grupo ao qual pertence. A elaboração da norma de conduta fundamenta-se na concepção do seu grupo e do conhecimento, na medida em que se transforma. A ideia de massa apresenta o movimento crescente das contradições na perspectiva da elevação cultural. Nesse processo de configuração da filosofia da práxis a partir da perspectiva gramsciana, o senso comum enquanto filosofia primitiva, se eleva culturalmente devido às contradições internas de forma análoga, pela soldagem com seus intelectuais. Todo movimento cultural possui determinadas necessidades, se deseja transformar a “filosofia dos não filósofos”. Gramsci chama atenção para a condição da memória que não fora educada e ordenada intelectualmente com métodos adequados. A fragilidade da aprendizagem usando a “oratória” foi demonstrada experimentalmente da seguinte maneira: [...] doze pessoas de certo grau elevado de cultura repetem-se umas às outras um fato complexo e depois cada uma escreve o que recomenda do fato ouvido: as doze versões diferem da narração original (escrita para controle), muitas vezes de modo assombroso (Q 16, § 21, p. 1893). 162 Esse relato do autor dos Cadernos apresenta um dos aspectos dos limites do senso comum e o modo de interferir para elevá-lo culturalmente. O problema do uso de determinados instrumentos do pensar também deve ser posto nos quadros da necessidade histórica. Certamente, será muito distinto um exame comparativo do instrumento técnico, aplicado pela filosofia “espontânea” entre o homem da rua e o pensamento reflexivo. As debilidades lógicas presentes no senso comum são produto do próprio movimento cultural, considerando o tipo de contato ou de relação política estabelecida entre a elite de intelectuais e as almas simples, ou homem do povo. A problemática da formação do senso comum é demonstrada por Gramsci no próprio § 12. Dada à necessidade histórica do homem “simples”, a religião, na figura da Igreja Católica, desenvolveu dois modos de lidar com os instrumentos do pensar. O modo de lidar muito próprio com o senso comum, com os “leigos” através da conversação e da oratória, empregando instrumentos do pensar para mantê-los enquanto “leigos”, isto é, homens simples ou homens servis. A formação das elites de intelectuais demandava o estudo da técnica do pensamento voltado para a propedêutica e para a lógica formal menor, sistematizado a partir da escolástica. Os centros de excelência acadêmica visavam manter a unidade ideológica daquele movimento cultural. Gramsci afirma que a Igreja não se empenhara em constituir um bloco intelectual-moral e, consequentemente, não empregara instrumentos da técnica do pensar que pudessem forjar uma “cisão” entre intelectuais e o “homem simples”. Essas debilidades no campo da “técnica” do pensar e na constituição de uma concepção autônoma de mundo se apresentam com Plekhánov no emprego da dialética. Ele pressupõe a dialética com uma parte da lógica formal, na qual o movimento lógico se opõe à imobilidade. A ligação entre dialética e retórica continua, ainda hoje, na linguagem comum: em sentido superior, quando se quer indicar um discurso rigoroso, no qual a dedução ou o nexo entre causa e efeito é de natureza particularmente convincente; e, em sentido pejorativo, quando se trata de indicar um discurso rebuscado, que deixa os camponeses de boca aberta (Q 11, § 41, p. 1461). A lógica e a metodologia formal possuem um valor estritamente instrumental. Por isso, “entre ‘técnica’ e ‘pensamento em ato’ existe mais identidade do que, nas ciências experimentais, entre ‘instrumentos materiais’ e ciência propriamente dita” (Q 11, § 44, p. 1465). Essa analogia de Gramsci reforça a importância de “ensinar esta técnica tanto quanto importa ensinar a ler e a escrever, sem que isto interesse à filosofia” (ibidem, p. 1465). Certamente o interesse da filosofia não poderia ser a técnica da linguagem, ao contrário, a filosofia pressupõe e trabalha para que tais instrumentos, tais competências, estejam presentes 163 no agente empreendedor. Esses elementos fazem parte da esfera da cultura, fornecendo critérios de julgamento e controle para sanar determinadas aberrações e elevar “tecnicamente” a mentalidade popular. Além dessa necessidade instrumental para o desenvolvimento da atividade intelectual, Gramsci demonstra a importância do sincronismo emotivo com a seguinte demonstração: Observação feita no cárcere de Milão, onde se vendia Il Sole: a maioria dos presos, inclusive políticos, lia La Gazzetta dello Sport. Entre cerca de 2.500 prisioneiros se vendiam no máximo 80 exemplares do Sole; depois da Gazzetta dello Sport, as publicações mais lidas eram a Domenica del Corriere dei Piccoli (Q 16, § 21, p. 1890). Se a importância da lógica estruturou o pensamento escolástico, não poderia ser diferente o processo de desenvolvimento da arte da imprensa, que superou os frequentes erros lógicos na argumentação falada. A reprodução escrita de textos “revolucionou todo o mundo cultural, dando à memória um subsídio de valor inestimável e permitindo uma extensão inaudita da atividade educacional” (ibidem, p. 1891). Neste aspecto, Gramsci é muitíssimo atual ao fazer a seguinte afirmação: Também hoje a comunicação falada é um meio de difusão ideológica que tem uma rapidez, uma área de ação e uma simultaneidade emotiva enormemente mais ampla do que a comunicação escrita (o teatro, o cinema e o rádio, com a difusão de alto falantes nas praças, superam todas as formas de comunicação escrita, desde o livro até a revista, o jornal, o jornal mural), mas na superfície, não em profundidade (ibidem, p. 1861). Na esfera da técnica e dos instrumentos ideológicos a inovação se alastra com relativa rapidez e sincronismo, reforçada nos tempos atuais. Para modificar os modos de pensar, das crenças e opiniões que perpassam o senso do homem do povo, as quais “não ocorre[m] mediante ‘explosões’ rápidas, simultâneas e generalizadas, mas sim, quase sempre, através de ‘combinações sucessivas’, de acordo com ‘fórmulas de autoridade’ variadíssimas e incontroláveis” (Q 24, § 3, p. 2269), exige a elaboração de projetos políticos das próprias massas populares. Se essas explosões fulminantes se apresentam de modo superficial, observa-se como critério mais geral a ausência do espírito crítico ou o interesse das elites tirânicas em desorganizar a massa. Tanto a comunicação emotiva quanto a necessidade histórica dos instrumentos do pensar são produtos e produtores de uma determinada ideologia e cultura. Dada a “ausência de material documental” (Q 11, § 12, p. 1383), torna-se impossível elaborar um quadro orgânico e sistemático da real situação da cultura baseado nos modos de pensar e nas opiniões individuais presentes no “senso comum”. Todavia, o inventário do senso comum do homem 164 do povo, segundo Gramsci, deve partir da “revisão sistemática da literatura mais difundida e mais aceita pelo povo, combinada com o estudo e a crítica das correntes ideológicas do passado, cada uma das quais ‘pode’ ter deixado um sedimento” (Q 24, § 3, p. 2269). Mesmo porque, é necessário analisar os ajustes sofridos pelas várias concepções de mundo, tanto na história precedente quanto no concreto existente (cf., Q 11, § 12, p. 1383). Se a cultura possui uma oscilação histórica necessária também para o homem do povo, Gramsci apresenta dois movimentos necessários que as elites de intelectuais devem desenvolver na relação com as classes subalternas para elevá-las: 1) não se cansar jamais de repetir os próprios argumentos (variando literalmente a sua forma): a repetição é o meio didático mais eficaz para agir sobre a mentalidade popular; 2) trabalhar de modo incessante para elevar intelectualmente camadas populares cada vez mais vastas, isto é, para dar personalidade ao amorfo elemento de massa (Q 11, § 12, p. 1392). O modo de interferir na mentalidade popular e nos seus traços de atividade intelectual deve ser problematizado sob o ponto de vista histórico. Na história precedente, o problema da repetição fora posto em termos da cultura filosófica moderna, debate travado no final do século XIX, entre positivismo e naturalismo. A questão em foco era “se a natureza e a história procedem por ‘saltos’, ou apenas por evolução gradual e progressiva” (Q 10, § 28, p. 1266). Esse debate se apresenta na atual discussão entre “história e anti-história”. Como em todas as épocas há conservadores e jacobinos, progressistas e reacionários, do ponto de vista “teórico”, essa contenda aponta para o seguinte: Ela indica o ponto de passagem “lógico” de toda concepção do mundo à moral que lhe é conforme, de toda “contemplação” à “ação”, de toda filosofia à política que dela depende. Em outras palavras, é o ponto no qual a concepção do mundo, a contemplação, a filosofia, tornam-se “reais”, já que tendem a modificar o mundo, a subverter a práxis. Por isso, é possível dizer que este é o nexo central da filosofia da práxis, o ponto no qual ela se realiza, vive historicamente, ou seja, socialmente e não mais apenas nos cérebros individuais, cessa de ser “arbitrária” e se torna necessáriaracional-real (ibidem, p. 1266). A necessidade histórica da repetição é posta por determinadas ideologias que dela se apropriaram para garantir sua unidade ideológica, claramente demonstrada em épocas normais. A filosofia da práxis toma a “repetição” como um “princípio metodológico fundamental” (Q 24, § 3, p. 2268), o qual se materializa de maneira paciente e orgânica. Enquanto que no Q 11 o termo “repetição” não está posto entre aspas, o mesmo não acontece no Q 24, o qual fora reescrito dois anos após o início dos Cadernos monográficos, segundo G. Francioni (cf, COUTINHO, 2002, p. 464). Percebe-se que esse termo recebeu um tratamento mais refinado. 165 No Q 24 o termo “repetição” está posto não de forma mecânica, determinista, mas na perspectiva da “adaptação de cada conceito às diversas peculiaridades e tradições culturais, sua apresentação e reapresentação em todos os seus aspectos positivos e em suas negações tradicionais, situando sempre cada aspecto parcial na totalidade” (Q 24, § 3, p. 2268). Podese notar uma íntima relação entre repetição e tradutibilidade. A expressão “tradutibilidade” não está expressa na nota 12, mas recebeu um tratamento especial na penúltima seção do Q 11. Para Gramsci, só na filosofia da práxis a “tradução” é orgânica e profunda (cf., Q 11, § 12, p. 1468), “para encontrar soluções de muitas contradições aparentes do desenvolvimento histórico e para responder a algumas objeções superficiais contra esta teoria historiográfica” (Q 11, § 48, p. 1468-1469), ou mesmo para enfrentar determinadas abstrações mecanicistas. A vivacidade da filosofia da práxis não se acanha com o “fato de que tantos fantoches nietzschianos, revoltados verbalmente contra todo o existente, contra os convencionalismos, etc., tenham terminado por enojar e por tirar a seriedade de certas atitudes” (Q 24, § 3, p. 2268), que marcam um estilo próprio de ver o mundo. Frente a essa questão, Gramsci faz a seguinte afirmação: Descobrir a identidade real sob a aparente diferenciação e contradição, e descobrir a substancial diversidade sob a aparente identidade, eis o mais delicado, incompreendido e, não obstante, essencial dom do crítico das ideias e do historiador do desenvolvimento histórico (ibidem, p. 2268). Essa maneira própria de interferir no conjunto das relações humanas constitui tarefa específica do intelectual orgânico à classe subalterna. Trata-se de um trabalho educativoformativo, produzido por um centro homogêneo de cultura, que visa tanto laborar de maneira consciente e crítica, quanto elaborar e dar personalidade a uma consciência que necessita ser crítica. Nesse processo, ampliar e aprofundar cientificamente as necessidades históricas do homem do povo possibilita que as premissas se concretizem, isto é, a configuração da identidade e intelectualidade subalterna. O método não determina a necessidade histórica, mas o inverso. A “repetição”, isto é, a tradutibilidade, torna-se uma tarefa específica e um trabalho socialmente necessário, segundo o fundador da filosofia da práxis e, sendo traduzido por Gramsci no nível da superestrutura nas seguintes palavras: O trabalho necessário é complexo e deve ser articulado e graduado: deve haver dedução e indução combinadas, a lógica formal e a dialética, identificação e distinção, demonstração positiva e destruição do velho. Mas não de modo abstrato, e sim concreto, com base no real e na experiência efetiva (ibidem, p. 2268). Percebe-se a íntima relação e a ampliação do marxismo nas palavras de Gramsci, quando afirma que “em toda personalidade existe uma atividade dominante e predominante: 166 é nela que se deve buscar o seu pensamento implícito na maioria dos casos, e, por vezes, em contradição com o que é expresso ex professo” (Q 4, § 46, p. 472). No homem ativo de massa, a personalidade encontra-se informe, este, possuidor de duas consciências teóricas, necessita ser concebido como bloco histórico, para criar sua própria personalidade, empreendendo os seguintes elementos: 1) dando uma direção determinada e concreta (“racional”) ao próprio impulso vital ou vontade; 2) identificando os meios que tornam esta vontade concreta e determinada e não arbitrária; 3) contribuindo para modificar o conjunto das condições concretas que realizam esta vontade, na medida de suas próprias forças e da maneira mais frutífera (Q 10, II, § 48, p. 1338). Ao ordenar a personalidade na esfera da vontade, trava-se uma luta cultural para transformar a “mentalidade” popular, pelo qual o “momento cultural” tem importância na atividade prática, isto é, coletiva. Por isso, todo ato histórico está intimamente conectado ao “homem coletivo” para alcançar determinada unidade “cultural-social”. Só assim as vontades que outrora eram desagregadas, com finalidades heterogêneas, soldam-se conjuntamente aos seus intelectuais de classe com vista a um mesmo fim, com base numa idêntica e comum concepção de mundo (cf., Q 10, II § 44, p. 1331). Gramsci, ao afirmar o subalterno como um protagonista, um agente e necessariamente ativo e empreendedor, afirma que esse homem só pode torna-se arrojado na perspectiva do grupo ao qual pertence, portanto, torna-se um homem coletivo de massa e subalterno na perspectiva de hegemonia. A unidade entre teoria e prática conforma a nova personalidade do homem coletivo que está atrelada ao trabalho pedagógico das elites de intelectuais, isto é, aos “pensadores coletivos”. A consolidação de uma nova base ideológica não se limita às afinidades especificamente “escolares”, mas ao conjunto da sociedade e em todo indivíduo com relação aos demais indivíduos que compõem a sua identidade de grupo. Toda elevação cultural carrega em si a disputa pela “hegemonia”, tanto numa sociedade dividida em classes quanto no interior de um “sistema hegemônico”. Assim, Gramsci afirma a necessidade de um fundamento metodológico e elege o intelectual da classe, o pensador coletivo como o responsável pelo trabalho intelectual de elevar culturalmente as massas populares. Nesses dois elementos fundamentais do trabalho intelectual não pode predominar uma visão simplista e mecanicista. Trata-se de uma perspectiva de sociedade totalmente original e que precisa ser traduzida para cada contexto histórico, fixando os problemas antecedentes e existentes do homem coletivo e os modos novos de superação. 167 1.4.2. A Vivência da Filosofia pelo Subalterno Se todos os homens são intelectuais, isto é, podem trabalhar com o próprio cérebro, a filosofia primitiva não possibilitou que o senso comum desempenhasse historicamente essa função, ficando desprovido da sua própria personalidade. Por isso, Gramsci elabora no § 12 um projeto de elevação do senso comum à categoria de subalterno e de homem coletivo de massa, através da filosofia e da cultura, passível de ser empreendido mediante o contato com os intelectuais, isto, os “pensadores coletivos”. Visto que todo grupo social elabora seus intelectuais para organizar a atividade humana, cuja relação não ocorre de forma imediata, o homem ativo necessita desenvolver uma “filosofia espontânea”, que possa garantir um conhecimento crítico, autônomo e criativo, tão crucial para o exercício da liberdade. Essas necessidades desencadeiam a possibilidade e a asseveração de projetos políticos pelos grupos subalternos, visto que em muitos momentos no § 12, Gramsci se põe a esboçar as linhas do seu processo formativo, como a direção consciente, a criação e estruturação das elites e os centros organizadores da cultura. Segundo Gramsci, a perspectiva política do homem “simples” demonstrou que ao longo das “épocas normais”, houve o ensejo pela elevação cultural. As crises históricas ocorridas entre intelectuais e o povo, cujo conteúdo é a crise de hegemonia do grupo dirigente e da direção consciente da cultura, acelerou a passagem da “passividade política para uma certa atividade e apresentam reivindicações que, em seu conjunto desorganizado, constituem uma revolução” (Q 13, § 23, p. 1603). Por isso, a razão da Nota 12 do Q 11 é a direção consciente da própria ação do “senso comum” em conexão orgânica com seus intelectuais. O seu núcleo sadio só poderá ser transformado em algo unitário e coerente se “brotar” do interior do homem ativo uma crítica e uma política efetiva e coerente. A atividade intelectual para Gramsci é estratégica para forjar um bloco intelectual-moral, que possibilite politicamente o progresso filosófico e cultural, tanto da massa quanto dos seus intelectuais. A questão está assentada nos densos problemas de natureza histórico-social do próprio subalterno. Para isso, é imprescindível demonstrar e forjar um processo distinto para fazer a massa popular progredir, com base nas seguintes etapas: 1ª. Respeitar o homem “simples” e o saber popular de que é possuidor. Ter uma posição crítica para que possa apreender o “significado que tiveram como elos superados de uma cadeia e fixar os problemas novos e atuais ou a colocação 168 atual dos velhos problemas” (Q 11, § 12, p. 1383). E fazer um inventário para conhecer as razões de submissão e subordinação à atividade intelectual. 2ª. Constituir determinada ordem, isto é, unidade e coerência do vivido pelo homem do povo. Perceber o “bom senso” presente no conhecimento popular. Isso pressupõe certa média intelectual e cultural, informações que conformaram um modo de pensar, necessitando de organização crítica e metodológica, cujo ponto de partida é o “‘senso comum’, em primeiro lugar, da religião, em segundo lugar, e, só numa terceira etapa, dos sistemas filosóficos elaborados pelos grupos intelectuais tradicionais” (Q 11, § 13, p. 1401). 3ª. Demonstrar as razões políticas e, num nível mais elevado, as motivações sociais do ajustamento a três elementos distintos e necessariamente entrelaçados: a) O elemento formal (a coerência lógica) define com precisão o significado de “‘racional’ em contraposição a ‘mística’” (Q 11, § 16, p. 1411). Gramsci tem clareza de que a forma racional é importante para as massas populares, mas não é decisiva como ocorre no caso dos intelectuais. A racionalidade possibilita um novo modo de pensar, “logicamente coerente, a perfeição do raciocínio que não esquece nenhum argumento positivo ou negativo de certo peso” (Q 11, § 12, p. 1390). b) O elemento de autoridade é compartilhado pelo expositor, pensadores, cientistas e pelo homem ativo de massa, na medida em que conhece e se reconhece. Por isso, a “questão da ‘personalidade e da liberdade’ se apresentam não em razão da disciplina, mas da ‘origem do poder que ordena a disciplina’” (Q 14, § 48, p. 1707). Para Gramsci a origem da autoridade democrática está assentada na função técnica especializada. A disciplina torna-se um elemento imprescindível para alcançar a liberdade por parte de um grupo socialmente homogêneo. c) O elemento organizativo se concretiza pela participação dos agentes ativos e críticos envolvidos no processo de elevação cultural. Esse elemento está assentado sobre duas necessidades básicas. A primeira é a constituição de um organismo coletivo que organiza ativamente determinados indivíduos, os quais participam de uma hierarquia e direção determinada. A segunda necessidade é a consciência coletiva, pois “um organismo vivo só se forma depois que a multiplicidade se unifica através do atrito dos indivíduos: e não se pode dizer que o ‘silêncio’ não seja 169 multiplicidade” (Q 15, § 13, p. 1771). Nas palavras do próprio Gramsci, o elemento organizador é o próprio subalterno, considerado “ontem uma coisa, hoje não o é mais: tornou-se uma pessoa histórica, um protagonista; se ontem era irresponsável, já que não é mais resistente, mas sim agente e necessariamente ativo e empreendedor” (Q 11, § 12, p. 1388). 4ª. Viver a filosofia como uma fé, especialmente o grupo social ao qual pertence o protagonista. Esse modo de proceder em relação à filosofia e à elaboração conceitual denota que esse agente ativo e empreendedor não captou todo o significado sintético da atividade intelectual. Gramsci chama atenção para a sedução do determinismo mecânico como uma filosofia ingênua da massa, quando criticada pelos seus intelectuais, sem aguardar que o subalterno assuma a posição de dirigente e responsável. Gramsci constata que os subalternos são possuidores de convicções extremamente débeis, “em todos os países, ainda que em graus diversos, existe uma grande cisão entre as massas populares e os grupos intelectuais, inclusive os mais numerosos e mais próximos à periferia nacional, como os professores e os padres” (ibidem, p. 1394). A cisão entre as massas populares e a elite de intelectuais está na desagregação dos próprios intelectuais em vários estratos no interior de um mesmo estrato, isto é, o Estado. Assim, “uma parte da massa, ainda que subalterna, é sempre dirigente e responsável, e a filosofia da parte precede sempre a filosofia do todo, não só como antecipação teórica, mas também como necessidade atual” (ibidem, p. 1388). Nesse processo empreendido pelo subalterno, a filosofia da práxis se configura pela criação e a estrita relação com as camadas intelectuais para massificar a filosofia e a cultura. Para que a massa crie a sua própria elite, segundo Gramsci, necessita perceber que o processo “é longo, difícil, cheio de contradições, de avanços e de recuos, de debandadas e de reagrupamentos” (ibidem, p. 1386). O problema do movimento que gera o intelectual necessita ser problematizado e demonstrado do ponto de vista histórico e, do imperativo da política, da seguinte maneira: 1º - O processo de criação de uma elite de intelectuais é longo, considerando que o ponto de partida está na filosofia primitiva do senso comum, isto é, na mentalidade popular, configurando um tipo de personalidade compósita, ocasional e desagregada. O processo de elaboração critica se inicia com a consciência “daquilo que é realmente” (ibidem, p. 1377), isto é, um “conhece-te 170 a si mesmo”. Para isso, é necessário fazer o inventário da infinidade de traços que marcam a vida do intelectual em movimento, demonstrar que é produto do desenvolvimento histórico, para acolher criticamente a própria personalidade. 2º - A dificuldade de criação de uma elite de intelectuais está delimitada pela necessidade da própria historicidade da crítica e da consciência, isto é, da cultura (cf., ibidem, p. 1377). O intelectual percebe a circularidade aberta entre filosofia-política-economia. Responde a determinados problemas assentados pela realidade das massas populares a partir de uma concepção de mundo unitária e coerente. Na medida em que essa elite de intelectuais historiciza os problemas dos subalternos e de si mesma, amplia e complexifica determinadas posições sociais de autonomia histórica. 3º - O processo de geração de uma elite de intelectuais é repleto de contradições devido à falta de organicidade de pensamento e da própria solidez cultural (cf, ibidem, p. 1382). Pelo movimento da tese, expresso nas massas populares, em contradição com a elite de intelectuais, se produz uma nova cultura, constituindo um bloco cultural e social. A depuração dos elementos intelectualistas de ordem individual possibilita que os intelectuais desenvolvam um trabalho científico e politicamente coerente e unitário às camadas intelectualmente subordinadas. 4º - A questão do progresso ou não da elite de intelectuais está relacionada à disciplina como “centralismo orgânico e centralismo democrático” (Q 14, § 48, p. 1706). Visto como regime de ordem livremente consentida e clareza da diretriz a realizar, a disciplina regula o processo de criação “prática” da personalidade em sentido orgânico, demonstrado por Gramsci através do partido político. 5º - O problema de debandadas e de reagrupamentos é demonstrado por Gramsci não só como um fenômeno italiano, pelo “fato de que os intelectuais são desagregados, sem hierarquia, sem um ponto de unificação e centralização ideológica e intelectual, o que é resultado de uma escassa homogeneidade, coesão e ‘nacionalidade’ da classe dirigente” (Q 14, § 47, p. 1704). Daí a insistência do autor dos Cadernos no elemento “prático”, tanto para as massas populares quanto para as elites de intelectuais: Nos partidos que representam grupos socialmente subalternos, o elemento de estabilidade é necessário para assegurar a hegemonia não a grupos privilegiados, mas aos elementos organicamente progressistas em relação a outras forças afins e aliadas, mas heterogêneas e oscilantes (Q 13, § 36, p. 1633). 171 Pela atividade político-filosófica o processo de criação dos intelectuais, “opera-se simultaneamente nos campos prático e teórico, com uma relação tão mais estreita entre teoria e prática quanto mais seja a concepção vital e radicalmente inovadora e antagônica aos antigos modos de pensar” (Q 11, § 12, p. 1387). A elite de intelectuais está perpassada pelo movimento orgânico, isto é, relativamente permanente e pelos movimentos da conjuntura, os quais se apresentam como ocasionais, imediatos e contingentes. Por esse movimento, o intelectual participa das relações de força. Constitui uma estrutura para deliberar a justa relação entre o que é orgânico e o que é acidental nas análises históricopolíticas. Além do movimento de criação das elites, é necessário a sua estruturação. A estrutura interna das elites, sua constituição e desenvolvimento estão assentados sobre “uma hierarquização de autoridade e de competência intelectual” (ibidem, p. 1393). Gramsci demonstrou que, na religião, a Igreja manteve “uma hierarquia de intelectuais que emprestam à fé pelo menos a aparência da dignidade do pensamento” (ibidem, p. 1391). Quando a relação entre a Igreja e o homem simples foi abalada violentamente, a exemplo da Revolução Francesa, gerou perda de fiéis e a necessidade de uma nova estrutura da religião. A filosofia da práxis aprofunda o conceito de unidade entre teoria e prática. No interior das elites intelectuais o estudo dos problemas das massas é a atividade determinante. Estão organizadas em graus, por um lado, pela competência de elaboração conceitual e filosófica e, por outro, pela incubação da ética e da política adequadas ao elemento “prático” da ligação teórica. A autoridade dos pensadores e cientistas é de grande ascendência sobre a massa popular, sendo ela compartilhada entre ambos os estratos. A perspectiva de autoridade visa à ampliação técnica e ao ensejo à liberdade. Nesse nível, os subalternos têm a possibilidade de colocar em dúvida e se distinguir das expressões dos seus intelectuais em contradição com a realidade existente, criando novas sínteses. O progresso cultural dos estratos especializados acontece concomitante ao progresso dos estratos não especializados, através da “dialética intelectuais-massa” (ibidem, p. 1386). Essa elevação cultural das massas populares permite a ampliação do círculo de influência, favorecendo a passagem de indivíduos e até mesmo de grupos para o nível dos intelectuais. Nesse processo repetem-se permanentes momentos entre a massa e os intelectuais, que estão perpassados pelo contato e separação, criando uma miragem da filosofia ser um elemento acessório, complementar, algo subordinado. Gramsci insiste na necessidade do elemento 172 “prático” para que se estabeleça uma relação teórica. Esse movimento indica que, tanto os intelectuais quanto a massa, estão cruzando a “fase ainda econômico-corporativa, na qual se transforma quantitativamente o quadro geral da ‘estrutura’ e a qualidade-superestrutura adequada está em vias de surgir, mas não está ainda organicamente formada” (ibidem, p. 1387). No entanto, a construção de massa na esfera da cultura não pode ocorrer “arbitrariamente”, tarefa que em “épocas normais” era atribuída à especulação filosófica ou religiosa. Dentre as competências do intelectual, configura a questão da “tradutibilidade das linguagens científicas e filosóficas” (Q 11, § 47, p. 1468), tanto para os estratos intelectuais quanto para as massas. A tradução da filosofia da práxis em relação às ideologias pressupõe que a fase civilizatória e a expressão cultural de uma civilização sejam semelhantes. Para processar a tradutibilidade para outras civilizações que estariam em fases distintas, deve-se considerar a “diversidade determinada pela tradição particular de cada cultura nacional e de cada sistema filosófico, do predomínio de uma atividade intelectual ou prática, etc.” (ibidem, p. 1468). Gramsci considera que somente a filosofia da práxis realiza a “tradução” orgânica e intensa ao compará-la com as demais concepções de mundo. Essa “tradução” se torna mais orgânica para a massa popular através dos centros organizadores da cultura. A razão desses centros está na “‘continuidade’ que tende a criar uma ‘tradição’, entendida, naturalmente, em sentido ativo e não passivo, como continuidade em permanente desenvolvimento, mas ‘desenvolvimento orgânico’” (Q 9, § 84, p. 756). Eles garantem a solidez cultural e a organicidade de pensamento. Esse procedimento possibilita que as massas populares sejam assimiladas à parte do grupo mais desenvolvido. Devido a essa orientação da política cultural, os centros se dispõem para educar tanto as massas quanto os próprios intelectuais com base nas exigências do télos previamente delineado. Em outras palavras, trata-se de quem fixará os “direitos da ciência” e quais são os limites da pesquisa científica. Verifica-se, no subparágrafo vigésimo quinto, a seguinte proposta: Parece-me necessário que o trabalho de pesquisa de novas verdades e de melhores, mais coerentes e claras formulações das próprias verdades seja deixado à livre iniciativa dos cientistas individuais, ainda que eles reponham continuamente em discussão os próprios princípios que parecem mais essenciais. Por outro lado, não será difícil perceber quando estas inciativas de discussão tiveram motivos interessados e não de natureza científica. Também não é possível pensar que as iniciativas individuais possam ser disciplinadas e ordenadas, de maneira que passem pelo crivo de academias ou institutos culturais de natureza diversa, tornando-se públicas somente após um processo de seleção, etc.(Q 11, § 12, p. 1393). 173 Gramsci enfatiza o problema do centralismo da cultura subalterna, sua unidade, coerência e homogeneidade. Do ponto de vista da história das religiões, Gramsci demonstrou que o centralismo se fazia presente na premissa teórica implícita da religião, através da união doutrinária, na regulação, manutenção e relação abstratamente racional dos “intelectuais” e das “almas simples”. O movimento da Contrarreforma ordenou de forma autoritária e “diplomática” as iniciativas do cristianismo ingênuo, com um significado extremamente disciplinador, criando na modernidade um partido político e não “ordens religiosas”. Se a religião estilizou o cristianismo popular através dos organismos criados na modernidade, das massas que assumiram a posição da Reforma, houve uma “vasta expansão do espírito de iniciativa (ou tornou-se a forma deste movimento), é ainda mais expressiva e significativa” (ibidem, p. 1389). Esse tipo de centralismo está assentado sobre uma concepção de mundo mecanicista e da exteriorização “formidável de resistência moral, de coesão, de perseverança paciente e obstinada” (ibidem, p. 1387). Nesse modo de vida, apresenta-se o determinismo, o fatalismo e o mecanicismo como uma forma de religião, que numa fase inicial da filosofia da práxis fora um “bálsamo” ideológico. No processo da necessidade histórica de elevação cultural das massas populares estão os fundamentos da formalidade, autoridade e organicidade. Entretanto, os problemas decorrentes desse desenvolvimento histórico são o húmus para que o intelectual empreenda um novo modo e qualidade de relação com a intelectualidade subalterna. A necessidade histórica do trabalho intelectual no conjunto das relações sociais torna-se princípio educativo que se irradia, tanto às massas populares quanto às elites intelectuais. Para que esse princípio se desenvolva de maneira orgânica, exige-se que toda a associação permanente de indivíduos esteja pautada por “determinados princípios éticos, que a própria associação determina para seus componentes individuais, a fim de obter a solidez interna e a homogeneidade necessárias para alcançar o objetivo” (Q 6, § 79, p. 749). Essa associação permanente reveste-se no centralismo que possibilita uma relação mais afinada entre os intelectuais e as massas. Na obra carcerária, o termo “centralismo” indica inicialmente a norma fundamental que regula a vida interna do partido comunista (cf., DIZIONARIO GRAMSCIANO, 2008, p. 118). O princípio de centralismo é passível de uma dupla interpretação, relacionado como os adjetivos “democrático” e “burocrático”. Enquanto o centralismo democrático está em movimento, o burocrático pode manifestar-se morbidamente devido à deficiência de iniciativa e de responsabilidade. O centralismo democrático responde ao parecer de Gramsci nos seguintes termos: 174 Uma contínua adequação da organização ao movimento real, um modo de equilibrar os impulsos a partir de baixo com o comando do alto, uma contínua inserção de elementos que brotam do mais fundo da massa na sólida moldura do aparelho de direção, que assegura a continuidade e acumulação regular das experiências (Q 13, § 36, p. 1633). O centralismo está relacionado diretamente à disciplina enquanto democrático, burocrático e orgânico. A disciplina na perspectiva de relação contínua e constante entre intelectuais e as massas populares, e vocada de maneira clara e consciente a diretriz a seguir, ampliando a personalidade das massas no sentido orgânico. “A disciplina não anula a personalidade e a liberdade: a questão da ‘personalidade e da liberdade’ se apresenta não em razão da disciplina, mas da ‘origem do poder que ordena a disciplina’” (Q 14, § 48, p. 1707). A disciplina amplia o desenvolvimento orgânico do “problema jurídico”. Esta é precisamente a função do direito no Estado e na sociedade; através do ‘direito’, o estado torna ‘homogêneo’ o grupo dominante e tende a criar um conformismo social que seja útil à linha de desenvolvimento do grupo dirigente (Q 6, § 84, p. 756). Assim, um Estado é ético ou de cultura “na medida em que uma de suas funções mais importantes é elevar a grande massa da população a um determinado nível cultural e moral, nível (ou tipo) que corresponde à necessidade de desenvolvimento das forças produtivas” (Q 8, § 179, p. 1049). Para superar o tipo de Estado criado pela burguesia, “só o grupo social que propõe o fim do Estado e de si mesmo como objetivo a ser alcançado pode criar um Estado ético, tendente a eliminar as divisões internas de dominados, etc., e a criar um organismo social unitário técnico-moral” (ibidem, p. 1050). No interior desses centros organizadores da continuidade “jurídica” da cultura estão os intelectuais de novo tipo, cuja finalidade é a gestação de um organismo social unitário. Nos centros ocorre “uma continuidade cuja característica essencial consiste no método, realista, sempre aderente à vida concreta em perpétuo movimento” (Q 6, § 84, p. 757). Eles atuam em distintas áreas da produção da vida humana. A conformação de um possível intelectual de novo tipo é assim expresso pelo autor dos Cadernos: Pode culminar em um grande filósofo individual, se este for capaz de reviver concretamente as exigências do conjunto da comunidade ideológica, de compreender que ela não pode ter a rapidez de movimento própria de um cérebro individual e, portanto, de conseguir elaborar formalmente a doutrina coletiva de maneira mais aderente e adequada aos modos de pensar do que um pensador coletivo (Q 11, § 12, p. 1391). ________________________ 175 CONSIDERAÇÕES FINAIS A materialidade orientadora do trabalho de pesquisa de novos conceitos e verdades mais amplas e profundas é o problema vivido pelas massas populares. Cabe às academias ou institutos culturais ordenar e classificar as iniciativas individuais para, em seguida, torná-las públicas. Para Gramsci, a socialização de verdades é bem mais significativa que as “decisões orgânicas”. No entanto, sem o ofício da burocracia não há como organizar um bom arquivo, de fácil acesso, no qual a atividade desenvolvida possa ser verificada, analisada e criticada. Se, por um lado, a burocracia gera determinados perigos, por outro lado, serão piores a descontinuidade e a improvisação. Para garantir a continuidade e a tradição são necessários: Órgão, o “boletim”, que [...] [possui] três seções principais: 1) artigos diretivos; 2) decisões e circulares; 3) crítica do passado, isto é, referência contínua do presente ao passado, isto é, a referência contínua do presente ao passado, par mostrar as diferenciações e as determinações e para justificá-las criticamente (Q 6, § 84, pp. 757-758). No entanto, são múltiplas as condições para elaborar uma consciência de massa. Os centros homogêneos de cultura possuem a empreitada de difundir a ideologia subalterna, sendo que esta tarefa não é a única. Gramsci congrega a tarefa do intelectual profissional com os centros organizadores da cultura na seguinte perspectiva: A capacidade do intelectual profissional de combinar habilmente indução e dedução, de generalizar sem cair no formalismo vazio, de transferir certos critérios de discriminação de uma esfera a outra do julgamento, adaptando-os à novas condições, etc., constitui uma “especialidade”, uma “qualificação”, não um dado do senso comum vulgar. É por isso, portanto, que não basta a premissa da “difusão orgânica, por um centro homogêneo, de um modo de pensar e de agir homogêneo” (Q 24, § 3, p. 2267-2268). Por isso, a necessidade e o incentivo do estudo concreto e o exame do funcionamento prático dos organismos culturais que movimentam o mundo ideológico, em um determinado país, tornam-se mais um elemento irradiador do núcleo sadio do senso comum. A análise de como está configurado o mundo ideológico é de fundamental importância para Gramsci, para elaborar cientificamente estratégias de intervenção no mundo da cultura popular. O empreendimento científico sobre a elevação cultural da massa em Gramsci aponta para o seguinte movimento: 176 1º. O trabalho de pesquisa científica sobre novas armas ideológicas seja deixado à livre iniciativa dos cientistas individuais ou coletivos; 2º. Inventariar a história precedente e do concreto existente sobre os movimentos das massas populares e em última instância, sociais; 3º. A elaboração da ética e da política através dos “experimentadores” históricos, os partidos políticos, como elaboradores de novas intelectualidades integrais e totalitárias; 4º. Traduzir as experiências precedentes e existentes do homem ativo de massa, o qual se tornou agente, dirigente e empreendedor organicamente; 5º. Elaborar estudos que demonstram que a “relação numérica entre o pessoal que está ligado profissionalmente ao trabalho cultural ativo e a população de cada país seria igualmente útil, com um cálculo aproximativo das forças livres” (Q 11, § 12, p. 1393); 6º. Examinar o funcionamento ideológico, tanto quantitativo quanto qualitativo, das organizações culturais e dos seus intelectuais, nos mais diversos segmentos, como o jornalismo, os médicos, a magistratura, as forças armadas, entre outros. Gramsci considera que a educação formal em todos os níveis, e as Igrejas, são as maiores organizações culturais devido à quantidade de pessoas que estão envolvidas no processo cultural. Por fim, o autor dos Cadernos demonstra no §12 toda a necessidade e finalidade da sua produção prático-teórica, ao afirmar que há uma grande cisão entre intelectuais e subalternos em todos os países. Isso ocorre pela inexistência de uma concepção unitária, coerente e homogênea entre os extratos de intelectuais. Na própria Universidade, “com exceção de alguns países, não exerce nenhuma função unificadora; um livre-pensador, frequentemente, tem mais influência do que toda a instituição universitária, etc.” (ibidem, p. 1394). Neste sentido, o otimismo da vontade e o pessimismo da razão tomam um lugar de destaque no conjunto das relações sociais para "o agente e necessariamente ativo e empreendedor" (Q 11, § 12, 1388). ________________________ 177 BIBLIOGRAFIA ABBAGNANO, Nicola. Storia della filosofia. La filosofia dei secoli XIX e XX. Milano: Tea, 1999. v. 6. AGGIO, Alberto; HENRIQUES, Luiz Sérgio; VACCA, Giuseppe (Orgs.). Gramsci no seu tempo. Tradução de Luiz Sérgio Henriques. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, coedição – Rio de Janeiro: Contraponto, 2010. ARICÓ, José. M.. La cola del diablo. Itinerário de Gramsci em América Latina. Buenos Aires: Siglo veintiuno, 2005. BADALONI, Nicola. Il marxismo di Gramsci: dal mito alla ricomposizione politica. Torino: Einaudi, 1975. ______ . Gramsci: a filosofia da práxis como previsão. In: HOBSBAWM, Eric (org.). História do marxismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991, v. X, p. 13-128 BALIBAR, Etienne. La filosofia di Marx. Roma: Manifestolibri, 2001. BARATTA, Giorgio. Le rose e i quaderni: il pensiero dialogico di Antonio Gramsci. Roma: Carocci, 2003. _____ . As rosas e os Cadernos – O pensamento dialógico de Antonio Gramsci. Tradução: Giovanni Semeraro. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. BERGSON, Henri. L’evolution créatrice. 77. ed., Paris: Presses Universitaires de France, 1948. BERRIEL, Carlos Eduardo O.. Gramsci e eles. n. 9, São Paulo: Nova Escrita Ensaio, 1982. BERTELLI, Antonio Roberto. Marxismo e transformações capitalistas: do Bernsteindebate à República de Weimar 1899-1933. São Paulo: IPSO – Instituto de projetos e Pesquisa Sociais e Tecnológicas: IAP – Institutos Astrojildo Pereira, 2000. BERTOCHI, Aparecido Francisco. A formação teórica de Bukhárin e a transição na URSS:1906-1921. 2005. 205 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2005. BIANCHI, Alvaro. O laboratório de Gramsci: filosofia, história e política. São Paulo: Alameda, 2008. BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxfor de filosofia. RJ: Editora Jorge Zahar, 1997. BOGO, Ademar. Identidade e luta de classe. 2a. ed, São Paulo: Expressão popular, 2010.. BOTTOMORE, Tom. (editor); HARRUS, Laurence; KIERNAN, V.G.; MILIBAND, Ralph (coeditores). Dicionário do pensamento marxista. Tradução de Waltensir Dutra; Antonio Moreira Guimarães (org.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. 178 BUCI-GLUCKSMANN, Christinne. Gramsci e o Estado. Tradução de Angelina Peralva. 2. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. BUJARIN, Nicolai. Teoria económica del período de transición. Córdoba: Pasado y Presente, 1974. BUKHÁRIN, Nicolai. Tratado de materialismo histórico. Tradução de Edgard Carone, Rio de Janeiro: Laemmert, 1970. BURGIO, Alberto. Gramsci storico: uma lettura dei Quaderni del carcere. Roma-Bari: Laterza, 2003. COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Nova ed. ampliada, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. _____ . De Rousseau a Gramsci: ensaios de teoria política. São Paulo: Boitempo, 2011. _____ . TEIXEIRA, Andréa de Paula. Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. CROCE, Benedetto. Materialismo storico ed economia marxistica. Primeira edição econômica, Bari: Laterza, 1968. _______. Filosofia della pratica: economia ed etica. 8. ed. Bari: Laterza, 1963. ______ . La storia come pensiero e come azione. 4. ed. Bari: Laterza, 1943a. ______ . Storia d’Europa nel secolo decimonono. 6. ed. Bari: Laterza, 1943b. ______ . Storia d’Italia dal 1871 al 1915. 8. ed. Bari: Laterza, 1943c. ______ . Etica e politica. Bari: Laterza, 1931. ______ . Saggio sullo Hegel. 3. ed. Bari: Laterza, 1927a. ______ . Teoria e storia della storiografia. 3. ed. Bari: Laterza, 1927b. ______ . Cultura e vita morale. Bari: Laterza, 1926. CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. DEL ROIO, Marcos. Os prismas de Gramsci: a fórmula da frente única (1919-1926). São Paulo: Xamã, 2005. _______ . Autonomia e antagonismo em Rosa Luxemburg e Gramsci. Marília, 2008. Material didático. 179 DURANTE, Lea e LIGUORI, Guido. Domande dal presente. Studi sul Gramsci. Roma: Carocci editore, 2012 FIORI, Giuseppe. Vita di Antonio Gramsci. Roma-Bari: Laterza, 1995. FRANCIONI, Gianni. Gramsci tra Croce e Cucharin: sulla strutura dei Quaderni 10 e 11. Crítica Marxista, Roma, a. 25, n.6, p. 19-45, 1992. FRANCIONI, Gianni. L’Officina gramsciana: ipottesi sulla struttura dei “Quaderni del carcere”. Napolis: Bibliopolis, 1984. FROSINI, Fabio. Filosofia della praxis. In: FROSINI, Fabio; LIGUORI, Guido. (Org.). Le parole di Gramsci: per um lessico dei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2004. p. 93-111. ______ . Gramsci e la filosofia: saggio sui Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2003. _____ . L’immanenza nei Quaderni del cárcere di Antonio Gramsci. Urbino, Itália: Istituto di Filosofia Arturo Massolo, 2004. Disponível em [email protected] _____ . Il “ritorno a Marx” nei Quaderni del carcere (1930). In: PETRONIO, Giuseppe; MUSITELLI, Marina Paladini. (Org.). Marx e Gramsci: memoria e attualità. Roma: Manifestolibri, 2001. p. 33-68. _____ . La religione dell’uomo moderno: política e verità nei Quaderni del cárcere di Antonio Gramsci. Roma: Carocci Editore, 2010. _____ . Mini-curso sobre filosofia da práxis. Niterói, RJ: FEUFF, 2011 (mimeo) _____ . Q 11 (1932): nota introdutiva. Mimeo, 2012. GENTILE, Giovanni. Studi vichiani. Firenze: Sansoni, 1968. _____ . La filosofia di Marx: studi critici. Firenze: Sansoni, 1955. _____ . La riforma della dialettica hegeliana. 3. ed. Firenze: Sansoni, 1954. _____ . Genesi e struttura della società: saggio di filosofia pratica. Firenze: Sansoni, 1946. _____ . Teoria generale dello spirito come atto puro. Firenze: Sansoni, 1944. _____ . Origini e dottrina del fascismo. Roma: Libreria del littorio, 1929. _____ . Che cosa è il fascimo. Firenze: Vallecchi, 1925. GERRATANA, Valentino. Gramsci: problemi di metodo. Roma: Riuniti, 1997. 180 GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. GRAMSCI, Antonio. La questione meridionale [1926]. Roma: Riuniti, 2005. Texto de Antonio Gramsci foi retomado da 3. ed., de 1970, organizada por Franco De Felice e Valentino Parlato. _____ . Quaderni del carcere. 8. ed. Torino: Einaudi, 2004. Edição crítica do Instituto Gramsci organizada por Valentino Gerratana. _____ . Quaderni del carcere. 8. ed.. Edição crítica do Instituto Gramsci organizada por Valentino Gerratana. – edição eletrônica. Torino: Einaudi, 2004. _____ . Cadernos do cárcere. Edição de Carlos Nelson Coutinho, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. 6v., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999 e segs, _____ . Lettere dal carcere. 2. ed,. Obra organizada por Sergio Caprioglio e Elsa Fubini. Torino: Giulio Einaudi, 1968. _____ . Cartas do cárcere. Edição de Carlos Nelson Coutinho com Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. 2v., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005 e segs, GRUPPI, Luciano. Il concetto di egemonia in Gramsci. Roma: Riuniti, 1977. _____. O leitor de Gramsci: escritos escolhidos 1916-1935. Carlos Nelson Coutinho (Org.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. HARNECKER, Marta. Los conceptos elementares del materialismo histórico. México: Siglo Veintiuno Editores, as., 1969. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Tradução de Paulo Meneses. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. Parte 1 e 2. _____ . Lecciones sobre la historia de la filosofia. Tradução de Wenceslao Roces. 6. ed., México: Fondo de cultura económica, 1996. 2v. _____ . Filosofia da história. Tradução de Maria Rodrigues e Hans Harden. 2. ed., Brasília: Ed. da UnB, 1999. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4ª ed. atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. JESUS, Antonio Tavares de. O pensamento e a prática escolar de Gramsci. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. KOJÈVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Tradução Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto : EDUERJ, 2002. 181 KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da práxis: o pensamento de Marx no século XXI. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. _____ . Introdução ao fascismo. Rio de Janeiro: Edições do Graal, 1977. KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Tradução de Célia Neves e Alderico Toríbio. 2. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. LABRIOLA, Antonio. Discorrendo di socialismo e di filosofia. 5. ed. Bari: Laterza, 1947a. _____ . La concezione materialista della storia. 3. ed. Bari: Laterza, 1947b. Com um posfácio, de 1937, de Benedetto Croce intitulado, “Come nacque e come morì il marxismo teorico in Italia (1895-1900)”. _____ . In memoria del manifesto dei comunisti. In: ______. La concezione materialista della storia. 3. ed. Bari: Laterza, 1947b. p. 6-52. Com um posfácio, de 1937, de Benedetto Croce intitulado, “Come nacque e come morì il marxismo teorico in Italia (1895-1900)”. _____. Del materialismo storico: dilucidazione preliminare. In: ______. La concezione materialista della storia. 3. ed. Bari: Laterza, 1947b. p. 130-245. Com um posfácio, de 1937, de Benedetto Croce intitulado, “Come nacque e come morì il marxismo teorico in Italia (1895-1900)”. _____ . Riforme e rivoluzione sociale. Milano: Società Editoriale Milanese, 1904. LÊNIN, Vladimir Ilitch. Que fazer? São Paulo: Hucitec, 1988. _____ . As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. In: ______. Obras escolhidas. 2. ed. 1982. v. 1. p. 35-39. São Paulo: Alfa-Omega, ______. Cultura e revolução cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. LEPRE, Aurelio. Il prigioniero: vita di Antonio Gramsci. Bari: Laterza, 2000. LIGUORI, Guido. Sentieri gramsciani. Roma: Carocci, 2006. _____ . Gramsci conteso: storia di un dibattito 1922-1996. Roma: Riuniti, 1996. _____ . Roteiros para Gramsci. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. LOSURDO, Domenico. Dai fratelli Spaventa a Gramsci: per una storia politicosociale della fortuna di Hegel in Italia. Napoli: La città del Sole, 1998. _____ . Gramsci, do liberalismo ao “comunismo crítico”. Tradução Teresa Ottoni; revisão da tradução Giovanni Semeraro. Rio de Janeiro: Revan, 2006. 182 _____ . Lotta culturale e organizzazione delle classi subalterne in Gramsci. In: BARATTA, Giorgio ; CATONE, Andrea. (Org.). Antonio Gramsci e il “progresso intellettuale di massa”. 5. ed. Milano: Unicopli, 1999. LÖWY, Michel. La théorie de la révoluton chez le jeune Marx. Maspero, Paris, 1970. LUPORINI, Cesare. Dialettica e materialismo. Roma: Riuniti, 1974. MACCIOCCHI, Maria-Antonietta. A favor de Gramsci. Tradução de Angelina Peralva. 2. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. MAESTRI, Mario; CANDREVA, Luigi. Gramsci: vida e obra de um comunista. São Paulo: Expressão Popular, 2007. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Hingo Weber. 3.ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. MARTELLI, Michele. Etica e storia: Croce e Gramsci a confronto. Napoli: La Città del Sole, 2001. _____ . Gramsci: filosofo della politica. Milano: Unicopli, 2000. MARTINS, Marcos Fransciso. Marx, Gramsci e o conhecimento: ruptura ou continuidade? Campinas, SP: Autores Associados; Americana, SP: Unisal – Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2008. MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004. _____ . Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011. _____ . Miséria da filosofia: resposta à Filosofia da miséria do Sr. Proudhon. Tradução de José Paulo Neto. São Paulo: Expressão Popular, 2009. _____ . Miséria da filosofia: resposta à filosofia da miséria do senhor Proudhon (1847).Tradução Paulo Ferreira Leite. São Paulo: Centauro, 2001. _____;. A ideologia alemã (I – Feuerbach). Tradução de José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da novíssima filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. Organização, tradução, prefácio e notas de Marcelo Backes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. MONDOLFO, Rodolfo. Umanismo di Marx. Studi filosofici 1908-1966. Torino: Giulio Einaudi, 1975. 183 MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2001. NOSELLA, Paolo. A Escola de Gramsci. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1992. OLIVEIRA, Tatiana Fonseca. A filosofia da Práxis nos Cadernos do Cárcere. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, SP : [s. n.], 2008. (Tese de doutorado). PAROLE CHIAVE: DIZIONARIO DI ITALIANO PER BRASILIANI. Tradução de Carlos Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2007. PIZZORNO, Alessandro; GALLINO, Luciano; BOBBIO, Norberto; DEBRAY, Regis; GRAMSCI, Antonio. Gramsci y las ciências sociales. Córdoba, Buenos Aires: Siglo XXI Argentina Editores S.A. PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1984. _____. Gramsci e o bloco histórico. Tradução de Angelina Peralva. 5 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. SADER, Emir (Org.). Gramsci: poder, política e partido. São Paulo: Expressão Popular, 2005. SANTARELLI, Enzo. Storia del fascismo. Roma: Riuniti, 1981. 2v. SANTOS, José Henrique. Trabalho e riqueza na Fenomenologia do espírito de Hegel. São Paulo: Loyola, 1993. SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a sociedade civil: cultura e educação para a democracia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. _____. Gramsci e os novos embates da filosofia da práxis. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2006. _____. Libertação e hegemonia: Realizar a América Latina pelos movimentos populares. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2009. _____; OLIVEIRA, Marcos Marques de; SILVA, Percival Tavares da; LEITÃO, Sônia Nogueira. Gramsci e os movimentos populares. Niterói/RJ: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2011. SECCO, Lincoln. Gramsci e a revolução. São Paulo: Alameda, 2006. SOREL, Georges. Democrazia e rivoluzione. Coletânea de textos de G. Sorel organizada e traduzida por Anna Maria Andreasi. Roma: Riuniti, 1973. SIMIONATTO, Ivete. Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, influência no serviço social. São Paulo: Cortez, 2011. 4ª ed. 184 TIMPANARO, Sebastiano. Considerações sobre o materialismo. Tradução de Emir Sader, com o texto final de Tatiana Fonseca Oliveira. Revista Margem Esquerda, n. 6, p. 163-176, São Paulo, 2006. TORRES, Artemis (org.). Educação e democracia: diálogos. Cuiabá: EdUFMT, 2012. TOGLIATTI, Palmiro. Gramsci. Coletânea de textos de Palmiro Togliatti sobre Antonio Gramsci organizada por E. Ragionieri. Roma: Riuniti, 1967. TOURINHO, Carlos; SEMERARO, Giovanni. As luzes e o progresso em questão (Org.). Rio de Janeiro: Booklink, 2010. VACCA, Giuseppe. Vida e pensamento de Antonio Gramsci: 1926-1937. Tradução de Luiz Sérgio Henriques. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia e circunstâncias. Tradução de Luiz Cavalcanti de M. Guerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. _______. Filosofia da práxis. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Cienicas Sociales – CLASCO; São Paulo: Expressão Popular, Brasil, 2007. _____ . Filosofia e circunstâncias. Tradução de Luiz Cavalcanti de M. Guerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. ZANARDO, Aldo. O manual de Bukhárin visto pelos comunistas alemães e Gramsci. In: BERTELLI, Antonio Roberto. (Org.). Bukhárin, teórico marxista. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1989. p. 55-81 ________________________ 185 ANEXOS Anexo I Composição Temática do Q 11 Quadro Comparativo das Referências Segundo as Edições dos Cadernos do Cárcere Nº § 12 Título Q Apontamentos para uma introdução e um encaminhamento ao estudo da filosofia e da história da cultura I, Alguns pontos preliminares de referência É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo difícil... 1 1 § de 2ª versã o X 1 1 X 1 1 X N º do § da 1ª versão Referência do texto segundo a edição de Valentino Gerratana Referência do texto segundo Coutinho (Q 8) 169, 204, 205,213, 220 e Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 63bis 64, 67 bis - 68 bis, 72 bis - 73 bis, 51 bis 52, 64 - 64 bis; e Quaderno 10 (XXXIII), p. 6a. Q 8: § 169 – A unidade da teoria e da prática; § 205 – Uma introdução ao estudo da filosofia; § 205 – determinismo mecânico e atividadevontade; § 213 – Uma introdução ao estudo da filosofia; § 220 – Uma introdução ao estudo da filosofia Q 10, II, § 21 – Introdução ao estudo da filosofia Q8 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 53 bis 54 bis e 55 - 55 bis. Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 54 bis 55 e 59. § 173 – Sobre o Ensaio popular; § 175 - Gentile § 174 – Sobre o Ensaio popular; § 186 – Sobre o Ensaio popular; § 196 - Sobre o Ensaio popular; § 197 - Sobre o Ensaio popular; § 202 - Sobre o Ensaio Q8 (Q 10) 13 14 15 II. Observações e notas críticas sobre uma tentativa de “Ensaio popular de sociologia” 1 1 Um trabalho como o Ensaio popular... Sobre a metafísica 1 1 X 173, 175 1 1 X 174, 186 O conceito de “ciência” 1 1 X 196, 197,202 e 229 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 61 bis, 63, 61 - 61 bis, 75 bis. Nº do Q Q 10 Q8 Q8 § única versã o 186 16 Questões de nomenclatura e de conteúdo 1 1 X 171, 206 e 211 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 52 bis 53 bis, 67 - 67 bis, 64 bis. 17 A chamada “realidade do mundo exterior” 1 1 X 177, 215, 217 (Q 8) e 47 (Q 7) Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 70 bis, 71 bis - 72, 56 - 56 bis e Quaderno 7 (VII) p. 73 bis. 18 Juízo sobre as filosofias passadas 1 1 X 219, 232 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 72 bis e 76 bis - 77. 19 Sobre a arte 1 1 X 201 20 1 1 X 25, 47 1 1 X 5 22 Objetividade e realidade do mundo exterior A ciência e os instrumentos científicos Questões gerais Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 62 bis 63 e 68 bis. Cfr Quaderno 7 (VII), pp. 73 bis e 64 - 64 bis. Cfr Quaderno 7 (VII), p. 54. 1 1 X 20, 26 e 29 Cfr Quaderno 7 (VII), pp. 61 bis, 64 bis - 65, 65 bis - 66. 23 A teleologia X 46 24 A linguagem e as metáforas Redução da filosofia da práxis a uma sociologia Questões gerais 1 1 1 1 1 1 X 36 X 6 Cfr Quaderno 7 (VII), p. 73. Cfr Quaderno 7 (VII), pp. 69 bis - 70. Cfr Quaderno 7 (VII), pp. 54-55. 1 1 X 13 e 23 Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 52-53 e 58. 21 25 26 27 Conceitos de ortodoxia 1 1 X 11, 14 e 34 Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 53 - 53 bis, 51 - 51 bis e 65. 28 A imanência e a 1 X 17 Cfr Quaderno 4 popular; § 229 - Sobre o Ensaio popular. § 171 – Sobre o Ensaio popular. Questão de nomenclatura e de conteúdo; § 206 – A história do materialismo de Lange. § 211 – O termo “materialismo” ... Q 8: § 177 – A realidade “objetiva”; § 215 – Ensaio popular. A realidade do mundo exterior; § 217 – Realidade do mundo exterior; Q 7: § 47 – Sobre o Ensaio popular. § 219 – Ensaio popular. Resíduos de metafísica; § 232 – Ensaio popular. Juízo sobre as filosofias passadas. § 201 – Ensaio popular. Sobre a arte Q8 Q8 Q8 Q8 § 25 – Objetividade do real; § 47 – Sobre o Ensaio popular. § 5 – O Ensaio popular, a ciência e os instrumentos da ciência § 20 – O “Ensaio popular” § 26 – Sobre o “Ensaio popular” § 29 – Sobre o “Ensaio popular”. § 46 - Sobre o Ensaio popular. A teleologia § 36 – Ensaio popular. A metáfora da linguagem § 6 – O Ensaio popular e a sociologia Q7 § 13 – Notas e observações críticas sobre o Ensaio popular; § 23 – O Ensaio popular e as leis sociológicas § 11 – Problemas fundamentais do marxismo; § 14 – O conceito de “ortodoxia”; § 34 – A propósito do nome “materialismo histórico” § 17 – A imanência e o Q4 Q7 Q7 Q7 Q7 Q7 Q4 Q4 187 filosofia da práxis 1 29 O “instrumento técnico” 1 1 X 12 e 19 30 A “matéria” 1 1 X 25 31 A causa última 1 1 X 26 32 Quantidade e qualidade 1 1 X 32 33 Questões gerais X 33 34 A objetividade do mundo exterior 1 1 1 1 X 40 e 47 35 A teleologia 1 1 X 16 e 27 (Q 4) e 239 Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 54 bis - 55 e 60; e Quaderno 8 (XXVIII), p. 79. III. A ciência e as ideologias científicas A afirmação de Eddington 1 1 1 1 X 170 e 176 Compilar as principais definições que formam dadas da ciência Colocar a ciência como a base da vida Deve-se notar que, ao lado do mais superficial fanatismo pela ciência... IV. Os instrumentos lógicos do pensamento Cf. Mario Govi, Fundazone della metodologia A dialética como parte da lógica formal e da retórica Valor meramente 1 1 X 41 1 1 X 1 1 36 37 38 39 40 41 42 (XIII), pp. 55 - 55 bis. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 56 bis - 57 e 51 bis - 52. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 58 bis - 59 bis. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 52-53 e 58. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 64 - 64 bis. Cfr Quaderno 4 (XIII), p. 74 bis. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 80 e 77 77 bis. Ensaio popular § 12 – Estrutura e superestrutura; § 19 – O “instrumento técnico” § 25 – Notas sobre o Ensaio popular. Q4 Q4 § 26 – O Ensaio popular e a “causa última” § 32 – Ensaio popular Q4 § 33 – Sobre o Ensaio popular § 40 –A “objetividade do real” e o prof. Lukacz; § 47 – A objetividade do real e Engels Q 4: § 16 – A teleologia no Ensino popular; § 27 – Teleologia; Q 8: § 239 – Ensaio popular. Teleologia Q4 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 52 - 52 bis e 55bis - 56. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 75-76. § 170 – Ideologias científicas; § 176 – A “nova” ciência. § 41 – A ciência Q8 7 Cfr Quaderno 4 (XIII), p. 49. § 7 – As superestruturas e a ciência Q4 X 71 Cfr Quaderno 4 (XIII), p. 39 bis. § 71 – A ciência Q4 1 1 X 184 § 184 – Lógica formal Q8 1 1 X 183 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 58 - 58 bis. Cfr Quaderno 8 (XXVIII), p. 58. § 183 – Dialética Q8 1 X 189 Cfr Quaderno 8 §189 – Lógica formal e Q 8 Q4 Q4 Q4 1 1 188 43 instrumental da lógica e da metodologia formais Bibliografia 1 1 1 1 1 X 194 X 18 e 21 X 3 44 A técnica do pensar 45 Esperanto filosófico e científico V. Traducibilidade das linguagens científicas e filosóficas Em 1921, tratando de problemas de organização, Vilitch... Deve-se resolver o seguinte problema... Giovanni Vailati e traducibilidade das linguagens científicas Observação contida na Sagrada Família... VI. Apontamentos miscelâneos História da terminologia e das metafísicas 1 1 46 47 (XXVIII), pp. 59 bis 60. metodologia Cfr Quaderno 8 (XXVIII), p. 60 bis. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 55 bis - 56 bis e 57 - 57 bis Cfr Quaderno 7 (VII), pp. 53 bis - 54. §194 – Lógica formal Q8 § 18 – Técnica do pensar § 21 - A técnica do pensar Q4 §3 – “Esperanto filosófico” e científico Q7 1 1 1 1 X X 2 Cfr Quaderno 7 (VII), p. 53 bis. §2 – Traducibilidade das linguagens científicas Q7 1 1 X 1 1 X 42 Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 76-77. §42 – Giovanni Vailati e a linguagem científica Q4 1 1 X 208 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 65-66. § 208 – Traducibilidade (recíproca) das culturas nacionais Q8 1 1 X 207 e 234 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 65 e 77 bis. Q8 Série de conceitos e de posições filosóficas a examinar Regularidade e necessidade 1 1 X 235 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 77 bis 78. §207 – Questões de terminologia; § 234 – “Aparências” e estruturas §235 – Introdução ao estudo da filosofia 1 1 X 128 e 222 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 40-41 e 78 bis - 79. Q8 53 Filosofia especulativa 1 1 X 238 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), p. 79. 54 Unidade da teoria e da prática Originalidade e ordem intelectual Bom senso e senso comum A realidade do mundo exterior 1 1 1 1 1 1 1 1 X 199 X 192 X 19 Cfr Quaderno 8 (XXVIII), p. 62. Cfr Quaderno 8 (XXVIII), p. 60. Cfr Quaderno 8 (XXVIII), p. 8 bis. § 128 – Ciência econômica; §222 – Introdução ao estudo da filosofia. Sobre o conceito de regularidade e de lei nos fatos históricos §238 – Introdução ao estudo da filosofia. Filosofia especulativa §199 – Unidade da teoria e da prática §192 – Originalidade e ordem intelectual §19 – Senso comum 48 49 50 51 52 55 56 57 1 1 Q8 Q8 Q8 Q8 Q8 X 189 58 Ética 59 O que é a filosofia? A realidade do mundo exterior Filósofos-literatos e filósofoscientistas Historicidade da filosofia da práxis 60 61 62 1 1 1 1 1 1 1 1 X X X X 1 1 X 40 e 45 63 Conceito de “ideologia” 1 1 X 35 64 “Objetividade” do conhecimento 1 1 X 37 65 Filosofia-políticaeconomia 1 1 X 46 66 Sorel, Proudhon, De Man 1 1 X (Q 4) 2, 30 e 31; Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 78 bis - 79 e 74 bis – 75. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 65 bis 66. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 66 bis 67. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 79 bis 80. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 61-64, 39, 78-78 bis, 36; Quaderno 8 (XXVIII), p. 51, e (Q 8) 167 68 69 70 Passagem do saber ao compreender, ao sentir, e viceversa A “nova” Ciência. G.A. Borgese e Michel Ardan Sorel, Proudhon, De Man Antonio Labriola 1 1 X 33 1 1 X 58 1 1 1 1 Q4 §37 – Idealismo-positivismo (“Objetividade” do conhecimento) §46 – Filosofia – política economia Q4 Q 4: § 2 – O livro de De Man § 30 – O livro de De Man § 31 - De George Sorel Q4 Q8 Q4 Q4 Q4 Q 8: §167 - O livro de De Aan (Q 4) 63,66 e 70 67 § 40 – Filosofia e ideologia § 45 – Estrutura e superestrutura §35 – Sobre a origem do conceito de “ideologia” Quaderno 4 (XIII), pp. 42 - 42 bis, 60-61 e 80 bis. Cfr Quaderno 4 (XIII), pp. 64 bis 65. Q 4: §66 – O livro de Henri De Man § 63 – Epistolário Sorel – Croce; § 70 – Sorel, os jacobinos, a violência §33 – Passagem do saber ao compreender e ao sentir e vice-versa Cfr Quaderno 9 (XIV), pp. 41-42. §58 – A “nova” ciência. Borgese e Michel Ardan Q4 Q9 X X 31 Cfr Quaderno 3 (XX), pp. 16-17. §31 – Tipos de revista Q3 190 Composição do Caderno 11 Q com a 1ª versão Quantidade de § Q3 Q4 1 21 Q7 8 Q8 22 Q 10 1 Nº do § com a 1ª versão Nº dos § com a 2ª versão (no Q 11) Nº dos parágrafos do Q 11 com única versão Quantidade de citações 47; 57 ao .61 7 70 26 ao 35; 37 ao 39; 44; 48; 62 ao 67 20 ao 25; 45 e 46; 13 ao 19; 36; 40 ao 43; 49 ao 56; 12 Obs.: Os parágrafos 12 e 66 do Q 11 são a síntese dos Q 4, 8 e 10. Parágrafos de 2ª versão: 53 Versão única: Total: 7 60 191 Anexo II Quadro Demonstrativo da Gênese do § 12 § - texto A 204 21 213 220 169 205 Q 8 10 8 8 8 8 Período da escrita segundo Francioni Maio de 1932 Páginas segundo Guerratana 11 -11 bis, 12 bis, 13bis 1063 - 1064 13 bis - 14 1259 Março de 1932 14-15, 18bis, 15. 1070-1071 Março de 1932 15-16. 1080-1081 Novembro de 1931 16-17bis 1041-1042 Entre fevereiro e março 17bis – 18 bis 1064 de 1932 Nº em vermelho Fonte: Adaptado de Compilação dos Dados pelo Autor. ________________________ 192 Não há dúvida de que a conquista inevitável do poder político pela classe trabalhadora trará a adoção do ensino tecnológico, teórico e prático nas escolas dos trabalhadores. Karl Marx O Capital 193 Anexo III Texto Completo do Parágrafo 12 do Cadderno 11 em Italiano e na Edição Brasileira Consta o § 12 do Q 11 na íntegra, tanto em italiano, extraído da Edição da eletrônica, Quaderni del carcere, 8. Ed. Torino: Einaudi, 2004, Edição crítica do Instituto Gramsci, organizada por Valentino Gerratana, quanto em português, com a tradução de Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. 4ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, v. 1. Além do elemento comparativo entre o original e a tradução, no texto em italiano é possível verificar o método utilizado por Gramsci para marcar as páginas e mantida por Gerratana na Edição Crítica. Considerando a importância do parágrafo 12 do Q 11 e o movimento crescente do texto, a pesquisa optou por uma perspectiva metodológica de identificar dentro do parágrafo os subparágrafos em ordem crescente. Com base no anexo II é possível identificar na Edição eletrônica os seis textos A e os subparágrafos “novos”. |11| APPUNTI PER UNA INTRODUZIONE E UN AVVIAMENTO ALLO STUDIO DELLA FILOSOFIA E DELLA STORIA DELLA CULTURA 1º I. Alcuni punti preliminari di riferimento. 〈§ 12〉. Occorre distruggere il pregiudizio molto diffuso che la filosofia sia un alcunché di molto difficile per il fatto che essa è l’attività intellettuale propria di una determinata categoria di scienziati specialisti o di filosofi professionali e sistematici. Occorre pertanto dimostrare preliminarmente che tutti gli uomini sono «filosofi», definendo i limiti e i caratteri di questa «filosofia spontanea», propria di «tutto il mondo», e cioè della filosofia che è contenuta: 1) nel linguaggio stesso, che è un insieme di nozioni e di concetti determinati e non già e solo di parole grammaticalmente vuote di contenuto; 2) nel senso comune e buon senso; 3) nella religione popolare e anche quindi in tutto il sistema di credenze, superstizioni, opinioni, modi di vedere e di operare che si affacciano in quello che generalmente si chiama «folclore». Apontamentos para uma introdução e um encaminhamento ao estudo da filosofia e da história da cultura Tradução: Carlos Nelson Coutinho, 2006, v. 1, p. 93-114 1° I.Alguns apontamentos preliminares de referência. § 12. É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou filósofos profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente que todos os homens são “filósofos”, definindo os limites e as características desta “filosofia espontânea”, peculiar a “todo mundo”, isto é, da filosofia que está contida: 1) na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de conceitos determinados e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo; 2) no senso comum e no bom senso; 3) na religião popular e, conseqüentemente, em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e de agir que se manifestam naquilo que geralmente se conhece por “folclore”. 2º 2º Avendo dimostrato che tutti sono filosofi, sia pure a modo loro, inconsapevolmente, perché anche solo nella minima manifestazione di una qualsiasi attività intellettuale, il «linguaggio», è contenuta una determinata Após demonstrar que todos são filósofos, ainda que a seu modo, inconscientemente – já que, até mesmo na mais simples manifestação de uma atividade intelectual qualquer, na “linguagem”, está contida uma determinada 194 concezione del mondo, si passa al secondo momento, al momento della critica e della consapevolezza, cioè alla quistione: è preferibile «pensare» senza averne consapevolezza critica, in modo disgregato e occasionale, cioè «partecipare» a una concezione del mondo «imposta» meccanicamente dall’ambiente esterno, e cioè da uno dei tanti gruppi sociali nei quali ognuno è automaticamente coinvolto fin dalla sua entrata nel mondo cosciente (e che può essere il proprio villaggio o la provincia, può avere origine nella parrocchia e nell’«attività intellettuale» del curato o del vecchione patriarcale la cui «saggezza» detta legge, nella donnetta che ha ereditato la sapienza dalle streghe o nel piccolo intellettuale inacidito nella |11 bis| propria stupidaggine e impotenza a operare) o è preferibile elaborare la propria concezione del mondo consapevolmente e criticamente e quindi, in connessione con tale lavorio del proprio cervello, scegliere la propria sfera di attività, partecipare attivamente alla produzione della storia del mondo, essere guida di se stessi e non già accettare passivamente e supinamente dall’esterno l’impronta alla propria personalità? concepção de mundo -, passa-se ao segundo momento, ao momento da crítica e da consciência, ou seja, ao seguinte problema: é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção de mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos muitos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (e que pode ser a própria aldeia ou a província, pode se originar na paróquia e na “atividade intelectual” do vigário ou do velho patriarca, cuja “sabedoria dita leis, na mulher que herdou a sabedoria das bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela impotência para a ação), ou é preferível elaborar a própria concepção de mundo de uma maneira consciente e crítica e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade? 3º 3º Nota I. Pela própria concepção de mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente e de todos os elementos sociais que partilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homenscoletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte? Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista, preconceitos de todas as fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído. Significa também, portanto, criticar toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que é realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, esta análise. Nota I. Per la propria concezione del mondo si appartiene sempre a un determinato aggruppamento, e precisamente a quello di tutti gli elementi sociali che condividono uno stesso modo di pensare e di operare. Si è conformisti di un qualche conformismo, si è sempre uomini-massa o uomini-collettivi. La quistione è questa: di che tipo storico è il conformismo, l’uomo-massa di cui si fa parte? Quando la concezione del mondo non è critica e coerente ma occasionale e disgregata, si appartiene simultaneamente a una molteplicità di uomini-massa, la propria personalità è composita in modo bizzarro: si trovano in essa elementi dell’uomo delle caverne e principii della scienza più moderna e progredita, pregiudizi di tutte le fasi storiche passate grettamente localistiche e intuizioni di una filosofia avvenire quale sarà propria del genere umano unificato mondialmente. Criticare la propria concezione del mondo significa dunque renderla unitaria e coerente e innalzarla fino al punto cui è giunto il pensiero mondiale più progredito. Significa quindi anche criticare tutta la filosofia finora esistita, in quanto essa ha lasciato stratificazioni consolidate nella filosofia popolare. L’inizio dell’elaborazione critica è la coscienza di quello che è realmente, cioè un «conosci te stesso» come prodotto del processo storico finora svoltosi che ha lasciato in te stesso un’infinità di tracce accolte senza beneficio d’inventario. Occorre fare inizialmente un tale inventario. 4º Nota II. Non si può separare la filosofia dalla storia della filosofia e la cultura dalla storia della cultura. Nel senso più immediato e aderente, non si può essere |12| filosofi, cioè avere una concezione del mondo criticamente coerente, senza la consapevolezza della Sua storicità, della fase di sviluppo da essa 4º Nota II. Não se pode separar a filosofia da história da filosofia, nem a cultura da história da cultura. No sentido mais imediato e determinado, não se pode ser filósofo – isto é, ter uma concepção do mundo criticamente coerente – sem a consciência da própria historicidade, da fase de desenvolvimento por ela representada e do fato de que ela 195 rappresentata e del fatto che essa è in contraddizione con altre concezioni o con elementi di altre concezioni. La propria concezione del mondo risponde a determinati problemi posti dalla realtà, che sono ben determinati e «originali» nella loro attualità. Come è possibile pensare il presente e un ben determinato presente con un pensiero elaborato per problemi del passato spesso ben remoto e sorpassato? Se ciò avviene, significa che si è «anacronistici» nel proprio tempo, che si è dei fossili e non esseri modernamente viventi. O per lo meno che si è «compositi» bizzarramente. E infatti avviene che gruppi sociali che per certi aspetti esprimono la più sviluppata modernità, per altri sono in arretrato con la loro posizione sociale e pertanto sono incapaci di completa autonomia storica. está em contradição com outras concepções ou com elementos de outras concepções. A própria concepção do mundo responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem determinados e “originais” em sua atualidade. Como é possível pensar o presente, e um presente bem determinado, como um pensamento elaborado em face de problemas de um passado freqüentemente bastante remoto? Se isto ocorre, significa que somos “anacrônicos” em face da época em que vivemos, que somos fósseis e não seres que vivem de modo moderno. Ou pelo menos, que somos bizarramente “compósitos”. E ocorre, de fato, que grupos sociais que, em determinados aspectos, exprimem a mais desenvolvida modernidade, em outros manifestam-se atrasados com relação à sua posição social, sendo, portanto, incapazes de completa autonomia histórica. 5º 5º Nota III. Se é verdade que toda linguagem contém os elementos de uma concepção de mundo e de uma cultura, será igualmente verdade que, a partir da linguagem de cada um, é possível julgar a maior ou menor complexidade da sua concepção de mundo. Quem fala somente o dialeto ou sempre compreende a língua nacional em graus diversos participa necessariamente de uma intuição do mundo mais ou menos restrita e provinciana, fossilizada, anacrônica em relação às grandes correntes de pensamento que dominam a história mundial. Seus interesses serão restritos, mais ou menos corporativistas ou economicistas, não universais. Se nem sempre é possível aprender outras línguas estrangeiras a fim de colocar-se em contato com vidas culturais diversas, deve-se pelo menos conhecer bem a língua nacional. Uma grande cultura pode traduzir-se na língua de outra cultura, ou seja, ser uma expressão mundial. Mas, com um dialeto, não é possível fazer a mesma coisa. Nota III. Se è vero che ogni linguaggio contiene gli elementi di una concezione del mondo e di una cultura, sarà anche vero che dal linguaggio di ognuno si può giudicare la maggiore o minore complessità della sua concezione del mondo. Chi parla solo il dialetto o comprende la lingua nazionale in gradi diversi, partecipa necessariamente di una intuizione del mondo più o meno ristretta e provinciale, fossilizzata, anacronistica in confronto delle grandi correnti di pensiero che dominano la storia mondiale. I suoi interessi saranno ristretti, più o meno corporativi o economistici, non universali. Se non sempre è possibile imparare più lingue straniere per mettersi a contatto con vite culturali diverse, occorre almeno imparare bene la lingua nazionale. Una grande cultura può tradursi nella lingua di un’altra grande cultura, cioè una grande lingua nazionale, storicamente ricca e complessa, può tradurre qualsiasi altra grande cultura, cioè essere una espressione mondiale. Ma un dialetto non può fare la stessa cosa. 6º Nota IV. Creare una nuova cultura non significa solo fare individualmente delle scoperte «originali», significa anche e specialmente diffondere criticamente delle verità già scoperte, «socializzarle» per così dire e |12 bis| pertanto farle diventare base di azioni vitali, elemento di coordinamento e di ordine intellettuale e morale. Che una massa di uomini sia condotta a pensare coerentemente e in modo unitario il reale presente è fatto «filosofico» ben più importante e «originale» che non sia il ritrovamento da parte di un «genio» filosofico di una nuova verità che rimane patrimonio di piccoli gruppi intellettuali. 6º Nota IV. Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; e, portanto, transformá-las em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” do que a descoberta, por parte de um “gênio” filosófico, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos sociais. 7º 7º Conexão entre o senso comum, a religião e a filosofia. A filosofia é uma ordem intelectual, o que nem a religião nem o senso comum podem ser. Ver como, na realidade, tampouco coincidem religião e senso comum, mas a Connessione tra il senso comune, la religione e la filosofia. La filosofia è un ordine intellettuale, ciò che non possono essere né la religione né il senso comune. Vedere come, nella realtà, neanche 196 religione e senso comune coincidono, ma la religione è un elemento del disgregato senso comune. Del resto «senso comune» è nome collettivo, come «religione»: non esiste un solo senso comune, ché anche esso è un prodotto e un divenire storico. La filosofia è la critica e il superamento della religione e del senso comune e in tal senso coincide col «buon senso» che si contrappone al senso comune. religião é um elemento do senso comum desagregado. Ademais, “senso comum” é um nome coletivo, como “religião”; não existe um único senso comum, pois também ele é um produto e um devir histórico. A filosofia é a crítica e a superação da religião e do senso comum e, nesse sentido, coincide com o “bom senso”, que se contrapõe ao senso comum. 8º 8° Relações entre ciência-religião-senso comum. A religião e o senso comum não podem constituir uma ordem intelectual porque não podem reduzir-se à unidade e à coerência nem mesmo na consciência individual, para não falar na consciência coletiva: não podem reduzir-se à unidade de coerência “livremente”, já que “automaticamente” isto poderia ocorrer, como de fato ocorreu, dentro de certos limites, no passado. O problema da religião, entendida não no sentido confessional, mas no laico, de unidade de fé entre uma concepção do mundo e uma norma de conduta adequada a ela: mas por que chamar esta unidade de fé da “religião”, e não de “ideologia” ou, mesmo, de “política”? Relazioni tra scienza - religione - senso comune. La religione e il senso comune non possono costituire un ordine intellettuale perché non possono ridursi a unità e coerenza neanche nella coscienza individuale per non parlare della coscienza collettiva: non possono ridursi a unità e coerenza «liberamente» perché «autoritativamente» ciò potrebbe avvenire come infatti è avvenuto nel passato entro certi limiti. Il problema della religione intesa non nel senso confessionale ma in quello laico di unità di fede tra una concezione del mondo e una norma di condotta conforme; ma perché chiamare questa unità di fede «religione» e non chiamarla «ideologia» o addirittura «politica»? 9º Non esiste infatti la filosofia in generale: esistono diverse filosofie o concezioni del mondo e si fa sempre una scelta tra di esse. Come avviene questa scelta? È questa scelta un fatto meramente intellettuale o più complesso? E non avviene spesso che tra il fatto intellettuale e la norma di condotta ci sia contraddizione? Quale sarà allora la reale concezione del mondo: quella lógica |13| mente affermata come fatto intellettuale, o quella che risulta dalla reale attività di ciascuno, che è implicita nel suo operare? E poiché l’operare è sempre un operare politico, non si può dire che la filosofia reale di ognuno è contenuta tutta nella sua politica? Questo contrasto tra il pensare e l’operare, cioè la coesistenza di due concezioni del mondo, una affermata a parole e l’altra esplicantesi nell’effettivo operare, non è dovuto sempre a malafede. La malafede può essere una spiegazione soddisfacente per alcuni individui singolarmente presi, o anche per gruppi più o meno numerosi, non è soddisfacente però quando il contrasto si verifica nella manifestazione di vita di larghe masse: allora esso non può non essere l’espressione di contrasti più profondi di ordine storico sociale. Significa che un gruppo sociale, che ha una sua propria concezione del mondo, sia pure embrionale, che si manifesta nell’azione, e quindi saltuariamente, occasionalmente, cioè quando tal gruppo si muove come un insieme organico, ha, per ragioni di sottomissione e subordinazione intellettuale, preso una concezione non sua a prestito da un altro gruppo e questa afferma a parole, e questa anche crede di seguire, perché la segue in «tempi normali», cioè quando la condotta non è indipendente e autonoma, ma appunto sottomessa e subordinata. Ecco quindi che non si può staccare la filosofia dalla politica e si può mostrare anzi che la scelta e la critica di una 9º Com efeito, não existe filosofia em geral: existem diversas filosofias ou concepções do mundo, e sempre se faz uma escolha entre elas. Como ocorre esta escolha? É esta escolha um fato puramente intelectual, ou é um fato mais complexo? E não ocorre freqüentemente que entre o fato intelectual e a norma de conduta exista uma contradição? Qual será, então, a verdadeira concepção do mundo: a que é logicamente afirmada como fato intelectual, ou a que resulta da atividade real de cada um, que está implícita na sua ação? E, já que a ação é sempre uma ação política, não se pode dizer que a verdadeira filosofia de cada um se acha inteiramente contida na política? Este contraste entre o pensar e o agir, isto é, a coexistência de duas concepções do mundo, uma afirmada por palavras e a outra manifestando-se na ação efetiva, nem sempre se deve à má-fé. A má-fé pode ser uma explicação satisfatória para alguns indivíduos considerados isoladamente, ou até mesmo para grupos mais ou menos numerosos, mas não é satisfatória quando o contraste se verifica nas manifestações vitais de amplas massas: neste caso, ele não pode deixar de ser a expressão de contrates mais profundos de natureza histórico-social. Isto significa que um grupo social, que tem sua própria concepção de mundo, ainda que embrionária, que se manifesta na ação, e portanto, de modo descontínuo e ocasional – isto é, quando tal grupo se movimenta como um conjunto orgânico -, toma emprestado a outro grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual, uma concepção que não é a sua, e a afirma verbalmente, e também acredita segui-la, já que a segue em “épocas normais”, ou seja, quando a conduta não e independente e autônoma, mas sim submissa e subordinada. É por isso, portanto, que não se pode separar a filosofia da política; ao contrário, pode-se demonstrar que a escolha e a crítica de uma concepção do mundo são, também elas, fatos políticos. 197 concezione del mondo è fatto politico anch’essa. 10º Occorre dunque spiegare come avviene che in ogni tempo coesistano molti sistemi e correnti di filosofia, come nascono, come si diffondono, perché nella diffusione seguono certe linee di frattura e certe direzioni ecc. Ciò mostra quanto sia necessario sistemare criticamente e coerentemente le proprie intuizioni del mondo e della vita, fissando con esattezza cosa deve intendersi per «sistema» perché non sia capito nel senso pedantesco e professorale della parola. Ma questa elaborazione deve essere e può solo essere fatta nel quadro della storia della filosofia |13 bis| che mostra quale elaborazione il pensiero abbia subito nel corso dei secoli e quale sforzo collettivo sia costato il nostro attuale modo di pensare che riassume e compendia tutta questa storia passata, anche nei suoi errori e nei suoi delirii, che, d’altronde, per essere stati commessi nel passato ed essere stati corretti non è detto non si riproducano nel presente e non domandino di essere ancora corretti. 11º Quale è l’idea che il popolo si fa della filosofia? Si può ricostruire attraverso i modi di dire del linguaggio comune. Uno dei più diffusi è quello di «prendere le cose con filosofia», che, analizzato, non è poi da buttar via del tutto. È vero che in esso è contenuto un invito implicito alla rassegnazione e alla pazienza, ma pare che il punto più importante sia invece l’invito alla riflessione, a rendersi conto e ragione che ciò che succede è in fondo razionale e che come tale occorre affrontarlo, concentrando le proprie forze razionali e non lasciandosi trascinare dagli impulsi istintivi e violenti. Si potrebbero raggruppare questi modi di dire popolari con le espressioni simili degli scrittori di carattere popolare – prendendole dai grandi vocabolari – in cui entrano i termini di «filosofia» e «filosoficamente» e si potrà vedere che questi hanno un significato molto preciso, di superamento delle passioni bestiali ed elementari in una concezione della necessità che dà al proprio operare una direzione consapevole. È questo il nucleo sano del senso comune, ciò che appunto potrebbe chiamarsi buon senso e che merita di essere sviluppato e reso unitario e coerente. Così appare che anche perciò non è possibile disgiungere quella che si chiama filosofia «scientifica» da quella filosofia «volgare» e popolare che è solo un insieme disgregato di idee e opinioni. 12º Ma a questo punto si pone il problema fondamentale di ogni concezione del mondo, di ogni filosofia, che sia diventata un movimento culturale, una «religione», una «fede», cioè che abbia |14| prodotto un’attività pratica e una volontà e in esse sia contenuta come «premessa» teorica implicita (una «ideologia» si potrebbe dire, se al termine ideologia si dà appunto il significato più alto di una concezione del mondo che si manifesta implicitamente nell’arte, nel diritto, nell’attività economica, in tutte le manifestazioni di vita 10° Deve-se, portanto, explicar como ocorre que em cada época coexistam muitos sistemas e correntes de filosofia, como nascem, como se difundem, por que nessa difusão seguem certas linhas de separação e certas direções, etc. Isto mostra o quanto é necessário sistematizar crítica e coerentemente as próprias intuições do mundo e da vida, fixando com exatidão o que se deve entender por “sistema”, a fim de evitar compreendê-lo num sentido pedante e professoral. Mas esta elaboração deve ser feita, e somente pode ser feita, no quadro da história da filosofia, que mostra qual foi a elaboração que o pensamento sofreu no curso dos séculos e qual foi o esforço coletivo necessário para que existisse o nosso atual modo de pensar, que resume e comprendia toda esta história passada, mesmo em seus erros e em seus delírios, os quais, de resto, não obstante terem sido cometidos no passado e terem sido corrigidos, podem ainda se reproduzir no presente e exigir novamente a sua correção. 11º Qual é a idéia que o povo faz da filosofia? Pode-se reconstruí-la através das expressões da linguagem comum. Uma das mais difundidas é a de “tomar as coisas com filosofia”, a qual, analisada, não tem por que ser inteiramente afastada. É verdade que nela se contém um convite implícito à resignação e à paciência, mas parece que o ponto mais importante seja, ao contrário, o convite à reflexão, à tomada de consciência de que aquilo que acontece é, no fundo, racional, e que assim deve ser enfrentado, concentrando as próprias forças racionais e não se deixando levar pelos impulsos instintivos e violentos. Essas expressões populares poderiam ser agrupadas com as expressões similares dos escritores de caráter popular (recolhidas dos grandes dicionários) nas quais entrem os termos “filosofia” e “filosoficamente”; e assim se poderá perceber que tais expressões têm um significado muito preciso, a saber, o da superação das paixões bestiais e elementares numa concepção da necessidade que fornece à própria ação uma direção consciente. Este é o núcleo sadio do senso comum, que poderia precisamente ser chamado de bom senso e que merece ser desenvolvido e transformado em algo unitário e coerente. Torna-se evidente, assim, por que não é possível a separação entre a chamada filosofia “científica” e a filosofia “vulgar” e popular, que é apenas um conjunto desagregado de idéias e de opiniões. 12º Mas, nesse ponto, coloca-se o problema fundamental de toda concepção do mundo, de toda filosofia que se transformou em um movimento cultural, em uma “religião”, em uma “fé,” ou seja, que produziu uma atividade prática e uma vontade nas quais ela esteja contida como “premissa” teórica implícita (uma “ideologia”, pode-se dizer, desde que se dê ao termo “ideologia o significado mais alto de uma concepção do mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as 198 individuali e collettive), cioè il problema di conservare l’unità ideologica in tutto il blocco sociale che appunto da quella determinata ideologia è cementato e unificato. La forza delle religioni e specialmente della chiesa cattolica è consistita e consiste in ciò che esse sentono energicamente la necessità dell’unione dottrinale di tutta la massa «religiosa» e lottano perché gli strati intellettualmente superiori non si stacchino da quelli inferiori. La chiesa romana è stata sempre la più tenace nella lotta per impedire che «ufficialmente» si formino due religioni, quella degli «intellettuali» e quella delle «anime semplici». Questa lotta non è stata senza gravi inconvenienti per la chiesa stessa, ma questi inconvenienti sono connessi al processo storico che trasforma tutta la società civile e che in blocco contiene una critica corrosiva delle religioni; tanto più risalta la capacità organizzatrice nella sfera della cultura del clero e il rapporto astrattamente razionale e giusto che nella sua cerchia la chiesa ha saputo stabilire tra intellettuali e semplici. I gesuiti sono stati indubbiamente i maggiori artefici di questo equilibrio e per conservarlo essi hanno impresso alla chiesa un movimento progressivo che tende a dare certe soddisfazioni alle esigenze della scienza e della filosofia, ma con ritmo così lento e metodico che le mutazioni non sono percepite dalla massa dei semplici, sebbene esse appaiano «rivoluzionarie» e demagogiche agli «integralisti». 13º Una delle maggiori debolezze delle filosofie immanentistiche in generale consiste appunto nel non aver saputo creare una unità ideologica tra il basso e l’alto, tra i «semplici» e gli intellettuali. Nella storia |14 bis| della civiltà occidentale il fatto si è verificato su scala europea, col fallimento immediato del Rinascimento e in parte anche della Riforma nei confronti della chiesa romana. Questa debolezza si manifesta nella quistione scolastica, in quanto dalle filosofie immanentistiche non è stato neppur tentato di costruire una concezione che potesse sostituire la religione nell’educazione infantile, quindi il sofisma pseudo-storicistico per cui pedagogisti areligiosi (aconfessionali), e in realtà atei, concedono l’insegnamento della religione perché la religione è la filosofia dell’infanzia dell’umanità che si rinnova in ogni infanzia non metaforica. L’idealismo si è anche mostrato avverso ai movimenti culturali di «andata verso il popolo», che si manifestarono nelle così dette Università popolari e istituzioni simili e non solo per i loro aspetti deteriori, perché in tal caso avrebbero solo dovuto cercare di far meglio. Tuttavia questi movimenti erano degni di interesse, e meritavano di essere studiati: essi ebbero fortuna, nel senso che dimostrarono da parte dei «semplici» un entusiasmo sincero e una forte volontà di innalzarsi a una superiore forma di cultura e di concezione del mondo. Mancava però in essi ogni organicità sia di pensiero filosofico, sia di saldezza organizzativa e di centralizzazione culturale; si aveva l’impressione che rassomigliassero ai manifestações de vida individuais e coletivas) – isto é, o problema de conservar a unidade ideológica em todo o bloco social que está cimentado e unificado justamente por aquela determinada ideologia. A força das religiões, e notadamente da Igreja católica, consistiu e consiste no seguinte: elas sentem intensamente a necessidade de uma união doutrinária de toda a massa “religiosa” e lutam para que os estratos intelectualmente superiores nãos e destaquem dos inferiores. A Igreja romana foi sempre a mais tenaz na luta para impedir que se formassem “oficialmente” duas religiões, a dos “intelectuais” e a das “almas simples”. Esta luta não foi travada sem que ocorressem graves inconvenientes para a própria Igreja, mas estes inconvenientes estão ligados ao processo histórico que transforma a totalidade da sociedade civil e que contém, em bloco, uma crítica corrosiva das religiões. E isto faz ressaltar ainda mais a capacidade organizativa do clero na esfera da cultura, bem como a relação abstratamente racional e justa que a Igreja, em seu âmbito, soube estabelecer entre intelectuais e pessoas simples. Os jesuítas foram, indubitavelmente, os maiores artífices deste equilíbrio e, para conservá-lo, eles imprimiram à Igreja um movimento progressivo que tende a satisfazer parcialmente as exigências da ciência e da filosofia, mas com um ritmo tão lento e metódico que as modificações não são percebidas pela massa dos simples, embora apareçam como “revolucionárias” e demagógicas aos olhos dos “integralistas”. 13º Uma das maiores debilidade das filosofias imanentistas em geral consiste precisamente em não terem sabido criar uma unidade ideológica entre o baixo e o alto, entre os “simples” e os intelectuais. Na história da civilização ocidental, o fato verificou-se em escala européia, com o fracasso imediato do Renascimento e, parcialmente, também da Reforma em face da Igreja Católica. Esta debilidade manifesta-se na questão da escola, na medida em que, a partir das filosofias imanentistas, nem mesmo se tentou construir uma concepção que pudesse substituir a religião na educação infantil, do que resultou o sofista pseudo-historicista, defendido por pedagogos a-religiosos (aconfessionais), realmente ateus, que permite o ensino da religião porque é a filosofia da humanidade, que se renova em toda infância não metafórica. O idealismo também se manifestou aos movimentos culturais de “ida ao povo”, expressos nas chamadas Universidades populares e instituições similares, e não apenas pelos seus aspectos equivocados, já que nesse caso deveriam somente ter procurado fazer melhor. Todavia, estes movimentos eram dignos de interesse e mereciam ser estudados: eles tiveram êxito, no sentido em que revelam, da parte dos “simples”, um sincero entusiasmo e um forte desejo de elevação a uma forma superior de cultura e de concepção de mundo. Faltavalhes, porém, qualquer organicidade, seja de pensamento filosófico, seja de solidez organizativa e de centralização cultural; tinha-se a impressão de que se assemelham aos primeiros contatos entre os mercadores ingleses e os negros africanos: trocavam-se coisas sem valor por pepitas de 199 primi contatti tra i mercanti inglesi e i negri dell’Africa: si dava merce di paccottiglia per avere pepite d’oro. D’altronde l’organicità di pensiero e la saldezza culturale poteva aversi solo se tra gli intellettuali e i semplici ci fosse stata la stessa unità che deve esserci tra teoria e pratica; se cioè gli intellettuali fossero stati organicamente gli intellettuali di quelle masse, se avessero cioè elaborato e reso coerente i principi e i problemi che quelle masse ponevano con la loro attività pratica, costituendo così un blocco culturale e sociale. Si ripresentava la stessa quistione già accennata: un movimento filosofico è tale solo in quanto si applica a svolgere una cultura specializzata per ristretti gruppi di intellettuali o è invece tale solo |15| in quanto, nel lavoro di elaborazione di un pensiero superiore al senso comune e scientificamente coerente non dimentica mai di rimanere a contatto coi «semplici» e anzi in questo contatto trova la sorgente dei problemi da studiare e risolvere? Solo per questo contatto una filosofia diventa «storica», si depura dagli elementi intellettualistici di natura individuale e si fa «vita». 14º (Forse è utile «praticamente» distinguere la filosofia dal senso comune per meglio indicare il passaggio dall’uno all’altro momento: nella filosofia sono specialmente spiccati i caratteri di elaborazione individuale del pensiero, nel senso comune invece i caratteri diffusi e dispersi di un pensiero generico di una certa epoca in un certo ambiente popolare. Ma ogni filosofia tende a diventare senso comune di un ambiente anche ristretto – di tutti gli intellettuali –. Si tratta pertanto di elaborare una filosofia che avendo già una diffusione, o diffusività, perché connessa alla vita pratica e implicita in essa, diventi un rinnovato senso comune con la coerenza e il nerbo delle filosofie individuali: ciò non può avvenire se non è sempre sentita l’esigenza del contatto culturale coi «semplici»). 15º Una filosofia della prassi non può che presentarsi inizialmente in atteggiamento polemico e critico, come superamento del modo di pensare precedente e del concreto pensiero esistente (o mondo culturale esistente). Quindi innanzi tutto come critica del «senso comune» (dopo essersi basata sul senso comune per dimostrare che «tutti» sono filosofi e che non si tratta di introdurre ex novo una scienza nella vita individuale di «tutti», ma di innovare e rendere «critica» un’attività già esistente) e quindi della filosofia degli intellettuali, che ha dato luogo alla storia della filosofia, e che, in quanto individuale (e si sviluppa infatti essenzialmente nell’attività di singoli individui particolarmente dotati) può considerarsi come le «punte» di progresso del senso comune, per lo meno del senso comune degli strati più colti della società, e attraverso questi anche del senso comune popolare. Ecco quindi che un avviamento allo studio della filosofia deve esporre sinteticamente i problemi nati nel processo di ouro. De resto, a organicidade de pensamento e a solidez cultural só poderiam ocorrer se entre os intelectuais e os simples se verificasse a mesma unidade que se existir entre teoria e prática, isto é, se os intelectuais tivessem elaborado e tornado coerentes os princípios e os problemas que aquelas massas colocavam como a sua atividade prática, constituindo assim um bloco cultural e social.Trata-se, pois, da mesma questão já assinalada: um movimento filosófico só merece este nome na medida em que busca desenvolver uma cultura especializada para restritos grupos de intelectuais ou, ao contrário, merece-o na medida em que, no trabalho de elaboração de um pensamento superior ao senso comum e cientificamente coerente, jamais se esquece de permanecer em contanto com os “simples” e, melhor, dizendo, encontra neste contato a fonte dos problemas que devem ser estudados e resolvidos? Só através deste contanto é que uma filosofia se torna “histórica”, depura-se dos elementos intelectualistas de natureza individual e se transforma em “vida”. 14º (Talvez seja útil distinguir “praticamente” entre a filosofia e o senso comum, para melhor indicar a passagem de um momento para o outro. Na filosofia, destacam-se notadamente as características de elaboração individual do pensamento; no senso comum, ao contrário, destacam-se as características difusas e dispersar de um pensamento genérico de uma certa época em um certo ambiente popular. Mas toda filosofia tende a se tornar senso comum de um ambiente, ainda que restrito (de todos os intelectuais). Trata-se, portanto, de elaborar uma filosofia que – tendo já uma difusão ou possibilidade de difusão, pois ligada à vida prática e implícita nela – se torne um senso comum renovado com a coereência e o vigor das filosofias individuais. E isto não pode ocorrer se não se sente, permanentemente, a exigência do contanto cultural com os “simples”.) 15º Uma filosofia da práxis só pode apresentar-se, inicialmente, em atitude polêmica e crítica, como superação da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto existente (ou mundo cultural existente). E portanto, antes de tudo, como crítica do “senso comum” (e isto após basear-se sobre o senso comum para demonstrar que “todos” são filósofos e que não se trata de introduzir ex novo uma ciência na vida individual de “todos” , mas de inovar e tornar “crítica” uma atividade já existente); e, posteriormente, como crítica da filosofia das intelectuais, que deu origem à história da filosofia e que, enquanto individual (e, de fato, ela se desenvolve essencialmente na atividade de indivíduos singulares particularmente dotados), pode ser considerada como “culminâncias” de progresso do senso comum, pelo menos do senso comum dos estratos mais cultos da sociedade e, através desses, também do senso comum popular. É assim, portanto, que uma introdução ao estudo da filosofia deve expor sinteticamente os problemas nascidos no processo de desenvolvimento da cultura geral, 200 sviluppo della cultura generale, |15 bis| che si riflette solo parzialmente nella storia della filosofia, che tuttavia, in assenza di una storia del senso comune (impossibile a costruirsi per l’assenza di materiale documentario) rimane la fonte massima di riferimento per criticarli, dimostrarne il valore reale (se ancora l’hanno) o il significato che hanno avuto come anelli superati di una catena e fissare i problemi nuovi attuali o l’impostazione attuale dei vecchi problemi. 16º Il rapporto tra filosofia «superiore» e senso comune è assicurato dalla «politica», così come è assicurato dalla politica il rapporto tra il cattolicismo degli intellettuali e quello dei «semplici». Le differenze nei due casi sono però fondamentali. Che la chiesa debba affrontare un problema dei «semplici» significa appunto che c’è stata rottura nella comunità dei «fedeli», rottura che non può essere sanata innalzando i «semplici» al livello degli intellettuali (la chiesa non si propone neppure questo compito, idealmente ed economicamente impari alle sue forze attuali), ma con una disciplina di ferro sugli intellettuali perché non oltrepassino certi limiti nella distinzione e non la rendano catastrofica e irreparabile. Nel passato queste «rotture» nella comunità dei fedeli erano sanate da forti movimenti di massa che determinavano o erano riassunti nella formazione di nuovi ordini religiosi intorno a forti personalità (Domenico, Francesco). (I movimenti ereticali del Medio Evo come reazione simultanea al politicantismo della chiesa e alla filosofia scolastica che ne fu una espressione, sulla base dei conflitti sociali determinati dalla nascita dei Comuni, sono stati una rottura tra massa e intellettuali nella chiesa «rimarginata» dalla nascita di movimenti popolari religiosi riassorbiti dalla chiesa nella formazione degli ordini mendicanti e in una nuova unità religiosa). Ma la Controriforma ha isterilito questo pullulare di forze popolari: la Compagnia di Gesù è l’ultimo grande ordine religioso, di origine reazionario e autoritario, con carattere repressivo e «diplomatico», che ha segnato, con la sua nascita, l’irrigidimento dell’organismo cattolico. I nuovi ordini sorti dopo hanno scarsissimo significato «religioso» |16| e un grande significato «disciplinare» sulla massa dei fedeli, sono ramificazioni e tentacoli della Compagnia di Gesù o ne sono diventati tali, strumenti di «resistenza» per conservare le posizioni politiche acquisite, non forze rinnovatrici di sviluppo. Il cattolicismo è diventato «gesuitismo». Il modernismo non ha creato «ordini religiosi» ma un partito politico, la democrazia cristiana. (Ricordare l’aneddoto, raccontato dallo Steed nelle sue Memorie , del cardinale che al protestante inglese filo-cattolico41 spiega che i miracoli di S. Gennaro sono utili per il popolino napoletano, non per gli intellettuali, che anche nell’Evangelo ci sono delle «esagerazioni» e alla domanda: «ma non siamo cristiani?», risponde «noi siamo 41 que só parcialmente se reflete na história, na qual, todavia, na ausência de uma história do senso comum (impossível de ser elaborada pela ausência de material documental), permanece a fonte máxima de referência para criticá-los, demonstrar o seu valor real (se ainda o tiverem) ou o significado que tiveram como elos superados de uma cadeia e fixar os problemas novos e atuais ou a colocação atual dos velhos problemas. 16° A relação entre filosofia “superior” e senso comum é assegurada pela “política”, do mesmo modo como é assegurada pela política a relação entre o catolicismo dos intelectuais e o dos “simples”. As diferenças entre os dois casos são, todavia, fundamentais. O fato de que a Igreja deva enfrentar um problema dos “simples” significa, justamente, que existiu uma ruptura na comunidade dos “fiéis”, ruptura que não pode ser eliminada pela elevação dos “simples” ao nível dos intelectuais (a Igreja nem sequer se propõe esta tarefa ideal e economicamente desproporcional em relação às suas forças atuais), mas mediante uma disciplina de ferro sobre os intelectuais para que eles não ultrapassem certos limites nesta separação, tornando-se catastrófica e irreparável. No passado, essas “rupturas” na comunidade dos fiéis eram remediadas por fortes movimentos de massa, que determinavam ou eram absorvidos na formação de novas ordens religiosas em torno a fortes personalidades (Domingos, Francisco). (Os movimentos heréticos na Idade Média – que surgiram como reação simultânea à politicagem da Igreja e à filosofia escolástica que foi uma sua expressão, e que se baseava em nos conflitos sociais determinados pelo nascimento das Comunas – foram uma ruptura entre massa e intelectuais no interior da igreja, ruptura “corrigida” pelo nascimento de movimentos populares religiosos reabsorvidos pela Igreja, através da formação das ordens religiosas mendicantes e de uma nova unidade religiosa) Mas a Contra-Reforma estilizou este pulular de forças populares: a Companhia de Jesus é a última grande ordem religiosa, de origem reacionária e autoritária, com caráter repressivo “diplomático”, que assinalou, com seu nascimento, o endurecimento do organismo católico. As novas ordens religiosas surgidas posteriormente têm um pequeníssimo significado “religioso” e uma grande significado “disciplinar” sobre a massa de fiéis: são ramificações e tentáculos da Companhia de Jesus (ou se tornaram isso), instrumentos de “resistência” para conservar as posições políticas adquiridas, não forças renovadores de desenvolvimento. O catolicismo se transformou em “jesuítismo”. O modernismo não criou “ordens religiosas”, mas sim um partido político: a democracia cristã. (Recordar a anedota, marrada por Steed em suas Memórias, do cardeal que explica ao protestante inglês filocatólico que os milagres de São Genaro são úteis para o populacho napolitano, mas não para os intelectuais, que também nos Evangelhos existem “exageros”, etc. E à pergunta: “Mas nós não somos cristãos?”, responde: “Nós somos ‘prelados’, isto é, Nel ms una variante interlineare a «utili»: «articoli di fede». 201 prelati», cioè «politici» della Chiesa di Roma). 17ª La posizione della filosofia della praxis è antitetica a questa cattolica: la filosofia della praxis non tende a mantenere i «semplici» nella loro filosofia primitiva del senso comune, ma invece a condurli a una concezione superiore della vita. Se afferma l’esigenza del contatto tra intellettuali e semplici non è per limitare l’attività scientifica e per mantenere una unità al basso livello delle masse, ma appunto per costruire un blocco intellettuale-morale che renda politicamente possibile un progresso intellettuale di massa e non solo di scarsi gruppi intellettuali. 18º L’uomo attivo di massa opera praticamente, ma non ha una chiara coscienza teorica di questo suo operare che pure è un conoscere il mondo in quanto lo trasforma. La sua coscienza teorica anzi può essere storicamente in contrasto col suo operare. Si può quasi dire che egli ha due coscienze teoriche (o una coscienza contraddittoria), una implicita nel suo operare e che realmente lo unisce a tutti i suoi collaboratori nella trasformazione pratica della realtà e una superficialmente esplicita o verbale che ha ereditato dal passato e ha accolto senza critica. Tuttavia questa concezione «verbale» non è senza conseguenze: essa riannoda a un gruppo sociale determinato, influisce nella condotta morale, nell’indirizzo della volontà, in modo |16 bis| più o meno energico, che può giungere fino a un punto in cui la contradditorietà della coscienza non permette nessuna azione, nessuna decisione, nessuna scelta e produce uno stato di passività morale e politica. La comprensione critica di se stessi avviene quindi attraverso una lotta di «egemonie» politiche, di direzioni contrastanti, prima nel campo dell’etica, poi della politica, per giungere a una elaborazione superiore della propria concezione del reale. La coscienza di essere parte di una determinata forza egemonica (cioè la coscienza politica) è la prima fase per una ulteriore e progressiva autocoscienza in cui teoria e pratica finalmente si unificano. Anche l’unità di teoria e pratica non è quindi un dato di fatto meccanico, ma un divenire storico, che ha la sua fase elementare e primitiva nel senso di «distinzione», di «distacco», di indipendenza appena istintivo, e progredisce fino al possesso reale e completo di una concezione del mondo coerente e unitaria. Ecco perché è da mettere in rilievo come lo sviluppo politico del concetto di egemonia rappresenta un grande progresso filosofico oltre che politico-pratico, perché necessariamente coinvolge e suppone una unità intellettuale e una etica conforme a una concezione del reale che ha superato il senso comune ed è diventata, sia pure entro limiti ancora ristretti, critica. 19º Tuttavia, nei più recenti sviluppi della filosofia della praxis, l’approfondimento del concetto di unità della teoria e della pratica non è ancora che ad una fase iniziale: rimangono ancora dei residui di meccanicismo, poiché si parla di teoria come ‘políticos’ da Igreja de Roma.”) 17º A posição da filosofia da práxis é antitética a esta posição católica: a filosofia da práxis não busca manter os “simples” na sua filosofia primitiva do senso comum, mas busca, ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a exigência do contanto entre intelectuais e os simples não é para limitar a atividade científica e para manter uma unidade no nível inferior das massas, mas justamente para forjar um bloco intelectualmoral que torne politicamente possível o progresso intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos de intelectuais. 18º O homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma clara consciência teórica desta sua ação, a qual, não obstante, é um conhecimento do mundo na medida em que o transforma. Pode ocorrer, aliás, que sua consciência teórica esteja historicamente em contradição com o seu agir. É quase possível dizer que ele tem duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória): uma, implícita na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformação prática da realidade; e outra, superficialmente explícita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica. Todavia, esta concepção “verbal” não é inconsequente: ela liga a um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade, de uma maneira mais ou menos intensa, que pode até mesmo atingir um ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha e produz um estado de passividade moral e política. A compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de “hegemonias” políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real. A consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente de unificam. Portanto, também a unidade de teoria e prática não é um dado de forma mecânico, mas um devir histórico, que tem a sua fase elementar e primitiva no sentimento de “distinção”, de “separação”, de independência quase instintiva, e progride até a aquisição real e completa de uma concepção do mundo coerente unitária. É por isso que se deve chamara a atenção par ao fato de que o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa, para além do progresso político-prático, um grande progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos. 19º Todavia, nos mais recentes desenvolvimentos da filosofia da práxis, o aprofundamento do conceito de unidade entre teoria e prática permanece ainda numa fase inicial: subsistem ainda resíduos de mecanicismo, já que se 202 «complemento», «accessorio» della pratica, di teoria come ancella della pratica. Pare giusto che anche questa quistione debba essere impostata storicamente, e cioè come un aspetto della quistione politica degli intellettuali. Autocoscienza critica significa storicamente e politicamente creazione di una élite di intellettuali: una massa umana non si «distingue» e non diventa indipendente «per sé» senza organizzarsi (in senso lato) e non c’è organizzazione senza intellettuali, cioè senza organizzatori e dirigenti, cioè senza che l’aspetto teorico del nesso |17| teoria-pratica si distingua concretamente in uno strato di persone «specializzate» nell’elaborazione concettuale e filosofica. Ma questo processo di creazione degli intellettuali è lungo, difficile, pieno di contraddizioni, di avanzate e di ritirate, di sbandamenti e di riaggruppamenti, in cui la «fedeltà» della massa (e la fedeltà e la disciplina sono inizialmente la forma che assume l’adesione della massa e la sua collaborazione allo sviluppo dell’intero fenomeno culturale) è messa talvolta a dura prova. Il processo di sviluppo è legato a una dialettica intellettuali-massa; lo strato degli intellettuali si sviluppa quantitativamente e qualitativamente, ma ogni sbalzo verso una nuova «ampiezza» e complessità dello strato degli intellettuali è legato a un movimento analogo della massa di semplici, che si innalza verso livelli superiori di cultura e allarga simultaneamente la sua cerchia di influenza, con punte individuali o anche di gruppi più o meno importanti verso lo strato degli intellettuali specializzati. Nel processo però si ripetono continuamente dei momenti in cui tra massa e intellettuali (o certi di essi, o un gruppo di essi) si forma un distacco, una perdita di contatto, quindi l’impressione di «accessorio», di complementare, di subordinato. L’insistere sull’elemento «pratico» del nesso teoria-pratica, dopo aver scisso, separato e non solo distinto i due elementi (operazione appunto meramente meccanica e convenzionale) significa che si attraversa una fase storica relativamente primitiva, una fase ancora economico-corporativa, in cui si trasforma quantitativamente il quadro generale della «struttura» e la qualità-superstruttura adeguata è in via di sorgere, ma non è ancora organicamente formata. È da porre in rilievo l’importanza e il significato che hanno, nel mondo moderno, i partiti politici nell’elaborazione e diffusione delle concezioni del mondo in quanto essenzialmente elaborano l’etica e la politica conforme ad esse, cioè funzionano quasi da «sperimentatori» storici di esse concezioni. I partiti selezionano individualmente la massa operante e la selezione |17 bis| avviene sia nel campo pratico che in quello teorico congiuntamente, con un rapporto tanto più stretto tra teoria e pratica quanto più la concezione è vitalmente e radicalmente innovatrice e antagonistica dei vecchi modi di pensare. Perciò si può dire che i partiti sono gli elaboratori delle nuove intellettualità integrali e totalitarie, cioè il crogiolo dell’unificazione di teoria e pratica intesa come processo storico reale e si capisce come sia necessaria la formazione fala da teoria como “complemento” e “acessório” da prática, da teoria como serva da prática. Parece justo que também este problema deva ser colocado historicamente, isto é, como um aspecto da questão política dos intelectuais. Autoconsciência crítica significa, histórica e politicamente, criação de uma elite de intelectuais: uma massa humana não se “distingue” e não se torna independente “para si” sem organizar-se (em sentido lato); e não existe organização sem intelectuais, isto é, sem organizadores e dirigentes, ou seja, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas “especializadas” na elaboração conceitual e filosófica. Mas este processo de criação dos intelectuais é longo, difícil, cheio de contradições, de avanços e de recuos, de debandadas e de reagrupamentos; e, neste processo, a “fidelidade” da massa (e a fidelidade e a disciplina são inicialmente a forma que assume a adesão da massa e a sua colaboração no desenvolvimento do fenômeno cultural como um todo) é submetida a duras provas. O progresso de desenvolvimento está ligado a uma dialética intelectuais-massa; o estrato dos intelectuais se desenvolve quantitativamente e qualitativamente, mas todo progresso para uma nova “amplitude” e complexidade do estrato dos intelectuais está ligado a um movimento análogo da massa dos simples, que se eleva a níveis superiores de cultura e amplia simultaneamente o seu círculo de influência, com a passagem de indivíduos, ou mesmo de grupos mais ou menos importantes, para o extrato dos intelectuais especializados. No processo, porém, repetem-se continuamente momentos nos quais entre a massa e os intelectuais (ou alguns deles, ou um grupo deles) produz uma separação, uma perda de contato, e, portanto, a impressão de “assessório, de complementar, de subordinado. A insistência sobre o elemento “prático” da ligação teoricamente – após se ter cindido, separado e não penas distinguido os dois elementos (o que é uma operação meramente mecânica e convencional) – significa que se está atravessando uma fase histórica relativamente primitiva, uma fase ainda econômico-corporativa, na qual se transforma quantitativamente o quadro geral da “estrutura” e a qualidade-superestrutura adequada está em vias de surgir, mas não está ainda organicamente formada. Deve-se sublinhar a importância e o significado que têm os partido políticos, no mundo moderno, na elaboração e difusão das concepções do mundo, na medida em que elaboram essencialmente a ética e a política adequadas a elas, isto é, em que funcionam quase como “experimentadores” históricos de tais concepções. Os partidos selecionam individualmente a massa atuante, e esta seleção opera-se simultaneamente nos campos prático e teórico, com uma relação tão mais estreia entre teoria e prática quanto mais seja a concepção vitalmente e radicalmente inovadora e antagônica aos antigos modos de pensar. Por isto, pode-se dizer que os partidos são os elaboradores das novas intelectualidades integrais e totalitárias, isto é, o crisol da unificação de teoria e prática entendia como processo histórico real; e compreende-se , assim, como seja necessária que a sua formação se realize através da adesão individual e não ao modo “laborista”. Já que – se se trata de dirigir organicamente “toda a massa 203 per adesione individuale e non del tipo «laburista» perché, se si tratta di dirigere organicamente «tutta la massa economicamente attiva» si tratta di dirigerla non secondo vecchi schemi ma innovando, e l’innovazione non può diventare di massa, nei suoi primi stadi, se non per il tramite di una élite in cui la concezione implicita nella umana attività sia già diventata in una certa misura coscienza attuale coerente e sistematica e volontà precisa e decisa. Una di queste fasi si può studiare nella discussione attraverso la quale si sono verificati i più recenti sviluppi della42 filosofia della praxis, discussione riassunta in un articolo di D. S. Mirsckij , collaboratore della «Cultura». Si può vedere come sia avvenuto il passaggio da una concezione meccanicistica e puramente esteriore a una concezione attivistica, che si avvicina di più, come si è osservato, a una giusta comprensione dell’unità di teoria e pratica, sebbene non ne abbia ancora attinto tutto il significato sintetico. Si può osservare come l’elemento deterministico, fatalistico, meccanicistico sia stato un «aroma» ideologico immediato della filosofia della prassi, una forma di religione e di eccitante (ma al modo degli stupefacenti), resa necessaria e giustificata storicamente dal carattere «subalterno» di determinati strati sociali. Quando non si ha l’iniziativa nella lotta e la lotta stessa finisce quindi con l’identificarsi con una serie di sconfitte, il determinismo meccanico diventa una forza formidabile di resistenza morale, di coesione, di perseveranza paziente e ostinata. «Io sono sconfitto momentaneamente, ma la forza |18| delle cose lavora per me a lungo andare ecc.». La volontà reale si traveste in un atto di fede, in una certa razionalità della storia, in una forma empirica e primitiva di finalismo appassionato che appare come un sostituto della predestinazione, della provvidenza, ecc., delle religioni confessionali. Occorre insistere sul fatto che anche in tal caso esiste realmente una forte attività volitiva, un intervento diretto sulla «forza delle cose» ma appunto in una forma implicita, velata, che si vergogna di se stessa e pertanto la coscienza è contradditoria, manca di unità critica, ecc. Ma quando il «subalterno» diventa dirigente e responsabile dell’attività economica di massa, il meccanicismo appare a un certo punto un pericolo imminente, avviene una revisione di tutto il modo di pensare perché è avvenuto un mutamento nel modo sociale di essere. I limiti e il dominio della «forza delle cose» vengono ristretti perché? perché, in fondo, se il subalterno era ieri una cosa, oggi non è più una cosa ma una persona storica, un protagonista, se ieri era irresponsabile perché «resistente» a una volontà estranea, oggi sente di essere responsabile perché non più resistente ma agente e necessariamente attivo e intraprendente. Ma anche ieri era egli mai stato mera «resistenza», mera «cosa», mera «irresponsabilità»? Certamente no, ed è anzi da porre in rilievo come il fatalismo non sia che un rivestimento da 42 Nel ms: «Mirschi». economicamente ativa” – deve-se dirigi-la não segundo velhos esquemas, mas inovando; e esta inovação só pode tornar-se de massa, em seus primeiros estágios, por intermédio de uma elite na qual a concepção implícita na atividade humana já se tenha tornado, em certa medida, consciência atual coerente e sistemática e vontade precisa e decidida. Uma destas fases pode ser estudada na discussão através da qual se verificam os mais recentes desenvolvimentos da filosofia da práxis, discussão resumida em um artigo de D.S. Mirski, colaborador da cultura. Pode-se ver como ocorreu a passagem de uma concepção mecanicista e puramente exterior para uma concepção ativista, que está mais próxima, como observamos, de uma justa compreensão da unidade entre teoria e prática, se bem que ainda não lhe tenha captado todo o significado sintético. Pode-se observa como o elemento determinista, fatalista, mecânico, tenha sido um “aroma” ideológico imediato da filosofia da práxis, uma forma de religião e de excitante (mas ao modo dos narcóticos) tornada necessária e justificada historicamente pelo caráter “subalterno” de determinados estratos sociais. Quando não se tem a iniciativa na luta e a própria luta termina assim por identificar-se com uma série de derrotas, o determinismo mecânico transforma-se em uma formidável força de resistência moral, de coesão, de perseverança paciente e obstinada. “Eu estou momentaneamente derrotado, mas a força das coisas trabalha por mim a longo prazo, etc.” A vontade real se disfaça em um ato de fé, numa certa racionalidade da história, numa forma empírica e primitiva de finalismo apaixonado, que surge como substituto da predestinação, da próvidênica, etc., próprias das religiões confessionais. Deve-se insistir sobre o fato de que, também necesse caso, exite realmente uma forte atividade volitiva, uma intervenção direta sobre a “força das coisas”, mas de uma maneira implítica, velada, que se envergonha de si mesma; portanto, a consciência é contraditória, carece de unidade crítica, etc. Mas, quando o “subalterno” se torna dirigente e responsável pela atividade econômica de massa, o mecanicismo revela-se num certo ponto como um perigo iminente; opera-se, então, uma revisão de todo o modo de pensar, já que ocorreu uma modificação no modo social de ser. Os limites e o domínio da “força das coisas” se restringem. Por quê? Porque, no fundo, se o subalterno era ontem uma coisa, hoje não o é mais: tornou-se uma pessoa histórica, um protagonista; se ontem era irresponsável, já que não é mais resistente, mas sim agente e necessariamente ativo e empreendedor. Mas, mesmo ontem, será que ele era apenas simples “resistência”, simples “coisa”, simples “irresponsabilidade”? Não, por certo; deve-se, aliás, sublinhar que o fatalismo é apenas a maneira pela qual os fracos se revestem de uma vontade ativa e real. É por isso se torna necessário demonstrar sempre a futilidade do determinismo mecânico, o qual, explicável como filosofia ingênua da massa e, somente enquanto tal, elemento intrínseco de força, torna-se causa de passividade, de imbecil autoconsciência, quando é elevado a filosofia reflexiva e coerente por parte dos 204 deboli di una volontà attiva e reale. Ecco perché occorre sempre dimostrare la futilità del determinismo meccanico, che, spiegabile come filosofia ingenua della massa e in quanto solo tale elemento intrinseco di forza, quando viene assunto a filosofia riflessa e coerente da parte degli intellettuali, diventa causa di passività, di imbecille autosufficienza, e ciò senza aspettare che il subalterno sia diventato dirigente e responsabile. Una parte della massa anche subalterna è sempre dirigente e responsabile e la filosofia della parte precede sempre la filosofia del tutto non solo come antici|18 bis|pazione teorica, ma come necessità attuale. 20º Che la concezione meccanicistica sia stata una religione di subalterni appare da un’analisi dello sviluppo della religione cristiana, che in un certo periodo storico e in condizioni storiche determinate è stata e continua ad essere una «necessità», una forma necessaria della volontà delle masse popolari, una forma determinata di razionalità del mondo e della vita e dette i quadri generali per l’attività pratica reale. In questo brano di un articolo della «Civiltà Cattolica» (Individualismo pagano e individualismo cristiano , fasc. del 5 marzo 1932) mi pare bene espressa questa funzione del cristianesimo: «La fede in un sicuro avvenire, nell’immortalità dell’anima, destinata alla beatitudine, nella sicurezza di poter arrivare al godimento eterno, fu la molla di propulsione per un lavoro di intensa perfezione interna, e di elevazione spirituale. Il vero individualismo cristiano ha trovato qui l’impulso alle sue vittorie. Tutte le forze del cristiano furono raccolte intorno a questo fine nobile. Liberato dalle fluttazioni speculative che snervano l’anima nel dubbio, e illuminato da principi immortali, l’uomo sentì rinascere le speranze; sicuro che una forza superiore lo sorreggeva nella lotta contro il male, egli fece violenza a se stesso e vinse il mondo». Ma anche in questo caso, è il cristianesimo ingenuo che si intende; non il cristianesimo gesuitizzato, divenuto un puro narcotico per le masse popolari. 21º Ma la posizione del calvinismo, con la sua concezione ferrea della predestinazione e della grazia, che determina una vasta espansione di spirito di iniziativa (o diventa la forma di questo movimento) è ancora più espressiva e significativa. (A questo proposito si può vedere: Max Weber, L’etica protestante e lo spirito del capitalismo , pubblicato nei «Nuovi Studi», fascicoli dal 1931 e sgg., e il libro del Groethuysen sulle origini religiose della borghesia in Francia). 22º Perché e come si diffondono, diventando popolari, le nuove concezioni del mondo? In questo processo di diffusione (che è nello stesso tempo di sostituzione del vecchio e molto spesso di combinazione tra |19| il nuovo e il vecchio) influiscono, e come e in che misura, la forma razionale in cui la nuova concezione è esposta e presentata, l’autorità (in quanto sia riconosciuta ed apprezzata almeno genericamente) dell’espositore e dei intelectuais; e isto sem esperar que o subalterno torne-se dirigente e responsável. Uma parte da massa, ainda que subalterna, é sempre dirigente e responsável, e a filosofia da parte precede sempre a filosofia do todo, não só como antecipação teórica, mas também como necessidade atual. 20º O fato de que a concepção mecanicista tenha sido uma religião de subalternos é revelada por uma análise do desenvolvimento da religião cristã, quu – em um certo período histórico e em condições históricas determinadas – foi e continua a ser uma “necessidade”. Uma forma necessária da vontade das massas populares, uma forma determinada de racionalidade do mundo e da vida, fornecendo os quadros gerais para atividade prática real. Neste trecho de um artigo da Civilità Cattolica (“Individualismo pagano e individualismo Cristiano”, fascículo de 5 de março de 1932), parece-me bem explícita esta função do cristianismo: “A fé em um porvir seguro, na imortalidade da alma destinada à beatitude, na certeza de poder atingir o eterno gozo, foi a mola propulsora para um trabalho de intenso aperfeiçoamento interno e de elevação espiritual. O verdadeiro individualismo cristão encontrou nisso o impulso para as sua vitórias. Todas as forças do cristão foram concentradas em torno a este nobre fim. Libertado das flutuações especulativas que lançam a alma na dúvida, e iluminado por princípios imortais, o homem sentiu renascer as esperanças; certo de que uma força superior o sustentava na luta contra o mal, ele fez violência a si mesmo e venceu o mundo.” Mas, também neste caso, trata-se do cristianismo ingênuo, não do cristianismo jesuitizado, transformado em simples ópio para as massas populares. 21º Mas a posição do calvinismo, com a sua férrea concepção da predestinação e da graça, que determina uma vasta expansão do espírito de iniciativa (ou torna-se a forma deste movimento), é ainda mais expressiva a significativa. (Sobre este assunto, consulte-se Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, publicado nos Nuovi Studi, fascículos de 1931 e ss.; bem como o livro de Groethuysen sobre as origens religiosas da burguesia na França.) 22º Por que e como se difundem, tornando-se populares, as novas concepções do mundo? Neste processo de difusão (que é, simultaneamente, de substituição do velho e, muito frequentemente, de combinação entre o novo e o velho), influem (e como e em que medida) a forma racional em que a nova concepção é exposta e apresentada, a autoridade (na medida em que é reconhecida e apreciada, pelo menos genericamente) do expositor e dos pensadores e cientistas nos quais o 205 pensatori e scienziati che l’espositore chiama in suo sostegno, l’appartenere alla stessa organizzazione di chi sostiene la nuova concezione (dopo però essere entrati nell’organizzazione per altro motivo che non sia il condividere la nuova concezione)? Questi elementi in realtà variano a seconda del gruppo sociale e del livello culturale del gruppo dato. Ma la ricerca interessa specialmente per ciò che riguarda le masse popolari, che più difficilmente mutano di concezione, e che non le mutano mai, in ogni caso, accettandole nella forma «pura», per dir così, ma solo e sempre come combinazione più o meno eteroclita e bizzarra. La forma razionale, logicamente coerente, la completezza del ragionamento che non trascura nessun argomento positivo o negativo di un qualche peso, ha la sua importanza, ma è ben lontana dall’essere decisiva; essa può essere decisiva in via subordinata, quando la persona data è già in condizioni di crisi intellettuale, ondeggia tra il vecchio e il nuovo, ha perduto la fede nel vecchio e ancora non si è decisa per il nuovo ecc. Così si può dire per l’autorità dei pensatori e scienziati. Essa è molto grande nel popolo, ma di fatto ogni concezione ha i suoi pensatori e scienziati da porre innanzi e l’autorità è divisa; inoltre è possibile per ogni pensatore distinguere, porre in dubbio che abbia proprio detto in tal modo ecc. Si può concludere che il processo di diffusione delle concezioni nuove avviene per ragioni politiche, cioè in ultima istanza sociali, ma che l’elemento formale, della logica coerenza, l’elemento autoritativo e l’elemento organizzativo hanno in questo processo una funzione molto grande subito dopo che l’orientamento generale è avvenuto, sia nei singoli individui che in gruppi numerosi. Da ciò si conclude però che nelle masse in quanto tali la filosofia non può essere vissuta che come una fede. Si immagini del resto la posizione intellettuale di un uomo del popolo; egli |19 bis| si è formato delle opinioni, delle convinzioni, dei criteri di discriminazione e delle norme di condotta. Ogni sostenitore di un punto di vista contrastante al suo, in quanto è intellettualmente superiore, sa argomentare le sue ragioni meglio di lui, lo mette in sacco logicamente ecc.; dovrebbe perciò l’uomo del popolo mutare le sue convinzioni? Perché nell’immediata discussione non sa farsi valere? ma allora gli potrebbe capitare di dover mutare una volta al giorno, cioè ogni volta che incontra un avversario ideologico intellettualmente superiore. Su quali elementi si fonda dunque la sua filosofia? e specialmente la sua filosofia nella forma che per lui ha maggiore importanza di norma di condotta? L’elemento più importante è indubbiamente di carattere non razionale, di fede. Ma in chi e che cosa? Specialmente nel gruppo sociale al quale appartiene in quanto la pensa diffusamente come lui: l’uomo del popolo pensa che in tanti non si può sbagliare, così in tronco, come l’avversario argomentatore vorrebbe far credere; che egli stesso, è vero, non è capace di sostenere e svolgere le proprie ragioni come l’avversario le sue, ma che nel suo gruppo c’è chi questo saprebbe fare, certo anche meglio di quel determinato avversario ed egli ricorda infatti di aver expositor se apoia, a participação na mesma organização daquele que sustenta a nova concepção (após ter entrado na organização, mas por outro motivo que não aquele de partilhar da nova concepção)? Na realidade, estes elementos variam de acordo com o grupo social e com o nível cultural do referido grupo. Mas a pesquisa é interessante, sobretudo, no que diz respeito às massas populares, que mais dificilmente mudam de concepção que, em todo caso, jamais a mudam aceitando a nova concepção em sua forma “pura”, por assim dizer, mas – apenas e sempre – com combinação mais ou menos heteróclita e bizarra. A forma racional, logicamente coerente, a perfeição do raciocínio que não esquece nenhum argumento positivo ou negativo de certo peso, tem a sua importância, mas está bem longe de ser decisiva; ela pode ser decisiva apenas secundariamente, quando determinada pessoa já se encontra em crise intelectual, oscila entre o velho e o novo, perdeu a confiança no velho e ainda não se decidiu pelo novo, etc. O mesmo pode ser dito com relação à autoridade dos pensadores e cientistas. Ela é muito grande no povo. Mas, de fato, toda coempção tem pensadores e cientistas a seu favor e a autoridade é dividida; além disso, é possível, com relação a todo pensador, distinguir, colocar em dúvida que haja dito as coisas precisamente dessa maneira, etc. Pode-se concluir que o processo de difusão das novas concepções ocorre por razões políticas, isto é, em última instância, sociais, mas que o elemento formal (a coerência lógica), o elemento de autoridade e o elemento organizativo têm uma função muito grande neste processo tão logo tenha tido lugar e orientação era, tanto em indivíduos singulares como em grupos numerosos. Disto se concluiu, entretanto, que, nas massas como tais, a filosofia não pode ser vivida senão como uma fé. Que se pense, ademais, na posição intelectual de um homem do povo; ele elaborou para si opiniões, convicções, critérios de discriminação e normas de conduta. Todo aquele que sustenta um ponto de vista contrário ao seu, enquanto é intelectualmente superior, sabe argumentar as suas razões melhor do que ele e, logicamente, o derrota na discussão. Deveria, por isso, o homem do povo mudar de convicção? E apenas porque, na discussão imediata, não sabe se impor? Se fosse assim, poderia acontecer que ele devesse mudar uma vez por dia, isto é, todas as vezes que encontrasse um adversário ideológico intelectualmente superior. Em que elementos baseia-se, então, a sua filosofia? E, especialmente, a sua filosofia na forma que tem para ele maior importância, isto é, como norma de conduta? O elemento mais importante, indubitavelmente, é de caráter não racional: é um elemento de fé. Mas de fé em quem e em quê? Sobretudo no grupo social ao qual pertence, como ele: o homem do povo pensa que tantos não podem se equivocar tão radicalmente, como adversário argumentador queria fazer crer. Que ele próprio, é verdade, não é capaz de sustentar e desenvolver as suas razões como o adversário faz com as dele, mas que, em seu grupo, excite quem poderia fazer isto, certamente ainda melhor do que o referido adversário; e, de fato, ele se recorda de ter ouvido alguém expor, longa e coerentemente, de maneira a convencê-lo, as razões da sua fé. Ele não se recorda concretamente das razões 206 sentito esporre diffusamente, coerentemente, in modo che egli ne è rimasto convinto, le ragioni della sua fede. Non ricorda le ragioni in concreto e non saprebbe ripeterle, ma sa che esistono perché le ha sentite esporre e ne è rimasto convinto. L’essere stato convinto una volta in modo folgorante è la ragione permanente del permanere della convinzione, anche se essa non si sa più argomentare. 23º Ma queste considerazioni conducono alla conclusione di una estrema labilità nelle convinzioni nuove delle masse popolari, specialmente se queste nuove convinzioni sono in contrasto con le convinzioni (anche nuove) ortodosse, socialmente conformiste secondo gli interessi generali delle classi dominanti. Si può vedere questo riflettendo |20| alle fortune delle religioni e delle chiese. La religione, e una determinata chiesa, mantiene la sua comunità di fedeli (entro certi limiti, delle necessità dello sviluppo storico generale) nella misura in cui intrattiene permanentemente e organizzatamente la fede propria, ripetendone l’apologetica indefessamente, lottando in ogni momento e sempre con argomenti simili, e mantenendo una gerarchia di intellettuali che alla fede diano almeno l’apparenza della dignità del pensiero. Ogni volta che la continuità dei rapporti tra chiesa e fedeli è stata interrotta violentemente, per ragioni politiche, come è avvenuto durante la Rivoluzione francese, le perdite subite dalla chiesa sono state incalcolabili e se le condizioni di difficile esercizio delle pratiche abitudinarie si fossero protratte oltre certi limiti di tempo, è da pensare che tali perdite sarebbero state definitive e una nuova religione sarebbe sorta, come del resto in Francia è sorta in combinazione col vecchio cattolicismo. Se ne deducono determinate necessità per ogni movimento culturale che tenda a sostituire il senso comune e le vecchie concezioni del mondo in generale: 1) di non stancarsi mai dal ripetere i propri argomenti (variandone letterariamente la forma): la ripetizione è il mezzo didattico più efficace per operare sulla mentalità popolare; 2) di lavorare incessantemente per elevare intellettualmente sempre più vasti strati popolari, cioè per dare personalità all’amorfo elemento di massa, ciò che significa di lavorare a suscitare élites di intellettuali di un tipo nuovo che sorgano direttamente dalla massa pur rimanendo a contatto con essa per diventarne le «stecche» del busto. Questa seconda necessità, se soddisfatta, è quella che realmente modifica il «panorama ideologico» di un’epoca. Né, d’altronde, queste élites possono costituirsi e svolgersi senza che nel loro interno si verifichi una gerarchizzazione di autorità e di competenza intellettuale, che può culminare in un grande filosofo individuale, se questo è capace di rivivere concretamente le esigenze della massiccia comunità ideologica, di comprendere che |20 bis| essa non può avere la snellezza di movimento propria di un cervello individuale e pertanto riesce a elaborare formalmente la dottrina collettiva nel modo più aderente e adeguato ai modi di pensare di un pensatore collettivo. apresentadas e não saberia repeti-las, mas sabe que elas existem, já que ele as ouviu expor e ficou convencido delas. O fato de ter sido convencido de uma vez, de maneira fulminante, é a razão da permanente persistência na convicção, ainda que não se saiba mais argumentar. 23º Estas considerações, contudo, conduzem à conclusão de que as novas convicções das massas populares são extremamente débeis, notadamente quando estas novas convicções estão em contradição com as convicções (igualmente novas) ortodoxas, socialmente conformistas de acordo com os interesses das classes dominantes. Isso pode ser visto quando refletimos sobre os destinos das religiões e das igrejas. A religião, e uma Igreja determinada, mantém a sua comunidade de fiéis (dentro de certos limites, das necessidades do desenvolvimento histórico global) na medida em que mantém permanente e organizadamente a própria fé, repetindo infatigavelmente a sua apologética, lutando sempre e em cada momento com argumentos similares, e mantendo uma hierarquia de intelectuais que emprestam à fé pelo menos a aparência da dignidade do pensamento. Todas a vezes em que a continuidade das relações entre Igreja e fiéis foi interrompida violentamente, por razões políticas, como ocorreu durante a revolução Francesa, as perdas sofridas pela Igreja formam incalculáveis; e, se as condições que dificultavam o exercício das práticas habituais tivessem excedido certos limites de tempo, é de se supor que tais perdas teriam sido definitivas e uma nova religião teria surgido, o que aliás, ocorreu na França, em combinação com o velho catolicismo. Disto se deduzem determinadas necessidades para todo movimento cultural que pretende substituir o senso comum e as velhas concepções do mundo em geral, a saber: 1) não se cansar jamais de repetir os próprios argumentos (variando literalmente a sua forma): a repetição é o meio didático mais eficaz para agir sobre a mentalidade popular; 2) trabalhar de modo incessante para elevar intelectualmente camadas populares cada vez mais vastas, isto é, para dar personalidade ao amorfo elemento de massa, o que significa trabalhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo, que surjam diretamente da massa e que permaneçam em contato com ela para se tornarem seus “espartilhos”. Esta segundo necessidade, quando satisfeita, é a que realmente modifica o “panorama ideológico” de uma época. Ademais, estas elites não podem constituir-se e desenvolver-se sem que, no seu interior, se verifique uma hierarquização de autoridade e de competência intelectual, que pode culminar em um grande filósofo individual, se este for capaz de reviver concretamente as exigências do conjunto da comunidade ideológica, de compreender que ela não pode ter a rapidez de movimento própria de um cérebro individual e, portanto, de conseguir elaborar formalmente a doutrina coletiva de maneira mais aderente e adequada aos modos de pensar do que um pensador coletivo. 24º 207 24º È evidente che una costruzione di massa di tal genere non può avvenire «arbitrariamente», intorno a una qualsiasi ideologia, per la volontà formalmente costruttiva di uma personalità o di un gruppo che se lo proponga per fanatismo delle proprie convinzioni filosofiche o religiose. L’adesione di massa a una ideologia o la non adesione è il modo con cui si verifica la critica reale della razionalità e storicità dei modi di pensare. Le costruzioni arbitrarie sono più o meno rapidamente eliminate dalla competizione storica, anche se talvolta, per una combinazione di circostanze immediate favorevoli, riescono a godere di una tal quale popolarità mentre le costruzioni che corrispondono alle esigenze di un periodo storico complesso e organico finiscono sempre con l’imporsi e prevalere anche se attraversano molte fasi intermedie in cui il loro affermarsi avviene solo in combinazioni più o meno bizzarre ed eteroclite. 25º Questi svolgimenti pongono molti problemi, i più importanti dei quali si riassumono nel modo e nella qualità dei rapporti tra i vari strati intellettualmente qualificati, cioè nell’importanza e nella funzione che deve e può avere l’apporto creativo dei gruppi superiori in connessione con la capacità organica di discussione e di svolgimento di nuovi concetti critici da parte degli strati subordinati intellettualmente. Si tratta cioè di fissare i limiti della libertà di discussione e di propaganda, libertà che non deve essere intesa nel senso amministrativo e poliziesco, ma nel senso di autolimite che i dirigenti pongono alla propria attività ossia, in senso proprio, di fissazione di un indirizzo di politica culturale. In altre parole: chi fisserà i «diritti della scienza» e i limiti della ricerca scientifica, e potranno questi diritti e questi limiti essere propriamente fissati? Pare necessario che il lavorio di ricerca di nuove verità e di migliori, più coerenti |21| e chiare formulazioni delle verità stesse sia lasciato all’iniziativa libera dei singoli scienziati, anche se essi continuamente ripongono in discussione gli stessi principi che paiono i più essenziali. Non sarà del resto difficile mettere in chiaro quando tali iniziative di discussione abbiano motivi interessati e non di carattere scientifico. Non è del resto impossibile pensare che le iniziative individuali siano disciplinate e ordinate, in modo che esse passino attraverso il crivello di accademie o istituti culturali di vario genere e solo dopo essere state selezionate diventino pubbliche ecc. 26º Sarebbe interessante studiare in concreto, per un singolo paese, l’organizzazione culturale che tiene in movimento il mondo ideologico ed esaminarne il funzionamento pratico. Uno studio del rapporto numerico tra il personale che professionalmente è dedito al lavoro attivo culturale e la popolazione dei singoli paesi sarebbe anche utile, con approssimativo calcolo delle forze libere. La scuola, in tutti i suoi gradi, e la chiesa sono le due maggiori organizzazioni culturali in ogni É evidente que uma construção de massa desta espécie não pode ocorrer “arbitrariamente”, em torno a uma ideologia qualquer, pela vontade formalmente construtiva de uma personalidade ou de um grupo que se proponha esta tarefa pelo fanatismo das suas próprias convicções filosóficas ou religiosas. A adesão ou não adesão de massas a uma ideologia é o modo pelo qual se verifica a crítica real da racionalidade e historicidade dos modos de pensar. As construções arbitrárias são mais ou menos rapidamente eliminadas pela competição histórica, ainda que por vezes, graças a uma combinação de circunstâncias imediatas favoráveis, consigam gozar de certa popularidade; já as construções que correspondem às exigências de um período histórico complexo e orgânico terminam sempre por se impor e prevalecer, ainda que atravessem muitas fases intermediárias nas quais a sua afirmação ocorre apenas em combinações mais ou menos bizarras e heteróclitas. 25º Estes desenvolvimentos colocam inúmeros problemas, sendo os mais importantes os que se resumem no modo e na qualidade das relações entre as várias camadas intelectuais qualificadas, isto é, na importância e na função que deve e pode ter a contribuição criadora dos grupos superiores, em ligação com a capacidade orgânica de discussão e de desenvolvimento de novos conceitos críticos por parte das camadas intelectualmente subordinadas. Em outras palavras, trata-se de fixar os limites da liberdade de discussão e de propaganda, liberdade que não pode ser entendida no sentido administrativo e policial, mas no sentido de autolimitação que os dirigentes põem à sua própria atividade; ou seja, mais precisamente, trata-se de fixação de uma orientação de política cultural. Em suma: quem fixará os “direitos da ciência” e os limites da pesquisa científica? Poderão esses direitos e esses limites ser realmente fixados? Parece-me necessário que o trabalho de pesquisa de novas verdades e de melhores, mais coerentes e claras formulações das próprias verdades seja deixado à livre iniciativa dos cientistas individuais, ainda que eles reponham continuamente em discussão os próprios princípios que parecem mais essenciais. Por outro lado, não será difícil perceber quando estas inciativas de discussão tiveram motivos interessados e não de natureza científica. Também não é possível pensar que as iniciativas individuais possam ser disciplinadas e ordenadas, de maneira que passem pelo crivo de academias ou institutos culturais de natureza diversa, tornando-se públicas somente após um processo de seleção, etc. 26º Seria interessante estudar concretamente, em um determinado país, a organização cultural que movimenta o mundo ideológico e examinar seu funcionamento prático. Um estudo da relação numérica entre o pessoal que está ligado profissionalmente ao trabalho cultural ativo e a população de cada país seria igualmente útil, com um cálculo aproximativo das forças livres. A escola – em todos os seus níveis – e a Igreja são as duas maiores organizações culturais em todos os países, graças ao número de pessoas 208 paese, per il numero del personale che occupano. I giornali, le riviste, e l’attività libraria, le istituzioni scolastiche private, sia in quanto integrano la scuola di Stato, sia come istituzioni di cultura del tipo Università popolare. Altre professioni incorporano nella loro attività specializzata una frazione culturale non indifferente, come quella dei medici, degli ufficiali dell’esercito, della magistratura. Ma è da notare che in tutti i paesi, sia pure in misura diversa, esiste una grande frattura tra le masse popolari e i gruppi intellettuali, anche quelli più numerosi e più vicini alla periferia nazionale, come i maestri e i preti. E che ciò avviene perché, anche dove i governanti ciò affermano a parole, lo Stato come tale non ha una concezione unitaria, coerente e omogenea, per cui i gruppi intellettuali sono disgregati tra strato e strato e nella sfera dello stesso strato. L’università, eccetto che in alcuni paesi, non esercita nessuna funzione unificatrice; spesso un pensatore libero ha più influsso di tutta la istituzione universitaria ecc. 27º Nota I . A proposito della funzione storica svolta dalla concezione fatalistica della |21 bis| filosofia della praxis si potrebbe fare un elogio funebre di essa, rivendicandone la utilità per un certo periodo storico, ma appunto per ciò sostenendo la necessità di seppellirla con tutti gli onori del caso. Si potrebbe veramente paragonare la sua funzione a quella della teoria della grazia e della predestinazione per gli inizi del mondo moderno che poi ha però culminato con la filosofia classica tedesca e con la sua concezione della libertà come coscienza della necessità. Essa è stato un surrogato popolare del grido «dio lo vuole», tuttavia anche su questo piano primitivo ed elementare era un inizio di concezione più moderna e feconda di quella contenuta nel «dio lo vuole» o nella teoria della grazia. È possibile che «formalmente» una nuova concezione si presenti in altra veste che quella rozza e incondita di una plebe? E tuttavia lo storico, con tutta la prospettiva necessaria, riesce a fissare e a capire che gli inizi di un mondo nuovo, sempre aspri e pietrosi, sono superiori al declinare di un mondo in agonia e ai canti del cigno che esso produce. Il deperimento del «fatalismo» e del «meccanicismo» indica una grande svolta storica; perciò la grande impressione fatta dallo studio riassuntivo del Mirskij. Ricordi che esso ha destato; ricordare a Firenze nel novembre 1917 la discussione con l’avv. Mario Trozzi e il primo accenno di bergsonismo, di volontarismo ecc. Si potrebbe fare un quadro semiserio di come questa concezione realmente si presentava. Ricordare anche la discussione col prof. Presutti a Roma nel giugno 1924. Paragone col capitano Giulietti fatto da G. M. Serrati e che per lui era decisivo e di condanna capitale. Per G. M. Serrati1 Giulietti era come il confuciano per il taoista, il chinese del sud, mercante attivo e operoso per il letterato mandarino del Nord, che guardava, con supremo disprezzo da illuminato e da saggio per cui la vita non ha più misteri, questi que utilizam. Os jornais, as revistas e a atividade editorial, as instituições escolares privadas, tanto as que integram a escola de Estado quanto as instituições de cultura do tipo das universidades populares. Outras profissões incorporam em sua atividade especializada uma fração cultural não desprezível, como a dos médicos, dos oficiais do exército, da magistratura. Entretanto, deve-se notar que em todos os países, ainda que em graus diversos, existe uma grande cisão entre as massas populares e os grupos intelectuais, inclusive os mais numerosos e mais próximos à periferia nacional, como os professores e os padres. Isso ocorre que o Estado, ainda que os governantes digam o contrário, não tem uma concepção unitária, coerente e homogênea, razão pela qual os grupos intelectuais estão desagregados em vários estratos e no interior de um mesmo estrato. A Universidade, com exceção de alguns países, não exerce nenhuma função unificadora; um livre-pensador, frequentemente, tem mais influência do que toda a instituição universitária, etc. 27º Nota I. Com respeito à função histórica desempenhada pela concepção fatalista da filosofia da práxis, pode-se fazer o seu elogio fúnebre, reivindicando a sua utilidade para um certo período histórico, mas, justamente por isso, sustentando a necessidade de sepultála com todas as honras cabíveis. É possível, na verdade, comparar a sua função à da teoria da graça e da predestinação nos inícios do mundo moderno, teoria que posteriormente, porém, culminou na filosofia clássica alemã e na sua concepção da liberdade como consciência da necessidade. Ela foi um sucedâneo popular do grito “Deus assim o quer”; todavia, mesmo neste plano primitivo e elementar, era o início de um a concepção mais moderna e fecunda do que a contida no “Deus assim o quer” ou na teoria da graça. Será possível que uma nova concepção mais moderna e fecunda do que a contida no “Deus assim o quer” ou na teoria da graça. Será possível que uma nova concepção se apresente “formalmente” em outra roupagem que não na rústica e desordenada da plebe? Todavia, o historiador – com toda a necessária distância – consegue fixar e compreender que os inícios de um novo mundo, sempre ásperos e pedregosos, são superiores à decadência de um mundo em agonia e aos cantos de cisne que ele produz. O desaparecimento do “fatalismo” e do “mecanicismo” indica uma grande reviravolta histórica; daí a profunda impressão causada pela resenha de Mirski. Que se pense no que ela provocou. Que se pense na discussão com Mário Trozzi, em Florença, em novembro de 1917, e a primeira menção a bergsonismo, voluntarismo, etc. Poderse-ia fazer um quadro semi-sério de como realmente se apresentava esta concepção. Que se pense, também, na discussão com o Professor Pressutti, em Roma, em junho de 1924. Comparação com o capitão Giulietti, feita por G.M. Serrati, que para ele foi decisiva e da condenação total. Para Serrati, Giulietti era como o confuciano para o taoísta, como o chinês do sul, mercador ativo e operante, para o literato mandarim do norte, que olhava com supremo desprezo de iluminado e de sábio, para quem a vida já não tem mistérios, estes homenzinhos do sul que acreditavam poder “abrir caminho” com os seus irrequietos 209 omiciattoli del Sud che credevano coi loro movimenti irrequieti di formiche di poter forzare la «via». Discorso di Claudio Treves sull’espiazione. C’era in questo discorso un certo spirito da profeta biblico: chi aveva voluto e fatto la guerra, chi aveva sollevato il mondo dai suoi cardini |22| ed era quindi responsabile del disordine del dopoguerra doveva espiare portando la responsabilità di questo disordine stesso. Avevano peccato di «volontarismo», dovevano essere puniti nel loro peccato ecc. C’era una certa grandezza sacerdotale in questo discorso, uno stridore di maledizioni che dovevano impietrire di spavento e invece furono una grande consolazione, perché indicava che il becchino non era ancora pronto e Lazzaro poteva risorgere. movimentos de formiga. Discursos de Cláudio Treves sobre a expiação. Havia neste discurso um certo espírito de profeta bíblico: quem quisera e fizera a guerra, quem abalara o mundo em suas bases e, portanto, era responsável pela desordem do após-guerra, deveria expiar a responsabilidade desta desordem. Tinham cometido o pecado do “voluntarismo”: deveriam ser punidos pelo seu pecado, etc. Havia uma certa grandeza sacerdotal neste discurso, um grito de maldições que deveriam petrificar de espanto e, ao contrário, foram um grande consolo, já que indicavam queo coveiro ainda não esta preparado e que Lázaro podia ressuscitar. Cfr Quaderno 8 (XXVIII), pp. 63bis - 64, 67 bis 68 bis, 72 bis - 73 bis, 51 bis - 52, 64 - 64 bis; e Quaderno 10 (XXXIII), p. 6a. ________________________ 210 Anexo IV Quadro Demonstrativo com Distintos Termos e Reincidências por Subparágrafo Subparágrafos/ Termos 1 2 Atividade intelectual 1 3 Autoridade Bom senso Ciência Coerência Consciência Concepção de mundo Crítica Cultura Filosofia Fé História Hegemonia Homem Ideologia Intelectual Língua Massa Movimento Necessidade Partido Política Processo Povo Religião Senso comum Simples Subalterno Unidade Total 3 4 5 6 7 8 1 1 1 1 9 10 11 12 13 14 1 15 2 1 1 2 1 1 4 3 4 1 1 1 3 1 2 2 1 2 2 5 2 18 19 20 2 1 2 1 21 22 4 23 2 4 2 5 26 1 2 27 1 1 1 2 1 3 1 1 3 1 2 5 2 1 2 1 2 1 7 1 2 1 3 1 1 4 2 4 2 7 1 3 3 2 3 9 1 1 3 3 1 1 1 1 4 2 2 5 2 1 1 1 1 1 1 1 6 1 3 1 2 8 1 1 1 1 2 2 2 1 6 8 9 16 2 9 1 1 1 1 4 1 4 1 1 2 1 2 2 1 1 1 1 17 5 2 2 1 1 1 1 1 10 1 1 1 11 1 1 5 20 4 2 4 20 3 1 6 4 3 1 3 1 19 2 33 11 24 1 7 1 11 2 3 1 3 1 2 2 16 1 12 2 1 3 3 1 1 6 5 1 2 2 1 3 20 1 4 3 51 8 2 1 19 12 6 5 1 12 To tal 20 1 1 2 2 1 1 1 17 1 1 2 16 4 7 3 5 4 14 19 22 32 45 9 12 1 2 6 32 10 10 8 10 4 12 10 5 20 25 14 4 21