1 Projeto Exército Brasileiro 2015 e Pós-Modernismo Militar Informe elaborado pelo Centro de Estudos Estratégicos da ECEME em março de 2004. 1. INTRODUÇÃO As Forças Armadas são e continuarão a ser um valioso instrumento de política externa para uma nação. Quer seja como elemento de dissuasão, quer seja como elemento de coerção, elas complementam, e por vezes definem, a condução político-diplomática dos conflitos de interesses que caracterizam o “concerto das nações”. Nesse enfoque, os países mais desenvolvidos têm procurado transformar seus exércitos, a fim de dotá-los de meios, processos e tecnologias que contribuam para torná-los em eficientes instrumentos de defesa dos objetivos nacionais. A Guerra do Iraque, iniciada em 2003, demonstrou que a tecnologia aliada a recursos humanos qualificados tem um peso considerável na obtenção da assimetria do poder de combate entre as forças oponentes. O largo uso de dados fornecidos por satélites, o emprego de tecnologia avançada da informação, o domínio do espectro eletro-magnético, a precisão cirúrgica dos sistemas de armas inteligentes e demais opções tecnológicas incorporadas ao arsenal bélico dos países tecnicistas modificaram radicalmente as concepções sobre como fazer uma guerra. Esse cenário tecnológico causa um forte impacto nos países menos desenvolvidos, levando-os a acreditar na impossibilidade de se contrapor a estas invencíveis potências tecno-militares. Além do maciço investimento em tecnologia, os principais exércitos do mundo têm fundamentado suas transformações em conceitos como flexibilização das estruturas organizacionais, concepção sistêmica dos componentes da força, desenvolvimento da doutrina e da integração de forças combinadas, profissionalização e qualificação dos efetivos e outros princípios relacionados a uma efetiva mudança estrutural de suas forças terrestres. Inserido nesse contexto, este trabalho apresentará as implicações deste quadro de transformação dos principais exércitos do mundo para o planejamento do Exército Brasileiro, dentro de uma perspectiva futura. 2. DESENVOLVIMENTO A transformação dos exércitos que foi referida na introdução pode ser incluída, num fenômeno mais amplo chamado de Revolução em Assuntos Militares (RAM). Essa revolução, inserida no contexto das alterações ocorridas após o fim da Guerra Fria, tem implicações para os países semidesenvolvidos e, em especial, para o Brasil. Entre essas implicações, destacam-se aquelas que, por sua importância, serão objeto de estudo nos tópicos seguintes. (a) Aumento das ameaças com que se defronta a Nação O incremento das ameaças, tanto em intensidade como em diversidade, implica na necessidade de se definir com a maior precisão as verdadeiras facetas dessas ameaças e na busca de soluções viáveis, no âmbito da Defesa Nacional, para impedir sua concretização. Essas medidas deverão ter um largo espectro de atuação, abrangendo tanto o campo político quanto os campos financeiros e 2 científico-tecnológicos. Para que essa equação tenha um resultado realmente positivo, é necessário que o País desenvolva, concomitantemente, estratégias de baixo e de alto teor tecnológico (BTT e ATT). Essa simultaneidade de estratégias é bastante benéfica para países como o Brasil, pois cria um vínculo de complementaridade entre as estratégias e amplia a flexibilidade do sistema, podendo, com isso, um substituir o outro em caso de falhas ou interferências alheias. (b) Tentativa dos países desenvolvidos de redefinir o papel das Forças Armadas do Terceiro Mundo Existe de uma maneira velada, ou mesmo explícita em alguns casos, a tentativa de redefinir o papel das Forças Armadas nos países semi-desenvolvidos. Essa tentativa de redefinição provém dos países desenvolvidos, que têm interesse em retirar a vocação de exércitos preparados para a guerra, redirecionando-os para outras atividades subsidiárias. O risco dessa mudança de vocação está no enfraquecimento da capacidade da Nação empregar seu exército como elemento atuante da política externa, pela perda do seu poder dissuasório. Faz-se necessário que o Exército Brasileiro preserve a legitimidade de suas missões constitucionais, tanto as de âmbito externo como as de âmbito interno, mantendo sua credibilidade junto à população sempre elevada, de forma a evitar questionamentos sobre sua finalidade e competência. Uma das medidas para alcançar esse objetivo é não deixar a Instituição cair na obsolescência, mantendo-se atualizada em termos de tecnologia, equipamentos, doutrina e recursos humanos. (c) Implantação de indústria nacional de material de emprego militar É de fundamental importância que a indústria própria de material de emprego militar seja implantada e desenvolvida, com esforço ininterrupto na pesquisa e desenvolvimento (P&D), procurando, também, sua viabilidade econômica. Essa orientação indica por si mesma uma função suplementar da Defesa Nacional: cooperar na criação de riqueza e na ação integracionista. Para isso, as Forças Armadas, o serviço exterior e o setor empresarial deverão atuar de forma coordenada. Essa indústria própria concederia ao País uma considerável independência em relação às potências mais desenvolvidas, tanto na aquisição de material quanto na importação de tecnologia, configurando um quadro de maior auto-suficiência neste setor vital da Defesa Nacional. (d) Adoção de política continuada de cooperação integracionista na América do Sul A integração regional constitui um objetivo de alta relevância para o Brasil e, por conseguinte, para o Exército, pois, através dela, será possível obter um somatório do Poder Nacional dos países participantes. Além disso, como esses países se deparam com problemas similares para efetuarem a atualização de suas Forças Armadas, os programas que adotarem em conjunto para adaptar a RAM às contingências próprias de sua expressão militar contribuirão notadamente para a integração em todas as outras expressões do Poder Nacional. Essas alianças regionais em todos os níveis permitiriam aumentar o poder de barganha junto às demais potências mundiais, desde que houvesse uma efetiva integração dos poderes nacionais, de modo a tornar esse bloco uma potência forte e suficientemente coesa para agir de forma plenamente coordenada. O Exército deve atuar como elemento coadjuvante nesse esforço pela integração, buscando, entre outras medidas, realizar intercâmbios com os demais exércitos sul-americanos. 3 (e) Mudança no Serviço Militar Obrigatório Uma das tendências dos principais exércitos do mundo consiste na adoção de efetivos voluntários e profissionais em substituição ao serviço militar obrigatório. Essa profissionalização das graduações mais baixas será, no futuro, uma necessidade, à medida que os equipamentos e os armamentos forem se tornando mais sofisticados, exigindo pessoal mais qualificado para operá-los. Essa modificação, entretanto, tem que obedecer às peculiaridades do País, sem tentar copiar modelos adotados por outras nações. Essa imitação de modelos é arriscada por não levar em consideração as idiossincrasias nacionais e os estágios sócio-econômicos tão próprios do Brasil. (f) Modificação nas estruturas organizacionais Uma das mudanças de grande efeito levada a cabo pelos principais exércitos é a adoção de estruturas flexíveis, modulares e leves, dotadas de equipamentos e armamentos modernos e de elevada mobilidade. Essa transformação organizacional possibilita maior rapidez nas respostas a ameaças e projeção de poder em locais mais distantes das sedes das unidades. Outra ênfase neste tópico é o incremento da importância de integração entre as forças singulares. As estruturas devem privilegiar o emprego de forças combinadas, bem como o trabalho de EstadoMaior combinado, de forma sistêmica e coordenada. O Brasil deverá alinhar-se com esta tendência para poder dispor de forças muito bem capacitadas ao emprego nos cenários prospectivos da próxima década. 3. CONCLUSÃO O século XXI apresentará, sem dúvida, grandes desafios ao Brasil, pois o contexto mundial torna-se cada vez mais complexo e em constante mutação. Para enfrentar esses desafios, o País deverá adequar-se a este novo cenário. Nessa adequação está incluída a transformação das Forças Armadas, em geral, e o Exército, em particular. Não será suficiente apenas se modernizar, posto que essa etapa não colocará a Nação em equivalência às grandes potências. Essa indesejável assimetria traria conseqüências prejudiciais tanto na expressão econômica quanto na expressão político-diplomática. Para que esse fenômeno não ocorra é mister que a evolução da RAM nos países desenvolvidos seja acompanhada de modo diuturno, para permitir a atualização continuada das vulnerabilidades que sofrem em conseqüência da combinação dos efeitos da Terceira Revolução Industrial, do fim da Guerra Fria e da dinâmica da Globalização.