BANDAS DE MÚSICA, FANFARRA: Um meio de educação musical no ambiente escolar José Antônio de oliveira Mestrado em Educação Musical em curso. Palavras-chave: Educação musical, bandas de música, fanfarra. INTRODUÇÃO A realidade das bandas, fanfarras escolares é ampla e diversificada; sua origem nos remete a séculos, próximos da era medieval ou até mesmo antes. Segundo REIS (1962), estes grupos surgiram aproximadamente no século XIV, nas reuniões de músicos executantes que abrilhantavam as festas palacianas ao ar livre. As bandas eram organizadas pelas irmandades religiosas e pelos senhores de engenhos. Nas bandas das irmandades, os músicos tocavam em troca do aprendizado de leitura e escrita, e especificamente em busca do aprendizado musical . As bandas organizadas pelos senhores de engenho, conhecidas como bandas de fazenda, compostas por músicos-escravos que tocavam em troca de sustento. No século XVIII, era costume dos fazendeiros medirem poder e riqueza por meio da banda de música. Segundo CAJAZEIRA (2004), as bandas nos grandes centros urbanos representavam uma contribuição dos senhores de engenhos que, posteriormente, passam a cobrar pelas apresentações, transformando a banda como fonte de renda. No século XIX as bandas já se apresentavam nos coretos das cidades, arrebanhando um grande número de pessoas. TINHORÃO (1998, p. 182) justifica esse prestígio, alegando ser uma forma de divulgação da música instrumental e entretenimento da população: Na verdade, uma das poucas oportunidades que a maioria da população das principais cidades brasileiras tinha de ouvir qualquer espécie de música instrumental... era de fato a música domingueira dos coretos ou jardins, proporcionada pelas bandas marciais. Os grupos musicais parecem se justificar por sua função socializadora, imprimindo à cidade traços culturais importantes para a manutenção de determinadas festas e rituais. Nesse contexto, TINHORÃO (1998) admite que, antes de findar o século XIX, já era notório o envolvimento das bandas marciais com a música popular. O que chama atenção é o fato de que as fanfarras, bandas formadas por instrumentos de percussão e cornetas, continuam atuais e se mostram muito ativas em várias escolas do Brasil. As fanfarras escolares se mantêm em cena, principalmente devido aos campeonatos, concursos e festividades cívicas, apesar da grande carência em instrumentos e professores. LIMA (2000, p.141), afirma que bandas estudantis são estimuladas pelos campeonatos e mantidas pela criatividade de seus regentes, comunidades, mantenedores oficiais e voluntários. Sendo assim, é importante considerar não apenas os aspectos ligados à pratica musical, mas aos conhecimentos resultantes das relações de socialização, inclusive aqueles produzidos na escola, lugar onde as relações e as práticas musicais se configuram de forma particular. ASPECTOS IMPORTANTES INSERIDOS NAS BANDAS DE MÚSICA 1. Socialização no grupo: (Aristóteles, 384-322 a.C): “o homem é por natureza um animal social”. A socialização de indivíduos que integra as bandas de música é vista claramente, assimilando o conjunto de hábitos e costumes característicos do mesmo, ou seja: participando da vida em sociedade, aprendendo suas normas, seus valores e costumes, propiciando-lhes uma educação adequada a contextos sociais diversos. O fator inclusão social é de suma importância se for considerada a falta de oportunidade que determinados alunos ou integrantes da banda, especialmente de escolas públicas, possuem fora do ambiente escolar. Em sua maioria, estes se originam de família que não tem condições de comprar instrumentos ou de investir financeiramente em aulas de música, o que sem dúvidas, lhes dificultará os aprendizados que no grupo poderiam ser mais acessíveis aos mesmos. 2. Interação social: Quando se dá aula, o professor está em contato com o aluno. Em bandas, fanfarras, por exemplo, os músicos mantêm relações diretas com o mestre da banda, assim chamados os regentes, ou mesmo professor de música deste grupo, que em sua maioria não possuem a formação musical advinda de sistematizações formais, isto é, escolas especializadas. MORAES (1997), acredita que tanto a interação social como a motivação são grandes elementos responsáveis pelo incremento do aprendizado musical, gerando oportunidades diretas entre os possíveis relacionados às atividades inerentes. Ainda em alusão à interação social, Vygotsky deixou inúmeras contribuições para a educação, dentre elas destaca-se em especial as proposições a respeito do desenvolvimento humano através das interações sociais. A espécie humana é capaz de adquirir e transmitir o conhecimento através da cultura que o circunda, por meio da interação social com os outros. O desenvolvimento inicial humano diante das funções elementares é dependente da estimulação ambiental no que diz respeito a mecanismos biológicos conectados à memória natural, e desta forma a evolução biológica tem um papel limitado. Através do avanço das funções superiores, o ser humano evolui gradativamente através de um processo de interação social, tornando possível o desenvolvimento psicológico do plano interpsíquico (social) para o plano intrapsíquico (individual). (NUNES e SILVEIRA, 2009, p. 98-99; VEER e VALSINER, 1999, p. 213). Vygotsky “adotou a idéia de que as capacidades cognitivas das crianças são construídas em interação com as oportunidades e orientação proporcionadas pelo ambiente” (FONTANA, 2002, p. 80). “O desenvolvimento cognitivo depende muito mais das interações com as pessoas do mundo da criança e das ferramentas que a cultura proporciona para promover o pensamento. O conhecimento, as idéias, as atitudes e os valores das crianças se desenvolvem pela interação com os outros” (WOOLFOLK, 2000, p. 52). Sendo assim, não podemos desperceber a importância desse aspecto que se insere quão significativamente no contexto das bandas de música em geral. 3. Identidade do grupo musical: Assim como o termo grupo não pode ser pensado como algo pronto e acabado. A identidade também é vista desta forma. Considerada, portanto, como uma metamorfose, como algo inacabado, um processo em constante formação e modificação. Identidade é metamorfose, processo constante de mudança. A identidade pode tanto ser definida como algo que distingue uma pessoa de outra, como aquilo que une, confunde e assimila. Assim, pode-se falar em identidade individual ou subjetividade, e em identidade grupal ou coletiva (CIAMPA, 1994). Ainda segundo CIAMPA, cada indivíduo encarna as relações sociais configurando uma identidade individual, que é uma construção social e política. Assim, identidade é construída em meio às relações sociais que o sujeito estabelece. Ao mesmo tempo, que nos integra a certo grupo, a identidade permite que nos diferenciemos deste pela identidade pessoal ou subjetividade. A identidade grupal, por sua vez, torna os membros do grupo iguais entre si, e o grupo em questão, distinto, diferente de outro grupo. A identidade de cada um vai se construindo no decorrer da construção da história pessoal e da construção da história coletiva, a partir dos papéis que assumimos e em função das atividades que exercemos. A construção da identidade desses músicos assim como em outras etapas de sua vida e profissão vai sendo tecida em meio aos referenciais por eles assumidos. A identidade grupal é diferente da “soma” das identidades dos membros. É uma produção coletiva, relacionada à trajetória do grupo em torno de suas atividades, objetivos, história coletiva. A identidade grupal vai sendo construída paralelamente ao desenvolvimento de um sentimento de “pertença” ao grupo (Vieira-Silva, 2000). De acordo com MARTIN-BARÓ (1989), para que haja uma identidade grupal não significa que todos os membros tenham o mesmo traço comum. “O que a identidade grupal requer é que exista uma totalidade, uma unidade de conjunto, e que esta totalidade tenha uma peculiaridade que permita diferenciá-la de outras totalidades”. Pode-se dizer que a identidade de um grupo musical, uma fanfarra, por, exemplo, relaciona-se à própria história, seus objetivos, a maneira como se realizam as tarefas e o significado delas para a tal e para o contexto seu social mais amplo. Uma identidade é tecida em meio às tramas sociais as quais um sujeito está inserido. A construção de uma identidade só é possível se levada em consideração como o sujeito afeta e é afetado pelos outros. Sua constituição está intimamente ligada à dialética das relações sociais estabelecidas pelo sujeito. 4.Aspectos pedagógicos: os procedimentos de ensino nas bandas baseiam-se na explicação verbal e demonstração prática. Segundo MORAES(1997), o papel do professor passa do de provedor ou fonte única, para consultor, facilitador e líder democrático nos moldes da aula coletiva. Já o aluno passa da postura passiva da aula individual, que poderá trazer dependência e ausência de reflexão, envolvimento e motivação, para o aprendizado por meio da descoberta, do desenvolvimento da reflexão, da contextualização pessoal, da criatividade da iniciativa e da independência através da aula coletiva. Em vista disso, acredita-se que uma sistematização pedagógica e musical possam favorecer no ensino e aprendizagem de música, tendo melhores desempenhos nas atividades advindas de práticas constantes no grupo. Ainda GALINDO(2000), acredita que o estudo dirigido é uma eficiente estrutura didática, já que o professor praticamente estuda com o aluno, ou seja, conduz a aula de uma forma detalhada, passo a passo. Apesar de notória a importância dada a uma sistematização pedagógica,como visto acima, é fundamental ressaltar que o trabalho desenvolvido pelos regentes ou mestres de bandas contribui muito para o enriquecimento de experiências e conhecimentos musicais, mesmo que estes estejam diretamente ligados à prática instrumental e a execução de um repertório voltado para apresentações públicas. Nesse aspecto, não é raro o regente estabelecer suas próprias representações para favorecer a compreensão do que deva ser executado 5. A Falta de Materiais didáticos: é importante a elaboração de métodos de ensino para instrumentos de fanfarra, baseado nos PCN's e filosofias da educação musical. 6. Impacto social: como impacto social, as bandas de música promovem o fortalecimento e o crescimento das práticas musicais, valorizando a auto-estima dos alunos, participantes, e da visibilidade de suas escolas na sociedade, mantêm atividades tradicionais e contemporâneas, contribuindo positivamente, sem dúvidas, para um processo educacional condizente com as necessidades locais. 7. Tradição: Para a compreensão da categoria “tradição”, utilizamos como referencial o conceito elaborado por Hobsbawm, em que ele nos fala de “tradição inventada”, podendo ser entendida como: “... conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas de natureza ritual ou simbólica que visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado.” (HOBSBAWM, E. 1984, p. 9). Referimo-nos, portanto, a um conjunto de práticas, construídas no decorrer do tempo. HOBSAWM (1984) distingue ainda, tradição, costume e rotina. Para ele, diferente de tradição a rotina não possui função simbólica ou ideológica que a sustente. O costume por sua vez, permite sua mudança e inovação, desde que a prática adotada, permaneça compatível com a anterior. Dessa forma as tradições são permeadas pelos costumes, sua decadência ou transformação está ligada às alterações sofridas durante as modificações ocorridas nos costumes. Assim, a função do costume é dar continuidade histórica à mudança. Considerando o movimento sócio-histórico que permite a manutenção das tradições, entendemos por tradição a união dos conceitos tradição inventada e costume, desenvolvidos por HOBSAWM (1984). Assim, a tradição se configura por um conjunto de práticas, algumas que se mantêm inalteradas, e outras que permanecem em constante formação, transformação, sustentadas por regras ou valores, implícitos ou explícitos, que têm como objetivo a transmissão dessas regras e desses valores às novas gerações que constituam os diferentes contextos inseridos nas bandas como um todo. Dentro da função educacional, as bandas de música normalmente mantêm uma escola de música aberta à comunidade (BARBOSA, 1996; DANTAS, 2003; CAJAZEIRA, 2004; OLIVEIRA, 2007). Para Costa (1998, p. 136), a banda de música pode ser considerada uma “escola de música não-formal, que contempla uma fatia da sociedade que, pelos mais variados motivos, não têm acesso ao ensino musical das escolas especializadas”. Pereira (1999), em sua pesquisa sobre as bandas do estado de São Paulo, constatou que a maioria dos alunos realiza a sua inicialização musical e instrumental exclusivamente na banda de música, pois esta se apresenta como a única oportunidade existente nos seus locais de origens, de contato e conhecimento dos instrumentos e da música instrumental. CONSIDERÇÕES FINAIS 1. O que se percebe é que estratégias são pensadas e concretizadas em ações que, de alguma forma, garantem a continuidade do trabalho das bandas e fanfarras escolares.A aquisicão de instrumentos musicais, por exemplo, é realizada com base no que o grupo considera necessário e viável, conforme suas possibilidades. 2. Sobre a educação musical desenvolvida pelas bandas e fanfarras, constata-se que o conhecimento dos elementos musicais, a criatividade e percepção auditiva são devidamente explorados. Apesar de a execução instrumental constituir atividade principal, a urgencia no domínio de um repertório específico redunda em uma falta de sistematização de ensino musical, ocasionando em um envolvimento quase exclusivo com as apresentações públicas. Parece mesmo que os objetivos e funções das corporações se direcionam predominantemente, na execução instrumental, fazendo com que os ensaios girem em torno da preparação do repertório, o que acarreta em grandes lacunas no que se refere a uma educação musical mais ampla e a um aprendizado instrumental mais adequado. 3. Nessa direção julga-se pertinente e necessário o aprofundamento em questões relacionadas ao trabalho musical desenvolvido pelas corporações musicais nas escolas, considerando as contribuições que estas tem trazido aos seus participantes e atentando para a necessidade de ações ligadas à formação musical do regente e dos demais integrantes. Assim, a música é capaz de produzir identidades singulares e coletivas, atuando como elemento que pode operar na constituição do sujeito, enquanto mediação social. Sujeito este que produz significações, as quais aliadas às suas ações compõem sua identidade individual e coletiva. Dessa forma, em cada ato, gesto ou significação, o sujeito vai se revelando como um todo. Considerando-se cada uma destas perspectivas, podemos encontrar algo da totalidade do homem objetivando-se em um determinado sujeito, (MAHEIRIE, 2001). Enxerguemos então, o grande papel que as Bandas de música assume em nossas vidas. REFERÊNCIAS AFONSO, Almerindo Janela. Os lugares da educação. In: SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes von; Park PARK, Margareth Brandini; FERNANDES, Renata Sieiro (Orgs). Educação não-formal: cenários da criação. Campinas: Ed. UNICAMP, 2001. BARBOSA, Joel. Rodas de Conversa na Prática do Ensino Coletivo de Bandas. 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