1. INTRODUÇÃO 1.1. Evolução do encéfalo nos seres vivos

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1. INTRODUÇÃO
1.1. Evolução do encéfalo nos seres vivos
O surgimento e posterior desenvolvimento do sistema nervoso no decorrer do
processo evolutivo foram fundamentais à emergência de seres com melhor capacidade de
percepção e interação com o meio ambiente, proporcionando melhores oportunidades
adaptativas.
Os organismos unicelulares representam as primeiras formas de vida no planeta. A
evolução gradualmente se encarregou de dotar os seres de características eficazes para a
busca de nutrientes, prevenção de riscos e, em última análise, para a adaptação ao meio.
Com o passar do tempo foram surgindo receptores capazes de perceber o ambiente, assim
como traços de memória e respostas adaptáveis. O estresse ambiental resultou em extinções
que favoreceram pequenos predadores que possuíam cordões nervosos dorsais e cérebros
posicionados cranialmente. A mielinização e a capacidade de termorregulação posteriores,
conduziram a um processo neural cada vez mais eficiente. Com inputs somatossensoriais,
visuais e auditivos aumentados, surgiu um neocórtex desenvolvido contendo tanto mapas
neurais sensoriais como motores. Hominídeos, com suas mãos livres, impulsionaram o
desenvolvimento cortical e começaram a elaborar ferramentas simples de pedra. O
surgimento de ferramentas e o aumento da capacidade cognitiva permitiram a obtenção de
uma dieta rica que conduziu a um intestino menor, liberando assim, mais energia para a
expansão do cérebro. Áreas de associação multimodais, inicialmente desenvolvidas para
processar a chegada de informação sensorial, floresceram e começaram a proporcionar ao
organismo uma consciência do eu e do ambiente. Posteriores avanços no armazenamento
de informações e na capacidade de acessar essa memória deram ao organismo um senso de
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continuidade ao longo do tempo. Esta consciência em desenvolvimento eventualmente
deixou traços visíveis que podem ser evidenciados na atualidade por indícios nas paredes
de cavernas distribuídas por algumas regiões do globo (Oró, 2004).
Ao longo da evolução, os principais avanços no desenvolvimento do cérebro
ocorreram em pequenos predadores. Foram surgindo capacidades sensoriais aperfeiçoadas e
habilidades motoras para a sobrevivência, como mais tarde enunciaria Darwin.
O aumento da inteligência trouxe a necessidade de aumento de energia que foram
satisfeitas com o forrageamento ou com a perseguição de sítios ricos em fontes energéticas.
Um cérebro avantajado exigiu um tempo maior para se desenvolver e o organismo precisou
prolongar o cuidado materno. Posteriormente, o apoio - proveniente do pai, da família e da
comunidade - aumentou as chances de sobrevivência dos indivíduos. De um cérebro
gradativamente maior e mais complexo surgiu a consciência, a consciência do eu e do
ambiente, num fenômeno considerado um tanto quanto recente (Oró, 2004).
O hemisfério cerebral é derivado do telencéfalo embrionário. É o maior componente
do prosencéfalo e atinge seu maior grau de desenvolvimento em humanos.
Superficialmente, o hemisfério cerebral consiste em uma camada de substância cinzenta, o
córtex cerebral, que é muito convoluta para formar um padrão complexo de cristas (giros) e
depressões (sulcos). Isso serve para maximizar a área da superfície do córtex cerebral, da
qual 70% ficam escondidas na profundidade dos sulcos (Crossman & Neary, 1997).
O córtex cerebral é o grande responsável pela informação consciente, pelo
pensamento, pela memória e intelecto. É a região para a qual, em última análise, ascendem
todas as modalidades sensoriais (por meio do tálamo) e onde são percebidas e interpretadas
conscientemente, à luz da experiência prévia (Crossman & Neary, 1997).
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O cérebro anterior (lobos frontais) está relacionado à organização do movimento
(áreas motoras primárias, pré-motora e motora suplementar) e à orientação (guidance)
estratégica dos comportamentos motores complexos, ao longo do tempo (área pré-frontal)
(Crossman & Neary, 1997). Parte mais recente da evolução filogenética do encéfalo, sendo
seu desenvolvimento mais acentuado nos primatas, notadamente no homem, a região
frontal traz em si as possibilidades para a elucidação de muitos aspectos do comportamento
(Uylings & Van Eden, 1990; Semendeferi et al., 1997). A compreensão das funções
atribuídas aos lobos frontais tem sido (devido à falta de unanimidade ou devido às
diferentes interpretações em trabalhos publicados) o desafio mais difícil da história da
função cerebral (Caldas, 2000). Em decorrência de sua natureza múltipla e integrativa e de
suas qualidades ímpares, os lobos frontais são freqüentemente analisados por estudiosos
pertencentes aos diversos ramos da ciência (Nitrini, 1996; Rolls, 1999, 2002; Gray, Braver
& Raichle, 2002).
O conceito de unidade hierarquicamente superior (expresso pelas funções de
supervisão, controle e integração) associado aos lobos frontais, apresenta-se de forma
regular nos diversos modelos propostos nos últimos anos com conotações peculiares em
cada caso, adequadas aos modelos de funcionamento do cérebro, das dimensões neurais de
comportamento abrigadas pelos autores (Luria, 1981; Stuss & Benson, 1986; Mesulam,
1990; Damasio, 1993; Nitrini, 1996).
As extensas regiões do córtex do lobo frontal, situadas anteriormente às áreas prémotoras, são designadas CÓRTEX PRÉ-FRONTAL. O córtex pré-frontal (CPF) estende-se
na face dorsolateral do hemisfério à frente do córtex pré-motor, interessando ainda a porção
interna do lobo frontal e toda a região orbitária, isto é, a face inferior do lobo frontal que
apóia-se no teto da órbita (Nitrini, 1996). Em macacos a borda posterior do córtex pré-
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frontal é marcada pela borda anterior do sulco arcuatus. Em humanos e também em
primatas não-humanos o CPF inclui todas as áreas rostrais, laterais, mediais e orbitais
adiante do córtex pré-motor (Barbas, 1995). Essa área desenvolveu-se muito durante a
evolução dos mamíferos e no homem ocupa cerca de
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da superfície do córtex cerebral
(Machado, 1998).
Assim como o resto do neocórtex ou neopallium, o córtex pré-frontal evoluiu do
telencéfalo dorsal entre duas estruturas antigas, o pallium olfatório (piriforme) lateralmente
situado e o pallium hipocampal medialmente situado. O processo evolutivo preciso que deu
origem ao neocórtex ainda não foi totalmente elucidado (Northcutt & Kaas, 1995). Há duas
linhas principais de pensamento sobre este assunto: uma que defende que o neocórtex
desenvolveu-se como uma expansão dessas estruturas antigas (Pandya et al., 1988); outra
que defende que aquele desenvolveu-se a partir de um conjunto de células adiante da
parede dorsal do ventrículo (Butler, 1994). Em todo caso, geralmente é aceito que no
decorrer da evolução o neocórtex aumentou como um todo (em tamanho e volume) em
proporção às dimensões corpo (Stephan et al., 1981; Jerison, 1990). O crescimento do
neocórtex durante a evolução pode ser caracterizado como uma verdadeira explosão
filogenética (Finlay & Darlington, 1995).
O córtex pré-frontal exerce como principal função planejamento e análise das
conseqüências de ações futuras, estando relacionado com a capacidade de decisão,
julgamento bem como com o comportamento social e ético (Eslinger & Damasio, 1985;
Mesulam, 1990; Nitrini, 1996; Fuster, 1997; Roberts & Wallis, 2000; Miller & Cohen,
2001; Miller et al., 2002; Wood & Grafman, 2003).
Nauta (1971) sugere que o CPF desempenha função de integração entre o meio
orgânico interno (via sistema límbico) e o ambiente externo (via áreas sensitivas de
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associação). Cabe aos segmentos anteriores do córtex granular a ativação ou supressão de
uma determinada rede em uma ou outra circunstância, a seleção e combinação entre elas.
Lesões nesta região cerebral podem provocar déficits importantes envolvendo funções
cognitivas, afeto, humor, comportamento social, movimento, alterações de personalidade e
conduta. (Eslinger & Damasio, 1985; Mesulam, 1990; Damasio & Anderson, 1993).
Já foi levantada a hipótese que o controle inibitório era exclusivamente dependente
dos córtices pré-frontais órbitofrontal e ventrolateral. Há agora evidência tanto em humanos
como em primatas não-humanos de que todos os córtices pré-frontais têm um papel no
controle inibitório, embora dentro de seus domínios de especialização (Shimamura, 1995;
Roberts & Wallis, 2000). O fenômeno do controle inibitório é exemplificado ao nível
funcional nas interações entre o CPF com córtices temporais superiores de associação
auditiva (Barbas et al., 2005).
A manutenção das informações é também uma função crítica do córtex pré-frontal
porque o aprendizado de regras tipicamente envolve a formação de associações entre
eventos discrepantes separados no tempo. Fuster (1995, 2000) tem enfatizado a importância
do CPF na integração temporal. Owen & Petrides (1996) têm explorado o papel do CPF no
monitoramento e na organização de informações mantidas na mente, uma importante
faculdade cognitiva. A habilidade do CPF para flexibilizar formas de associação de acordo
com uma meta atual pode ser a implementação neural desta capacidade. A organização do
CPF pode conter subsídios importantes à compreensão a respeito de seu funcionamento
(Miller, 2000).
O córtex pré-frontal humano não é necessariamente maior do que em outras
espécies de primatas (Semendeferi et al., 2002), mas sua arquitetura neural é diferente e
provavelmente mais sofisticada ou organizada para acomodar funções cognitivas mais
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elaboradas, que são superiores àquelas de espécies relacionadas (Rilling & Insel, 1999;
Semendeferi et al., 2001; Wood & Grafman, 2003).
Apesar ainda da existência de muitas divergências e especulações em torno do
significado funcional da área pré-frontal, a interpretação às vezes difícil de dados
experimentais e clínicos permite concluir que esta área está envolvida em várias funções,
algumas das quais estão descritas abaixo:
a)
Escolha das opções e estratégias comportamentais mais adequadas à
situação física e social do indivíduo, assim como a capacidade de alterá-las
quando tais situações se modificam.
b)
Manutenção da atenção; sendo importante ressaltar que outras áreas
cerebrais – a formação reticular inclusive – também estão envolvidas no
fenômeno da atenção. Entretanto, os aspectos mais complexos dessa função,
como, por exemplo, a capacidade de seguir seqüências ordenadas de
pensamentos, depende fundamentalmente da área pré-frontal.
c)
Controle do comportamento emocional, função exercida juntamente com
o hipotálamo e o sistema límbico.
d)
Seleciona as habilidades cognitivas requeridas para implementação de
planos, coordena estas habilidades e as aplica em uma ordem correta.
e)
É também atribuída aos lobos frontais a capacidade de autoconsciência
(Machado, 1998; Goldberg, 2002 a, 2002b; Platt, 2004).
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1.2. Evolução comparada dos encéfalos em diferentes vertebrados, com ênfase
nos primatas.
A inteligência, não raramente, evoluiu de forma independente entre os vertebrados.
Primatas, elefantes e cetáceos são reconhecidos por exibirem um aumento na encefalização
acima dos mamíferos ancestrais e por serem mais inteligentes que pequenos mamíferos; os
grandes primatas e os humanos mais que macacos; e humanos mais que os grandes
primatas. (Deacon, 1990). Tamanho do cérebro (absoluto ou relativo), do córtex, do córtex
pré-frontal e o grau de encefalização podem ser considerados propriedades cerebrais
conhecidas por serem pertinentes à inteligência. Porém, um fator que melhor se
correlaciona com a inteligência seria o número de neurônios corticais e a velocidade de
suas conduções, bem como a capacidade de processamento de informações. Humanos têm
mais neurônios corticais que outros mamíferos, embora apenas ligeiramente mais que
baleias e elefantes. A inteligência humana parece ser o resultado de uma combinação e
sofisticação de propriedades vistas em primatas não-humanos, como a teoria da mente,
imitação e linguagem, ao invés de propriedades exclusivas (Roth & Dicke, 2005).
No grupo das aves, alguns pássaros têm sido escolhidos para estudos a respeito de
anatomia cerebral e de suas capacidades cognitivas. Cérebros de pássaros e de mamíferos
quando comparados são muito diferentes e seus substratos neurais de cognição são situados
dentro de estruturas diversas do cérebro, porém o resultado do comportamento de
processamento cognitivo é bem parecido e provavelmente baseado em princípios
semelhantes. Certamente então, seja possível discutir um caso de evolução neurológica
divergente, contudo com evolução mental convergente (Emery & Clayton, 2004).
Embora os mamíferos só representem cerca de
1
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de todos os vertebrados, eles
constituem uma classe razoavelmente próspera de animais, particularmente se nós
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incluirmos os humanos. Neurobiologicamente, mamíferos são diferenciados de seus
precursores não-mamíferos principalmente pelo seu neocórtex (Striedter, 1997; Medina &
Reiner, 2000; Puelles, 2001; Aboitiz et al., 2003) altamente modificado e genuinamente
recente. Dentre as várias hipóteses alternativas para a origem do neocórtex (Karten, 1969;
Butler, 1994; Striedter, 1997; Reiner, 2000), existe aquela que indica que as seis camadas
do neocórtex de mamíferos evoluíram de uma precursora reptiliana trilaminar (chamada
córtex dorsal) por adição de várias camadas celulares (Reiner, 1993), acrescentando uma
região de processo auditivo (Puelles, 2001) e modificando a trajetória de chegada de
projeções sensoriais (de tangenciais para radiais) (Striedter, 2004).
Os mamíferos mais primitivos, como as toupeiras e os musaranhos têm um cérebro
relativamente pequeno com um córtex cerebral liso. Mamíferos mais avançados, como
cavalos e gatos, têm um cérebro maior coberto por um córtex com muitos giros e sulcos.
Estas irregularidades aumentam a área de superfície do cérebro. De acordo com Brodmann
(1909), o córtex pré-frontal constitui 3,5% da totalidade do córtex no gato, 12,5% no
cachorro, 11,5% no macaco, 17% no chimpanzé, e 29% no humano (Fuster, 2002). Em
Macaca sp., tanto seus lóbulos frontais (Semendeferi et al., 1997) quanto seu córtex préfrontal (11%) (Passingham, 1973, 1993) são significativamente menores que de humanos e
de grandes primatas (Barrett et al., 2003) (Figura 1). Baleias e golfinhos têm cérebros
grandes, altamente desenvolvidos. São animais muito estudados em neuroanatomia por
apresentarem cérebros bem avantajados e um comportamento diferenciado. O alto grau de
girificação cortical em muitos cérebros de cetáceos e a camada neocortical resultante com
área de aproximadamente 3745 cm2 não são superados por nenhum mamífero, inclusive
humanos (2275 cm2) (Elias & Schwartz, 1969; Ridgway & Brownson, 1984). Então, tanto
do ponto de vista de tamanho cerebral total como da neocorticalização, os cetáceos são
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altamente elaborados. Porém, o neocórtex de cetáceo é relativamente delgado, com uma
largura entre 1,3 e 1,8 mm, quando comparado ao espesso neocórtex humano com 3,0 mm
(Haug, 1969, 1987; Kesarev, 1971; Ridgway & Brownson, 1984; Marino, 2004).
Mico
de
cheiro
Gato
Macaco
Rhesus
Cachorro
Chimpanzé
Homem
Figura 1. Tamanho relativo do CPF em diferentes animais.
Abreviações: a.s., sulco arqueado; c.s., sulcus do cingulo; g.pr., giro
proreus; p.f., fissura pré sylvius; p.s., sulco principal; pr.f., fissura
proreal (Adaptado de Fuster, 1995).
Os primatas são exemplos de animais que têm atraído boa parte dos esforços de
pesquisas sobre neurologia. Não é difícil imaginar que isto esteja relacionado à sua
proximidade filogenética ao ser humano (Talebi et al., 1995). Algumas argumentações para
o estado especial de primatas são descritas adiante:
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1.
Primatas têm um neocórtex maior que o estimado para seu tamanho corpóreo.
2.
Primatas têm um córtex pré-frontal expandido.
3.
Primatas demonstram aprendizagem social e imitação.
4.
Primatas “compreendem” outros estados mentais.
5.
Primatas exibem perspicácia, inovação, constroem e usam ferramentas.
6.
Primatas utilizam comunicação simbólica e referente.
7.
Primatas demonstram elementos de “viagem temporal” mental (i.e.,
memória episódica e planejamento do futuro) (Emery & Clayton, 2004).
8. Primatas possuem cultura (McGrew, 1998; Whiten et al. 1999; DeWaal, 1999).
Le Gros Clark (1971), um dos peritos pioneiros em cérebros de primata, escreveu:
“Indubitavelmente a característica mais distintiva dos primatas, que permite a esta ordem
contrastar com todas as outras ordens de mamíferos em sua história evolutiva, é a
tendência para o desenvolvimento de um cérebro que é grande em proporção ao peso
corpóreo total e que é caracterizado particularmente por um córtex cerebral
relativamente extenso e ricamente convoluto. Nos primatas esta expansão começou mais
recentemente, procedeu mais rapidamente e no final das contas teve um avanço muito
além do de outros mamíferos”. Analisando cérebros de uma variedade de outros
mamíferos, entretanto, observa-se que essas não são características exclusivas dos primatas
(Radinsky, 1975).
Cérebros bastante expandidos e altamente complexos estão entre os atributos que
definem primatas de forma distintiva de outros mamíferos. Com o advento do neocórtex, a
capacidade para formas superiores de funções psicológicas (tais como o pensamento e o
raciocínio) aflorou e alcançou seu auge no homem (Brodmann, 1912; Jerison, 1973; Finlay
& Darlington, 1995). Entretanto, mesmo no ser humano o cérebro visceral permaneceu
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praticamente inalterado, continuando responsável pelas funções básicas (LeDoux, 1998).
Cérebros maiores permitiram ao animal manter um mapa de forrageamento maior e
melhoraram as estratégias de exploração (Martin, 1983), porém há vários animais que usam
ferramentas e que não têm particularmente cérebros grandes e muitos animais são
extremamente acrobáticos e capazes de produzir movimentos variados e coordenados. De
acordo com Dunbar (1996), há algumas correlações entre o desenvolvimento do neocórtex
e o tamanho do grupo. Primatas são particularmente bons no reconhecimento de membros
de suas famílias e de grupos sociais e eles formam padrões complexos de aliança e
confiança. Há vastos relatos de observações de decepção tática e de outros exemplos de
comportamentos extremamente complexos entre estes animais (Byrne & Whiten, 1997).
O cérebro se tornou repertório de comportamentos mais elaborados em primatas
(como resultado do seu tamanho avantajado e de sua complexidade), culminando em
comportamentos culturais altamente sofisticados em humanos como: linguagem, utilização
de ferramentas e aprendizagem social (Spuhler, 1959; Matsuzawa, 2001; Dorus et al.,
2004).
Os primatas são divididos em dois grupos: o dos Prossímios, ou dos primatas
inferiores e o dos Antropóides, ou dos primatas superiores. Os Prossímios incluem os
primatas modernos, que apareceram há aproximadamente 50 milhões de anos atrás e são
representados hoje pelos lêmures, lorídeos e gálagos. Os Antropóides surgiram por volta de
35 milhões de anos atrás e incluem os primatas Platyrrhines ou do Novo Mundo (dentre
eles o Cebus apella, sagüis, guaribas, muriquis) e os primatas Catarrhines (incluem
primatas do Velho Mundo - mandris, mangabeis, babuínos; os grandes primatas orangotangos, chimpanzés, gorilas; e finalmente os humanos) (veja Figura 2). As relações
entre társios (uma forma saltadora do sudeste da Ásia) são atualmente controversas.
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Primatas evoluíram dos insetívoros. Apesar de insetívoros modernos (como musaranhos,
toupeiras e porcos-espinhos) serem em muitos aspectos diferentes dos insetívoros antigos
que deram origem aos primatas, eles representam um modelo eficaz de como
provavelmente eram os cérebros dos antepassados dos primatas (Radinsky, 1975).
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Humano
Os Primatas
4,5
Chimpanzé
Bonobo
Grandes
Primatas
6
Gorila
12
25
Orangotango
Símios
Babuíno
35
Macacos do Velho Mundo
Macaco
Rhesus
Primatas
Sagüi
50
Macacos do Novo Mundo
Macaco
Prego
Prossímios
Lêmur
Figura 2. Filogenia dos primatas (Adaptado de Byrne, 2000).
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Cérebros de insetívoros são relativamente pequenos, têm um pequeno neocórtex e
mostram pouca ou nenhuma dobra neocortical. Com a evolução de cérebros relativamente
maiores e mais neocórtex, dobras apareceram no neocórtex cerebral de primatas assim
como em quase todas as outras ordens de mamíferos. Comparações entre diferenças de
tamanhos cerebrais entre prossímios, macacos do Novo Mundo, grandes primatas e
humanos revelam uma quantia superior de dobras com o aumento do tamanho cerebral
(Connoly, 1950; Radinsky, 1968, 1974; Hershkovitz, 1977); entretanto esta tendência não é
tão óbvia em cérebros de macaco do Velho Mundo. Estudos de mapas corticais (Sanides,
1970; Radinsky, 1975) sugerem que as dobras tendem a se desenvolver entre áreas
funcionais diferentes do córtex.
Tendências evolutivas através de estudos comparativos dos cérebros de insetívoros
atuais e de primatas têm sugerido: aumento do tamanho relativo do cérebro comparado ao
peso corporal e aumento da quantidade de neocórtex (além do esperado para aumento no
tamanho do cérebro), dentre outras mudanças (Radinsky, 1975).
A relação entre o peso do cérebro e o peso corporal dos animais atuais com
cérebros menores - os insetívoros (Bauchot & Stephan, 1969), provavelmente representa
bem o tamanho relativo do cérebro dos antepassados de primatas insetívoros. As 33
espécies de insetívoros analisadas por Bauchot & Stephan apresentam cérebros que variam
de 0,80 vezes a aproximadamente 3,0 vezes acima do nível basal esperado para este grupo;
o tamanho relativo do cérebro de primatas prossímios vivos aparece com escalas entre 2,4
vezes a 7,0 vezes a mais do que seria esperado para um insetívoro basal de peso corporal
comparável, com os lêmures Lepilemur e Hapalemur com os menores valores, e o Aye-aye
(Daublentonia), com o maior valor. A maioria dos primatas antropóides atuais varia em
tamanho relativo do cérebro de aproximadamente 5,3 a 11,7 vezes o nível de um insetívoro
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basal, com extensa sobreposição entre primatas do Novo e do Velho Mundo; com exceção
ao Alouatta (macaco uivador) e aos humanos: Alouatta com um baixo Quociente de
Encefalização (QE) e humanos, com QE acima do valor esperado (Radinsky, 1975).
A afirmativa correta de que macacos do Velho Mundo são mais próximos dos
humanos que macacos do Novo Mundo precisa ser complementada por uma avaliação das
distâncias evolutivas envolvidas. Estimativas indicam que as divergências que conduzem às
linhagens atuais, tanto de macacos do Novo Mundo como primatas do Velho Mundo
(incluindo humanos) ocorreram ao redor de 35 milhões de anos, enquanto a divergência
entre macacos do Velho Mundo e hominídeos ocorreu por volta de 25 milhões de anos atrás
(Glazko & Nei, 2003; Schrago & Russo, 2003). Assim, tanto primatas atuais do Novo
como do Velho Mundo desenvolveram-se independentemente da linhagem humana ao
longo de suas histórias evolutivas. Se for proposto que a organização do cérebro de
macacos do Novo Mundo é menos representativa do tipo de informação necessária ao
entendimento do funcionamento do cérebro humano devido a 10 milhões de anos de
evolução independente, será preciso também estar preparado para aceitar que diferenças um
tanto mais significativas poderiam ter surgido nos 25 milhões de anos que separam os
humanos dos primatas do Velho Mundo (Rosa & Tweedale, 2005).
Antropóides têm mais neocórtex comparado ao tamanho de seus cérebros que
prossímios (Radinsky, 1975; Barton, 1996). Esta observação importante sugere que algum
tempo depois que os primatas antropóides divergiram dos prossímios (aproximadamente há
50 milhões de anos atrás), as proporções internas do cérebro antropóide foram modificadas
de forma que o neocórtex veio ocupar uma grande proporção do volume total. A respeito do
neocórtex humano, este é 2,9 vezes maior que o esperado para um primata antropóide com
mesmo tamanho de corpo (Passingham, 1973). Novamente, isto não é inesperado devido ao
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fato de que o cérebro humano é, como um todo, 3,1 vezes maior que esperado para um
antropóide não-humano com mesmo peso corporal (Falk, 1980; Rilling & Insel, 1999). Os
cérebros de grandes primatas são geralmente mais avantajados comparados ao peso
corpóreo que os cérebros de macacos e estes em seqüência, apresentam cérebros maiores
que de prossímios (Wilson, 1985). Diferenças estruturais também são aparentes. Em
chimpanzés, uma proporção maior do cérebro é dedicada ao neocórtex que em macacos que
por sua vez, têm proporcionalmente mais neocórtex que prossímios. Dentro do neocórtex,
grandes primatas (e especialmente humanos) têm um córtex pré-frontal particularmente
avantajado, uma área conhecida por estar envolvida em muitas formas de pensamento
abstrato e regras de aprendizado.
1.2.1. Desenvolvimento do neocórtex
Humanos e macacos-pregos têm valores de quociente de encefalização muito altos
para primatas. O Quociente de Encefalização (QE) é definido como a relação entre a massa
cerebral e a massa corpórea. Catarrhines e Platyrrhines (antropóides) têm valores
apreciavelmente mais altos, mas é interessante perceber que grandes primatas não
apresentam cérebros notavelmente maiores do que os de macacos e em particular, que do
macaco-prego (Cebus apella): vencedor do prêmio para o Quociente de Encefalização mais
elevado dentre primatas não-humanos (Rilling et al., 1999). De forma curiosa, macacospregos são uma das poucas espécies de primata que foi observada usando ferramentas
espontaneamente dentro do ambiente selvagem. Isto causou muito interesse entre
etologistas o que, portanto os torna foco de experiência a respeito de cognição animal.
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A dieta e as interações sociais parecem estar associadas com o grau de
desenvolvimento da região neocortical em antropóides (Gibson, 1986, 1990; Milton, 1988;
Mithen, 2002). O neocórtex antropóide consiste de múltiplos circuitos paralelos envolvidos
com uma variedade de funções paralelas. Problemas que surgem no forrageamento podem
diferir daqueles envolvidos com interações sociais e circuitos neocorticais diferentes podem
ser responsáveis pela resolução de problemas diversos. É provável então que aqueles
múltiplos fatores paralelos associados com a dieta e com as interações sociais podem ter
sido relacionados com o desenvolvimento de vários circuitos neocorticais paralelos em
antropóides (Sawaguchi, 1992).
A importância para primatas sobre aprendizado na representação de manipulação de
objetos sociais e eventos tem sido amplamente reconhecida durante a última década
(Kummer, 1982; Dasser, 1985; Cheney et al., 1986; Tomasello & Call, 1994; Byrne &
Whiten, 1997). Estudos com influência teórica (Jolly, 1966; Humphrey, 1976) e reunião de
relatórios empíricos (Menzel, 1973; Premack & Woodruff, 1978; Hinde, 1983) têm
moldado a visão de que a aprendizagem relativamente sofisticada e a habilidade cognitiva
de primatas têm sido selecionadas em virtude de suas utilidades no domínio social
(Anderson, 1996; Wyles et al., 1983; Lefebvre et al., 1997).
O tamanho relativo do neocórtex é correlacionado positivamente com o tamanho do
grupo social em primatas, morcegos, carnívoros e cetáceos (Joffe & Dunbar, 1997; Connor
et al., 1998; Barton, 1999). Byrne e Whiten (1997) selecionaram evidências de que
estratégias maquiavélicas de manipulação social e decepção dirigiram a evolução do
cérebro em símios. Porém, explicações ecológicas para a evolução de cérebros avantajados
são também abundantes, como a hipótese do forrageamento (Parker & Gibson, 1977) e dos
mapas cognitivos (Milton, 1988) e a discussão a respeito de quais variáveis tiveram maior
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importância para a evolução de cérebros de primatas está longe de ser resolvida (Deaner et
al., 2000; Reader & Laland, 2002).
Harcourt (1992) pontua que enquanto os ambientes sociais e físicos em conjunto
provavelmente mantêm a habilidade de processamento das informações, o ambiente social
em particular está envolvido em fortes avaliações simultâneas para o desenvolvimento de
estratégias adaptativas. A competição na esfera social tem conseqüências imediatas e uma
análise que permitisse uma seleção eficiente de respostas (seja como adaptação ou de outra
forma) seria altamente favorável (Martin, 1990). Isso leva a alguns questionamentos: Qual
seria a relação evolutiva entre os mecanismos responsáveis por interpretar e instigar o
comportamento social? Semelhantemente, a estratégia de forrageamento e a estrutura social
evoluíram juntas, ou uma dirigiu a evolução da outra? E finalmente, como as interações
sociais se desenvolveram com respeito à ecologia e à estrutura social? É improvável que a
evolução da inteligência dos primatas possa ser desvinculada definitivamente de uma
categoria ou de outra. Enquanto a ecologia pode ter providenciado as condições iniciais, a
evolução cognitiva logo espiralou indubitavelmente em uma complexa teia interconectada
de adaptação, co-evolução e cooperação de tratos cerebrais para enfrentar mudanças nas
condições ecológicas e sociais (Sawaguchi, 1992). O desenvolvimento do córtex pré-frontal
foi uma importante aquisição para o comportamento social.
Definitivamente, o aumento no tamanho relativo do cérebro não aconteceu em uma
seqüência linear “de peixes até humanos", mas independentemente em diferentes linhagens
(Northcutt, 1984). Embora o tamanho relativo do cérebro seja de difícil quantificação
(Deacon, 1990) e de difícil correlação com o comportamento (Van Dongen, 1998), parece
que esse aumento geralmente foi acompanhado pela sofisticação do forrageamento
(Humphrey, 1976; Parker & Gibson, 1977; Byrne & Whiten, 1997). Em contraste, as
19
linhagens que reduziram seu tamanho relativo cerebral levam vidas relativamente simples
(Striedter, 2004).
O percentual de massa cerebral referente ao isocórtex varia entre 15% nos cérebros
de mamíferos menores para mais de 90% em cetáceos. Não há nenhuma dúvida que esta
amplificação regular do cérebro leva um custo ao organismo e tem que conferir algum
benefício; a taxa metabólica do tecido cerebral é nove vezes mais alta que a taxa massaespecífica comum do corpo humano (Aiello & Wheeler, 1995). Uma característica curiosa
da evolução dos primatas é que a taxa metabólica basal não aumenta com o crescimento da
massa cerebral. Para equilibrar o orçamento energético outro tecido importante precisou ser
sacrificado; provavelmente o comprimento intestinal. Intestinos menos elaborados
requerem que comida em qualidade mais elevada seja encontrada, o que poderia requerer
maior memória para a estratégia de forrageamento ou para uma predação coordenada. Por
alguma rota evolutiva esta amplificação aconteceu, sugerindo que a quantia de massa
cerebral seja importante para mamíferos terrestres e há fortes razões para pensar que o
cérebro deveria ser configurado para uso otimizado (Finlay et al., 2001). É preciso lembrar
que nenhum fator isolado pode explicar a diversidade de espécies e as diferenças
individuais nos cérebros e em comportamentos conseqüentes. É também importante
destacar que há custos e benefícios para toda característica e estes só podem ser avaliados
com respeito a um conjunto determinado de condições, como as variáveis climáticas, a
estrutura social e a provisão de comida, por exemplo.
Obviamente, deve ser ressaltado que as diferenças normalmente consideradas entre
o cérebro humano e dos demais primatas são anatômicas. Talvez seja possível que as
características responsáveis pelas habilidades mentais exclusivas dos humanos ocorram em
nível celular ou molecular (Radinsky, 1975). É pertinente salientar que as discrepâncias em
20
estudos neuroanatômicos poderiam resultar da dificuldade, entre outras, de definir com
exatidão o córtex pré-frontal em diferentes tipos de mamíferos (Roth & Dicke, 2005).
1.3. Cebus Apella (Macaco-prego)
Macacos-pregos representam uma ampla radiação de macacos do Novo Mundo
(Figura 3) onívoros com comportamentos arbóreos, extrativistas, que compartilham várias
convergências morfológicas e comportamentais com os hominídeos. Apresentam um
cérebro bem desenvolvido com relação ao peso corporal e um alto grau de desenvolvimento
neocortical semelhante ao encontrado entre chimpanzés, bem como alta mobilidade e
polegar semi-opositor. Macacos-pregos são capazes de preensão forte e precisa (Costello &
Fragaszy, 1988; Fragaszy, 1990; Westergaard & Suomi, 1997; Cleveland et al., 2004). Os
macacos-pregos vivem na natureza em grupos de multi-machos e multi-fêmeas compostos
por 8 a 14 indivíduos. Em ambiente natural, os machos migram para outros grupos ao
atingirem a maturidade sexual (Terborgh, 1983; Resende & Ottoni, 2002).
21
Status de Distribuição
•
Nativo e existente
•
Ocorrência
desconhecida
Figura 3. Mapa de avaliação da distribuição geográfica de Cebus apella.
Obs.: Indica os países de ocorrência, a área atual ocupada pela espécie é normalmente
menor (Info Natura, 2004).
Com alimentação preferencialmente baseada em frutos, os macacos-pregos
adaptam-se com facilidade aos alimentos disponíveis, incluindo pequenos animais, raízes,
flores e brotos (Rímoli, 2001; Galvão et al., 2002). São animais de cerca de 3 kg que se
destacam por sua grande habilidade motora e cognitiva. O uso de objetos é mais comum e
22
constantemente relatado entre macacos-pregos selvagens (Figuras 4 e 5) (Izawa & Mizuno,
1977; D’Amato & Salmon, 1985; Boinski, 1988; Fernandes, 1991; Westergaard & Suomi,
1994, 1997; Tomasello & Call, 1997; Panger, 1998; Phillips, 1998; Jalles-Filho et al., 2001;
Boinski, 2000; Cleveland et al., 2004). Similarmente aos chimpanzés, há relatórios de uso
de ferramentas de pedra entre macacos-pregos selvagens para rachar nozes (Izawa &
Mizuno, 1977; Boesch & Boesch, 1983, 1984, 1990; Boinski, 2000; Cleveland et al., 2004)
e para abrir cocos de jerivá (Syagrus romanzoffiana; Ottoni & Mannu, 2001) ou de forma
experimentalmente induzida, como palitos para pegar alimentos de um tubo (Figura 6)
(Visalberghi et al., 1995) ou para extrair melado através dos orifícios de uma caixa
(Westergaard & Fragaszy, 1987; Perondi et al., 1995; Resende & Ottoni, 2002).
Poucos primatas têm o privilégio de apresentar cérebros bastante avantajados em
relação ao tamanho do próprio corpo. Incluem-se nessa categoria o macaco-prego (Cebus
apella) e apenas mais duas espécies, o próprio Homo sapiens sapiens e o chimpanzé. Em
geral, a razão entre massa corporal e tamanho do cérebro é considerada uma boa medida do
investimento evolutivo que uma espécie fez na inteligência (Lopes, 2004).
23
Figura
4.
Macaco-prego
em postura
ereta utilizando
ferramenta (bigorna e martelo) para abrir coco (Lopes, 2004).
De acordo com Barros et al. (2002), quando fornecidas as condições adequadas,
macacos-pregos são capazes de adquirir o conceito de igualdade, operacionalizado no
desempenho de identidade generalizada, assim como já foi possível demonstrar em
chimpanzés e leões-marinhos (Oden et al., 1988; Kastak & Schusterman, 1994; Galvão et
al., 2002).
Para a compreensão da morfologia cerebral do Cebus apella (veja figuras 7 e 8), é
necessário entender que este possui a relação entre tamanho do cérebro e peso corporal
24
maior que de outros Platyrrhines, indício de que ocorreu no gênero Cebus, um grau de
encefalização superior a outros indivíduos da infraordem Platyrrinea (Ladd et al., 2005).
O fato de os macacos-pregos serem capazes de executar atividades mentais
complexas, provavelmente esteja relacionado ao desenvolvimento das regiões cerebrais
pré-frontais nessa espécie, motivo pelo qual a mesma mostra-se importante contribuinte nos
estudos de neuroanatomia comportamental.
Para muitos investigadores, a capacidade impressionante no comportamento com
utilização de ferramentas dos macacos-pregos reflete habilidades cognitivas avançadas e
que, apesar da separação filogenética ampla, estas habilidades mostram destacada
sobreposição desses sobre os grandes primatas (Chevalier-Skolnikoff, 1989). Como as
habilidades dos grandes primatas foram usadas como modelo da evolução de utilização de
ferramentas e no comportamento da construção de ferramentas na linhagem humana (Wynn
& McGrew, 1989; McGrew, 1993; Toth et al., 1993), foi proposto que esta sobreposição
faria dos macacos-pregos uma fonte para um tipo semelhante de modelo.
Figura 5. Macaco-prego utilizando vareta para apanhar inseto.
25
Figura 6. Fêmea de macaco-prego em cativeiro segurando seu filhote
enquanto usa uma vara para extrair melado de maçã de um tubo
(Visalberghi & Néel, 2003).
Figura 7. Esquema do cérebro de Cebus apella (vista lateral). GF, giro frontal;
GFM, giro frontal médio; GTF, giro triangular frontal; GFS, giro frontal
superior; GPR, giro pré-central; GC, giro central; GPC, giro pós-central; GIP,
giro intraparietal; GA, giro angular; GOT, giro occipital transverso; GOS, giro
occipital superior; GOM, giro occipital médio; GOI, giro occipital inferior;
GTS, giro temporal superior; GTI, giro temporal inferior (Ladd et al., 2005).
26
Figura 8. Esquema do cérebro de Cebus apella (vista medial). GPCA, giro
paracalcarino; GRCA, giro retrocalcarino; OT, giro occipitotemporal; GCI,
giro do cíngulo; GR, giro rostral; CC, corpo caloso (Ladd et al., 2005).
1.4. Sistema de Fibras (Substância Branca)
As várias áreas funcionais do córtex foram inicialmente classificadas em dois
grandes grupos: áreas de associação e áreas de projeção. As primeiras contêm fibras que
ligam áreas diferentes do córtex cerebral, no mesmo hemisfério ou no hemisfério situado do
lado oposto (fibras comissurais); as segundas, ou seja, as áreas de projeção contêm fibras
que ligam o córtex a centros subcorticais, podendo ser aferentes ou eferentes. As áreas de
projeção teriam conexões com centros subcorticais, enquanto as áreas de associação teriam
conexões apenas com outras áreas corticais. Essa conceituação inicial não pode mais ser
mantida, uma vez que está demonstrado que todas as áreas corticais têm conexões com
centros subcorticais, especialmente com o sistema ativador reticular ascendente, cuja ação
ativadora se exerce sobre todo o córtex. Contudo, a divisão do córtex cerebral em áreas de
projeção e de associação, embora bastante esquemática, é ainda útil e pode ser usada dentro
de uma conceituação nova: áreas de projeção são as que recebem ou dão origem a fibras
relacionadas diretamente com a sensibilidade e com a motricidade. As demais áreas são
27
consideradas de associação e, de modo geral, estão relacionadas a funções psíquicas
complexas (Machado, 1998).
O córtex pré-frontal recebe informação através de vias longas de conexão intrahemisférica, de praticamente todo o córtex do hemisfério ipsilateral e recebe também,
através do corpo caloso, informações do córtex pré-frontal contralateral. A origem das vias
de conexões intra-hemisféricas é representada pelas áreas de associação modal dos lobos
occipital, parietal e temporal e as áreas de convergência multimodal, em particular as da
região mesoparietal. O córtex da ínsula também mantém projeções recíprocas com a região
frontal. A projeção das vias de conexão intra-hemisférica faz-se predominantemente na
região dorsolateral do lobo frontal, ao passo que as conexões inter-hemisféricas são de
natureza homotípica, interessando, portanto, todas as regiões do córtex. Adiante dessas
vias, que transportam a informação de caráter sensorial, oriundas das regiões do cérebro
onde esta informação se processa, projetam-se ainda no córtex frontal vias com origem no
sistema límbico, no cíngulo, no córtex pré-motor, na formação reticular e no hipotálamo.
São importantes também as conexões com formações anatômicas subcorticais, como as
projeções no caudado e no putâmen e as conexões com o núcleo dorsomedial do tálamo.
Devem-se salientar ainda as conexões com a amígdala e com o hipocampo através do feixe
uncinado (Nitrini, 1996; Caldas, 2000).
1.4.1. Descrição das fibras de associação intra-hemisféricas
As fibras de associação intra-hemisféricas (Figura 9) interconectam áreas corticais
em cada hemisfério. Podem ser curtas (conhecidas como fibras arqueadas ou fibras em “U”,
devido à sua disposição) ou longas. No cérebro humano as fibras longas unem-se em
fascículos incluindo: o fascículo do cíngulo, os fascículos occipitofrontal superior e
28
inferior, o fascículo uncinado, o fascículo longitudinal superior (arqueado), o fascículo
longitudinal inferior (occipitotemporal). As áreas sensoriais primárias nos lobos parietal
temporal e occipital são ligadas por longas fibras de associação às áreas de associação do
córtex cerebral. Estas, por sua vez, são conectadas entre si (Crossman & Neary, 1997).
a. Fascículo Uncinado – Uncinado vem de uncus que em latim significa “gancho”.
O fascículo uncinado dobra-se ao redor da fissura lateral para conectar o giro orbital frontal
inferior do lobo frontal ao lobo temporal anterior, passando pelo fundo do sulco lateral.
b. Fascículo Longitudinal Superior - O fascículo longitudinal superior é um
pacote volumoso de fibras de associação que passam através da margem superior da ínsula
formando um grande arco, conectando o córtex do lobo frontal aos córtices dos lobos
parietal, temporal e occipital. O fascículo longitudinal superior representa o maior pacote
de fibras de associação.
c. Fascículo Occipitofrontal Superior - Considerando que o cíngulo recobre a
porção superior do corpo caloso, o fascículo occipitofrontal superior localiza-se abaixo
deste. Conecta os lobos frontal e occipital, enquanto estende-se posteriormente ao longo da
borda dorsal do núcleo caudado. Está separado do fascículo longitudinal superior pela
coroa radiata e pela cápsula interna.
d. Fascículo Occipitofrontal Inferior - O fascículo occipitofrontal inferior também
conecta os lobos frontal e occipital, mas é localizado mais inferiormente quando comparado
ao fascículo occipitofrontal superior. Estende-se ao longo da extremidade ínferolateral do
claustro, debaixo da ínsula.
e. Fascículo do Cíngulo - O cíngulo começa na área do córtex abaixo da porção
rostral do corpo caloso, então cursa dentro do giro do cíngulo e dobra-se ao redor do corpo
caloso. Interconecta porções dos lobos frontal, parietal e temporal.
29
f. Fascículo Longitudinal Inferior (occipitotemporal) - O fascículo longitudinal
inferior conecta os córtices dos lobos temporal e occipital. Atravessa o comprimento do
lobo temporal e une-se ao fascículo occipitofrontal inferior.
g. Fibras arqueadas (em “U”) – Associam áreas vizinhas do córtex.
Figura 9. Fibras de associação córtico-cortical (Nauta & Feinag, 1986).
30
As áreas de associação podem ser divididas em secundárias e terciárias. As áreas
terciárias são supramodais, ou seja, não se ocupam do processamento motor ou sensitivo
como as anteriores, mas estão envolvidas com atividades psíquicas superiores como, por
exemplo, a memória, os processos simbólicos e o pensamento abstrato. Mantêm conexões
com várias áreas unimodais ou com outras áreas supramodais e sua lesão causa alterações
psíquicas sem qualquer conotação motora ou sensitiva (Machado, 1998).
Segundo Luria (1981), as áreas terciárias ocupam o topo da hierarquia funcional no
córtex cerebral. Elas são supramodais, ou seja, não se relacionam isoladamente com
nenhuma modalidade sensorial. Recebem e integram as informações sensoriais já
elaboradas por todas as áreas secundárias e são responsáveis também pela elaboração das
diversas estratégias comportamentais (Goldman-Rakic, 1987, 1996; Passingham, 1993;
Wise et al., 1996; Fuster, 1997; Miller, 2000; Miller & Cohen, 2001; Tanji & Hoshi, 2001;
Funahashi, 2001; Hoshi, 2006). As funções dessas áreas até algum tempo denominadas
áreas “silenciosas” do córtex, só há relativamente pouco tempo começam a serem
esclarecidas. São reconhecidas como áreas terciárias do cérebro: a área pré-frontal, a
têmporo-parietal e as áreas límbicas (Machado, 1998).
Mamíferos primitivos, como insetívoros e roedores têm um pequeno córtex de
associação, conseqüentemente, suas áreas sensoriais isocorticais posicionam-se próximas
uma da outra. Em carnívoros e prossímios, as áreas sensoriais são separadas por faixas de
córtex de associação. Primatas têm córtices de associação grandes, assim, as áreas
sensoriais encontram-se separadas de forma relativamente distantes (Nieuwenhuys, 1998).
O córtex pré-frontal pode ser anatomicamente classificado em três regiões distintas:
dorsolateral, órbitofrontal e medial. Diversos trabalhos registram as conexões ricas e
diversificadas do córtex pré-frontal em primatas não-humanos (principalmente em macacos
31
Rhesus). Foi encontrado que o CPF mantém ricas conexões com os córtices parietal,
temporal (Müller-Preuss et al., 1980; Petrides & Pandya, 1984, 1988, 1999; Barbas &
Mesulam, 1985; Vogt & Pandya, 1987; Barbas, 1988; Hackett et al., 1999; Romanski et al.,
1999; Kondo et al., 2003; Barbas et al., 2005) e occipital através de longas fibras de
associação que cursam pela substância branca subcortical (Jones & Powell, 1970; Chavis &
Pandya, 1976; Bruce et al., 1981; Goldman-Rakic & Schwartz, 1982; Pandya & Barnes,
1987; Barbas & Pandya, 1989, 1991; Seltzer & Pandya, 1989; Pandya & Yeterian, 1990;
Carmichael & Price, 1995a, 1995b; Crossman & Neary, 1997; Fuster, 1997; Rolls, 1999;
Rolls & Deco, 2002).
Barbas & Pandya (1989) identificaram duas tendências na organização arquitetônica
no córtex pré-frontal. O primeiro origina-se do perialocórtex ao redor da parte rostral do
corpo caloso e termina na parte dorsal do CPF dorsolateral e na área 8. O segundo originase do perialocórtex na região órbitofrontal caudal e termina na parte ventral do CPF
dorsolateral e na área 8. A parte rostral está preferencialmente conectada a regiões auditivas
e a parte caudal com regiões visuais/visuais-motoras; regiões límbicas preferencialmente
projetam-se para a parte rostral (Barbas & Mesulam, 1985); há mudanças graduais na
organização laminar cortical da parte rostral para a caudal (Barbas & Pandya, 1989) e o
CPF dorsolateral medial está preferencialmente conectado com regiões somatossensoriais
(Barbas & Mesulam, 1985; Preuss & Goldman-Rakic, 1989). Entretanto, apenas alguns
estudos informaram diferenças funcionais ao longo deste eixo no córtex pré-frontal lateral
(Sakagami & Tsutsui, 1999; Hoshi et al., 2000; Hoshi, 2006).
As áreas pré-frontais laterais caudais (áreas 8 e 46) recebem projeções de córtices
que representam recentes estágios no processamento visual ou auditivo e das áreas
intraparietal e do cíngulo posterior associadas com orientação óculomotora e processos de
32
atenção. Inputs corticais para as áreas 46 e 8 são complementados através de projeções do
multiforme talâmico e de setores parvocelulares do núcleo médiodorsal associados a
funções óculomotoras e de memória de trabalho. Em contraste, áreas órbitofrontais caudais
recebem diversos inputs de córtices que representam estágios tardios do processamento
dentro de todo o sistema cortical sensorial unimodal. Em adição, córtices órbitofrontal
caudal e medial (límbico) recebem diversas projeções da amígdala, associadas à memória
emocional, e da região temporal medial e de estruturas talâmicas associadas à memória em
longo prazo. Córtices pré-frontais são conectados a estruturas de controle motor conhecidas
por seus papéis específicos em funções executivas centrais. Áreas pré-frontais laterais
caudais projetam-se para estruturas óculomotoras e estão conectadas aos córtices prémotores que comandam movimentos da cabeça, dos membros e do corpo. Em contraste, os
córtices límbicos pré-frontal medial e órbitofrontal projetam-se para centros vísceromotores hipotalâmicos relacionados à expressão das emoções. Córtices lateral, órbitofrontal
e pré-frontal medial são ricamente interconectados, sugerindo que eles participam
conjuntamente nas funções executivas centrais. Córtices pré-frontais límbicos emitem
projeções difusas por suas camadas profundas e terminam nas camadas superiores do córtex
lateral (eulaminado), sugerindo um papel predominante na comunicação de retorno. Em
contraste, quando os córtices pré-frontais laterais comunicam-se com áreas límbicas eles
emitem projeções de suas camadas superiores e seus axônios terminam nas camadas
profundas, sugerindo um papel na comunicação de envio. Através de suas conexões
difusas, os córtices pré-frontais límbicos podem exercer uma influência tônica nos córtices
pré-frontais laterais, unindo áreas associadas a processos cognitivos e emocionais (Pandya
& Barnes, 1987; Barbas & Pandya, 1991; Barbas, 2000).
33
Conexões intrínsecas dentro do córtex pré-frontal permitem informações aferentes
regionais e que processos sejam distribuídos a outras partes do CPF. Assim, este provê uma
jurisdição pela qual as informações de sistemas cerebrais de alta ordenação podem interagir
através de circuitos relativamente locais. Domínios distintos do córtex pré-frontal em
primatas possuem um conjunto de conexões que sugerem que eles exercem papéis
diferentes na cognição, memória e emoção (Crossman & Neary, 1997; Gabrieli et al., 1998;
Miller & Cohen, 2001).
Os primatas têm um córtex pré-frontal semelhante ao humano na sua face interna e
orbitária, distinguindo-se em particular pelo volume e pelo desenvolvimento da porção
dorsolateral. As conexões mantidas entre a região frontal e outras diferentes regiões têm
sido estudadas em detalhe em muitos primatas não-humanos, mas muito pouco em
cebídeos, fato que nos motivou a um estudo mais detalhado referente às características
cerebrais destes animais.
34
2. OBJETIVOS
O presente trabalho teve como objetivos principais o reconhecimento e a descrição
das vias de associação entre as regiões pré-frontais e as demais regiões cerebrais do
macaco-prego (Cebus apella) bem como a análise da proporção entre o hemisfério total e a
região pré-frontal. Outro objetivo do trabalho foi a comparação entre a anatomia do
encéfalo humano e nossos achados anatômicos nesses animais, permitindo transferir
conhecimento sobre o desenvolvimento da região pré-frontal de Cebus apella, no que diz
respeito às características anatômicas particulares e à organização das conexões corticais
cerebrais.
Este trabalho objetiva em última análise agregar novas informações referentes a
esses primatas, contribuindo de modo significativo com estudos a respeito da anatomia
cerebral e de suas correlações cognitivas e comportamentais.
35
3. MATERIAL E MÉTODO
O trabalho foi realizado no Laboratório de Mesoscopia (ICB III – Anatomia
Humana). Para este estudo foram utilizados 24 hemisférios cerebrais de macaco-prego
(Cebus apella). As peças são provenientes do Departamento de Cirurgia da Faculdade de
Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo e atualmente encontram-se
armazenadas no Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biológicas da
Universidade Federal de Goiás, onde a pesquisa foi realizada. As peças anatômicas
pertencem ao acervo de material de pesquisa, onde animais são armazenados quando já
utilizados em trabalhos anteriores, para darem prosseguimento a outras observações em
pesquisas subseqüentes, evitando-se o sacrifício de vidas conforme o princípio dos 3R.
Os hemisférios destes primatas do Novo Mundo estavam disponíveis para exame de
morfologia de superfície, sendo 12 hemisférios esquerdos e 12 hemisférios direitos, não
necessariamente do mesmo indivíduo, já que não se dispunha da identificação de cada
individuo da amostra. Somente cérebros que apresentavam bom estado de conservação em
suas regiões frontais foram utilizados. O estudo considerou:
•
A presença e organização das vias de associação intra-hemisféricas entre o
córtex pré-frontal e demais estruturas cerebrais.
•
A relação do volume das regiões pré-frontais comparado ao tamanho do
hemisfério cerebral do mesmo indivíduo.
•
A análise comparativa do tamanho proporcional dessa região cerebral (préfrontal) com a mesma estrutura do cérebro humano.
36
3.1. Análise do volume da região pré-frontal
De acordo com Semendeferi et al. (2002), nenhum sulco definido pode ser usado
confiantemente para estabelecer a transição de córtex pré-frontal para córtex pré-motor ou
as bordas de áreas corticais individuais e assim este assunto só pode ser solucionado com
base em estudos citoarquitetônicos quantitativos. Seguindo extensos trabalhos referentes ao
córtex pré-frontal em outros primatas (Barbas, 1995, 2000; Petrides & Pandya, 1999;
Romanski et al., 1999; Miller et al., 2002; Fuster, 2002; Barbas et al., 2005; Schoenemann
et al., 2005), delimitamos o córtex pré-frontal em sua superfície lateral como a porção
adiante do sulco arqueado e na superfície medial, uma delimitação razoável para o CPF
pode ser definida como todas as porções do córtex frontal anterior ao joelho do corpo
caloso, em um plano perpendicular à linha que conecta as comissuras anterior e posterior.
Nessa parte do presente estudo analisamos apenas o sub-setor do córtex frontal que inclui
todos os córtices pré-frontais, com base nas subdivisões de Ladd et al. (2005).
Utilizando um paquímetro universal (escala de 0-300 mm, resolução de 0,05 mm,
Digimess, RJ, Brasil) (Monterde et al., 1999), foram medidas as regiões pré-frontais e os
hemisférios cerebrais. Para obtenção do volume estimado de cada região pré-frontal, foram
medidas as seguintes distâncias (reveja figuras 7 e 8):
a.
Adiante do sulco arqueado até o pólo anterior do lobo frontal (comprimento
em cm);
b.
Da fissura longitudinal do cérebro até a porção mais proeminente da face
lateral, na região do lobo frontal (largura em cm);
c.
Do pólo superior do lobo frontal até o pólo inferior (altura em cm)
(Observe figuras 10 e 11).
37
LP
LF
LO
LT
Figura 10. Vista lateral do hemisfério esquerdo de Cebus apella.
LF, lobo frontal; LT, lobo temporal; LP, lobo parietal; LO, lobo
occipital (Borges et al., 2006).
LF
CC
LO
Figura 11. Vista medial do hemisfério direito de Cebus apella. LF,
lobo frontal; CC, corpo caloso; LO, lobo occipital (Borges et al.,
2006).
38
Os valores obtidos através destas medidas (em centímetros), quando multiplicados
entre si forneceram o volume (em cm3) aproximado da região pré-frontal de cada
hemisfério cerebral.
O mesmo processo permitiu a obtenção de valores para analisar o hemisfério
cerebral no qual foram tomadas as seguintes medidas:
a.
Da região anterior mais proeminente do pólo frontal até a região posterior
do lobo occipital (comprimento em cm);
b.
Da fissura longitudinal do cérebro até a porção mais proeminente mediana
da face lateral (largura em cm);
c.
Do pólo superior do cérebro, na região do giro pré-central até a porção mais
inferior do lobo temporal (altura em cm).
Todos os valores destas medidas (em centímetros), quando multiplicados entre si
forneceram os volumes (em cm3) aproximados dos respectivos hemisférios cerebrais.
3.2. Peso dos hemisférios cerebrais
Anteriormente à técnica de dissecação mesoscópica, os hemisférios cerebrais foram
pesados em balança de precisão e seus valores anotados para análise posterior.
3.3. Dissecação do sistema de fibras intra-hemisféricas do cérebro de Cebus
apella
Nós usamos o método de preservação de Klingler, com ajustes secundários
(Klingler, 1935; Klingler & Gloor, 1960). Utilizamos como referência de estudo a técnica
ajustada por Castro et al. (2005). O procedimento escolhido de congelamento e
39
descongelamento repetidos por três vezes tornou mais fácil a preparação para dissecações
dos tratos de fibras e núcleos, aumentando a distinção entre a massa cinzenta e a branca. A
técnica de dissecação de fibras permite a compreensão da anatomia tridimensional do
cérebro. Através do método de Klingler foi possível demonstrar as estruturas que compõem
a anatomia interna do cérebro de Cebus apella tornando evidente a anatomia topográfica da
substância branca das faces lateral, medial e orbital dos hemisférios cerebrais.
Os cérebros foram acondicionados em recipientes contendo solução de formaldeído
a 10 %. Este fluido foi substituído depois de 24 horas e novamente depois de um intervalo
de duas semanas. Após um período de 04 semanas em média na solução de formaldeído, os
cérebros foram lavados durante cerca de várias horas em água fria natural. As membranas
pia mater e aracnóide e os vasos dos espécimes eram cuidadosamente afastados e retirados
utilizando-se pinças de relojoeiro. Subseqüentemente os espécimes foram imersos em
solução de formaldeído a 10 % e congelados durante 08 dias a uma temperatura média de
-10º C. Na seqüência os cérebros foram lavados sob água fria corrente durante 24 horas. O
procedimento de congelamento (em solução de formaldeído 10 %) foi repetido três vezes.
Depois do último congelamento, os cérebros foram mantidos em solução de formaldeído a
10 %. As dissecações foram feitas com espátulas de madeira (modificadas a partir de
palitos com comprimento aproximado de 25 cm com as pontas trabalhadas com auxílio de
um bisturi) utilizadas para a retirada cuidadosa da massa cinzenta. Utilizamos tamanhos
diferentes de alguns tipos de espátulas. Depois desse procedimento, o hemisfério era lavado
em água corrente e delicadamente enxugado com papel-toalha. Posteriormente foram
utilizados alfinetes ou agulhas para acompanhar o trajeto do sistema de fibras que seguiam
de (ou) para a região pré-frontal.
40
As características de cada hemisfério foram analisadas e capturadas por imagens
fotográficas tanto antes como após as dissecações com uma câmera digital Canon Power
Shot A520 em padrões de orientação anatômica lateral, medial e frontal.
3.4. Coleta e tratamento de dados
Foram feitas análises estatísticas descritivas utilizando-se tabelas e cálculos de
alguns parâmetros tais como Média e Desvio Padrão para avaliar o peso e o volume dos
hemisférios cerebrais esquerdos e direitos, as medidas das regiões pré-frontais
contralaterais bem como o volume das regiões pré-frontais em relação ao volume dos
hemisférios cerebrais esquerdos e direitos.
Utilizamos o Teste t de Student com a finalidade de comparar os volumes dos
hemisférios cerebrais esquerdos e direitos assim como o volume das regiões pré-frontais
esquerdas e direitas. O Coeficiente de Variação foi utilizado para analisarmos as amplitudes
de variação das medidas dos volumes dos antímeros esquerdos e direitos, tanto para os
hemisférios cerebrais quanto para as regiões pré-frontais.
41
4. RESULTADOS
Estudamos vinte e quatro hemisférios de Cebus apella (Linnaeus, 1766), com
enfoque na anatomia das regiões pré-frontais e nas fibras de associação intra-hemisféricas.
4.1. Peso dos hemisférios cerebrais direito e esquerdo
Em média, o peso do hemisfério cerebral esquerdo foi de 19,1gramas e do
hemisfério direito igual a 20,5gramas (Tabela 1).
Tabela 1 - Peso dos hemisférios cerebrais do primata Cebus apella, destacando-se a
Média e o Desvio Padrão em relação ao total de casos, em pesquisa realizada em
Goiânia, Goiás. Mar / 2004 - 2006.
Antímero Direito
Número do caso
Peso (gramas)
4
9
10
12
13
15
17
19
21
22
23
24
Média (DP)
19,7
25,0
21,9
23,1
19,1
19,2
17,0
19,1
18,2
28,6
15,1
19,8
Antímero Esquerdo
Número do caso
Peso (gramas)
1
2
3
5
6
7
8
11
14
16
18
20
20,5 (±3,7)
DP = Desvio Padrão
Fonte: Dados de pesquisa ICB / UFG - Borges et al., 2006.
4.2. Volume dos hemisférios cerebrais direito e esquerdo
17,8
18,1
21,0
23,6
18,6
20,4
21,5
18,8
17,4
20,0
15,3
16,9
19,1 (±2,3)
42
Com a finalidade de calcular o volume em centímetros cúbicos dos hemisférios
cerebrais, mediu-se o comprimento, a altura e a largura (conforme método). Tais valores e
medidas encontram-se na Tabela 2.
Tabela 2 - Medidas das dimensões dos hemisférios cerebrais do primata Cebus
apella para cálculo do volume, da Média e do Desvio Padrão em relação ao total
da amostra, em pesquisa realizada em Goiânia, Goiás. Mar / 2004 - 2006.
Número
do caso
ad
ae
Comprimento
do HC (cm)
ad
ae
4
1
5,1
9
2
5,7
10
3
5,5
12
5
5,8
13
6
5,2
15
7
5,3
17
8
5,1
19
11
5,5
21
14
5,6
22
16
6,0
23
18
5,8
24
20
5,2
MÉDIA (DP) 5,5 (±0,3)
5,3
5,2
5,0
5,9
5,3
5,4
5,5
5,3
5,2
5,2
4,8
5,0
5,3 (±0,3)
Altura
do HC (cm)
ad
ae
Largura
do HC (cm)
ad
ae
Volume
do HC (cm3)
ad
ae
3,3
3,3
1,9
1,7
32,0
3,9
3,2
1,9
1,7
42,2
3,6
3,0
1,8
1,7
35,6
3,6
3,5
1,8
2,0
37,6
3,5
3,3
1,7
1,9
30,9
3,2
3,6
1,8
1,8
30,5
3,2
3,5
2,1
2,0
34,3
3,7
3,1
1,9
1,6
38,7
3,2
3,1
1,7
2,2
30,5
3,9
3,3
2,0
1,8
46,8
3,0
3,0
1,7
1,7
29,6
3,4
3,4
1,9
1,6
33,6
3,5 (±0,3) 3,3 (±0,2) 1,9 (±0,1) 1,8 (±0,2) 35,2 (±5,3)
29,7
28,3
25,5
41,3
33,2
35,0
38,5
26,3
35,5
30,9
24,5
27,2
31,3 (±5,4)
DP = Desvio Padrão
HC = Hemisfério Cerebral
ad = Antímero Direito
ae = Antímero Esquerdo
Fonte: Dados de pesquisa ICB / UFG - Borges et al., 2006.
Tabela 3 - Medidas das dimensões das regiões cerebrais pré-frontais do
primata Cebus apella para cálculo do volume, da Média e do Desvio Padrão em
relação ao total da amostra, em pesquisa realizada em Goiânia, Goiás. Mar /
2004 - 2006.
Número Comprimento
do caso da RPF (cm)
Altura
da RPF (cm)
Largura
da RPF (cm)
Volume
da RPF (cm3)
43
ad
ae
ad
ae
ad
ae
ad
ae
ad
ae
4
1
1,6
2,0
2,3
2,3
2,1
1,3
7,7
6,0
9
2
2,3
1,5
2,7
2,4
1,6
1,2
9,9
4,3
10
3
2,0
2,2
2,5
2,2
1,2
1,0
6,0
4,8
12
5
2,6
2,5
2,5
2,5
1,4
1,3
9,1
8,1
13
6
2,1
1,9
2,3
2,1
1,3
1,1
6,3
4,4
15
7
2,1
2,0
2,3
2,5
1,1
1,3
5,3
6,5
17
8
1,7
2,0
2,0
2,3
1,3
1,7
4,4
7,8
19
11
2,3
1,9
2,5
2,3
1,5
1,1
8,6
4,8
21
14
2,3
2,0
2,3
2,2
1,1
1,4
5,8
6,2
22
16
2,1
2,2
2,8
2,3
1,3
1,6
7,6
8,1
23
18
1,9
1,7
2,0
2,0
1,5
1,3
5,7
4,4
24
20
2,0
2,2
2,0
2,2
1,5
1,3
6,0
6,3
2,1 (±0,3)
2,0 (±0,3)
MÉDIA (DP)
2,4 (±0,3) 2,3 (±0,1) 1,4 (±0,3) 1,3 (±0,2) 6,9 (±1,7)
6,0 (±1,5)
DP = Desvio Padrão
RPF = Região Pré-frontal
ad = Antímero Direito
ae = Antímero Esquerdo
Fonte: Dados de pesquisa ICB / UFG - Borges et al., 2006.
A Tabela 3 mostra o volume estimado para as regiões cerebrais pré-frontais direitas
e esquerdas, respectivamente. Em média, o volume estimado do hemisfério total foi de 33,3
cm3 (volume cerebral total de 66,6 cm3) com desvio padrão igual a ±5,4 para os hemisférios
esquerdos e ±5,3 para os hemisférios direitos. Com relação à região pré-frontal, em média,
o volume estimado foi de 6,4 cm3 (volume pré-frontal total de 12,8 cm3) com desvio padrão
igual a ±1,5 para os antímeros esquerdos e ±1,7 para os antímeros direitos. Analisando a
média do volume estimado do hemisfério total (33,3 cm3) comparada à média do volume
estimado da região pré-frontal (6,4 cm3), percebemos que a região pré-frontal representa
nestes animais aproximadamente
1
5
(19,21%) do volume cerebral total.
Quando comparamos os volumes dos hemisférios cerebrais esquerdos e direitos,
usando Teste t, observamos que não houve diferença estatisticamente significativa entre
44
eles (P>0,05). O mesmo ocorreu quando foram comparados os volumes das regiões préfrontais esquerdas e direitas.
As amplitudes de variação das medidas dos volumes dos antímeros esquerdos e
direitos, tanto para os hemisférios cerebrais quanto para as regiões pré-frontais,
apresentaram valores de Coeficiente de Variação (CV) próximos. O CV para o hemisfério
cerebral esquerdo foi de 17% e para o direito foi de 15%. Já o CV para a região pré-frontal
esquerda foi de 24% e para a direita foi de 25%.
4.3. As vias de conexões intra-hemisféricas em Cebus apella
Todos os hemisférios cerebrais de macaco-prego dissecados apresentaram o mesmo
padrão de distribuição de fibras. Através do procedimento de dissecação descrito
anteriormente, foi possível observar a presença dos seguintes sistemas de fibras ou
fascículos:
a.
Vista lateral: Fibras arqueadas curtas (fibras em “U”). Na maioria das
dissecações foi possível também a observação do fascículo uncinado.
b.
Vista medial: Fibras arqueadas curtas, fascículo do cíngulo e fascículo
longitudinal inferior foram evidenciados em todos os casos nos dois antímeros.
Tentamos encontrar o fascículo longitudinal superior durante as dissecações, porém
os hemisférios destes animais são bem delicados e mais delgados que o hemisfério humano,
demonstrando que não houve uma expansão lateral do cérebro como ocorre em humanos,
de modo que através desta técnica não foi possível demonstrar a presença do mesmo.
O fascículo do cíngulo foi encontrado bem evidente em todos os hemisférios
analisados. Apresentou um curso arqueado com fibras que passam ao redor do esplênio,
tronco e joelho do corpo caloso como também pode ser evidenciado em humanos.
45
Entretanto, revelou uma bifurcação formando um conjunto de fibras bem destacadas na
região parietal medial (Figuras 12, 13 e 14).
FC
FC
FC
TCC
ECC
CF
JCC
TA
Figura 12. Aspecto medial do hemisfério esquerdo. FC, fascículo do
cíngulo; JCC, joelho do corpo caloso; TCC, tronco do corpo caloso; ECC,
esplênio do corpo caloso; CF, corpo do fórnix; TA, tálamo (Borges et al.,
2006).
46
FC
FC
AR
TCC
LO
VL
TA
FLI
Figura 13. Aspecto medial do hemisfério direito. FC, fascículo do cíngulo;
TCC, tronco do corpo caloso; TA, tálamo; VL, ventrículo lateral; FLI,
fascículo longitudinal inferior; AR, fibras arqueadas curtas (em “U”); LO,
lobo occipital (Borges et al., 2006).
47
FC
FC
AR
CC
VL
TA
LO
FLI
Figura 14. Esquema do cérebro de Cebus apella com visualização do sistema
de fibras (vista medial). FC, fascículo do cíngulo; CC, corpo caloso; TA,
tálamo; VL, ventrículo lateral; FLI, fascículo longitudinal inferior; AR, fibra
arqueada curta; LO, lobo occipital (Borges et al., 2006).
O fascículo longitudinal inferior obedeceu ao mesmo padrão de distribuição
daquele descrito em humanos, comunicando as regiões occipital e temporal. Foi encontrado
em todos os hemisférios dissecados (Figuras 13, 14, 15, 16 e 17).
48
AR
AR
AR
LO
LT
FLI
Figura 15. Aspecto lateral do hemisfério direito. FLI, fascículo longitudinal
inferior; LT, lobo temporal; AR, fibras arqueadas curtas (em “U”); LO,
lobo occipital (Borges et al., 2006).
As fibras arqueadas curtas também chamadas fibras em “U”, que comunicam os
giros, foram observadas algumas vezes na região medial e muitas vezes em vista lateral
(Figuras 13, 14, 15, 16 e 17).
49
AR
AR
LO
LT
FLI
Figura 16. Aspecto lateral do hemisfério esquerdo. FLI, fascículo
longitudinal inferior; LT, lobo temporal; AR, fibras arqueadas curtas; LO,
lobo occipital (Borges et al., 2006).
50
AR
LO
AR
LT
FLI
Figura 17. Esquema do cérebro de Cebus apella com visualização do sistema
de fibras (vista lateral). FLI, fascículo longitudinal inferior; LT, lobo temporal;
AR, fibras arqueadas curtas (em “U”); LO, lobo occipital (Borges et al., 2006).
O fascículo uncinado, que comunica a região frontal orbital com o lobo temporal,
também se mostrou bem evidente (Figuras 18, 19 e 20).
51
LT
FU
QO
OF
Figura 18. Aspecto orbital do hemisfério direito. OF, região órbitofrontal;
FU, fascículo uncinado; LT, lobo temporal; QO, quiasma óptico (Borges et
al., 2006).
52
LO
LT
FU
OF
QO
Figura 19. Aspecto orbital do hemisfério direito. OF, região órbitofrontal;
FU, fascículo uncinado; LT, lobo temporal; LO, lobo occipital, QO,
quiasma óptico (Borges et al., 2006).
53
LT
OF
QO
FU
Figura 20. Esquema do cérebro de Cebus apella com visualização do sistema
de fibras (vista orbital). OF, região órbitofrontal; FU, fascículo uncinado; LT,
lobo temporal; LO, lobo occipital, QO, quiasma óptico (Borges et al., 2006).
54
5. DISCUSSÃO
5.1. O estudo anatômico dos hemisférios cerebrais de Cebus apella
De acordo com Wood & Grafman (2003), proporções relativas de partes
particulares do cérebro podem ser usadas como uma medida da importância relativa
daquela parte e do processamento de informação associado à mesma. Nosso trabalho
verificou a existência, em Cebus apella, de uma região pré-frontal destacada em tamanho e
em quantidade de fibras de associação, o que corrobora suas capacidades cognitivas
superiores quando comparados a outros tantos primatas.
As análises dos volumes dos hemisférios cerebrais e dos volumes das regiões préfrontais de Cebus apella indicam que não existem diferenças relevantes entre os antímeros
direito e esquerdo, resultado validado pelo teste estatístico realizado. Isso demonstra que
provavelmente as duas regiões desenvolveram-se de forma proporcional.
Entretanto, alguns trabalhos têm focalizado a especialização manual em Cebus
apella (Parr et al., 1997; Spinozzi et al., 1998; Spinozzi & Cacchiarelli, 2000; Phillips &
Sherwood, 2005). Os resultados do trabalho de Spinozzi & Cacchiarelli (2000) indicam que
a preferência manual nesses macacos é influenciada pela natureza da exigência da tarefa
(sensóriomotora ou de percepção), sendo que na falta de pistas visuais os mesmos
utilizaram mais a mão esquerda e nas tarefas com pistas visuais, o inverso. Os trabalhos de
Parr et al. (1997) demonstraram que houve uma preferência não-significativa pela mão
esquerda em determinadas tarefas (quando o objeto não estava ao alcance da visão, tendo
os animais que se orientar pelo tato) e que os animais alternavam a preferência de acordo
com a tarefa e também com a postura assumida (bípede ou quadrúpede) durante a
realização da tarefa, o que também pôde ser observado nos trabalhos de Spinozzi et al.
55
(1998). Phillips & Sherwood (2005) analisaram a correlação entre uma assimetria do sulco
central entre os hemisférios e a preferência manual em Cebus apella, concluindo que talvez
haja uma relação entre essa assimetria (no hemisfério direito o sulco central é mais
profundo) e a preferência manual nesses animais. Correlacionando nossos resultados e os
dos autores supracitados, é importante destacar, entretanto, que uma assimetria funcional
não necessariamente pode ser observada através de assimetrias anatômicas, uma vez que a
primeira pode não vir acompanhada da segunda, ao menos em análise macroscópica. Como
uma das funções cognitivas mais relacionadas a justificativas da especialização hemisférica
(a capacidade da linguagem) encontra-se bem menos desenvolvida no macaco-prego,
encontramos motivos para a não-observância de assimetrias hemisféricas.
De acordo com Schoenemann et al. (2005), em termos relativos, a massa branca
pré-frontal mostra grandes diferenças entre humanos e não-humanos, embora a massa
cinzenta não apresente diferenças significativas. Isto sugere que a complexidade das
conexões (como observado na massa branca) exerceu um papel fundamental na evolução
do cérebro humano. Devido ao fato de tecidos neurais serem dispendiosos (por razões
metabólicas e de amadurecimento), a mudança nas proporções relativas de diferentes partes
do cérebro provavelmente possibilitou uma adaptação comportamental.
O estudo do córtex pré-frontal através da análise da substância branca nos nossos
espécimes possibilita uma estimativa a respeito das diferenças encontradas entre cérebros
humanos e de primatas não-humanos. Em nosso estudo, necessitamos da integridade do
material para análise das vias de associação intra-hemisféricas, observadas após a
dissecação (pelo método de Klingler). Portanto, optamos por utilizar a técnica de medição
dos hemisférios com o auxílio de paquímetro, que nos possibilitou colher dados a respeito
56
das medidas lineares da região pré-frontal, assim como do hemisfério cerebral, sem
danificar o material.
Sabemos que a técnica com utilização do paquímetro desconsiderou as
irregularidades da superfície cerebral (corrigidas pelo desvio padrão), mas ainda assim os
achados são relevantes, pois os resultados obtidos tanto para o volume da região pré-frontal
como para o volume dos hemisférios cerebrais são valores estimados em porcentagem, ou
seja, estimamos o valor correspondente à região pré-frontal de cada cérebro analisado.
A média do volume cerebral total encontrada em nosso trabalho foi de 66,6 cm3 e a
média do volume da região pré-frontal foi de 12,8 cm3. No trabalho de Schoenemann et al.
(2005), a média do volume cerebral total foi de 58,6 e para a região pré-frontal foi de 5,8
(utilizando a técnica de imageamento tridimensional). Portanto, em nosso trabalho a
porcentagem encontrada referente à região pré-frontal foi de aproximadamente 19,2 e no
trabalho de Schoenemann et al. (2005) foi de aproximadamente 10. Isso pode ser explicado
pela sofisticação da técnica utilizada por este último trabalho, que analisa os hemisférios de
modo tridimensional, o que possibilita a análise de valores mais aproximados. Devemos
salientar que após as medições tivemos a possibilidade de dissecar os cérebros e observar
que nossos achados com relação às fibras de associação estão de acordo com as
explanações de Barbas (1995, 2000) a respeito das difusas conexões observadas entre a
região pré-frontal com as regiões parietais, temporais e occipitais descritas para macaco
Rhesus. Encontramos evidências da organização anatômica do córtex pré-frontal
relacionadas ao restante do córtex bem como com outras estruturas sub-corticais, que
trazem a possibilidade de correlação entre a riqueza e variedade dessas fibras com os
processos cognitivos avançados comandados pela região pré-frontal, como os descritos na
Introdução.
57
Segundo Ladd et al. (2005), a grande amplitude e largura do lobo frontal em Cebus
apella, talvez estejam relacionadas com sua alta motricidade e habilidade manual, assim
como nos seres humanos. Nestes primatas, o lobo frontal é mais destacado e circunvoluto
em relação aos outros lobos, contudo estes sulcos não são tão profundos em relação a
alguns sulcos que compõem principalmente o lobo temporal e occipital. Entretanto, os
resultados da técnica de dissecação por nós utilizada evidenciam que há grande quantidade
de massa cinzenta na região frontal assim como em outras regiões do cérebro. Depois de
dissecar os hemisférios percebemos que a análise exclusivamente topográfica não revela a
extensa superfície cerebral encontrada após a extração da massa cinzenta, demonstrando
um padrão complexo de organização de fibras que cursam abaixo do córtex.
Entre os fascículos analisados, percebemos um padrão de distribuição bastante
similar àquele descrito em humanos. Há uma grande variedade de fibras que cursam a
substância branca, comunicando a região pré-frontal com diversas regiões cerebrais nos
macacos-pregos. Em nosso estudo, o cíngulo foi o mais proeminente desses fascículos e
também aquele que mostrou um padrão particularmente diferenciado quando comparado ao
humano, já que apresentou um ramo bifurcado na região parietal. Os mesmos conjuntos de
fibras eram observados tanto nos hemisférios esquerdos como nos direitos de forma
homogênea. Com relação às fibras curtas (em “U”), obviamente foram encontradas em
menor freqüência que em humanos, visto que este último apresenta um cérebro muito mais
rico em circunvoluções.
No que diz respeito ao fascículo do cíngulo, não encontramos dados na literatura a
respeito da dissecação das fibras de associação intra-hemisféricas em outros primatas do
Novo ou do Velho Mundo para comparações com os resultados observados em nosso
trabalho. Entretanto, observando uma vasta literatura relacionada ao estudo do cérebro em
58
primatas não-humanos (principalmente de macacos Rhesus) (Passingham, 1973; Radinsky,
1975; Pandya et al., 1990; Barbas 1995, 2000; Semendeferi et al., 1997; Rilling & Insel,
1999; Miller et al., 2002; Reader & Laland, 2002; Barbas et al., 2005), percebemos que
nesses primatas, assim como em Cebus apella, o sulco do cíngulo apresenta um trânsito
ascendente quando se dirige para a região posterior do cérebro. Quando retiramos a
substância cinzenta que recobria essa região, observamos a presença do ramo bifurcado do
fascículo do cíngulo, onde uma porção das fibras contorna o corpo caloso em direção ao
sistema límbico e uma outra porção está orientada para a região parietal superior. Por outro
lado, não conseguimos encontrar o fascículo longitudinal superior (observado em humanos
em vista lateral). Isso pode ser explicado pelo fato de que nos macacos-pregos não houve
uma expansão lateral do cérebro como aquela observada em humanos, já que o hemisfério é
bem mais delgado. É pertinente ressaltar que o fascículo longitudinal superior em humanos
tem como principal papel o controle da fala. Como nesses macacos a vocalização está bem
aquém daquela observada em humanos, talvez seja provável que este fascículo nos
macacos-pregos seja reduzido. Ou ainda, sugerimos que talvez no Cebus apella o fascículo
longitudinal superior esteja presente parcialmente integrado ao fascículo do cíngulo, o que
explicaria a presença de algumas fibras ascendentes observadas. De qualquer forma seria
interessante uma análise por meio de outros métodos de estudo cerebral, como por
exemplo, o método da injeção de traços fluorescentes em regiões específicas do cérebro,
para posterior verificação da presença daquele fascículo.
A técnica de dissecação de fibras mostrou ser um método muito pertinente e seguro
para a compreensão dos detalhes das características anatômicas do cérebro do Cebus
apella. Outras técnicas apesar de extremamente sofisticadas não permitem a análise visual
minuciosa possível de ser obtida através de dissecação. O uso e compreensão de novas
59
técnicas de neuroimagem poderão trazer novas contribuições para o conhecimento da
anatomia cerebral desses animais.
Rilling et al. (1999), destacam em seu trabalho que normalmente os quocientes de
encefalização (QE) são mais altos entre grandes primatas que entre macacos, com a
exceção de macacos-pregos. Segundo os autores os macacos-pregos são mais encefalizados
que diversas espécies de primatas, incluindo aqueles considerados filogeneticamente mais
próximos ao homem. Schoenemann et al. (2005) compararam cérebros de várias espécies
de primatas (dentre eles, Cebus apella), tendo Homo sapiens como grupo controle. Este
trabalho demonstra claramente o alto grau de desenvolvimento das regiões pré-frontais
desses primatas do Novo Mundo (considerando tanto massa branca como a massa
cinzenta), mostrando que o desenvolvimento extraordinário do cérebro humano é seguido
de perto não somente por grandes primatas (neste caso, os gorilas). Os autores ressaltam
que o aumento desproporcional do CPF e principalmente das conexões que este mantém
com outras áreas corticais exerceu um papel fundamental na evolução do comportamento.
A porcentagem de substância branca encontrada em Homo sapiens foi significativamente
diferente para todas as espécies de primatas analisadas, exceto para Gorilla gorilla e Cebus
apella. Nossos dados corroboram tais afirmações, uma vez que foi possível observar as
ricas conexões entre o CPF do macaco-prego com diversas outras estruturas cerebrais.
Estes animais apresentam tamanho cerebral proporcionalmente maior que os demais
macacos do Novo Mundo, com tamanho neocortical relativo similar ao encontrado em
grandes primatas, o que confere a eles uma considerável capacidade cognitiva.
60
5.2. Correlações entre a anatomia cerebral do Cebus apella e os processos
cognitivos
Vários primatas têm demonstrado capacidade de inovação, disseminação,
padronização, durabilidade, difusão e tradição em atividades de subsistência e nãosubsistência, como revelado por diversos estudos realizados ao longo de vários anos
(DeWaal, 1999; Whiten et al., 1999, Resende & Ottoni, 2002; Van Schaik et al., 2003). A
cultura em primatas pode ser analisada com base no comportamento de aprendizado social
que ocorre em grupos específicos de primatas não-humanos, especialmente em ambientes
selvagens.
Macacos-pregos são primatas altamente inteligentes e com estilo extrativista
manipulativo, com mecanismo de forrageamento que provê um potencial para variação
cultural, tanto em ambientes naturais como em laboratório, o que pode ser correlacionado
ao seu desenvolvimento cerebral. Estes animais apresentam aspectos culturais
significativos, como aquele descrito para o aprendizado na quebra de coquinhos, assim
como em sua capacidade cooperativa para obter alimento (Rose 1997; DeWaal, 2000;
Resende & Ottoni, 2002; DeWaal & Davis, 2003). Segundo Kroeber (1928), um modo de
averiguar cultura seria focalizando nos seguintes aspectos:
1. Padrão novo de comportamento que é inventado, ou um padrão sendo
modificado;
2. Transmissão deste padrão do inovador para o outro;
3. Padrão que persiste no repertório daquele que o adquiriu mesmo depois que o
demonstrador estivesse ausente;
5. Padrão que se difunde por unidades sociais em uma população;
61
6. Padrão que resiste por gerações; portanto os indivíduos seriam capazes de
transferi-lo.
De acordo com Van Schaik et al. (2003), o primeiro requisito para o surgimento de
um processo cultural que envolva utilização de ferramentas (como aquele que ocorre em
alguns primatas) seria a presença de um cérebro complexo o suficiente para o
desenvolvimento do comportamento em questão. Um segundo elemento seria a
dependência ao menos relativa de alimentos de difícil acesso (castanhas ou coquinhos) que
exijam algo além do aparato normal de garras e dentes para serem degustados. Finalmente,
é preciso que a sociedade na qual a espécie esteja estruturada seja tolerante, permitindo que
um animal possa se aproximar do outro e prestar atenção no que o companheiro está
fazendo. A tolerância entre os indivíduos envolvidos, ao influenciar as distâncias
interindividuais, estabelece limites para o grau de detalhe em que a observação do
comportamento do modelo é possível e, conseqüentemente, quais aspectos do
comportamento podem ser efetivamente aprendidos por observação (Resende & Ottoni,
2002).
Observações de macaco-prego em ambiente selvagem ou em cativeiro têm
demonstrado que esse animal usa ferramentas de pedra rotineiramente, para quebrar frutos
duros e extrair sua polpa, comportamento antes considerado exclusivo de certos grupos de
chimpanzés (Izawa & Mizuno, 1977; D’Amato & Salmon, 1985; Boinski, 1988; Fernandes,
1991; Westergaard & Suomi, 1994, 1997; Tomasello & Call, 1994, 1997; Panger, 1998;
Phillips, 1998; Jalles-Filho et al., 2001; Cleveland et al., 2004; Lopes, 2004). Esses dados,
ao lado de outras sugestões de uso de ferramentas e comportamentos socialmente
transmitidos entre macacos, sugerem que a espécie possa possuir uma forma rudimentar de
cultura, como já foi aventado para chimpanzés e orangotangos. Como já foi descrito
62
anteriormente (em cativeiro ou em laboratório), os macacos-pregos são capazes de dominar
bem rápido a utilização de instrumentos (como em uma experiência clássica em que tinham
de extrair melado de uma caixa com furos usando pauzinhos) (Parker & Gibson, 1977;
Beck, 1980; Visalberghi, 1990; Fragaszy & Adams-Curtis, 1991; Westergaard & Gregory,
1994, 1995; Rilling & Insel, 1999). Os macacos não apenas selecionam a ferramenta
adequada como podem modificá-la para torná-la mais eficiente (Anderson, 1996) como faz
alguns chimpanzés, separando cabos de folhas para “pescar” formigas.
Um estudo recente de Jalles-Filho et al. (2001) utilizando macacos-pregos deu
enfoque às demandas cognitivas do transporte de ferramentas, um aspecto importante da
cultura material de hominídeos atuais. Especificamente, a recuperação de uma ferramenta
para transporte até um local de alimentação não só envolve a perspicácia para reconhecer a
ferramenta apropriada para obter uma recompensa alimentar, mas também previsão e
planejando. Em uma série de experiências com um grupo de macacos-pregos livres, os
autores mostraram que os pregos transportaram nozes até os locais das ferramentas
(pedras), mas não transportaram as ferramentas para locais de forrageio. Os autores
interpretaram estes dados sugerindo que faltam aos macacos-pregos a representação
cognitiva para o transporte de ferramenta e, por conseguinte, discutiram que o
comportamento de utilização de ferramenta presente nestes animais não apresenta nenhuma
analogia funcional com o comportamento de uso de ferramenta de hominídeos do PlioPleistoceno, sendo considerados fonte inadequada de modelo de comportamento
tecnológico (Jalles-Filho et al., 2001; Cleveland et al., 2004).
É importante ressaltar, entretanto, que no estudo supracitado foi ofertada aos
macacos-pregos a oportunidade de transportar uma ferramenta para um local de forrageio,
ou vice-versa. Nesta situação, a observação de que estes macacos transportam comida até
63
as ferramentas não necessariamente demonstra que eles são cognitivamente incapazes de
executar a ação inversa; ou seja, o transporte da ferramenta para o local de forrageio.
Demonstra apenas, que macacos-pregos podem escolher o que fazer com estas ferramentas
e os sítios de alimentação. Macacos-pregos usam ferramentas em uma variedade de
contextos. Nos estudos de Cleveland et al. (2004), por exemplo, foi examinada a habilidade
de seis macacos-pregos criados em cativeiro para transportar ferramentas até um sítio fixo
de alimentação. Como resultado, estes macacos gastaram um tempo prolongado para
realizar o transporte de ferramentas e não carregaram as pedras mais pesadas, mas por outro
lado freqüentemente transportaram ferramentas para apanhar melado de dentro das caixas.
Isto sugere que não lhes faltam as habilidades cognitivas requeridas ao transporte de
ferramentas, mas que em ambiente selvagem, estes macacos realizam um conjunto de
decisões ecológicas eficientes baseadas na disponibilidade de comida, no custo fisiológico
do transporte da ferramenta e da comida e no custo de deixar a comida sozinha até apanhar
a ferramenta. Segundo os autores, isso demonstra que os macacos-pregos apresentam várias
habilidades cognitivas importantes ao estudo da evolução do comportamento de utilização
de ferramentas e de forrageamento.
Assim como os grandes primatas africanos, macacos-pregos podem também
transportar ferramentas a uma distância considerável, como demonstra o trabalho de
Fragaszy et al. (2004), tendo as pedras muitas vezes um peso referente a até 25% do peso
do animal. Jovens aprendem o procedimento em contextos sociais, de modo que nem
sempre acertam a técnica, muitas vezes colocando o coco de forma errada sobre o martelo
ou batendo com um martelo sobre a bigorna (pedra ou pedaço de madeira) sem a presença
do coco (Resende & Ottoni, 2002). Estudar como os macacos-pregos desenvolveram essas
64
capacidades pode prover pistas importantes a respeito da origem da inteligência e da cultura
em outros grupos animais.
Mendes et al. (2000) estudaram um grupo de macacos-pregos do Parque Zoológico
de Goiânia e observaram que um membro do grupo havia desenvolvido uma técnica para
apanhar peixes no lago com utilização de pedaços de frutas ou outros alimentos como iscas.
Alguns indivíduos do grupo tentaram obter peixes utilizando isca, entretanto não obtiveram
sucesso. De acordo com a idéia de que o aprendizado social apresenta relevância nesse tipo
de comportamento, talvez os animais ainda não tenham tido tempo suficiente para ter
aprendido a técnica com eficiência. Seguindo a idéia de que o ambiente também modula
esse comportamento, provavelmente os animais não tenham encontrado tanta necessidade
de obtenção de comida através da pesca, uma vez que vivem em um ambiente aonde são
regularmente alimentados. De qualquer forma, essa habilidade reforça os dados a respeito
das capacidades sofisticadas encontradas no macaco-prego e suas relações com a existência
de um cérebro mais bem desenvolvido, equiparado ao de grandes primatas.
Pesquisas recentes sugerem que os humanos pudessem ter se especializado em um
tipo particular de inteligência que está relacionada à compreensão de estados mentais como
desejos, intenções e convicções, denominada “teoria da mente”. Dados indicam que a
habilidade para refletir a repeito de seu estado próprio mental, assim como o estado mental
de outros, poderia ser o resultado de mudanças evolutivas no córtex pré-frontal. Estudos de
comportamento nas crianças e chimpanzés revelam semelhanças e diferenças notáveis nos
caminhos que conduzem a essas capacidades. Os humanos e os grandes primatas
compartilham muitos padrões antigos de comportamento social, mas não estão sozinhos: o
macaco-prego também apresenta algum tipo de “teoria da mente” reconhecendo a intenção
de outros indivíduos. Os humanos, entretanto, possivelmente adquiriram uma
65
especialização cognitiva da teoria da mente, à medida que alteravam sua visão do universo
social (Povinelli & Preuss, 1995).
Macacos-pregos foram também objeto de atenção em um estudo realizado por
DeWaal et al. (2005), que focalizou a capacidade destes macacos interpretarem imagens
refletidas no espelho e seus comportamentos relacionados (teoria da mente). Os macacos
foram analisados em três situações diferentes: (i) separados de um indivíduo de mesma
espécie (familiar a eles) por uma tela transparente; (ii) separados de um indivíduo de
mesma espécie (estranho a eles) por uma tela transparente; (iii) colocados separados
visualmente por um espelho. Os autores mostraram que principalmente as fêmeas
analisadas, agiam de forma diferenciada quando se deparavam com sua imagem e/ou de
suas crias (sobre suas costas), demonstrando atitudes de empatia ao contrário de quando se
deparavam com outros indivíduos (estranhos). Entre os machos, os estranhos foram muito
mais ameaçados do que quando os animais se viam diante do espelho. O aumento do
controle cognitivo e a habilidade de raciocínio analógico são necessários ao confronto com
a vida em sociedade sugerindo também uma possível rota para a evolução cognitiva
humana. Os macacos-pregos, muitas vezes considerados menos adequados que grandes
primatas em determinados estudos, vêm recentemente despertando o interesse dos cientistas
devido às suas particularidades cerebrais avantajadas e à sua flexibilidade comportamental
e cognitiva.
É uma conclusão legítima, em todo caso, que a expansão evolutiva do córtex de
associação (tanto do posterior como do pré-frontal) está intimamente relacionada à
evolução de funções cognitivas. Nos primatas há uma considerável expansão das áreas de
associação, notavelmente na região frontal. Analisando o desenvolvimento evolutivo da
morfologia de superfície (isto é, sulcos e giros) e de suas projeções corticais, as várias
66
porções do córtex pré-frontal parecem não evoluir igualmente ao mesmo tempo. Por esses
critérios, a região pré-frontal lateral claramente evoluiu posteriormente e de forma mais
distante que outras regiões pré-frontais. Isto está de acordo com o tardio e admirável
desenvolvimento de altas funções integrativas cognitivas (por exemplo, linguagem) em
espécies avançadas, especialmente em humanos. Estas funções são amplamente
dependentes do córtex pré-frontal. Eccles, em 1992 propôs que áreas de associação são
selecionadas pela evolução porque elas fornecem elevada habilidade de raciocínio lógico ao
animal.
É importante reconhecer, em todo caso, que o estudo de uma única espécie ou
gênero não permite desvendar regras básicas que governam a anatomia, a fisiologia e o
desenvolvimento do cérebro de primatas em geral ou do cérebro humano, em particular
(Rosa & Tweeddale, 2005). E ainda: o córtex pré-frontal (CPF) não é o único elemento
crucial necessário ao alcance do controle cognitivo. Distribuição de controle também
poderia depender do córtex cingulado anterior (CCA), uma área variada associada à
detecção de erros, seleção de respostas e monitoramento de conflitos (Passingham, 1993;
Bush et al., 2000). Por detecção de sinais de conflito, o CCA está apto a sinalizar qual o
melhor controle pode ser solicitado para uma dada tarefa. O papel de circuitos cerebelares
neocorticais no funcionamento cognitivo coordenado também poderia ser crucial neste
aspecto (Schmahmann, 1998). Um trabalho recente identificou uma expansão do cerebelo
ao longo da ordem Primata, sugerindo que evolução agiu em sistemas distribuídos de
componentes funcionalmente relacionados apenas dentro desta linhagem (Barrett et al.,
2003; Whiting & Barton, 2003). O estudo de espécies de primatas não-humanos por uma
perspectiva comparativa traz subsídios para a avaliação a respeito das funções neurais em
diferentes grupos. Compreender as pressões que conduziram às capacidades cognitivas
67
pode ser fundamental para enriquecer nosso conhecimento a respeito do funcionamento do
órgão responsável pelo controle dessas capacidades: o cérebro.
68
6. CONCLUSÕES
 A região pré-frontal em Cebus apella representa aproximadamente
1
5
(19,21%) do volume cerebral total.
 Os
antímeros
quando
comparados,
não
apresentaram
diferenças
estatisticamente significativas com relação às áreas pré-frontais (direita e
esquerda) e também com relação aos hemisférios cerebrais analisados
(direitos e esquerdos).
 Foi possível encontrar nos hemisférios de macaco-prego analisados, as
seguintes vias de associação intra-hemisféricas:
-
Fibras arqueadas curtas, ou em “U”;
-
Fascículo longitudinal inferior;
-
Fascículo uncinado;
-
Fascículo do cíngulo.

A maioria das fibras observadas e analisadas apresenta um
padrão de organização similar àquele descrito em hemisférios humanos.

Existem, entretanto algumas diferenças anatômicas entre as
vias encontradas em macaco-prego e aquelas descritas em humanos,
particularmente no que concerne à inexistência do fascículo longitudinal
superior e ao padrão particular do fascículo do cíngulo, que apresentou parte
de suas fibras com orientação ascendente na região parietal medial
(aproximadamente na região referente ao giro pós-central situado
lateralmente), sendo que em humanos este fascículo contorna o corpo caloso
desde seu joelho até o esplênio.
69

As fibras curtas (em “U”) que comunicam os giros entre si
apresentaram-se abundantes na região lateral do hemisfério cerebral.

Estes animais apresentam uma quantidade considerável de
massa cinzenta que preenche grande parte das irregularidades observadas
apenas quando os hemisférios já se encontram dissecados com auxílio da
técnica escolhida, o que demonstra a riqueza de células nervosas nos
cérebros desta espécie.

Os hemisférios em geral demonstraram uma organização
complexa de fibras, demonstrando uma grande variedade de comunicações
entre a região pré-frontal e as demais regiões encefálicas, reforçando o papel
integrativo desempenhado pelo córtex pré-frontal, como descrito na
literatura.
70
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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