FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO

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FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO: UM LUGAR PARA A UTOPIA
Markus Figueira da Silva
Se não se espera o inesperado, não se o encontrará, sendo que ele é
inescrutável e sem acesso. (Heráclito, frag. 18)
A Filosofia voltou para as escolas. Perguntamos: onde ela estava? Acaso há
outro espaço que ela possa ocupar nas instituições públicas e privadas?1 E por
que saiu? O que a aguarda no seu retorno, ou ainda: que tipo de escola a
receberá?
Nossa tarefa neste pequeno ensaio é perguntar se o lugar reservado à
disciplina Filosofia no Ensino Médio em nossa época e na real situação das
nossas escolas públicas não é, na verdade, um não lugar, ou uma utopia.
Em primeiro lugar colocamos os problemas estruturais causados pelo
sucateamento das escolas públicas no Brasil, especialmente no Estado do Rio
Grande do Norte, que é a realidade que vivenciamos.Este é um problema que
vem de longa data e que nos envergonha sobremaneira. As soluções para eles
são de ordem administrativa e, portanto, política. É também de ordem políticaadministrativa a realização de concursos públicos para formar um quadro de
docentes que atenda a demanda de professores com formação em Filosofia,
em vez do “aproveitamento” de professores com outra formação para
ministrarem aulas de Filosofia. É necessário também o aperfeiçoamento dos
professores que estão em exercício, para que se apercebam da nova realidade
que é a obrigatoriedade do ensino de Filosofia em todas as escolas e se sintam
estimulados a refletir sobre a importante função que desempenham. E o mais
indicado, a nosso ver, é estabelecer parcerias com os departamentos de
Filosofia das universidades, que estão disponíveis para apoiar este processo
de consolidação da Filosofia no Ensino Médio.
1
“Dificilmente se poderá deixar de associar os conceitos de filosofia e ensino.Desde o início da sua
história no Ocidente, a filosofia deu-se como exercício de um método em que todos os dialogantes
estavam implicados pela simples participação na conversação. A suposição de um método seja
maiêutica, dialética, análise, crítica, hermenêutica ou meramente exposição, sempre compromete o
pretenso ensinante com os efeitos da sua participação direta, efetiva e incontornável no exercício em
que está ocupado com outros supostos ensinados". ( Shneider, P. R. in Um olhar sobre o ensino de
Filosofia, p. 67)
Em segundo lugar chamamos a atenção para a estrutura curricular do Ensino
Médio, que mantém uma distribuição de carga horária para as disciplinas na
qual a Filosofia é relegada a um posto de coadjuvante, melhor dizendo,
figurante, no quesito importância para a formação integral do aluno. Sabemos
que há muito se fala em reestruturação do Ensino Médio no Brasil, mas
continuamos com o mesmo modelo praticado há décadas2. Desconhecemos
qualquer argumento que possa desqualificar, ou diminuir o papel da Filosofia
na formação do alunado, uma vez que a prática de um pensamento críticoreflexivo melhorará o desempenho dos alunos em todas as disciplinas, além de
formar cidadãos para o pleno exercício sócio-político-cultural. Em virtude disso,
reclamamos o aumento da carga horária da disciplina em questão para que
possamos oferecer um modelo de curso, com programa bem definido e
estratégias didático-pedagógicas que mudem a realidade da formação no
Ensino Médio, com vistas a melhorar o desempenho dos alunos que chegam à
universidade. Entendemos que a disciplina pode ser oferecida nas três séries
do ensino médio, com uma carga horária de no mínimo duas horas/aula em
cada ano. Assim, o professor pensaria uma formação continuada, onde o nível
de abstração e a capacidade de compreensão e expressão dos alunos
cresçam
paulatinamente
e
possam
ser
dimensionadas
frente
ao
desenvolvimento dos mesmos no conjunto geral das disciplinas3.
Assim, o programa da disciplina Filosofia seria elaborado tendo em vista a
instrumentação conceitual que ela pode proporcionar, seguindo a recomendada
transversalidade4, às outras disciplinas. A Filosofia assumiria o papel de
promover um diálogo com os saberes específicos das outras disciplinas,
aprimorando os exercícios de reflexão e a visão de conjunto que evidencia o
que há de comum na totalidade do conhecimento disseminado nas disciplinas.
Os exercícios de reflexão e a visão de conjunto mediante a abordagem
dialógica dos conceitos filosóficos utilizados nos discursos literários, artísticos,
históricos e científicos caracterizam o embrião de uma nova metodologia que
aproxima a filosofia das demais disciplinas.
2
BRASIL MEC. Secretaria de Educação Média e tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino
Médio. Brasília-DF:MEC, 1999.
3
BORNHEIM, 1961.
4
BRASIL MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96. Brasília, DF: 1996.
A) Laboratórios e Práticas de ensino de Filosofia:
Uma metodologia de ensino de filosofia visando pautada na instrumentalização
conceitual começa a ser estruturada ao longo da formação do aluno de
licenciatura. Interessa ao processo a implantação de uma dinâmica coletiva de
atuação dos professores da graduação com vistas a um planejamento comum
das atividades dos laboratórios e das disciplinas de prática de ensino.
É
preciso o direcionamento de atividades de filosofia aplicadas ao ensino como
modo de preparação do futuro professor levando-se em consideração não
apenas o conteúdo programático da disciplina, mas também estratégias
didáticas e capacidade dialógica do discente. A modalidade Licenciatura em
Filosofia requer a atuação de professores interessados em desenvolver
habilidades específicas ao exercício do magistério. Professores com este perfil
serão
fundamentais
na
elaboração
do
conteúdo
programático
e
no
desenvolvimento das habilidades práticas próprias do exercício do magistério.
A prática de ensino se realizará de duas maneiras, a saber:
a) Em primeiro lugar como “poiética”, como preparação para o exercício em
sala de aula. Espera-se que se desenvolva nas disciplinas didáticas,
sobretudo
naquelas
chamadas
“Laboratórios”,
um
conjunto
de
habilidades que produzam um professor com domínio do conteúdo e dos
recursos físicos e tecnológicos disponíveis para a realização da prática
dialógica nas salas de aula;
b) Segundo como “ética”, como atuação do professor de Filosofia na
modificação do ensino como um todo, isto é, a Filosofia em prol da
melhor capacidade de abstração e domínio da linguagem do aluno, bem
como na sedimentação de práticas dialógicas que favoreçam a visão
crítica dos alunos. A Filosofia tem um papel fundamental na mudança de
atitude de professores e alunos do ensino médio.
B) Sobre o envolvimento dos docentes com a modalidade Licenciatura em
Filosofia
Há duas modalidades no Curso de Filosofia, o Bacharelado e a Licenciatura. O
Bacharelado possibilita uma formação geral nos conteúdos previstos nas
matérias filosóficas e busca aprimorar a capacidade de pesquisa do aluno
visando uma continuidade do estudo de filosofia nos níveis de pós-graduação.
A Licenciatura visa uma formação do professor que atuará no ensino médio.
Contudo, são os mesmos professores que atuam nas duas modalidades, pois
integram o mesmo departamento. Surge então um problema prático na
distribuição das disciplinas, ou seja, não há especialistas direcionados à
Licenciatura, pois todos são formados para a pesquisa teórica, já que o corpo
docente é formado quase sempre e na sua maioria de professores doutores em
Filosofia, e não em Filosofia da educação, que é considerada uma
especialidade da Educação.
Muitos dos professores não estão de acordo em atuar nas disciplinas voltadas
à prática de ensino de filosofia, pois preferem desenvolver pesquisa teórica e
ministrar disciplinas teóricas tanto na graduação, como na pós-graduação.
Outros, no entanto, se dispõem a ministrar aulas nas disciplinas ditas práticas,
mas sem um envolvimento conjunto no planejamento dos conteúdos e na
estruturação de um modelo de Licenciatura que influa no processo de
modificação do Ensino Médio. É preciso acontecer uma mudança de postura
na atuação dos professores na formação específica dos alunos da Licenciatura.
Esta mudança é, sobretudo, uma mudança de mentalidade, que favorecerá um
maior envolvimento dos docentes com a formação dos futuros professores.
Poderá ocorrer que os próprios docentes sugiram a contratação de professores
especialistas para esta função, ou então que um grupo se interesse por esta
especialidade e desenvolva projetos que contribuam para o desenvolvimento
das disciplinas voltadas à prática de ensino de Filosofia. Esperamos que os
departamentos encontrem mecanismos que contribuam para a construção de
uma Licenciatura forte, que possa formar num processo crescente professores
com melhor formação teórica e prática.
C) O PIBID Filosofia e a formação discente
Pela primeira vez postulou-se, por iniciativa do Governo Federal (Capes),
através da UFRN, uma aproximação entre a escola pública Estadual e os
alunos da Licenciatura em Filosofia. Uma experiência difícil, com elementos
incontornáveis por um lado e a necessidade de se constituir uma prática por
outro. Para os alunos do Curso de Filosofia significou o despertar para a
realidade que muitos deles desconheciam e outros tantos experimentaram
como alunos das escolas de ensino fundamental e médio, mas não refletiam
sobre a complexidade da escola como instituição de formação dos indivíduos
para a vida. O envolvimento dos professores-supervisores das escolas
estaduais com os professores e alunos da UFRN num planejamento comum
das atividades visando uma ambientação dos futuros professores na escola, a
compreensão dos seus mecanismos de funcionamento e o exercício da
atividade docente monitorada pelos professores, foi pensado tendo em vista o
modelo sugerido pelo PIBID, que em sua elaboração estabelece limites e
possibilidades de atuação dos membros envolvidos, desde os professores
coordenadores até os alunos das escolas públicas.
Os
aspectos
positivos
desta
experiência
podem
ser
percebidos
no
envolvimento dos discentes nas atividades previstas, tanto no âmbito da UFRN,
quanto nas escolas selecionadas. Nota-se que muitos têm interesse em seguir
a carreira de Professor de Filosofia do Ensino Médio. Mesmo com todos os
problemas que enfrentarão5, pode-se perceber um interesse em perseverar. O
convívio cotidiano com os colegas e o objetivo comum de aprimorarem um
saber aplicável sustenta o seu projeto. Há que chamar a atenção para a
mudança de postura de alguns alunos em outras disciplinas do curso, nas
quais se mostraram mais participativos, uma vez que o exercício do discurso
capacitou-os a se lançarem no embate dialógico com maior confiança e
determinação.
Trata-se, como se sabe, de um projeto ainda incipiente e que reclama
continuidade, mas o começo é muito importante, pois aproximou a universidade
do Ensino Médio praticado nas escolas públicas. Muitas observações,
entretanto, podem ser acrescidas ao modelo de execução do PIBID.
Enumeraremos aqui algumas delas:
1) O paradoxo de se conseguir verba para custear o projeto, mas não
poder gastá-la na aquisição de material para as escolas, neste caso
específico, de livros de filosofia para uma mínima biblioteca que sirva de
suporte para as atividades da disciplina;
2) O mesmo ocorre com a aquisição de material permanente, tais como
aparelhos elétricos e/ou eletrônicos;
3) As dificuldades criadas para a terceirização de serviços como transporte,
gráfica para a confecção de material didático, etc.
5
Os problemas são principalmente de ordem econômica, uma vez que os salários são baixos em relação
a outras profissões, mas há também o problema da violência que assusta os professores de muitas
escolas e que são causados pelo descontrole que toma conta de diversas instituições de ensino no país.
O grande desafio é melhorar o funcionamento da escola para melhor atender
às expectativas dos professores e alunos, mas se isso independe das ações do
PIBID e se não há uma contrapartida dos responsáveis pelas escolas de
ensino médio, cria-se um descompasso entre o que se almeja no planejamento
e a real possibilidade de alcançar os objetivos. Sem um envolvimento maior da
Secretaria Estadual de Educação na realização de ações fundamentais, como
a contratação de professores com formação em Filosofia e a lotação dos
mesmos nas escolas onde se desenvolve o PIBID, as dificuldades aumentam.
A perspectiva de renovação do projeto vem junto com a expectativa de uma
mudança de atitude do poder público em todos os níveis aqui mencionados.
Continuaremos o caminho iniciado pelo PIBID/Filosofia em 2010 com a
determinação de melhorar a capacitação dos alunos da Licenciatura em
Filosofia e prepará-los para o exercício da docência, insistindo sempre na
demanda por um espaço real e sólido que permita o amadurecimento da
filosofia no Ensino Médio e faça comprovar aos que duvidam, que este é um
espaço natural e necessário para a reflexão filosófica.
Bibliografia:
BORNHEIM, G.A. Motivação básica e atitude originante do filosofar. 1961.
Meridional. Porto Alegre, RS.
FÁVERO, A.A. et alii (Org.) Um olhar sobre o ensino de Filosofia. 2002. Unijuí.
Ijuí, RS.
KOHAN, W. O. (Org.) Filosofia, caminhos para o seu ensino. 2004. DPeA
editora, Rio de Janeiro, RJ.
ROLLA, A.B.M. et alii (Org.) Filosofia e Ensino: possibilidades e desafios. 2003.
Unijuí. Ijuí, RS.
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