FUTUROS PROFESSORES DE MATEMÁTICA E O TRABALHO EM UM AMBIENTE DE GEOMETRIA DINÂMICA Guilherme Henrique Gomes da Silva1 Resumo: Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa, na área da Educação Matemática, que teve como objetivo analisar as contribuições pedagógicas propiciadas pela participação de futuros professores de matemática em um grupo de estudos, inseridos em um ambiente de geometria dinâmica. O grupo reuniu-se para estudar e discutir artigos científicos, explorar um software de geometria dinâmica e desenvolver uma oficina para alunos do Ensino Médio. O artigo destaca algumas atividades elaboradas pelo grupo e mostra como trabalhar em um ambiente com tecnologia informática pode causar momentos inesperados no trabalho docente. Palavras-chave: Geometria Dinâmica. Geogebra. Futuros professores de Matemática; Grupos de estudo. PRESERVICE TEACHERS OF MATHEMATICS AND WORK IN A DYNAMIC GEOMETRY ENVIRONMENT Abstract: This paper presents results of a research, in mathematics education, aimed to analyze the pedagogical contributions offered by participation of the preservice teacher of Mathematics in a study group within a dynamic geometry environment. They met to study and discuss scientific papers, explore a dynamic geometry software and develop a workshop for high school students. The article highlights some of the activities developed by the group and shows how to work in an environment with computer technology can cause unexpected moments in teaching. Keywords: Dynamic Geometry; Geogebra; Preservice Teachers of Mathematics; Study Group. Introdução Atualmente muitas pesquisas evidenciam o potencial pedagógico da utilização de tecnologias da informação e comunicação no ensino e aprendizagem da Matemática, fato impulsionado pela influência que esses recursos causam na sociedade em geral e também por sua inserção no modo de vida das pessoas do mundo moderno. Nas duas últimas décadas, um vasto número de softwares foi criado dentro das mais diferentes 1 Docente da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG. Email: [email protected] Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 119 F U T U ROS PROF ESSOR ES DE M ATEM ÁT ICA E O TR A BA LHO... áreas da Matemática, como álgebra, cálculo e geometria, voltados para alunos desde a educação infantil até o Ensino Superior. Discute-se neste artigo uma modalidade de programas que trabalha com objetos geométricos de uma forma interativa, que permite a criação de um ambiente de aprendizagem diferenciado para o ensino e aprendizagem da geometria, nos mais diferentes níveis de educação. Esse ambiente apresenta uma nova maneira de visualização, tanto dos objetos da geometria euclidiana quanto de outras geometrias, como a hiperbólica, analítica ou projetiva. Os objetos pertencentes a esse ambiente não permanecem de forma estática, sem movimento, o usuário é capaz de interagir com as construções geométricas, realizando movimentos como translações, rotações, modificação de tamanho, além de outras possibilidades. São os ambientes de aprendizagem baseados nos softwares de geometria dinâmica. Um software de geometria dinâmica é aquele que possuí como característica principal a possibilidade de “arrastar” os objetos construídos em seu ambiente através na tela do computador sem modificar as propriedades que os definem. Isso permite que o usuário movimente certos elementos de um objeto geométrico e analise outros que correspondem às condições alteradas. Isso faz com que a tela do computador forneça a impressão de que a construção geométrica está se deformando continuamente em todo o processo de arrastar, mantendo as relações que foram especificadas como essenciais na construção original. Além disso, conforme destacam Clements et al. (2008), o usuário pode perceber a diferença entre desenhar e construir um objeto geométrico. Por exemplo, o usuário pode “desenhar” um triângulo retângulo utilizando algum ponto de referência da tela do computador para traçar dois segmentos perpendiculares. Porém, ao arrastá-lo, percebe-se que o triângulo perde sua característica principal, no caso ter um ângulo reto (Figura 1). Na Figura 2 é possível notar que ao “construir” um triângulo retângulo, as propriedades fundamentais que o definem continuam existindo mesmo quando o vértice A é arrastado pela tela. Figura 1 - um triângulo retângulo “desenhado” na tela do computador Fonte: Silva (2010) Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 120 Guilher me Henr ique Gomes da Silva Figura 2 - Triângulo retângulo “construído” sendo arrastado Fonte: Silva (2010) O artigo apresenta um enfoque especial nas potencialidades pedagógicas propiciadas por tais programas e também destaca que podem ocorrer situações inesperadas quando um professor os utiliza em seu trabalho docente. Para tanto, serão apresentados alguns resultados de uma pesquisa, cujo objetivo foi analisar de que forma um grupo de estudos, formado por futuros professores de matemática, se apropriou de um software de geometria dinâmica de forma a inseri-lo em sua futura prática docente. Os participantes reuniram-se por um determinado período de tempo e, baseados em teóricos da educação matemática, elaboraram e aplicaram uma oficina pedagógica com atividades de geometria plana utilizando o software Geogebra 2 para alunos do Ensino Médio. Tal grupo utilizou uma abordagem investigativa para a elaboração das atividades, baseando-se nos trabalhos de Skovsmose (2008) e Ponte, Brocardo e Oliveira (2006). Nessa perspectiva, os estudantes são convidados a procurar regularidades, explorar as atividades, elaborar conjecturas, realizar testes, discutir com os colegas os resultados encontrados e, principalmente, refletir sobre assuntos da Matemática. Os resultados aqui apresentados dizem respeito às reflexões do grupo em relação às potencialidades do software e traz um momento ocorrido na oficina em que uma das atividades causou uma situação inesperada, colocando os futuros professores em uma zona de risco (PENTEADO, 2001). Antes disso, será evidenciada a evolução dos softwares de geometria dinâmica, fato diretamente associado à evolução da tecnologia informática. 2www.geogebra.org Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 121 F U T U ROS PROF ESSOR ES DE M ATEM ÁT ICA E O TR A BA LHO... Os ambientes de geometria dinâmica e sua relação com a evolução da informática O surgimento dos ambientes de geometria dinâmica está diretamente ligado à evolução da informática na sociedade. No final da década de setenta, o aparecimento dos ícones na tela dos computadores foi um grande marco para a história da computação, contribuindo para a disseminação dos computadores pessoais na sociedade. A possibilidade de manipular objetos diretamente na tela do computador com o uso do mouse revolucionou a forma de se trabalhar com a máquina, já que não era mais necessário utilizar comandos simbólicos diretamente do teclado para realizar uma atividade. Esse fato possibilitou a abertura para novas técnicas de trabalho em diferentes áreas e foi um incentivo para que um grupo de pesquisadores franceses desenvolvesse uma ferramenta computacional para permitir a exploração da Teoria dos Grafos. A Teoria dos Grafos é um ramo da Matemática que estuda as relações entre os objetos de um determinado conjunto. Grafo é um par (V, A) onde V é um conjunto arbitrário de objetos denominados vértices e A é um conjunto de pares não ordenados de V, chamado arestas. É possível associar a Teoria dos Grafos a, por exemplo, circuitos elétricos, estruturas de moléculas de hidrocarboneto, conectividade da internet, modelos na Biologia, Informática, estruturação de um software, entre outros. O projeto visava a ajudar os pesquisadores em seus trabalhos colocando a tecnologia como uma ferramenta para explorar e conjecturar. A facilidade fornecida pelo computador para olhar o mesmo grafo em diferentes combinações, “arrastando” seus vértices com o uso do mouse pela tela, foi a mais importante motivação para o início do projeto batizado de Cahier de Brouillon Informatique for Graph Theory (Cabri-graph) (LABORDE; LABORDE, 2008). A Figura 3 mostra a maneira que o grafo bipartido completo de quatro vértices, K4,4, menos um emparelhamento perfeito (os vértices verticais), pode ser transformado em um grafo do cubo tridimensional no ambiente computacional. Utilizando outro ambiente esse processo poderia não ser notado. Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 122 Guilher me Henr ique Gomes da Silva Figura 3 - Do grafo K4,4 - EP ao cubo ordinário Q3 em cinco arrastos in Laborde e Laborde (2008, p.33) Algum tempo depois da criação do projeto, Jean-Marie Laborde, um dos desenvolvedores do Cabri-graph, percebeu uma característica comum entre a geometria e a teoria dos grafos: a importância da visualização. Dessa forma, o pesquisador propôs utilizar a capacidade do arrastar do Cabri-graph para a geometria euclidiana, facilitando assim a construção e manipulação de objetos geométricos, já que estes passaram a ganhar movimentos, podendo ser arrastados pela tela do computador sem perder as propriedades que os definiam. De acordo com Laborde e Laborde (2008), as especificações desse projeto foram dadas a dois grupos: estudantes do último ano de Engenharia da Computação e Matemática Aplicada, da Grande Ecole de Ingénieurs -ENSIMAG3, para desenvolvê-lo como um projeto; e para a Companhia Apple Computer. Iniciava assim o surgimento do software Cabri-Géomètre, que mais tarde se disseminaria para todos os níveis da educação, tanto na França quanto em vários países do mundo, se tornando um dos mais importantes e conhecidos da geometria dinâmica. A disseminação dos softwares baseados em ambientes de geometria dinâmica ocorreu no final dos anos 80. O Cabri-Géomètre foi um dos pioneiros nessa abordagem. Porém outros programas foram surgindo paralelamente ao Cabri. Um desses softwares foi o Geometer´s Sketchpad. Apesar de ambos terem sido desenvolvidos na mesma época e possuírem um design semelhante, Goldenberg, Scher e Feurzeig (2008) destacam que nenhum dos desenvolvedores conhecia o trabalho do outro. 3http://ensimag.grenoble-inp.fr/ Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 123 F U T U ROS PROF ESSOR ES DE M ATEM ÁT ICA E O TR A BA LHO... O Sketchpad começou a ser desenvolvido na metade da década de oitenta, dirigido por Eugene Klotz e Doris Schattschneider. O software surgiu de um projeto chamado Visual Geometry Project que tinha por objetivo desenvolver uma série de vídeos que focaria a geometria tridimensional e seriam gravados utilizando um programa computacional. Para tanto, Klotz contatou um jovem programador chamado Nicolas Jackiw. No decorrer do projeto a dificuldade de programar em um ambiente 3D foi o grande empecilho para sua realização. Dessa forma Klotz e Schattschneider decidiram utilizar um ambiente bidimensional para o programa, surgindo assim a primeira versão do Geometer´s Sketchpad. Goldenberg, Scher e Feurzeig (2008) entrevistaram os desenvolvedores do CabriGéomètre e do Geometer´s Sketchpad. Nesse trabalho, os autores puderam perceber que ambos tinham cinco princípios que guiaram seus pensamentos na criação dos softwares: O arrastar, que de fato tornou-se a principal característica desses softwares; a pequena distância em relação à geometria euclidiana, já que a todo o momento os desenvolvedores dos programas tentavam encontrar um modelo para seu sistema que fosse o mais próximo do comportamento da geometria plana; a reversibilidade dos objetos geométricos, que seria quando, por exemplo, ao arrastar um objeto para alguma posição da tela o usuário poderia retornar à posição anterior encontrando um objeto idêntico àquele que fora arrastado de início; a continuidade, tão difícil de ser implantada no modelo matemático dos programas e a minimização de momentos de estranhamento pelo usuário do programa. Uma possível situação que exemplifica essa minimização seria, por exemplo, quando um usuário desejasse marcar um ponto B sobre um segmento de reta. De acordo com a definição da geometria euclidiana, esse ponto deve permanecer sobre o segmento mesmo quando ele for rotacionado ou transladado. Não seria nenhuma inconsistência matemática se o usuário escolhesse que esse ponto estivesse a uma distância fixa do ponto do extremo do segmento (fixo ou não). Porém uma inconsistência poderia surgir quando os pontos dos extremos do segmento fossem arrastados separadamente. Ao arrastá-los suficientemente próximo um do outro, o ponto B poderia parecer “saltar para fora” do segmento, surgindo assim algo estranho em termos visuais para o usuário do programa. Os desenvolvedores dos softwares tentavam limitar ao máximo esses tipos de conflitos. O final da década de oitenta foi um marco histórico importante para a geometria dinâmica já que, nesse período, os softwares baseados nessa perspectiva foram diferenciados dos demais que trabalhavam com geometria plana. Isso ocorreu na Conferência Internacional sobre inteligência artificial e educação Intelligence Learning Environments: The Case of Geometry. A conferência foi organizada pela equipe do Cabri e é considerada um acontecimento muito importante para a geometria dinâmica. Mesmo aparentando muitas vantagens, tanto matemáticos, educadores matemáticos e cientistas da computação possuíam receio em trabalhar nesses ambientes. Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 124 Guilher me Henr ique Gomes da Silva Laborde e Laborde (2008) destacam que externalizar objetos matemáticos abstratos e suas inter-relações aparentaria reduzir o trabalho criativo de um matemático a um trabalho de observação da realidade. Os educadores matemáticos, talvez influenciados pelo não uso dos softwares pelos matemáticos, não desenvolveram, nos primeiros anos do surgimento dos ambientes de geometria dinâmica, abordagens teóricas sobre o uso dessas ferramentas e também não as utilizavam em seu cotidiano escolar. A maioria dos cientistas da computação simplesmente desprezava a capacidade do arrastar dos softwares e os usavam apenas como um editor de diagramas. Por volta dos anos de 1992 e 1993 essa fase de “estranhamento” pela comunidade de Educação Matemática e de Matemáticos começou a desaparecer. Nessa época, muitos estudos começavam a ser realizados baseados nos ambientes GD, tanto na pesquisa educacional quanto na pesquisa matemática. Nas pesquisas matemáticas, por exemplo, usando o Cabri, Dickey (1995, apud Laborde e Laborde 2008) descobriu novas configurações de cônicas introduzidas por Steiner conectado com o famoso teorema de Pascal. Nas pesquisas em Educação Matemática, por exemplo, problemas teóricos que relatavam a interação entre diagramas e objetos geométricos começavam a emergir. A partir de 1995 o Cabri disseminou-se pelo mundo. Vários países começaram a equipar suas escolas com computadores e com o software. Também nessa época vários outros softwares de geometria dinâmica começaram a surgir. Com todos esses fatos a geometria dinâmica causou um grande impacto na comunidade de Educação Matemática. O trabalho docente em um ambiente de Geometria Dinâmica Atualmente encontramos diversas pesquisas que evidenciam as potencialidades dos ambientes de geometria dinâmica (SILVA, 2010; ZULLATO, 2002; RICHIT, 2005; OLIVE, 1998; LIMA, 2009, GOLDENBERG; CUOCO, 1998, entre outros). Mesmo assim, muitos professores ainda optam por não utilizar esse recurso em sua prática docente. De acordo com Borba e Penteado (2001), isso acontece por que os ambientes baseados em tecnologia informática apresentam maior potencial para o surgimento de situações imprevistas. Um fato que exemplifica tais situações ocorreu na oficina pedagógica aplicada pelos futuros professores e será evidenciada no decorrer deste artigo. O grupo de estudos que participou da pesquisa era formado por futuros professores de Matemática que estudaram e elaboraram uma oficina pedagógica com atividades de geometria dinâmica em uma escola de Ensino Médio. O grupo utilizou o software Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 125 F U T U ROS PROF ESSOR ES DE M ATEM ÁT ICA E O TR A BA LHO... Geogebra, que é um programa livre4 no qual é possível trabalhar com elementos geométricos e algébricos simultaneamente. Na tela do programa todo objeto geométrico possui seu representante algébrico. Além disso, é possível utilizar os comandos do software para construir e explorar gráficos dos mais variados tipos de funções. Todas as atividades elaboradas pelo grupo tinham o objetivo de inserir os estudantes em um cenário de investigação. Conforme destaca Skovsmose (2008), quando inseridos em tal ambiente, os alunos assumem um senso investigativo, procurando conhecer o que não sabem, sendo convidados a trabalhar como matemáticos profissionais, ou seja, explorando e formulando suas próprias conjecturas, lançando contraexemplos, apresentando os resultados de sua investigação e, em especial, argumentando sobre fatos da Matemática que muitas vezes são vistos como irrefutáveis ou inquestionáveis. As atividades elaboradas pelo grupo possuíam a preocupação de conduzir os alunos a formular questões e procurar explicações, como proposto por Skovsmose (2008) e seguiam um modelo preestabelecido nos encontros de formulação da oficina. Em cada ficha de atividade havia um espaço destinado às anotações dos participantes da oficina, já que nelas os futuros professores acreditavam que seria possível verificar, depois da aula, os caminhos e estratégias utilizados e as conclusões que obtiveram. Para Ponte, Brocardo e Oliveira (2006) essa síntese é um momento importante, já que os alunos podem refletir sobre o processo investigativo, aprendendo com e sobre ele. Os resultados obtidos em relação às discussões dos estudantes do Ensino Médio sobre as atividades não serão abordados neste artigo. Serão mostradas três atividades elaboradas pelo grupo nos padrões investigativos e uma situação inesperada que ocorreu na aplicação de uma delas com os estudantes do Ensino Médio. A atividade destacada no Quadro 1 faz referência à semirrealidade. De acordo com Skovsmose (2008), atividades com esse enfoque trazem aspectos do mundo real ao alcance do aluno. Nela utilizaram-se conceitos de perímetro e área de um quadrilátero. Mais precisamente, o objetivo era que o aluno percebesse, por meio de um campo de beisebol, que a área do quadrilátero é máxima quando ele é um quadrado. 4 Pode ser instalado gratuitamente através de seu download da internet em qualquer computador Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 126 Guilher me Henr ique Gomes da Silva Para realizar essa atividade você precisa saber o conceito de Perímetro e de área de um quadrilátero. Anote o que você sabe sobre esses temas. Um rebatedor de beisebol localizado sobre o ponto A, tem de percorrer o perímetro do quadrilátero para conseguir um home run, e marcar um ponto. 1 – Arrastando o ponto D sobre o setor circular, o que acontece com o perímetro do quadrilátero? Quando é possível ter o maior perímetro do campo? 2 – O que acontece com a área do quadrilátero quando você arrasta o ponto D? Quando é possível obter a maior área? Justifique seu raciocínio. Quadro 1 – Atividade sobre o campo de Baisebol O grupo de estudos utilizou toda teoria discutida durante os encontros de preparação da oficina para que as atividades tivessem o caráter investigativo. Todas as atividades apresentaram tal preocupação e também direcionavam os estudantes com perguntas do tipo “o que acontece se...” procurando despertar nos estudantes questionamentos do tipo “sim, o que acontece se...”. Para Skovsmose (2008) essa é uma das características de um ambiente de aprendizagem baseado na investigação matemática. O Quadro 2 mostra outra atividade elaborada pelo grupo em que também é possível notar a preocupação dos futuros professores em inserir os estudantes em um cenário de investigação. Sobre duas retas paralelas com distâncias fixas foram marcados os vértices do triângulo: o ponto F na reta r e os pontos D e E na reta s. O objetivo da atividade era que os estudantes investigassem o que acontecia com a área do triângulo ao arrastar seus vértices, observando que ela só seria alterada quando algum ponto da base fosse arrastado, já que a altura do triângulo era fixa. Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 127 F U T U ROS PROF ESSOR ES DE M ATEM ÁT ICA E O TR A BA LHO... Para essa atividade você precisa saber o conceito de área de um triângulo. Anote o que você sabe sobre isso. Se necessário, peça auxílio para seu professor. 1. O que acontece com a área do triângulo se arrastarmos os pontos D e E ? 2. O que acontece se arrastarmos o ponto F? Como ficou a área do triângulo? Por que isso ocorre? 3. Agora, o que acontece se arrastarmos o ponto C? Por que isso ocorre? Quadro 2 - Atividade sobre área do Triângulo Apesar de todas as contribuições que um ambiente de geometria dinâmica pode propiciar para o ensino e aprendizagem da Matemática, sua utilização nem sempre é bem-vista pelos professores, pois significa a necessidade de assumir riscos durante a aula. Para Penteado (2001), uma razão para isso é que engajar-se em trabalhos que fazem uso de recursos pedagógicos que utilizam a tecnologia informática é algo como sair de uma zona caracterizada pelo conforto proporcionado pelo controle da situação e atuar em uma zona de risco, onde o imprevisto predomina. Penteado (2001) destaca que os ambientes baseados em tecnologia informática propiciam tais imprevistos com mais frequência, pois o professor pode se deparar com situações inesperadas como o mau funcionamento de um computador ou um apertar de teclas pelos estudantes que leve a uma situação não esperada. Nesse cenário, o professor está mais propício a sair de uma zona de conforto, caracterizada pela previsibilidade do ambiente, e entrar em uma zona de risco, que requer tomada de decisão sobre situações nunca antes experenciadas. De acordo com Skovsmose e Penteado (2008) uma zona de risco, apesar de parecer um momento negativo, é na verdade um espaço que precisa ser explorado pelo professor para ampliar as possibilidades de aprendizagem dos alunos. Essa situação foi sentida na prática pelos futuros professores. Algumas atividades elaboradas por eles acabaram inserindo-os diante dessa zona de risco. Mesmo com um estudo e testes prévios, não foi possível prever que as atividades os levariam a uma situação inusitada. A seguir será Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 128 Guilher me Henr ique Gomes da Silva evidenciado uma atividade e como esta inseriu os futuros professores numa zona de risco. A atividade destaca no Quadro 3 faz referência à Matemática Pura (SKOVSMOSE, 2008). Nela também é possível perceber a preocupação dos direcionamentos feitos pelos futuros professores em estimular a investigação. O objetivo era que os estudantes arrastassem os pontos contidos nas retas e percebessem que os ângulos opostos pelo vértice eram sempre congruentes. 1. Observando a construção na tela, o que poderíamos dizer em relação às retas? 2. O que acontece com os ângulos marcados quando arrastamos algum dos pontos A, B, C ou D? 3. Arraste-os para várias posições diferentes e veja se sua hipótese está correta. 4. O que aconteceu? Você seria capaz de enunciar uma propriedade quanto a este caso? 5. Anote suas conclusões. Quadro 3 - Atividade sobre ângulos opostos pelo vértice Enquanto elaboravam essa atividade no laboratório, os futuros professores fizeram vários testes na tentativa de diminuir as possibilidades de surgimento de imprevistos. Porém, quando ela foi aplicada com os estudantes do Ensino Médio, o participante do grupo que conduzia a sala se deparou com um momento inusitado: um dos alunos arrastou o ponto C de forma que ele ficou entre os pontos E e D e o software mudou a marcação dos ângulos, dando a falsa sensação de que o teorema explorado pela atividade não era válido (Figura 4). Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 129 F U T U ROS PROF ESSOR ES DE M ATEM ÁT ICA E O TR A BA LHO... Figura 4 – Atividade elaborada pelo grupo Fonte: O autor O programa mudou a marcação dos ângulos causando a sensação de que a propriedade dos ângulos opostos pelo vértice não existia. Isso causou grande desconforto para o participante que conduzia a turma, colocando-o em uma zona de risco. A solução encontrada por ele foi usar o imprevisto como uma possibilidade de aprendizagem ao incentivar os outros alunos da turma a fazerem o mesmo e que tentassem encontrar uma resposta para a situação, gerando várias discussões construtivas entre os participantes da oficina. Observando a atividade passo a passo é possível entender como essa situação ocorreu. Depois de construídas as retas concorrentes, foram marcados os pontos A e B sobre uma reta e os pontos C e D sobre a outra. O ponto E seria a intersecção das duas retas. Marcou-se o ângulo CÊB obtendo 119,99° (Figura 5). Figura 5 Fonte: o autor Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 130 Guilher me Henr ique Gomes da Silva Ao arrastar o ponto C de forma que ele fique entre os pontos E e D a marcação do ângulo “muda” para 299,99°, conforme mostra a Figura 6. Figura 6 Fonte: o autor Isso ocorre, pois o Geogebra trabalha com marcações de ângulos até 360°. Para o programa o ângulo CÊB é igual ao ângulo DÊB, e entende que ambos são diferentes do ângulo BÊD. Quando o usuário marca o ângulo DÊB, seguindo o sentido horário, o Geogebra exibe o ângulo “externo”, ou seja, obtuso (Figura 7). Figura 7 – Ângulo DÊB Fonte: o autor Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 131 F U T U ROS PROF ESSOR ES DE M ATEM ÁT ICA E O TR A BA LHO... Quando o usuário marca o ângulo BÊD, seguindo o sentido anti-horário, o programa exibe o ângulo “interno” (Figura 8). Dessa maneira o processo de marcação dos ângulos é diferenciado de um ponto para o outro. Por exemplo, para marcar o ângulo DÊB o usuário deve escolher a ferramenta “Ângulo” e clicar, nessa ordem, nos pontos D, E e B. Diferentemente, a marcação do ângulo BÊD é feita clicando, nessa ordem, nos pontos B, E e D. Figura 8 – Ângulo BÊD Fonte: o autor Conceitualmente, não há falha na perspectiva adotada pelos programadores do Geogebra. Apesar disso, ao elaborar a atividade dos ângulos opostos pelo vértice, os participantes do grupo de estudos desconheciam essa característica e, de certa forma, acabaram entrando em uma zona de risco. Mesmo ocorrendo os imprevistos em um ambiente de aprendizagem baseado na utilização da tecnologia informática, Penteado e Skovsmose (2008) valorizam que caminhando em direção à zona de risco o professor pode aperfeiçoar sua prática profissional, pois a incerteza e a imprevisibilidade geradas nesse podem trazer possibilidades para o desenvolvimento do aluno, do professor e de situações de ensino e aprendizagem. Além disso, uma zona de risco possui a potencialidade de provocar mudanças e impulsionar o desenvolvimento de todos os envolvidos. Dessa forma o professor que utiliza a tecnologia informática em seu cotidiano deve conhecer as potencialidades e limitações de cada programa no sentido de tornarem-se possibilidades de aprendizagem. O imprevisto gerado por tal atividade não teria ocorrido se o grupo tivesse utilizado o software Cabri-Géomètre. Isso mostra que é importante para o docente conhecer outros programas. A opção dos programadores acaba influenciando na maneira que cada usuário trabalha com o ambiente de geometria dinâmica. Nesse caso o imprevisto não ocorreria no Cabri, pois este trabalha com marcações de ângulos menores ou iguais Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 132 Guilher me Henr ique Gomes da Silva a 180°, como mostrado na Figura 9, em que se tem a mesma atividade sobre ângulos opostos pelo vértice. Figura 9 – Atividade de ângulos opostos elaborada no Cabri Fonte: o autor Arrastando os pontos da mesma forma que na atividade feita no Geogebra a marcação do ângulo AÊC fica igual ao ângulo AÊD, conforme mostra a Figura 10. Figura 10 – Atividade elaborada no Cabri Fonte: o autor O mesmo ocorre com os ângulos CÊB e DÊB. Para o Cabri, não importa a ordem de marcação dos ângulos, ou seja, o ângulo DÊB é igual ao ângulo BÊD. Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 1, p. 119-136, 2012 133 F U T U ROS PROF ESSOR ES DE M ATEM ÁT ICA E O TR A BA LHO... Considerações finais O artigo defende a importância da utilização da tecnologia informática no ensino e aprendizagem da Matemática, em especial os softwares de geometria dinâmica. Mesmo sendo ambientes mais propícios a tirar o docente de uma zona de conforto, estes programas podem criar cenários para investigação e momentos de discussão importantes para o ensino da Matemática. Quando imprevistos acontecem o professor tem a oportunidade de explorá-los, tornando-os possibilidades de aprendizagem tanto do docente quanto dos alunos. No decorrer do texto foram destacadas atividades elaboradas pelo grupo baseadas nos moldes da investigação matemática. O estudo teórico prévio dos futuros professores para a elaboração da oficina forneceu sustentação não apenas para a elaboração das atividades, mas também para a sua atuação enquanto professores da turma, principalmente quando ocorreram os imprevistos. Concordando com Borba e Penteado (2001) “é o pensar e agir coletivo que poderão impulsionar e manter o professor numa zona de risco de forma que ele possa usufruir o seu potencial de desenvolvimento” (p.68). Os ambientes de geometria dinâmica propiciam grande potencial para que atividades investigativas sejam elaboradas. O arrastar permite que o estudante crie e teste suas próprias conjeturas. Apesar disso, é muito importante que as atividades elaboradas nesse ambiente sejam bem direcionadas. No caso do grupo de estudos da presente pesquisa, a abordagem das atividades da oficina foi baseada em Skovsmose (2008) e Ponte, Brocardo e Oliveira (2006), onde os autores, mesmo não necessariamente utilizando um ambiente computacional, apresentam diversos recursos para que o professor crie um ambiente de aprendizagem que facilite a investigação. Concordando com Valente (1993) os ambientes de geometria dinâmica não podem ser uma extensão do que já ocorre tradicionalmente na sala de aula. REFERÊNCIAS BAULAC, Y., BELLEMAIN, F., LABORDE, J.M. (designers); CABRI: The interactive geometry notebook Cabri-Géomètre. [Computer software]. Pacific Grove, CA: Brooks-Cole, 1992. BORBA, M.C.; PENTEADO, M.G. Informática e educação matemática. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. CLEMENTS D.H., et al. Learning and teaching geometry with computers in the elementary and middle school. In: BLUME G.W., HEID, M.K., (Eds). Research on technology and the teaching and learning of Matematics: Volume 1. 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