Tumba Real de Amarna - Museu Nacional

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i
Universidade Federal do Rio de Janeiro
ANÁLISE DO PAINEL DAS CENAS DE OFERENDAS
DA SALA ALFA – TUMBA REAL DE AMARNA
Regina Coeli Pinheiro da Silva
Rio de Janeiro
2009
ii
AN ÁLISE DO PAINEL DAS CEN AS DE OFERENDAS D A SAL A ALFA – TUMBA REAL DE AMARNA
Regina Coeli Pinheiro da Silva
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Arqueologia, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Arqueologia.
Orientador: Antonio Brancaglion Junior
Rio de Janeiro
2009
iii
Silva, Regina Coeli Pinheiro da
Análise do painel das cenas de oferendas da sala Alfa
– Tumba Real de Amarna / Regina Coeli Pinheiro da Silva. Rio de Janeiro:UFRJ/MN,2009.
f.132; il.26
Orientador: Antonio Brancaglion Junior
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ MN/ Programa de
Pós-graduação em Arqueologia, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 115 – 121.
1. Egito Antigo. 2. Akhenaton. 3. Tumba Real. I
Brancaglion, Antonio Junior.
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu
Nacional, Programa de Pós-graduação em Arqueologia.
III. Título.
iv
Resumo
AN ÁLISE DO PAINEL DAS CEN AS DE OFERENDAS D A SAL A ALFA – TUMBA REAL DE AMARNA
Regina Coeli Pinheiro da Silva
Orientador: Antonio Brancaglion Junior
Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Arqueologia, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Arqueologia.
O presente estudo tem como enfoque especial a análise do registro iconográfico presente na parede da sala Alfa da tumba real localizada na necrópole da antiga cidade de Akhetaton, atual Tell el Amarna. Buscamos identificar
possíveis pontos em comum entre o culto solar e demais cultos anteriores do
Egito Antigo. Buscamos comprovar que as mudanças impostas pelo faraó Akhenaton em razão da sua reforma político-religiosa, na realidade, tiveram por
base elementos já adotados nos cultos dos antigos deuses. Esses, especialmente no que se refere ao aspecto funerário, mantêm a permanência de traços
associados aos antigos cultos funerários egípcios.
Palavras-chave: Egiptologia, religião, arte, tumba, Akhenaton, Amarna.
Rio de Janeiro
2009
v
ABSTRACT
AN ÁLISE DO PAINEL DAS CEN AS DE OFERENDAS D A SAL A ALFA – TUMBA REAL DE AMARNA
Regina Coeli Pinheiro da Silva
Orientador: Antonio Brancaglion Junior
Abstract of Master Dissertation submitted to the Postgraduate Program in Archaeology, National Museum, Federal University of Rio de Janeiro, as part of the necessary requirements to obtain the title of Master in Archeology.
This study has a special focus on the analysis of iconographic record of the Alfa
room wall if the royal tomb, located in the necropolis of the ancient city of Akhetaton, now Tell el-Amarna. We identify points in common between the solar
cult and others religious practices of the Ancient Egypt. We seek to evidence
that the changes imposed by the pharaoh Akhenaton due to his political and
religious reform were based in fact , on elements that were already used in the
worship of old gods. These, especially relating to funeral aspects, maintaining
features associated with ancient funerary cults.
Key-words: Egyptology, religion, art, tomb, Akhenaten, Amarna.
Rio de Janeiro
2009
vi
Agradecimentos
Agradecimentos são sempre complicados. Sempre acaba faltando alguém a quem ficamos devendo um imenso favor prestado. Mas não fazer agradecimentos é pior ainda. Quem não precisou de ajuda, companhia e compreensão em determinados momentos relacionados a um Mestrado?
Primeiramente gostaria de agradecer à minha família. Foi preciso muita
compreensão por parte de meu marido e dos meus filhos.
Ao meu orientador, Prof. Antonio Brancaglion Junior, por ter aceitado
minha proposta de estudo e pela ajuda. À Prof.ª Tania Andrade Lima, pela amizade (de longa data). Ao colega Adler Homero Fonseca de Castro, pela importante ajuda no tratamento das imagens. À Marl y, pela cópia dos textos. Às colegas do Mestrado, pela convivência. À secretária do Mestrado, Claudine Borges, sempre preocupada com prazos e horários.
vii
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: O NOVO IMPÉRIO E A XVIIIª DINASTIA...................... 21
2.1 A XVIIIª Dinastia.............................................................................................................. 22
2.2 Além das fronteiras egípcias............................................................................................ 24
2.3 Sequência de reis da XVIIIª Dinastia................................................................................. 28
2.4 Linha do tempo do reinado de Akhenaton ........................................................................ 35
3. O CULTO SOLAR................................................................................................................ 38
3.1 Antecedentes históricos................................................................................................... 38
3.2 Os principais centros de culto........................................................................................... 42
3.3 O deus Re...................................................................................................................... 43
3.4 O deus Amon .................................................................................................................. 44
3.5 O culto solar no Novo Império .......................................................................................... 45
3.5.1 O deus Amon-Re ..................................................................................................... 45
3.5.2 O deus Aton ............................................................................................................ 46
3.6 O culto solar amarniano................................................................................................... 48
3.7 As titulações de Aton....................................................................................................... 53
3.8 Os locais de culto............................................................................................................ 54
3.9 As oferendas................................................................................................................... 58
3.10 A força do costume........................................................................................................ 59
3.11 O faraó e o culto a Aton ................................................................................................. 62
3.12 O monoteísmo atoniano................................................................................................. 62
4. A NOVA CIDADE: AMARNA, O HORIZONTE DE ATON ....................................................... 65
4.1 Akhenaton em Tebas: o período Pré-Amarniano ............................................................... 65
4.2 A cidade de Akhetaton – O Horizonte de Aton................................................................... 66
4.3 Período pós amarniano – de volta à Tebas....................................................................... 77
5. A TUMBA REAL DE AMARNA............................................................................................. 81
5.1 Descrição da Tumba Real ........................................................................................... 83
5.2 Principais objetos encontrados na tumba...................................................................... 91
5.3 O sarcófago de Akhenaton.......................................................................................... 92
6. ANÁLISE DA CENA DE ADORAÇÃO E OFERENDA DO PAINEL DA SALA ALFA ............... 96
7.CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 107
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................ 115
Dissertações....................................................................................................................... 120
Sites acessados por consulta na Internet.............................................................................. 121
FIGURAS .............................................................................................................................. 122
CRONOLOGIA ...................................................................................................................... 132
viii
Lista de Ilustrações
Figura
Figura
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1 - O Egito e o Oriente Próximo à época da XVIIIª Dinastia......................................... 23
2 - Localização das estelas demarcatórias da cidade de Akhetaton............................. 68
3 - A cidade de Akhetaton ou Amarna. ...................................................................... 69
4 - A tumba real de Amarna...................................................................................... 84
5 - Identificação das paredes da sala Alfa e das oposições das cenas......................... 90
6 - Croqui da restauração do sarcófago de Akhenaton ............................................... 93
7 - Imagem do sarcófago de Akhenaton após sua restauração ................................... 93
8 - Detalhe da família real na cena da sala Alfa, parede A .........................................101
9 - Re Harakty ........................................................................................................122
10 - Kheper, deus escaravelho, personificação do sol ..............................................122
11 - Deus Atum, personificação do sol poente...........................................................122
12 - O deus Re .......................................................................................................123
13 - Templo solar do faraó Nyuserre em Abu Gurab (Antigo Império/V Dinastia).........123
14 - Iconografia de Aton ..........................................................................................123
15 - Planta com a localização dos remanescentes do Templo de Aton em Karnak......124
16 - Grande Templo de Aton em Amarna..................................................................125
17 - Detalhe da anterior, mostrando o Gem Aton no Grande Templo a Aton ...............125
18 - Vista aérea de Amarna .....................................................................................126
19 - Painel da pareda A, Sala Alfa............................................................................127
20 - Cena de oferenda da sala Alfa ..........................................................................128
21 - Câmara funerária da Tumba Real de Amarna - local do sarcófago ......................128
22 - Caixão atribuído a Akhenaton e a reconstituição do rosto do faraó ......................129
23 - Tijolo mágico da parede sul da parede da sala Alfa ............................................129
24 - Shabit de Akhenaton ........................................................................................130
25 - Imagem do deus Bes, encontrada na tumba real em Amarna..............................130
26 – Detalhe da cena da parade A, sala Alfa.............................................................131
9
1. Introdução
A presente dissertação tem como tema de estudo o culto ao deus
Aton em seu contexto religioso-funerário do final da XVIIIª Dinastia, no Novo Império egípcio. Tem como enfoque especial a análise do registro iconográfico presente na parede da sala Alfa da tumba real, esta localizada na
necrópole da antiga cidade de Akhetaton, atual Tell el Amarna1.
Buscamos identificar possíveis pontos em comum entre esse culto
solar e os anteriores, numa tentativa de comprovar que as mudanças impostas pelo faraó Akhenaton em razão da sua reforma2 político-religiosa,
na realidade, tinham por base elementos já adotados nos cultos dos antigos deuses, especialmente no que se refere ao aspecto funerário, mantendo-se assim aspectos ou elementos dos antigos cultos funerários egípcios.
Nesse sentido, as imagens e os textos existentes na tumba real amarniana
nos ofereceram a possibilidade de estudar uma possível permanência de
traços associados aos antigos cultos funerários egípcios.
O faraó Akhenaton tem despertado diferentes interesses e controvérsias, seja por parte do meio acadêmico, seja por parte do público não
especializado. Até a psicanálise se debruçou sobre esse assunto, destacando-se os estudos de Freud3 desse personagem.
Apesar de existirem inúmeros estudos e publicações em língua portuguesa que têm por tema o Antigo Egito, a abordagem exclusiva do episódio amarniano e mais especificamente do culto ao deus Aton, tem sido
1
Nome da atual v ila existente no local, que também deu origem ao nome do período cronológico
a marniano. A partir desse momento, por ser o nome mais conhecido, f aremos ref erência a essa cidade
somente pelo seu nome Amarna.
2
Adotamos o termo “ref orma” em preferência ao “revolução”, por entendê-lo mais adequado às
transf ormações ocorridas durante o reinado de Akhenaton. Revolução, no nosso entendimento,
subentende uma transformação, por v ia de regra, eivada de atos de violência, o que não nos parece ser o
caso em questão. Recentes estudos apontam, inclusiv e, para o entendimento de que tais modif icações
f oram efetivadas somente nas esf eras mais altas da sociedade, não chegando a afetar a população como
um todo.
3
Vide FREUD, S., Moisés e o Monoteísmo. 1977, RJ, Imago; ROITH, E. O Enigma de Freud. 1989, RJ,
Imago, e BERSTEIN, R.J., Freud e o legado de Moisés. Imago, RJ, 2000.
10
pouco explorado pelo meio acadêmico. Ao lado dos livros e das publicações em revistas especializadas estrangeiros, são inúmeros os romances
que têm esse faraó e sua família como protagonistas. No cenário nacional,
as publicações de cunhos aventureiro e religioso superam, em muito, aquelas de cunho acadêmico.
Para o desenvolvimento de nossos estudos pesquisamos, principalmente, as imagens, os textos, e os objetos referentes ao universo funerário
da tumba real, principalmente aqueles em suportes de pedra e de cerâmica, decorrentes das pesquisas arqueológicas realizadas. Como forma
complementar á essas fontes materiais, temos as literaturas especializadas
estrangeiras, compostas pela bibliografia, artigos em revistas e textos tornados públicos através da mídia eletrônica (Internet).
A informação mais antiga que temos do olhar de um estudioso sobre
Amarna data de 1714, e diz respeito ao trabalho de cópia de uma das estelas demarcatórias desta cidade, feita pelo jesuíta Claude Sicard. Entretanto
é somente no século XIX que se iniciam os estudos referentes ao período
amarniano. Em 1824, J. Gardner Wilkinson descobriu as tumbas dos oficiais de Akhenaton, fazendo cópias dos painéis existentes, cujos resultados
só vieram a ser publicados mais tarde.
O ano de 1842 foi o da expedição originária da Prússia, financiada
pelo rei Friedrich Wilhelm IV, sob a coordenação de Richard Lepsius, discípulo de Champollion. Nos anos de 1843 e 1845 foi realizado um extenso
levantamento da cidade de Amarna.
Nomes com os de Champollion, Robert Hay, Nestor L’Hôte, Karl Richard, Wilkinson, Flinders Petrie, Norman de Garis Davies, Ludwig Borchardt, Teodore Davis, Arthur Weigall, Sir Leonard Wooley, John Pendle-
11
bury, Joachim Spiegel, Breasted, Cyril Aldred, Donald Redford, Nicholas
Reeves, Erik Hornung, Barry Kemp, se destacam por seus estudos sobre
Akhenaton e tentativas de entendimento e reconstrução do período amarniano. Algumas publicações mais recentes (REEVES, 2001) buscam trazer
novas propostas de interpretação aos dados existentes, principalmente aqueles que dizem respeito a uma provável co-regência entre Akhenaton e
Nefertiti, e a coroação desta como faraó do Alto e do Baixo Egito.
Destaque deve ser dado ao trabalho de compilação em dois volumes
realizado por Geiffrey T. Martin, intitulado "The Royal Tomb at El-'Amarna The Rock Tombs of El-'Amarna - part. VII" datado de 1974, em que são
arrolados os objetos, textos e imagens da tumba real em Amarna, obra
fundamental para o nosso trabalho.
Com relação às pesquisas arqueológicas que estão atualmente sendo realizadas, destaca-se a coordenada por Barry Kemp4 em um cemitério
revelado por uma enchente ocorrida nos últimos anos, desvendando, em
um local até então ainda não pesquisado, grande quantidade de ossos humanos. Foram identificados cerca de sessenta e oito indivíduos, a maioria
de jovens trabalhadores que viveram na cidade, representando somente
uma amostra do total de sepultamentos. Os ossos recuperados nos revelam um lado mais sombrio do período amarniano, apresentando sinais de
problemas na coluna, de crescimento, desnutrição e doenças relacionadas
a uma vida de restrição e necessidades, fornecendo-nos uma imagem totalmente contrária àquela normalmente associada a esse período. Até o
momento não existem publicações em revistas especializadas sobre esse
assunto.
4
Prof essor do Departamento de Estudos Orientais da Univ ersidade de Cambridge e Diretor de Campo das
escav ações realizadas pela Egypt Exploration Society em Amarna.
12
Em As Religiões no Egito Antigo – deuses, mitos e rituais domésticos 5, principalmente no artigo O Divino e as Divindades no Antigo Egito,
David P. Silverman nos apresenta suas considerações sobre o faraó Akhenaton.
Quanto às produções acadêmicas nacionais, podemos observar que
os temas "Akhenaton" e "período amarniano" não têm sido contemplados
conforme a sua importância na história do Antigo Egito assim exige. Entretanto, algumas produções compõem o repertório acadêmico, dentro os
quais citamos:
Ciro Flamarion Cardoso, em O Egito e o antigo Oriente Próximo na
segunda metade do segundo milênio a.C., nos apresenta uma análise das
“cartas de Amarna”, documentos diplomáticos da XVIIIª dinastia egípcia;
em Considerações Funcionais Acerca das Cidades Egípcias do Reino Novo (XVIIIª - XXª Dinastias), são discutidos os aspectos urbanos e rurais de
três cidades egípcias do Reino Novo, dentre as quais Akhetaton, capital do
Egito fundada por Akhenaton; em As práticas religiosas individuais no Antigo Egito durante o 3º milênio a.C. e a 1ª metade do segundo: Um programa
de pesquisa, este autor analisa a participação dos diplomatas estrangeiros
nos cultos a Aton, realizados ao ar livre, sob o sol e considera a possibilidade de Akhenaton ter tido um comportamento fanático com relação ao
seu culto; e, em Deuses, Múmias e Ziggurats – Uma comparação das religiões antigas do Egito e da Mesopotâmia, Cardoso nos apresenta uma
comparação entre as religiões do Antigo Egito e a Mesopotâmia, expondo
seus princípios básicos, cosmologias e cosmogonias, as divindades, a vida
após a morte, a religião funerária, análise dos cultos e templos. Na página
5
Editora Nova Alexandria, 2002.
13
27, encontramos uma referência à reforma de Akhenaton, entendida como
a forma mais próxima do monoteísmo que o Antigo Egito chegou a conhecer. Destaca a ausência de mitos na religião atoniana; outro ponto por ele
colocado e que merece destaque, refere-se à sua opinião exposta em Antiguidade Oriental - Política e Religião, em que à página 11, observa que a
mudança de culto empreendida pelo faraó não teve por base um possível
aumento de riqueza por parte do clero de Amon, uma vez que, na realidade, "os templos eram parte integrante e inseparável do aparelho do estado.
Ao entregar terras, rebanhos, barcos, homens e outros elementos produtivos à gestão templos e suas burocracias, o rei tomava uma medida administrativa, (...)" de gestão de tais bens. Ele não abria mão de servir-se deles, quando julgasse conveniente; em De Amarna a Ramsés, Cardoso,
dentre outras colocações calcadas nos novos estudos sobre Akhenaton e
seu período, e alegando total ausência de provas, questiona a existência
de uma oposição feita à reforma atoniana por parte dos sacerdotes de Amon. Para esse autor, tal fato não passa de criação de romancistas e cineastas. Cardoso também publica, em 2004, texto tratando da troca de presentes entre os governantes do antigo oriente, tendo por base, no que diz
respeito ao Antigo Egito, as 350 cartas e inventários conhecidos como as
cartas amarnianas, já anteriormente referidas. Trata-se de O Egito e o Antigo Oriente Próximo na segunda metade do segundo milênio antes de
Cristo: um olhar sobre os dons e contadons entre os governantes no apogeu da Idade do Bronze. No momento em que redigimos este capítulo, encontra-se disponibilizado na internet o texto, O faraó Akhenaton e nossos
contemporâneos6. Originalmente apresentado em forma de palestra, analisa questões relacionadas à egiptomania, onde aponta as deformações pe6
http://www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/f arao.pdf.
14
las quais a egiptologia passa nessa abordagem de cunho mais popular,
envolvendo, inclusive a imagem de Akhenaton em questões raciais e sexuais.
Marcio Luiz Ramos D’Albuquerque em sua dissertação de mestrado intitulada O faraó Akhenaton e a heresia amarniana - uma leitura historiográfica de
Cyril Aldred questiona a aplicação do termo “heresia” ao processo de reforma
instaurado por Akhenaton. Publica na revista eletrônica do Instituto Uruguayo
de Egyptologia o trabalho Heresia no Reinado de Akhenaton – um conceito
revisitado, onde apresenta um resumo da sua dissertação de mestrado; mais
três dissertações somam-se a esse trabalho: a primeira, datada de 2007, de
Gisela Chapot, Rio de Janeiro, O Senhor da Ordenação: um estudo da relação
entre o faraó Akhenaton e as oferendas divinas e funerárias durante a reforma
de Amarna (1353-1335 a.C.), e a segunda, de Vanessa M. Lamb, apresentada
no ano de 2008 em Porto Alegre, cujo título, por si só já identifica o assunto Arqueologia Histórica Egípcia do Período de Amarna. Finalmente, na área de
História da Arte, a dissertação datada de 2006 de Tatiana Rita da Silva, São
Paulo, Do cânone à criação: A simb ologia usada na representação do faraó
Akhenaton, onde a autora analise a representação do faraó Akhenaton, apresentando uma comparação entre os cânones antigos e as inovações estilísticas
realizadas por esse faraó.
Com Margareth Marchiori Bakos, em A cidade está na moda, há
pouco tempo: reflexões gerais, a cidade de Akhetaton nos é apresentada
como sendo o primeiro exemplo de construção de uma capital enquanto
instrumento de reforma política-cultural; (1998:221-223)
Um outro título, porém fruto de estudos de caráter não acadêmico
também merece ser citado. Referimo-nos ao livro de Fernando Monteiro,
15
Akhenaton, Ascese e Revolução, em que o autor propõe um modelo de
biografia desse faraó, acompanhado de observações de cunho particular.
Júlio Gralha, em seu livro (elaborado a partir da sua dissertação de
mestrado) Deuses, Faraós e o Poder: Imagem e Legitimidade do Deus Dinástico e do Monarca no Antigo Egito – 1550 1070 a.C. apresenta um estudo onde podemos encontrar mais informações sobre Akhenaton e sobre
a XVIIIª dinastia, especialmente nos capítulos I e IV, (parte Akhenaton; o
Deus Vivo e a Dualidade da Teologia de Amarna), onde são considerados
aspectos importantes sobre o período em questão.
Tais trabalhos, em sua maioria, não têm como enfoque principal o
estudo específico do reinado de Akhenaton ou o episódio amarniano. Embora tratem eventualmente de pontos relacionados cronologicamente a esse período ou a ações diretas desse rei, seus focos de interesses encontram-se orientados para outros temas. As informações relacionadas ao
nosso período de estudo servem apenas de meios, de complementos, aos
seus objetivos teóricos, não se constituindo como tema principal dessas
pesquisas.
Existem outros títulos que tratam do assunto especificamente, mas
referem-se, porém, a reconstruções biográficas romanceadas, e que não
serão considerados em nossos estudos.
Três obras que, embora não estejam dentro do quadro das produções nacionais por serem traduzidas, merecem ser citadas como fontes de
pesquisa em língua portuguesa, uma vez permitirem o acesso às informações relacionadas a Akhenaton e ao período amarniano. São elas:
Akhenaton e Nefertiti - o casal solar, de Christian Jack (Ed. Hemus,
1978) que trata estritamente do tema relacionado a este projeto;
16
Nefertiti e Akhenaton - o casal solar, do mesmo autor, que, numa edição pela Bertrand Brasil no ano de 2002, apresenta uma nova obra, sem
nenhuma relação com a anteriormente citada;
Embora tenhamos adotado a visão pós-processualista como abordagem teórica deste trabalho, uma visão processualista do episódio amarniano não pode ser totalmente descartada. Nesse sentido, destacamos a
visão comportamental de Michael Schiffer, que dá atenção às alterações
ocorridas nos sítios e artefatos arqueológicos. Tal proposta pode ser considerada em nossos estudos em razão das alterações ocorridas na tumba,
após o sepultamento real, por conseqüência da ação humana levada por
sentimentos de vingança, no momento de restauração do culto do deus
Amon. Testemunhos da intenção de destruição da imagem do faraó (damnatio memoriae), o acompanhamento funerário real foi totalmente disperso
dentro e fora da tumba (C transforms). Paralelamente, o painel selecionado
para estudo vem sofrendo sérios danos na sua conservação, em razão de
alterações climáticas e químicas ocorridas na base rochosa das paredes da
tumba, com perda de partes, alteração nas cores originais, dentre outras (N
transforms).
Colin Renfrew converte-se à cognição, sem
aderir ao pós-
processualismo. Defende a ideia de que qualquer tentativa de se estudar a
arqueologia da mente deve passar pela religião - tema fundamental em
nosso trabalho - embora não tenha sido nossa intenção “entrar nas mentes”
dos agentes envolvidos, investigando as habilidades cognitivas e a capacidade de simbolizar do Egito amarniano. Entretanto, julgamos pertinente
destacar a opinião de alguns pesquisadores que defendem a ideia de ter
17
sido um dos objetivos de Akhenaton uma ”elevação” da capacidade de
simbolização e abstração da população egípcia de então.
Considerando assim o nosso estudo entendemos pertinente a aplicação da teoria congnitiva, mas não em seus aspectos voltados para as
habilidades do raciocínio, mas sim nos seus aspectos ligados ao estudo
dos rituais e da iconografia na arte. A iconografia é uma das melhores fontes de informações para o estudo das crenças religiosas. Interessa-nos,
desse modo, buscando uma melhor compreensão dos modos como os
símbolos foram utilizados na nova religião e suas funções nas práticas ritualísticas, a utilização dos indicadores propostos por Colin Renfrew para
serem adotados em um estudo de arqueologia da religião e de ritual7 (Renfrew, 1995).
Embora tenhamos eventualmente utilizado algumas ideias relacionadas ao processualismo, foi na corrente interpretativa ou escola pósprocessualista que embasamos teoricamente nossos estudos, por buscarmos respostas a questões mais próximas às ideias dessa última corrente
teórica.
Outro elemento levado em consideração quando da nossa opção
metodológica diz respeito ao destaque dado à ação de um único indivíduo,
o faraó Akhenaton. Buscamos destacar a experiência individual religiosa
presente no atonismo, contida nas relações existentes entre esse rei e o
mundo sobrenatural, seu papel mágico enquanto negociador - intermediário
7
Indicadores da arqueologia de ritual: - f oco de atenção coletiva; realização em um local especial, ou
construção especial; estrutura e equipamentos para chamar a atenção (ex. altar); área sagrada e rica em
símbolos repetitivos;
Indicadores da presença do tema religião: - zona de fronteira entre esse mundo e o outro; mistérios (ritual
público X exclusivo – zona limítrofe - conceitos de purif icação e de poluição; piscinas ou águas sagradas;
presença da (s) divindade(s), símbolos ritualísticos iconográf icos, f reqüentemente ligados com a div indade; símbolos presentes nos rituais f unerários e outros rituais; participação e of erenda; culto env olve preces e mov imentos especiais refletidos na arte e na iconografia; ritual induzido a experiência religiosa empregada p/ vários artifícios (ex: abertura da boca).
18
entre esse mundo e a instância superior - e as novas formas de representação dos corpos e dos espaços. Enfim, estudar as construções atonianas
passíveis de interpretações no painel selecionado. Talvez seja essa nossa
proposta que tenha nos orientado por uma opção pela escola pósprocessualista, fortemente criticada pelos processualistas por sua pretensão de tratar assuntos nos quais a arqueologia tem sua ação limitada. Assim, embora tenhamos utilizado algumas bases de análise processualistas,
é a abordagem pós-processualista que usamos como base teórica para o
desenvolvimento de nossos estudos.
Nossa proposta passa por essa visão, procurando, mais do que de
conhecer, entender os processos que envolveram tal episódio. Assim, encontramos nessa escola melhor receptividade para o tratamento dos assuntos acima mencionados. Corrente de pensamento que tem Ian Hodder como seu principal expoente, surge na década de 1980, tendo por pano de
fundo o clima do pós-moderno de valorização da ação dos indivíduos e dos
aspectos ideacionais e simbólicos da cultura. Para ele, a cultura material é
constituída de significados, resultados de ações deliberadas de indivíduos,
cujos pensamentos e ações não devem ser ignorados. Embora a ideia de
trabalhar com pensamentos de indivíduos pertencentes a um passado distante possa ser criticada e vista como limitada na arqueologia, não podemos deixar de reconhecer na corrente pós-processual um novo potencial
para estudo, presente na cultura material.
Orientando seu principal foco no indivíduo por trás das ações, o pósprocessualismo, também referido como arqueologia interpretativa, entende
que não há uma interpretação única e correta do passado, mas sim múltiplas, todas relacionadas aos contextos histórico e social ao qual o pesqui-
19
sador estará envolvido quando dos seus estudos. A cultura material, por
sua vez, passa a ter um papel ativo na realidade social, não sendo mais um
mero reflexo, mas constitutiva desta realidade. (Ian Hodder, 1982).
O pós-processualismo rompe com a visão positivista de reconstrução do passado, sinalizando a possibilidade de existirem várias visões sobre um mesmo fato. Traz à tona e focaliza as ações e pensamentos individuais pretéritos, entendendo serem possíveis várias leituras dos artefatos
arqueológicos. Os indivíduos operam escolhas ideologicamente determinadas, sendo negociadores ativos das regras sociais, criando e recriando a
ordenação social. O passado é então uma construção particular feita no
presente, atendendo a interesses atuais e às agendas políticas contemporâneas (relativismo).
Seguindo essa linha interpretativa, devemos destacar o fato de que
nosso entendimento de religião na atualidade, talvez nem passe perto do
entendimento egípcio amarniano. Quiçá nem existisse essa categoria isolada no Antigo Egito, uma vez que as decisões políticas se encontravam
estreitamente inter-relacionadas com os aspectos religiosos, sendo essa
última afirmativa premissa básica no presente estudo.
Nosso interesse se situa então na compreensão da experiência humana, vivida na adoção desse novo culto, nos significados sociais atribuídos, seus simbolismos, tornando-os coerentes à nossa atualidade.
No nosso entendimento, a base principal da reforma amarniana está
localizada na intenção e na ação de um personagem: o faraó Amenhotep
IV, posteriormente Akhenaton. A escola pós-processualista trabalha com
essa intencionalidade, ou seja, com a concepção de agência, vista como a
ação individual do comportamento humano, suas livres escolhas, como ca-
20
pacidade de agir dos atores sociais (social e historicamente constituídos).
Dessas escolhas, destaca-se também a capacidade de resistência, geradora de tensão e conflito.
Não há como se desconsiderar o fato de que o painel analisado reflete ações decorrentes da agência, centrada em um único individuo, detentor de poder decisório, que levou a mudanças político-religiosas significativas na sociedade egípcia do século XIV a.C., e que, consequentemente,
geraram reações de resistência por parte da população, refletido na cultura
material recolhida nas escavações arqueológicas realizada nos remanescentes da cidade, historicamente reconhecida como tendo sido construída
para o culto monoteísta atoniano. Assim, os contextos foram transformados
pelas ações dos indivíduos/agentes.
Tomando por base o pensamento pós-processual e aplicando-o à
imagem da sala Alfa da tumba real de Amarna, procuramos construir uma
nova interpretação do culto atoniano e das ações do faraó Akhenaton.
Não é tarefa fácil pretender estudar um momento da história da humanidade que, embora rico em experiências, conta, em nosso país, com
uma base limitada de fontes bibliográficas, estudos acadêmicos especializados, e principalmente de objetos materiais. Essa escassez levou a um
árduo processo de busca por informações atualizadas referentes aos últimos estudos arqueológicos sobre o período Amarniano. Nesse sentido, a
quase totalidade de fontes consultadas diz respeito ao repertório estrangeiro, uma vez serem praticamente inexistentes as de língua nacional.
Estamos conscientes de que somente uma parte do tema proposto
foi tratada aqui, restando ainda boa parcela a ser estudada, o que consideramos um incentivo para continuação dos nossos estudos.
21
2. Contextualização Histórica: O Novo Império e a XVIIIª
Dinastia
Abrangendo o período da história egípcia correspondente aos anos de
c.1550 a 1070 a.C. (DODSON, A e HILTON, D:2004 ), o Novo Império representa um marco na trajetória da civilização egípcia, seja no que diz respeito à
sua política, à economia, religião, arquitetura e artes, e à sua dimensão territorial.
Esse período tem sido reconhecido como o mais documentado de toda a
História do Egito Antigo, mas esse acúmulo de informações acaba levando a
uma situação difícil no momento da articulação dos dados examinados. Esse
painel formado pelos resultados dos estudos arqueológicos, mesmo dando-nos
uma base de informações regularmente segura, mantém-se ainda incompleto,
deixando vazios fundamentais para a compreensão dessa dinastia, que nos
apresenta um país forte, imperial, e cujas fronteiras se estendem para muito
além das até então existentes.
O Novo Império8 se inicia com a XVIIIª Dinastia, com a retomada do território egípcio então ocupado pelos hicsos9. Demonstrando uma grave falha no
sistema defensivo na região do Delta, foi permitido que pequenos grupos asiáticos, que gradualmente transpunham o vale do Nilo, ali se estabelecessem.
Quando já em número suficiente e possivelmente contando com a participação
de seus compatriotas instalados no Egito desde a XIIIª Dinastia10, ocuparam o
norte do país e impuseram a sua autoridade, fundando uma nova capital, Avaris. Entretanto, no transcorrer desse período de dominação estrangeira, a cida-
8
Cerca de 1550 a 1307 a.C., in DODSON, A e HILTON, D.:2004.
Hicso – palav ra oriunda da expressão egípcia heqa-khasewet ou hikau khausut, que signif ica chefe de
países estrangeiros. Designava as tribos semitas da Palestina e da Síria que dominaram o Egito, após
inf iltração que tev e início na XIIª Dinastia.
10
Datada de 1773 a c.1650 a.C. in DODSON, A e HILTON, D. 2004.
9
22
de de Tebas, localizada no Médio Egito, manteve-se autônoma sob a administração de uma família local. Tinha, porém, a obrigação do pagamento de tributos aos hicsos, o que atestava a força da presença desses invasores por todo o
país.
A partir dos últimos reis da XVIIª Dinastia, percebe-se o início de um
movimento que levou à expulsão dos hicsos, fruto do fortalecimento dessa oposição tebana, que pode ter começado durante o reinado de Sekenenre-Ta-á
II. Seu filho Kamose sucedeu-lhe no trono, prosseguindo na luta contra os invasores. Desse modo, foram os descendentes de uma família tebana que fundaram a XVIIIª dinastia, organizando um exército que tomou a capital Avaris.
Após uma série de embates, e já sob o comando do então faraó Ahmose, os
invasores foram expulsos do país.
Podemos dizer que dessa experiência nasceu no povo egípcio um sentimento de identidade, com o florescimento de um espírito guerreiro nunca antes visto. Como consequência, o exército foi fortalecido e reconhecido como
algo necessário para a manutenção da autonomia do país.
2.1 A XVIIIª Dinastia
Tida como uma das mais importantes dinastias egípcias teve por capital
a cidade de Tebas, salvo durante os anos da reforma de Akhenaton, quando
então a capital foi transferida para Akhetaton, localizada na atual vila de Tel el
Amarna. Sob a regência de governantes conquistadores o país atinge o ponto
máximo como potência política, tornando-se um império por anexação dos países conquistados pelas campanhas militares e por acordos diplomáticos realizados por seus faraós. Chega aproximadamente até a quarta catarata do Nilo,
estendendo-se em direção à Ásia, incluindo a região o Eufrates.
23
Figura 1 - O Egito e o Oriente Próximo à época da XVIIIª Dinastia
Mapa adaptado de http://davidderrick.files.wordpress.com/2007/09/fertile-crescent.png, acesso em 03
de junho de 2009.
Durante o período por nós estudado o Egito ocupou-se especialmente
com o leste, atento à política geral do oriente, e, por mais necessárias que fossem as campanhas na Núbia, elas não constituíram sua principal preocupação.
São percebidas influências externas na civilização egípcia, sejam advin-
24
das dos invasores hicsos, sejam dos países submetidos à sua política expansionista. O país entra assim em um novo período de sua trajetória histórica, abrindo-se ao exterior, com a consequente incorporação das influências estrangeiras. Novos elementos culturais são então incorporados, repercutindo nas
artes, na arquitetura, na religião, na literatura e na linguagem, gerando consequentemente mudanças no comportamento de sua sociedade, frutos desse
processo “internacionalização”. Um novo cenário político-cultural se apresenta,
e a vida cotidiana apresenta novas configurações.
Além dos cativos de guerra, canaítas e sírios começaram a vir em bandos para o Egito. O comércio era o principal motivo. O dialeto semítico era ouvido nas ruas das maiores cidades do Delta, junto com palavras canaítas, especialmente termos técnicos começaram a circular no Egito. Asiáticos passaram a residir nas cidades egípcias (...) (REDFORD, 1987, p.28)
É nesse cenário que assume o trono o faraó Amenhotep IV, que em determinado momento de seu reinado adotou o nome de Akhenaton, instituindo a
reforma amarniana.
2.2 Além das fronteiras egípcias
O Egito desde muito cedo manteve contato com os países vizinhos, impulsionado tanto por questões defensivas (opondo-se às incursões dos núbios,
líbios e asiáticos, todos motivados pela fertilidade do vale do Nilo), quanto por
interesses comerciais, para obtenção, mediante trocas, de produtos que não
existiam no país, como madeiras, pedras semipreciosas, ervas aromáticas
(DRIOTON, E. e Jacques Vandier,1977:177). Entretanto, esse interesse na aquisição de produtos estrangeiros não era uma especificidade egípcia, mas sim
um procedimento comum nas relações entre países. Nessa linha de pensamento, REDFORD ilustra essa afirmativa com a seguinte opinião:
25
A abordagem do Antigo Egito para o que chamamos de “assuntos estrangeiros” não era diferente do que qualquer outra nação nos tempos antigos
ou modernos. Todas as nações almejam um ou mais dos seguintes itens dos
seus vizinhos: sua terra, por sua localização estratégica; sua matéria prima e
bens que pode produzir; bens que podem atrair o mercado; mão de obra que
pode prover (REDFORD, 1987:15).
Mas, a par desse interesse na troca de bens, somente com o Novo Império na XVIIIª Dinastia, os faraós implantaram a prática de uma política exterior embasada em conquistas militares de dominação, levando o Egito à construção de um império com a expansão de suas fronteiras e por anexação de
territórios.
Nessa época, as grandes potências do Oriente Médio mantinham contatos entre si. Assim, tomando por base Drioton e Vandier (1977:356/157/158),
por volta de 1380 a.C. - ou seja, durante o reinado de Amenhotep III, o quadro
situacional da Ásia estava constituído da seguinte forma:
•
a Grécia, por intermédio dos povos micênicos, começava a se es-
tabelecer no panorama mundial;
•
os mitanianos se assentavam na região da Alta Mesopotâmia e na
Síria, formando um conjunto de pequenos estados sem uma unidade política,
que aceitavam a proteção de Mitani, enquanto praticavam uma política exterior
independente. Mitani havia se formado à custa de Kheta11 e da Assíria. Havia
buscado apoio egípcio para não ver seu reino invadido pelos povos visinhos.
As relações entre os dois países eram cordiais, e o rei do Egito se considerava
seu protetor. Durante o período acima citado, Mitani acabava de sair de uma
crise interna com a morte de seu rei, e posteriormente de seu sucessor. Invadi11
Nome dado pelos egípcios às terras habitadas pelos hititas.
26
da pelo exército do hitita Suppiluluima, pede ajuda ao Egito;
•
a Assíria, submissa a Mitani e ameaçada pela Babilônia, ganha
sua independência. Ora se apoiava nos hititas, a quem se uniram para obter
sua independência, ora nos babilônios. Suas relações com o Egito se limitaram
a intercâmbio de presentes;
•
a Babilônia, por essa época, não desempenhava nenhum papel
importante. Seu interesse se situava na dominação da Assíria; se manteria fora
dos acontecimentos exteriores e durante o Novo Império não ocupou nenhum
lugar de primeira ordem; somente mais tarde se relacionaria com a história do
Egito.
•
as ilhas do mar Egeu se mantinham à margem da política, desen-
volvendo somente relações comerciais com o Egito;
•
os hititas, na Anatólia, sob o comando de Suppiluliuma, vai pouco
a pouco arruinando a influência egípcia na Síria. Pretendiam expulsar essa força da Ásia, para depois poder dominá-la. Procuraram aliados ambiciosos nas
províncias egípcias com o intuito de obter apoio num embate frente aos egípcios. A partir do ano de 1350, os hititas reinaram sobre toda a Ásia setentrional;
•
a Fenícia, se transforma em um importante ponto econômico e
cultural no mundo de então.
Na África, fica vam os reinos de Opone, na costa do Mar Vermelho, e
Kush, ao sul, no próprio vale do Nilo.
Com relação à política exterior egípcia, Núbia e Ásia ocidental apresentavam diferentes interesses para os egípcios. Núbia atraiu por seus produtos e fontes minerais (p.ex.ouro) e por sua mão de obra; já a Ásia ocidental, pelos bens que passavam pelas rotas comerciais e por sua localização
27
estratégica. O Egito nunca reduziu as regiões sob sua influência na Ásia ao
status de uma província, ou estabeleceu uma administração unificada, como
fez com a Núbia (1 STEIDORFF, George e Keith C. Scele,1957:103). As cartas diplomáticas encontradas na cidade de Amarna, que atestam a correspondência mantida com os reis egípcios pelos da Babilônia e da Assíria, eram escritas em uma linguagem muito mais firme e segura do que as escritas pela corte mitaniana, indicando que os príncipes pertenciam a um reino
forte e se consideravam iguais ao faraó. Nenhum regente mitaniano, por exemplo, se aventurou a pedir em casamento uma princesa real egípcia
(STEIDORFF, 1957:111).
Assim, o Egito desenvolveu diferentes maneiras de se relacionar para
cada uma dessas regiões. Na Núbia, foi imposta uma nova diferente, em razão
da sua base autóctone tribal; já a Ásia, se adequava melhor a uma estrutura
mais elaborada.
Como parte dessa política externa, levava para Tebas os filhos ou outros
membros das famílias reais asiáticas, que passavam então a receber uma educação egípcia, os adaptando ao modo de vida egípcio na capital imperial.
Quando o soberano asiático morria, o faraó designava esse filho egipcializado
como sucessor do seu pai. Assim foi construído um corpo de vassalos leais
(STEIDORFF, George e Keith C. Scele, 1957:107 e DRIOTON, E. e Jacques
Vandier, 1977:356).
Os egípcios tinham consciência do tipo de vida que levavam, estreitamente relacionado às condições ambientais fornecidas pelo rio Nilo, não seria
facilmente transferido para outros locais sob pena de sofrer sérias modificações. A solução então encontrada demonstrou ser perfeitamente acertada, e o
mundo teve pela primeira vez, por intermédio dessa política de imperialista e-
28
gípcia, um importante sistema de comércio internacional. Suas rotas ligavam o
Sudão com os rios Tigre e Eufrates, chegando à Ásia Menor, até as costas do
Retenu, ou seja, a Síria, ilhas do mar Egeu e parte da Grécia (STEIDORFF,
George e Keith C. Scele. (1957:111).
O Egito se constituía assim num cenário de mudanças e influências,
quando assume o trono o faraó Amenhotep IV, décimo faraó da XVIIª Dinastia,
que em determinado momento de seu reinado adotou o nome de Akhenaton.
2.3 Sequência de reis da XVIIIª Dinastia
AH MOSE foi o fundador dessa dinastia, tendo unificado e reconstruído o
país, juntando a coroa do Alto e do Baixo Egito. Veio de uma linhagem tebana
de reis; consolidou a luta contra os hicsos iniciada por seu pai Sekenenrá-Ta-á
II e prosseguida por seu irmão Kamose. Expulsou os invasores hicsos levandoos de volta para Avaris, e, a partir daí, para a Palestina Meridional, após um
assédio de três anos em Sharuhen. Depois, voltou ao Egito para reconquistar a
Núbia. Foi até a Fenícia, e por sua influência secular nessa região, podemos
supor que impuseram com facilidade seu protetorado nesses portos.
Permaneceu no poder por cerca de vinte e quatro anos, e, em razão da
sua origem, é no seu reinado que se inicia a ascensão do deus tebano Amon.
Ahmose morreu com aproximadamente trinta e cinco anos.
Foi seguido por seu filho, AMENHOTEP I que não era o herdeiro original
do trono egípcio, mas sim o terceiro filho do casal real. Responsável pela complementação do trabalho de reconstrução iniciado por Ahmose, reorganiza o
país internamente. Expandiu o controle egípcio até a segunda catarata (Núbia),
por intermédio de campanha militar para o Sul. Defendeu a região do Delta ocidental do ataque dos líbios, partindo em seguida em direção à Síria. Foi duran-
29
te o seu reinado que o Egito se estabeleceu como o país mais poderoso do
mundo de então, cuja autoridade concentra-se de novo unicamente nas mãos
do faraó. Aproveitando-se da situação pacífica existente nos territórios do sul,
dá início a uma política de conquistas asiáticas que seria continuada por seus
sucessores, chegando até o Eufrates. Amenhotep I reinou por cerca de vinte
anos, vindo a falecer por volta dos quarenta anos, sem ter deixado herdeiro
direto ao trono.
THUTMÉS I foi o sucessor. Comandante militar de origem nobre, mas
não tendo sangue real, ascendeu ao poder por intermédio do casamento com a
filha do faraó que o antecedeu. Reinou por cerca de dez a treze anos. Foi o
primeiro faraó a possuir seu túmulo no Vale dos Reis e ampliou o templo de
Amon em Karnak. Teve só uma filha, Hatshepsut.
Realizou campanha militar de incorporação da Núbia como província,
chegando até as terceira e quarta cataratas do Nilo, onde construiu uma fortificação. Chegou até o rio Eufrates e tendo em conta a Ásia. Essas campanhas
foram registradas numa inscrição gravada numa rocha perto da ilha de Tombos, acima da terceira catarata, e pela estela da vitória erigida perto de Carchemish. Morreu por volta dos cinqüenta anos.
Sabe-se relativamente pouco de THUTMÉS II, que ocupou o trono a partir da morte do antecessor, casando-se com a sua filha, Hatshepsut. Também
organizou expedições à Núbia e reprimiu os assaltos que eram comuns no deserto. Morreu cedo, depois de oito anos de reinado, deixando dois filhos: o futuro faraó Thutmés III (nascido não da rainha, mas de uma esposa do harém) e
Hatshepsut, filha de sua esposa do mesmo nome.
Realizou muitas obras no templo de Karnak, onde erigiu duas estátuas.
Também empreendeu uma expedição à Ásia, por conta de uma sublevação
30
que chegou até as fronteiras egípcias.
Tuthmés III reinou por cerca de vinte anos. Foi declarado herdeiro do
trono após a morte de Thutmés II, mas quem subiu ao trono foi HATSHEPSUT.
Esta, com a doença do faraó, assumiu a coroa, não permitindo que Thutmés III
ocupasse seu posto de herdeiro. Usou de vários artifícios para provar seu sangue real e seu direito ao trono. Figura polêmica, se autoproclamou Rei - Horus
Feminina, adotando todos os títulos e regalias de um faraó do sexo masculino
e atuando como "rei absoluto". Representava-se, com roupas masculinas e
barba falsa. Para reforçar ainda mais a sua posição política, afirma-se como
filha do próprio Amon. Construiu um templo em Deir-el -Bahari, obra prima da
arquitetura egípcia. No seu reinado abandona os empreendimentos de conquista fundamentais nos reinados anteriores, e incrementa as rotas de comércio
com o exterior, abandonadas após a expulsão dos hicsos.
Segundo Drioton e Vandier (1977:345), problemas dinásticos foram os
responsáveis pelo enfraquecimento do poder egípcio na Ásia, momento em
que os mitanianos se aproveitaram da situação e se uniram com outros povos
asiáticos. Hatshepsut organizou várias expedições ao Sinai para reativação das
minas lá existentes. Realizou uma expedição pacífica à região de Punt
12
de
onde trouxe mirra, incenso, marfim, ébano, animais exóticos, madeiras odoríferas, produtos dessa terra. Também recebeu uma grande quantidade de tributos
da Ásia, Núbia, e da Líbia. O sucesso dessa rainha deve-se a um grupo de
oficiais leais e influentes, que controlavam todos os principais postos do seu
governo. Por volta de 1482 a.C., a rainha desaparece dos registros históricos e
Thutmés III, mantido por longo tempo afastado do poder, assume o trono.
12
Região da Áf rica Oriental cuja localização não f oi, até o momento, identif icada. Hipóteses levam à
interpretação de esse local corresponder ao que hoje é a Somália, parte da Etiópia, ao sul da Núbia, ou
também Omã.
31
THUTMÉS III reinou por cerca de cinqüenta e três anos. Filho de Thutmes II e Isis (pertencente ao seu harém) foi declarado herdeiro do trono após a
morte de seu pai, sendo, entretanto, impedido de assumi-lo imediatamente por
Hatshepsut. Te ve que esperar por cerca de quinze anos para se tornar faraó.
Em represália, realizou uma campanha de banimento do nome de Hatshepsut,
apagando todas as referências a ela.
Sob o reinado desse faraó, o Egito entrou num novo período, abrindo
seus contatos com outros países. Completa o processo de internacionalização,
iniciando uma etapa considerada como a mais brilhante do Novo Império, com
o fortalecimento da política de expansão territorial inaugurada por Amenhotep I,
Thutmes I e II. A Núbia se encontrava totalmente subjugada, tornando possível
voltar a atenção para a Ásia. Foi uma época em que a influência egípcia se
irradiou de forma mais incisiva. Essa demonstração de poder do exército egípcio fez com que potências como a Assíria, a Babilônia e o Império Hitita viessem obter os favores do faraó pela troca de tributos. As ilhas do mar Egeu e
Creta buscavam boas relações com o Egito. No sul, a dominação se estendia
além da quarta catarata. A sua hegemonia exercia-se além das áreas já sob a
influência egípcia, organizando as bases marítimas na costa fenícia.
Foi também responsável por reformas visando a modernização da armada e na arte bélica egípcias. A principal atividade militar passa-se na Ásia,
onde tiveram lugar dezessete campanhas sucessivas, empreendendo também
uma expedição na Núbia.
Segue-se AMENHOTEP II, bastante conhecido por suas habilidades atléticas, amante dos esportes, de caçadas e de cavalos, inclusive sendo várias
ve zes representado participando de atividades esportivas. Herdou um vasto
império, tendo seu reinado durado entre 27 e 34 anos.
32
Por sua fama de cruel, nenhum dos povos submetidos ousou qualquer
atitude contrária ao império egípcio durante seu reinado. Inicialmente, os príncipes asiáticos chegaram a organizar uma revolta, mas esta foi prontamente
sufocada. Teve também que enfrentar uma rebelião na região da Síria, obtendo
sucesso em todos os empreendimentos militares. Deu prosseguimento às obras em Karnak e conduziu campanhas militares no Sudão e na Ásia. É durante o seu reinado que a paz com Mitani13 foi instituída, com a chegada de chefes
levando tributos ao faraó. Assírios, babilônios e hititas também mantêm bom
relacionamento diplomático, por meio de trocas de presentes. Amenhotep II
não teve uma "Grande Esposa Real" e a personagem feminina mais importante
de seu reinado foi sua mãe Merytra. Te ve muitos filhos com esposas secundárias, sendo que nenhuma delas foi reconhecida como principal. Morre com idade entre 40 e 50 anos.
Seu sucessor foi THUTMÉS IV, que reinou por cerca de oito anos. É a
partir dele que a atenção do rei passou a se voltar para o fato de que os sacerdotes de Amon exerciam forte influência no governo. Casou-se com uma filha
do rei de Mitani, de nome Mutemuya, fato que pode ser associado a uma política diplomática14 . A correspondência trocada entre Thutmés IV e o rei mitaniano Artatama, comprova que, nessa época, os dois soberanos tinham o desejo
de selar uma aliança defensiva contra o crescente poder dos hititas (Drioton e
Vandier, 1977:355). Teve um reinado praticamente pacífico, apenas marcado
por curtas campanhas na Ásia e na Núbia. No que diz respeito ao aspecto religioso, valorizou significativamente o culto ao disco solar do deus Aton.
Com seu falecimento, assume AMENHOTEP III, que reinou por aproxi13
O adv ersário mais ativo do Egito na Ásia naquele momento.
Essa atitude do f araó pode ser interpretada como uma política externa de consolidação do
relacionamento diplomático com o estrangeiro não mais por intermédio de incursões militares, mas sim
por casamentos entre o rei e princesas de outros países.
14
33
madamente 38 anos. O reinado desse faraó se distinguiu pelas obras públicas
caracterizadas pela grandiosidade, contando com as riquezas decorrentes tanto dos tributos e das taxas recebidas dos países subjugados, quanto por empreendimento de trocas comerciais. Tinha o gosto pela caça, que era o seu
esporte favorito. Foi um grande incentivador das artes, sendo que no seu reinado estas atingiram um alto grau de aprimoramento e de elegância. No que
diz respeito à religião, Amenhotep III, deu bastante destaque ao deus Aton.
Perto do quarto ano de seu reinado aconteceu um problema na Núbia,
para onde teve que se deslocar, bastando para mostrar seu poderio durante o
resto do seu reinado. Desfrutou na Ásia de uma supremacia incontestada
(BREASTED,1956:332), tirando partido das ações militares dos dois faraós que
o antecederam.
Sua esposa de nome Tiye15 foi o braço principal do governo na velhice
do faraó, orientando as ações políticas internas e externas. Durante o seu reinado os hititas, sob o comando de Suppiluluima, invadiram o reino de Mitani,
pertencente ao império egípcio, fato que pode ser interpretado como um descuido com relação à política externa egípcia. Para sanar o problema, um general se deslocou para lá, encarregado de dar solução à questão. Amenhotep III
parece ter preferido a diplomacia à força, compondo alianças com as famílias
reinantes dos grandes estados vizinhos, substituindo assim as possíveis expedições militares. Seguindo essa linha diplomática, casou com filhas de reis estrangeiros (Babilônia e Mitani). Cumpre-nos destacar, entretanto, que, em contrapartida, nunca uma filha do casal real egípcio foi concedida em casamento a
um rei estrangeiro. Reinou por 38 anos e período que marcou o apogeu da civilização egípcia durante o Novo Império.
15
Segundo os egiptólogos ela não possuía sangue real.
34
Quando Amenhotep III morre havia a previsão de que um filho mais velho, de nome Thuthmés, assumisse o poder. Foi com a morte prematura desse
príncipe que surgiu a oportunidade para que AMENHOTEP IV, posteriormente
Akhenaton, se tornasse faraó, sucedendo ao seu pai sem dificuldades. Figura
controvertida foi responsável pela reforma político-religiosa mais importante
ocorrida no Antigo Egito, tema abordado na presente dissertação. Reinou por
cerca de dezessete anos, fazendo forte oposição ao clero do deus Amon da
cidade-capital Tebas, que vinha cada vez mais adquirindo poder frente ao governo. Fez com que o deus oficial do país passasse a ser Aton, antigo deus
representado pelo disco solar. Como parte dessa reforma, muda seu nome para Akhenaton, retirando a referência ao deus Amon existente em seu antigo
nome e a designação que o ligava diretamente ao seu pai. Constrói uma nova
capital para o Egito, chamada de Akhetaton (Horizonte de Aton), parte de seu
plano de enfraquecimento do poder do sacerdócio de Tebas, que, conforme já
mencionado, era a capital do deus Amon.
No que diz respeito às artes, uma onda de naturalismo invade o cenário
egípcio, com reprodução de cenas domésticas e um novo estilo de representação forma humana. Casado com Nefertiti, teve seis filhas, mas existiu uma segunda esposa de nome Kiya.
Foi no seu governo que as relações diplomáticas externas apresentaram
sua principal crise, vindo o império asiático a desmoronar. Faleceu por volta do
17° ano de seu reinado, sendo que, após sua morte, a sede do governo egípcio
retorna à situação anterior em Tebas, com o abandono da cidade de Akhetaton
e o consequente retorno ao tradicional culto amoniano.
35
2.4 Linha do tempo do reinado de Akhenaton 16
Ano
A.C.
1350
Data do
Reinado
0
1349
1
1348
2
1347
3
1346
4
1345
5
1344
6
1342
8
1341
9
1339
10
1338
11
1337
12
1336
13
1335
14
1334
15
1332
17
Eventos datados
Amenhotep IV dá continuidade aos trabalhos nos pilonos, iniciados por seu pai em Karnak, concluindo sua decoração, com Aton sob representação caracterizada em corpo humano com a
cabeça de Re-Harakhty, forma posteriormente abandonada em
favor do disco solar Aton; nascimento de Meritaton
Início dos trabalhos nos quatro templos para Aton em Tebas.
Celebração do primeiro Jubileu, comemorado nos relevos no
templo novo-construído de Gempaaton (Gm- (t) - p3-itn)
Nascimento de Meketaton
Início dos trabalhos na nova cidade de Akhetaton; data da estela
do templo de Hwt-bnbn (hut benben) com a caracterização de
Nefertiti golpeando os inimigos; nascimento de Ankhesenpaaton;
proibição do culto a Amom, que tem seu nome apagado em toda
parte (também Mut, Osiris, etc.)
Término dos trabalhos em Karnak;Amenhotep IV incorpora o
epíteto Que vive em Maat.
Parte central da cidade de Akhetaton se encontra completa e a
família toma posse da cidade; Amenhotep IV muda seu nome
para Akhenaton; início dos trabalhos na tumba real em Akhetaton; última referência a Kiya como 'a favorita'
Transferência da capital para Akhetaton
Modificação dos nomes de Aton, removendo as referências a
outros deuses, exceto Re; confecção do sarcófago de Akhenaton
Nascimento de Neferneferuaton
Nascimentos de Neferneferure e Setepenre; ocorrência de uma
praga no Oriente Médio
Última vez que a família real, com todas as seis filhas de Nefertiti é mostrada; a rainha Tiye, mãe de Akhenaton visita a cidade
de Akhetaton; realização do seu jubileu17, com a presença de
dignitários da Nubia, Libia, Síria e dos hittitas
Não existem mais referências à Meketaton
Morte de Nefertiti; Meritaton se torna rainha; última representação de sua mãe Tiye
Meritaton casa-se com Smenkhkare; possível corregência entre
Akhenaton e Smenkhkare; Supiluliuma ataca a fronteira norte do
Egito
Morte de Akhenaton
Os últimos dois anos de seu reino não foram promissores, com as possíveis as mortes de Tiye, Meketaton, Nefertiti, Kiya. As notícias do exterior e-
16
Adaptado de http://www.v irtual-egypt.com/newhtml/special/amarna/akhtable.htm em 25 de setembro de
2008.
17
Essa era uma ocasião para o recolhimento de presentes das nações estrangeiras v assalas, que
prestav am homenagem ao rei egípcio.
36
ram desesperadoras. A influência egípcia em Síria estava extremamente enfraquecida e sua posição em Palestina central igualmente em perigo. As fronteiras
do norte do país se encontravam ameaçadas.
Em algum momento em torno do ano 17 de seu reinado, e com cerca de
30 anos Akhenaton morreu, em circunstâncias desconhecidas. Os indícios arqueológicos nos levam a concluir que foi enterrado em seu túmulo real em Amarna. Após sua morte o período de turbulências se agrava, sendo pouco entendido pelos pesquisadores.
Sua sucessão é confusa, mas o nome mais aceito como seu sucessor é
o de SMENKHAKARE, que reinou por cerca de um ano. Usou o mesmo nome
de Nefertiti (Neferneferuaton), e sua identidade é confusa, associada por alguns pesquisadores à própria figura de Nefertiti, que após a morte de Akhenaton, pode ter assumido uma identidade masculina (tal qual Hatshepsut) e reinado sozinha, por um curto período de tempo. Na verdade, existem poucas
informações sobre esse faraó. Outros estudiosos preferem a hipótese de ele ter
sido um rei masculino que sucedeu Akhenaton ou mesmo Nefertiti no trono, e
casado com a filha do casal real Meritaton.
Segue-se TUTANKHAMON, que reinou por cerca de oito anos e foi casado com uma das filhas de Akhenaton e Nefertiti, Ankhesenpaaton. Embora
tenha iniciado seu reinado dentro da estrutura da reforma amarniana, é sob seu
reinado que o Egito inicia o processo restauração político-religiosa, com o retorno do Estado aos moldes dos governos anteriores à reforma amarniana. Até
o quarto ano do seu reinado a restauração dos cultos antigos já estava totalmente consumada. Reinou por muito pouco tempo e não se tem conhecimento
da causa da sua morte, ocorrida por volta dos dezessete anos. Sem descendência direta, termina com ele a linhagem sanguínea da família de Tuthmés,
37
deixando viúva Ankhesenpaaton, já Ankhesenamon.
Com a morte prematura de Tutankhamon, segue-se AY, personagem
bastante atuante no cenário político - religioso da XVIIIª Dinastia. Casa-se com
a viúva de seu antecessor, talvez numa tentativa de manter o prolongamento
da linhagem dos tuthméssidas, caso viessem a ter filhos. Reinou por cerca de
quatro anos e nenhum ato de seu governo digno de destaque foi registrado.
Não deixou herdeiros para o trono.
HOREMHEB vem a ser o último faraó dessa dinastia. Teve sua vida
marcada por atividades públicas que remetem aos reinados anteriores, quando,
desde a época de Akhenaton, exerceu o cargo de general do exército egípcio.
Assume o governo com energia, tomando as rédeas do governo, que enveredava para a anarquia. Puniu atos ilegais com severas penas, adotando medidas que consolidavam o retorno do poder político de Tebas e, consequentemente, do deus Amon. Reinstituiu a ordem interna, e, por meio de campanhas
militares, a ordem externa, retornando a influência egípcia na Ásia. Venceu duas insurreições na Núbia. Alguns historiadores o situam na XIXª Dinastia. Reinou cerca de 27 anos, e com a sua morte, encerra-se a XVIIIª Dinastia.
38
3. O Culto Solar
3.1 Antecedentes históricos
A sociedade no Antigo Egito se caracterizava por sua extrema religiosidade. Tida pelos pesquisadores como de base politeísta, essa religião18
resultou da superposição e organização das divindades dos vários nomos 19
que compunham o país, quando então cada deus local era tido como uma
divindade suprema e criadora, reverenciado em templos de culto local.
Quando as comunidades se uniram sob o governo de um único faraó, não
abandonaram os seus deuses particulares, sendo que os deuses de localidades que cresciam de importância ligaram-se às divindades de prestígio já
firmado.
À medida que se foi concluindo a unificação do país, tornou-se necessária uma organização desses vários deuses, fazendo com que aparecessem as diversas tríades de pai, mãe e filho20 e as sínteses teológicas que
explicavam a origem do mundo e das divindades. Alguns deuses locais permaneceram puramente regionais, enquanto outros se impuseram a todo o
país: Ra de Iunu ou Heliópolis21, Djehuti de Hermópolis, Ptah de Mênfis, e
posteriormente Amon de Tebas. Desse processo resultou a criação do extenso panteão egípcio, existindo quase que um deus para cada uma característica da vida cotidiana. Nesse cenário, o culto às várias divindades se torna
elemento de capital importância no desenvolvimento da religião, sendo que
essa heterogeneidade passou a se constituir em um ponto de união do país.
18
A religião egípcia consistia em uma vasta gama de crenças e práticas, o que torna difícil de ser
compreendida como um todo.
19
Nomos: Divisões administrativas do Antigo Egito. Ao todo eram quarenta e dois. Vinte e dois no Alto
Egito e vinte no Baixo.
20
Ptah,Sekhmet e Nefertum; Osíris, Ísis e Hórus; Amon, Mut e Khonsu; etc.
21
A partir de agora usaremos o nome Heliópolis.
39
Os egípcios desenvolveram uma crença numa vida após a morte em
que propagavam que esta seria muito semelhante àquela que teriam vivido
na terra. Para tal, seria necessário o cumprimento de certos rituais acompanhados de oferendas. A participação do deus sol (Re) estava presente no
culto funerário por intermédio da sua jornada noturna em uma barca, passando pelo mundo subterrâneo dos mortos, verdadeiro reino de Osíris (Amduat), renascendo diariamente com o nascer do sol.
Mas, em determinado momento da história, esse quadro se modificou.
Akhenaton, usando de suas prerrogativas reais, implanta oficialmente uma
nova religião, abolindo - pelo menos na esfera governamental - as tradicionais cosmogonias e crenças, dotando Aton, uma antiga divindade solar, de
status real, reconhecendo-o como deus oficial do Egito.
O Aton ou disco solar assume com o objetivo de mudar radicalmente
conceitos antropomórficos e zoomórficos das deidades tradicionais. Seus
raios atuam sobre a humanidade e são portadores de vida, tema fundamental da representação.
Posta sob confronto com as teologias anteriores, a atoniana chama a
atenção pela sua forma simples e objetividade. Aton nunca é representado
como um homem, um animal ou um híbrido, mas como o sol, de forte presença no Egito Antigo. Trouxe em seu cerne uma relação com a teologia de
Heliópolis, com a diferença que, nesse novo culto, o deus age sem a intervenção de outras divindades. Se Amon era o deus Oculto, Aton era o deus
manifestado, revelado.
Alguma bibliografia já foi escrita no exterior sobre o atonismo, destacando inclusive, as modificações introduzidas na iconografia e nos textos da
T.A. n° 26. Entretanto, alguns estudos nos apontam para uma possível ma-
40
nutenção de padrões antigos da religião egípcia durante o período amarniano.
Para DRIOTON e VANDIER (1952:68:71), a religião egípcia era marcada por dois traços principais:
•
forte associação às circunstâncias políticas, a ponto de ser difí-
cil de se relacionar determinados fatos à esfera da religiosidade ou à da política. A concepção de monarquia faraônica não se separava da religião;
•
a preservação das crenças antigas com a assimilação do novo.
Assim, as inovações se apresentavam sob a forma de sincretismo.
Na mitologia egípcia, o culto ao sol destaca-se em relação aos demais
deuses. Seu simbolismo se relaciona ao movimento cíclico de nascer e se
pôr, presente em seu ritmo sazonal. Existem evidências arqueológicas do
período Pré-dinástico que, embora possam vir a ser contestadas, levam a
uma associação com algum tipo do culto solar, como a existência de assentamentos cujos mortos foram encontrados com os rostos voltados para o sol
( David, 1998:25).
O culto solar, enquanto adoração ao astro material que dava vida ao
país, sempre dominou as crenças egípcias, porém sem exclusividade de
culto. Seu principal centro de devoção era a cidade de Iunu, ou Heliópolis,
como é mais conhecida, que atribuía ao deus Sol Re o papel de divindade
suprema e criadora do Universo. Ali existia, a céu aberto, uma pedra sagrada em forma de pirâmide, chamada Benben, que significava o monte primordial (em egípcio Tatunen), cuja tradição dizia que o sol se elevou pela primeira vez sobre ela (Ermann, 1952:46).
Quanto às formas em que o deus Sol era representado, este se fazia
41
presente sob as seguintes formas:
como Re (Figura 10), era figurado pelo hieróglifo formado por um círculo com um
ponto no meio
,que também correspondia à palavra egípcia para sol ( Wilkinson,
2003:206).
Durante a sua jornada diária pelo céu viajava na sua barca nomeada
Maandjet; ao anoitecer, Re entra no submundo usando a sua barca noturna,
Masaktet (Drioton e Vandier,1977:58). Renasce com o amanhecer, cumprindo
essa jornada diariamente;
•
sob a forma de Khépri, o escaravelho (
), que se refere ao
sol da manhã, ou seja, Re enquanto jovem. Os egípcios observaram que o
escaravelho coloca seus ovos nos corpos de vários animais mortos e no estrume, de onde nascem. Assim, também o associaram com o renascimento,
a renovação, e a ressurreição. (Figura 10);
•
apresenta-se também como Atum ou Itemu, o sol do entarde-
cer, o sol poente que renascerá como Khépri no dia seguinte, dando prosseguimento à sua jornada cíclica. Pertencia a um grupo de deidades que hoje
classificamos como cósmicas22 que assumem características humanas. Era
cultuado em Heliópolis e representava o momento em que o mundo acaba,
retornando ao caos, no término do ciclo criativo. (figura 11).
•
posteriormente, essas concepções até aqui apresentadas se
fundiram na imagem do disco alado do sol, tendo à frente o uraeus23 (figura
12) ;
22
Grandes deidades do univ erso - o sol, o céu, a terra etc.
Protetora do faraó, deusa-cobra que preservav a a autoridade real; era do Baixo Egito. Presente na
coroa ou no toucado real. Estava tão identif icada com a realeza, que quando Akhenaton resolv eu reduzir
a iconograf ia do deus sol para elementos abstratos essenciais, a mantev e no Disco Solar, enfatizando o
deus Aton como reinando sobre todos os outros. (HART,1998:37, 220,221).
23
42
Considerando a associação entre o deus e o rei no Egito Antigo, vemos
que a primeira deidade protetora do rei foi um deus falcão identificado com Hórus. Por volta da segunda dinastia ela se fundiu com Re, talvez em decorrência
de uma aliança havida entre os seguidores desses dois deuses, gerando ReHarakhti (David,1998:34), o falcão sol coroado, corpo de homem e cabeça de
falcão (figura 9). A partir desse momento, podemos perceber um aumento na
importância do culto a Re, que se manterá para o futuro, sendo atestado por
sua ligação aos nomes reais. Assim, durante o Antigo Império, os reis se autointitulavam O Grande Deus. Mais tarde, no Médio Império, utilizavam o título de
O Deus Junior. Chegando o Novo Império, destaca-se algum tipo de sujeição
frente a Amon, como uma filiação a esse deus, sua sujeição ou humildade frente a ele. Tal fato pode ser atestado no título aquele que ele elegeu entre a multiplicidade ( Drioton e Vandier, 1952:72). Também data do Antigo Império a adoção na titulatura real do epíteto Filho de Re (David, 1998:34)24.
Essa relação da realeza com o aspecto solar era um elemento fundamental de legitimidade, sendo o nascimento de sangue divino de fundamental importância. Somado ao direito de primogenitura, garantia ao pretendente o acesso
ao trono, mas também era fundamental o reconhecimento do deus para que a
sucessão se efetivasse ( Drioton e Vandier, 1952:73).
3.2 Os principais centros de culto
Os sacerdotes dos colégios sagrados dos principais centros de culto
do Antigo Egito25 formaram grupos de deuses, onde o tema central dos mitos era a criação do universo, cada qual com uma cosmogonia que tentava
manter a supremacia do seu culto. O deus principal de cada um era reco24
Stephen Quirke situa em cerca do ano 2.600 a.C. a adoção desse epíteto (2001:17).
Heliópolis, Menf is e Hermópolis.
25
43
nhecido como deus criador do universo, e os demais deuses associados
com sua mitologia tornaram-se descendentes diretos desse deus principal,
com seu próprio papel no estabelecimento da ordem. Assim a mitologia associada a Re apresenta muitas variações, sendo sua origem interpretada de
formas diferentes, segundo as várias escolas existentes. Para o colégio de
Heliópolis, Re se autocriou, sendo associado com o pássaro Bennu; em
Hermópolis, chegou numa flor de lótus. Também é descrito como filho de
Geb e Nut ou como tendo nascido como uma vaca. Ora nasceu de um ovo,
ora tido como criação de Ptah. Quando Re fica velho volta aos céus, e Thoth
rege em seu lugar. Experimenta o renascimento diariamente, quando surge
do oceano ou atrás das montanhas na borda do mundo todas as manhãs.
Sob este aspecto, os deuses Osíris e Re tinham certa similaridade, pois ambos experimentavam uma renovação ou ressurgimento regular.
Outro elemento da natureza adotado no culto de Re é o touro Menwer
(Mnevis, em grego), que assistia o morto no processo de regeneração da
vida eterna. Desde o final do Antigo Império, os textos das pirâmides se referem ao Touro de Iunu, distinto do touro Apis, do culto de Ptah em Menfis.
3.3 O deus Re
O culto solar chegou ao seu ápice durante o Antigo Império (2575 a
2134 a.C.26). Assim, na IVª Dinastia destaca-se a construção das pirâmides,
monumentos associados ao culto solar, e a construção de barcas funerárias,
possíveis indicativos de transporte do morto para participar da procissão do
deus-sol. Entretanto, esta interpretação pode ser questionada, se entendermos que estas poderiam ter sido feitas unicamente para o transporte do morto na sua jornada pelo rio até o local do seu sepultamento, sem qualquer
26
Cronologia elaborada pelo Prof. Dr. Antônio Brancaglion Jr, tendo por base Baines, J. e Malek, 2000.
44
relação com o culto.
Ao final do Antigo Império o culto a Re, se fortalece, chegando ao status de culto estatal, fato refletido na arquitetura dos templos solares, geralmente associados às pirâmides funerárias, aos obeliscos e aos espaços abertos para receber luminosidade nos seus interiores. Tal fortalecimento,
entretanto, não está somente manifestado nas formas arquitetônicas, mas
também no crescimento da variedade dos presentes ofertados ao deus e,
conforme visto anteriormente, na sua presença nos nomes e títulos dos faraós (Filho de Re). E assim, como pai do faraó, esse deus pode ser visto
como o protótipo de todos os reis.
3.4 O deus Amon
Essa deidade é referida como Somente Um, Único, sem par, Que preside em
Tebas, (...), O primeiro da Enéada27, que vive diariamente em Verdade (DAVID,1988:99).
Tem primazia de culto por parte da família real de Tebas durante o
Novo Império, permanecendo como deidade oficial inclusive durante a invasão dos
hicsos. Seu nome significava O Oculto e seu santuário (que com a sua ascensão se
converte em templo de culto nacional), se localizava no quarto nomo Alto Egito cujo
símbolo era um Cetro, que significava A Poderosa. Era representado sob a forma
humana com duas plumas na cabeça, geralmente entronado como um faraó, e seu
animal sagrado era o carneiro. Em razão da citada preferência da realeza, fixa-se
como deus nacional, tornando-se um deus libertador da dominação estrangeira e
conquistador de novos territórios. Nesse contexto, os acontecimentos políticos fizeram dele uma deidade com poderes supremos e universais, fortalecendo-o ante os
demais deuses do panteão egípcio. Seu clero passou então a usufruir de privilégios
que consolidaram seu poder temporal, recebendo parte dos tesouros resgatados dos
27
Família de nov e deuses que compunha o sistema teológico heliopolitano mais importante.
45
inimigos e do contingente de cativos para o serviço dos templos, assim como a
chance de construir templos nos territórios conquistados ( Drioton e Vandier,
1952:298).
Seus templos ultrapassaram no tamanho e na magnitude os anteriores de outras divindades, reforçando a cosmogonia tebana.
3.5 O culto solar no Novo Império
3.5.1 O deus Amon-Re
No Novo Império, quando a capital do Antigo Egito era Tebas, a divindade cultuada em Karnak e em Luxor era Amon-Re, resultado de uma união
entre os deuses de Re de Heliópolis e Amon de Tebas28, efetivando-se uma
identificação que já teria se iniciado desde o Médio Império. Seu culto nunca
exigiu exclusividade, embora não possamos negar sua supremacia face aos
demais deuses, com quem dividiu espaço, a exemplo do que ocorria com as
outras deidades em períodos anteriores. Amon-Re foi entendido pelos egípcios como um deus universal, com poderes criativos, e qualquer deus que
quisesse desbancá-lo teria que acentuar esse aspecto universal de seu culto.
Durante o reinado do faraó Amenhotep III, período que antecede à reforma amarniana, o culto a Amon Re passa a desenvolver uma crença em
que este deus vem a se orientar para a característica solar. Amon Re passa
então a ser celebrado sob esse aspecto, uma mudança que não reflete mais
aquelas características presentes no Grande Hino a Amon. Uma prova arqueológica dessa afirmativa é encontrada na estela pertencente aos arquitetos do reinado de Amenhotep III, Suti e Hor ( Ermann:1952:135-136), atual28
Possivelmente por união de interesses desses dois cleros.
46
mente no Museu Britânico (nº 826). Nela, Amon aparece equiparado a uma
listagem dos nomes múltiplos do sol tais como Harakhti, Re, Khépri, e Aton,
assemelhando-se muito à idéia de primazia do sol como deus criador e mantenedor da vida, concepção também adotada por Akhenaton.
Esse culto passa então a adquirir cada vez maior força e influência,
chegando à situação de concorrer com o poder real. Esse fato é considerado
como a principal causa da mudança instituída por Amenhotep IV/Akhenaton,
quando Aton passa então a ser o deus oficial do país, numa tentativa de impor um monoteísmo solar. Akhenaton foi o único dos governantes egípcios
que fez exclusivo o culto ao deus sol Aton.
3.5.2 O deus Aton
Deus solar, representado no período amarniano sob a forma de um
disco com uraeus no seu arco inferior, emitindo seus raios que terminavam
em mãos humanas segurando o hieróglifo ankh da vida, e de modo menos
frequente, o cetro was, símbolo de poder, de dominação (figura 13).
É difícil se determinar quando Aton (ítn – o disco solar) passou a ser
reverenciado como uma entidade. Aton antecede à reforma de Akhenaton,
mas assume grandes poderes, tornando-se uma deidade universal e mais
exclusiva durante seu reinado. Existem referências a Aton desde o Médio
Império, na passagem do texto “Conto de Sinuhe” (Papiro de Berlim 10499B), onde pode ser lido: (...) quando o rei foi para o céu, unindo-se ao disco
solar/Aton, o corpo do deus se uniu àquele que o criou. Aqui, Aton é usado
com o determinativo de deus29 (
). Assim, a conexão entre essa deidade
enquanto manifestação do deus-sol e o regente do Egito já está formulada
29
http://www.textosjeroglif icos.com/sinuhe2.htm
47
em textos desde o Médio Império. Quando usado nos textos religiosos dos
Caixões, Aton refere-se somente ao disco solar.
No início do Novo Império, o faraó Ahmose é referido em uma estela
como sendo relacionado a Aton quando b rilha, e seu sucessor, Amenhotep I,
quando de sua morte, torna-se unido com Aton, juntando-se àquele do qual
veio (Hart:1998:38).
Uma primitiva e talvez a mais antiga iconografia de Aton como deus,
aparece em uma estela em Gizé, como um disco alado com braços estendidos que seguravam em suas mãos um cartucho com o nome do faraó.
A rainha Hatshepsut usou seu símbolo no lado sul de um dos seus
obeliscos no Templo de Karnak significando o conceito astronômico do disco
(Hart,1998:37), ou seja, o disco do sol - mas não o deus sol. Entretanto, existe uma inscrição datada de cerca de 1500a.C. (Hart,1998:38), achada na
Núbia, em que a palavra Aton ocorre seguida do símbolo de deus, na forma
de uma deidade ostentando um disco solar na sua cabeça. Seguindo a sequência de registros de utilização da representação de Aton, Thutmés IV
manda fazer um escaravelho comemorativo no qual Aton aparece protegendo o faraó como um deus associado à guerra, num contexto que coloca esse
deus na vanguarda do exercício do faraó em batalha (Hart,1998:38 e Wilkinson,2003:236) – um lugar geralmente dado a Amon. Seu sucessor Amenhotep III, conforme será visto mais adiante, parece também ter incentivado a
adoração de Aton.
Não está muito claro como o deus Aton era percebido na época de Akhenaton. Recentemente, Raymond Johnson (apud Wilkinson, 2003: 236) tem
discutido a possibilidade do culto estabelecido por Akhenaton a Aton ser um
realce ou ênfase no deus sob uma forma deificada de seu pai, Amenhotep III.
48
Mas sob qualquer hipótese, a doutrina de Aton proposta por Akhenaton era
revolucionária e teve conseqüências que se estenderam por muito longe. Ele
nomeia seu deus Aton como Pai e Mãe daquele que criaste (Hornung,
1992:133), referindo-se ao aspecto criador e primordial de Aton, associando a
esse deus uma antiguidade de criador das primeiras divindades.
Aton adquire seu maior prestígio a partir dos reinados de Tuthmés IV e
Amenhotep III, tendo seu apogeu durante o reinado de Amenhotep IV, mas é
esse último faraó que nos apresenta um Aton como doador de vida, deus único, sem igual, que tomaria o lugar de Amon-Ra com exclusividade. Amenhotep
III mandou construir um templo para Aton fora dos muros do perímetro leste do
templo de Karnak, cujo espaço era dedicado ao deus Amon. Essa estrutura se
chamava Per Aton, que significa A Casa de Aton (1 Ermann (1952: 138:143).
Na parte inicial de seu reinado, conhecida como período pré-amarniano, AmenhotepIV manteve Tebas como a capital religiosa do Egito, e construiu novos
espaços com pilares, três santuários, e estátuas suas gigantescas no Templo
de Karnak.
3.6 O culto solar amarniano
Claude TRAUNECKER (1996:113) nos apresenta Akhenaton como o
criador dos fundamentos de uma nova teologia da realeza, caracterizada
pela imagem do disco solar radiante: Aton. Embora Aton não seja uma criação desse faraó, entende que esse deus não significava o disco solar, mas a
entidade de nome desconhecido que se manifestava nele como “Luz no Disco”.
HART vê uma relação entre Aton e o culto solar de Heliópolis, esta reforçada no fato do nome de um dos locais construídos para culto a esse
49
deus em Karnak ter recebido o nome de
Casa do Benben, simbolizando o monte primordial no qual o deusol se elevou do Nun, o criador do universo. Benben era o nome
do santuário em Heliópolis, cujo determinativo hieroglífico era um
obelisco - outro empréstimo do culto heliopolitano - possivelmente indicando que um obelisco se situava ali a leste de Karnak
(HART,1998:40).
Entretanto, Aton te ve pouca aceitação da população egípcia, e como
Re, não se manifestava em seu santuário sob uma forma física. Como deus
espiritual do universo, Aton foi cultuado a céu aberto, como disco solar que
recriava o universo no início de cada dia e o mantinha com seus raios. Seu
papel como mantenedor de vida era o tema central do culto, refletindo uma
característica do deus sol desde o Antigo Império.
Tendo como seu principal centro de culto a cidade de Amarna, destacam-se os registros arqueológicos encontrados fora dos seus limites. Assim,
foram resgatados blocos remanescentes do reinado de Akhenaton na cidade
egípcia de Mênfis, centro político-administrativo do Egito faraônico, dando
evidência de celebração do culto atoniano nessa cidade. Na Núbia, em Sesebi, depois da terceira catarata e oposta à cidade de Dugo (Breasted,1956:364 e Hart, 1998:44), o culto era celebrado no Templo de Sesebi,
com o nome de Gem-Aton (Aton foi encontrado). Existe também a possibilidade de ter sido erigido um santuário na Síria, indicando assim a existência
de outros centros de culto além das fronteiras egípcias.
Conforme já visto anteriormente, Aton passou a obter mais destaque
a partir da XVIIIª Dinastia, sendo identificado como uma deidade solar somente no reinado de Tuthmés IV. Esse rei já pode ter tentado restringir o
papel dos sacerdotes de Amon, detentores de grande poder político então.
Em seus títulos, Re e Atum obtiveram proeminência no lugar de Amon.
Amenhotep III estimulou esse culto solar a Aton, fato demonstrado em
50
um dos seus epítetos Tjekhen - Aton ou “Radiância de Aton”, um termo que
foi também usado em vários outros contextos durante seu reinado. Entretanto, esse faraó não negligenciou os cultos dos outros deuses e não há indícios de que tenha considerado Aton como uma deidade especial, destacada
do panteão egípcio. Registros arqueológicos demonstram esse expressivo
estímulo, refletido no aumento das referências a ele, mas nem por isso Amenhotep III deixou de ser um governante que poderíamos chamar de tradicional, respeitoso a Amon-Re. Entretanto, evidências sugerem que um culto
já estava estabelecido em Heliópolis, com a mais antiga evidência de um
sacerdócio e templo de Aton. Muitos dos seus oficiais usaram títulos ligados
ao deus, como Administrador da Grande Casa de Aton. Constrói o palácio
em Malkata, complexo arquitetônico fundado por volta do ano onze de seu
reinado. Consistia de uma série de edifícios de um único andar e assemelhava-se a uma cidade. Na realidade, essa era essencialmente sua função,
ou seja, a de prover a família real com um lugar de residência e acomodar
todos os aposentos administrativos necessários para a administração dos
assuntos do governo. Incluía várias moradias reais separadas: o palácio real, o palácio do sul, o palácio do meio e o palácio do norte. Localizado no
lado oeste de Tebas, chamava-se A casa de Nebmaatre é o esplendor de
Aton, e depois Per Hay, ou Casa do Júbilo, referência esta que também será
encontrada em parte do Grande Templo de Aton amarniano. Essa extraordinária construção pode significar uma primeira tentativa de isolamento por
parte do rei e de seu corpo administrativo, do sacerdócio de Amon, que exercia grande influência nos assuntos políticos daquela época. Nesse sentido, a construção da cidade de Akhetaton, por parte Amenhotep IV, pode significar, por sua vez, uma conclusão ou aperfeiçoamento dessa estratégia
51
isoladora.
O barco de Amenhotep III era chamado Aton Brilha. Destaca-se também a presença do nome do deus em Baketaton, sua filha mais nova com a
esposa real Tiye30.
Amenhotep IV31, segundo filho de Amenhotep III com Tiye, assume
assim o seu reinado num possível momento de enfraquecimento do culto
amoniano e, por conseqüência, do poderio de seu sacerdócio. Uma influência mais forte sobre o ainda príncipe Amenhotep poderia ter sido a corte real,
na qual ele cresceu e se preparou para a vida adulta, num convívio, decorrente da política imperialista do país, com pessoas oriundas de terras distantes do vale do Nilo e que, sem dúvida, trouxeram uma variedade de cultos
com elas.
Durante os primeiros cinco anos de seu reinado em Tebas, podemos
ver o início da reforma religiosa por ele empreendida, e que brevemente envolveria aspectos importantes da religião e da política do Egito Antigo. O culto central dessa modificação era Aton, seguindo a política de esvaziamento
do poder sacerdotal de Amon sustentada pelos seus antecessores.
Inicialmente, manteve o seu nome real de nascimento (Amenhotep IV)
e respeitou o deus de Tebas, Amon-Re. WILKINSON (2003:238) é de opinião que o atenismo adotava uma tríade fechada, consistindo de Aton, Re e
Akhenaton. Associa a essa idéia o fato de que o alto sacerdote de Aton era
reconhecido como alto sacerdote de Akhenaton, indicando não somente
uma possível adoração do faraó enquanto deus, mas também a sua posição
elevada na teologia atoniana. Deve-se considerar também que a presença
30
Que, f ora do costume de então, não era sua parenta e nem mesmo de ascendência real.
Ainda não usando o nome Akhenaton
31
52
da figura do faraó como intermediário entre o sacerdócio e o deus Aton, serviria como uma barreira efetiva entre essas duas instâncias, demonstrando a
sua preocupação com a presença de um corpo sacerdotal, vindo a gerar um
sistema hermético entre ele e o deus.
Interessante destacar que na pedreira de onde se retirava matéria
prima para as construções no Templo de Karnak, Amenhotep IV/Akhenaton
é mostrado em adoração a Amon-Re, mas com uma inscrição em que se
auto-refere como O primeiro profeta de Re-Harakhte em júb ilo no Horizonte
em seu nome A Luz que é Aton. Esse título já aponta para o futuro reformador, intermediando as antigas idéias de Heliópolis e as novas criadas para o
culto a Aton.
Um fato que prende a atenção de David (1998:182) diz respeito à dúvida de porque Akhenaton não promoveu o culto solar de Re, já tradicionalmente existente, escolhendo implantar como culto oficial o monoteísmo solar
atoniano. Alguns pontos merecem ser aqui considerados. Primeiramente,
conforme visto acima, Aton já vinha sendo inserido na religiosidade real desde, pelo menos, algumas gerações anteriores. Nesse sentido, Akhenaton
não inicia nada novo, mas simplesmente consolida uma reforma que já tivera
seu início em momentos pregressos.
A referida autora entende que o culto de Re já tinha o seu próprio corpo de sacerdotes instituído, cuja participação foi fundamental na diminuição
do status dos reis do Antigo Império. Nesse sentido, substituir o culto de
Amon pelo de Re, instituindo-o como o principal do país, poderia resultar
simplesmente na diminuição do poder de um determinado grupo de sacerdotes e propiciar a ascendência de um outro diferente. Sob seu rigoroso controle e sem acesso direto ao deus, cria, para as necessidades do culto, um
53
novo colégio sacerdotal cujo Grande Sacerdote se chamava O Maior dos
Viventes, cujo título era, entretanto, o mesmo adotado pelo Grande Sacerdote do deus Re em Heliópolis (Drioton e Vandier (1952:298).
Podemos então entender que o principal alvo da reforma de Akhenaton, não foi o deus Amon, mas sim o seu poderoso sacerdócio.
Em decorrência da política territorial expansionista egípcia adotada
durante o Novo Império, Aton, como nova deidade estatal suprema, teria que
ter seu aspecto criador adaptado a essa situação, devendo ser visto então
como criador e sustentador dos habitantes do vale do Nilo e além dele. A
influência do deus que tomava o lugar de Amon, teria que ser similar ao do
deposto, alcançando além das fronteiras egípcias. Nesse sentido, Aton, simbolizando um poder que era expresso por intermédio do sol e que não era
limitado a qualquer estátua de culto ou forma física, poderia adotar o papel
de criador universal de todas as raças, independente de limitações políticas.
Nos momentos iniciais dessa reforma, Aton pode, pela menção ao
Re-Harakhte, ter sido considerado como um aspecto de Re, mas seu nome
completo foi logo alterado e essa referência foi removida de seu prenome,
então trocada pelo título Governante do Horizonte. A palavra Shu, que tinha
o significado luz do sol no contexto de nome de Aton, também foi eliminada,
porque soava igual ao nome de outra divindade - o deus Shu.
3.7 As titulações de Aton
Existem duas nomenclaturas do deus Aton:
32
32
Tabela f eita com base em Wilkinson (2003:239) e Hart (1998:44).
54
Nomenclatura primitiva
Vi va Re-Horakhti rejubilando
no Horizonte.
Em seu nome como shu que
está em Aton. Dando vida eternamente, para sempre. Aton
vi vente e grande, que está em
júbilo, residindo no templo de
aton em Akhetaton.
Nomenclatura nova:
Re vivo, regente do Horizonte,
rejubilando no Horizonte.
Em seu nome como Re, que retornou como Aton.
3.8 Os locais de culto
Além da cidade de Akhetaton (Horizonte de Aton), Akhenaton também
erigiu várias construções em homenagem ao seu deus. Não se sabe ao certo quantos templos foram construídos no país originalmente, mas as evidências indicam que existiram, ao menos, dois (um, já citado, em Karnak e outro
em Luxor) e possivelmente também um palácio cerimonial. Mas lembramos
que a cidade construída para exclusiva adoração a Aton foi o seu principal
centro de culto, e os templos mais importantes se situavam lá. Construídos
para o culto a Aton parecem constituir uma quebra nas estruturas tradicio-
55
nais arquitetônicas do Novo Império, tendo, entretanto, muito em comum
com os templos solares do Império Antigo. Possuem pilonos e áreas que
levam o executante do culto por uma série de compartimentos em direção ao
santuário, local onde o momento mais importante acontecia. Diferentemente
dos outros templos, os atonianos não tinham teto, eram abertos à luz solar, o
que permitia ao deus estar presente para receber suas oferendas. Reaparecendo no céu todos os dias, seguia o mesmo ciclo tradicional de morterenascimento, com suas alterações de luminosidade refletidas no interior do
edifício. Não havia estátuas do deus, mas o disco, enquanto visível no céu.
Para os egípcios, o templo ficava no encontro de três esferas (céu,
terra e além), e assim servia como um portal pelo qual deuses e homens
poderiam passar de uma dessas regiões para outras. Do mesmo modo que
o pilono do templo funcionava simbolicamente, todo o templo funcionava
como uma espécie de Akhet temporal e espacial, ponto focal entre os diferentes mundos ou esferas, entre o céu e a terra, o humano e o divino, caos e
ordem. Destaca também a idéia de regeneração ou efeito renovador do templo como sendo um elemento central de muitos deles. WILKINSON (2000:76
e segs.) analisa detalhadamente o simbolismo dos templos egípcios em geral, locais que, entende ele, se constituem em mundos repletos de metáforas
recorrentes.
Tal aspecto se revestirá de grande importância quando formos analisar mais detalhadamente a tumba real amarniana, considerando-se a interrelação entre esse mundo e o outro, fato que nunca deixou de estar presente
nas estruturas mentais e religiosas dos antigos egípcios.
Seguindo da entrada pelo caminho principal do templo, reproduzia-se
o curso do sol em sua jornada diária sobre o mundo, surgindo acima dos
56
pilonos no leste, movendo-se pelas demais paredes de pilonos e caminhos,
onde sua imagem apareceria sobre os lintéis e arquitraves, e se pondo finalmente no oeste, onde o santuário mais profundo se situava. Assim, ao se
entrar no espaço do templo tradicional no Egito Antigo, percorria-se um caminho da claridade para o escuro, do mais profano para o mais sagrado.
Akhenaton, entretanto, inverte essa idéia, considerando o padrão de
graduação da luminosidade solar, representando o templo para progredir
gradualmente de um relativo escuro à luz total, sem qualquer sombra. Assim, o Grande Templo Solar de Akhenaton33 reverteu em sua progressão
esse modelo de simbolismo, partindo de uma entrada escura, coberta, para
uma parte central do templo, aberta à luz do sol. O grande templo foi chamado de Casa de Aton em Akhetaton e possuía um vasto complexo de pátios e mesas de oferendas, localizados a céu aberto, para receberem os raios de Aton. Existiam duas seções introdutórias: a parte inicial era chamavase Per Hay (Casa do Júbilo), seguida de uma série de pátios, o Gem-PaAton ou Gem Aton (Aton foi Encontrando). Mais à frente, ficava o matadouro,
onde os animais para culto eram abatidos, seguido do principal santuário,
onde Akhenaton e Nefertiti oficiavam. Estima-se que existiam 772 mesas de
oferendas, com mais 900 nas áreas imediatas do norte ao sul da parede do
recinto sagrado, que podem ser vistas na cena por nós analisada. As oferendas eram de perfumes, frutas, flores, comida e bebida. ( 2 figs no fim).
Trata-se realmente de uma mudança excepcional na concepção de
um templo, e a não ser que algo semelhante tenha existido na cidade de
Heliópolis, não foram encontrados remanescentes de templos que mantivessem essa alteração.
33
Medindo 760 X 270 m. a leste da estrada real, na realidade, compreendia dois templos, separados por
mais de 350 m.
57
Devemos destacar que a construção de um novo templo, ou o acréscimo para expansão de um já existente, caracterizava o envolvimento do rei
com o culto desse deus. No aspecto ritualístico, essa nova construção era
marcada por uma cerimônia chamada “extensão da corda”, que correspondia à fixação do plano da construção por delimitação de uma corda, orientando sua extensão. Entretanto, no que se refere ao culto atoniano, Akhenaton foi mais além. No quinto ano do seu reinado, dá início ao seu projeto de
construção de uma cidade inteira dedicada ao seu deus Aton, Akhetaton,
que significa Horizonte de Aton. Demarcou seus parâmetros espaciais em
um local que nas palavras do próprio faraó não pertencia a nenhum deus, à
margem leste do Nilo, erigindo quatorze estelas delimitadoras que poderiam,
em razão da grande extensão da área selecionada, corresponder ao ritual de
extensão da corda acima referido.
Nessa cidade foram edificados dois templos para Aton cujo culto obedeceria a procedimentos instituídos pelo rei. De um modo geral, as cerimônias nos templos dos outros deuses se realizavam três vezes ao dia – manhã, tarde e anoitecer, tendo o rei, após passar por um ritual de purificação,
(ou o sacerdote em seu lugar) como oficiante. Este entraria no santuário
mais interior e sagrado do templo, e então se prostraria ante o deus e entoaria hinos. Depois da limpeza da imagem do deus, eram feitas as oferendas,
deixando-as diante do altar ou na sala de oferendas da capela. Finalizando,
as pegadas do oficiante eram apagadas, deixando o santuário limpo e sem
marcas.
De um modo geral, em momento posterior, essas oferendas perderiam seu aspecto sagrado e seriam distribuídas entre os sacerdotes e outras
pessoas do templo. Tais oferendas correspondiam a agradecimentos ao
58
deus pela manutenção do ciclo da vida e pela estabilidade do rei, e por extensão, a todo país.
O cotidiano do templo exigia o trabalho de um número expressivo de
indivíduos além dos sacerdotes. Existia um grande número de pessoas que
se ocupavam das tarefas administrativas, como escribas, arquivistas, almoxarifes e fornecedores de gêneros. Outras cultivavam as terras e cuidavam
dos animais, também propriedades do templo. E segue a relação de categorias envolvidas no dia a dia do funcionamento do templo, com a participação
também de pescadores, caçadores, padeiros, açougueiros, artesãos, cervejeiros, músicos, cantores e dançarinos (Wilkinson, 2000:92).
3.9 As oferendas
Esse culto oferecia muitas oferendas ao deus sol. Os registros das
cenas cerimoniais nos mostram que o ritual diário envolvia, dentre outras
coisas, comidas, flores, óleos e incensos, realizado pelo rei e contando com
a participação de outros membros da família real. Como pode ser percebido
na cena objeto de nosso estudo, as oferendas seriam colocadas nos pequenos altares dispostos em fileiras, fora da área principal do templo (vide planta do templo no final), não diferindo em conteúdo das pilhas de comida e
bebida apresentadas aos deuses pelos reis, que podem ser vistas nos relevos dos templos, durante toda a sua história do Egito Antigo.
No que se refere à preparação das oferendas, ainda não se sabe se
os açougueiros, padeiros e jardineiros e outros funcionários do templo,
quando realizavam suas tarefas direta ou indiretamente ligadas ao culto, eram acompanhados de sacerdotes que recitavam fórmulas específicas. As
palavras para o culto poderiam incluir hinos como nos cultos anteriores, sen-
59
do até possível que tivesse como acompanhamento a recitação do famoso
texto do Hino a Aton.
Akhenaton, como faraó, possuía todos os atributos necessários para a
sua legitimação como oficiante do culto por ele implantado, parecendo inexistir evidências de exigência de atributos simbólicos específicos (como uma
roupagem ou paramentos). O templo a céu aberto era então o lugar determinado para a realização do ritual, permitindo a observação do movimento diário do sol do leste para o oeste. Atendia assim ao conjunto de condições reconhecidas por Bourdieu (1998:93) como necessárias para que o discurso
ritual viesse a ser reconhecido e aceito, cumprindo o código de liturgia que
rege os gestos e as palavras sacramentais.
Somam-se a isso os movimentos gestuais e as recitações ritualísticas
de palavras especiais, ações desempenhadas principalmente pelo rei, para a
manutenção da continuidade da harmonia cósmica. Cumpre-se destacar,
entretanto, que o modo exato de como o culto a Aton era realizado se mantém incerto, uma vez que não foram ainda encontradas referências arqueológicas de como os ritos do culto diário e os festivais eram efetuados. Também não foram encontrados registros sobre a criação ou origem do universo,
segundo a religião atoniana. A jornada solar se atém ao movimento do sol
no céu, observado a olho nu durante o dia, sem referência à sua jornada
noturna, de forte presença, entretanto, no culto do deus Re, onde a figura da
barca solar ocupa lugar de destaque.
3.10 A força do costume
Mas nessa proposta de mudança religiosa alguns costumes foram
mantidos, embora alterados. Fragmentos de estatuetas mumiformes (sha-
60
bits), portando a fisionomia do rei, foram encontrados perto da tumba real
em Amarna, assim como escaravelhos foram inseridos nas bandagens das
múmias, mas estes últimos não possuíam as inscrições de capítulos dos
Livros dos Mortos. Essa ausência prejudicaria o morto quando confrontado
no julgamento realizado no Mundo dos Mortos, crença associada ao culto de
Osíris, mas excluída no culto atoniano.
Não sabemos ao certo se essa nova fé era limitada aos membros da
família real ou se contava com a participação dos nobres e demais habitantes da Amarna. Entretanto, tudo leva a crer que o culto atoniano tenha sido
levado em consideração pela elite, tendo sido adotado somente por aqueles
que desejavam alcançar melhor status na corte. A ausência de registro arqueológico que comprove a participação dos cidadãos comuns no culto atoniano, somada à presença de amuletos mágico – protetores e de imagens
de outros deuses (figura 25) , constatadas nas recentes escavações arqueológicas realizadas na cidade, indica a permanência de cultos tradicionais,
demonstrando uma continuidade na reverência popular dos antigos deuses e
nas práticas mágicas, mesmo na cidade criada exclusivamente para Aton.
Sabe-se, porém, que no projeto religioso de Akhenaton não havia lugar para
nenhum outro culto que não aquele por ele designado, sendo a magia totalmente excluída da religião oficial. Mas as referidas escavações realizadas no
bairro dos operários da cidade, em lugares de moradia, em montes das áreas desérticas, nas áreas do templo ou em edifícios oficiais, no subúrbio
norte, na cidade norte e central (embora não nas áreas de templo), encontraram diversos amuletos feitos de cerâmica e de vários tipos de pedras. Apresentam-se sob a forma de animais como a rã, o escaravelho, ou partes do
corpo como olhos, coração, dentre outras. As figuras predominantes eram as
61
dos deuses domésticos Bés e Taueret; menos frequentes, as de Sobek, Ísis,
Thoth, Amon, Ptah, dentre outros, testemunhando a adoção, na cidade de
Akhetaton, de amuletos como forma de proteção pessoal, contrariando frontalmente a proposta monoteísta de Akhenaton. Desse fato, pode-se inferir
que o culto oficial a Aton alcança sua forma “plena” somente na esfera real,
parcialmente nas camadas intermediárias, e muito pouco nas populares. Esses achados caracterizam uma prática desviante da religião instituída, o que
demonstra a não popularização do culto atoniano na cidade construída especialmente para ele.
É na concepção da agência34 que vamos nos apoiar para entender a
presença de amuletos nesse contexto analisado, atestando uma não aceitação das modificações ocorridas em razão da reforma empreendida pelo faraó. A população da cidade, enquanto composta por agentes sociais, numa
demonstração de que nunca desejaram se separar da magia e dos cultos já
incorporados culturalmente, reagiu e optou pela transgressão, não aceitando
as mudanças empreendidas. Manteve o controle de suas escolhas, decidindo quais caminhos seguir na construção e reconstrução de seus mundos
particulares, marcando seus lugares como indivíduos. Interessante notar que
a presença de amuletos utilizados como adornos pode indicar uma estratégia para camuflar a não aceitação do que era imposto.
Mais do que seu foco radical em um deus, entretanto, foi a exclusividade dogmática, pela qual o único interlocutor com deus era Akhenaton, que
colocou sua religião à parte e que fez sua teologia inaceitável para a maioria
dos egípcios.
34
Entendemos aqui agência como a capacidade humana de agir de f orma autônoma e intencional,
f azendo suas escolhas liv remente.
62
3.11 O faraó e o culto a Aton
Ao analisarmos os registros das várias cenas referentes ao culto ao
deus Aton, realizado por Akhenaton no templo especialmente construído
para ele em Akhetaton, constatamos a grande ausência da figura do sacerdote oficiante, substituído nessas cenas pelo próprio faraó, muitas vezes
acompanhado de sua família. Esse destaque na sua participação em cultos
reforça a idéia já aqui apresentada, de que esse rei se colocava como o único intermediário na terra entre os homens e Aton. Numa parceria perfeita,
Akhenaton torna-se o único representante de seu deus na terra, seu filho
amado responsável pelas oferendas, papel esse associado ao poder de intermediação entre a terra e o céu, função essa, já desempenhada por faraós
antecessores. Rei e deus se manifestam um ao outro, e o sucesso ou falha
de um corresponderia à glória ou falha de outro. A esperança da vida eterna,
se é que havia nesse novo culto, estava agora exclusivamente com Akhenaton, fazendo com que a eternidade de seus súditos dependesse totalmente
dele. Como um retorno às idéias do Antigo Império, a eternidade era obtida
somente através da recompensa real, e nenhum outro deus que não Aton
governava supremo no além, como fez Osíris por muitos séculos. Não há
registro do mundo sombrio dos deuses dos mortos, transportado para a luz
do deus solar.
3.12 O monoteísmo atoniano
Em momentos anteriores à reforma amarniana, também ocorreram
tentativas de sub stituição de cultos a outros deuses, em benefício de um
único35, para elevá-los à categoria de principal ou oficial. Mas somente Akhenaton insistiu numa variante que assegurava um deus para exclusão de
35
Como Re no Antigo Império e Amon-Re no Nov o Império.
63
muitos. Hornung (1999:36:38:54) vê essa religião como monoteísta, um processo de mudança radical sem qualquer precedente, portadora de uma nova
teologia solar. Observa também que Akhenaton jamais se referiu a Aton utilizando a palavra deus, mas sim como O Aton, sob um aspecto que não deve
ser visto como o disco solar, mas sim a luz que está no sol, que irradiando
dele, chama o mundo a viver e o mantém vivo.
É também em Hornung que vamos encontrar uma interpretação do
episódio36 amarniano muito peculiar e interessante. Esse autor defende a
idéia de que, com as transformações religiosas de Akhenaton “(...) assistimos à fórmula de uma nova lógica (...), tratando-se da transformação implícita de esquemas de pensamento, (...) que os egípcios julgaram intolerável”.
Apresenta a imagem de um rei estrategista e portador de uma proposta perfeitamente articulada, quando escreve:
Akhenaton não era um visionário, era um racionalista radical. Suas reformas foram impostas uma após a outra, a partir do momento que condições políticas necessárias foram sendo criadas.
(...) Ele manipulou o poder das instituições ao seu modo, à maneira de um virtuose, e seu malogro eventual não foi sem dúvida
o resultado de uma perda do controle político. (...) essa abordagem bem organizada parece ter sido o resultado de um projeto
múltiplo, antes da aplicação das idéias do rei, em um (...) processo de eliminação progressiva, (...) realizado em função de um
plano bem elaborado. (HORNUNG, 1992:223, 224 e 228).
Para Breasted (1956:355), Akhenaton falhou profundamente ao não
entender as necessidades práticas do seu reinado.
Numa complementação às interpretações dadas a esse momento peculiar da História egípcia, James Allen (apud Wilkinson, 2003: 38) aponta a
distinção entre o monoteísmo de Akhenaton e os entendimentos anteriores
egípcios sobre deus, e apresenta uma nova perspectiva interpretativa. Mostra que o radicalismo da teologia de Akhenaton não era sua proclamação de
36
Hornung adjetiv a as modificações impetradas por Akhenaton como revolução.
64
unicidade do deus, mas sua insistência na exclusividade. O deus Aton não
tolera a existência de outros deuses que não ele, o que era comum e perfeitamente tolerado antes da reforma amarniana.
A manutenção do deus sol Re na mudança da titulação do rei e a incorporação no nome de duas das suas filhas37 estão diretamente ligadas ao
fato de que, em certos contextos, esse deus era equiparado a Aton.
Quanto ao fato da permanência de Maat, muitas vezes personificada
como uma deusa na cultura egípcia, não significa que devemos entendê-la
sob este aspecto, mas sim como idéia ou conceito de verdade38, uma ve z
que seu aspecto associado à ordem, julgamento ou ética, teve pouca expressão na religião atoniana.
37
38
Nefernef erura e Setepenra.
O rei sempre se auto-refere como Vivendo em Verdade, e à cidade de Akhetaton como Lugar da Verdade.
65
4. A Nova Cidade: Amarna, o Horizonte de Aton
4.1 Akhenaton em Tebas: o período Pré-Amarniano
Os estudos realizados, tendo por base os talatats39 resgatados do templo de Karnak, possibilitaram a recuperação de cenas do cotidiano de um momento da história do Antigo Egito conhecido como período pré-amarniano, ou
seja, o tempo que engloba os primeiros anos do reinado de Amenhotep IV, com
sua nova teologia ainda em etapa inicial de implantação, até a mudança de sua
corte e da capital egípcia para Akhetaton, a nova cidade construída.
De uma forma sintetizada, podemos apontar os seguintes fatos como os
principais acontecimentos do período pré-amarniano:
1. Construção do templo por Amenhotep IV, a leste do templo de Karnak, abandonando sequência principal das construções (figura 15);
2. Mudança na iconografia do deus: Amenhotep IV decide transformar a
iconografia do deus solar Re-Harakthy, transformando-o no disco solar. Até
esse momento, a imagem do falcão representando Re-Harakthy convivia simultaneamente com a do disco solar.;
3. Os telhados dos templos são suprimidos. O culto passa a ser realizado em espaços abertos. As paredes dos templos não são mais suportes de
carga do telhado, mas sim delimitações do espaço sagrado;
4. O novo culto é centrado na figura do faraó (e por extensão na família
real), sendo o nome de Amon removido do cartucho real;
5. Nas representações das cenas, o rei não se situa mais à frente do
deus, mas sim abaixo dele;
39
Talatat: bloco de pedra com aproximadamente 27 X 27 X 54 cm, usados na construção do templo de
Aton em Karnak (pilone IX) e em outro templo da cidade de Akhetaton. Posteriormente, durante os reinados de Horemheb e de Ramsés II, f oram reutilizados como o material para a fundação de novas construções nesse mesmo templo de Karnak. Dezenas de tatatats já f oram descobertos, sendo que os pesquisadores estimam o seu número em mais de sessenta mil.
66
6. Amentotep IV decide deixar Tebas, e a sede do governo se instalando em Akhetaton.
4.2 A cidade de Akhetaton – O Horizonte de Aton
No quarto ano do seu reinado, Akhenaton escolhe um lugar, a cerca de
300 km ao sul do atual Cairo, entre Mênfis e Tebas, para assentar sua nova
capital, criando um eixo norte-sul eqüidistantes entre essas tradicionais capitais. Localizada no 15º nomo40 do Alto Egito para servir de capital e local de
adoração exclusiva do deus Aton, marca um novo momento no reinado de Akhenaton e na história do Antigo Egito. Escolha feita com base na neutralidade
política do local, em razão da total ausência de ocupação anterior, em um local
que não houvesse sido anteriormente consagrado a nenhum deus, escolhido
pela sugestiva topografia do terreno, com seu penhasco lembrando o hieróglifo
Akhet/horizonte (ver imagem cap 3 ?), local em que o deus sol renasce a cada
manhã.
Segundo Nicholas Reeves (REEVES:2001:119) a cidade tinha cerca de
200 km 2 e uma população variando entre 20 e 50 mil habitantes41.
Por volta do sexto ano, a família real se transfere para a cidade, tomando posse do local, sem a intenção de ultrapassar os limites definidos nas estelas delimitadoras do seu perímetro de construção42, erigidas entre os anos seis
e oito do reinado de Akhenaton (HORNUNG,1999:61 e segs.). Até o presente
momento foram localizadas 15 dessas estelas43, gravadas nas rochas que circundam o anfiteatro natural onde a cidade se implantou, três erigidas no lado
40
Divisões administrativ as do Antigo Egito.
HORNNUNG, E. (1999:67) presume uma população em cerca de cinqüenta mil habitantes, ou seja, no
número máximo de Reev es.
42
Os textos das estelas registram a promessa de não se ultrapassar os limites por elas def inidos.
43
Segundo Hornung, (idem), as estelas demarcatórias seriam em número de quatorze; Reev es
(2001:115) indica o número de quinze, e Barry Kemp, em seu informativ o digital sobre a escavação
inf orma ter achado a décima sexta, que receberá a letra H (http://74.125.47.132/search?q=cache:_NM-xUHLyUJ:www.amarnaproject.com/images/downloadable_resources/horizon%2520newsletter.pdf+%22bou
ndary +stela%22+%2B+K+%2B+burial&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br) , acesso em 28 de maio de 2009.
41
67
ocidental do Nilo e doze no lado oriental, cobrindo toda a extensão da cidade, e
correspondendo a momentos diferentes que vão desde o da escolha do local
até o do final da sua construção. Assim sendo, no ano oito se assentariam três
estelas, em que se encontra a informação da escolha do local por Aton. Essas
estelas se constituem como conjuntos de esculturas, em que se gravava o texto, acompanhado da imagem da família real em postura de oferenda, sob um
arco que representava o céu com o disco solar, figurando a proteção de Aton
sobre o conjunto. Observe-se que, nas primeiras estelas (X e M), só é registrada a imagem da Meritaton, a primogênita. Na estela K, que, por sua vez, é
uma cópia da estela M, aparecem Meritaton e Meketaton, esta última então
acrescida ao conjunto escultório. Nas estelas A e B, além das duas primeiras
filhas, aparece também Ankhewsenpaaton, que não aparece na estela S44.
Reeves (REEVES,2001:117) faz referência aos estudos do arquiteto inglês M. Mallinson45 que propõem uma relação entre as proporções do Grande
Templo de Aton e os limites da cidade, compreendendo que a cidade foi então
concebida como um grande templo, cujo foco seria a tumba de Akhenaton, de
onde o rei renasceria diariamente.
44
45
Datada do oitav o ano de Akhenaton.
Cf. http://www.ees.ac.uk/home/amarna.htm, acesso em 07/05/2009.
68
Figura 2 - Localização das estelas demarcatórias da cidade de Akhetaton
http://www.amarnaproject.com/pages/amarna_the_place/boundary_stelae//map.shtml,
em 26 de maio de 2009.
acesso
Cumpre-nos informar, entretanto, que os vestígios das construções da
cidade só foram encontrados no lado oriental, onde os cemitérios e as tumbas
estão situados, não havendo, até o presente momento, indícios de estruturas
referentes à ocupação amarniana no lado ocidental. Assim sendo, localizada a
leste do Nilo, se situava a cerca de 590 km. ao sul do Cairo, num anfiteatro natural de aproximadamente 12 km. Destaca-se o grande uso de tijolos de lama
na sua construção, mesmo naquelas oficiais. Akhetaton já deveria estar erigida
e habitável por volta dos anos cinco ou seis do reinado de Akhenaton data em
que começou a entrega regular do vinho na cidade (HORNUNG, 1999:64). A
cidade ainda não estava pronta, mas, mesmo assim, a família real se instala
em pavilhões ou tendas de apartamentos (imw psŠt)46. Esse parece ter sido a
ocasião para a promulgação do novo nome de Aton (REEVES,2001:116), tema
já abordado nesta dissertação, em seu Capítulo 3.
46
Urkunder des ägypttischen Altertums/URK.IV,1981, apud in REDFORD, D.(1987:142).
69
Foi descoberta no final dos anos 1880, por moradores da cidade de Tell
el-Amarna, a localidade atualmente assentada naquela região, e que inspirou o
nome atual mais popular da cidade. Naquele momento, a maioria do material
construtivo havia sido removida, restando principalmente tijolos de barro bastante danificados.
Figura 3 - A cidade de Akhetaton ou Amarna.
Imagem feita com base em imagem de www.touregy pt.net acesso em 09 de setembro de 2009.
Legendas
1- Cidade no Norte
2- Palácio do Norte
3- Altares do deserto
4- Subúrbio do Norte
70
5678-
Tumbas do Norte
Bairro ou Cidade Central
A Tumba Real
Tumbas do Sul
9- Grande Templo
10- Vila dos artesãos
11- Subúrbio do Sul
12- Palácio do Norte
Os principais pontos de referência da cidade de Amarna são:
•
Bairro ou cidade central: era o coração administrativo da cidade
(REEVES,2001:122). Sua principal construção é o palácio administrativo, que
se comunicava, por um passadiço, com a residência do rei. Para uma melhor
compreensão de seu assentamento, a cidade pode ser dividida em:
- Sua principal via de locomoção era a avenida principal ou estrada real,
com cerca de nove metros de largura. Seguia paralela ao rio, e servia para a
passagem diária da carruagem do faraó (HORNUNG,1999:66).
- Grande Templo de Aton, cenário de ação da imagem da tumba real,
por nós analisada. Assemelha-se mais com os grandes templos solares do que
com aqueles clássicos (cf. capítulo 3). A entrada, em forma de pilono, tinha o
lintel (que normalmente une os dois lados formando uma porta), aberto; o seu
interior é uma sucessão de pátios a céu aberto. Passado o acesso ao primeiro
pilono, um segundo conduzia ao Per-Ai, que levaria a uma série de seis pátios,
dos quais os dois últimos seriam o santuário propriamente dito, o GemAton.
- A casa do rei e o palácio, ligados por um passadiço, sobre a avenida
central;
- O pequeno templo;
- Instalações militares e de milícia;
- Depósitos ou armazéns;
- Oficinas de escribas,
- Tabernas;
-Arquivos públicos
71
•
Jardins públicos e privados: inclusive um tipo de jardim zoológico,
com animais selvagens da região. Localizado ao sul da cidade, perto da base
das montanhas do sul, é conhecido como Maru-Aton47, com jardins, piscinas,
um quiosque a céu aberto, compondo um ambiente bucólico que Redford
(1987:149) interpretou como sendo um gazebo, para contemplação do deus.
•
Vila dos artesãos ou vila do leste: abrigou os artesãos que traba-
lharam tanto nas tumbas dos nobres quanto na do rei.
. Localizada em um pequeno vale ao sul de um platô que sai da base
dos penhascos elevados, no lado leste do anfiteatro natural onde a cidade se
assentava, justamente entre a tumba real e as tumbas do sul. Era um recinto
murado com cerca de 80 casas, ordenadas regularmente ao longo de vias paralelas que se comunicavam por cinco ruas orientadas na direção norte-sul. Era
totalmente cercada, de modo que seu único acesso era uma porta vigiada.
Próxima a esse acesso, havia uma casa maior, possivelmente pertencente ao
administrador. A casa-tipo consistia de quatro habitações: uma ante-sala, uma
sala de recepção, uma cozinha e um dormitório. Em alguns casos, uma escada
dá lugar a um terraço. A vila de artesãos de Amarna assemelha-se bastante
com a vila de artesãos de Deir el-Medina, levando a idéia da existência de um
padrão para construção desse tipo de moradia. Entretanto, ao contrário do que
ocorre em Deir el-Medina, em Amarna parece que os trabalhadores das tumbas privadas dos nobres eram os mesmos que trabalharam na tumba real.
•
Altares no deserto: seguindo pela estrada que vai em direção às
tumbas no norte passa-se por remanescentes de três grandes altares solares,
feitos de tijolos, no formato de plataformas quadradas com rampas.
47
Vide Figura 3.
72
•
Subúrbio do Sul ou área residencial sul a principal área residenci-
al da cidade. Localiza-se ao sul do Pequeno Templo de Aton, e da vila moderna de el-Hagg Qandil. Era a parte da cidade ocupada pelas pessoas mais importantes, com exceção do rei, incluindo o vizir Nakht, os sacerdotes Panehsy
e Pawah, o general Ramose, o arquiteto Manekhtawitf e o escultor Thutmés.
•
Subúrbio do Norte ou área residencial norte: Era separado da ci-
dade central por uma depressão no terreno. Localizava-se depois dos palácios
e dos templos, era o principal centro de residências dos funcionários do governo, que corresponderia a uma classe média incluindo também comerciários.
Surgiu após os meados do reinado de Akhenaton e foi aparentemente abandonado abruptamente, após a morte do rei. Após esse abandono, entretanto, as
casas foram reabitadas por pessoas que, aparentemente, não tinham condições de voltar para Tebas, após o período amarniano. Existiam grandes construções oficiais, como estradas que ligavam o leste ao oeste da cidade. Entretanto, as vilas domésticas eram menores, pertencendo aos habitantes de um
status social menos elevado do que os do subúrbio sul ( REEVES, 2001:119 120).
•
Palácio do Norte ou Palácio de Nefertiti: residência real, onde Ne-
fertiti provavelmente teria morado na época em que seu nome não passa mais
a constar das inscrições (ALDRED,1989: 69). Foi construído provavelmente
para uma das rainhas principais, e foi posteriormente alterado, para uso da
princesa Meritaton.
•
Necrópole: com as tumbas dos nobres, dos altos funcionários de
Akhetaton e a tumba do rei e de sua família.
Com a mudança da população para Akhekaton houve também uma mudança de necrópole. Antes dessa mudança, a maioria dos nobres tinha a ex-
73
pectativa de ser enterrada nas necrópoles de Tebas ou de Saqqara em Mênfis.
Após a mudança, uma nova necrópole foi criada, nas escarpas leste da cidade,
destacando-se o fato de que os enterramentos eram, geralmente, associados à
margem ocidental do rio Nilo.
Existem três áreas com localização de tumbas:
•
as Tumbas do Norte (nº. 1 ao 6) pertencentes àqueles funcioná-
rios mais próximos do rei;
•
as Tumbas do Sul (nº. 7 ao 25) de alguns nobres;
•
e o wadi real, com a Tumba Real, as de seus familiares de do
Touro Sagrado Menwer (nº. 26 ao 30).
A necrópole consiste de 25 túmulos48, situados na base da parte fronteiriça do penhasco, na zona leste da planície do deserto. Esses túmulos
provavelmente pertenciam aos altos funcionários do Império e aos oficiais. A
maioria deles tem como entrada um corte que aberto na rocha, que conduz a
três câmaras.
- As Tumbas do Norte
Importante destacar que as Tumbas do Norte chegaram a ser ocupadas
por um assentamento cristão antigo copta, que transformou o túmulo número
seis em uma igreja.
Pertencem as esse grupo as seguintes tumbas:
Nº 1. Huya - principal camareiro da rainha-mãe, tesoureiro e supervisor
do harém real.
48
Excluindo-se as tumbas do wadi real.
74
Nº 2. Meryre (II) – escriba real, supervisor do tesouro e do harém real,
chefe do barco Menesh.
Nº 3. Ahmose - Carregador dos selos reais, escriba real, atendente do
Senhor das Duas Terras, favorito do bom deus, administrador da casa do faraó,
secretário particular do rei, supervisor da Corte de Justiça, portador do abano
do lado direito do rei.
Nº 4. Meryre (I) - Maior vidente de Aton em Akhetaton, Portador do abano à direita do rei, portador do selo do rei, único companheiro. Sua esposa era
a grande favorita da Senhora das Duas Terras.
Nº 5. Pentu - Portador do selo do rei, assistente do Senhor das Duas
Terras, favorito do bom deus, escriba e camareiro real, o primeiro funcionário
de Aton na mansão de Aton em Akhetaton, chefe dos médicos.
Nº 6. Panhesy - Primeiro funcionário de Aton na casa de Aton em Akhetaton, segundo profeta do Senhor das Duas Terras Neferkheprure-Waenre (Akhenaten), o portador do selo do rei. Supervisor do celeiro de Aton em Akhetaton, supervisor do gado do Aton em Akhetaton.
- As Tumb as do Sul
São as maiores tumbas na necrópole. Foram escavadas nos flancos de
um platô baixo, onde a rocha é da menor qualidade. Vários túmulos do setor
sul contêm pouca ou nenhuma decoração e alguns se encontram inacabados.
Pertencem as esse grupo as seguintes tumbas:
Nº 7. Parennefer - Copeiro do rei
75
Nº 8. Tutu - Camareiro do Senhor das Duas Terras, supervisor do ouro e
da prata do Senhor das Duas Terras, tesoureiro de Aton na Casa de Aton em
Akhetaton, supervisor do distrito, principal servidor de Neferkheperure-Waenre
(Akhenaton) na casa de Aton em Akhetaton.
Nº 9. Mahu - Chefe da Guarda de Akhetaton.
Nº 10. Apy (Ipy?) - administrador de Menfis, escriba real, supervisor do
Grande Harém Real.
Nº 11. Ramose - (anteriormente chamado Ptahmose) Escriba dos recrutas, general do exército do Senhor das Duas Terras, comissário administrador
da casa de Nebmaatre (Amenhotep III).
Nº 12. Nakht ou Nakht(paaten) - Vizir, portador do selo, supervisor da
cidade e dos obras em Akhetaton.
Nº 13. Neferkheprehersekheper - Governador de Akhetaton.
Nº 14. May ou Maya - Portador do selo do rei do Alto e do Baixo Egito,
escriba real, general do Senhor das Duas Terras, administrador da Casa “ Acalmando Aton' , escriba dos recrutas, administrador de Waenre (Akhenaton)
em Heliópolis, supervisor do gado da Casa do Re em Heliópolis, supervisor de
todos os trabalhos do rei, portador do abano do lado direito do rei.
Nº 15. Suty - carregador do abanador de Neferkheprure-Waenre (Akhenaton)
Nº 16. Anônimo
Nº 17. Anônimo
76
Nº 18. Anônimo somente a fachada da tumba foi completada.
Nº 19. Sutau - Tesoureiro do Senhor das Duas Terras.
Nº 20. Anônimo
Nº21. Anônimo
Nº 22. Anônimo - O lintel mostra a família real adorando Aton. Akhenaton é mostrado que usando a coroa Khepresh. Nefertiti, usando sua coroa azul,
seguida por três princesas, provavelmente Meritaton, Meketaton e Akhesenpaaton. Atrás das princesas vemos a irmã da rainha, Mutnodjemet.
Nº 23. Any - Verdadeiro escriba real, escriba da Mesa de Oferendas do
Senhor das Duas Terras. Escriba da Mesa de Oferendas de Aton na Casa de
Aton, em sua casa em Akhetaton. Administrador da Casa de Aakheprure (Amenhotep II).
Nº 24. Paatenemheb - Escriba Real, General do Exército do Senhor das
Duas Terras, Administrador do Senhor das Duas Terras.
Nº 25. Ay - O fa vorito do Bom Deus, portador do abano do lado direito
do faraó, Verdadeiro escriba do rei, Pai do Deus (it netjer), comandante dos
cavalos do rei, o confidente em toda a terra.
- O Wadi Real
Nº 26. A tumba real: Akhenaton e família real (Meketaton, Kiya, Tiye, Nefertiti?) a ser vista detalhadamente no próximo capítulo.
Nº 27. Anônimo - não terminada, (possivelmente pertencente a algum
membro da família real)
77
Nº 28. Touro Menwer (?) possivelmente pertencente ao touro sagrado
de Menwer49, uma encarnação do deus criador Atum. Este túmulo assemelhase àqueles usados para os touros Apis em Saqqara. Foram encontrados nesta
tumba restos de um touro em um local de descarte de materiais. Inicialmente
imaginou-se tratar de parte de oferenda, mas é possível que sejam remanescentes do touro sagrado.
Nº 29. Princesa Neferneferure (?) - Foi encontrado nesse local um fragmento de ânfora com um texto que identifica o objeto como pertencente à câmara de sepultamento de Neferneferure. O sepultamento da princesa neste
túmulo separado da família real pode significar que sua morte tenha ocorrido
muito próxima da de seu pai Akhenaton.
Nº 30. Anônimo - tumba pequena, provavelmente para um indivíduo.
Algumas dessas tumbas foram reutilizadas para sepultamentos posteriores, e grande parte delas possui fragmentos de vasos, a maioria datando entre
a 25ª e a 30ª Dinastias.
4.3 Período pós amarniano – de volta à Tebas
O processo de sucessão após a morte de Akhenaton leva a um período de grande instabilidade na história egípcia. Tirando o período sucessório
correspondentes aos reinados de Tuthmés III, Hatshepsut e Tuthmés IV, a
XVIIIª dinastia se caracteriza por mudanças não problemáticas, com os herdeiros ascendendo ao trono sem grandes problemas. Entretanto, o mesmo
não podemos dizer no que se refere à sucessão do faraó Akhenaton. É no
49
Nicholas Reev es ( 2001:130) “Apesar da negação amarniana com relação à adoração de animais, um
animal, por sua associação solar (...) que f oi fav orecido com uma tumba. (...). Em 1980, G. Martin e Mark
Lerner - registraram a semelhança da planta desse túmulo com as tumbas dos bois Apis da 18ª. Dinastia,
descobertas em Saqqara em 1850 é espantosa”.
78
faraó Tutankhamon, possivelmente seu filho, mas que não o sucedeu imediatamente no trono, que vamos encontrar e melhor testemunho da situação em
que se encontrava o país e a cidade, após a morte do rei. Assim, podemos
ler na conhecida Estela da Restauração50, encontrada no terceiro pilono do
templo de Amon em Karnak, datada do reinado de Tutankhamon e promulgada em Mênfis51:
(...) Ele fez com que tudo o que foi destruído florescesse como um
monumento para os tempos da eternidade; expulsou o engano das
Duas Terras. Ju stiça foi assentada e ela [fez com que] a coisa falsa
seja a abominação do país [como em seus primeiros tempos]. Agora,
quando Sua Majestade apareceu como rei, os templos dos deuses e
as deusas, desde Elefantina [até] os pântanos do Delta tinham caído
em ruínas. Seus santuários estavam destruídos e foram transformados em campos que produziram ervas daninhas; suas capelas pareceriam que nunca tinham existido e suas salas serviam de caminhos
para viajantes. O país estava revoltado e os deuses tinham se virado
de costas. Se uma expedição era mandada a Djahi para estender as
fronteiras do Egito,não se obtinha nenhum sucesso. Se pedia a um
deus que mandasse um designo, nunca chegava [absolutamente]
nunca chegava. Seus corações estavam irritados. Eles destruíram o
que estava feito. (...)
Ademais, Sua Majestade fez monumentos para os deuses, <erigindo> suas estátuas de autêntico ouro fino, o melhor das terras estrangeiras, construindo novamente seus santuários como monumentos para todos os tempos da Eternidade, estabelecidos como propriedades eternas, determinando para eles oferendas divinas como
uma observância diária e regular, e abastecendo suas oferendas de
alimentos sobre a terra. Ultrapassou o que tinha sido feito anteriormente, foi mais além do que já tinha sido feito desde os tempos de
seus antepassados. Colocou na sua posição de sacerdotes de profetas os filhos dos nobres de suas cidades, filhos de pessoas conhecidas, cujo próprio nome era conhecido. Aumentou suas <propriedades> com ouro, prata, bronze e cobre, sem limite em nenhum aspecto. Encheu suas casa s de trabalho com escravos e escravas, com
tributos da parte de Sua Majestade. Todas [as propriedades] dos
templos foram duplicadas, triplicadas e quadruplicadas em prata,
[ouro], lápis-lazúli, em turquesa e todo [tipo de] pedra preciosa, linho
real, linho branco, linho fino, azeite de oliva, goma, manteiga, <...>
incenso ihemet, mirra, sem limites. Sua Majestade – vida, prosperidade, saúde! - construiu seus barcos fluviais com o cedro novo dos
Terraços, [com madeira] seleta de Negau, trabalhada com ouro, o
melhor das terras estrangeiras. Iluminaram o rio. (…) Sua Majestade
- vida, prosperidade, saúde! – consagrou escravos e escravas, as
cantoras e os dançarinas, que são empregados do palácio. Seus salários estão confiados ao <...> do palácio real do Senhor das Duas
Terras. Eu procuro que eles sejam preservados e protegidos por
50
e reutilizada posteriormente pelo f araó Horemheb.
In:http://www.egiptologia.com/religion-y -mitologia/60-temas-generales/1253-algunas-ref lexiones-sobrela-clausura-de-los-templos-durante-el-periodo-amarnico.html, consulta em 26 de março de 2009 às 16:10
hs.
51
79
meus pais, todos os deuses, por um desejo satisfazer-lhes dou o que
seus kau desejam, assim poderão proteger [o Egito]. Os corações
dos deuses e das deusas que estão nesta terra são satisfeitos. Os
proprietários dos altares são regozijados; as regiões estão em júbilo
e com alegria (….) 52.
A cidade foi então aos poucos abandonada e coberta pela areia do deserto. Recentes pesquisas realizadas ao sul da cidade, próximas às tumbas
nobres do sul, nos trazem uma realidade não registrada em templos e palácios.
Trata-se de um local onde foram localizados vários fragmentos cerâmicos da
XVIIIª Dinastia e ósseos (em boas condições de conservação), espalhados na
superfície do solo, de Amarna. É o resultado de prováveis inundações que lavaram boa parte do cemitério dos trabalhadores braçais da cidade, localizado
em um barranco na planície. Para o arqueólogo Barry Kemp e para o professor
Jerry Rose53, esses enterramentos revelam um retrato diferente da cidade, um
oposto da imagem que Akhenaton promoveu da cidade. Indicam-nos uma população cuja alimentação era escassa e extremamente pobre do ponto de vista
nutricional, fazendo com que a população da cidade tivesse a estatura mais
baixa da história do Antigo Egito e tivessem problemas de coluna, associados
aos trabalhos pesados em um ambiente cujas temperaturas chegavam a 40°C.,
trabalhando duramente desde idades muito novas. A incidência da morte jovem
entre a população de Amarna era alta, considerando o total dos remanescentes
estudados. Muitos não viveram além de 35 anos. Aos 20 anos, dois terços da
população já se encontrava inoperante. Os arqueólogos também estão começando a aceitar a ocorrência de uma epidemia na cidade54. Essa informação é
confirmada pelos registros históricos relacionados aos Hittitas, que se referem
a uma devastação causada por uma epidemia, levada pelos egípcios captura52
Tradução liv re do espanhol pela autora.
Cf. http://news.bbc.co.uk/1/hi/sci/tech/7209472.stm e http://www.ees.ac.uk/home/amarna.htm, acessos
em 06/05/2009.
54
Idem.
53
80
dos numa batalha ocorrida em torno da época de Tutankhamon. Essa epidemia
pode ter sido definitiva com relação ao término do período amarniano.
Com o abandono da cidade termina também o período amarniano.
Nenhuma outra cidade foi construída no local, sendo o material mais nobre
de construção retirado e reaproveitado em outras edificações.
81
5. A Tumba real de Amarna
Quando Akhenaton subiu ao trono deu início à construção de sua
tumba na necrópole tebana, quando então os artistas começaram a elaborar
os respectivos acessórios funerários nas oficinas reais. Entretanto, após a
sua decisão de abandonar Tebas, tudo foi abandonado.
A intenção de Akhenaton de preparar o local de seu sepultamento data do início do projeto da construção da sua nova cidade. Para tal, escolheu
os penhascos do lado leste de Amarna, conforme podemos ler no texto de no mínimo - três estelas demarcatórias ou de proclamação (MARTIN,
1989:03), conforme pode ser lido no seguinte texto:
“Permita que uma tumba seja feita para mim na montanha oriental de Akhetaton. Deixe meu enterro ser feito nela, nos milhões
dos jubileus que o Aton, meu pai, decretou para mim. Deixe que o
enterro da esposa do grande rei, Nefertiti, seja feito nela, nos milhões de anos [ que o Aton, meu pai, decretou para ela. Deixe o
enterro] da filha do rei, Meritaton, [seja feito] nela, nestes milhões
dos anos. Se eu morrer em qualquer cidade rio abaixo, ao sul, ao
oeste, ao leste nestes milhões dos anos, deixe-me ser trazido de
volta, para que eu possa ser enterrado em Akhetaton. Se a esposa do grande rei, Nefertiti, morrer em qualquer cidade rio abaixo,
ao sul, ao oeste, ao leste nestes milhões dos anos, deixe-a ser
trazida de volta, para que possa ser enterrada em Akhetaton. Se a
filha do rei, Meritaton, morrer em qualquer cidade rio abaixo, ao
sul, ao oeste, ao leste nos milhões dos anos, deixe-a ser trazida
de volta, para que possa ser enterrada em Akhetaton. Deixe que
um cemitério para o touro Menwer [seja feito] na montanha oriental de Akhetaton, para que ele possa ser enterrado nele. Deixe
que as tumbas do Chefe dos Supervisores, dos Pais do Deus [Aton ...] sejam feitas na montanha oriental de Akhetaton, para que
possam ser enterrados nelas. Deixe [as tumbas] dos sacerdotes
de [Aton] sejam [feitas na montanha oriental de Akhetaton] e que
eles possam ser enterrados nelas” (texto da estela K)55.
Assim, sua tumba está localizada numa ramificação lateral a oeste do
Wadi Real ou principal (Abu Hasâh el-Bahri), entre os dois grupos de tumbas
nas montanhas de Amarna. Situa-se numa base rochosa cuja pedra é de
baixa qualidade, numa distância de 6 km da entrada do wadi, a cerca de cin55
Estela datada ao ano 5, IV Peret – “semeadura”, dia 13 do reinado, cf .
http://www.amarnaproject.com/pages/amarna_the_place/boundary_stelae/index.shtml,
acessada em 17 de abril de 2009 e REEVES, 2001:115.
82
co km da Vila de el-Till. Foi estudada entre 1891-92 pela Egyptian Antiquities
Society.
A tumba foi redescoberta por Flinders Petrie e Wallis Budge nos anos
de 1887/8, mas algumas peças de joalheria assumidamente pertencentes a
essa tumba já haviam chegado ao mercado de antiguidades já em 1882, atestando que já era conhecida anteriormente, e recuando a data de conhecimento da tumba para o início dos anos 1880. Oficialmente, ela foi descoberta
por Alessandro Barsanti, do Serviço de Antiguidades, em dezembro de 1891
(MARTIN, 1089:04). Os estudos das inscrições e dos relevos da tumba foram
feitos pela expedição epigráfica enviada à Amarna nos anos de 1893 e 1894,
sob a chefia de Bouriant, então diretor da Missão Arqueológica Francesa.
No ano de 1931, sua área externa e partes da interna foram escavadas pela Egyptian Exploration Society, quando então foram encontrados
fragmentos de objetos, inclusive datados do período romano no chão do wadi. Uma expedição do Serviço de Antiguidades realizada no ano de 1934 realizou o resgate de 12 shabits e cerca de três fragmentos de shabit. Em 1935
aconteceu a expedição Pendlebury.
A tumba foi construída com sua entrada voltada aproximadamente para o leste. Embora seu plano se diferencie das linhas ortodoxas características da XVIIIª Dinastia, de um modo geral, seu projeto não difere muito das
tumbas do Vale dos Reis em Tebas. É nela que, pela primeira vez, ocorre um
abrandamento da inclinação da descida (figura 4), o que permitiu uma maior
facilidade para a descida do caixão para o interior do túmulo e a utilização do
eixo central reto, ligando diretamente a entrada da tumba com a câmara mortuária, o que levou a interpretação da incidência intencional da luz solar so-
83
bre o túmulo do faraó, supondo-se que tenha sido considerada a intenção de
receber a luz de Aton ao alvorecer e iluminar a câmera mortuária. Essa hipótese vem a ser contestada no meio acadêmico, pelas alegações de que o
caixão estaria fora da linha central e que a tumba deveria ser lacrada após o
sepultamento, o que impediria a incidência da luz solar.
5.1 Descrição da Tumba Real 56
Voltada aproximadamente para o leste, é cortada na rocha, no nível
do leito do wadi real. O acesso ao seu interior se dá pelos umbrais rebocados da porta, com cerca de 1m. de largura. Chega-se ao seu interior por um
lance de 20 degraus de cada lado de um plano inclinado liso. Trata-se de um
deslizador central, também com um metro de largura, facilitador da descida
do sarcófago, e que dá ingresso à entrada da tumba propriamente dita (A).
Existem traços de argamassa nos degraus e no deslizador. Suas paredes laterais foram rebocadas para a correção das imperfeições da rocha.
Nesse local foram encontrados 25 fragmentos de shabits com a nomenclatura real de Akhenaton, atualmente guardados no Museu do Cairo (BOURIANT
et alii 1903:6). Essas estátuas funerárias apresentam a nomenclatura real no
lugar das tradicionais fórmulas funerárias comuns, pois Akhenaton aboliu os
textos funerários. O rei é apresentado em forma de múmia, com seu rosto
apresentando seus traços faciais. Seu corpo é representado com suas características particulares, ou seja, parte superior das pernas grossas e seios
destacados. Leva com o toucado claft, uraeus e a barba. Portam geralmente
o chicote e o cajado, sendo que um apresenta um símbolo ankh em cada
mão, enquanto que um outro não tem nada nas mãos (BOURIANT et alii,
1903:3).
56
Com base na descrição de MARTIN, G,1989: 11 a 27.
84
Figura 4 - A tumba real de Amarna.
Imagens adaptadas de www.osirisnet.net e http://digupthepast.wordpress.com/2009/02/12/getting-closer/, acessos em 16 de maio de 2009
Do ponto da escadaria de acesso se inicia um corredor inclinado sem
qualquer tipo de decoração (B).
Como várias tumbas reais, esta possui um corredor que desce em direção ao seu interior. Sua peculiaridade está no fato de ser mais comprido do
85
que aquelas anteriores ao período amarniano. Entretanto, um segundo corredor, existente nas outras tumbas não está presente na de Akhenaton. Seu
corredor tem 21,80 m. de comprimento, 3,20 m. de largura, e 3,47m. de altura. Todo o teto e as paredes receberam reboco nos locais que necessitavam
que fosse feita a correção das imperfeições da rocha. O piso inclinado é
cheio de buracos, preenchidos com núcleos das pedras encontradas pelos
trabalhadores quando a passagem estava sendo aberta. Quase no meio de
sua extensão existe uma abertura que leva a outro corredor de acesso a câmaras inacabadas (J,K,L,M,N). O corredor, em declive, se nivela a 2m. antes
de chegar à porta que dá acesso à outra escadaria (C).
Essa escadaria consiste de um outro lance de degraus toscamente talhado, e semelhantemente ao primeiro, possui também um deslizador central
de 1,26m de largura. Existem ainda traços de reboco nela, principalmente
para a correção das imperfeições no seu teto, mas não há sinal de decoração. O lintel da porta leva a uma plataforma que termina no poço (D). Esse
lintel já se encontrava quebrado no momento da descoberta da tumba, e talve z tenha sido o resultado da ação ou dos iconoclastas ou dos ladrões que a
saquearam. Não podemos descartar também a possibilidade da derrubada
das paredes e portas estar associada ao trabalho de transferência realizada
por Tutankhamon após o término do período amarniano, com o objetivo de
proteger a múmia de Akhenaton. Importante destacar que o fato do lintel ter
sido arrombado indica claramente que a porta se encontrava bloqueada e
selada, indicando a ocorrência de um sepultamento na câmara funerária.
Segue-se o poço, cuja profundidade é de 3,12m. Suas paredes não
têm reboco e são grosseiras. A função desse poço é, junto com o bloqueio
da porta, impedir o acesso à sala E, que vem a seguir.
86
Uma pequena rampa desce da porta da sala do poço até a sala E, que
tem 10,36 por 10,40 m², e ao primeiro olhar dificilmente alguma coisa da decoração parece ter sobrevivido, uma vez que muito foi destruído. Infelizmente, depois da morte o rei, ela sofreu o ataque de iconoclastas oponentes a
Akhenaton, quase nada restando das cenas e das inscrições que antes cobriam as paredes. Alterações ambientais também colaboraram para a destruição desses painéis.
Algumas figuras representadas, principalmente as reais e o disco Aton, foram gravadas ou delineadas na rocha de forma grosseira, antes do
reboco ser aplicado, para facilitar o trabalho posterior de modelagem das
formas.
O lado direito da câmara mortuária de Akhenaton é maior que o esquerdo, formando uma descentralização com relação ao espaço total da sala. Isso se dá em razão da delimitação no solo para o lugar em que o sarcófago do faraó seria erguido, este marcado por uma elevação de cerca de um
centímetro do nível do chão. Seu teto é bastante desigual, com grandes remendos de argamassa em sua superfície. O piso é grosseiro, como os das
outras salas e passagens da tumba. Existem pilares, porém sem evidências
de que existissem outros dois, como era de se esperar em razão da sua disposição espacial. É teoricamente possível que além dessa sala que serviu
como câmara mortuária, tenha sido projetada uma outra realmente para uso
mortuário. Entretanto, tendo a morte do faraó ocorrido antes do término dos
trabalhos, fez com que o sepultamento fosse então realizado na sala E. Se
essa hipótese for correta, foram retirados dois pilares e rebaixado o nível do
chão para acomodar as capelas que ficavam em volta do sarcófago, e deve-
87
ria existir um lugar para os vasos canopos e demais equipamentos funerários.
A base do sarcófago, medindo 2,86m. de largura e 10cm. de altura ainda está no piso da sala. Todas as paredes da câmara foram revestidas de
argamassa para nivelação e preparação para os trabalhos decorativos existentes.
No canto norte da câmara existe uma projeção escavada, mas não
terminada (F), que pode corresponder a uma tentativa de se escavar mais
uma sala. O propósito dessa sala não está claro, e pelas dimensões do espaço aberto, está excluída a possibilidade de que poderia ser um nicho.
Voltando pelos degraus de acesso à câmara, existe uma abertura na
parte superior esquerda da parede sul, que leva às três salas Alfa (G), Beta
(H) e Gama ( I ). Tem 90 cm. de altura, 1,60m. de largura, e foi rebaixada a
uma profundidade de 5 cm. A primeira e a última receberam decorações.
É na sala Alfa (G) que se encontra o painel com a cena por nós estudado. Seu teto é de argamassa que encobre as imperfeições naturais da rocha. Suas paredes são irregulares, sendo que grande parte da sua decoração está assentada tanto na rocha quando na argamassa. Os trabalhos de
decoração gravados parecem mal acabados, sendo que a melhor delas foi
modelada na argamassa e posteriormente completada com pinturas. Fragmentos de granito rosa com o nome da princesa Beketaton foram encontrados nessa sala (BOURIANT et aliii, 1903:15).
Segundo MARTIN (1989:27), além dos relevos, é importante destacar
os quatro nichos cavados rudemente nas paredes. Esses nichos serviam
88
para receber os tijolos mágicos57 protetores e amuletos, embora não haja
nenhum registro de que tenham sido encontrados amuletos associados a
esse túmulo. Parece que foram abertos depois que as cenas gravadas nas
paredes já tinham sido terminadas. Imagina-se que uma vez os tijolos tivessem sido colocados, esses nichos seriam selados e fechados com argamassa.
A presença desses nichos nessa sala é muito importante para interpretar sua utilização como câmara funerária. As gravações das cenas decorativas seriam então refeitas, recompondo-se as partes destruídas. Entretanto, os fragmentos da argamassa no nicho sul (parede F) não parecem ter
obtido esse tratamento. No alto dos seus cantos direito e esquerdo ainda
existe argamassa, sendo que essa não possui sinais de reconstituição da
cena. Os nichos estão nas paredes B, F, A e C.
O tijolo pertencente à parede sul (figura 5) possui o seguinte texto:
1. eu, as areias [de teus pés afasto]
2. afasto quem afasta-o
3. do fogo dos desertos, eu
4. aqueço com o fogo dos desertos, eu
5. guardo o caminho
6. eu protejo Osíris, a Rainha
7. Neferkheperw-Rê WaniRê58
Interessante destacar que, embora o texto leve o nome do faraó, o texto
nele inscrito se encontra no feminino.
57
Uma forma de proteção de amuleto para os sepultamentos do Novo Império, foi um conjunto de quatro tijolos mágicos, feitos de barro. Cada um carregava um amuleto e eram colocados em nichos, um em cada parede da câmara mortuária. O do norte levava uma figura
mumiforme de madeira, o do sul uma haste com uma mecha representando uma tocha, a do
leste um chacal de barro cru, e o do oeste um pilar djed de azul vidrado. O propósito desses
tijolos, que também eram inscritos com os textos individuais curtos que formam o capítulo
151 do Livro dos Mortos, era prevenir a abordagem dos inimigos do morto vindos de qualquer um dos quatro pontos cardeais. (QUIRKE, S e Jeffrey Spencer ,1997:94:96).
58
Tradução feita pelo Prof. Dr. Antônio Brancaglion Jr., tendo por base os hieróglifos existentes
na imagem do referido tijolo.
89
Considerando-se a possibilidade dessa sala ter sido utilizada com o
câmara mortuária, nota-se que não há no chão nenhum sinal da base de apoio para o sarcófago. No seu canto leste foram resgatados fragmentos de
granito vermelho de um sarcófago, possivelmente de Meketaton.
A sala Alfa (G) possui paredes de cerca de 5,5 m de comprimento por
4m. de altura. Seu tema de decoração principal é abordado de duas formas:
a família real fazendo adoração ao disco solar em dois dos seus aspectos,
tanto nascendo sobre a montanha leste de Akhetaton (parede A) (figura 19),
como se pondo sobre a escarpa oeste (parede C). Embora esses painéis
sejam muito semelhantes, apresentam diferenças significativas, conforme
veremos a seguir.
Esses baixos relevos se referem a um duplo sistema de representação
de adoração a Aton. A dualidade é diagonal, uma vez que o sol nascente é representado sobre a montanha no ângulo nordeste, enquanto que o sol poente
se encontra no ângulo sudoeste da sala. BOURIANT et alii (1903:15) apontam
essa dualidade, porém não fazem distinção entre as diferenças apontadas por
MARTIN (1989: prancha 34), que entende que a parede A corresponde à representação do sol nascente, enquanto que a parede C corresponde ao sol se
pondo.
90
Figura 5 - Identificação das paredes da sala Alfa e das oposições das cenas.
Bouriant et alii, p.15
Assim, aceitando-se a interpretação de Martin para essas duas cenas,
o sol se levanta no ângulo X e se põe no ângulo Y.
Atinge-se a sala Beta (H) por intermédio de duas aberturas existentes
na sala Alfa (G). Não existem traços de que essas aberturas houvessem sido
fechadas, mas pode-se supor que tenha servido para a guarda do equipamento funerário da sala Alfa (G), já que, para esse uso não seria necessário
o bloqueio. Não há decoração, mas alguns traços de argamassa ainda existem nas paredes irregulares.
No momento do seu descobrimento as paredes da sala Gama ( I ) se
encontravam em bom estado de conservação. Entretanto, muitos relevos não
existem mais.
Foram encontrados fragmentos de cerâmica no chão. Seu teto é recoberto por uma argamassa para nivelamento das suas imperfeições, da mesma forma que suas paredes irregulares. Existem decorações em algumas
91
paredes, as quais, após o seu término de sua execução, foram cobertas por
uma mão de tinta amarela, que ainda está aparente.
Abaixo do acesso que leva às três salas, na parede leste adjacente,
existem placas de argamassa superpostas na original, podendo representar
os restos do bloqueio original de acesso a esse conjunto de salas. Não existem traços de selos impressos nessas argamassas.
Voltando ao corredor principal, uma abertura à esquerda dá acesso a um
conjunto de três salas inacabadas ( Alfa/G, Beta/H, Gama/ I). Peças de granito
do sarcófago do rei (câmara principal de sepultamento), fragmentos dos sarcófagos da rainha Tiye (sala Alfa (G) e de Meketaton (sala Gama) foram achados
na tumba, sugerindo seus sepultamentos nela também. Do mesmo modo existem indícios de que a esposa secundária Kiya também tenha sido sepultada na
sala Alfa (G) da tumba. Além de existir um painel com cenas de oferendas a
Aton também existe uma cena registrando a morte de uma personagem real, e
um bebê sendo segurado no colo por uma personagem.
É possível que Nefertiti também tenha sido enterrada numas das salas
inacabadas que compõem a estrutura do túmulo. Até Amenhotep III pode ter
sido sepultado nessas salas.
Foram recuperados vários objetos que podem servir de testemunhos
do uso da tumba, embora não haja certeza de que todos os personagens
acima citados tenham efetivamente sido enterrados lá.
5.2 Principais objetos encontrados na tumba
− shabtis (quartzito, arenito, granito, calcário, calcita, faiança)
− contas e hastes de vidro
− pratos e frascos do alabastro
92
− fragmentos de vasilhas de pedra (diorita) com os nomes dos reis Tuthmes III e Khéfren
− fragmento do recipiente (diorita) de Amenhotep III
− fragmento do recipiente (diorita) de Tuthmes III
− fragmentos do sarcófago (granito rosa)
− placas metálicas (ouro, bronze) do sudário
− caixa dos vasos canopos (calcita)
− liteiras
− blocos de pedra calcária associados ao embalsamamento
− fragmentos de madeira do mobiliário funerário
− caixas e cofres diversos (calcita, faiança)
− miniatura de barco de madeira
− estatueta de pedra calcária
− estela de pedra calcária
− fragmentos das estátuas (calcita, pedra calcária)
− cabeças dos uraeus de faiança
− incrustração (calcita e vidro)
− vasilhas (diorito, pedra calcária, calcita, faiança e cerâmica)
− rótulos des frascos cerâmicos
− lacre de jarro pertencente
− ostraca de pedra calcária
− jóias em ouro, cornalina, turquesa, quartzo, esteatita, vidro, faiança
− bastões de arremesso de faiança
− almofariz
− faca (silex)
− tecido
− fragmentos de sarcófago (granito vermelho) de Tiye
− fragmentos de sarcófago (granito vermelho) de Meketaton
− restos humanos (intrusos?)
− tecidos intrusos
− jóias intrusivas59
5.3 O sarcófago de Akhenaton
Feito em granito rosa, apresenta decorações compostas pelo deus Aton, cartuchos reais e textos com parte do Hino a Aton (figuras 6 e 7). Em
seus quatro cantos, está representada a imagem de Nefertiti com seus braços abertos em atitude protetora. Exposto atualmente no Museu do Cairo,
após a sua restauração o sarcófago tornou-se assimétrico, passando a ter as
seguintes medidas:
altura: 1,32 m
59
www.egiptologia .com, acesso em 28 de maio de 2009.
93
comprimento:
lado B - 287 cm no alto e 285 na base;
lado D - 288,5 cm no alto e 286 cm na base.
largura:
espessura das paredes: 9 cm.
lado A - 125,5 cm. no alto e 121,5 cm na base;
lado C - 122 cm no alto e na base 121 cm.
Seu interior não é decorado, e as paredes internas parecem que nunca foram totalmente niveladas e polidas. Os cantos internos são arredondados. Quanto à sua decoração externa, podemos observar:
•
Lado A: no centro, ao alto, o disco solar é gravado em alto relevo
destacado com uraeus e ankhs pendentes de mãos; os raios de Aton gravados
sobre inscrições.
•
relevo.
Lado B: no centro, no alto, apresenta o disco uraeus e ankh em
•
Lado C: igual ao A, mas com menos vestígios recuperados.
•
Lado D: igual ao B.
Figura 6 - Croqui da restauração do sarcófago de Akhenaton
ib205.tripod.com/akhenaten_tomb.html, acesso em 04/06/2009
Figura 7 - Imagem do sarcófago de Akhenaton após sua restauração
http://www.osirisnet.net/tombes/amarna/akhenaton/e_akhentomb.htm, acesso em 04/06/2009
94
Pelo estado de fragmentação em que o sarcófago foi achado, pode
ser visto como uma comprovação da teoria que entende ter havido na tumba
real uma revanche destruidora das referências ao rei (damnatio memorae),
danificando os elementos que, no modo de pensar egípcio, pudessem manter vi va a memória e a alma de Akhenaton, ou uma possível vida no outro
mundo.
O conjunto tumba/sarcófago é um elemento confirmador do ideal materializado na estela demarcatória da cidade de Akhetaton, que testemunha a
intenção do rei de ser sepultado naquela cidade. O sarcófago, por sua vez,
apresenta em sua decoração externa “padrões” artísticos em total coerência
com a proposta da reforma político-religiosa empreendida pelo faraó.
Podemos supor que a presença de Nefertiti (substituindo as quatro
deusas protetoras do sarcófago) serve como indício, ou mesmo como elemento confirmador, do elevado papel desempenhado por essa rainha na reforma empreendida, possibilitando o entendimento de que esta rainha assumiu - uma vez já morta quando do falecimento do faraó - um papel de deusa
protetora e guardiã do morto numa possível eternidade.
Existe um caixão recentemente restaurado que está sendo associado
a Akhenaton, por suas características peculiares. Os cartuchos com o nome
do morto foram arrancados, e seu rosto danificado. Esses elementos podem
estar associados á destruição da memória do rei por parte de seus opositores.
95
Conforme já foi anteriormente mencionado, a múmia de Akhenaton
pode ter sido removida para o Vale dos Reis, possivelmente durante o reinado de Tutankhamon. Estudos estão sendo realizados com o objetivo de apurar se a múmia encontrada na tumba nº 55 do Vale dos Reis pertenceria a
Akhenaton, mas as evidências, até o presente momento, nos mostram uma
estrutura óssea compatível com uma idade muito nova para ser aceita como
a do faraó.
96
6. Análise da cena de adoração e oferenda do painel da
sala Alfa
Para um melhor desenvolvimento de nosso estudo, foi adotada a visão
de ALDRED (1986:178), onde cada parede é considerada como uma unidade única e coberta pela cena completa. Assim, a imagem que passamos a
descrever encontra-se retratada em uma única parede da sala, embora não
devamos desconsiderar uma possível integração com as cenas das demais
paredes. Para, Bouriant (1903:16) a parede B completa a parede A.
A imagem domina toda a parede, numa cena narrativa contendo personagens, textos e objetos, registrando diferentes ações que ocorrem ao
mesmo tempo, mas ligadas a um tema central único: o ritual de adoração e
oferendas ao deus Aton. Tanto as figuras quanto os textos representam regras codificadas e fortemente controladas pelo faraó.
A cena em questão encontra-se gravada na parede A da sala (figura
19), sobre uma camada de estuque. A parede mostra sinais não somente de
alteração da cena original, mas também de um acabamento apressado, em
razão da forma esquemática que os personagens de fundo e objetos estão
representados. Assim, as faces dos oficiantes do templo, na maior parte das
ve zes, não possuem detalhes (MARTIN, 1989:82).
Em alguns lugares o artista, provavelmente em razão da pressa, confundiu alguns detalhes arquitetônicos do templo, ou teve que alterar a posição dos braços, onde ocorreram os erros de sobreposição de imagens.
Algumas cores do relevo sobreviveram. A cor da pele das figuras humanas era pintada com uma mistura de vermelho e marrom, com os raios de
Aton, o gado, as oferendas e as linhas de contorno dos registros em preto.
97
Existem traços de verde, e algumas cores indefinidas na cornija do pilono de
entrada do lado direito da imagem. O fundo parece ter sido amarelo.
A cena da parede A apresenta características de ter sido retrabalhada,
em especial as imagens da família real, que, originalmente, se encontravam
representadas na forma esquemática e de características exageradas do
estilo do início do período amarniano, sendo uma tentativa de amenizar as
imagens desses personagens. Nessas figurações iniciais, o rei e a rainha
eram tão caricaturados ao ponto de, no caso de um relevo muito fragmentado, ser impossível saber se a representação era do rei ou da rainha (Alfred,
1973, Werner, 1979, apud VANDERSLEYEN, C. 1995:420). Assim, em um
dado momento na construção da tumba real, essas imagens passaram para
o estilo mais leve, específico do final do reinado de Akhenaton (MARTIN,
1989:30).
Como consequência, a disposição do casal real parece ter sido alterada, sendo deslocada mais para o lado esquerdo, para poder acomodar as
figuras das princesas, localizadas atrás da imagem de Nefertiti. Para que
essa alteração na cena fosse possível, foi colocada argamassa sobre as figuras originais, e a nova gravação foi então realizada.
Apresentando características canônicas, tem por base uma cena localizada numa camada abaixo, e, portanto, mais antiga, que foi alterada por
motivos que desconhecemos. A maior parte se passa no interior de um templo, cujos elementos arquitetônicos e ações nos levam a identificá-lo como
sendo o Grande Tempo de Aton em Amarna. Refere-se a um momento religioso ligado a um ritual de saudação e oferenda à divindade, realizado pela
família real, que executa o ritual da manhã no momento em que o sol surge
98
no horizonte oriental da cidade. O grupo está acompanhado de duas fileiras
situadas ao seu redor, formadas por seus cortesãos, que se encontram curvados em sinal de respeito.
No canto leste da cena vê-se o sol, representado nascendo sobre o
horizonte leste. O disco está gravado de forma muito profunda. A linha curva
à sua esquerda talvez represente um esboço abandonado pelo artista executor.
Abaixo da imagem do sol nascente, na escarpa que dá para o deserto,
avestruzes60 e gazelas são representadas se elevando no horizonte da manhã, saudando Aton fora do templo61, completando a cena do início da manhã62 Possivelmente esse tema seja uma representação em imagem do
Grande Hino a Aton, que registra o ciclo diário do deus-sol63.
Akhenaton e sua família adoram o Disco Solar/Aton, cercados por cortesãos. Este deus se apresenta de frente, seus raios terminando em mãos
que se apresentam em perfil, segurando ankhs, ou símbolos da vida. Seus
raios aparecem sobrepostos aos elementos arquitetônicos. Existem por toda
a extensão bidimensional objetos como altares e mesas repletos de oferendas de pães, aves, carnes e flores (Bouriant, 1903:16). Esse trabalho tem
ainda alguns traços de pintura.
60
Animais associados ao culto solar.
Para Aldred, (1973: 71), esses animais estão acordando).
62
Os animais que exitem na cena da parede A logo abaixo de Aton, não estão presentes na parede
oposta, ou seja, C. A implicação parece clara para Martin: trata-se na sua opinião, da representação do
sol se pondo nas montanhas do lado oeste, com os animais em repouso noturno. A f amília real está
f azendo o ritual do anoitecer, que em uma primeira análise, parece não se dif erenciar daquele do amanhecer.
63
“Os pássaros v oam dos seus ninhos com suas asas [erguidas] em louvor de seu espírito. Todos os
animais saltam (...)” in ALDRED, C., 1973:71).
61
99
O rei é representado maior que os outros personagens. Os hieróglifos
encontram-se na sua função de completar o espaço, identificando os personagens. A ordenação dos móveis e dos demais objetos é trabalhada em perfil.
Algumas figuras humanas e oferendas foram gravadas de um modo muito sucinto, deixando claro que o artista teve tempo simplesmente para esboçar a
cena. Personagens seguram objetos orientados em uma só direção, voltados
para a esquerda do observador; encontram-se símbolos gráficos por toda a
extensão bidimensional.
Tendo por início da observação a referência esquerda do espectador,
destaca-se a cena do deus Aton se elevando do horizonte oriental Aton encontra-se representado no canto superior esquerdo da imagem.
− A imagem do rei
Sendo a figura do faraó aquela de maior dimensão e que mais se sobressai na cena analisada, daremos destaque na sua análise. Assim sendo,
observamos que o faraó encontra-se figurado com frontalidade de tronco, pernas, braços e cabeça em perfil. Seus olhos apresentam a característica do estilo egípcio, permanecendo na posição frontal, sendo que o rosto volta-se para a
direita do rei, como na maioria das representações egípcias. Sob esses aspectos não são grande as mudanças ocorridas na imagem real, seguindo o padrão
antigo. Seguindo as formas do novo estilo, apresenta, sob uma forma mais esquemática que a usual na arte egípcia, uma barriga proeminente destacada por
uma tanga que desce para baixo do umbigo, que compõe, junto com as pernas
um movimento natural, complementado pelo prolongamento do pescoço, numa
leve inclinação para frente. No conjunto, a estatura é mais esbelta, onde certos
detalhes
são
exagerados
além
de
YEN,1995:419). Está usando sandálias.
todo
o
realismo
(VANDERSLE-
100
Segura na sua mão direita o cetro kherep para consagrar as oferendas,
colocado de frente para Aton. Akhenaton usava geralmente a coroa khepresh
(ou azul)64 com uraeus, mas alguns indícios na sua imagem nos fazem entender ele estava representado usando o toucado Nemes65. Parte da imagem referente à cabeça do rei não existe mais, mas traços remanescentes sobre o seu
ombro esquerdo da imagem registrada por Martim em 1989, podem nos indicar
traços desse toucado. Entretanto, no registro de Bouriant (1903), esses traços
remanescentes não existem.
Sabemos que as representações humanas no Antigo Egito eram marcadas por uma forte diferenciação dos sexos biológicos, o mesmo acontecendo
com a imagem real. Entretanto, a imagem de Akhenaton se apresenta sob uma
forma distinta daquela tradicional na representação egípcia. Como consequência do novo estilo artístico adotado, nos deparamos com inovações na sua figuração, especialmente aquelas que dizem respeito a uma mudança no traço do
desenho, característico da arte do período amarniano. A imagem do rei se afigura sob a forma de uma representação corporal muito próxima à nossa idéia
do feminino, ou seja, corpo torneado, quadris largos, cintura fina e pernas roliças. Percebemos claramente um descompasso entre a representação da imagem da realeza tradicional e a representação amarniana.
Interessante destacar que essas características, frequentes em quase
todas as representações de Akhenaton, fizeram com que alguns arqueólogos
do passado pensassem que esse rei se tratava de uma mulher, já que foram,
naquele momento, avaliadas conforme as nossas concepções do corpo feminino.
64
Associada geralmente ao aspecto físico, humano, v igor.
Associada ao aspecto solar, divino, à jornada do sol. Por essas características, também pode ser
relacionada ao aspecto mais div ino do faraó, alcançado pela morte.
65
101
Figura 8 - Detalhe da família real na cena da sala Alfa, parede A
MARTIN,1989
As semelhanças nas posturas e no movimento do panejamento das roupas do casal real também ajudam a compor uma imagem onde os aspectos
característicos da masculinidade egípcia são diluídos, camuflando as diferenças entre os sexos. Não se encontram os atributos corporais da tradicional virilidade real.
Não buscamos aqui as razões que levaram à introdução dessa nova
forma de representação do “corpo” do faraó, mas sim apresentamos uma nova
leitura dessa imagem, que sem dúvida, significa uma ruptura com os padrões
oficiais das imagens reais, tão características da arte egípcia.
Tendo o imaginário referente ao faraó associado a sua imagem àquela
de um deus (o rei como essência divina), as representações reais normalmente
102
se revestiam de um profundo rigor, portando uma forma atlética, viril, de aparência estática, cuja representação muitas vezes nada tinha a ver com a imagem verdadeira do rei. Essa “virilidade” se enquadra perfeitamente naquela
entendida por Bourdieu (2007:64) para representação da masculinidade, entendida tanto como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como
aptidão ao combate e ao exercício da violência, estatura física, virilidade, segurança, atributos talhados sob medida para homens, e para as quais foram preparados e treinados tacitamente. É a naturalização das características do masculino dominante, em oposição à figura feminina - dominada e não agressiva na história do inconsciente social androcêntrico. São formas de invenção das
diferenças entre os sexos na história. Nesse sentido, os atributos de um faraó
não se enquadravam com a idéia do feminino, que se adequava melhor à maternidade e ao aspecto familiar-doméstico, muito longe do que os egípcios esperavam para o exercício do cargo de faraó.
Assim sendo, como principal característica da imagem real amarniana
aqui analisada, destacamos sua forte ambigüidade com relação às representações do que venham a se constituir masculino e feminino, decorrente da pouca
diferenciação dos sexos biológicos, desnaturalizando as identidades sexuais e
marcando uma negação a um determinismo biológico (FUNARI, 2003).
− Os demais componentes da cena
Nefertiti vem em seguida ao rei, e é representada usando sua coroa
tradicional com uraeus, encimada pelo disco solar (que não existe mais) e
pelos chifres das deusas Hathor e Maat (MARTIN,1989:30). Sua vestimenta
consiste de um grande pano cobrindo as espáduas e a parte de trás do corpo, que se enlaça na altura dos seios. Está usando sandálias. Tal como A-
103
khenaton, segura o cetro kherep. Encontra-se separada do rei por dois pedestais com oferendas postas acima deles.
Atrás de Nefertiti ainda se mantêm alguns traços das duas princesas,
sendo que o perfil de uma delas ainda está visível. Como é comum acontecer nessas cenas de oferenda e adoração, tanto Nefertiti quanto as filhas
estendem sistros, seguros muito possivelmente pelas mãos esquerdas. Interessante observar que, em um dado momento a cena analisada foi alterada,
quando então as figuras das duas princesas foram cobertas com argamassa,
que não existe mais atualmente. Bouriant (Apud MARTIN,1989:31) registrou
a existência dos nomes de Ankhesenpaaton e Neferneferuaton, agora totalmente perdidos.
Conforme já foi dito, a área atrás da rainha era, antes da modificação
empreendida, ocupada pela imagem de quatro princesas, presumidamente
duas acima e duas abaixo. Martin entende que houve um trabalho de nova
acomodação para a inclusão das imagens da terceira e quarta princesas
(1989: 31). Parte da área originalmente então ocupada pelas princesas foi
gravada com imagens dos carregadores de abanos, agora parcialmente destruídas.
A maioria dos acompanhantes da família real é mostrada dentro do
templo participando do culto, contrastando com as representações dos cultos
em tempos anteriores e posteriores ao período amarniano, em que, além da
família real, somente aos sacerdotes era permitida a entrada nos lugares
sagrados66.
66
Nota-se que muitos f uncionários curv ados têm cabeça raspada, talvez indicando que eles tinham um
status de sacerdote (MARTIN, T.G. 1989: 31).
104
Nas áreas delimitadas acima e abaixo da cena, correspondentes às laterais do templo, existem mais pessoas preparando oferendas, levando estandartes, carregando buquês e abatendo animais para sacrifícios. Representam as oficinas e o matadouro existentes somente no complexo do Grande Templo de Aton.
No lado direito do observador da cena, estão representados os cocheiros e os acompanhantes, esperando do lado de fora do templo. A família real
chegou ao templo acompanhada tanto por membros da sua corte quanto por
uma guarda militar, esta composta de, pelo menos, nove soldados portando
escudos. Cocheiros e carros esperam do lado de fora, junto com a guarda
real esperam o retorno do cortejo do templo.
− Os textos:
A imagem não possui muitos textos. Estes se concentram sob o nível
do teto ao lado esquerdo do observador, próximo aos pilonos do templo. Um
deles é composto pelos títulos e epítetos de Aton, de Akhenaton e Nefertiti. A
maioria dos epítetos de Akhenaton foi destruída pela ação dos seus opositores. Mais à direita existem traços de outro texto onde somente o nome Aton é
visível.
Outra concentração se localiza acima da cabeça de Nefertiti, onde podemos ler o seguinte o texto (MARTIN, 1989:31):
Possa ela prosperar para sempre e eternamente. A filha do rei, do
seu corpo, a quem ele ama, Meritaton, nascida da Grande Esposa
Real Neferneferuaton Nefertiti possa ela viver [para sempre]. A filha [do rei de seu corpo] a quem ele ama Meketaton, [nascida da
Grande Esposa Real Neferneferuaton Nefertiti, possa ela viver para sempre] et[ernamente].
105
− O templo
Os elementos arquitetônicos parecem corresponder aos do santuário
do Grande Templo de Aton.
Na imagem em questão, o templo tem sua entrada de pilonos sem
mastros de bandeiras. Segue-se um grande pátio a céu aberto com um altar
no centro. É nesse local que o rei e da rainha estão representados, cercados
por altares subsidiários ou mesas de oferendas. Em direção aos fundos do
templo está outra grande entrada de pilono, com um hall com oito colunas,
atrás das quais estão posicionadas estátuas ou pilares osiríacos67 do rei (figura 26), possivelmente da família real68.
A presença dessas estátuas, ou pilares osiríacos, não está adequada
à proposta da reforma amarniana. Embora essas estátuas osiríacas remontem ao Médio Império, sabemos que a partir da XVIIIª Dinastia passaram a
existir com maior freqüência. Por sua ligação direta com o culto ao deus Osiris, não se ajustam à proposta da reforma instituída por Akhenaton, que não
permitia referências a outros deuses além de Aton.
Cristian Leblanc, (1982:306:310) indica a existência, no Grande Templo de Aton em Amarna (Bouriant, 1903:16), de quatro dessas estátuas, em
que Akhenaton usa a coroa branca e a coroa vermelha, entendendo estarem
relacionadas aos ritos reais de renovação, destinadas ao culto do faraó deificado.
67
Assim chamados por se apresentarem sob a forma mumif orme, característica de Osíris, deus do
“mundo dos mortos”.
68
Nota no original no livro do Martin, 1989:30: a identificação dessas figuras, representadas em escala
muito menor, é problemática. A segunda figura certamente mu mifor me ou osiriforme, aparentemente
segura o cajado e o flagelo).
106
Estando associadas à regeneração e ao renascimento do rei no outro
mundo, adquirem uma característica dualista (real e divina). Assim Akhenaton, por intermédio de seus colossos, seria venerado depois de sua morte,
por intermédio das oferendas que seriam oferecidas a essas estátuas. Talvez
aqui, somado aos já mencionados fragmentos de shab its encontrados na
tumba real, residam alguns elementos que nos levem a identificar uma possível crença numa continuidade de vida após a morte relacionada ao culto
atoniano.
Com base na cena analisada, podemos observar o grande número de
pessoas envolvidas nas atividades diárias do Templo de Aton, desenvolvendo atividades relacionadas à preparação e à realização dos cultos, envolvidas na preparação dos elementos que vão compor os rituais do nascer e do
por do sol. Se somarmos aquelas responsáveis pelas atividades administrativas, que não poderiam deixar de existir, mas não estão representadas na
cena em questão, podemos deduzir tratar-se de um grupo não muito pequeno, somando um número considerável de pessoas. Devemos também levar
em consideração a existência de um outro templo em Amarna, por nós conhecido como o Pequeno Templo de Aton, que também formaria um outro
grupo de pessoas envolvidas no seu funcionamento. Entendemos assim, que
a estrutura de funcionamento desse novo culto não ficava a desejar, se comparada aos outros existentes anteriormente à reforma de Akhenaton. Entretanto, se confrontada à estrutura do culto ao deus Amon, ainda deveria se
manter inferior. A história nos conta que a reforma empreendida por Akhenaton não conseguiu se estabelecer definitivamente no Egito, o que não permitiu o crescimento do culto a Aton, a ponto de se equiparar ao do seu maior
oponente, Amon.
107
7.Conclusão
Em nosso estudo tivemos como enfoque especial a análise do registro
iconográfico presente na parede da sala Alfa da tumba real localizada na necrópole da antiga cidade de Akhetaton, atual Tell el Amarna.
Complementarmente buscamos identificar possíveis pontos em comum
entre o culto solar e demais cultos anteriores do Egito Antigo, objetivando
comprovar que as mudanças impostas pelo faraó Akhenaton em razão da sua
reforma político-religiosa, na realidade, tiveram por base elementos já adotados nos cultos dos antigos deuses, especialmente no que se refere ao aspecto
funerário. Configura-se assim uma permanência de traços, o que nos leva a
indagar até que ponto a proposta de reforma político-religiosa empreendida
por Akhenaton pode ser considerada como uma ação inovadora no Antigo Egito.
Contextualizamos historicamente o período amarniano, assim como
destacamos os elementos necessários para o entendimento da religião egípcia
e das transformações que ocorreram ao longo do tempo, chegando àquela
mais marcante e que mais polêmica tem suscitado entre os especialistas da
área: a reforma amarniana.
Muito possivelmente, a religião atoniana teve seu início entre um seleto
grupo, formado por aqueles membros da corte mais próximos do faraó Akhenaton, com uma expectativa de se fortalecer e se tornar dominante por todo o Egito. Ainda em Tebas, mais especificamente no complexo religioso de Karnak, o
rei inaugura um espaço para esse novo culto, na expectativa de aceitação por
parte da população da cidade, o que parece não ter acontecido. Nesse sentido,
decisão de mudança da capital pode ter ocorrido após a compreensão do faraó
das dificuldades - e até mesmo da impossibilidade - de implantação do culto
108
naquela cidade, já definida como espaço consagrado ao deus Amon. Akhenaton então parte para uma estratégia mais ousada, ou seja, a de construção
uma nova cidade, específica para adoração de seu deus.
Com a concentração de seu culto nesse novo local, o atonismo teria
maior probabilidade de ser absorvido pela população, permitindo assim o seu
amadurecimento, e consequentemente melhores oportunidades de se expandir
posteriormente por todo o Egito. Uma vez já solidificado, seria muito mais fácil
a sua disseminação por todo o país, cujas grandes dimensões não ajudavam o
seu processo de implantação. Seguindo essa estratégia, Akhenaton seria capaz de manter o controle sobre o seu programa de reforma, pensado e planejado cuidadosamente. Contava ele também com a possibilidade de que, uma
ve z já identificado como culto adotado pela classe dominante, este seria facilmente aceito pelas classes mais baixas, cuja tendência é a de copiar os marcos sociais das camadas dominantes, na tentativa de ascensão social (BOURDIEU,1998). Entretanto, em razão da curta duração do reinado de Akhenaton,
não houve tempo viável para que o programado ocorresse.
E assim chegamos a um ponto importante no estudo da reforma de Akhenaton. Trata-se do reconhecimento de uma linha de coerência na sua proposta de implementação da reforma, onde nos deparamos com um faraó estrategista, inserido num programa de mudança político-religiosa que possivelmente antecedia ao seu reinado. Faraós anteriores, como seu próprio pai Amenhotep III, apresentam indícios que nos levam a identificar uma possível intenção
de esvaziamento da força do clero amoniano, sendo então Akhenaton aquele
encarregado das mudanças mais radicais. Essa sua imagem de faraó articulador vem ultimamente ganhando espaço nas publicações acadêmicas, em es-
109
pecial pelos pesquisadores Hornung (1999) e Vanderleyen (1995), dentre outros.
Seguindo essa linha de raciocínio, a escolha do local para o assentamento da nova capital obedeceria a um planejamento articulado, e sua construção idealizada minuciosamente. Como apoio a essa nossa afirmativa, citamos a escolha do local de sua instalação, ou seja, um imenso anfiteatro cujo
horizonte oriental apresentava a forma do akhet, que, além de desempenhar
um importante papel na eleição do local para instalação da cidade de Amarna,
também foi elemento fundamental para a escolha da localização da tumba real.
Esta última, situada logo abaixo do lugar onde o sol se levanta todas as manhãs, permite que o faraó renasça diariamente junto com o seu deus, iluminando toda a cidade com seu brilho. Essa união tumba/sol nascente, de forte apelo
religioso, cria uma forma de representação do renascer diário do rei, junto com
seu pai Aton, a quem se uniu após sua morte. Os estudos de Mallinson (REEVES, 2001:129) aprofundam ainda mais essa relação existente entre o local
escolhido para a instalação da tumba real e o da construção da cidade, reforçando a idéia de um planejamento anterior bem articulado entre a geografia do
terreno e o novo culto.
Como articulador de toda essa mudança, Akhenaton deve ser então visto como um faraó estrategista e empreendedor, e não como um visionário religioso como popularmente é apresentado. A mudança ocorrida no seu reinado
não foi movida ao acaso, mas sim por um pensamento coerente, possivelmente
fruto de articulações anteriores à sua regência.
Conforme visto, a localização da tumba do faraó com relação ao horizonte de nascimento do sol deve ser considerada como um elemento importante
110
nesse processo de reforma. Tanto assim que, por um recurso muito interessante utilizado pelo artista decorador da cena, esse mesmo akhet vem representado dentro da tumba na imagem da parede por nós analisada.
Com a morte precoce da princesa Meketaton, a sala Alfa, cuja função original na tumba desconhecemos, foi utilizada para seu sepultamento. Para tal
passou por um processo de adaptação, quando então foram abertos os quatro
nichos das paredes para a colocação dos tijolos mágicos. Quanto à cena analisada, esta se adequava perfeitamente ao novo uso da sala, por representar um
momento do cotidiano na família real que normalmente contava com a participação de Meketaton. As outras transformações ocorridas no desenho demonstram o cuidado que o rei dedicava à construção de sua tumba, mantendo-a atualizada com relação às mudanças ocorridas no campo da arte amarniana.
Tendo então por base a análise da cena contida na parede A da sala Alfa da Tumba Real de Amarna, tivemos oportunidade de identificar elementos
que nos levaram a uma reflexão mais detalhada sobre os aspectos dessa nova
religião, tendo em consideração certas características dos cultos anteriores. Na
cena em questão, diferentemente das outras relações estabelecidas entre o rei
e o deus (quando então o faraó pedia e o deus ofertava, mediante troca pelas
oferendas), Akhenaton não mantém uma relação de troca com Aton, mas sim
de agradecimento à permanente doação de vida, mantendo-se na figura de
único interlocutor com o deus. A presença da figura real retratada na cena em
questão, considerando-se tratar de uma imagem em contexto funerário, nos
leva a entender Akhenaton como que se reafirmando enquanto único possuidor
dos requisitos necessários para ser o principal oficiante, mesmo depois de morto. O faraó não deixa sucessores para essa atividade.
111
O proprietário da tumba e sua família estão representados em um contexto que corresponde ao cotidiano de suas vidas. Entretanto, nos deparamos
com uma situação diferente daquela tradicional no culto funerário egípcio dos
períodos anteriores, quando então o morto era representado na tumba somente
em cenas associadas aos rituais funerários ou na sua nova vida no outro mundo. Registramos assim uma preferência de Akhenaton em se fazer representar
e à sua família em uma cena que perpetua suas imagens em vida, mantendose ainda como o agente interlocutor entre seu mundo e o deus.
Não há na cena uma preocupação com a localização exata dos espaços
e divisões do templo, nem de suas correspondências em escala, mas sim o
cuidado em registrar os atos e personagens relacionados ao ritual diário que lá
se realizava. Mais do que uma imagem que representa espaços internos do
templo, temos a representação das ações nele realizadas, todas sob os braços
estendidos de Aton, que oferece o símbolo ankh à família real. Mas as bênçãos
de Aton não ultrapassam os limites do templo. É a demarcação do que vem a
se constituir o espaço sagrado e o profano, este último representado pelas figuras dos soldados e dos cocheiros que esperam a saída da família real e de
seus acompanhantes.
Estátuas sob a forma osiríaca, figuradas em segundo plano entre os pilonos do templo e associadas ao renascimento, são as únicas referências explícitas à morte existentes na imagem. Conforme mencionado no Capítulo 6,
essa representação não se ajusta à proposta monoteísta da reforma amarniana, e deve ser vista como uma possível continuidade do antigo culto osiríaco
do pós-morte. Mesmo aventada a possibilidade de Akhenaton ter alterado o
significado dessa forma, dando-lhe nova expressão desvinculada da sua rela-
112
ção com o deus Osíris, não podemos deixar de considerar o fato de que foi no
modelo religioso-funerário antigo que o faraó foi buscar sua referência para
expressar sua idéia de perpetuação após a morte, significando a presença do
rei no templo onde estavam erigidas. Interessante destacar que, embora essas
figuras osiríacas estejam relacionadas ao rei, ou até mesmo aos membros da
família real, os raios divinos propiciadores de vida (representados nos braços
terminados em mãos que seguram o símbolo ankh) não as alcançam, ultrapassando-as e chegando diretamente às imagens da família real em atitude de
adoração em vida. A não entrega de vida a essas imagens osiríacas leva-nos a
interpretar essa doação como sendo necessária unicamente ao mundo dos
vi vos, e dispensável num possível além. Akhenaton assim se mantêm vivo na
sua tumba.
Se tal detalhe da cena pode nos levar à identificação de uma possível
renovação ou renascimento, esta estaria associada ao sol, à luz, em oposição
à noite, comparada no hino a Aton à morte69, e cuja escuridão é aniquilada pelo
brilho de Aton da cena em questão. Osíris, deus do mundo subterrâneo, dos
mortos, vem assim a ser associado ao sol.
Somado a esse detalhe da cena, destacamos os vários fragmentos de
estátuas shab tis, inegavelmente associados ao sepultamento de Akhenaton, e
encontrados no interior da sua tumba. Identificados como substitutos do morto
no outro mundo, mesmo sem portarem os tradicionais textos referentes ao
mundo dos mortos, não podem ser desassociados do culto osiríaco e da vida
no Amenti ou no além.
69
“Quando (...) tu te pões no horizonte ocidental, a terra fica na escuridão como morta. ” in
REEVES,2001:142.
113
Como um reforço à necessidade de um novo olhar sobre as afirmativas
que são formuladas para o período amarniano, distinguimos também a presença de elementos importantes que levam à reavaliação da idéia de que não era
permitida no Egito amarniano, a adoração a outros deuses, ou mesmo a adoção de práticas mágico-religiosas. Referimo-nos tanto à presença na sala Alfa
dos tijolos mágicos-protetores, relacionados diretamente à magia e a fetiches,
como também às imagens de deuses tradicionais e amuletos ambos encontrados nas escavações da cidade. A manutenção desses objetos nas casas amarnianas ou o seu uso junto ao corpo como proteção por parte da população
são fatos que fogem completamente dos padrões atualmente aceitos para esse
período. As proibições do contato com os deuses tradicionais e de qualquer
contato direto com o deus único, normalmente aceitas como impostas por Akhenaton, nos parece ter dado ocasião para que as camadas populares de
Amarna continuassem a manter seus cultos domésticos tradicionais e a adorar
suas divindades habituais. Talvez esse tenha sido um dos principais fatores
que contribuiu para que o culto atoniano não atingisse a popularidade, tanto na
cidade, quanto no próprio país.
Vista sobre esse aspecto, Amarna não seria aquele lugar idealizado estrategicamente por Akhenaton,
onde Aton e o seu amado filho e adorador poderiam reinar sozinhos, onde seus habitantes poderiam se dedicar
inteiramente ao serviço do faraó e seu deus, sem qualquer traço do passado. Aqui, a perfeita realização da nova religião seria ao menos possível (HORNUNG,1999
:63).
Finalizando, podemos entender que Aton já existia como deus antes da
concretização da reforma amarniana. A grande mudança, entretanto, estaria no
fato desse deus ter sido elevado à categoria de único, não permitindo concor-
114
rentes, sendo o seu culto o único a ser aceito no país. Essa idéia não é nova
na história do Antigo Egito. A novidade então reside na idéia da sua exclusividade frente aos demais cultos às divindades egípcias.
A imagem de Akhenaton enquanto político estrategista, é desprezada
em favor daquela de reformador místico, de pessoa contemplativa e espiritual.
Na realidade, independente de qualquer que tenha sido a dedicação do faraó
às atividades religiosas, uma não vem a ser incompatível com a outra, podendo
conviver sem gerar grandes problemas.
Caso as observações acima apontadas sejam passíveis de aceitação,
seria altamente produtiva a realização uma revisão no entendimento moderno
da reforma amarniana, especialmente no que diz respeito à imposição do seu
monoteísmo. Talvez ela não tenha sido tão drástica como geralmente tem se
afirmado e venhamos a chegar a novas conclusões, capazes de mudar a visão
atual sobre esse período. Teria mesmo havido uma inflexibilidade por parte de
Akhenaton? Como resposta, podemos indicar a presença de indícios - alguns
presentes nesta dissertação - que apontam não para uma ruptura total com os
padrões antigos, mas sim para uma possível continuidade de aspectos religiosos tradicionais.
115
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Figuras
Figura 9 - Re Harakty
Imagem cedida pelo Prof. Antonio
Brancaglion Jr.
.
Figura 10 - Kheper, deus escaravelho,
personificação do sol
Imagem cedida pelo Prof. Antonio
Brancaglion Jr
Figura 11 - Deus Atum, personificação do sol poente
Imagem cedida pelo Prof. Antonio Brancaglion Jr.
123
Figura 12 - O deus Re
Imagem cedida pelo Prof. Antonio Brancaglion Jr.
Figura 13 - Templo solar do faraó Nyuserre em Abu Gurab (Antigo Império/V Dinastia)
pl.wikipedia.org/wiki/Abu_Gurab acesso em 08/05/2009
Figura 14 - Iconografia de Aton
Imagem do acervo particular da autora
124
Figura 15 - Planta com a localização dos remanescentes do Templo de Aton em Karnak
125
Figura 16 - Grande Templo de Aton em Amarna
Sua inovação consiste nas amplas áreas abertas
Figura 17 - Detalhe da anterior, mostrando o
Gem Aton no Grande Templo a Aton
126
Figura 18 - Vista aérea de Amarna
127
Figura 19 - Painel da pareda A, Sala Alfa
128
Figura 20 - Cena de oferenda da sala Alfa
Photographs by Thierry Benderitter in http://eulerslu.edu/~bartegyptianhtml/tombs/Tombs%20at%20Amarna.htm, acesso em 02 de junho de 2009.
Figura 21 - Câmara funerária da Tumba Real de Amarna - local do sarcófago
www.osirisnet.net/tombes, acesso em 04 de junho de 2009
129
Figura 22 - Caixão atribuído a Akhenaton e a reconstituição do rosto do faraó
http://www.osirisnet.net/tombes/amarna/akhenaton/e_akhentomb.htm, acesso em 04/06/2009.
Figura 23 - Tijolo mágico da parede sul da parede da sala Alfa
Com a inscrição do nome de trono de Akhenaton
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130
Figura 24 - Shabit de Akhenaton
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Figura 25 - Imagem do deus Bes, encontrada na tumba real em Amarna
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131
Figura 26 – Detalhe da cena da parede A, sala Alfa
Mostra os animais em louvor a Aton (E) e os pilares osiríacos (D) in Martin, 1989: Plate 35).
132
Cronologia70
PRÉ-DINÁSTICO
5500-3050
PROTODINÁSTICO
DINÁSTICO INICIAL – ARCAICO
3150-3050
2920-2575
ANTIGO IMPÉRIO
2575-2134
PRIMEIRO PERÍODO INTERMEDIÁRIO
2134-2040
MÉDIO IMPÉRIO
2040-1640
SEGUNDO PERÍODO INTERMEDIÁRIO
1640-1532
NOVO IMPÉRIO
1550-107071
TERCEIRO PERÍODO INTERMEDIÁRIO
1070-712
PERÍODO SAÍTA
664-52572
PERÍODO TARDIO
525-332
PERÍODO PTOLOMAICO
IMPERADORES ROMANOS
70
304-30
30 a.C.- 395 d.C.
Elaborada com base na cronologia adotada pelo Prof. Antonio Brancaglion Jr, fundamentada em
v ários autores.
71
A quebra na sequência das datas se deve ao f ato de se tratar de data aproximada, inexistindo
unanimidade entre os autores considerados na cronologia utilizada.
72
Idem.
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