Jornal A Tarde, sexta-feira, 31/12/1993 Assunto: CIÊNCIAS SOCIAIS A CIGARRA E A FORMIGA Em uma de suas fábulas, figura o escritor francês La Fontaine, a situação da cigarra e de formiga na condição criada pelos dois insetos diante das exigências do clima no Hemisfério Norte. Imagina, pensando em situações reais, que a cigarra se viu inteiramente desprovida por ter cantado todo o Verão e assim não se haver preparado para o Inverno, o tempo em que, nos climas frios, se depende do acumulado durante o Verão. Enquanto a formiga se preveniu pelo trabalho, a cigarra se achou sem meios para o período por ter ficado a cantar toda a estação que deveria ter sido dedicada ao trabalho. A fábula se aplica a nosso povinho, instigado a brincar, a ir a “lavagens”, a dissipar suas energias na brincadeira. Na Bahia, nunca se ouve falar em trabalhar, em cumprir obrigações, em prevenir-se para as necessidades. A palavra freqüente, a instigação constante, o estímulo habitual é ir à festa, em fazer festas, em brincar. Trabalho, dever, obrigação são vocábulos praticamente desconhecidos. Assim, somos uma das gentes mais desprovidas do País, mais analfabeta, mais desocupada e desempregada, de índices baixos, em todo o Brasil, em tudo! Isto explica muito da nossa situação. Cumprir deveres, chegar a tempo, assumir responsabilidades são coisas desconhecidas do povinho. Claro que não é somente isto que causa nossas situações: há causas estruturais, do sistema econômico, da velha distribuição dos bens e da renda, que dão lugar às condições atuais, porém é inegável que o desapreço pelo trabalho é um fator indiscutível. Carecemos de estimular o esforço honesto, a previdência, o hábito da economia e da boa aplicação do pouco de que dispomos. Desde a escola primária e já no lar, o mais singelo, precisaríamos ouvir falar no trabalho. Não sou adepto de viver para trabalhar, mas de trabalhar o suficiente, o indispensável, para ganhar a vida com o clássico suor do nosso rosto. Necessitamos atender a essa exigência, regrando melhor combinação do trabalho com o lazer, porque este é indispensável e justo, compensador das fadigas diárias, mas dosado e ajustado ao cansaço do labor. É preciso que o refrão mais ouvido pelo povo não seja apenas a festa como entre nós. Viremos esta página para ouvir lições sobre a seriedade da vida, sobre as exigências da vida. Já é tempo de mudar a ênfase e passarmos a estimular mais o trabalho, a economia, a previdência, tanto mais que estamos em níveis deploráveis dos requisitos da subsistência.