APERFEIÇOAMENTO HUMANO: PERSPECTIVAS ÉTICAS DA AUTOCOMPREENSÃO DO QUE É NATURAL E FABRICADO ENHANCING HUMAN: PERSPECTIVES OF ETHICAL SELF THAN IS NATURAL AND MANUFACTURED Patrícia Siqueira Especialista em Direito Empresarial e Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Estadual de Londrina; mestranda em Direito Negocial pela mesma instituição; bolsista da CAPES. Resumo Os progressos biotecnológicos apontam para um caminho de artificialidade, onde o homem passa a se desviar das regras naturais e da essência de sua própria vida. O objeto deste estudo é esboçar a delicada fronteira entre o natural e o fabricado partindo de uma concepção ética para a autocompreensão do ser. O trabalho se desenvolverá tendo por base a aplicação do método cartesiano e o tipo de pesquisa será exploratório, envolvendo levantamento bibliográfico. Justifica-se a investigação considerando que a intervenção no genoma humano gera um desequilíbrio na esfera da dominação da natureza, transformando-a em autodominação, podendo implicar alteração na autocompreensão ética do indivíduo, e por consequência alterar as condições necessárias para uma conduta de vida autônoma, pois ao ter as características genéticas escolhidas por outrem, o ser humano estaria contido numa condição moral diferente dos demais seres da espécie, que têm seu patrimônio genético como fruto do acaso. Palavras-chave Compreensão; moral; natureza. Abstract Progress biotechnological point to a path of artificiality, where man begins to deviate from rules and natural essence of your own life. The object of this study is to outline the delicate boundary between the natural and the manufactured starting from a design ethic for selfbeing. The work will be developed based on the application of the Cartesian method and type of research is exploratory, involving literature. Research is justified considering that the intervention in the human genome creates an imbalance in the sphere of domination of nature, transforming it into a self-domination, which may involve changes in the ethics of the individual self, and consequently alter the conditions necessary for an autonomous conduct of life because to have genetic characteristics chosen by others, humans would be contained in a moral condition different from other species of beings who have their genetic heritage as a result of chance. Key word Understanding; moral; nature. INTRODUÇÃO Com o intuito de contribuir para a discussão ética sobre a possibilidade da utilização de técnicas de manipulação genética para fins de aperfeiçoamento da espécie, levanta-se o debate acerca de eventuais consequências para a autocompreensão do ser humano enquanto ser de uma espécie. Neste contexto, o presente estudo traz considerações de Habermas sobre a eugenia liberal, corroborando a necessidade de limites que possibilitem a preservação da autonomia da conduta humana e resguardando a simetria nas relações interpessoais. DESENVOLVIMENTO Primeiro, desperta-se a atenção para os avanços das ciências biológicas que conjugados com o magnífico desenvolvimento da técnica genética aumentam as “possibilidades de ação já conhecidas” e constituem “um novo tipo de intervenção1”. Atualmente, justifica-se a pesquisa e o desenvolvimento de tais técnicas levando-se em conta o aprimoramento da nutrição, da saúde e o prolongamento da vida2. Nesse sentido, admite-se uma discussão atinente a comercialização das técnicas de manipulação genética que garantiriam uma vida “tranqüila” e “bem sucedida” para o ser geneticamente perfeito3. Contudo, a intervenção no genoma humano gera um desequilíbrio na esfera da dominação da natureza, transformando-a em autodominação, podendo implicar, ainda, alteração na autocompreensão ética do indivíduo, e por conseqüência alterar as condições _____________ 1 HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana. Tradução Karina Jannini; revisão da tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 17. 2 HABERMAS Jürgen. op. cit. p.64 3 FARIA, Paulo José Leite. A clonagem humana e a escravidão genética: o dever de ser bem sucedido por determinação de outrem. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 85, 26 set. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4366>. Acesso em: 11 ago. 2013. p. 1 de 2. necessárias para uma conduta de vida autônoma e uma compreensão da moral4. A consciência de que o genoma pode ser programado poderá dar origem a um tipo de relação excepcional entre as pessoas, diferente das relações simétricas, tidas, até então, como singulares. Já que a manipulação genética aprisiona o ser geneticamente modificado ao patrimônio genético escolhido de forma predeterminada com base na vontade de outra pessoa. Ao ter as características genéticas escolhidas por outrem, o ser humano estaria contido numa condição moral diferente dos demais seres da espécie, que têm seu patrimônio genético como fruto do acaso5. Dessa forma, as alterações genéticas acarretariam conseqüências para a igualdade entre os homens. Vale salientar, que essa igualdade repousa sobre a igualdade humana natural que permite estabelecer uma relação moral com todos os indivíduos. Considerando que, num futuro próximo, os indivíduos poderão lançar mãos da tecnologia genética, para trilhar caminhos de desenvolvimento diferentes, surgirão grupos diferentes de seres, “cada qual com sua própria ‘natureza’”6. Essa perspectiva de se controlar a evolução da espécie humana, oscila a diferença entre o que foi concebido naturalmente ao acaso e o que foi fabricado. Podendo abalar a autocompreensão ética do indivíduo e ainda sua consciência moral. Uma vez que a revolução da prática da criação norteada pela técnica genética, “seleciona e aperfeiçoa as características transmissíveis de uma população segundo seus próprios objetivos”7, a intervenção bioética acaba por tornar disponível a natureza humana, podendo implicar numa alteração da compreensão enquanto seres da espécie 8, de tal modo que o indivíduo deixa de se compreender como ser eticamente livre e moralmente igual. CONCLUSÃO O extraordinário e não menos temido avanço da tecnologia genética acaba por alterar a imagem que o indivíduo havia construído enquanto ser da espécie humana, para a qual parecia, até então, não haver alternativas. A tecnicização de práticas genéticas de _____________ 4 HABERMAS Jürgen. op. cit. p.66/67. Habermas chama de moral as questões relativas à convicção baseada em normas justas. 5 LEITE, Marcelo. Artigo: O fim da Natureza Humana. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folh/ciencia/ult306u7961.shtml>. Acesso em: 11 abr. 2005. p.1 de 2. 6 HABERMA, Jürgen. op. cit. p.59. 7 HABERMA, Jürgen. op. cit. p.63. 8 HABERMA, Jürgen. op. cit. p. 37. reprodução levam o homem a aperfeiçoar a si mesmo, fazendo com que se percebam numa ótica de disponibilidade de sua própria natureza. Assim, a possibilidade de uma eugenia liberal poderá despertar no indivíduo geneticamente modificado uma percepção da diferença entre o que cresce naturalmente e o fabricado e isso trazer conseqüências para sua conduta autônoma de vida e autocompreensão moral. O ser humano poderá não se perceberá como autor de sua própria história nem se reconhecer como indivíduo naturalmente autônomo. REFERENCIAS BIBLIOGÁFICAS AZEVEDO, Álvaro Vilhaça. Ética, Direito e reprodução Humana Assistida. In: Maria Helena Diniz e Roberto Senise Lisbos(coords.). O direito civil no século XXI. São Paulo:Saraiva, 2003. p.55-72 FARIAS, Paulo José Leite. A clonagem humana e a escravidão genética: o dever de ser bem sucedido por determinação de outrem. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 85, 26 set. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4366>. Acesso em: 11 ago. 2013. HABERMAS, Jürgen. A Constelação Pós-Nacional. Tradução de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo:Littera Mundi, 2001. p.209-212. _______. O Futuro da Natureza Humana. Tradução Karina Jannini; revisão da tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo:Martins Fontes, 2004. p.03-102. LEITA, Marcelo. Artigo: O fim da Natureza Humana. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folh/ciencia/ult306u7961.shtml>. Acesso em: 11 abr. 2005.