música no barroco e temperamento - HCTE

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MÚSICA NO BARROCO E TEMPERAMENTO
Ângela Maria Mendes Dias
Professora Msc. do Colégio Militar do Rio de Janeiro
[email protected]
Regina Dantas
Professora HCTE /UFRJ
[email protected]
Maria Lúcia Netto Grillo
Professora do Instituto de Física UERJ
[email protected]
RESUMO: A palavra Barroco, significando pérola ou joia no formato irregular,
inicialmente era usada para designar o estilo de arquitetura e arte no século XVII,
caracterizado pelo excesso de ornamentos. Mais tarde, o termo é empregado para
indicar o período da história da música que vai desde o aparecimento da ópera e do
oratório até a morte de Johann Sebastian Bach. Este compositor elevou o princípio
barroco do “discurso dos sons” (HARNONCOURT, 1993) à mais alta perfeição. Sua
preocupação era o aperfeiçoamento da arte musical existente. Na música de Bach,
uma linguagem harmônica completamente nova é forjada. Enquanto a maioria dos
compositores de seu tempo se refugiava nas regras, Bach criava novas regras,
estabelecendo a afinação com temperamento igual à de hoje.
PALAVRAS-CHAVE:
Música
no
Barroco,
Bach,
Temperamento,
Física
e
Matemática.
O contexto da época / O estilo Barroco
O estilo barroco compreende um século e meio e tem como característica no
período, a colonização. A Guerra dos Trinta Anos marca o início do século XVII
(1618-1648 na Alemanha). A segunda metade do século é lembrada pelo ápice
cultural promovido por Luís XIV e sua corte de Versalhes. Newton, Galileu, Hervey,
Bacon e Leibnitz destacaram-se na ciência. Como filósofos mais importantes
destacam-se Descartes, Pascal e Spinoza. O pensador que marcou a época foi John
Locke, tendo como características o materialismo sensualista, a tolerância religiosa
e política. Na literatura francesa são expoentes: Corneille, Racine e Molière, e na
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inglesa Milton, Samuel Johnson, Swift e Dryden. Na pintura, os grandes nomes
foram Rembrandt, Rubens, Van Dyck, El Greco e Velázquez.
A característica do estilo barroco na música, na pintura, escultura e na
arquitetura foi a teatralidade, marcados pela grandiosidade e brilho. O barroco
nasceu na Itália como consequência da Contra-Reforma, com objetivo de
reconquistar a influência da igreja católica. Seus ideais estéticos se espalharam por
toda a Europa em quase todas as áreas.
Havia grande interesse pela música profana, pela nobreza e pelas classes
mais abastadas. Com isso, ela superava a religiosa em importância e quantidade de
produção. Neste período, a música não tem característica nacionalista e nos países
europeus ela apresentava características diversas. Um elemento importante que
marcou a música barroca foi a implantação de uma dramaturgia sonora, que se
notabilizou não apenas através da ópera, como por suas influências na música
religiosa, nos oratórios ou nas cantatas.
No início desenvolve-se a música homofônica, uma melodia cantada com
acompanhamento de um ou mais instrumentos, embora o contraponto não tenha
perdido a importância, como nos mostra a obra de Johann Sebastian Bach, no fim
do período. O raciocínio harmônico é vertical, diferente do anterior, que se mostrava
horizontal (contrapontístico). Começa-se a usar o cromatismo, através das
modulações harmônicas, com as notas intermediárias da escala básica de sete
notas. Encontra-se também o uso do baixo cifrado, indicação numérica, que
acontece em toda melodia, a partir da qual o executante identifica as harmonias
correspondentes. Encontra-se ainda hoje, na música popular, no jazz e no
acompanhamento de um canto ou solo instrumental.
Suíte de danças, sonata e a fuga constituem as mais importantes formas do
barroco. Ária, arioso e canção solo acompanhada eram as formas vocais do período.
Ópera, oratório e cantata, faziam o uso das ideias do período: declamação
dramática (recitativo), coros e orquestra.
Itália, França, Inglaterra e Alemanha destacam-se como berços de
compositores de primeira linha. Johann Sebastian Bach (Eisenach 1685 – Leipzig
1750) e Georg Friedrich Handel (Halle 1685 – Londres 1759), autores alemães,
nascidos em cidades próximas, mas que nunca se encontraram, foram os expoentes
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da música barroca. Bach contribuiu mais como autor de música religiosa e
instrumental, e Handel mais na área do oratório e da ópera.
No século XVII, época do barroco, houve uma efervescência intelectual
oriunda do período renascentista, quando se vinham formulando na Europa vários
processos de interpretação da natureza. Afirmaram-se duas maneiras de se
conceber a natureza (Dubois 1985:75). Inicialmente, considerando o ponto de vista
do homem como microcosmo (antropomórfico) e na outra maneira de mundo, há a
imagem de um Deus Criador (parâmetro teomórfico). Assim, entendiam-se as regras
naturais que circundavam a constituição das sociedades da época. A concepção
mecânica de mundo deve ser lembrada na relação entre harmonia, natureza e
ciência. Encontra-se na noção de ordem e razão os suportes para entender a
natureza. Isaac Newton soma suas ideias às dos grandes artistas. Significados
como “sistema do mundo”, “máquina do universo” ou “conjunto de todas as coisas
criadas ou não criadas, corporais ou espirituais” são uma variedade, mas o termo
“natureza” mostra complexidade e a definição para ele não era clara.
O barroco na música foi um período da História que compreendeu desde o
surgimento da ópera no ocidente até a morte de Bach. A ópera de Orfeo (1607) de
Monteverdi teria dado início ao barroco.
A música de Bach
Com Bach, o barroco atingiu o seu ápice na música.
Johann Sebastian Bach não era apenas um músico culto no que se refere a
sua música, mas também letrado em outros tipos de música. O que o interessava,
completamente e mesmo compulsivamente, era a técnica.
Nasceu em 31 de março de 1685, na Quaresma, numa casa branca em
Eisenach, Alemanha. Veit Bach, trisavô de Bach, moleiro e padeiro de profissão,
tocava cítara enquanto moía os grãos no moinho e deu início à dinastia musical
Bach. Residindo na Turíngea, formou uma família que se reunia uma vez por ano
para vivenciar música. Ficou órfão de pai e mãe aos 9 anos e foi morar com seu
irmão mais velho, organista em Ohrdruf. Foi integrante do coro da igreja de São
Miguel e já ganhava a vida cantando, por causa da voz de soprano. Tocava piano,
violino, violeta, espineta, cravo, címbalo, viola pomposa (inventada por ele) e órgão.
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Aos 18 anos teve seu primeiro cargo de organista, e já era músico da corte de
Weimar.
Excelente mestre, não tolerava a indiferença e a negligência. Apresentava
temperamento difícil e obstinado. Bach acreditava na ordem em todas as coisas:
casa, arte e país. Trabalhava seriamente com quem gostava de música e carecia de
paciência com aqueles que não se dedicavam. Criou um método para os
principiantes do cravo, que incluía exercícios de dedilhação. Casou com a prima em
1707 e teve quatro filhos. Após a morte de Maria Bárbara, casou-se com Ana
Madalena e viveu com ela trinta anos. Tiveram treze filhos, que foram também seus
alunos, sendo que os dois mais velhos, Friedemann e Emanuel, tiveram carreiras
brilhantes.
Sua mais elevada música sempre se inspirou no pensamento da morte,
apesar de muito religioso. Admirava Handel, mas nunca o conheceu pessoalmente,
apesar de terem nascido na Saxônia e no mesmo ano, porque Bach fugia do mundo
e só viajava no outono para experimentar novos órgãos, enquanto Handel viajava
muito e ganhava muito dinheiro.
Bach compôs muitas músicas para cordas, prelúdios e fugas para cravo.
Fazem parte de seu repertório as músicas de órgão e de câmara, cantata de igreja,
missa em latim, concertos para violinos, suítes e outras obras para cravo, música
sacra e suas mais notáveis obras, as Paixões segundo São Matheus e São João,
foram escritas na Quaresma.
Bach conseguia se utilizar das fórmulas do período e fazê-las soar novas e
originais, até porque eram suas fórmulas. A genialidade do Cravo Bem Temperado
só foi reconhecida após algumas gerações da família. A intensidade harmônica
coloca Bach acima de seus contemporâneos. Em sua música, uma linguagem
completamente nova é forjada. Bach foi um dos que, de uma vez por todas,
estabeleceu a afinação com temperamento igual, que é usada hoje. Nas palavras do
musicólogo britânico Percy A. Scholes: “Não é possível afinar nenhum instrumento
cromático perfeitamente grifado por mais de uma nota, se afinarmos corretamente
para dó bem, no momento que tocarmos em outra clave algumas das notas estarão
fora de tom”, que se refere à escala não temperada, natural. Bach dividiu a 8ª em 12
partes aproximadas e foi possível modular o sistema em qualquer clave, e qualquer
dos doze cromáticos podia servir como tônica. Bach compôs o Cravo Bem
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Temperado para ilustrar o que poderia ser feito com esse tipo de afinação e servir de
exercícios para o aprimoramento de seus alunos. Morreu em 28 de julho de 1750,
cego, vítima de duas cirurgias de catarata feitas por um médico charlatão. Não
terminou A Arte da Fuga, um verdadeiro “quebra-cabeças” de manipulação de
vozes, que possui um tema final baseado nas notas Si bemol, Lá, Dó e Si natural,
notas representadas na língua alemã pelas letras B, A, C, H. Essa obra ficou
incompleta em consequência de sua morte, alias, por ele prevista, já que era um
exímio numerólogo (MEDAGLIA, 2008, p.79).
Recentemente, muito tem sido escrito sobre o simbolismo musical de Bach.
Schweitzer insistia que é impossível interpretar o trabalho de Bach se o significado
do motivo é desconhecido.
Física, Matemática e Música no Barroco
O temperamento igual, segundo Menezes (2004, p.263), já vinha sendo
discutido há muitos anos e foi reconhecido como uma necessidade - conforme
trabalho histórico e teórico desenvolvido em 1636/1637 sobre afinação e
temperamento, de Mersenne que obteve a primeira medida correta da velocidade do
som - e apresentado inicialmente no Cravo Bem Temperado de Bach, que usa
muitas modulações, inadmissíveis sem o temperamento igual. A escala igualmente
temperada é a escala mais utilizada no ocidente até hoje, apesar dos pequenos
batimentos, devidos à superposição de ondas de frequências muito próximas. Isaac
Newton, através de cálculos teóricos, chegou a um valor para a velocidade do som,
após experimentos do jesuíta Marin Mersenne e dos discípulos de Galileu: Giovanni
Borrelli e Vicenzo Viviani. Robert Boyle também contribuiu para este valor de
Newton, aproximado ao real.
A escala representa uma sequência de notas, e a escala natural dos sons é
aquela que respeita a relação entre as frequências ditadas pela série harmônica.
Cada som que ouvimos se propaga através de um grupo de ondas sonoras (a
fundamental e os harmônicos). A série harmônica é composta por todas estas
frequências. Cada frequência fn é um modo de vibração, e todos os modos são
múltiplos inteiros da frequência fundamental. Analisando a tabela 1 podemos citar
como exemplo a série harmônica do Dó1. (GRILLO, 2013, p.55)
Desse modo, a escala natural é gerada, que difere da escala temperada
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usada no piano. Os intervalos entre as notas são chamados 2ª, 3ª, 4ª, etc. Conforme
o número de notas envolvidas: entre o Dó e o Ré, temos uma 2ª, da mesma forma
entre o Fá e o Sol ou Si e Dó, ou seja, são notas sucessivas. A 3ª é o intervalo que
envolve três notas: entre o Dó e o Mi ou entre o Fá e o Lá (ou seja, dó-ré-mi ou fásol-lá). A classificação maior ou menor vem do número de semitons envolvidos em
cada intervalo, onde semitom é o menor intervalo entre as notas do piano ou entre
as notas emitidas, no violão, apertando-se a corda em casas sucessivas: dó-dó#, mifá ou lá#-si. Observando-se a figura 1 verifica-se que a 2ª maior possui dois
semitons (um tom), e a 2ª menor, apenas um semitom. A 3ª maior possui quatro
semitons ou dois tons, como entre o Dó e o Mi ou entre o Mi e o Sol#. (GRILLO,
2013, p.57)
Figura 1: Alguns intervalos: 2ª maior, 3ª maior, 4ª justa, 5ª justa, 6ª maior e 7ª maior
Observando-se a tabela 1 pode-se calcular a razão entre as frequências na
escala natural. Para a 2ª maior: intervalo entre Dó4 e Ré4, de frequências 8f e 9f a
razão é 9f/8f ou:
F(2ª maior acima) = (9/8)f da nota anterior
Dessa forma, obtêm-se as razões para os outros intervalos e chega-se nas
razões para a escala diatônica maior natural (tabela 2).
A escala maior natural tem origem direta da série harmônica, e o intervalo
entre a 1ª nota e a 3ª é uma terça maior. Na escala menor, esse intervalo é uma
terça menor, ou seja, na escala de Dó maior a 3ª nota é o Mi, e na escala de Dó
menor, será o Mi
(lê-se mi bemol), mais baixo que o Mi, em frequência de um
semitom.
Para a divisão dos sons em 12 notas da cultura ocidental, essa escala gera
certo desconforto, pois as razões r entre as frequências das notas são diferentes.
Para corrigir essa pequena diferença foi criada a escala temperada, onde se divide o
intervalo de uma oitava em 12 partes iguais (as razões entre as frequências de notas
sucessivas são as mesmas).
Na escala temperada, temos, numa oitava, 12 notas com intervalos iguais.
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Dizer “intervalos iguais” significa que a razão entre as frequências é a mesma.
Exemplo: de Dó3 a Dó4.
Dó, Dó#, Ré, Ré#, Mi, Fá, Fá#, Sol, Sol#, Lá, Lá#, Si, Dó (escala cromática de
Dó), essas notas correspondem às frequências de f 1 a f13. Se as razões entre as
frequências sucessivas são iguais, temos uma progressão geométrica. A progressão
geométrica é gerada pela expressão
an = a1 xn-1 (eq. 1)
A escala temperada forma uma progressão geométrica quanto à frequência.
Através da fórmula do termo geral são geradas cada uma das razões para os
intervalos da escala diatônica maior temperada, como na tabela 3, que são
diferentes das razões da escala natural.
Observa-se então que as escalas temperada e natural são ligeiramente
diferentes. Por isso, quando os instrumentistas afinam seus instrumentos de cordas
pela escala natural, podem gerar batimentos, já que a escala temperada gera sons
que não fazem parte das séries harmônicas. (GRILLO, 2013, p.58)
Tabelas
Intervalo em relação
à nota anterior
Nota
Frequência
Dó1
f
Dó2
2f
8ª justa
Sol2
3f
5ª justa
Dó3
4f
4ª justa
Mi3
5f
3ª maior
Sol3
6f
3ª menor
Sib3
7f
3ª menor
Dó4
8f
2ª maior
Ré4
9f
2ª maior
Mi4
10f
2ª maior
Fá#4
11f
2ª maior
Sol4
12f
2ª menor
Lab4
13f
2ª menor
Tabela 1: Série harmônica de Dó1
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Intervalo
Razão r
2ª maior
9/8 = 1,125
3ª maior
5/4 = 1,25
4ª justa
4/3 = 1,333
5ª justa
3/2 = 1,5
6ª maior
5/3 = 1,666
7ª maior
15/8 = 1,875
8ª justa
2
Tabela 2: Intervalos entre as notas da escala diatônica maior natural e as razões entre as frequências
Intervalo
Razão (xn-1)
2ª maior
1,124
3ª maior
1,2599
4ª justa
1,3348
5ª justa
1,4983
6ª maior
1,6817
7ª maior
1,8877
8ª justa
2
Tabela 3: Intervalos da escala diatônica maior temperada
REFERÊNCIAS
DUBOIS, C.G. L’Imaginaire de La Renaissance, Paris: PUF, 1985.
GRILLO, M.L., PEREZ, L.R., A Física Música, Rio de Janeiro, 2013.
HARNONCOURT, N. O Diálogo Musical, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1993.
MEDAGLIA, J. Música Maestro: do canto gregoriano ao sintetizador, Editora
Globo, São Paulo, 2008.
MENEZES, F., A Acústica Musical em Palavras e Sons, Ateliê Editorial, 2004.
RONAN, C. A, A história Ilustrada da Ciência da Universidade de Cambridge, v.
3, São Paulo: Ed. Jorge Zahar, 1997.
SCHONBERG, H.C. A Vida dos Grandes Compositores, Novo Século Editora, São
Paulo, 2010.
Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248
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