ROF 115 Abr/Jun 2015 MONITORIZAÇÃO LABORATORIAL DOS MEDICAMENTOS BIOLÓGICOS Um medicamento biológico é aquele cuja substância activa é obtida ou derivada de um organismo vivo. Incluem-se nesta categoria de medicamentos para além das hormonas (insulina), factores de crescimento (eritropoietina) e factores de coagulação; também os imunomoduladores que, por diversos mecanismos, podem modificar a resposta imunitária do doente.1 Nas últimas duas décadas, estes fármacos e, em especial os inibidores do Factor de Necrose Tumoral (iTNF) tais como: o infliximab, o adalimumab, o etanercept, o certolizumab pegol e o golimumab, revelaram-se muito úteis na abordagem terapêutica de algumas doenças inflamatórias crónicas (fig.1).2 De facto, a resposta inicial à terapêutica com estes fármacos revela-se aceitável para cerca de 60 a 70% dos doentes. Contudo, existe uma percentagem ainda significativa de doentes que não responde a esta terapêutica, quer seja no seu início (resistência ao fármaco: primária/intrínseca), quer seja após uma resposta inicial adequada (resistência ao fármaco: secundária/adquirida).3 Algumas das razões para esta diminuição/ ausência de resposta podem estar relacionadas com uma inadequada concentração sérica do fármaco e/ou presença de anticorpos antifármaco em circulação. De facto, estes fármacos podem, devido às suas características imunogénicas, desencadear a produção de anticorpos antifármaco (AcFX) que podem reduzir/anular a sua acção terapêutica (fig.2).4 FIGURA 1 – INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS DE ALGUNS MEDICAMENTOS BIOLÓGICOS2 Abatacept Art. Reumatóide; Art. Idiopática Juvenil Adalimumab Art. Reumatóide; Art. Idiopática Juvenil; Art. Psoriática; D. Crohn; Psoríase; Espondilite anquilosante Etanercept Art. Reumatóide; Art. Idiopática Juvenil; Art. Psoriática; Psoríase; Espondilite anquilosante Golimumab Art. Reumatóide; Art. Psoriática; Espondilite anquilosante Infliximab Art. Reumatóide; Art. Psoriática; Colite ulcerativa; D. Crohn, Psoríase; Espondilite anquilosante Rituximab Art. Reumatóide Tocilizumab Art. Reumatóide; Art. Idiopática Juvenil Ustecinumab Psoríase FIGURA 2 – CARACTERÍSTICAS IMUNOGÉNICAS DE ALGUNS MEDICAMENTOS BIOLÓGICOS (ANTICORPOS E PROTEÍNAS DE FUSÃO)4 Fracção variável murina Fracção variável humanizada IgG1 Humana Infliximab Rituximab Ac. Quimérico TNFRp75 Humano Fracção variável humana IgG1 Humana PEG Tocilizumab Certolizumab pegol Adalimumab Golimumab Ac. Humanizado Ac. Humano Imunogenicidade IgG1Fc Humana Etanercept Proteína de Fusão FIGURA 3 – RESULTADOS – PERCENTAGEM DE DOENTES QUE APRESENTAVAM CONCENTRAÇÕES SUBTERAPÊUTICAS DE FÁRMACO E PERCENTAGEM DE DOENTES QUE EVIDENCIAVAM PRESENÇA DE ANTICORPOS ANTI-INFLIXIMAB (ACIFX), SUJEITOS A TERAPÊUTICA COM IFX N.º Doseamentos realizados: 177 Infliximab % doentes com [ ] subterapêutica: 22 (12% AcIFX+) Ac. Anti-Infliximab N.º Doseamentos realizados: 146 % Prevalência de AcIFX: 23 (7,5%) [ ] óptima IFX) FIGURA 4 - ALGORITMO DE DECISÃO CLÍNICA PARA DOENTES COM RESISTÊNCIA PRIMÁRIA OU SECUNDÁRIA AOS ITNF, APÓS MONITORIZAÇÃO LABORATORIAL6 Sem resposta adequada ao inibidor TNF Monitorização laboratorial: fármaco (FX) e anticorpo (Ac) [ ] FX - baixa Ac - ausente [ ] FX - baixa Ac - presente [ ] FX - adequada Ac - presente [ ] FX - adequada Ac - ausente Boletim CIM Alterar regime posológico Trocar para outro fármaco biológico com diferente mecanismo acção Trocar para outro iTNF Tendo em conta que as características imunogénicas destes medicamentos podem condicionar a eficácia do tratamento foi recentemente publicado pelo nosso grupo5 um estudo que teve por objectivo determinar, em doentes sujeitos a terapêutica com infliximab (IFX), a percentagem dos que apresentavam concentrações subterapêuticas de fármaco e a percentagem dos que evidenciavam presença de anticorpos anti-infliximab (AcIFX). Neste estudo foram avaliadas 177 amostras séricas para doseamento do IFX e 146 para doseamento dos AcIFX, com origem em 177 doentes a fazer terapêutica com IFX, provenientes na sua maioria de Serviços de Gastrenterologia e Reumatologia de diferentes Unidades Hospitalares que mantêm protocolos de colaboração com o Laboratório Dr. Joaquim Chaves. A figura 3 mostra os resultados obtidos nos diferentes doseamentos. Estes resultados vêm ao encontro do descrito por outros autores. De facto, alguns estudos mostram que a prevalência dos AcFX em doentes em tratamento com estes fármacos é de 6 a 61% para o infliximab, de 0,04 a 87% para o adalimumab e de 3 a 25% para o certolizumab. Apesar da grande amplitude de valores demonstrada por estes estudos, é consensual a ideia de que a eficácia e/ou frequência de reacções adversas associadas a esta terapêutica se deve, em grande parte, às características imunogénicas destes fármacos,4,6,7. Pode, assim, concluir-se que a implementação de um programa de monitorização laboratorial dos medicamentos biológicos (doseamento de fármaco e respectivo anticorpo), resulta da necessidade de garantir, por um lado, a eficácia do tratamento e, por outro, o uso racional destes fármacos, cujo custo suportado pelo SNS é considerado significativo. De facto, os custos totais suportados pelo SNS em 2012 e 2013 com os medicamentos biológicos foram de 103 467 778 e 107 007 563 Euros, respectivamente.8 Deste modo, o laboratório clínico que disponha de tecnologia adequada para realizar estes doseamentos pode contribuir para uma prescrição mais adequada deste tipo de fármacos fornecendo uma importante ferramenta que poderá permitir uma maior racionalização no uso dos medicamentos biológicos (fig.4).6,7,9 1 Rui Pinto1,2, Carlos Cardoso2 Departamento de Ciências Farmacológicas – Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa 2 Joaquim Chaves Saúde – Dr. Joaquim Chaves Laboratório Análises Clínicas – Miraflores, Algés Referências bibliográficas 1. Pinto, Valdair. Entendendo os Medicamentos Biológicos. Interfarma. 2012. 2. Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica. Utilização dos Medicamentos Biológicos em doenças reumáticas, psoríase e doença inflamatória intestinal. Nov. 2014. 3. Bartelds GM, Krieckaert CLM, Nurmohamed MT, Schouwenburg PA, Lems WF, Twisk JWR, Dijkmans BAC, Aarden L, Wolbink GJ. Development of Antidrug Antibodies Against Adalimumab and Association With Disease Activity and Treatment Failure During Long-term Follow-up. JAMA. 2011; 305(14): 1460-1468. 4. Roblin X, Paul S. Theradiag Scientific Information, 2013. 5. Pinto R, Domingos C, Centeno A, Cardoso C. Resistência a Medicamentos Biológicos – Estudo preliminar sobre a prevalência de anticorpos anti-infliximab. Acta Farmacêutica Portuguesa. 2014; 3(2): 167-171. 6. Vincent FB, Morand EF, Murphy K, Mackay F, Mariette X, Marcelli C. Antidrug antibodies (ADAb) to tumour necrosis factor (TNF)-specific neutralising agents in chronic inflammatory diseases: a real issue, a clinical perspective. Ann Rheum Dis. 2013; 72(2):165-178. 7. Plasencia C, Pascual-Salcedo D, Nuño L, Bonilla G, Villalba A, Peiteado D, Díez J, Nagore D, Ruiz del Agua A, Moral R, Martin-Mola E, Balsa A. Influence of immunogenicity on the efficacy of long-te rm treatment of spondyloarthritis with infliximab. Ann Rheum Dis. 2012; 71: 1955-1960. 8. Infarmed. Consumo de Medicamentos em Meio Hospitalar. Relatório Dez/2013. 9. Chatzidionysiou K, Askling J, Eriksson J, Kristensen LE, Vollenhoven RV. Effectiveness of TNF inhibitor switch in RA: results from the national Swedish register. Ann Rheum Dis. 2014; 73; 223-229.