O ROCK DOS ANOS 80 E A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA DO DIREITO BRASILEIRO: UMA VISÃO PRELIMINAR KUHN, Lucas Bortolini1; ALVES, Carla Rosane da Silva Tavares2; BRUTTI, Tiago Anderson3; WOLTMANN, Angelita4 Palavras-chave: Música. Sistemas. Direito brasileiro. Democracia. INTRODUÇÃO O presente texto tem por objetivo abordar os sistemas culturais do BRock e sua participação na construção do sistema do Direito brasileiro, como forma de tocar suas estruturas de maneira significante, além da análise positivista, notadamente reducionista. Para tanto, apresenta-se dados do projeto de pesquisa PROBIC-FAPERGS/UNICRUZ intitulado A música brasileira dos anos 80: uma revolução cultural e o clima para o estabelecimento do estado democrático de direito. O Direito brasileiro viveu seu renascimento com a Constituição Federal de 1988. O advento da nova Constituição respondeu não só à crise institucional de um Direito incapaz de impedir os abusos da ditadura, mas de um Direito que, na melhor das hipóteses, não era mais capaz de reinventar-se e comunicar-se com a reflexão ética e social sobre as condutas humanas, entretanto respondeu de forma clara e perceptível aos anseios da população oprimida por um regime militar alimentado pela guerra fria. A aproximação de áreas, tais como a do Direito e a da música brasileira dos anos 80, pelo eixo interdisciplinar, possibilita a articulação de saberes, em tese, distintos, os quais podem contribuir com o esclarecimento de um período marcado fortemente pela violação de direitos individuais e pelo surgimento de novos movimentos culturais que contestaram a ordem político-jurídica instituída. Essa aproximação favorece uma compreensão mais abrangente das propostas de movimentos sociais que surgiram, naquela época, na forma de 1 Acadêmico do 7º semestre do Curso de Direito. Bolsista PROBIC-FAPERGS/UNICRUZ. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Estudos Literários – Literatura Comparada (UFRGS). Docente da UNICRUZ. Coordenadora do GEPELC, ao qual está vinculado o trabalho. Coordenadora do Projeto PROBIC-FAPERGS/UNICRUZ E-mail: [email protected]. 3 Doutor em Educação nas Ciências/Filosofia. Atua como professor no Programa de Pós-Graduação em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social da UNICRUZ. Colaborador do Projeto PROBICFAPERGS/UNICRUZ. E-mail: [email protected]. 4 Doutoranda em Direito pela UNISINOS e em Ciências Jurídicas pela Universidad de Buenos Aires. Atua como professora no Curso de Direito da Faculdade Metodista de Santa Maria (FAMES). E-mail: [email protected]. bandas, letras e ritmos musicais, dentre os quais se destaca o gênero rock. Por essa perspectiva, Schwartz (2014, p. 24) observa como “[...] o rock brasileiro dos anos 80 conseguiu influenciar a lógica do Direito no Brasil na época da transição da ditadura militar para a democracia constitucional”. Tal contexto histórico de opressão, limitação da liberdade de expressão, perseguição política, que culminava, frequentemente, em prisões e condenações falsas e, em muitos casos, acabava com adversários do sistema político-ditatorial exilados em outras nações, foi pano de fundo para a juventude da década de 80, que viria a expressar sua angústia, seus problemas, numa forma cultural capaz de imaginar soluções para os problemas existentes: o rock dos anos 80, ou BRock. O ROCK COMO FORMA DE (CONTRA)CULTURA O rock começa com a mescla entre o canto negro dos imigrantes de diversas nações africanas e os instrumentos e músicas dos colonizadores europeus da América, formando o rhythm & blues, mesclado ao som do country & western, dos brancos da América, à época predominantemente rural, que também cantavam seus próprios dramas, suas próprias histórias. Os negros, entretanto, cantavam sua vida, sendo um povo estranho ao establishment estadunidense, dando moto ao que viria a ser incorporado como característica principal do rock and roll como estilo musical: a subversão ou o rock como contracultura. A afirmação de Chacon (1985) sintetiza as preocupações sociais desse estilo musical, tido por muitos como agressivo e por outros como uma forma irreverente de retratar a realidade, ou de buscar espaço para a construção de uma nova realidade: O que o Rock busca é esse imprevisto, esse grito, essa lágrima. Fazendo o jovem refletir sobre seus valores (a família, o sexo, a droga, o amor, o irreal) ele contribui para a formação de um homem mais livre, mais conhecedor de si próprio e, portanto mais consistente ao encarar as questões políticas stricto sensu, que atingem a sociedade como um todo (CHACON, 1985, p. 23). Essa característica principal do rock, como aponta Schwartz (2014), manifesta-se não só na história do BRock, mas, também, do rock dos EUA das décadas de 50 a 70. Um rock que cantava contra as guerras; contra a opressão dos jovens que se viam presos na visão de mundo que os adultos de seu tempo tinham; contra a discriminação e a opressão dos negros, dentre os quais surgiram muitos dos pioneiros e principais artistas desse gênero, como Jimi Hendrix; contra a opressão da liberdade sexual, da liberdade para usar drogas e ir contra o “sistema” encontrado naquela época nos EUA, país cujo governo passava seu tempo “ocupado” invadindo diversos países para lutar contra o “comunismo” (GALEANO, 2014, p. 296), definindo a existência de praticamente todas as ditaduras militares da América do Sul incluindo a brasileira - e promovendo a sangrenta Guerra do Vietnã, principal objeto para as músicas do rock dos hippies e do Festival de Woodstock, definido por estudiosos, como o jornalista Muggiatti (1973), como “o evento do século”. No rock do Brasil, nos anos 80, a subversão marcou a cultura vigente, permitindo aos jovens da época romper com a ordem institucional e sonhar com um país onde todos fossem iguais e a discordância política e ideológica não fosse motivo para a negação dos direitos e garantias individuais fundamentais. METODOLOGIA E/OU MATERIAL E MÉTODOS O trabalho, de caráter bibliográfico, aborda, principalmente, obras de Schwartz (2014), Chacon (1985) e Galeano (2014), recorrendo à metodologia qualitativa e explorando materiais jornalísticos e estudos históricos para reconstruir o cenário. RESULTADOS E DISCUSSÕES O rock dos anos 80, no Brasil, apresentou francamente suas motivações, obteve sucesso de público e causou efeitos no contexto político e social daquela época. A sociedade jovem clamava por mudança, enxergava, enfim, a possibilidade de um Brasil igual e livre, e não estava contente com a transição gradativa prometida pelos militares. Os jovens dos anos 80 queriam quebrar a ordem, quebrar os conceitos sociais do que era correto, estabelecer discussões sobre temas que ninguém ousava falar. Reagiram, sim, aos mecanismos que poderiam reprimir tais atos, como a censura, que impediu que vários LPs pudessem ser reproduzidos na TV e no rádio. Entretanto, as rádios piratas, a compra e venda de discos, a distribuição livre de cópias e a importação dos EUA alimentaram uma geração sedenta por algo diferente da geração anterior, descontente, mas passiva. A geração da década de 1980 queria as “Diretas Já”, queria eleger o seu próprio presidente, ter o seu próprio partido e, acima de tudo, ter uma chance de reconstruir em outros termos a própria sociedade. O sucesso do rock não servia só para alimentar a indústria fonográfica ou a mídia que, embora descontente com a censura, era conivente com o regime, em troca de vantagens. O sucesso, a identificação de uma geração inteira, que fez com que, durante boa parte dos anos 80, mais de 25% das músicas mais tocadas no Brasil fossem rocks (SCHWARTZ, 2014), antes rejeitados e marginalizados, demonstrou não só a predileção pelo estilo, pelo artista, mas, também, a identificação dos ideais defendidos nas letras das músicas. CONCLUSÃO Os resultados apresentados possibilitam um visão do projeto PROBIC-FAPERGS A música brasileira dos anos 80: uma revolução cultural e o clima para o estabelecimento do estado democrático de direito, mostrando a importância de resgatar o contexto histórico e estabelecer uma ligação entre aspectos culturais marcantes desse momento e os desdobramentos nos demais sistemas, como o jurídico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. Brasília: Senado Federal, 2012. CARVALHO, Salo de; PINTO NETO, Moysés; MAYORA, Marcelo; LINCK, José Antônio Gerzson. Criminologia cultural e rock. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. CHACON, Paulo. O que é o rock. Coleção Primeiros Passos. 3. ed. São Paulo: Brasiliense.1985. COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil: uma constituição para o desenvolvimento democrático. São Paulo: Brasiliense, 1986. MUGGIATTI, Roberto. Rock, o grito e o mito: a música pop como forma de comunicação e contracultura. Petrópolis: Vozes, 1973. LUHMANN, Niklas. Art as a social system. Stanford: Stanford University, 2000. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006. SCHWARTZ, Germano. Direito & Rock: o BRock e as expectativas normativas da Constituição de 1988 e do Junho de 2013. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica em crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.