56 | João Paulo Batista A VIDA COMO REAL OBJETIVO DA FILOSOFIA E SEU ENSINO João Paulo Batista Sabe-se que o termo filosofia, em grego, significa amor à sabedoria. Mas o sentido desse amor foi entendido de modo diferente nas várias culturas e épocas. Quando pensamos em filosofia nos dias de hoje, quase sempre pensamos em uma atividade racional, discursiva, que consiste na produção e discussão de doutrinas e argumentos. Na antiguidade, entretanto, ainda que o aspecto distintivo da busca filosófica pela sabedoria fosse o papel fundamental do logos, ela não se reduzia a uma atividade discursiva, mas era também um modo de vida. Nas palavras de Pierre Hadot (1999, p.172), ”o discurso filosófico deve ser cor-respondido na perspectiva do modo de vida no qual ele é, ao mesmo tempo, o meio e a expressão e, em consequência, que a filosofia é antes de tudo maneira de viver, mas está estreitamente vinculada ao discurso filosófico”. A relação da filosofia com a educação existe desde o mundo grego. Os filósofos gregos, em busca da aretê humana, foram os que deram início às discussões sobre a filosofia na educação e seu sentido no mundo. Viam na educação um meio necessário para o alcance de uma cultura ideal e de uma alma purificada, capaz de elevar o homem ao conhecimento inteligível, apostando na busca de um ideal artístico de cultura. No período da Grécia antiga, filosofia e educação coincidem. A filosofia grega não precisou criar uma nova disciplina chamada Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.15, ed. especial, p.56-59, jul./dez. 2016. A VIDA COMO REAL OBJETIVO DA FILOSOFIA E SEU ENSINO | 57 pedagogia, pois a convergência entre os dois pensamentos era natural. A filosofia é pedagógica e a pedagogia é filosófica. A educação de um indivíduo perpassa as finalidades da retórica ou da matemática, pois o objetivo maior concentra-se no desenvolvimento das potencialidades do homem em si e como indivíduo da Pólis: A educação seria, por conseguinte, a arte desse desejo, a maneira mais fácil e mais eficaz de fazer dar a volta a esse órgão, não a de fazer obter a visão, pois já a tem, mas uma vez que ele não está na posição correta e não olha onde de-ve, dar-lhe os meios para isso. (PLATÃO, 1993, p. 518). A filosofia introduz os fundamentos da Paideia, do ethos e da episteme ociden-tais, ou seja, do jeito de viver, de portar-se e de compreender, ela mantém um atributo que lhe é essencial e que desapareceu na época atual. A filosofia é o desejo pelo saber em si mesmo de uma maneira desinteressada e engloba tudo o que se refere à cul-tura intelectual e prática. O discurso filosófico deve ser compreendido na perspectiva do modo de vida e a escolha de vida do filosofo determina o seu ensino, sua Paidéia. Esta apura-ção nos leva a dizer que não se pode considerar o discurso filosófico como rea-lidade existente em si e por si mesma, como uma disciplina a ser transmitida do alto do púlpito. Não é possível estudar Sócrates separando o discurso de Sócrates da vida e da educação Socrática. (HADOT, 1999, p.172). Este presente trabalho vem abordar a relação da filosofia com a educação a partir da realidade prática enquanto modo de vida. As múltiplas designações da tarefa do filósofo, explanadas pelas tradições têm dificultado a compreensão do papel da filosofia na educação, provocando incompatibilidade no ensino prático da disciplina. Muitos professores ainda não entenderam claramente o que trata cada tradição, utilizando-se das teorias de forma paradoxal. Ora seguem um método de filosofar investigativo, ora simplesmente repassam verdades filosóficas. Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.15, ed. especial, p.56-59, jul./dez. 2016. 58 | João Paulo Batista Diante disso, emerge a necessidade de se questionar o lugar e rediscutir a tarefa da disciplina através de parâmetros práticos educacionais. O empenho filosófico destina-se não somente à compreensão do mundo e do homem, mas também, ainda que implicitamente, à educação deste mesmo homem, cuja vida se desenrola na relação com o mundo. A prática educativa, por sua vez, encerra em seu interior uma determinada visão do homem e do mundo e, portanto, inclui uma posição filosófica definida, mesmo que tal posição nem sempre seja objeto da consciência dos atores envolvidos no processo educativo. Não se podem negar, portanto, as íntimas relações que se estabelecem entre Filosofia e Educação. Dos Pré-Socráticos a Popper, os mais destacados filósofos também se dedicaram, de uma forma ou de outra, a atividades de ensino e docência; por outro lado, a maior parte dos grandes pensadores da educação, como Rousseau, Vygotsky, Piaget, Gramsci e Paulo Freire, por exemplo, também se revestiu de uma bagagem filosófica significativa. A temática foi escolhida por ser um assunto pertinente para a formação educaci-onal e, como tal, sempre abordado pelos mais diversos autores de modos e perspectivas diferentes. Deste modo busca-se apontar a possibilidade do entendimento numa perspectiva dialógica e convergente entre Filosofia e Educação. buscando compreender sempre mais as interconexões entre o amor ao saber e a dedicação em educar. O objetivo, portanto, deste trabalho é identificar as contribuições que a filosofia pode viabilizar à educação assinalando a necessidade de desenvolver mudanças nos modos de se pensar e gerir a formação do ser humano. A filosofia da educação, no seu acontecer histórico, esclareceu muitas dúvidas, contribuindo para transformações qualitativas na Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.15, ed. especial, p.56-59, jul./dez. 2016. A VIDA COMO REAL OBJETIVO DA FILOSOFIA E SEU ENSINO | 59 sociedade. Torna-se importante reto-mar e discutir o sentido do ensino da filosofia como modo de vida. Em nosso percurso, no primeiro capítulo apresenta-se a filosofia como modo de vida a partir da obra de Pierre Hadot: O que é Filosofia antiga. Procura-se problematizar as questões relativas ao ensino da filosofia e a sua concepção tendo como ponto de partida os filósofos gregos em um comparativo com a atual forma de seu ensino. De um lado visões que enxergam a filosofia como uma atividade não relacionada à vida, como atividade meramente teórica ou conceitual, que não tem efeitos diretos sobre a conduta da pessoa que a realiza. Do outro lado, visões que enxergam como uma atividade intrinsecamente relacionada à vida, e inclusive dotada do objetivo de produzir um determinado efeito sobre essa vida. No segundo capítulo procura-se demonstrar a relação entre filosofia e Educação, tendo como referencial Michael Foucault e Sílvio Gallo, que contribuem para uma reflexão acerca do ensino da filosofia como prática educacional. Sabe-se que o homem é um ser de relação; ou seja, ele se relaciona com a natureza, com os outros homens e consigo mesmo. Mas essas relações são fundamentalmente práticas, ou seja, elas se fazem nesses elementos, que se colocam frente a ele como referenciais fundamentais de seu agir. Assim, quando nos perguntamos o que é o homem, esse sujeito humano que é o educando, e esse outro que é o educador, a resposta só pode ser encontrada nos elementos que expressam sua realidade, aos quais podemos ter algum acesso. Ora, nosso acesso ao ser do homem só se dá através de suas atividades concretas, através de sua prática real. Neste sentido, queremos elucidar que a filosofia deve ser vista como jeito de viver, de portar-se e de compreender e não simplesmente como mera disciplina a ser verbalizada sem vínculo com a realidade prática do sujeito. Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.15, ed. especial, p.56-59, jul./dez. 2016.