I INTRODUÇÃO: O que é a filosofia? Não oferece maior dificuldade apresentar um conceito de filosofia que seja meramente operacional, o qual não seria mais do que uma resposta, espontânea, intuitiva, à questão sobre o que seja a filosofia. E a pergunta que devemos formular, a fim de podermos captar o que seja a filosofia, só pode ser: “o que é a filosofia?”. Ao fazermos essa pergunta, contudo, somos projetados diretamente para dentro da filosofia, ou seja, somos levados a filosofar, e o que antes parecia fácil se complica, pois como pretendemos demonstrar em seguida, o que teria marcado o surgimento da filosofia seria precisamente a colocação dessa pergunta sobre o Ser, sobre o Ser do que é (= os entes, as coisas) e, posteriormente, sobre o Ser em si mesmo considerado, como diverso do não-Ser, perguntas que instauram um novo saber, a partir mais das perguntas que coloca do que das respostas que oferece, em sua enorme variedade e diversidade. Tais indagações, como aquela sobre o Ser de tudo o que é, aparecem historicamente naqueles pensadores que formaram a chamada Escola Jônica ou Milésia, na Grécia do séc. V a. C., encabeçada por Tales de Mileto, seguido por Anaximandro e Anaxímenes, que com ela desenvolveram um estudo de “física”,1 ao procurar, como estabelecer o(s) princípio(s) que governava(m) a organização cósmica, ou, para utilizar seu “Natureza” entendida no sentido que eles usavam a palavra, bem diverso do nosso, pois era a própria natureza criadora, geradora, e não, como para nós, por influência religiosa judaico-cristã, criada, gerada, por Deus, e que sob essa inspiração passamos a encarar como matéria prima fornecida para nossa produção do que quer que descubramos ao manipula-la cientificamente. 1 próprios termos, a “arkhé” da “physis” (donde sua qualificação como "físicos" ou “fisiólogos”). Já a pergunta sobre o que é o Ser em si mesmo aparece no famoso poema de Pârmenides, Peri physeos, “Sobre a natureza”, e instaura um tipo de reflexão a que, posteriormente, se passará a chamar de “metafísica”, em circunstâncias a que nos referiremos. Por perguntar "o que é a filosofia?", como se vê, somos levados para a companhia dos primeiros filósofos, daqueles que procuraram oferecer resposta a perguntas semelhantes, sem para isso empregar elementos de natureza mitológica, religiosa ou similar. Essa possibilidade de estabelecer um “diálogo” com outros pensadores a respeito do tema que nos ocupa foi desde sempre um dos traços distintivos da filosofia. E diálogo que pressupõe uma igualdade entre os que dele participarem, no que tange as condições de responderem à questão colocada, sem que se possa invocar alguma espéciede argumento de autoridade, embasado em seja lá o que for: a tradição, a religião etc. A pergunta por "o que é isto, a filosofia" não só nos remete aos primeiros filósofos, mas também a outros, bem mais próximos de nós, no tempo e no espaço. Isso porque essa pergunta, nesses precisos termos, foi colocada pelo grande filósofo contemporâneo Martin Heidegger (1889 – 1976), com quem muito temos a aprender sobre ela, e a quem mais do que a qualquer outro estamos seguindo neste momento. Por outro lado, se dissermos que é próprio da filosofia indagar "o que é isto: um ente" e "o que é que é Ser", e se fazermos a pergunta se voltar sobre ela mesma, a filosofia, perguntando "o que é isto, a filosofia, que indaga sobre o que é isto e o que é que é", então é porque estamos nos propondo a "discorrer filosoficamente sobre a filosofia". Eis que, em assim fazendo, já nos encontramos introduzidos na filosofia, pelo filosofar, entendido como o pensamento que coloca a pergunta sobre o ser do que quer que seja – inclusive, claro, a filosofia, enquanto um tal modo de se perguntar. A filosofia, portanto, é um saber incerto de si mesmo, se comparado com os demais, desde aquele do senso comum até o das ciências, passando por aqueles de natureza mágica ou mítica, religiosa e artística. Mas nesta fragilidade reside, ao mesmo tempo, a grandeza da filosofia, visto que advém de seu compromisso radical com a criticidade, com a problematização total, que leva a que ponha e reponha até a si mesma como problema a ser enfrentado, dependendo dos resultados deste enfrentamento o modo como se procederá em seu âmbito uma investigação. É essa característica, também, que a torna mais humana, por mais assim assemelhar-se ao nosso modo fundamental de ser no mundo. O que se pretende a seguir é oferecer uma via de introdução à filosofia através do questionamento dos próprios filósofos, de alguns filósofos, com destaque para a abordagem, no pensamento deles, do que seja a filosofia ela mesma. Não se espere um desfilar de conceitos, disciplinas e escolas filosóficas, pois o leitor que for colhido por um interesse filosófico naturalmente irá buscar, por si próprio, tais conceitos e escolas. Aqui, do que se trata, é de semear para a colheita desses leitores. II A FILOSOFIA: Características. Apenas com essas primeiras colocações pode-se notar certos atributos da filosofia que a distinguem claramente da ciência - pelo menos tal como tradicionalmente é praticada: sua “reflexividade”, o que significa que ela, a filosofia, se coloca como objeto a ser conhecido por ela própria, e, talvez como consequência da colocação de um problema dessa natureza, aquilo que se pode denominar como sua “circularidade”, para indicar o fato (apontado, exemplarmente, por Karl Jaspers, contemporâneo e conterrâneo, alemão, de Heidegger, em obra de introdução à filosofia) de que não há, em filosofia, como há na ciência, um "progresso do conhecimento", pois sempre se volta as mesmas questões, que em tempo e lugar diversos requerem respostas diversas, sem que, por isso, perca-se o interesse pelas respostas dadas pelos filósofos de outros tempos e lugares, muito pelo contrário: dessas respostas, ao se recolocar as perguntas que a suscitaram, se extrai esclarecimentos antes ainda não percebidos. O incluir até a si mesma como objeto de estudo indica outra característica da filosofia, sempre lembrada por quem a pratica, que se pode nomear como uma busca da “totalidade” das explicações, isto é, de a tudo pretender explicar, numa investigação globalizante, ao contrário da ciência, com sua marcada tendência à especialização (e conseqüente fracionamento) do conhecimento. Finalmente, vale destacar, dessa circunstância de a filosofia colocar a si mesma como uma questão para ela resolver, que por isso é que ela assume um “caráter aporético”, pois as aporias, tal como aparecem no pensamento dos filósofos pré-socráticos da Escola Eleática (Xenófanes, Parmênides e Zenon), são questões que têm a si mesmas como objeto, donde não se poder realmente solucioná-las: dizer que se chegou a essa solução se assemelha à bravata do Barão de Münchhausen, da lenda germânica, que teria conseguido voar puxando pelo próprio cabelo... Daí que a única "saída" para resolver uma aporia, que, literal e etimologicamente, é a pergunta sem (em grego: “a”) saída (em grego: “poros”), é se decidir por uma das possíveis soluções, encerrando o questionamento “ad infinitum” em determinado momento.2 Dando continuidade a essas considerações preliminares sobre as caracterísicas de um conhecimento filosófico, já preparando um contraste com aquele das ciências, sejam elas explicativas, empíricas ou formais, sejam compreensivas, como costumam ser aquelas mais voltadas para o fenômeno humano, propomos que, desta perspectiva, os pressupostos do desenvolvimento do saber filosófico não sejam tidos como axiomáticos, hipotéticos, nem muito menos dogmáticos, donde se poder ainda diferenciar um campo específico de investigação para a filosofia. Também não seria algo característico do pensamento filosófico ter uma natureza conjetural, que o 2 A esse respeito, vale lembrar colocações feitas por Tercio Sampaio Ferraz Jr., em "A filosofia como discurso aporético", in: A Filosofia e a Visão Comum do Mundo, Bento Prado Jr. e Oswaldo Porchat Pereira (eds.), São Paulo: Brasiliense, 1981, com base nas quais pode-se referir um caráter dogmático da filosofia, enquanto equivalente à natureza aporética, paradoxal, das questões que ela tipicamente coloca, enquanto questões reflexivas, circulares, que remetem a si mesmas, tal como ocorre com a questão sobre o que é a filosofia, a qual já pressupõe a própria filosofia, enquanto discurso sobre o que é o ser dos entes: a filosofia só pode ser praticada com base numa concepção do que seja fazer isso, filosofar, o que por sua vez é um fator determinante do conteúdo e resultado desse filosofar. Atribuir uma tal natureza à filosofia, dogmática, note-se bem, não é o mesmo que condená-la ao dogmatismo, o que só acontece quando há a recusa em discutir os dogmas, tornando-os imunes à crítica. Um passo importante para prevenirmo-nos do dogmatismo em filosofia seria justamente essa assunção do caráter dogmático da filosofia, ao invés de tentar mascará-lo, insinuando possuir uma resposta verdadeira e definitiva quando apenas se erigiu um dogma, uma tese, assertiva ou axioma. Isso implica na necessidade de se tomar uma decisão sobre a direção em que se encaminhará o questionamento filosófico e a partir de quais pressupostos, algo que foi tematizado por Martin Heidegger, ainda nos primórdios de sua longeva e muito produtiva carreira de professor de filosofia, ao que dedicamos adiante um tópico em separado – cap. XIV, n. 5. tornaria uma espécie de pensamento pré-científico, composto por assertivas plausíveis, a espera de comprovação. Nossa proposta é de que os pressupostos filosóficos, assim como uma investigação que a partir deles se pretenda desenvolver, configuram-se dentro de uma tradição que remonta aos chamados “filósofos pré-socráticos” e se mantém perceptível até o presente, caracterizada por seu caráter originário, quer dizer - forçando um pouco nossa língua para ser mais fiel ao modo originário de expressão dessa idéia -, “principial”, do latim princeps, enquanto tradução do grego arché, donde se poder denominar essa característica peculiar da investigação filosófica, tal como certa feita propôs Martin Heidegger,3 de “arcôntica” (archontisch). Também o grande antecessor e professor deste último, Edmund Husserl (1859 – 1938), refere-se a uma “metodologia arqueológica”, no Manuscrito C 16 IV, como nos reporta Nicoletta Ghigi, da Universidade de Perúgia (Itália), especialista em fenomenologia husserliana que vem desenvolvendo pesquisas sobre os manuscritos inéditos do Arquivo Husserl (Louvain, Bélgica). 4 Em filosofia, portanto, em qualquer tema investigado, seja levando em conta o passado, seja situando-se em uma perspectiva sincrônica, há de se buscar as determinações fundamentais das questões que se coloca, as quais permaneceram presentes nas respostas a serem dadas. Além disso, essas respostas devem ocorrer nos moldes de um quadro explicativo que lhes dá um sentido mais abrangente, enquanto parte de uma explicação que se pretende 3 Cf. Phänomenologische Interpretationen zu Aristoteles. Einführung in die phänomenologische Forschung, Gesamtausgabe, vol. 61, Walter Bröcker e Käte Bröcker-Oltmanns (eds.), 2a. ed., Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1994, p. 26. 4 Cf. http://www.fafich.ufmg.br/memorandum/artigos04/ghigi01.htm, consultado em 1o./10/2006. V. tb. Angela Ales Bello, Culturas e Religiões. Uma leitura fenomenológica, trad.: Antonio Angonese, Bauru (SP): EDUSC, 1998; Id., Fenomenologia e Ciências Humanas, org. e trad.: Miguel Mahfoud e Marina Massimi, Bauru (SP): EDUSC, 2004, cap. 2, p. 187 ss. integral, do modo como se articula o conjunto dessas partes em um todo significativo. É assim que, para Manfredo Araújo de Oliveira, “a filosofia se distingue das ciências particulares à medida que ela considera as coisas (os particulares) em seu relacionamento com o todo, à medida que pretende mostrar a presença do todo em todos os particulares. Sua tarefa é reconhecer o todo no particular (para usar uma expressão de Schelling)” (grifos do A.).5 Xavier Zubiri atribui a Aristóteles a primazia na identificação disto que se pode denominar a “catolicidade” da filosofia, ao se propor a estudar seu objeto em sua universalidade, e universal não apenas em seus conceitos, mas também no sentido de abarcar a totalidade das coisas, entendendo cada uma de acordo com seu lugar na totalidade dela.6 Este anelo por um saber assim totalizante é pouco perceptível em nossos dias e já de há algum tempo. Não por acaso, como se pretende evidenciar ao longo da presente exposição, a ausência de filosofia, uma “filosofia de primeira mão”, se verifica na própria produção filosófica acadêmica, nas teses, dissertações, ensaios, monografias e livros, em geral subordinadas a normas e convenções, além de arranjos institucionais ou, mesmo, vaidades e interesses políticos, tanto universitários como até de outra ordem, maior.7 É o que, em certo sentido, se pode denominar “paradigma”. Paradigmas nos constrangem a evitar o tratamento em profundidade – ou mesmo superficialmente – das questões que motivaram o surgimento da 5 A Filosofia na Crise da Modernidade, São Paulo: Loyola, 1989, p. 157. Cf., deste A., Cinco lecciones de filosofia, Madri: Alianza, 7a. reimpr., 1999, p. 30; id. Sobre el Problema de la Filosofía y otros Escritos (1932 – 1944), Madri: Alianza/Fundación Xavier Zubiri, 2002, pp. 38/39; v. tb., sobre os diversos sentidos da “catolicidade” em Aristóteles, Oswaldo Porchat Pereira, Ciência e Dialética em Aristóteles”, São Paulo: Ed. UNESP, 2001, pp. 152 ss. 7 Nesse sentido, Rachel Gazolla, “Duas perguntas sobre o destino da Filosofia”, in: Filosofia: Diálogos de Horizontes, Heloísa Pedroso de Moraes Feltes e Urbano Zilles (org.), Porto Alegre/Caxias do Sul: EDIPUCRS/EDUCS, pp. 279 ss., esp. p. 286. 6 filosofia e é a fonte perene – enquanto houverem seres humanos, pelo menos – de sua permanência, apesar de toda a escassez que hoje enfrentamos. O paradigma nos proíbe e impede de buscar esta fonte perdida, de nos abeberarmos nela e, com isso, ao escavarmos para encontrá-la, fazê-la aflorar, jorrar. Do que faz falta, então, é de promover uma (re)aproximação da filosofia a um modo antes poético, do que (tecno)científico (ou fideísta-religioso), de desenvolver a reflexão e sua exposição. Com isso não se pretende invalidar os esforços que em geral fazem os estudiosos de filosofia, quando se dedicam à exegese do que escreveram os filósofos, normalmente aqueles do passado e, em raros casos, alguns poucos contemporâneos, que ousaram, ou ainda ousam, elaborar um pensamento (mais) próprio. “Próprio”, aqui, entenda-se no duplo sentido da palavra, em que este pensamento tanto aparece como original, originário do próprio sujeito, como apropriado ao que se pode considerar assunto da filosofia. Ocorre que, no modo de ver aqui proposto, realizar um trabalho em filosofia que mais se aproxima de parâmetros científicos, sejam das ciências humanas, sejam de ciências naturais ou formais, como se dá, comumente, no âmbito da filosofia de corte analítico, significa desviar-se do que mais direta e imediatamente interessa tratar em filosofia, desviando-se para um caminho técnico, no qual se exaure o modo mais originário de questionamento filosófico, que é metafísico ou, como acima referido, “archôntico”. Assim, por exemplo, se é da filosofia que resultou a postura científica de tratar as questões (sua epistéme, para dizer em grego, empregando expressão hoje consagrada no jargão filosófico), aquilo que se pretende conhecer/saber pela filosofia é justamente o que não interessa às ciências, do que elas não se ocupam, até porque as põe em questão: elas próprias, seus objetivos, para além do conhecimento que fornecem e das possibilidades de ação/interação/alteração do que estudam. Mesmo uma “ciência da ciência” não é filosofia, não se voltaria para pensar o que aqui se propõe deva acolher a filosofia, em face da urgência desse acolhimento e tendo em vista que ela já esteve voltada para esse pensar, antes de se perder e exaurir nas ciências. A urgência desse pensamento em nosso tempo se explica justamente em razão do que nele vem-se produzindo, sob a influência do predomínio do pensamento técnico-científico – e o pensamento técnico, vale destacar, desde sempre e cada vez mais remete ao pensamento que a filosofia tornou científico, e vice-versa. Antes da ciência se tornar o que hoje – e desde já há algum tempo – ela se tornou, ela existiu embrionariamente enquanto técnica, faltando apenas o encontro histórico com a filosofia, primeiro, e, depois, com a religião monoteísta e personalista, de Deus onipotente feito homem, o cristianismo, para que se verificassem os pressupostos mais importantes, no plano ideológico, de seu completo desenvolvimento – eis que se tem uma origem metafísica teológica da ciência e de sua(s) técnica(s). A filosofia a que se busca aqui uma via de acesso, introduzindo-a, então, precisa estar fora do círculo em que seus cultores a aprisionaram e ali a mantém, quando trabalham “tecnicamente”, pondo-se a serviço do desenvolvimento de um saber cada vez maior, no menor espaço de tempo, sem parar e se perguntar do por quê, para quê. E é essa escalada desenfreada para o saber que é um saber-fazer (know how), característica da (tecno)ciência, que tantos problemas vem solucionando, ao mesmo tempo em que muitos outros vai criando – e, principalmente, deixando de enfrentar a brutalidade da existência, o chamado “absolutismo da realidade” (Hans Blumenberg), por promover mais e mais o afastamento dela, evitando que nos confrontemos com ela, o que exige um tipo de saber mais próximo da religião e, portanto, mais distanciado da ciência: surgem, assim, questões que colocam em questão essa mesma ciência e o modo de organização social (também política, jurídica e, sobretudo, econômica) que a criou, sustenta e nela se sustenta. Não é de estranhar, portanto, que tais questões não sejam tratadas e sejam mesmo, de certa forma, descartadas. Delas, tradicionalmente, se ocupam as religiões, e não há lugar para elas, tanto as religiões como tais questões, na sociedade mundial tecnocientífica contemporânea, que tem na secularização um dos pressupostos de seu aparecimento e manutenção. Antes de concluir essas primeiras considerações sobre a filosofia, penso devermos ainda apreciar a questão de sua origem, assim como aquela relativa ao que ela seja na atualidade, o que bem pode ser entendido como a questão de se ela teria chegado ao fim, dado o estado em que se encontra. A essas questões Heidegger responde ter a filosofia iniciado na Grécia, com Tales de Mileto, no séc. VI a. C., e acabado na Alemanha, com Hegel, no séc. XIX d. C., sendo este acabamento de se entender em um duplo sentido, pois além de significar o que se acabou, por ter se exaurido, terminado, é também o que se “perfectibilizou”, assim como quando dizemos que uma construção está em fase de acabamento. Então, se no princípio ela se expressou, "falou" em grego, no fim, sua língua seria o alemão - assim como no “meio”, ou seja, no período medieval, a “lingua franca” foi o latim, sendo a este período que, por este critério, permaneceríamos vinculados, o que também se pode justificar com argumentos de outra natureza, mais sólidos, como são aqueles históricos, visto que, histórica e culturalmente, além de liguisticamente, nos vinculamos a uma tradição que a partir de determinado momento representou uma reação aos desenvolvimentos da modernidade, reafirmando o catolicismo contra o protestantismo, a retórica contra a ciência e assim por diante. E se a filosofia encontra-se esgotada, sobretudo pelo avanço e predomínio do modo científico de conhecer e impor-se ao mundo,8 revigora-la para, assim, revigorarmo-nos, pode resultar justamente da retomada do que nela se produziu e depois se perdeu, lançando-nos nessa perdição, nesse estado de perplexidade em que nos encontramos hoje, o qual percebemos se, por assim dizer, pararmos – a corrida desenfreada em que nos contrange o tempo do não haver tempo a perder em que vivemos – para pensarmos, e, de preferência, filosoficamente, por mais livremente. Esclarecedora, nesse contexto, é a resposta por assim dizer "mítica" sobre a origem da filosofia, dada pelos primeiros filósofos, aqueles que tiveram a consciência de estarem fazendo filosofia (o termo é “dito” por vez primeira por Sócrates), os gregos "pós-socráticos". Também aqui penetraremos por intermédio do texto acima mencionado de Heidegger. Examinemos, então, a genealogia e escatologia do pensamento filosófico, sua (suposta) origem e seu (suposto) fim, para eventualmente reconhecer o que poderá sucedê-lo na tarefa capital que é a sua, de afrontar questões como aquela do sentido da existência desse ser que a questiona, o homem. Ou talvez melhor dizer “um mundo”, com Emmanuel Carneiro Leão, em "A Técnica e o Mundo no Pensamento da Terra", in: Revista Tempo Brasileiro, n° 94, na 8 esteira também de seu mestre direto, Heidegger, mundo que devasta a terra, desertificando-a, como pretendia expressar Nietzsche com sua célebre frase “o deserto cresce”.