I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: A FORMAÇÃO DO GESTOR DA OBRA MUSICAL NA BAHIA. Armando Alexandre Castro1 RESUMO A representativa e reconhecida música baiana se constitui como elemento sociocultural relevante junto ao desenvolvimento econômico do Estado, e com sua rápida associação às diversas indústrias (cultural, turística, etc.), muitos setores da cadeia produtiva musical foram estimulados, criados e aperfeiçoados mediante necessidade e demanda crescente. Este artigo trata da música popular baiana, procurando evidenciar o protagonismo de alguns artistas baianos no campo da gestão da obra lítero­musical, atividade relevante e estratégica na indústria cultural. Palavras­chave: Gestão; Obra musical; Direitos autorais; Música baiana. RÉSUMÉ La musique baianaise se constitue comme un élément socioculturel important en ce qui concerne le développement économique de l´État . Associée très rapidement aux plusieurs domaines de l´índustrie (phonographique, culturelle, touristique, etc), la musique baianaise a entrainé au cours des dernières années, des transformations importantes dans le marché musical, ce qui a stimulé, crée et perfectionnné plusieurs secteurs de la chaîne productrice qui l´entourent, moyennement aux besoins et aux demandes croissantes. Cet article concerne la musique populaire baianaise et essaie de mettre en évidence le protagonisme de quelques artistes baianais, dans le domaine de la gestion de l´oeuvre littéraire­musicale, activité importante et stratégique au sein de l´industrie culturelle. Mots­clés: Gestion; Oeuvre musicale; Droits d´auteurs; Musique baianaise. 1 Doutor em Administração (NPGA/UFBA). Professor da área de Cultura Artística do ICADS/UFBA. Integrante do Grupo de Pesquisa O Som do Lugar e o Mundo (FFCH/UFBA). E­mail: [email protected] I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: INTRODUÇÃO No show business contemporâneo, a díade “música e mercado” apresenta inúmeros exemplos de gêneros e cenas musicais pelo mundo. Encontro e sobreposição de (e entre) elementos estéticos, mas, também, socioeconômicos, fomentando e veiculando inúmeras e relevantes discussões sobre os mecanismos, teorias, estratégias, organizações, agentes, gestores e produtores da indústria cultural. A dinâmica, representativa e reconhecida música baiana atual, que se constitui como elemento sociocultural relevante junto ao desenvolvimento econômico do Estado, com sua rápida associação às diversas indústrias (fonográfica, cultural, turística, etc.) fomentaram a criação de muitos setores da cadeia produtiva musical. Em Salvador, por exemplo, nas últimas décadas, surgiram inúmeras empresas agenciadoras de artistas e eventos, empreendedores culturais, estúdios, compositores e editoras musicais. Este artigo trata da formação de um campo relevante da produção cultural e artística na Bahia: a gestão da obra musical. Nas últimas quatro décadas, a profissionalização e crescente apropriação mercantil do modelo carnavalesco soteropolitano por atores e artistas locais, apresenta como um de seus desdobramentos, o fortalecimento de uma música baiana de entretenimento2, massiva, sobretudo elétrica na disposição do seu instrumental, e que sobrevive às mais rigorosas críticas e inúmeros discursos quanto ao seu fim, não raro, preconceituosos e resultantes de considerável desconhecimento acerca de suas inúmeras articulações organizacionais e mercadológicas. Mas não é só isto, legitimou­se no Estado o campo da gestão da obra 2 Música baiana aqui compreendida enquanto os gêneros musicais populares e massivos produzidos no Estado. Não faz parte do escopo deste trabalho, discussões acerca dos conceitos e hibridismos existentes nos gêneros e rótulos musicais contemporâneos. I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: musical. Compreendendo a obra musical como ponto de partida para o negócio, o referencial teórico deste trabalho abarca os conceitos de desverticalização da indústria fonográfica, acumulação flexível e produção cultural na Bahia contemporânea, realçando o surgimento, profissionalização e fortalecimento da cadeia produtiva da música na Bahia. A OBRA MUSICAL COMO PONTO DE PARTIDA Indubitavelmente, a obra musical é o ponto de partida, o que, historicamente, sempre evidenciou o papel do editor como intermediário. Ou seja, tanto o artista quanto o autor se beneficiam com a redução de intermediários. O fator preponderante é que a editora Musical, no caso da música baiana massiva, deixa de ser intermediária, posto que, majoritariamente, as audições musicais e decisões acerca do repertório são de responsabilidade do próprio artista que, não raro, também é o proprietário da editora. Em outros momentos, ainda em Salvador, é comum os autores procurarem estes artistas e não editoras musicais (vendas diretas) para a apresentação de repertórios. Ao passo em que o autor funciona como fornecedor da obra musical para os grupos, bandas e artistas, ele é o maior cliente do editor e/ou artista/autor/editor, que lhe deve prestar um serviço eficiente. Nesta direção, o que é imperativo termina por realçar aspectos particulares na administração da obra musical. A Bahia com seus artistas/autores/editores reverte à histórica compreensão do editor enquanto mero intermediário – vide quadro abaixo. Sobre a visão clássica, eis um recente depoimento: […] A música é o ponto de partida da indústria fonográfica. De saída, há o(s) I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: compositor(es) que escreve(m) a canção (música e letra) e a entrega(m) para um intermediário, que é o editor. A partir de um contrato o compositor, o editor passa a ter direitos de exclusividade sobre a canção. Em seguida, o editor – o “empresário do compositor”­ entra em contato com um produtor para que o autor ou outros artistas possam gravar a composição (ALMEIDA e PESSOTI, 2000). Sendo assim, as especificidades do campo da gestão da obra musical na Bahia exigem adaptações desta corrente teórica clássica. O artista/autor/editor surge num cenário onde é, entre outras atividades, o gestor dos eventos e de sua própria carreira. A metodologia contemplou a análise de dados e relatórios do Escritório Central de Arrecadação de Direitos (ECAD) para o ano de 2010, assim como pesquisa de campo junto às produtoras musicais baianas que, não somente agenciam carreiras e artistas, mas também se ocuparam da tarefa de administrar repertórios musicais, configurando a Bahia como um dos maiores pólos de gestão da obra musical no Brasil. I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: FIGURA 01: TEIA RELACIONAL DA OBRA MUSICAL (CASTRO, 2011) I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: A música baiana e o cenário musical nacional A legitimação e a acentuada empresarização da atual música baiana tornaram artistas em empresários, onde as novas tecnologias se configuram, até então, como ferramenta de divulgação de seus inúmeros negócios, em especial, o segmento show . Os quadros abaixo, comprovam a legitimação da música baiana, em especial, a partir da axé music ou pagode, evidenciando a referencialidade dos autores baianos e suas músicas no ranking do ECAD3. Quadro 01: ECAD ­ Ranking dos Autores com maior rendimento em 2010 Fonte: ECAD, 2011. 3 Os autores baianos considerados nesta pesquisa são aqueles que participam ativamente da música baiana massiva e residem em Salvador. Neste sentido, a pesquisa não contempla compositores como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que, esporadicamente, têm inúmeras participações na cena musical baiana massiva contemporânea, mas residem no Rio de Janeiro, onde estão sediadas suas editoras. I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: Neste ranking , dentre os autores baianos, destacam­se Carlinhos Brown, Durval Lélys e Manno Góes, que participam deste seleto grupo, com regularidade, há quase duas décadas. Quadro 02: ECAD ­ Ranking dos Autores com maior arrecadação em Shows 2010 Fonte: ECAD, 2011. No segmento show , amplia­se, consideravelmente, a representatividade da música baiana no mercado musical nacional e internacional, destacando o protagonismo de sete compositores baianos – Durval Lélys, Carlinhos Brown, Manno Góes, Alexandre Peixe, Beto Garrido, Alaim Tavares e Bell Marques – na listagem dos 20 maiores arrecadadores de shows . Quadro 03: Ranking das músicas mais executadas em Shows 2010 I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: Fonte: Elaboração do autor a partir do relatório do ECAD. Das 20 músicas que integram o ranking acima, 12 obras são vinculadas diretamente ao repertório da música baiana. Por outro lado, músicas como País Tropical (Jorge Bem Jor), esteja vinculada, em sua origem, a outro gênero, também são executadas pelas bandas e intérpretes baianos em suas maratonas de apresentações musicais. A gestão da obra musical Na cadeia produtiva musical, a etapa conhecida como Edição Musical é o processo pelo qual o compositor cede e transfere os direitos de administração de sua I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: propriedade intelectual – neste caso, a obra musical –, para uma organização/empresa legalmente constituída junto ao Ministério da Fazenda. Atualmente, as editoras musicais são as responsáveis pela arrecadação e pagamento de direitos autorais obtidos da comercialização de produtos fonográficos e audiovisuais; legalização das obras e autores junto às Associações Arrecadadoras, e, posteriormente ao ECAD; acompanhamento e controle das liberações e pagamentos relativos aos direitos autorais junto às gravadoras Majors e selos musicais independentes4; assim como intermediárias entre o circuito comercial – produtores musicais – e os autores. Transitando entre o artista e o compositor, o editor musical é relevante na gestão da obra musical, posto que uma vez a obra editada – e, dependendo dos termos do contrato de edição –, passa a ter mais autonomia e controle sobre a obra do que o próprio autor. Esta etapa, marcada pela nacionalização do processo de produção fonográfica, tem início na década de 1970, a partir da iniciativa de artistas musicais descontentes com os modelos gerenciais exclusivistas das transnacionais em atividade no Brasil à época (DE MARCHI, 2005; ALMEIDA; PESSOTI, 2000). Este processo pode ser analisado também a partir da reestruturação pós­fordista do capitalismo, via acumulação flexível (HARVEY, 1992), onde a indústria fonográfica mundial redirecionou suas atividades, terceirizou etapas e expandiu­se para novos mercados. As editoras musicais na Bahia 4 Gravadoras menores, com poucos recursos e estrutura de distribuição própria. I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: No mercado musical, editoras musicais são empresas formalmente constituídas junto ao Ministério da Fazenda, e têm como objetivo principal a gestão das obras musicais de determinados compositores (pessoa física). Sabe­se que nem todo artista musical em atividade na Bahia possui relação com produtoras, editores e agenciadores de shows; entretanto, parcela considerável deste segmento profissional não somente estabelece esta relação como empreende suas próprias empresas ligadas ao meio artístico, fortalecendo o mercado e a economia local, além de implementarem uma nova categoria profissional no Estado: o editor musical (vide quadro abaixo). Para Castro (2011, p. 73), é possível afirmar que, na Bahia, o campo da gestão musical compreende três categorias: Autores: buscando autonomia a partir da gestão independente e direta, ou utilizando a cessão da gestão como elemento do negócio. Ou seja, negocia­se a obra e a gestão desta diretamente com o editor ou artista/autor/editor, e/ou seu representante; Por outro lado, pode implementar uma gestão direta, sem contratos de edição, a partir de um contato mais sistematizado com a sua associação, autorizações diretas para cada produto, entre outros. Editores: interessado na gestão da obra por conta do controle, força política, poder, e, também, pelos dividendos que esta pode gerar a partir, principalmente, dos direitos de execução pública; Artistas/autores/editores: atuam e se articulam nas três funções, e está interessado na gestão como proteção, controle de suas obras e repertórios, manutenção e/ou preservação de critérios como a exclusividade dos registros, além de ganhos financeiros. (CASTRO, 2011, p. 73). A música baiana, a partir de seus principais e mais antigos interlocutores e intérpretes, ampliou a sua atuação em outras etapas da produção musical a partir da desverticalização da indústria fonográfica, da acumulação flexível, mas, também, I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: procurando diminuir a resistência aos seus projetos a partir do que se conceitua como performatividade no empreendedorismo institucional. I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: Quadro 04: Editoras musicais na Bahia5 Fonte: CASTRO, 2011. 5 Nesta investigação, foram consideradas apenas as editoras musicais legalmente constituídas na JUCEB, e devidamente cadastradas em associações arrecadadoras. I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: Considerações Finais Na Bahia, a formação do gestor de obra musical, também conhecido como editor se deu de forma empírica, processo diretamente vinculado ao diálogo com as gravadoras localizadas no sudeste do país, e pode ser considerado como mais um dos desdobramentos evidenciados a partir da profissionalização do Carnaval Baiano, evidenciando a década de 1980 enquanto marco­temporal dos chamados blocos de trio no carnaval soteropolitano – ampliando consideravelmente o alcance comercial e mercadológico deste – fato que possibilitou o surgimento de novos grupos, bandas e artistas musicais (DANTAS, 1994; MOURA, 2001; MIGUEZ, 2002; CASTRO, 2009). Das 74 editoras musicais identificadas, pode­se perceber a preponderância dos artistas relacionados ao universo axé music , situando boa parte de seus artistas e autores como proprietários de editoras musicais, inscrevendo a Bahia, de forma representativa e relevante, no campo da gestão do direito autoral. Atualmente, se configura como o terceiro estado em número de editoras musicais no país (revista Sucesso CD/Show Business/ECAD/UBC–2008), quinto em arrecadação pública (ECAD, 2011), inscrevendo alguns de seus autores e obras na liderança de rankings nacionais e regionais de arrecadação por execução Pública. A formação do gestor da obra musical na Bahia representa lucros, mas, também, aspectos políticos que se justificam como estratégicos no cenário musical local e nacional, principalmente a partir da descentralização das atividades do eixo RJ/SP, mas, também, pelo que representa de independência artística e formação de gestores representativos no campo da produção cultural, setor música. Neste sentido, não seria I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CULTURA REALIZAÇÃO: PATROCÍNIO: equivocado afirmar que os artistas­empresários da atual música baiana descobriram que refrão também rima e necessita de gestão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALMEIDA, P. H.; PESSOTI, G. A evolução da indústria fonográfica e o caso da Bahia. Revista Bahia Análise e Dados . v.9 n.4 p.90­108. Salvador: SEI, 2000. CASTRO, Armando Alexandre. Axé music: mitos, verdades e world music . 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