Teoria da Capilaridade Social Osvaldo Hamilton Tavares Procurador de Justiça Aposentado É uma forma de mobilidade de grupo social produzida por uma tensão capaz de criar processos e situações que impulsionam , espontânea e deliberadamente, indivíduos de níveis ou estratos inferiores em direção a outros superiores. A definição de T.D. Eliot é muito mais concreta, embora talvez menos expressiva. Ele assim define capilaridade social: “Conjunto de processos e situações em que os membros de uma classe “inferior!” são atraídos para cima, e tentam elevar seu “status” deslizando-se para outro mais elevado através de interstícios existentes na estrutura estratificada das classes (Fairchildl, H.P., “Dictionary of Sociology”, 1949); Os fenômenos capilares estudados na mecânica são devidos a tensões superficiais e interfaciais, que dependem das superfícies com os quais o fluido entra em contato, da temperatura e de outras condições. O elemento gerador básico é a tensão. Do mesmo modo, a capilaridade social se caracteriza por ser uma tensão proveniente das condições dos estratos, da posição dos indivíduos e das condições da dinâmica social. A expressão é muito plástica e adéqua para abranger alguns processos e situações da dinâmica social. Em física, consiste na propriedade que tem corpo sólido de fazer ascender por suas paredes, até um certo limite, o líquido que as molha. A transferência à Sociologia para explicar um fenômeno social tão interessante é feita sem forçar muito a comparação com o fenômeno físico. Mas é preciso advertir que, como fenômeno físico, constitui uma exceção, pelo menos aparente, do teorema geral da hidrostática, enquanto que na realidade social é um fenômeno muito freqüente (Alsiona, F & Prélat. “El mundo de La mecânica, Buenos Aires, 1951, p. 139). A capilaridade social tem origem devido à concorrência de um núcleo relativamente complexo de elementos. Para que a tensão de produza – e os processos e situações de ascenção possam ser gerados – devem ocorrer simultaneamente os seguintes fenômenos: a) Condutos capilares. O grupo e o sistema sociais têm condutos pelos quais o indivíduo ascende a partir de sua posição de origem. Em alguns casos, trata-se de capilaridade social institucionalizada. Cada sociedade tem um tipo específico de conduto, de acordo com o conteúdo ideológico de seu sistema social. Esses condutos são as vezes normativos – se a ordem jurídica geral ou do grupo concreto garante as possibilidades de ascenção; ou meramente sociais – quando sua institucionalização se deve a motivações criadas espontaneamente e sem esse aspecto normativo (Gerth, H.H. & Millis, C.W., “Caracter y estructura social”, Buenos Aires, 1963, p. 167). Sorokin os denomina canais de circulação vertical e, entre outros, estuda o exército, a Igreja, a escola, grupos governamentais, organizações políticas e profissionais, a família e o casamento. Detém-se mais nos canais do que no processo de capilaridade, ao qual indiretamente denomina “circulação vertical”. Em relação à permanência, explicou-a muito bem da seguinte maneira: “Ainda que com variações em suas formas concretas e no tamanho, os canais de circulação vertical sempre existiram em qualquer sociedade estratificada, e são tão necessários quanto à corrente sanguínea do corpo humano” (Sorokin, Estratificacion y Mobilidad Social, México, 1956, p.164). Nos grupos não organizados e sem estrutura definida, capilaridade não se realiza plenamente, manifestando-se de modo mais irregular e menos rigoroso. A mudança não está estabelecida, como na capilaridade institucionalizada; é bem mais arbitrária, já que depende exclusivamente da vontade dos membros do grupo. A perfeição da ordem jurídica e social e a adesão que lhes prestam seus membros determinam a eficácia e a solidez com que se manifesta a capilaridade social. Por outro lado, os defeitos da capilaridade produzem inevitáveis injustiças, assemelhando-se ao fenômeno do mercúrio, que não molha as paredes do tubo capilar, como ocorre com outros líquidos, e por isso baixa em vez de ascender. A injustiça pode se manifestar em duplo sentido. Um, quando se impede a ascenção a quem a merece, por não haver condutos objetivos precisos que facilitem sua elevação. Outro, quando por interstícios ou por condutos institucionalizados elevam-se a estratos superiores indivíduos ou membros não merecedores. b) Níveis diferentes. Para que se produza o fenômeno social da capilaridade devem existir níveis diferentes, geralmente estratos distintos com diferentes valores hierárquicos e a ascenção deve ser desejada pelos que se encontram nos estratos inferiores. Na sociedade de castas e estamentos as diferenças de nível são claras e objetivas. Razões jurídicas, religiosas e morais garantem a legitimidade dos estratos. A capilaridade se torna muito trabalhosa, dificultando a mudança de nível. Nesses casos há tendência para sedimentação social, para utilizar outra expressão procedente as ciências sociais e por enquanto não incorporadas às ciências sociais. Já na sociedade clássica, as diferenças baseadas na norma jurídica, econômica, profissional, local de residência, entre outras, são dispensáveis. J.H. Sprott sintetizou brilhantemente as correlações entre esses elementos, inclusive com referência à sociedade sem classes (Introduction to the Sociology, 1984, p. 132-3). c) Resultado: Ascenção? A mobilidade vertical incluiu toda mudança, tanto para cima quanto para baixo, do nível do indivíduo ou membro de determinado grupo. Significa qualquer processo ascendente ou descendente. Tem caráter geral abrangente por afetar todo o complexo de situações, mas na realidade seu objetivo se limita ao conhecimento das formas pela quais se produzem esse movimento. A capilaridade social é um aspecto da mobilidade vertical ascendente, mas é intensiva porque não se limita às formas de ascenção e aos estudos dos canais. A capilaridade causa o declínio de nível. É indiscutível. Para melhor limita-la aos processos e situações de ascenção. O declínio produz-se pela falta de certos ingredientes geradores de tensão social, já que o resultado de tensões descendentes poderia produzir o declínio, mas este é um caso raro e excepcional. O que determina a queda do nível adquirido é muito mais a falta de componentes de origem a tensão. É preferível portanto considerar a capilaridade em seu sentido ascendente como uma tensão para cima. d) Tensões. A tensão se origina pela concorrência de um impulso individual, pela situação institucionalizada, pela pressão exercida por outras forças e pela forma como se apresentam os canais condutores. Não é nenhum desses fatos isolados que qualifica e cria a capilaridade, e sim o conjunto de todos eles, estritamente coesos. A energia do indivíduo, seus interesses, ensejos, aspirações, em suma, as forças sociais que o estimulam, constituem o pilar básico que origina a tensão social. Este já foi definida como um estado emocional resultante dos conflitos e antagonismos reprimidos pelos grupos sociais. Na capilaridade, a tensão é produzida por um fator subjetivo, no qual estão em jogo os desejos, aspirações, interesses etc, e por um fator objetivo, a influência decisiva que os condutos capilares exercem na criação e formação do impulso ascendente.