RESUMO Este artigo está inserido na linha de pesquisa de economia da Faculdade Santa Marcelina e para nortear a nossa discussão é imprescindível que o discurso sobre as taxas altas de crescimento de nações em desenvolvimento é hoje muito valorizado na área de economia. A falta de um crescimento e um desenvolvimento em ritmo acelerado de um país indicaria uma falha e uma necessidade de maior investimento. Mas uma alta taxa de crescimento não necessariamente indica progresso e a visão neoliberal de economia que se tem hoje sobre esse aspecto contempla apenas perspectivas de curto prazo. As crises e as recessões que interrompem o crescimento dos países têm sido contínuas e constantes desde o ano 1980 e consequentemente não pode deixar de indicar mudanças profundas iminentes no sistema econômico internacional e na sociedade. O que emerge das crises? Por que uma taxa de crescimento tão alta de uma nação é tão valorizada no nosso mundo? São questões para as quais reflexões e teses de quatro autores importantes para os estudos internacionais são apresentadas neste artigo. Uma visão diferente sobre a economia internacional é lançada e, a conclusão deste artigo infere que o mundo passa hoje por um processo de transformação e as perspectivas sobre economia estão mudando. Palavras-chave: Crescimento. Crise. Recessão. Neoliberalismo. Economia. INRODUÇÃO Muito se fala sobre o crescimento 1 dos países e a desaceleração econômica de potências mundiais nos últimos anos, consequências de crises internas e internacionais. As crises vêm e vão, mas não podemos deixar de enxergá-las como um alarme. Crises costumam vir acompanhadas de mudanças. Seja uma crise política acompanhada de uma mudança de governo, seja uma crise econômica acompanhada de uma mudança monetária, uma mudança de regulamentação ou de estatização/privatização. Se a mudança não acontece, a crise pode não se resolver. Essa é a ordem do mundo em que vivemos. Ou pelo menos deveria. O mundo hoje passa por diversas crises, algumas avaliadas como recessões, que englobam potências mundiais, blocos econômicos, países emergentes, grandes empresas e bolsas de valores. As crises surgem das mais diversas ordens: financeiras, econômicas, políticas e humanitárias, como alguns exemplos. Mas pouco se discute um futuro que almeja planos e políticas de longo prazo. Pouco se olha para uma perspectiva crítica de um mundo inserido em mudanças. Um olhar para as crises e suas consequências hoje, de maneira geral, é muito importante para as Relações Internacionais. Crises e suas consequências indicam mudanças importantes para o sistema internacional, devido à maneira como as relações atrelam diversos atores de diversas instâncias, simultaneamente. O desenvolvimento deve ser iniciado com base na definição de crise que parte de um dos livros que são base para este artigo. Carlo Bordoni (2014) 2, sociólogo italiano, esclarece: “Crise. (...) ‘ponto crítico’, ‘seleção’, ‘decisão’ (segundo Tucídides), mas também ‘contenda’ ou ‘disputa’ (segundo Platão), um padrão, do qual derivam critério, ‘base para julgar’, mas também ‘habilidade de discernir’, e crítico, ‘próprio para julgar’, ‘crucial’, ‘decisivo’, bem como pertinente à arte de julgar. (...) Crise econômica é, segundo os dicionários, uma fase de recessão caracterizada por falta de investimentos, diminuição da produção, aumento do desemprego, um termo que tem significado geral de circunstâncias desfavoráveis com frequência ligadas à economia.” (BAUMAN, Z.; BORDONI, C. 2014, p. 9) 1 Para a palavra crescimento, quando utilizada neste artigo, será considerado o seu significado puro de simples de medidores de crescimento econômico de um país ou uma nação, como por exemplo o Produto Interno Bruto (PIB), indicador muito utilizado na atualidade. Neste contexto, crescimento difere de desenvolvimento, o qual é medido para além de indicadores como o PIB, através de avaliações de desenvolvimento humano, distribuição de renda e riqueza, taxas de desemprego e outras. 2 O livro “Crise de Estado” é uma coautoria de Zygmunt Bauman e Carlo Bordoni, autores que serão citados individualmente ao longo do artigo em referência aos seus respectivos estudos presentes na obra. Para Zygmunt Bauman e Carlo Bordoni (2014) as crises pelas quais o mundo passa hoje são um processo de mudança profunda nas relações econômicas, sociais e políticas, que inserem a modernidade em uma situação de interregno. Segundo Bauman (2014), o interregno é uma situação em que o velho, aquilo que já conhecemos e estamos acostumados, as relações que já são familiares para o mundo moderno, está morrendo, porém não existe no horizonte o “novo” para tomar seu lugar em uma mudança. Aparentemente todos querem a mudança, mas poucos parecem refletir o que realmente se busca para ser um substituto em um novo mundo ou uma nova ordem. Os sociólogos não se atem a apenas um ou dois países e suas experiências com crises financeiras ou políticas para explicar sua teoria. Bauman e Bordoni (2014) observam que o mundo inteiro pode estar em potencial interregno, considerando que hoje são poucos os países que fogem de uma situação neutra em meio a um caos iminente. O mundo globalizado envolve cada vez mais atores nas mais diversas situações. Hoje todos se comunicam, interagem, em diversas ordens e em razão de muitas situações diferentes. É assustador, talvez, como a tecnologia une o mundo, enquanto ele tenta se separar. A internet possibilita cada vez mais o acesso ilimitado às informações, às interações financeiras e interações de diversas outras ordens. Hoje é praticamente impossível isolar-se. Em um mundo globalizado, em que as economias se interligam em acordos, organizações internacionais, operações financeiras das mais diversas instâncias, as crises, as recessões e o crescimento alto de países com economias de mercado podem causar consequências em parceiros do outro lado do mundo e podem representar períodos importantes na história. 1. O significado e a importância do crescimento para o mundo atual É importante pensar na questão do crescimento e o que ele realmente significa. É tido como verdade hoje, utilizando pensamentos comuns no dia a dia, que uma alta taxa de crescimento, é a única chave para o desenvolvimento desta e do seu comércio com outras nações. Ou seja, uma taxa alta de crescimento é um bom sinal de que a economia daquele país vai muito bem e é um bom indicador de trocas comerciais, o que não deixa de ser verdade. Mas Piketty (2013) ilustra um cenário muito mais amplo e uma perspectiva em longo prazo que muitas vezes é deixada para trás no mundo líquido 3. Tomemos como exemplo a China, país que hoje possui um PIB extraordinário e que nos últimos 25 anos apresentou taxas altíssimas de crescimento anual 4, as quais muitas vezes foram as maiores taxas do mundo. Tal fenômeno habilitou uma avaliação positiva do país como economia de mercado importante para trocas comerciais, da qual partiram muitos acordos e negociações comerciais com o mundo se beneficiando do desenvolvimento do gigante país da Ásia, principalmente países emergentes. Enxergado como parceiro econômico promissor, a China é a maior compradora de commodities brasileiras 5. Esse grande pulo de desenvolvimento que a China apresentou nos últimos anos foi visto com olhares otimistas e até ameaçador para grandes potências ocidentais. Apesar do boom do crescimento chinês, a dificuldade que hoje podemos enxergar é a de que este sofre uma desaceleração que é esperada por ser contínua no futuro próximo, ou seja, enxergando em curto prazo. O processo de forte crescimento e desenvolvimento da China hoje se esgota em si mesmo. Uma contração do PIB chinês é esperada para o próximo ano6, o que pode interferir nas trocas comerciais com países que hoje são bastante dependentes deste comércio. 3 Termo utilizado por Zygmunt Bauman (2011). Explica o termo: “o mundo que chamo de ‘líquido’ porque, como todos os líquidos, ele jamais se imobiliza nem conserva sua forma por muito tempo. Tudo ou quase tudo em nosso mundo está sempre em mudança (...)” (BAUMAN, 2011, p. 7). 4 Fonte: DW. “O que significa a desaceleração econômica da China?” Disponível em: <http://www.dw.com/pt/oque-significa-a-desacelera%C3%A7%C3%A3o-econ%C3%B4mica-da-china/a-18994102>. Acesso em: 12 maio 2016. 5 CORECON. Conselho Regional de Economia. “Os impactos da desaceleração chinesa no Brasil”. Disponível em: <http://www.corecon-go.org.br/artigos-leitura.php?id=308&chave=os-impactos-da-desaceleracao-chinesano-brasil>. Acesso em: 12 maio 2016. 6 Fonte: UOL. “Desaceleração da China afeta empresas, dólar e inflação no Brasil; entenda”. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/01/19/desaceleracao-da-china-afeta-empresas-dolar-einflacao-no-brasil-entenda.htm>. Acesso em: 12 maio 2016 Piketty (2013) explica o fenômeno e o problema dos grandes crescimentos registrados na história e também faz sua análise em longo prazo. Não nos esqueçamos que sua análise engloba os últimos três séculos em registros e dados econômicos e financeiros de países importantes e grandes potências do mundo. Sua conclusão em relação ao crescimento e, logo, seu significado para o futuro, é, em parte. Segundo Piketty (2013): “(...)o crescimento do passado, embora tão extraordinário, deu-se quase o tempo todo com taxas de crescimento anuais relativamente baixas – em geral, não mais do que 11,5% ao ano. Os únicos exemplos históricos de crescimento sensivelmente mais alto do que isso – por exemplo de 3-4% ou mais – foram os dos países com atrasos substanciais de desenvolvimento em relação aos demais e que, por isso, passaram por recuperações muito rápidas. Esse processo se esgota em si mesmo quando as recuperações terminam e, assim, só pode ser transitório e limitado no tempo. Além disso, por definição, ele não pode se aplicar ao planeta como um todo.” (PIKETTY, 2014, p.96) A desaceleração da China é um processo que hoje resulta de fatores internos dos países. O governo por muitos anos investiu em infraestrutura, construção de hidrelétricas, ao mesmo tempo que as fábricas chinesas exportavam seus produtos para o mundo inteiro. Muitas pessoas se beneficiaram desse modelo com emprego, apesar de as fábricas na China serem conhecidas como lugares em que a mão de obra é barata em consequência de não ser valorizado e, sob um olhar controverso, denunciado escravo ou quase escravo por ONGs (Organizações Não Governamentais) e organizações internacionais. Apesar de o país ter desenvolvido muito emprego com este boom, e ter tido um avanço em sua infraestrutura, muitos índices que vão além do PIB demonstram que as altas taxas de crescimento não retratam necessariamente o desenvolvimento. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da China em 2012, ano em que o país se encontrava em seu auge econômico, era expressivamente menor do que o do Brasil. No ranking mundial, a China se encontrava em posição 101, ao passo que o Brasil, um país com taxas de crescimento muito menores, se encontrava na posição 85 7. Apesar da diferença de população entre os países, classificados como emergentes, a discrepância de crescimento e potencial investimento no desenvolvimento, observados neste caso, destaca também que altas taxas de crescimento de um país não é necessariamente indicador de desenvolvimento, apenas abre possibilidades para este. 7 Fonte: Deepask. Disponível em: <http://www.deepask.com/goes?page=china-Confira-a-evolucao-do-IDH--indice-de-desenvolvimento-humano---no-seu-pais>. Acesso em: 23 maio 2016. O ritmo extensivo de crescimento que a China apresentou nos últimos anos demonstrou a dependência que o país possui a partir das exportações. Em artigo para o jornal alemão Deutsche Welle (20/01/2016), intitulado: “o que significa a desaceleração econômica da China?”, Chris Cottrell afirma: “Agora Pequim quer afastar a economia de sua tradicional dependência das exportações e gastos extravagantes com infraestrutura”. Em conformidade com a conclusão de Piketty (2013), que um crescimento alto se esgota em si mesmo. Observamos o fenômeno de desaceleração da China e suas consequências para o mundo. 2. Depois de abordar aspectos do crescimento, deve-se discutir as crises. O Prêmio Nobel de economia de 2008, Paul Krugman, acredita que o mundo hoje está inserido em uma economia da depressão. Uma série de crises e recessões que caracterizaram a entrada do mundo no século XXI são marcantes para este tipo de contexto. Em suas palavras, a economia da depressão quer dizer que “pela primeira vez em duas gerações, falhas no lado da demanda da economia – insuficiência de gastos privados para usar a capacidade produtiva disponível – são hoje o fator limitativo inequívoco e atuante à prosperidade econômica em boa parte do mundo” (KRUGMAN, 2009, p. 192). A característica cíclica que as recessões têm adquirido no mundo desde os anos 1980, período muito considerado pelos autores base deste artigo, não deixa de incomodar uma reflexão no sentido de repensar as estruturas tidas como base para economias e crescimento sólido. É importante perceber que o crescimento e as crises se alternam de maneira cíclica na história, tendo como base os estudos e Piketty (2013) e Krugman (2009). Ao longo de seus livros e teses, os autores se incumbem de traçar um histórico do crescimento mundial e das crises mais graves que o mundo já viu, respectivamente. Suas literaturas se complementam a partir do momento em que as análises são confrontadas. No caso do crescimento, deve-se observar os parâmetros que o estabelecem, que estão agendados nos dias de hoje. As crises representam, desde a década de 1980, uma característica constante no modelo capitalista, o qual segue vigente sob diferentes óticas e interpretações. Os momentos de crescimento, observados a partir de uma visão mais realista, podem constituir um período de excepcionalidade. “Contudo, se nos remetermos aos fatos históricos, parece bem claro que os ‘Trinta gloriosos’ 8 é que foram excepcionais, simplesmente porque a Europa acumulou ao longo do período 1914-1945, um enorme atraso de crescimento em relação aos Estados Unidos. Tal situação foi logo dirimida durante os ‘Trinta Gloriosos’. Uma vez que a recuperação chegou ao fim, a Europa e os Estados Unidos voltaram juntos à dianteira mundial, à fronteira tecnológica, crescendo ao mesmo ritmo lento característico dessa posição.” (PIKETTY, 2014, p.100). Com essa afirmação, destaca-se a questão de que um crescimento alto de uma nação não é e não deveria ser constante na história. Um crescimento alto de uma nação se esgota em si mesmo, como foi abordado no tópico anterior com o caso da China. E o crescimento está atrelado à crise. O crescimento pode ser uma motivação da crise, sob uma ótica cíclica. Uma crise impulsiona medidas a fim de recuperar uma economia em recessão. Gráfico 1 - Taxa de crescimento da produção por habitante desde a revolução industrial Fonte: O Capital no século XXI 9 8 Segundo a definição do próprio autor, os “Trinta Gloriosos” formaram um “período de trinta anos que vai do fim dos anos 1940 ao fim dos anos 1970, durante o qual o crescimento foi excepcionalmente intenso” (PIKETTY, 2013, p. 100) na Europa. 9 Disponível em: <www.intrinseca.com.br/ocapital>. Acesso em: 12 maio 2015. O gráfico demonstra, em qualidade de fato histórico, o momento em que se deu a observância de um crescimento que recuperou a economia europeia, momento que apresentou um novo parâmetro para um crescimento econômico de sucesso. Pode-se notar que a taxa de crescimento da produção foi bem alta, marcando um momento de anos gloriosos para a economia europeia. As guerras mundiais inseriram a Europa em uma recessão profunda, crises monetárias, falta de investimentos, destruição de ativos públicos e privados, entre outras degradações. Foi um momento necessário para impulsionar um alto crescimento e recuperação econômica que os países precisavam para instaurar novamente a estabilidade. O bem-estar social foi uma promessa bem cumprida dessa recuperação. Mas após os Trinta Gloriosos, novas possibilidades de crise começaram a surgir, colocando em questão diferentes saídas para o baixo crescimento e rendimento. O bem-estar social pode se esgotar em si mesmo. Novas formas de economia deviam ser pensadas em um mundo que se globalizava rapidamente. 3. Um novo pensamento que caracteriza a passagem do século XX para o século XXI Motivado por este período econômico que colocavam em questão saídas para crises, em ciclo com crescimento, no ocidente, que é o neoliberalismo, o Consenso de Washington aconteceu, no final dos anos 1980, em busca de um receituário que promovesse o crescimento de economias que se encontravam em crise ou recessão, especificamente a América Latina. As experiências econômicas de sucesso da Europa passaram a representar um papel importante. Com o fim da, até então, importância do bem-estar social que recuperou a estabilidade dos países europeus, o importante agora era imaginar um modelo econômico que habilitasse o crescimento econômico de países em desenvolvimento que possuíam dependência entre si em um novo período econômico do mundo que agora tinha diferentes modelos de crise, países que, com a globalização, sentiam e necessitavam da estabilidade regional. O Consenso se concentrou na América Latina, mas virou modelo para o mundo. O cerne da questão agora era a realização de medidas necessárias para a transformação de países inseridos em recessões e dívidas externas muito altas em economias de mercado com um crescimento que satisfizesse uma expectativa econômica e ideológica. Não se pode esquecer que o Consenso foi realizado junto ao fim da Guerra Fria, momento em que o neoliberalismo ganhava força frente ao colapso do “comunismo” soviético. O modelo de sucesso já havia sido visto. A receita que muito hoje é discutida como saída para países com baixo crescimento e, consequentemente, desenvolvimento econômico, era aquela que Margareth Tatcher aplicou no Reino Unido no início dos anos 1980. Em artigo para o jornal Folha de São Paulo (11/11/2002), intitulado: “Atualidades: o Consenso de Washington e o neoliberalismo”, Roberto Candelori afirma: “Denominadas ‘neoliberais’, essas medidas foram aplicadas (...). Tendo como eixo central o combate ao poder dos sindicatos e a redução do papel do Estado na economia (Estado mínimo), empregou-se o receituário neoliberal: privatização das empresas estatais, flexibilização da legislação trabalhista, redução da carga fiscal e abertura comercial. ” As influências de ideais neoliberais originam-se da capacidade de recuperação que a Europa teve após a guerra e seu aperfeiçoamento como potência. Tal recuperação era acreditada para nações menos desenvolvidas e mais carentes de auxílio. A necessidade de um Estado mínimo e políticas que visassem um desenvolvimento de economia de mercado tomou lugar, como exibe Piketty (2013) em seu estudo. Após o período de bem-estar social, o crescimento viu seu esgotamento. Em estudo específico sobre o capitalismo e o crescimento na França durante os anos do pós-guerra, Piketty (2013) discorre sobre a alternância de importância de ativos públicos e de ativos privados no país, de acordo com o contexto histórico. Em certo momento analisa o descrédito que envolveu a ideia de capitalismo e liberalismo e como essa perspectiva mudou após os “Trinta Gloriosos” (PIKETTY, 2013, p. 100). Este fenômeno de pensamento e reflexão não apenas abrangeu os acontecimentos na França, ou seja, apenas as consequências nesse específico país da Europa, como afirma o autor posteriormente. Mas o importante a ser observado é o seguinte: “(Essa) visão simplificada e tranquila da acumulação de ativos públicos no longo prazo omite uma parte relevante da história do século passado: a constituição de ativos públicos significativos nos setores industriais e financeiros dos anos 1950 aos anos 1970, seguida de importantes ondas de privatização desses mesmos ativos a partis dos anos 1980-1990. Observa-se essa dupla reviravolta, de amplitude variável, na maior parte das nações desenvolvidas, particularmente na Europa, assim como em diversos países em desenvolvimento.” (PIKETTY, 2014, p. 137). Uma nova perspectiva tomou lugar no mundo. O neoliberalismo caracteriza o surgimento de novos atores reguladores no âmbito internacional e suas intenções. As organizações internacionais para desenvolvimento de comércio, os grandes acordos de comércio, como o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – tradução nossa) e a Rodada Uruguai, que posteriormente originaria a OMC (Organização Mundial do Comércio), marcam um novo período da globalização. É necessário enxergar como uma nova dinâmica de economia, de crescimento, e a expectativa sobre este ascende à medida que a economia internacional se torna mais importante. O neoliberalismo e suas expectativas sobre as crises e as recuperações demonstram hoje que uma alta taxa de crescimento de uma nação é crucial. Mas sob o olhar da história, como é discutido neste artigo, ele é uma excepcionalidade. 4. O Estado de crise de Bauman e Bordoni (2014) Os sociólogos, como citado anteriormente na introdução, defendem em seu livro que o mundo está passando por uma transformação profunda. E essa afirmativa merece uma comprovação de fatos econômicos para ser autoexplicativa. Carlo Bordoni (2014) põe em questão, sob o ponto de vista sociológico, que de certa maneira um crescimento progressivo e o desenvolvimento foram uma promessa passada às pessoas em relação ao mundo moderno e que esta hoje já não é mais sustentável. Em conflito com Piketty (2013), pode-se dizer que essa ideia de crescimento progressivo e desenvolvimento não é sustentável – ou seja, ser progressivo e sem interrupções não é sustentável sob um ponto de vista econômico – mas esse parâmetro não é recente e não pode se resumir apenas no século XXI. A expectativa do desenvolvimento vem de antes. Mas de fato, a percepção do sociólogo se mostra correta. O que Bordoni (2014), em um de seus ensaios, coloca em questão, muito importante por sinal, é a ideia do consumo e do seu esgotamento: “Outras sofreram o mesmo destino, ou estão prestes a fazê-lo, como a ideia de progresso como desenvolvimento contínuo, ligado a uma disponibilidade sempre maior de produtos e, portanto, de consumo – uma ideia otimista sobre a qual grande parte da pretensão de felicidade como de ter, e não de ser, está baseada. ” (BAUMAN, Z.; BORDONI, C., 2014, p. 71). A ilusão moderna de que o consumo e a produção devem ser alimentados constantemente para fluir um crescimento se esgota. A história é cíclica e um mundo líquido moderno não imagina isso em longo prazo. A visão de mundo é enxergada em curto prazo, muito comum hoje em dia, e não leva em conta outros parâmetros. O cerne da questão está na seguinte pergunta: as crises e recessões pelas quais o mundo passa hoje, e tem passado nas últimas décadas, são uma indicação de fato de que encaramos uma transformação? Ou seja, uma mudança profunda pode sair desses conflitos? Hoje o mundo possui crises humanitárias, políticas e econômicas em todas as partes. Guerras civis, problemas com terrorismo, corrupção e recessões seguidas de recessões são alguns exemplos que podem comprovar a tese de que um interregno assume lugar no pensamento. Pensamentos, valores e modelos econômicos defasados estão a morrer. Primaveras democráticas e feministas caracterizam um novo pensamento de uma juventude mais militante. Isso indica mudança? De acordo com Carlo Bordoni (2014), sim. A crise, da qual se refere sendo mundial, ou seja, um conjunto de crises pelas quais o mundo passa atualmente, não tem caráter temporário. “Não obstante, crises, mesmo as induzidas, não podem mais ser consideradas temporárias. Elas representam um status permanente, endêmico, no mundo líquido. Na verdade, elas são o aspecto-chave exatamente por causa da ausência de estabilidade econômica e existencial que experimentamos. (...) A crise em curso não está atingindo somente a Europa e não é somente econômica. Trata-se de uma crise profunda de transformação social e econômica (...).” (BAUMAN, Z.; BORDONI, C., 2014, pp 74-75). Um momento de interregno pôde ser observado anteriormente por Zygmunt Bauman (2014). Nos anos 1970 as promessas de um estado de bem-estar social começaram a parar de funcionar, o progresso esperado deste tipo de política começou a ser desacreditado por muitos. Os Estados começaram a manifestar uma incapacidade de manter o desenvolvimento formadores de opinião contrários a esse tipo de política começaram a fazer sucesso com seus estudos. Peter Drucker declarou que as pessoas precisam, devem (e em breve terão de) abandonar as esperanças de salvação ‘vindas de cima’(...), e o número de ouvidos ansiosos por absorver essa mensagem cresceu em ritmo acelerado. (...) Tratava-se de mais um ‘interregno’(...)? Dessa vez a confiança do público foi investida na ‘mão invisível do mercado’.” (BAUMAN, Z.; BORDONI, C., 2014, pp. 18-19). Ganhou força o neoliberalismo e o modelo de progresso baseado em taxas de crescimento alto e constante das nações menos desenvolvidas, adquirindo assim diferente sentido a essas palavras. Desenvolvimento e crescimento não atrelados ao Estado e a necessidade de sempre se apresentarem constantes para que exista a sua validade no âmbito internacional das organizações, do comércio e dos investimentos. Hoje a ideia de crescimento continua a mesma, mas não se pode dizer que seja uma deturpação. Pode-se inferir que a dificuldade de se entender que uma alta taxa de crescimento não é necessariamente um bom sinal de uma nação é porque a falta de visão de longo prazo é característica constante no mundo líquido moderno. Conclusão Deve-se observar que a concordância entre os autores utilizados neste trabalho está na questão de que as crises trazem transformações. Cabe a cada um dos autores analisar esse fato de uma maneira diferente. Krugman (2009) discorre em seu livro sobre as crises e recessões que marcaram o mundo e quais transformações saíram delas. Piketty (2013) discute a relação do capital, da renda e do crescimento, e como esses mudam ao longo do tempo. Bauman e Bordoni (2014) discutem sobre uma provável transformação que o mundo sofre hoje visto a quantidade de crises que marca a modernidade e como há mudanças ocorrendo no mundo. A discussão realizada no presente artigo, à luz de diferentes estudos e diferentes nomes das áreas de economia e sociologia, compõe um objeto que merece mais atenção por parte das Relações Internacionais. As dificuldades pelas quais o mundo passa hoje e as crises enfrentadas atualmente demonstram uma situação de mudança e transformação. Pode não ser tão profunda ou visível, mas a saída das crises e das recessões é uma eventual mudança. O cenário de taxas de crescimento e a necessidade de serem altas não pode continuar sendo visto em um período de curto prazo, que apenas satisfaça medidas paliativas de desenvolvimento. Acaba sendo superficial a análise de que uma nação em crise precisa de um crescimento alto para se recuperar. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. 44 Cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. BAUMAN, Z.; BORDONI, C. Estado de Crise. Brasil: Zahar, 2014. CANDELORI, Roberto. Atualidades: o Consenso de Washington e o neoliberalismo. Folha de São Paulo. Brasil, 11 nov. 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u11503.shtml>. Acesso em: 12 maio 2016. COTTRELL, Chris. O que significa a desaceleração econômica da China? Deutsche Welle. 20 jan. 2016. Disponível em: <http://www.dw.com/pt/o-que-significa-a- desacelera%C3%A7%C3%A3o-econ%C3%B4mica-da-china/a-18994102>. Acesso em: 12 maio 2016. KRUGMAN, Paul. A crise de 2008 e a economia da depressão. Brasil: Elsevier, 2009. PIKETTY, Thomas. O Capital no século XXI. Brasil: Intrínseca, 2013.