FILOSOFIA E ECOLOGIA – PARA UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

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FILOSOFIA E ECOLOGIA – PARA UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
CRÍTICA
André Brayner de Farias
Universidade de Caxias do Sul
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Resumo: O aprofundamento da crise sócio-ambiental observado nos últimos anos,
sobretudo pelo diagnóstico da situação climática do planeta, não deixa dúvidas quanto à
necessidade de expandir em nível planetário a consciência ecológica. E a
conscientização não é apenas o acúmulo de informações advindas dos relatórios
científicos, ela deseja a revolução da atitude humana na direção de uma
responsabilidade ético-ambiental de alcance planetário. Sem dúvida, o discurso
científico é o grande porta-voz da crise ambiental, especialmente no contexto midiático.
Mas é preciso ir além. A crise ambiental não é uma categoria apenas científica, ela
atravessa todas as esferas da vida, porque se refere à própria sustentação da vida. Nesse
sentido é urgente a discussão em torno da educação ambiental. Este trabalho parte da
suspeita de que a educação ambiental, especialmente no contexto político, se reduz a um
domínio científico e muitas vezes ainda disciplinar, como se constituísse mais um saber
entre outros saberes. Dessa forma, o paradigma se converte em instrumento, em mera
técnica. Nosso objetivo é ampliar o conceito de educação ambiental para além das
fronteiras da instrumentalização científica, sustentando a ecologia como pensamento
não apenas científico, mas ético-filosófico. A educação ambiental em sua tarefa de
expandir a consciência ecológica necessita diversificar o seu discurso, e a filosofia,
entendida como um conhecimento diferente dos saberes científicos, é fundamental nesse
processo, sobretudo para promover a abertura crítica do paradigma educação ambiental.
Palavras-chave: filosofia, ecologia, educação ambiental
I
A compreensão mais básica da crise ambiental diz respeito ao estado da natureza. Às
vezes ainda é mesmo difícil falar que as relações sociais (humanas) fazem parte do
sistema ecológico do planeta. Numa primeira vista, essa dificuldade revela uma
concepção estreita de natureza: o conjunto dos ecossistemas em suas múltiplas
variações e relações. As relações humanas são a cultura, as cidades, o cenário urbano.
Quando falamos em crise sócio-ambiental, já suspeitamos que não podemos separar tão
simplesmente o cenário cultural do cenário natural, dizemos que o homem faz parte da
natureza. A degradação da sociedade é uma faceta da crise ambiental, corresponde ao
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estado crítico em que se encontra a natureza. O saber ampliado da ecologia, sua
compreensão para além do campo das ciências naturais, ajudou a modificar a
diferenciação iluminista entre natureza e cultura, nos forçando a enxergar os laços
sócio-culturais como relações ecológicas, assim como nos ajudou a melhorar a
compreensão da natureza em sua relação com a cultura.
O imaginário romântico da natureza-paraíso tinha produzido uma idéia de natureza
muito superficial e até ingênua frente aos problemas revelados pela ecologia. Um dos
trabalhos mais importantes e difíceis da compreensão crítica da crise ambiental consiste
em desromantizar a idéia de natureza, e a dificuldade vem do fato de que o imaginário
romântico está ainda na base do pensamento ecológico, é peça fundamental para a
construção do discurso da crise ambiental. É preciso investir numa desconstrução desse
discurso para compreender que a idéia que produz a consciência da crise está ela mesma
em crise, está danificada. Isso não implica em prejuízo da consciência da crise, mas um
aprofundamento de seu sentido, uma maneira de torná-lo mais forte porque menos
ingênuo.
II
Problematizar as estruturas que configuram a nossa representação da natureza, eis uma
tarefa importante para uma filosofia da crise sócio-ambiental. Significa isto uma
possibilidade de liberar o pensamento ecológico para torná-lo mais crítico e, portanto,
mais efetivo do ponto de vista de seu alcance social, justamente porque mais preparado
para resistir à tendência de sua normalização dentro do grande esquema capitalístico do
mundo. Uma das características operatórias desse esquema, e que explica a dificuldade
de sua superação, é sua dialética fechada: nada se tornando estranho ao capitalismo,
nada o ameaçando porque tudo acabando por se tornar um elemento seu a mais
funcionando para a sua continuação.
O discurso ecológico soava tão subversivo em suas origens que não tardou a época em
que passou a fazer parte da agenda dos interesses econômicos do mundo capitalista em
sua versão mais atual. Exatamente como na lógica da dialética fechada e positiva em
que o termo opositor não consegue manter a sua contrariedade negativa na próxima
fase, ele existe tão simplesmente para confirmar a positividade da síntese, desde sempre
garantida. Isto não quer dizer que em termos práticos não tenha havido uma mudança de
mentalidade na ordem social, apenas ela ainda não foi tão radical quanto ainda podemos
esperar que seja. (A esperança precisa conservar a sua negatividade dialética).
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III
A educação ambiental é um dos bons frutos dessa viragem paradigmática proporcionada
pelo discurso ecológico. Ela aponta para uma direção que certamente ainda não viu o
seu pleno acontecimento. É um pensamento novo, que pretende uma nova prática, uma
revolução da atitude, uma nova ética. Porém o processo da educação é lento e profundo,
diferente da velocidade em que acontece o resultado teórico do trabalho científico. E a
educação não é apenas um conhecimento científico. Ocorre que o paradigma ambiental,
em decorrência da tendência reducionista em que incorrem as ciências naturais, do
ponto de vista de sua realidade efetiva, de sua aplicação no campo político, deseja forçar
a aceleração do processo educacional, com a vontade de uma solução científica. O
resultado é uma pressa indesejável, uma confusão entre o mero acúmulo de informações
científicas e a educação como trabalho lento e profundo do espírito. Essa confusão é
verificada sobretudo no nível político, nos projetos e ações governamentais e nãogovernamentais de educação ambiental. (Se a educação resultasse do acúmulo de
informação científica, a certeza do aquecimento global já seria suficiente para efetivar
alguma espécie de revolução político-ecológica).
IV
Uma filosofia da educação ambiental deve querer desviar dessa pressa, sem receio da
fraca compreensão que normalmente se refere ao trabalho específico da filosofia que é a
especulação. O senso comum – ou a ciência diminuída por seu reducionismo – não
compreende a necessidade do trabalho filosófico, simplesmente porque ela não é uma
necessidade prática, pelo menos de imediato. Mas tal trabalho não é um capricho, uma
opção, e sim uma exigência, uma condição sem a qual a educação enquanto tal fica
simplesmente impossibilitada. Não existe a educação sem o trabalho invisível da
filosofia. Também a filosofia não existe sem sua dimensão política e pedagógica, pelo
menos desde Platão.
A educação ambiental aplicada é, normalmente, uma técnica de transmissão de
conhecimentos já bem digeridos, bem traduzidos para os fins específicos do cuidado
com a natureza. Muitas vezes um trabalho politicamente bem intencionado de
sensibilização para despertar a consciência ecológica. Mas em geral um trabalho
ingênuo. Ambiental deve ser a condição de todo processo educativo, muito
anteriormente ao procedimento técnico, metodológico, disciplinar da educação efetivada
numa prática pedagógica; ambiental não é um adjetivo especificando uma prática
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determinada, setorizada, e, por isso mesmo, perfeitamente domesticável e pacificamente
normalizável. O desejo profundo da educação ambiental é não precisar ser qualificada
de ambiental.
Pensando dessa forma, nos aproximamos mais do sentido paradigmático da era
ecológica. O que cabe à educação nesse novo paradigma? O desafio de uma
transformação visceral, interna, profunda para uma nova filosofia de vida. A educação
ambiental pode ser interpretada como uma etapa num processo maior, que talvez ainda
nem sequer tenha começado. Uma etapa muito importante na medida em que abre
frentes de discussão, onde a filosofia se vê convocada a se pronunciar diante de novas
questões. E também pela tendência sempre recorrente de encerramento da questão no
complexo dos problemas científicos. Entendemos por questão a anterioridade da
interrogação (filosófica) que não se rende à pressa hipócrita de uma solução. Uma
educação ambiental filosófica se produz no horizonte da questão, como questão. A
filosofia se vê convocada quando o conhecimento corre o risco de sufocar na aridez do
complexo da ciência.
V
O tempo da especulação filosófica não é o mesmo da técnica e creio que um grande
desafio que a filosofia deve enfrentar é o de como se estabelecer no plano político,
como atualizar suas questões numa pragmática social. Como efetivar sua pedagogia, sua
ética, uma vez que nesse nível é necessário assumir a condição material do fazer,
inevitavelmente problemática, obliterante. Mas esse desafio não deve querer significar o
preenchimento de um intervalo absolutamente necessário entre o plano da especulação e
o plano político, se ainda é necessário separar os planos. A filosofia exige essa
diacronia, que ela mesma produz quando se vê convocada. Querer corrigir essa
diacronia é o mesmo que neutralizar a filosofia. Mas deve haver o desejo de levar a
filosofia ao plano político, desejo que deve ser vivido como dúvida, o intervalo da
hesitação, o tempo do pensamento. O plano pragmático não pode ser inteiramente
convicto de si mesmo, sob pena de virar uma mera técnica, um automatismo sem
conseqüências verdadeiramente políticas. O político, o educador, o gestor público, o
agente ambiental devem ousar a hesitação, não podem se separar inteiramente do plano
especulativo de seus projetos. Um bom político deveria ter a coragem de assumir a
impossibilidade de seu programa de governo, e isso não poderia significar a
inviabilidade total, de saída, do projeto político. Porque, de fato, nunca testemunhamos
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a coincidência entre o programa e sua realização. O educador deseja o impossível
quando não se rende a uma mera função transmissora, informativa, quando hesita,
quando transborda de sua condição normal e esperada.
VI
O que se pretende, no fim das contas, é que (também) a filosofia seja não somente mais
uma disciplina, mais um saber específico, mas um modo de vida do saber, a sabedoria
de todo saber, uma condição prévia, a situação pré-originária do conhecimento. Não
significa isto uma idéia de fundamento, que parece não convencer mais como
justificativa da filosofia na época da plena autonomia (e soberania) da razão científica.
A ciência não precisa da filosofia para produzir seus fundamentos filosóficos, ela os
encontra nela mesma. Mas o conhecimento precisa da filosofia, porque não se contenta
apenas com a razão científica. Se o cientista for também um filósofo, tanto melhor, o
fato é que ele nunca decide sozinho o conhecimento.
A filosofia tem uma função crítica. Essa idéia é básica, quase o senso comum filosófico,
mas é válida porque não é uma idéia óbvia, ao contrário do que possa parecer. Muitos
são os sentidos dessa função crítica. Introduzir mobilidade no conhecimento é um deles,
permitir ampliar a consciência do artificialismo de nossas representações intelectuais,
captar a vida em sua sutileza, denunciar a pretensão dos enunciados científicos, a
grossura das teorias. Pensar sob o efeito de uma passividade que talvez seja a
experiência mais rica do espírito, aquela provocada pelo tempo, compreender a
realidade em sua mobilidade temporal, eis um sentido muito rico e atual para a função
crítica da filosofia. De difícil compreensão porque se refere a algo muito simples, e
normalmente a ciência complica o nosso cenário de referência para abordar a
problemática da realidade. Essa simplicidade podemos traduzi-la da seguinte forma: a
vida é sempre mais rica, maior, mais sutil do que qualquer complexa ciência nascida
para representá-la. Não é preciso conhecer profundamente as explicações (e
complicações) científicas para entender que a vida é sempre mais além (bastaria
mergulhar na própria interioridade e apurar os ouvidos).
Esse descompasso entre a teoria e a realidade, que no fundo é a consciência do tempo,
deve produzir algo diferente. A filosofia é responsável por essa consciência, que a
ciência não tem habilidade nem para produzir nem para conservar. Trata-se, no fundo,
de reconhecer uma diferença de natureza entre ciência e filosofia. Uma vez que
compreendemos essa diferença, a filosofia não se contenta mais com o trabalho de
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acompanhar a ciência ocupando-se de seus fundamentos. Sua tarefa é maior. Se a
ciência transforma o pensamento em instrumento de ação e de controle sobre a
realidade, a filosofia deseja elevar o pensamento à dinâmica sutil da vida.
VII
Finalmente, como entender a educação ambiental a partir dessa perspectiva filosófica?
A educação é um lugar de realização dessas idéias porque deseja justamente resistir à
tendência de homogenização do saber, ainda que, muitas vezes, as condições materiais
(e metodológicas) dessa resistência nem sempre a favoreçam. O saber se disciplinarizou
e se tornou científico em sua forma de organização. A educação disciplinarizada se
torna científica no modo de operação, bem antes de se tornar científica no conteúdo
disciplinar. Sua condição material fica, então, comprometida, enfraquecida pela forma.
O paradigma disciplinar é obstáculo para o projeto de resistência e desadequação que a
educação significa. A educação ambiental deseja responder a essa condição obliterante.
Ela vem de fora como projeto filosófico, como quem traz novidade, porém não tem
resistido à normalização científica, uma vez que tende a se enquadrar, enquanto modo
de operação, na ordem de um saber específico, uma nova disciplina. O projeto de
ambientalizar a educação (e os saberes) necessita uma ruptura mais radical (crítica) do
que a que tem promovido, sua realização não pode se dar exclusivamente na base da
operação formal científica.
É nesse sentido que deve ser compreendida a diferença de natureza entre ciência e
filosofia, bem como reorientada a vocação filosófica e científica da educação como
paradigma de pensamento e da educação ambiental como provocação conceitual. A
educação ambiental não pode criar a expectativa de uma nova especialidade pedagógica,
pois assim ela corre o risco de uma neutralização; ela deve relevar o sentido filosófico
da problemática sócio-ecológica e, através de uma nova responsabilidade diante dos
saberes científicos e filosóficos, abrir os caminhos ou iniciar o projeto de uma educação
cujo desejo ultrapassa a linha do saber e desperta para o sentido da sabedoria.
Ambiental é uma condição de abertura – o desejo do tempo.
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Referências bibliográficas1
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LATOUR, Bruno. Políticas da natureza – como fazer ciência na democracia. Bauru:
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LEFF, Enrique. Saber ambiental – sustentabilidade, racionalidade, complexidade,
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LENOBLE, Robert. História da idéia de natureza: Lisboa: Edições 70, 1990.
LEVINAS, Emmanuel. Totalité et infini – essais sur l’extériorité. Paris: Kluwer
Academic, 2000.
REIGOTA, Marcos. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez, 1997
RIECHMANN, Jorge. Un mundo vulnerable – ensayos sobre ecologia, ética y
tecnociencia. Madrid: Catarata, 2000.
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As referências apontam algumas influências teóricas do autor, mas nenhuma foi utilizada diretamente no texto.
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