Artigo de Revisão Lesões Císticas do Pâncreas Pancreatic cystic lesions Everson L.A. Artifon1, Marco Buch 2, Lubia Bonini2, Dayse P.S. Aparicio3 As lesões císticas do pâncreas são peculiares em relação ao diagnóstico e ao tratamento. O recurso da ecoendoscopia promoveu melhor processo na diferenciação entre as lesões com características benignas e as malignas. Tratase de afecção de alta possibilidade de cura na ocasião do diagnóstico precoce, oferecendo-se tratamento efetivo e impactante. Didaticamente, podemos dividir em tipos de lesões macro e microcística: a primeira poderá apresentarse com características de malignidade; já a segunda demonstra-se ser lesão benigna. As lesões cisticas tipo IPMN estão detalhadas neste artigo e o tratamento cirúrgico é a opção justificada naqueles pacientes com lesões no ducto pancreático principal. Caso contrário, nos pacientes com IPMN dos ductos secundários, o acompanhamento poderá ser feito pela ecoendoscopia. Finalmente, as lesões císticas do pâncreas devem ser avaliadas por abordagem multidisciplinar, alcancando-se assim o melhor tratamento possível ao paciente. Unitermos: Cística, Lesão, Ecoendoscopia. Sumary The cystic pancreatic lesions have particularities regarding diagnostic and treatment ways. The resources on EUS raised up better process to be diferetiating those cases with benign and malignant features. It is a lesion with high probability to bring an early diagnosis and with an effective and prompt treatment. It will be didactly share the types of lesions in macro and microcystics, the first one could be raised up the features of malignancy, on the other hand the last one push up the benigns lesions. IPMN lesions are detailed in the manuscript and in those patients with main pancreatic duct lesions the surgical treatment is the rationale otpion. Otherwise, patients with side branch IPMN, the follow up could be taken by using EUS findings. Finally, pancreatic cystic lesions should be assessed by multidisciplinary approach intending the best treatment chance. Keywords: Cystic, Lesions, Echoendoscopy. Definição Lesões císticas pancreáticas podem ser encontradas durante a avaliação de pacientes com dor abdominal e pancreatite, porém estão cada vez mais sendo achados incidentais de exames de imagem abdominal por causas inespecíficas 1.Estas lesões podem ser divididas em pseudocistos, cistos não neoplásicos e cistos neoplásicos, que incluem cistoadenoma seroso, cistoadenoma mucinoso e neoplasia mucinosa papilar intraductal. Sabe-se ainda que outros tumores pancreáticos também podem conter espaços císticos ou regiões de degeneração cística, como neoplasia sólida pseudopapilar, tumor endócrino cístico e até adenocarcinoma ductal 2. Uma avaliação adequada é importante pois cistos não neoplásicos requerem tratamento apenas quando sintomáticos, enquanto algumas das neoplasias císticas têm um potencial maligno significante e devem ser ressecadas. 1. Chefe do Servico de Endoscopia do HAC (Hospital Ana Costa) - Santos. 2. Residentes do Serviço de Endoscopia do HAC. 3. Médica-Assistente do Serviço de Endoscopia do HAC. Endereço para correspondência: Rua Guimaraes Passos, 260 - apto 121 - Vila Mariana - São Paulo - SP -cep: 04107-030 - e-mail: [email protected] - Recebido em: 23/07/2013. Aprovado em: 16/08/2013. GED gastroenterol. endosc. dig. 2013: 32(4):111-119 111 32(4):111-119 Resumo Lesões Císticas do Pâncreas Diagnóstico Os sinais e sintomas mais comuns são dor abdominal, perda de peso, dor lombar, icterícia, pancreatite, massa abdominal palpável e empachamento pós-prandial 3. Devido ao seu aspecto radiológico, as neoplasias císticas pancreáticas podem ser erroneamente classificadas como pseudocistos 3-5. Entretanto, apesar de sua semelhança, elas são diferenciadas através de suas características clínicas, achados ecoendoscópicos, citológicos e da análise do conteúdo líquido em seu interior (tabela 1). Dentre os exames de imagem, a tomografia computadorizada com cortes finos é a forma mais utilizada no diagnóstico de lesões císticas, podendo fornecer informações sobre a localização no parênquima pancreático, relação com Tabela 1. Características das lesões císticas pancreáticas. Quadro clínico Achados ecoendoscópicos Líquido Citologia Potencial maligno Pseudocisto Histórico de pancreatite grave ou moderada Anecóico, parede espessa, raras septações, linfonodos regionais inflamatórios podem ser vistos Fino, amarronzado Neutrófilos, macrófagos, histiócitos; coloração negativa para mucina Nenhum IPMN Histórico de pancreatite, dor abdominal ou achado incidental Ducto pancreático principal dilatado ou ductos secundários; pode ser um cisto septado; pode ter um componente sólido Viscoso, claro Células colunares mucinosas com atipia variável; coloração positiva para mucina Sim Cistoadenoma mucinoso Geralmente um achado incidental, mas pode causar dor abdominal e massa palpável Macrocístico, septado; calcificações periféricas, componentes sólidos e linfonodos regionais quando malignos Viscoso, claro Células colunares mucinosas com atipia variável; coloração positiva para mucina Sim Cistoadenoma seroso Geralmente um achado incidental, mas pode causar dor abdominal e massa palpável Microcístico com padrão “favo de mel”; raramente possui componente macrocístico; calcificação central Fino, claro ou serossanguinolento Epitélio cuboide com coloração positiva para glicogênio Quase nulo Neoplasia endócrina cística Pode ter características clínicas de neoplasia endócrina sólida pancreática Cisto unilocular ocupa quase toda a neoplasia Fino, claro Células monomórficas de tumor endócrino; coloração positiva para cromogranina e sinaptofisina Sim Neoplasia sólida pseudopapilar Geralmente um achado incidental; raramente causa desconforto abdominal Sanguinolento e com debris necróticos Células monomórficas com núcleo arredondado; eosinofílico; coloração positiva para vimentina e a -1-antitripsina Sim Adenocarcinoma ductal com degeneração cística Icterícia indolor, dor abdominal/ lombar ou raramente com pancreatite Sanguinolento com ou sem debris Pode ser observado adenocarcinoma maligno, mas vários graus de atipia podem estar presentes Já presente 32(4):111-119 112 Componentes sólidos e císticos Massa sólida primariamente com espaços císticos Fonte: Jacobson BC, Baron TH, Adler DG, et al. ASGE guideline: The role of endoscopy in the diagnosis and the management of cystic lesions and inflammatory fluid collections of the pancreas. Gastrointest Endosc. 2005 Mar;61(3):363-70. GED gastroenterol. endosc. dig. 2013: 32(4):111-119 E. L. A. ARTIFON, M. BUCH , L. BONINI, D. P. S. APARICIO Lesão Cística Pancreática Pancreatite Sintomático Assintomático Pseudocisto Tratamento cirúrgico TC com cortes finos Cistoadenoma Seroso Cistoadenoma Mucinoso Dúvida diagnóstica IPMN Seguimento Componente sólido Calcificação na parede Obstrução ductal Ecoendoscopia > 3 cm < 3 cm Ducto Secundário Tratamento cirúrgico Considerar seguimento Figura 2 Figura 1: Abordagem das lesões císticas pancreáticas - adaptado de Figueiras et al. 6. vasos e influenciar a estratégia terapêutica. A ressonância nuclear magnética pode ser uma alternativa para melhor avaliação da anatomia ductal, também sendo uma opção nos casos de alergia ao contraste iodado. Na figura 1, propomos um algoritmo de investigação e conduta na abordagem das lesões císticas pancreáticas (adaptado de Figueiras et al.)6. A ecoendoscopia é um método diagnóstico que possui maior sensibilidade em lesões císticas menores que 2 cm de diâmetro e ainda permite a punção aspirativa com agulha fina do conteúdo líquido cístico, que a análise pode ajudar no diagnóstico diferencial das lesões císticas 7. A análise do conteúdo líquido dos cistos fornece informações importantes a respeito de sua etiologia. Os exames mais realizados são a citologia e a dosagem bioquímica de amilase, antígeno carcinoembrionário (CEA) e do marcador tumoral CA 19-9 (líquido cístico). Dependendo destes resultados, a orientação para uma hipótese diagnóstica da lesão cística pode ser feita com boas sensibilidades e especificidades (tabela 2) 8. 32(4):111-119 Tratamento cirúrgico Ducto Principal Tabela 2: Análise do conteúdo cístico através de citologia, amilase, CEA e CA 19-9. Valor de corte Diagnóstico Sensibilidade (%) Especificidade (%) Amilase < 250 U/L Seroso, Mucinoso ou Lesão mucinosa maligna 44 98 CEA < 5 ng/mL Seroso, Pseudocisto 50 95 CEA > 800 ng/mL Mucinoso, Lesão mucinosa maligna 48 98 CA 19-9 < 37 U/L Seroso, Pseudocisto 19 94 Citologia com células malignas Lesão mucinosa maligna - 48 Fonte 8: Van der Waaij LA, van Dullemen HM, Porte RJ. Cyst fluid analysis in the differential diagnosis of pancreatic cystic lesions: a pooled analysis. Gastrointest Endosc 2005;62(3):383-9. GED gastroenterol. endosc. dig. 2013: 32(4):111-119 LESÕES CÍSTICAS DO PÂNCREAS Pseudocisto pancreático Os pseudocistos são um tipo de coleção líquida que resulta da inflamação e necrose pancreáticas, como complicações de pancreatite crônica aguda ou trauma pancreático. Eles compreendem cerca de 15% a 30% de todas as lesões císticas pancreáticas e cerca de metade dos cistos pancreáticos em pacientes com histórico de pancreatite9,10. Desta forma, em um paciente com histórico de pancreatite aguda, uma lesão cística somente deve ser diagnosticada como pseudocisto se houver um exame de imagem prévio demonstrando sua ausência. A ausência de um epitélio interno é o que distingue o pseudocisto de uma lesão cística verdadeira, pois sua parede é formada por um tecido fibroso e de granulação originados de um processo inflamatório. Eles podem ser únicos ou múltiplos, e a maioria dos pseudocistos possui comunicação com o sistema ductal pancreático, contendo altos níveis de amilase e lipase. 32(4):111-119 De acordo com a classificação revisada de Atlanta, temos 11: • Pseudocisto pancreático: coleção bem definida, encapsulada, com líquido homogêneo e componente sólido; • Walled-off necrosis: coleção bem definida, encapsulada, com líquido heterogêneo e presença de componente sólido necrótico. A maior parte dos pseudocistos tem resolução espontânea, contudo podem ocorrer complicações agudas como infecção, rotura e sangramento, em complicações crônicas como obstrução biliar, trombose de veia esplênica ou porta e dificuldade no esvaziamento gástrico. Nestes casos, o tratamento de drenagem cirúrgica, percutânea ou endoscópica está indicado. Cistos pancreáticos não neoplásicos Os cistos pancreáticos não neoplásicos são raros e geralmente assintomáticos, não necessitando de tratamento específico. Na maioria das vezes, são diagnosticados depois de uma ressecção devido à suspeita de se tratar de uma neoplasia cística pancreática no pré-operatório. Eles incluem cistos verdadeiros, cistos de retenção, cistos mucinosos não neoplásicos e cistos linfoepiteliais. Neoplasias císticas pancreáticas A identificação de neoplasias císticas pancreáticas é importante, pois algumas possuem potencial maligno e têm indicação cirúrgica. Seus quatro subtipos são: • Neoplasia cística serosa • Neoplasia cística mucinosa • Neoplasia mucinosa papilar intraductal • Neoplasia sólida pseudopapilar. Neoplasia cística serosa A maioria das neoplasias císticas serosas é cistoadenomas, que são neoplasias benignas formadas por células cuboidais ricas em glicogênio originadas de células centroacinares do pâncreas exócrino. Localizam-se predominantemente no corpo e cauda pancreáticos e são mais diagnosticadas em mulheres acima de 60 anos 12-14. À ecoendoscopia podemos caracterizar as lesões em suas variações morfológicas, que incluem microcística, macrocística e mista. A variação mais frequente é a microcística, que consiste em uma lesão hipoecóica, heterogênea, com vários cistos anecóicos separados por septos finos e regulares, determinando um aspecto em “favo de mel” (Figura 2). Figura 2: TC abdome evidencia volumoso pseudocisto pancreático situado no mesogástrio, com paredes espessas e contato com a parede gástrica. À ecoendoscopia setorial, percebe-se volumoso pseudocisto com conteúdo anecóico, medindo 12,1 cm X 6,6 cm. A drenagem ecoguiada falhou devido à parede espessa do pseudocisto com impossibilidade de dilatação do trajeto. Paciente foi submetido à cistogastrostomia cirúrgica. GED gastroenterol. endosc. dig. 2013: 32(4):111-119 E. L. A. ARTIFON, M. BUCH , L. BONINI, D. P. S. APARICIO Figura 3: Lesões císticas na cabeça (A) e colo (B) do pâncreas caracterizada por vários pequenos cistos agrupados e traves hiperecogênicas no centro (cicatriz estrelar). O aspecto ecoendoscópico é sugestivo de cistoadenoma seroso. O padrão misto, com cistos de tamanhos variados, macro e micro, pode ser encontrado mais frequentemente que a macrocística. Uma vez que sua degeneração maligna é extremamente rara, um tratamento só é necessário quando há presença de sintomas ou quando ocorre um crescimento rápido da lesão. Na maioria, está indicado um acompanhamento clínico ou através de exames de imagem. Figura 4: Ecoendoscopia setorial, demonstrando imagem cística de 47mm X 34mm, em corpo pancreático, com traves e conteúdo espesso interno, compatível com neoplasia mucinosa (cistoadenoma mucinoso). Neoplasia cística mucinosa As neoplasias císticas mucinosas ocorrem quase que exclusivamente em mulheres e são mais comumente diagnosticadas acima dos 40 anos de idade. Possuem um grau de atipia celular variável e secretam mucina, semelhantemente às neoplasias mucinosas papilares intraductais 15,16. Entretanto, em contraste com estas últimas, não se comunicam com os ductos pancreáticos e apresentam tecido estromal semelhante ao ovariano que tipicamente tem origem do corpo ou cauda pancreáticos 16,17. À ecoendoscopia podemos caracterizá-la mais frequentemente como uma lesão macrocística, que pode ser multiloculada ou microcística, que é mais rara. Suas paredes são geralmente finas e bem definidas em relação ao parênquima pancreático. Evidências de nodularidade mural, calcificação na parede (aspecto em casca de ovo) e obstrução ductal são indicativos de malignidade da lesão (Figura 3). A Organização Mundial de Saúde classificou seu aspecto patológico em adenoma (cistoadenoma mucinoso), “borderline” e maligno (cistoadenocarcinoma mucinoso) 9. Pelo potencial maligno, caso o paciente tenha condições clínicas, sua ressecção cirúrgica está geralmente recomendada (Figura 4). Neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) As neoplasias mucinosas papilares intraductais são lesões produtoras de mucina originadas do sistema pancreático ductal, que exibem graus de atipia celular variável e causam dilatação dos ductos pancreáticos18. Têm um pico de incidência acima dos 50 anos de idade e igual distribuição entre os sexos. De forma semelhante às neoplasias mucinosas, podem ser classificadas de acordo com o grau de atipia em adenoma, “borderline” ou carcinoma mucinoso papilar intraductal. Localizam-se principalmente na cabeça do pâncreas, sendo GED gastroenterol. endosc. dig. 2013: 32(4):111-119 32(4):111-119 Estes septos podem coalescer formando uma cicatriz central que, quando calcificada, denota um sinal patognomônico nos exames de imagem. A variação macrocística é composta por um ou mais cistos acima de 20 mm, dificultando sua diferenciação com as lesões mucinosas. LESÕES CÍSTICAS DO PÂNCREAS Figura 5: Tomografia evidenciando dilatação uniforme do ducto pancreático a partir da cabeça do órgão na qual se verifica lesão cística multiseptada. À ecoendoscopia verifica-se dilatação do ducto pancreático e, na cabeça do pâncreas, lesão macrocística com septos finos, não comunicante ao ducto de Wirsung. A imagem endoscópica demonstra papila pátula com drenagem de material mucoide. A ecopunção demonstrou tratar-se de IPMN. 32(4):111-119 Algum estigma de alto risco para malignidade? 1) Icterícia obstrutiva 2) Componente sólido 3) Ducto pancreático principal dilatado (> 10 mm) Sim Não Alguma característica preocupante? Tratamento cirúrgico Clínica: Pancreatite Imagem: 1) Cisto > 3 cm; 2) Paredes císticas espessadas; 3)Ducto pancreático entre 5-9mm Sim Sim Endoscopia Não 1) Nódulo mural; 2) Suspeita de envolvimento do ducto pancreático principal; 3) Citologia positiva ou suspeita para malignidade Não Tamanho do cisto < 1 cm 1-2 cm 2-3 cm > 3 cm TC/RNM em 2-3 anos TC/RNM em 2 anos (aumentar intervalo se não houver alteração) Nova Endoscopia em 3-6 meses (considerar cirurgia se paciente for jovem) Tratamento cirúrgico (considerar acompanhamento com ecoendoscopia ou RNM em 3-6 meses) Figura 6: Abordagem do IPNM de ducto secundário. Fonte (19): Tanaka M, Fernández-del Castillo C, Adsay V, et al. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology 2012;12(3):183-97. GED gastroenterol. endosc. dig. 2013: 32(4):111-119 E. L. A. Artifon, M. Buch , L. Bonini, D. P. S. Aparicio Em relação ao acometimento do sistema ductal, o IPMN pode acometer o ducto pancreático principal, os secundários ou ambos. Sabe-se que o acometimento dos ductos secundários evolui com menos frequência para um carcinoma invasivo, o que é importante para a definição de conduta. O último consenso internacional, realizado em 2012 19, indica as características para o tratamento cirúrgico dos IPMN de ductos secundários, com seu manejo clínico dependendo do grau de acometimento do ducto pancreático principal ou secundário, da presença de componente sólido, da ocorrência de calcificações e do tamanho do cisto (Figura 6). Neoplasia sólida pseudopapilar As neoplasias sólidas pseudopapilares pancreáticas são raras e ocorrem geralmente em mulheres jovens com menos de 35 anos de idade. Elas mais se localizam normalmente no corpo e cauda pancreáticos, e podem conter ambos os componentes, sólido e cístico, além de áreas de calcificação 20,21. Tratamento endoscópico O tratamento endoscópico para drenagem de coleções líquidas pancreáticas é aceito como uma opção menos invasiva do que a drenagem cirúrgica ou percutânea. Apesar de existirem terapêuticas ecoguiadas de ablação para neoplasias císticas com injeção de etanol ou outros agentes ablativos, seu uso está restrito a casos selecionados e não devem ser utilizadas rotineiramente na prática clínica 22-25. Drenagem endoscópica de coleções líquidas pancreáticas Indicações As indicações para drenagem endoscópica são geralmente feitas através da sintomatologia do paciente. Os principais sintomas que indicam o procedimento são dor abdominal, retardamento no esvaziamento gástrico, saciedade precoce, perda de peso e icterícia, porém outras indicações são infecção cística ou aumento de seu tamanho. Dentre as coleções líquidas pancreáticas, as que apresentam uma parede bem definida são as que têm um tempo maior que 4 semanas após o episódio de pancreatite, nas quais a parede da coleção está maturada, tornando a drenagem tecnicamente factível. Em outro aspecto, somente o tamanho do pseudocisto não é uma indicação para a sua drenagem, porém sabe-se que quando, atingem dimensões maiores que 6 cm, eles tendem a ser sintomáticos. Desta forma, podemos resumir as indicações em: • Sinais e sintomas clínicos; • Tamanho maior que 6 cm; e • Tempo acima de 4 semanas. Técnica A abordagem endoscópica para drenagem de um pseudocisto pode ser transpapilar, transmural ou uma combinação das duas 26-30. A decisão de qual método a ser utilizado deve ser baseada na relação anatômica da coleção com o estômago e duodeno, com a presença de comunicação ductal e no seu tamanho. Técnica transpapilar A terapia de drenagem transpapilar através da colocação de uma prótese pancreática, com ou sem esfincterotomia, pode ser adequada se a coleção tiver comunicação com o ducto pancreático principal 31,32. Uma vantagem da abordagem transpapilar sobre a transmural é a prevenção de hemorragia ou perfuração que podem ocorrer com esta última. A desvantagem seria que uma prótese pancreática pode induzir a uma cicatrização e fibrose do ducto pancreático principal, alterando sua anatomia em pacientes cujo ducto pancreático é normal e, ainda, dificultando a adequada drenagem de coleções maiores 33,34. Técnica transmural Esta técnica de drenagem é obtida através da colocação de uma ou mais próteses através da parede gástrica ou duodenal. Uma avaliação ecoendoscópica antes da drenagem pode ser feita para reduzir as chances de complicação, definindo a melhor topografia para a punção e drenagem da coleção 30, 35-38 . A inviabilidade da realização de uma ecoendoscopia não significa a suspensão do procedimento, exceto nos casos em que não haja um abaulamento endoscopicamente visível, a presença de vasos interpostos ou uma falha prévia na tentativa de drenagem. Nestes casos, o local de punção deve ser o ponto máximo de compressão extrínseca causada pela coleção. A punção da coleção é realizada com uma agulha de grande calibre ou um estilete com eletrocautério29. Após a passagem de um fio guia na cavidade, é realizada uma dilatação balonada do trajeto seguida da colocação de uma ou mais próteses, geralmente plásticas tipo duplo “pigtail”, para se obter a drenagem. Recentemente, o uso de próteses metálicas autoexpansíveis GED gastroenterol. endosc. dig. 2013: 32(4):111-119 117 32(4):111-119 comum a presença de doença multifocal 9 (Figura 5). Lesões Císticas do Pâncreas tem se tornado uma alternativa às próteses plásticas, com a vantagem de formarem uma fístula de maior diâmetro, reduzindo o risco de obstrução precoce e ainda permitindo um acesso endoscópico para exploração da cavidade. Esta técnica vem sendo utilizada com boa frequência em nosso serviço (HC-FMUSP), onde foram obtidos resultados satisfatórios na resolução tanto de pseudocistos como em “walled-off necrosis”, nos quais são necessárias reabordagens e sessões de lavagens internas da coleção. Complicações Recomenda-se que a drenagem endoscópica de uma coleção pancreática seja realizada somente com a disponibilidade de radioscopia e suporte clínico adequado caso haja complicações 45. As complicações podem ocorrer durante o procedimento ou a partir da drenagem inadequada do conteúdo das coleções ou de restos necróticos. 32(4):111-119 118 A principal complicação desta técnica é a infecção, geralmente causada por obstrução das próteses, especialmente quando o conteúdo da coleção é espesso ou está associado à presença de restos necróticos. Outras complicações incluem sangramento, perfuração, pancreatite, broncoaspiração do conteúdo da coleção, migração da prótese, lesão ao ducto pancreático e complicações da sedação. Resultados O resultado, após uma tentativa de drenagem endoscópica depende do tipo de coleção e da experiência do endoscopista 45,46. De uma forma geral, o sucesso da drenagem endoscópica dos pseudocistos é obtido em 82% a 89% dos casos, com as taxas de complicação em 5% a 16% e as taxas de recorrência de 4% a 18% 47-49. A experiência com drenagem endoscópica de “walled-off necrosis” é mais limitada, mas conseguiu resolução nãocirúrgica bem sucedida em 31 de 43 pacientes (72%) 45,48. Um relato de drenagem transmural de abscessos pancreáticos obteve uma boa resolução em 10 dos 11 abscessos de cavidade, ocorrendo sangramento autolimitado em apenas um paciente 50. referências 1. S pinelli KS, Fromwiller TE, Daniel RA, et al. Cystic pancreatic neoplasms: observe or operate. Ann Surg 2004;239:651. 2. Hamilton SR, Aaltonen LA. Pathology and genetics of tumours of the digestive system. In: Kleihues P, Sobin LH, eds. World Health Organization classification of tumours. Lyon (France): IARC Press; 2000. 3. Fernandez-del Castillo C, Targarona J, Thayer SP, et al. Incidental pancreatic cysts: clinicopathologic char- acteristics and comparison with symptomatic patients. Arch Surg 2003;138:427-34. 4. Martin I, Hammond P, Scott J, et al. Cystic tumours of the pancreas. Br J Surg 1998;85:1484-6. 5. 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