REVISTA DO CEDS Periódico do Centro de Estudos em Desenvolvimento Sustentável da UNDB N. 1 agosto/dezembro 2014 – Semestral Disponível em: http://www.undb.edu.br/ceds/revistadoceds Considerações Sobre a Previsão das Tensões Admissíveis Atuantes em Camadas Inferiores do Pavimento Ferroviário 1 Antônio Carlos Rodrigues Guimarães2 José Carlos Silva Filho3 Resumo: Este trabalho tem como objetivo fazer um estudo comparativo entre o procedimento usualmente empregado para cálculo das tensões admissíveis na fundação de um pavimento ferroviário – utilizando a equação de Heukelom – e uma nova abordagem teórica-experimental, desenvolvida a partir de ensaios triaxiais de cargas repetidas em solos tropicais empregados como camada de sublastro no pavimento da Estrada de Ferro de Carajás (EFC). Apresenta-se uma formulação analítica para tensão admissível em solos tropicais e mostramse equações de previsão da deformação permanente e do módulo resiliente para três solos efetivamente ensaiados. As tensões atuantes foram comparadas com as tensões admissíveis dadas pela formulação tradicional (Heukelom) e desenvolvida neste trabalho. Palavras-chave: Subleito. Tensões Admissíveis. Solos Tropicais. Introdução O pavimento ferroviário é composto pela camada final de terraplanagem o subleito, sublastro, lastro, dormente e trilho. Em alguns casos, um material geotêxtil é utilizado para melhorar as propriedades do sublastro. Podemos dividir os elementos do pavimento em duas outras classificações: a via 1 Artigo aceito para XVII COBRAMSEG, Goiania, ano 2014. 2 Doutor e mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Especialista em Geologia do Quaternário e Ambiental pelo Museu Nacional da UFRJ. Professor do Instituto Militar de Engenharia. 3 Doutorando pelo Instituto Militar de Engenharia e Mestre em Engenharia Geotecnica pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professor da Unidade de Ensino Superior Dom BoscoUNDB. permanente e a fundação. A primeira é composta pelos trilhos, fixadores, dormentes, lastro e sublastro, ao passo que a segunda é formada pelo subleito e pela camada final de terraplanagem. Em uma ferrovia existem ainda outras definições: a infraestrutura e a superestrutura. A infraestrutura é formada pelas obras necessárias para a construção da ferrovia e a superestrutura é formada pelos componentes que recebem o impacto direto da carga transportada. Alguns dados a respeito da duplicação da Estrada de Ferro de Carajás (EFC) podem ser vistos em Brazil Planet (2012), Revista Ferroviária (2012), Delgado (2012) e Von der Osten (2012). Figura 1 - Composição de um pavimento ferroviário Uma das partes mais importantes da construção da ferrovia é o dimensionamento de seus componentes. Esse é feito, primeiramente, com o estudo do tráfego que a ferrovia irá atender. Com o carregamento escolhido, o primeiro componente a ser selecionado é o trilho que receberá o contato direto da carga dos vagões. O dormente é o próximo, ele é o responsável por manter a bitola do trilho e por transmitir o carregamento para o lastro. Esse último tem como função a redistribuição da carga oriunda dos trens para o solo e ajudar na drenagem do pavimento. Entretanto, com a contínua utilização, problemas de manutenção podem vir a ocorrer no lastro. Os solos que são chamados de tropicais são aqueles que os processos geológicos que atuaram são característicos de regiões tropicais. No Brasil, o solo laterítico se mostra como o principal exemplo desse tipo de solo. Esse tipo de solo se forma a partir do processo de lixiviação, ou seja, um intemperismo químico. Com o decorrer do tempo geológico na presença de água, o potássio e o silício presente no solo começam a ser eliminados. Dessa forma, podem ser gerados diversos tipos de minerais dependendo da quantidade de água disponível no processo de intemperismo. Na hidrólise nas regiões temperadas, como os EUA e a Europa, a quantidade de água disponível não era suficiente. Portanto, ocorreu a hidrólise parcial e o processo chamado de sialitização, processo de eliminação parcial da sílica com formação de argilomineral. Nesse processo, devido à falta de água, formou-se uma quantidade maior de estruturas do tipo 2:1, como por exemplo, a esmectita. Os argilominerais que possuem essa estrutura são muito danosos no projeto de pavimentos, pois apresentam características expansivas, algo que deve ser evitado a todo custo. No Brasil, entretanto, a quantidade de água era abundante e se formou em maior quantidade os argilominerais com estruturas 1:1. Esse material não apresenta características expansivas, logo não pode ser excluído do projeto de pavimentos por esse motivo. Isso prova que outros tipos de testes devem ser executados para selecionar um tipo de solo. Vários trabalhos versam sobre as peculiaridades dos solos tropicais utilizados como camada de pavimento, TAM com em Nogami (2005) e Nogami (2001). O dimensionamento das camadas do pavimento ferroviário é feito utilizando a fórmula de Heukelon. Essa fórmula utiliza como parâmetros o módulo resiliente. Essa fórmula foi proposta em 1964 por Heukelon. Desde sua proposta, ela é utilizada mundialmente para o projeto de estradas de ferro, pois as respostas obtidas realmente suportavam a carga prevista para a ferrovia. Todavia, sua eficiência nunca foi testada, ou seja, as tensões admissíveis calculadas por essa fórmula podem ser muito menores que as tensões reais nas camadas do pavimento. 𝜎𝑎𝑑𝑚 = 0,006 . 𝑀𝑅 1 + 0,7 ∗ log (𝑁) O módulo resiliente é a razão de uma tensão de desvio e a deformação provocada por ela. Para calcularmos o valor do módulo, utilizamos um corpo de prova cilíndrico, de 10 cm de diâmetro por 20 cm de altura, tensionado triaxialmente. No ensaio, são utilizados dois valores de tensão: a compressão normal à seção circular do corpo de prova e a compressão radial, ou seja, nos eixos paralelos à seção circular. Para o cálculo do módulo, determina-se a tensão de desvio, diferença entre as tensões normal e axial, e a deformação após um determinado número de ciclos. O valor do módulo é a razão entre a tensão de desvio e a deformação. Esse ensaio é complexo e precisa de equipamentos mais sofisticados, por isso o CBR é utilizado no dimensionamento do pavimento ferroviário. O ensaio de CBR é utilizado para verificar a resistência de um solo saturado com água à penetração de um pistão com massa e velocidade controladas. Após o ensaio, o valor da resistência oferecida pelo solo é comparado com o valor de uma brita padrão. Então, o valor do CBR do solo é apresentado em forma de porcentagem. De posse do valor do CBR, estima-se o Módulo resiliente como sendo cem vez maior. A formulação proposta por esse artigo tem como objetivo refutar a fórmula de Heukelon. Nessa formulação, leva-se em conta a tensão axial, também chamada de tensão confinante, a deformação admissível e o número de ciclos. Essa fórmula foi determinada a partir da expressão da deformação em função da tensão de desvio, tensão confinante e do número de ciclos. εp σ3 φ2 σd φ3 = φ1 . � � . � � . N φ4 l0 ρo ρo Nessa expressão, as constantes φ1, φ 2, φ 3 e φ 4 foram obtidas a partir da regressão linear e variam dependendo do solo, a constante l0 tem como valor 1 mm, ρ0 tem como valor 1kgf/cm², a variável N é adimensional e a variável ε tem dimensão de mm. A partir do ensaio do Módulo Resiliente, consideramos que a expressão da tensão admissível pela camada de pavimento é: σadm σ3 σd = + ρ0 ρ0 ρ0 σd σadm σ3 = − ρ0 ρ0 ρ0 No dimensionamento do sublastro, subleito e reforço do subleito do pavimento ferroviário, o número de ciclos é muito alto, portanto foi admitido N > 0. Outra consideração feita foi a adoção de um valor para a tensão confinante inicialmente adotamos 0,7 kgf/cm2, em seguida, esse valor foi reduzido (σ3). Substituindo essas hipóteses na expressão da deformação e admitindo a relação entre a tensão admissível (σadm) e a tensão de desvio (σ3), obtemos: σ3 φ2 σd φ3 ε = φ1 � � � � Nφ4 l0 ρ0 ρ0 σ3 φ2 σadm σ3 φ3 φ ε = φ1 � � � − � N 4 l0 ρ0 ρ0 ρ0 σadm σ3 φ3 ε 1 � − � = ρ0 ρ0 l0 φ �σ3 �φ2 Nφ4 1 ρ 0 1. Metodologia 1 σadm σ3 φ3 ε = + � σ ρ0 ρ0 l0 φ � 3 �φ2 Nφ4 1 ρ 0 A partir dos ensaios de deformação permanente e módulo de resiliência de três amostras da Estrada de Ferro de Carajás (MA), realizados no Laboratório de Geotecnia da COPPE/UFRJ, realizou-se uma regressão linear múltipla para cada uma das amostras e obteve-se uma equação para deformação permanente em função da tensão confinante, tensão de desvio e número de ciclos, conforme modelo de Guimarães (2009) e procedimento Rede 03/2010. Com essas equações, calculou-se a tensão admissível pela fórmula proposta na extremidade superior do sublastro e compararam-se esses resultados aos valores de tensão obtidos pela fórmula de Heukelon. Após esse cálculo, utilizou-se o programa FERROVIA 3.0, que utiliza um método numérico para a determinação das tensões, para comparar os valores obtidos pelas fórmulas com os que o programa determinou. São referência para o uso deste programa os trabalhos de Muniz da Silva (2002) e Spada (2003). O programa pede, como dados de entrada, as características da Grade, da Fundação e das Cargas atuantes. Neste trabalho, foram utilizadas os dados da Estrada de Ferro Carajás (EFC) que estão dispostos nas tabelas 1.a e 1.b. Tabela 1.a: Dados Gerais da Grade. Dados Gerais Bitola da via Espaçamento (dormentes) Módulo K 160 cm 61 cm 70000kgf/cm² Trilhos E – (módulo de elasticidade) I – (momento de inércia) Largura Área da seção 2100000kgf/cm² 3950 cm4 15cm 86cm² Dormentes E – (módulo de elasticidade) I – (momento de inércia) Largura Área da seção Comprimento Tipo Cargas Carregamento Tipo de carga Valor da carga Número de cargas aplicadas Carregamento Tipo de carga Valor da carga 320000 kgf/cm² 26533 cm4 30 cm 630 cm² 280 cm monobloco 134, 140, 157 e 163 força vertical -40 tf 4 134, 140, 157 e 163 força vertical -40 tf Tabela 1.b: Dados Gerais Fundação. Dados Gerais Número de camadas 3 Número de incrementos de 4 cargas Lastro (camada 1) Espessura 30 cm Coeficiente de Poisson 0,3 Coesão 0 kgf/cm² Ângulo de atrito 40º Linear – Módulo de elasticidade 2000kgf/cm² Subcamadas 5 Sublastro (camada 2) Espessura Coeficiente de Poisson 25 cm 0,4 Coesão Ângulo de Atrito Linear – Módulo de elasticidade Subcamadas 0,19 kgf/cm² 29º 800 kgf/cm² 5 Subleito (camada 3) Espessura Coeficiente de Poisson Coesão Ângulo de atrito Linear – Módulo de elasticidade 200 cm 0,4 0,20 kgf/cm² 29º 800kgf/cm² 2. Resultados Para cada uma das amostras, as expressões obtidas para cálculo da deformação permanente são: 𝜀𝑝 = 0,0088 . 𝜎3−0,390 . 𝜎𝑑3,938 . 𝑁 0,0822 (Solo 1) 𝜀𝑝 = 0,0663 . 𝜎3−0,063 . 𝜎𝑑1,327 . 𝑁 0,0940 (Solo 2) 𝜀𝑝 = 0,1131 . 𝜎3−0,637 . 𝜎𝑑2,210 . 𝑁 0,0690 (solo 3) Foram estudados três casos para cada amostra de solo. O primeiro caso é bastante conservativo, pois se admite um deslocamento plástico de apenas 2 mm em um corpo de prova de 200 mm de altura, ou seja, a deformação é de apenas 1%, além de levar em consideração o ensaio de CBR. Já o segundo caso, o deslocamento plástico de 5 mm é mais verossímil ao utilizada na prático, porém ainda considera o ensaio de CBR. A diferença entre o primeiro e o terceiro caso é a consideração de um valor médio obtido pelo ensaio de módulo resiliente, mesmo não possuindo restrições tão rígidas, ainda é conservativo por admitir uma deformação de apenas 1%. As seguintes tabelas mostram comparações entre os métodos de Heukelon e a formulação proposta para 150000 ciclos. Tabela 2:Dados da Amostra 1. Amostra 1 MR = 1000 kgf/cm² e MR = 1000 kgf/cm² e ε = 5 mm MR = 2624 kgf/cm² eε=2 ε = 2 mm mm Heukelon (kgf/cm²) 1,298 1,298 3,405 Nova Proposta (kgf/cm²) 3,686 4,468 3,686 244,22% 8,25% Erro Percentual 183,98% Tabela 3: Dados da Amostra 2. Amostra 2 MR = 1000 kgf/cm² eε=2 mm MR = 1000 MR = 4587 kgf/cm² e kgf/cm² e ε = 5 mm ε = 2 mm Heukelon (kgf/cm²) 1,298 1,298 5,953 Nova Proposta (kgf/cm²) 6,207 11,685 6,207 800,23% 4,27% Erro Percentual 378,20% Tabela 4: Dados da Amostra 3. MR = 1000 kgf/cm² eε=2 mm MR = 1000 kgf/cm² e ε = 5 mm MR = 2164 kgf/cm² e ε = 2 mm Heukelon (kgf/cm²) 1,298 1,298 2,808 Nova Proposta (kgf/cm²) 7,168 10,491 7,168 708,24% 155,27% Amostra 3 Erro Percentual 452,23% Os três gráficos a seguir representam as tensões admissíveis pelo pavimento ferroviário no eixo vertical e o número de ciclos no eixo horizontal nos três casos para a amostra um. Neste gráficos pode ser observado, claramente, uma significativa diferença nos valores das tensões admissíveis considerando a equação de Heukelom e a equação proposta, sendo a fórmula de Heukelom mais conservativa, na situação da amostra 1, casos 1 e 2. As duas equações só atingiram valores similares – figura 4 – quando utilizou-se o valor de MR de ensaios (2624 kgf/cm2) e um critério bastante rígido de deformação admissível para subleito (2 mm). Os gráficos das outras amostras são semelhantes a estes, variando apenas os valores das tensões obtidas. Tensão Admissível (kgf/cm²) Tensão Admissível - Amostra 1 - Caso 1 7,000 6,000 5,000 4,000 3,000 2,000 1,000 0,000 0 50000 100000 150000 200000 Número de Ciclos Heukelon Fórmula Proposta Figura 2: Tensão Admissível - Amostra 1 – MR = 1000 kgf/cm² e ε = 2 mm Tensão Admissível (kgf/cm²) Tensão Admissível - Amostra 1 - Caso 2 7 6 5 4 3 2 1 0 0 50000 100000 150000 200000 Número de Ciclos Heukelon Fórmula Proposta Tensão Admissível (kgf/cm²) Figura 3: Tensão Admissível - Amostra 1- MR = 1000 kgf/cm² e ε = 5 mm. Tensão Admissível - Amostra 1 - Caso 3 20 15 10 5 0 0 50000 100000 150000 200000 Número de Ciclos Heukelon Fórmula Proposta Figura 4: Tensão Admissível - Amostra 1 - MR = 2624 kgf/cm² e ε = 2 mm Após terem sido calculadas as tensões admissíveis pelo método de Heukelon e pela formulação proposta, foi calculada a tensão atuante no pavimento pelo programa FERROVIA 3.0. As espessuras do lastro, sublastro e subleito estão expostas na tabela. As tensões representadas foram calculadas no limite entre o sublastro e o subleito. Ou seja, a s tensões de ensaio são compatíveis com as de ensaios de laboratório. Tabela 5: Espessura das Camadas Utilizadas para Simulação com o Programa Ferrovia 3.0 Dados da Simulação Numérica Camada Espessura Tensão em 52,5 (cm) Lastro cm (kgf/cm²) 30 1,935 Sublastro 25 Tensão em 59,0 cm (kgf/cm²) Subleito 200 1,892 3. Conclusões Mostrou-se que o cálculo das tensões admissíveis pelos dois métodos analisados no presente trabalho – tradicional e novo - são bem discrepantes, sendo que a fórmula de Heukelon é bastante conservativa. Quando se considera o módulo resiliente real do solo, essa discrepância diminui, mas ainda assim Heukelon permanece mais conservativo, haja vista que considerar o deslocamento permanente de 2 mm em um corpo de prova de altura 20 cm é muito restritivo. Entretanto, a consideração de um valor médio para módulo resiliente já não constitui um procedimento confiável em termos de descrição do comportamento mecânico do solo. Portanto, conclui-se que o procedimento de cálculo de tensões admissíveis no sublastro utilizando-se a equação de Heukelom não corresponde à realidade dos solos tropicais estudados – efetivamente empregados como sublastro na EFC – podendo levar a uma situação de superdimensionamento deste pavimento. Novos estudos sobre o comportamento dos solos tropicais sob a ação de cargas repetidas, para a previsão da deformação permanente, devem ser realizados para que se tenha um banco de dados confiável para dimensionamento de pavimentos ferroviários nos trópicos. O programa FERROVIA 3.0 permitiu que fosse feita uma análise do pavimento considerando a situação real do pavimento., mostrando que as tensões atuantes estão muito abaixo do valor admissível pela nova formulação proposta. Dessa forma, poder-se-ia, em tese, reduzir as espessuras das camadas do pavimento ferroviário considerando-se apenas o problema da contribuição da deformação permanente do sublastro. Referência Bibliografica AMERICAN RAILWAY ENGINEERING ASSOCIATION. “Second Progress Report of the Special Committee on Stresses in Railroad Track”. Bulletin of AREA, Vol. 19, Nº 205, March, pp. 875-1058. AREA. “Stresses in Railroad Track – The Talbot Reports”, 1980. MILITITSKY, J.; CONSOLI, N.; SCHNSID, F. Patologia das Fundações. 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