Reabilitação cardíaca à distância José Paulo Fontes, Silvia Leão

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Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 70-73
José Paulo Fontes1
Silvia Leão2
cardiologista, cHTMAd, Unidade de Vila Real e FiSiMAiA interna complementar de cardiologia no cHTMAd, Unidade de Vila Real
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Reabilitação cardíaca à distância
Palavras-chave: Reabilitação cardíaca à distância; Exercício físico; Obstáculos
Resumo
A importância da reabilitação cardíaca na
orientação de doentes com diversas formas de
doença cardíaca parece estar estabelecida de
uma forma indiscutível, com benefícios claramente demonstrados.
Apesar de já reconhecida como um componente importante na orientação destes doentes,
a inclusão nestes programas é frequentemente
reduzida. Os problemas económicos e geográficos parecem ser o principal obstáculo.
O desenvolvimento de programas à distância, embora com algumas particularidades e limitações, podem ser uma alternativa se
efetuados com rigor e segundo orientação de
equipa treinada. São apresentados, de uma
forma muito breve, vários modelos de abordagem alternativa que podem permitir uma
muito maior abrangência na inclusão de doentes, com obtenção de ganhos individuais e sociais.
de realçar também a necessidade de certificação, treino e competência das equipas.
A discussão sobre este tema tão importante, obriga a uma reflexão, que se espera
abrir caminho para a reorganização do panorama algo agreste e limitado da Reabilitação
cardíaca em Portugal.
A reabilitação cardíaca (Rc) tem-se assumido como um componente importante na
orientação de doentes com as diversas formas
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de doença cardíaca, sendo recomendação
classe i na doença coronária e insuficiência cardíaca, numa abordagem não farmacológica,
non-device, não cirúrgica ou de revascularização, mas com efeitos potenciadores dos benefícios adquiridos (adicionais e complementares).
É também relevante o benefício no controlo
da pressão arterial, perfil lipídico, tolerância à
glicose, bem como na densidade óssea nos idosos e nas alterações emocionais1.
de acordo Wingham et al.2 o medo e a consequente perda de confiança inerente aos eventos cardíacos torna os doentes mais motivados
para mudanças no estilo de vida, reiterando a
importância deste momento como uma oportunidade única para iniciar o processo de mudança de hábitos de vida.
A inclusão de doentes nestes programas é
frequentemente limitada por múltiplos condicionalismos e barreiras que levam a uma
menor referenciação para programas específicos e a uma deterioração da qualidade de vida3
e da capacidade funcional.
Quando o doente vive longe de um centro
de Rc de referência, são de realçar as limitações económicas (transportes, mensalidade,
absentismo ao trabalho), pessoais (desmotivação, não gostar de fazer exercício, medos …,
algum pudor em expor o corpo, família não
quer…, doente não quer mudar estilo de vida,
depressão grave, sentimentos de culpa ou ira,
perturbações do comportamento), geográficos
(distância), médicas (falta de referenciação,
desconhecimento e desaconselhamento).
Perante as barreiras geográficas e económicas têm sido desenvolvidos em vários países diversos programas domiciliários ou de
Proximidade (Home-based), com efeitos muito
diversos, de acordo com as especificidades e
objectivos de cada programa.
não há uma definição do que constitui um
programa home-based e verifica-se uma grande
heterogeneidade na sua constituição. existem
programas com diferentes abordagens, desde
única e predominantemente psicológica,
só controlo dos fatores de risco cardiovascular,
apenas com exercício ou abrangente, com diversas abordagens e diferentes tipos de conteúdo.
no entanto,
todos os programas
devem respeitar as diretrizes da AHA4 e eSc5 e
fornecer os
mesmos
componentes (exercício
prescrito; modificação
dos fatores de risco cardiovasculares, educação
e aconselhamento, que
inclui orientação dietética e como lidar com a
doen-ça, entre outros).
nos programas no
domicílio as limitações
encontradas pelos profissionais de saúde são a
dificuldade na monitorização cardíaca e controlo
da realização de exercício
dentro dos limites de frequência cardíaca de
treino adequada e predefinida; assegurar o cumprimento do aquecimento e relaxamento, o
número de repetições, a correção de erros de
execução; é também muito difícil extrapolar e
prever as condições locais onde será feito o exercício em termos de temperatura, humidade,
entre outras.
As razões pelas quais os doentes preferem
programa domiciliário ou em centros tem sido
abordada em diversos estudos qualitativos.
estes programas podem ser efetuados em centros locais de proximidade, em articulação com
centro de Rc, como o centro Saúde, as socie-
dades recreativas ou desportivas, e submetidos
a avaliação periódica. Os programas são adaptados às limitações e preferências do doente
(caminhar, andar bicicleta, jogging, dançar...),
promovendo o exercício aeróbio. de realçar
que algumas atividades como cuidar da casa,
jardinagem ou atividades de vida diária, permitem obter a aquisição de ganhos indiscutíveis em vários componentes como a flexibilidade, mas não apresentam um benefício cardiovascular evidente.
Ainda que muitas pessoas prefiram deslocar-se aos centros de reabilitação cardíaca pela
supervisão médica e sessões em grupo2, a
crença de que a Rc deve ser adaptada à vida
diária e rotina (e não o
contrário), a perceção
de uma maior auto-disciplina, a preferência
por sessões individuais,
o desejo de incluir a família e a dificuldade de
transporte são fatores
que levam outros doentes a preferirem programas domiciliários2.
Têm sido publicados
vários ensaios comparando programas domiciliários com centros
específicos de Rc. A
falta de padronização
dos programas de Rc
em centros, na comunidade e ambiente doméstico tornam as comparações diretas muito
complexas. esses estudos relatam melhorias
semelhantes na capacidade de exercício e fatores de risco cardiovascular a controlar no
follow-up,7.
Uma revisão sistemática e a meta-análise
de dalal et al.8 demonstraram ausência de diferença estatisticamente significativa em termos de mortalidade, de eventos cardíacos, da
tolerância ao exercício, de fatores de risco modificáveis e de qualidade de vida. estes resultados suportam os estudos de cornwall Heart
Attack9, de Birmingham (BRUM)6 e Oerkild et
al10. Por conseguinte, é de consenso que ambas
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as modalidades são eficazes e que existem diferenças relativamente pequenas entre elas.
O risco de eventos cardíacos e de mortalidade estão provavelmente relacionados com as
características dos doentes e o intervalo temporal ao evento cardíaco primário, de modo
que a diversidade de resultados entre estudos
tornar-se mais dispendiosos se incluírem visitas domiciliárias periódicas a longo prazo.
Um dos fatores importantes para a adesão
a estes programas é a preferência do doente8.
com o atual consenso de que os programas domiciliários em doentes de baixo risco parecem
ser tão seguros e eficazes quanto os realizados
existe um atual consenso de que os programas domiciliários
em doentes de baixo risco parecem ser tão seguros e eficazes
quanto os realizados em centros de reabilitação
clínicos pode ser um reflexo da falta de critérios
padronizados para a entrada para a Rc11.
de realçar o que poderíamos referir como as
barreiras de «oportunidades locais», em que
existe o risco de estes doentes poderem ser encarados como oportunidades de negócio ou de
autopromoção por locais sem rigor, treino ou
competência, que para além de não obterem benefícios adequados, podem ser deletérias ou ineficazes, promovem desacreditação social da Rc e
limitam a orientação correta destes doentes.
em relação ao impacto económico da implementação de programas domiciliários os resultados são controversos e insuficientes.
estimou-se que a implementação de programas domiciliários em articulação com centros
diferenciados custaria menos do que o usual6,8.
O menor custo seria devido à redução da taxa
de readmissão hospitalar associado ao aumento da participação e cumprimento6,8. na
em centros, a implementação dos primeiros
oferece uma alternativa12. Foram realizados estudos sobre as preferências dos doentes
quando questionados em relação à Rc em casa
versus centros, e as evidências sugerem que os
doentes profissionalmente ativos, com limitações de tempo e horários, são mais recetivos
aos programas domiciliários8.
A ansiedade sobre a execução de exercícios
em casa sem técnicos de saúde e a falta de motivação são dois dos principais obstáculos para
deficiente adesão6.
O exercício deverá ser adaptado, tendo especial atenção na promoção da independência
funcional, modificação de rotinas, readaptação
a limitações pré-existentes, com métodos de
aprendizagem alternativos 13.
no estudo HF-AcTiOn, com treino inicial
aeróbio supervisionado seguido de um programa em ambulatório no domicílio, em doen-
O exercício deverá ser adaptado, tendo especial atenção na promoção
da independência funcional, modificação de rotinas, readaptação
a limitações pré-existentes, com métodos de aprendizagem alternativos
verdade, a readmissão hospitalar é importante
em termos de custo-eficácia e indiscutivelmente tem grandes implicações para o doente
e os cuidados de saúde6, 8.
de acordo com dalal et al.8 não há nenhuma evidência científica de diferença de custos. Os programas domiciliários podem até
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tes com insuficiência cardíaca moderada a
grave, a QV melhorou significativamente com
o programa14, apesar de todas as limitações verificadas no cumprimento do protocolo.
Vários estudos clínicos demonstraram que
os doentes que apresentam maiores benefícios
são os mais idosos e com compromisso da fun-
ção sistólica ventricular esquerda, com benefício também importante no controlo de peso,
satisfação sexual e intervenção psíquica, independente da escolaridade e de múltiplas outras
variáveis15.
de realçar que as mulheres, embora menos
referenciadas ou excluídas da maioria dos programas de Rc em estudos aleatorizados (constituem cerca de 4% da população dos
programas de apenas exercício e 11% dos programas de reabilitação cardíaca) quer por uma
menor motivação, por barreiras socioculturais
ou por menores hábitos de exercício físico,
apresentam ganhos superiores12 e benefícios
idênticos aos dos homens, quando submetidas
a programas idênticos.
Uma proposta para um país pequeno como
o nosso, seria a partir de Programas de Rc em
Hospitais ou centros específicos, certificados e
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com treino diferenciado, com equipas multidisciplinares, e obrigatoriamente com supervisão
de cardiologia e Fisiatria, depois de efetuada a
correta avaliação inicial dos doentes, ser feita
uma eventual orientação para centros de proximidade, em articulação com equipa local,
competente, treinada e em sintonia, com reavaliações periódicas específicas no centro de
Rc de referência.
Uma outra alternativa poderia ser de iniciativa local, com a organização de grupos e deslocação a centros de referência em transporte
comunitário.
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(Supl i): 158
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