SEGURANÇA: A APLICAÇÃO DA FORÇA “O CASO DE TIMOR-LESTE” Por: Jaselino Gouveia Seabra Ferreira Tese apresentada para obtenção do grau de Mestre em Estudos Avançados em Direito e Segurança Orientador: Professor Doutor Armando Marques Guedes Lisboa 2010 Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Direito III Curso de Mestrado em Direito e Segurança SEGURANÇA: A APLICAÇÃO DA FORÇA “O CASO DE TIMOR-LESTE” (Dissertação de Mestrado) Por: Jaselino Gouveia Seabra Ferreira Orientador: Professor Doutor Armando Marques Guedes Lisboa 2010 EPÍGRAFE ―União de 25 Estados com mais de 450 milhões de habitantes e representando um quarto do Produto Nacional Bruto mundial, a União Europeia é forçosamente um actor global; deve, pois, estar pronta a assumir a sua parte de responsabilidade na segurança global e na criação de um mundo melhor”1 NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, DECIDIDOS: A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas; A estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional; A promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade; E PARA TAIS FINS: A praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos; A unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais; A garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum; RESOLVEMOS CONJUGAR OS NOSSOS CONSECUÇÃO DESSES OBJECTIVOS. ESFORÇOS PARA A In Carta das Nações Unidas 1 A Secure Europe in a Better World – European Security Strategy – Brussels, 12 December 2003, p.1. I AGRADECIMENTOS A consecução dos objectivos traçados, para o estudo apresentado, só foi possível com uma conjugação de esforços de diversas pessoas e entidades. Deixo aqui registado o meu agradecimento sincero a todos os que de forma directa ou indirecta prestaram o seu contributo para a realização deste trabalho. Expresso desde já a minha gratidão ao Senhor Professor Doutor Armando Marques Guedes, pela disponibilidade constante, pelas observações sempre pertinentes, pelos conselhos sapientíssimos da sua douta pessoa, pelos itinerários cognitivos que me proporcionou ao longo deste trabalho, como orientador desta tarefa que me propus levar a cabo e que sem ele seria completamente impraticável. Ao Doutorando Reinaldo Hermenegildo pelos seus doutos conselhos e cedência de suportes bibliográficos, fruto de um brilhante trabalho de investigação que tem desenvolvido nesta área. Aos funcionários das bibliotecas da Assembleia da República e da Faculdade de Direito da UNL, pela permanente disponibilidade e profissionalismo na cedência da bibliografia solicitada, a todos muito obrigado. Ao Sr. Tenente-Coronel José Pimenta pelo incentivo constante ao longo de todo o trabalho, e pelos elementos cedidos, fruto da sua vasta experiência profissional relativa a TimorLeste. Aos Srs. Majores Paulo Silvério, Victor Assunção, Carlos Pereira e Musa Paulino, pela gentileza e empenho, bem como pela ajuda preciosa dispensada nas pesquisas levadas a cabo, o meu sincero agradecimento e a minha consideração pelo profissionalismo e boa vontade que todos investiram na concretização desta dissertação. Aos meus camaradas, Comandantes dos oito contingentes, que têm estado em Timorleste, agradeço a amabilidade de terem respondido à entrevista que constitui uma mais-valia deste trabalho de investigação. Ao Dr. Rodrigo Knopfli por toda a colaboração prestada, nomeadamente pelo apoio no âmbito da tradução para a língua inglesa. Por último, mas não menos importante, à minha mulher que apesar de lhe ter retirado tempo de lazer, sempre demonstrou um apoio inexcedível e incentivo permanente para que este objectivo fosse alcançado. II INTRODUÇÃO GERAL ............................................................................................................. 1 CAPÍTULO I - ENQUADRAMENTO TEÓRICO E QUADROS METODOLÓGICOS QUE DELE DECORREM 5 1. Sobre os conceitos de Estado e Soberania: Metamorfoses .................................................. 5 2. Fonte de “Segurança interna” e “Externa”: sobre o conceito de segurança ......................... 17 2.1. Enquadramento dos conceitos ..................................................................................21 2.1.1. O sistema de segurança interna ........................................................................... 26 2.1.2. A defesa nacional ................................................................................................. 35 2.2. Um novo conceito de segurança interna? ................................................................. 42 3. O paradigma democrático da segurança ........................................................................... 48 3.1. Da segurança stricto sensu à segurança humana – várias definições ......................... 48 3.2. Liberdade versos segurança: duas áreas complementares ou antinómicas? ...............52 CAPÍTULO II - A SEGURANÇA COMO UM DOS DESÍGNIOS ESSENCIAIS DOS ESTADOS MODERNOS...................................................................................................................... 57 1. A segurança e o Estado ...................................................................................................... 57 2. Um modelo da segurança para o Estado no séc. XXI? .........................................................61 2.1. O quadro internacional ............................................................................................ 62 2.2. As novas tendências europeias ................................................................................. 64 2.3. A estratégia nacional................................................................................................. 67 3. A segurança como condição indispensável do Estado......................................................... 72 4. A transferência e a partilha de segurança entre Estados ..................................................... 75 5. O Actor Principal: Novos Actores .......................................................................................81 CAPÍTULO III - A SEGURANÇA COMO INSTRUMENTO DOS ESTADOS CONTEMPORÂNEOS ........... 92 1. A força como elemento da segurança................................................................................ 92 2. Conceitos gerais do uso da força pelos actores internacionais ........................................... 95 2.1. Da natureza do uso da força: público, privado e interno ........................................... 95 3. Parâmetros jurídicos do uso da força pelos Estados........................................................... 99 3.1. O quadro internacional ............................................................................................ 99 3.1.1. O caso particular das Nações Unidas .................................................................. 101 3.1.1.1. Da natureza do poder público: originário e derivado ...................................... 104 3.1.1.2. Limites ao uso da força: da necessidade à proporcionalidade ......................... 107 3.2. Um quadro nacional: o uso da força em Portugal ....................................................109 3.2.1. Preceitos constitucionais .................................................................................... 110 3.2.2. Regime legal vigente .......................................................................................... 112 3.2.2.1. Princípios e limites da actuação policial .......................................................... 115 3.2.2.2. A especificidade da arma de fogo ................................................................... 124 CAPÍTULO IV - AS OPERAÇÕES DE APOIO À PAZ........................................................................... 127 1. Tipologia e progressão adaptativa das Operações de Paz................................................. 127 2. As Operações de Paz de segunda geração ........................................................................ 132 3. O contributo das Forças Gendármicas .............................................................................. 138 4. Enquadramento legal ....................................................................................................... 143 CAPÍTULO V - ESTADO, SEGURANÇA E O USO DA FORÇA: O CASO DE TIMOR-LESTE ................... 148 1. A missão da GNR em Timor-Leste (desde 2006) ............................................................... 148 2. Legitimidade de actuação ................................................................................................ 156 3. O restabelecimento e a manutenção da paz pela aplicação eventual da força – do peaceenforcement ao peace-keeping.......................................................................................... 159 4. A aplicação das regras de empenhamento da força (ROE) ................................................ 167 5. O contributo da GNR na segurança (interna) .................................................................... 173 CONCLUSÃO....................................................................................................................... 183 BIBLIOGRAFIA: ................................................................................................................... 190 Apêndice 1 - Entrevistas realizadas aos comandantes dos oito contingentes da GNR ................. 203 III RESUMO Um dos principais desígnios do Estado é garantir a segurança, que por seu lado passou a estar condicionada por agentes internacionais e pela alteração da ordem mundial. Os Estados, embora tivessem que ceder parte da soberania a outros actores internacionais, continuam a ser os protagonistas capazes de congregar e por em prática o poder legítimo, usando muitas vezes a força para o fazer, conseguindo, deste modo enfrentar as novas ameaças provocadas pela instabilidade do mundo actual. No entanto, é indubitável que a partilha e a transferência de segurança entre Estados existe e norteia-se por novas tendências, onde as organizações internacionais têm um papel cada vez mais preponderante. No contexto das missões internacionais de apoio à paz levadas a cabo pelas diversas organizações internacionais está a missão de manutenção e consolidação do Estado embrionário que é Timor-Leste, onde a componente policial tem revelado um papel fundamental. Num quadro de respeito pelos direitos humanos, e sobre a égide da ONU, a GNR tem feito uso da força, no sentido de promover a ordem pública e a segurança indispensável à estabilização da nação Timorense. PALAVRAS-CHAVE: Estado – Soberania – Segurança – Força – Operações de Paz IV ABSTRACT One of the main pillars of the State is to maintain security that is conditioned by international agents and the variation of the world order. Even though States had to relinquish part of their sovereignty to other international actors, they remain as the sole protagonists capable of congregating and putting into practice the legitimate power, utilizing many times force, so as to confront new threats enhanced by the actual instability in the world. However, it’s unquestionable that the share and transference of safety between States exists and is oriented by new tendencies where international organizations have a deeper and more preponderant role. In the context of international missions of peace keeping operations, taken under the umbrella of diverse international organizations, there is the task of consolidation and maintenance of the rudimentary State of East Timor, where the policing component has revealed a fundamental role. Under the hat of respect for human rights, and under the shield of the United Nations, the Portuguese National Security Guard (Guarda Nacional Republicana) has made use of force, in the sense of promoting public order and the undeniable safety to the stabilization of the Timorese nation. KEY WORDS: State – Sovereignty – Security – Force – Peace Operations V ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS AMN CAAS CDFUE CDSP CEDH CEDN CIVPOL CNRT CNU CPA CPOS CPP CRDTL CRP CSNU CSSI DGPDN DPKO DUDH EMA EMGNR FALINTIL FDUNL FPE FPU FSS GCS GCSD GCSR GIPS GNR GOP 05/09 IDN IEEI IESM INEM INTERFET LDNFA LSI MNE MSU OAP OI ONU ONU OSCE Autoridade Marítima Nacional Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Código Deontológico do Serviço Policial Convenção Europeia dos Direitos do Homem Conceito Estratégico de Defesa Nacional United Nations Civilian Police Conselho Nacional de Resistência Timorense Carta das Nações Unidas Código de Procedimento Administrativo Curso de Promoção a Oficial Superior Código de Processo Penal Constituição da República Democrática de Timor-Leste Constituição da República Portuguesa Conselho de Segurança das Nações Unidas Conselho Superior de Segurança Interna Direcção-Geral de Política de Defesa Nacional Department of Peace Keeping Operations Convenção Europeia dos Direitos do Homem Empresa de Meios Aéreos Estatuto dos Militares da Guarda Forças Armadas de Libertação e Independência de Timor-Leste Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Força de Polícia Europeia Formed Police Unite Forças e Serviços de Segurança Gabinete Coordenador de Segurança Gabinetes Coordenadores de Segurança Distrital Gabinetes Coordenadores de Segurança Regional Grupo de Intervenção, Protecção e Socorro (GNR) Guarda Nacional Republicana Grandes Opções do Plano 2005-2009 Instituto de Defesa Nacional Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais Instituto de Estudos Superiores Militares Instituto Nacional de Emergência Médica Internacional Force in East Timor Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas Lei de Segurança Interna Ministro dos Negócios Estrangeiros Multinational Specialized Unit Operações de Apoio à Paz Organizações Internacionais Organização das Nações Unidas Organização da Nações Unidas Organização para a Segurança e Cooperação na Europa VI OSCOT OTAN PALOP PAMPA PCCCOFSS PDN PE PESC PK PNTL RASI RGSGNR ROE RRU SAA SEPNA SG-SSI SIED SIOPS SIRP SIS SPU SSI UCAT UCI UE UEO UIR UNMISET UNMIT UNOTIL UNTAET Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo Organização do Tratado do Atlântico Norte Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa Programa de Apoio às Missões de Paz em África Plano de coordenação, controlo e comando operacional das forças e dos serviços de segurança Política Defesa Nacional Peace Enforcement Política externa e de segurança comum Peacekeeping Polícia Nacional de Timor-Leste Relatório Anual de Segurança Interna Regulamento Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana Rules of Engagement Rapid Response Unit Sistema de Autoridade Aeronáutica Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (GNR) Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna Sistema de Informações Estratégicas de Defesa Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro Sistema de Informações da República Portuguesa Sistema de Informações e Segurança Special Police Unit Sistema da segurança interna Unidade de Coordenação Antiterrorismo Unidade de Cooperação Internacional União Europeia União Europeia Ocidental Unidade de Intervenção Rápida United Nations Mission of Support in East Timor United Nations Integrated Mission in Timor-Leste United Nations Office in Timor-Leste United Nations Transitional Administration in East Timor VII _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” INTRODUÇÃO GERAL A dissertação de mestrado que se apresenta vem no seguimento da Pósgraduação em Direito e Segurança, ministrada pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (FDUNL) com colaboração do Instituto de Estudos Superior Militares (IESM) para o Curso de Promoção a Oficial Superior da GNR (CPOS). Ainda que um percurso desconhecido possa potenciar uma reacção de receio, não o podemos dissociar do despertar de uma vontade imponente e avassaladora de viver essa nova experiência. Estes dois sentimentos nortearam os nossos passos nesta caminhada que decidimos iniciar, no âmbito do mestrado em ―Segurança e Direito‖, proporcionado pela Universidade Nova de Lisboa. Para os críticos, o estudo por nós elaborado deve apenas constituir-se como uma possível análise da questão de partida “De que forma é que o uso da força contribui para a manutenção da paz num Estado democrático” e embora o nosso trabalho, não se imponha como uma descoberta newtoniana, reveste-se de singular importância pelo seu objecto, já que a nossa reflexão incide sobre o uso da força, mas como forma de garantir a paz e a defesa dos direitos fundamentais, constituindo-se como principal desafio a delimitação do tema e a sua correcta abordagem numa perspectiva tão jurídica quanto possível, num momento em que se dá especial destaque à importância da componente policial, enquanto elemento essencial para a criação de um ambiente de segurança, que permite a estabilização e o desenvolvimento de Estados intervencionados. A realização desta dissertação assenta no método hipotético-dedutivo, através da construção de conceitos sistémicos e hipóteses para os quais se terão de procurar correspondentes no real. O nosso trabalho não surge ex nihilo, e por conseguinte, houve necessidade de fazer uma forte investida nos elementos teorizantes presentes, numa minuciosa análise documental. Esta pesquisa visou a recolha do máximo de documentos e artigos relacionados com as matérias, em estudo, nomeadamente a consulta de vários diplomas legais como leis, decretos-lei, leis orgânicas ou regulamentos e textos constitucionais estrangeiros, de forma a perceber qual o enquadramento legal, respeitante ao uso da força como garante da Segurança, que se constituiu por um lado como um desígnio dos Estados modernos, e por outro como um dos instrumentos dos Estados contemporâneos, 1 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” analisando-se, neste contexto, o processo de construção e garantia da paz num Estado embrionário e em construção como Timor-Leste, e o incontornável contributo da Guarda nacional Republicana para a manutenção da segurança interna desta nação, enquanto elemento essencial para a criação de um ambiente de segurança, que permite a estabilização e o desenvolvimento do mesmo. Procederemos, no corpus deste trabalho à análise da vexata questio do uso da força, tendo em conta que os Estados deixaram de ser soberanos na sua essência, pois a sua soberania surge subordinada à ordem internacional, tendo, consequentemente, ocorrido uma perda de parte do monopólio da força legítima, mas que continuam a ser os únicos actores capazes de congregar e exercer de forma adequada o poder legítimo, que por um lado impõe a supremacia do direito a nível interno, e por outro contribui para a preservação da ordem mundial. Como os Estados são os protagonistas na aplicação da força, e tendo havido uma evolução da Ordem Internacional, e na dinâmica das tipologias dos conflitos entre Estados e intra-estatais, houve necessidade de nos debruçarmos sobre os conceitos de Estado, Soberania, Segurança Interna, Segurança Externa, e Defesa Nacional, já que o Estado não é o único sujeito de direito internacional, apesar de continuar a ser o sujeito por excelência, que se metamorfoseia para fazer face a novas exigências, provocadas pela instabilidade e incerteza do mundo actual, que colocam a problemática da segurança no centro do debate das sociedades modernas. Seguidamente, tentar-se-á fazer uma abordagem do novo conceito de segurança interna, tendo em conta que esta deixou de ser uma tarefa exclusiva das forças e serviços de segurança ou dos funcionários do Estado e transformou-se numa acção que é necessária ser desenvolvida por todos os cidadãos, ganhando uma nova dimensão com o alargamento à segurança humana. Verificando-se que uma das obrigações do Estado de direito é manter e assegurar a Segurança, cujo valor alterou-se significativamente, pois está agora pressionada por riscos diversos, mais difusos na forma, origem, espaço e actores, onde a imprevisibilidade aumenta as condições para a eclosão de conflitos. A Segurança passou assim a ter interesses além dos vitais, por vezes materializados longe da base territorial dos Estados” (Proença Garcia, 2006: 339), far-se-á a abordagem das diferentes definições de segurança, privilegiando-se a segurança humana. Finalmente terminar-se-á o primeiro capítulo com a abordagem do binómio, ou talvez antinómio, das áreas liberdade e segurança. 2 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Como as premissas que enformam a actuação do Estado alteraram drasticamente, e com o objectivo de dar algum contributo para uma reflexão sobre a aplicação de um modelo de segurança mais eficaz, far-se-á um levantamento das respostas multidimensionais, que devem ser dadas pelos diversos actores e diversas áreas, que integram a actividade do Estado, expondo-se, de seguida, as novas tendências, relacionadas num quadro internacional e europeu, que norteiam a necessária transferência e partilha de segurança entre Estados, verificando-se que esta se caracteriza pela interdependência, a transnacionalização e a desterritorialização. Seguidamente, e para finalizarmos o capítulo segundo, enunciar-se-á o papel das Organizações Internacionais na integração comunitária e na vinculação internacional dos mesmos Estados. No terceiro capítulo, pretende-se demonstrar que a força é também um elemento da segurança, procedendo-se posteriormente a uma análise jurídica do uso da força pelos Estados, onde se destaca o caso particular das Nações Unidas. Seguidamente é traçado um quadro nacional do uso da força, verificando-se quais os preceitos constitucionais e legais que presidem à sua aplicabilidade, apresentando-se uma análise dos princípios e limites da actuação policial, destacando-se em especial o uso da arma de fogo. Como a componente policial se tem revelado fundamental nas missões de Apoio à Paz, pois tem vindo a ser chamada a desempenhar um papel predominante, no processo de transição de uma situação de conflito para uma paz duradoura, dentro de um quadro de respeito pelos direitos humanos, e o uso da força é necessário em diversos cenários operacionais, analisar-se-á o contributo da aplicação da força para a manutenção de paz e para a consolidação do Estado de Timor-leste que se constituirá, por conseguinte, como o estudo de caso, a analisar nesta dissertação. Verificar-se-á então se o papel da Guarda Nacional Republicana (GNR), que sob a égide das Nações Unidas, tem vindo a desenvolver uma missão profícua, em território timorense, integrando as denominadas Operações de Apoio à Paz. Neste contexto desenvolver-se-á, num quarto capítulo, as questões relacionadas com a tipologia das Operações de paz; as denominadas Operações de segunda geração e o contributo das características das Forças Gendármicas para o sucesso das mesmas, fazendo-se em paralelo o enquadramento legal deste tipo de missões. No último capítulo, finalizar-se-á este estudo com a abordagem das missões multidimensionais, com mandatos executivos, onde a componente policial desempenha 3 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” indubitavelmente um papel de relevo na manutenção do ordem pública e da segurança, indispensável no caminho dos Estados rumo à estabilização, como é o caso da nação timorense. Procurar-se-á ainda referenciar, através de excertos de depoimentos reais, os principais problemas e desafios que se colocam às actividades da componente policial e os caminhos apontados à sua resolução, desenvolvidos pela missão da GNR, em solo timorense, ao abrigo do Acordo bilateral e sob a égide das Nações Unidas, que se verificou desde 2006, verificando-se os preceitos legais que presidem a essa actuação. Seguidamente, e através de entrevistas realizadas aos comandantes dos oito contingentes da Guarda Nacional Republicana, que actuaram em território timorense, analisaremos a sua missão, no âmbito do restabelecimento e manutenção da paz pela aplicação eventual da força, procedendo-se ao relato de cenários verdadeiros e actuações reais. Verificaremos a importância do uso das Rules of Engagement (ROE) pelos mesmos comandantes, como instrumento legal, e concluiremos acerca do contributo da GNR para a denominada segurança interna de Timor-Leste, nomeadamente a verificação do papel da componente policial nas Operações de Apoio à Paz das Nações Unidas, com especial incidência na sua função de prevenir e resolver os conflitos e, consequentemente, na consolidação da paz. 4 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” CAPÍTULO I - ENQUADRAMENTO TEÓRICO E QUADROS METODOLÓGICOS QUE DELE DECORREM “Depois do ataque terrorista, o Estado voltou, e voltou movido pelo mais antigo dos princípios hobbesianos: garantir a segurança”2 1. Sobre os conceitos de Estado e Soberania: Metamorfoses “Timor-Leste é uma experiência única de construção de Estados (nation-building). É a primeira vez que as Nações Unidas e a comunidade internacional são chamadas a desempenhar um papel fundamental na fundação de um país”3 Com o intuito de se analisar o processo de construção e garantia da paz num Estado embrionário e em construção como Timor-Leste, tornou-se imperioso estudar e compreender os conceitos de Estado e de Soberania, verificando-se que os mesmos sofreram uma evolução, bem como uma redefinição ou readaptação. Hodiernamente, e em virtude dos condicionalismos internacionais, os Estados estão mais interdependentes em relação a outros Estados ou Organizações internacionais (OI), encontrando-se por conseguinte cada vez menos independentes. Aquilo que hoje se entende por Estado tem pouco a ver com a sua génese, pois as premissas que presidiram à sua origem evoluíram e abrangem matérias muito sensíveis das quais o Estado não pretende abdicar, passando este concomitantemente a surgir associado à questão do poder4, e a fazer parte da tríade: Estado-Soberania-Poder. 2 CASTELLS, Manuel e NARCÍS, Serra (coord.), Guerra e Paz no Século XXI, Uma Perspectiva Europeia, Fim de Século, 2007, p. 54. 3 In www.un.org/ Deps, consultado em 15 de Setembro de 2009. 4 Ver o conceito de poder , In, Fernando de Sousa (org.), Dicionário de Relações Internacionais, Edições Afrontamento/CEPESE, Santa Maria da Feira, 2005, p.143. 5 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A abordagem da questão Estado obriga a que nos refiramos à questão Soberania, e à interacção entre estes dois conceitos visto que ―a moderna ideia de Estado tem o seu expoente na ideia de soberania” (Santos, 2005: 269). Hoje a soberania surge subordinada à ordem internacional, existindo vários Estados que pertencem a diversas OI como sejam a União Europeia (EU) e a Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO). Assim, o emergir de algumas “das Nações Unidas e outras organizações internacionais e supranacionais, acentuaram os aspectos limitativos da soberania, vista hoje como subordinada à ordem jurídica internacional. Portanto, entre os corolários principais da soberania estão o dever de não ingerência na área de jurisdição exclusiva dos outros Estados e a sua subordinação ao direito Internacional (…) “O Estado Soberano deve ser entendido como sendo aquele que se encontra subordinado directa e imediatamente à ordem jurídica internacional”(Pereira, 2003: 20). O autor supra citado refere ainda que ―não há, definitivamente, que falar em soberania absoluta, uma vez este é um conceito desenvolvido à época do fastígio do eurocentrismo (…) sendo uma categoria político jurídica de natureza eminentemente histórica, portanto variável no tempo e no espaço, a soberania passa, nos dias actuais, por uma completa transformação (…) torna-se cada vez mais difícil formular uma definição abrangente de soberania” (Pereira, 2003: 20). No entender de Celso D. de Albuquerque Mello ―não há uma definição integralmente sólida do que seja a soberania. Este é um conceito jurídico indeterminado”, sendo por isso, “expressões vagas utilizadas pragmaticamente pelo legislador com a finalidade de propiciar o ajuste de certas normas a uma realidade cambiante ou ainda pouco conhecida” (Pereira, 2003: 21), estando os Estados “a deixar de ser sujeitos soberanos e passando a ser actores estratégicos, que se ocupam dos interesses daqueles que supostamente representam, em sistema global de interacção. Trata-se de uma situação de soberania partilhada sistematicamente” (Pereira, 2003: 24). Os Estados deixaram assim de ser soberanos na sua essência, perdendo parte do ―monopólio da força legítima” (Weber, 1991: 124). Contudo o conceito de soberania não desapareceu, porque “os Estados continuam a ter soberania, com uma particularidade - só têm a soberania possível, que é limitada. No entanto, só os Estados são capazes de congregar e exercer de forma adequada o poder legítimo. Este poder é 6 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” necessário para impor uma supremacia do direito a nível interno, e é necessário a nível internacional para preservar a ordem mundial” (Fukuyama, 2006: 16). Assim, o Estado soberano já não é o único sujeito de direito internacional, mas ainda é “o sujeito por excelência do direito internacional” (Sá, 1997: 57), metamorfoseando-se para fazer face a novas exigências; a Soberania deixou de ser una e de ser a que foi enunciada pelos clássicos desde Bodin (Melo, 1999: 10). Segundo Adriano Moreira, assistimos hodiernamente a “transferências de competências soberanas para modelos de soberanias cooperativas, participadas, ou até hierarquizadas, (…) sem modelo final padronizado” provocando a alteração do paradigma de Estado (Cunha, 2003: 137). O processo de integração europeia acarretou para os Estados uma denominada ―co-soberania‖e um novo paradigma de Estado, verificando-se, a curto prazo, que o centro essencial de organização e de decisão política da nossa época será a comunidade europeia, superando o Estado, tal como este superou a cidade (Sá, 1997: 33). Os Estados continuam, então, a ser soberanos, embora passando a ter uma “cosoberania”, e uma soberania multinível, “por força dos processos de integração interestatal, de tal forma que em consequência disso se deva procurar um novo modelo do poder do Estado. Em especial as formas intermédias de uma tal integração podem significar, a longo prazo, rupturas na unidade do poder do Estado: é concebível que os estados membros concedam determinados poderes de soberania a uma organização supranacional e que estes se subtraiam à soberania de competências dos Estados particulares, sem que sejam simultaneamente sujeitos a uma nova soberania de competências” (Zippelius, 1997:90). Assim, “mesmo optando em favor de uma das duas primeiras construções não se dissolve, só por isso e necessariamente, a soberania de competências dos Estados membros. Antes pelo contrário, também sob estas condições, os Estados membros podem conservar o poder de disposição, decisivo em última instância, que lhes permite recuperar de novo e integralmente o poder de regulação no seu território: a soberania e consequentemente, também a unidade do poder do Estado, não estarão perdidas enquanto o Estado, em caso extremo, possa recuperar de novo o poder de direcção (…) ainda não se atingiu um “point of no return” neste processo de dissolução da soberania de competências” (Zippelius, 1997:90). Desta forma, o que realmente estará em causa é mais o exercício da soberania do que propriamente a sua existência. Estas questões, segundo Adriano Moreira, levantam 7 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” a necessidade de criar um sistema mundial de gestão, para evitar a catástrofe da guerra e a catástrofe da paz sem disciplina e “só têm a novidade de exigir mais um sistema (…) crescendo hoje um consenso mundial a exigir uma fórmula consentida e ainda não encontrada” (Adriano Moreira, 2003: 397). Continua o mesmo autor a afirmar que “a crise do Estado soberano é o principal desafio político deste fim de século, e o modelo político a reinventar não afecta o valor da Nação, obriga sim, a rever os modelos políticos (…) o que significa que esse valor da Nação permanece. O que não permanece é a funcionalidade do Estado soberano, que não é sempre a resposta procurada para a defesa da identidade nacional” (Adriano Moreira, 2003: 329). “O Estado Moderno, considerado como a forma fundamental de organização política, espalhou-se pelo mundo. Contudo, nem sempre foi assim, pode não ser assim para sempre” Christopher Morris Na sequência de uma análise mais aprofundada dos conceitos atrás sumariados, verifica-se que os conceitos de Estado e Soberania não são recentes, sendo por isso premente analisar o contexto em que foram criados, e estudá-los tendo em atenção o distanciamento temporal e espacial dos mesmos, tendo em conta que hodiernamente “a ordem internacional (está) cada vez mais caracterizada pelo dinamismo” (Marques Guedes, 2005:70). É unânime a ideia de que existe uma indefinição destes conceitos, encontrandose frequentemente num verdadeiro impasse entre o paradigma clássico e actual. Indubitavelmente, os Estados são ―construções complexas que não podem ser reconduzidas, cabalmente, a um ou vários conceitos sendo, pelo contrário, necessário captar estes fenómenos complexos na pluralidade dos seus momentos conceituais” (Zippelius, 1997: V). A concepção de que a soberania é inerente ao Estado, sem a qual este não existe encontra diversos defensores como Edith Stein quando afirma «Falar de Estados não soberanos é uma contradição. Não pode senão descrever um “corpo político” a quem um Estado delegou ou abandonou uma parte das suas funções, e que foi eventualmente antes um Estado» (Sá, 1997: 169). A este propósito afirma Jorge Miranda “É ela (a 8 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” soberania) que o distingue (o Estado) de quaisquer outras comunidades ou pessoas colectivas de direito interno, quando muito dotadas de autonomia, auto-governo ou auto-administração” (Sá, 1997: 170). A paz de Vestefália transformou o império numa ordem plural de reinos, principados, cidades arcebispados, todos ou quase todos aspirantes a Estados modernos. Assim se fez o caminho das guerras: dos senhores feudais e dos Estados modernos. Tudo sobre o fundo de uma nova legitimidade constituinte, a soberania, definida como absoluta, indivisível e perpétua. Tratava-se, na sua origem da teoria moderna do Estado, com Maquiavel, Bodin, Hobbes e Bossuet, de afirmar a independência do Estado face a qualquer potência exterior, seja o papa ou o imperador e, bem assim, o seu poder coactivo no plano interno (Covas, 2002: 28). Já desde os primórdios5 do Estado que os teóricos conceptualizam a necessidade da existência do Estado6, verificando-se uma enorme evolução do conceito. Como percursor da teoria moderna do Estado7, Bodin8 reúne duas ideias até aí dispersas “a ideia tomista de procura de unidade na diversidade e a ideia maquiavélica de divisão entre governantes e governados, se se quiser, a metafísica do poder e a casuística do poder” (Covas, 2002: 28). Nasce o Estado moderno de tipo europeu que tem especificidades próprias: Estado nacional, Secularização ou laicidade, soberania. (Jorge Miranda, 2003: 63). 5 Na Grécia Antiga a Polis designava aquilo que em sentido mais alargado designamos de Estado. Platão (428-347. a.C.) escreveu que os assuntos da República dependiam da virtude praticada pelos cidadãos com vista ao bem do Estado. Em A República Platão defende que para a cidade ser perfeita, têm de estar conjugadas quatro virtudes: sabedoria (sophia), coragem (andreia), temperança (sophrosyne) e a justiça (dikaiosyne). Aristóteles (384-322 a.C.) considera o Homem um animal cívico (Zoon politikon, o anthropos). Para atingir a felicidade plena tem que viver em sociedade, na Cidade, que por sua vez, deverá ser auto-suficiente. O Estado basta-se a si próprio. Maquiavel (1469-1527) centralizou os seus estudos na noção de Estado, cuja designação aparece logo nas primeiras linhas de O Príncipe, que aparece com o significado assumido posteriormente em todas as línguas da Europa. É pois considerado por alguns autores o percursor do princípio das nacionalidades, ou seja, do direito à independência e unificação estatal de elementos nacionais dispersos ou subjugados. 6 O que é entendido hoje como Estado, não é efectivamente o mesmo desde o seu surgimento, e quem abordou o conceito de Estado, em termos científicos, foi Maquiavel afirmando que “todos os Estados, todos os domínios que tiverem e têm império sobre os homens são Estados e são repúblicas ou principados” (Jorge Miranda, 2003: 71). É ainda Nicolau Maquiavel que atribui à palavra Estado um sentido laico, de autonomia política que o desliga do direito natural, visto que os valores eternos e imutáveis são substituídos pela ―razão de estado‖ (Santos, 2005: 92). O conceito de Estado encontra-se associado à ocidentalização, confundindo-se com a história geral do ocidente. No entanto, nesta linha de pensamento, “a desmilitarização progressiva dos senhorios mais poderosos é a condição indispensável para a formação do Estado” (Boudouin, 2000: 71). 7 O denominado Estado moderno tem a sua origem “na necessidade de ultrapassar a ordem política feudal”, com base na criação de uma nova autoridade, e numa outra obediência, tendo por finalidade “ultrapassar a instabilidade crónica do sistema político feudal” (Covas, 2002:28). Assentou na concentração do poder nas mãos do príncipe e no surgimento de uma consciência nacional e na libertação das sociedades civis do domínio clerical (Caetano, 1996: 122). 8 Ver a principal obra escrita por Jean Bodin entre 1576 e 1580, Os Seis Livros da República. 9 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Em pleno século XX, Norberto Bobbio refere-se ao Estado moderno como o resultado de um lento e irreversível processo de monopolização do uso da força. Assim, “o monopólio da força tem o objectivo não de evitar os conflitos no interior do Estado, mas unicamente de evitar que os conflitos entre súbditos e entre súbditos e Estado degenerem em guerra. (…) a forma Estado (…) pode consentir na desmonopolização do poder ideológico através do reconhecimento dos direitos de liberdade e também da desmonopolização do poder económico através do reconhecimento da livre iniciativa. O que não pode aceitar é a desmonopolização do uso da força, porque, aceitando-a, deixaria de ser um Estado. (…) No interior de um sistema fundado num monopólio do uso da força, o conflito que não pode ser solucionado através de acordos entre os privados provoca o direito por parte do Estado de recorrer ao poder coactivo” (Bobbio, 2000:558). Max Weber (1946), por seu lado, define o Estado como “uma comunidade humana que (com êxito) reclama o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território”. A essência do Estado é, por outras palavras, a coacção: a capacidade fundamental de colocar alguém no terreno com um uniforme e uma arma para forçar as pessoas a cumprir as leis do estado (Fukuyama, 2006: 20). O Estado, com todos os seus fins e objectivos constitucionalmente preconizados, é apresentado por Jorge Miranda como “uma espécie de sociedade política” (Jorge Miranda, 2003: 71). António José Fernandes, por seu lado, define-o como uma instituição complexa, sendo esta a instituição suprema ou final, pois nenhuma outra tem um poder de integração superior ou mesmo igual ao seu. Denomina, então, “o Estado como uma instituição agregativa, englobando o conjunto das instituições, sem que nenhuma delas o inclua” (Fernandes, 1995:104). No entanto, este paradigma encontrase ultrapassado uma vez que existem organizações constituídas por Estados, que estão para além do Estado, como é o caso da União Europeia. Outra definição do conceito de Estado importante foi a de Marcello Caetano9, da mesma forma entendida por Freitas do Amaral, que associa ao Estado, o povo, o território e o poder político afirmando que “o Estado é a comunidade constituída por um povo que, a fim de realizar os seus ideais de segurança, justiça e bem-estar, se assenhoreia de um território e nele institui, por autoridade própria, o poder de dirigir 9 Por Estado entende-se “um povo fixado num território de que é senhor, e que institui, por autoridade própria órgãos que elaborem as leis necessárias à vida colectiva e imponham a respectiva execução.” In, Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, II tomo, Coimbra editora, Coimbra, 1973, p.16. 10 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” os destinos nacionais e de impor as normas necessárias à vida colectiva” (Calheiros, 2003: 14). Max Weber considera o Estado “como uma associação de dominação política quando e na medida, em que a sua subsistência e a vigência das suas ordens, dentro de determinado território geográfico, estejam garantidas de modo contínuo mediante ameaça e a aplicação de coacção física por parte do quadro administrativo” (Ribeiro, 2005: 316). O mesmo autor define-o como “uma forma de organização do poder caracterizada pela racionalidade, generalidade e abstracção” (Webber, 1991: 120). A vertente social associada ao conceito de Estado tem vindo a impor-se, tentando compreender o Estado à luz de uma abordagem social, tendo este que estar associado a uma actividade social, constituindo-se como uma unidade de decisão territorial e uma unidade real de acção, distinguindo-se de todos os outros grupos territoriais de dominação pelo seu carácter de unidade soberana e de decisão. A finalidade última do Estado é então satisfazer os interesses gerais da colectividade. O Estado deverá manter a segurança, promover a justiça e assegurar o bem-estar. Estes objectivos do Estado encontram-se previstos na maioria das Constituições modernas, sendo a Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL) um exemplo disso quando afirma “a sua determinação em combater todas as formas de tirania, opressão, dominação e segregação social, cultural ou religiosa, defender a independência nacional, respeitar e garantir os direitos humanos e os direitos fundamentais do cidadão, assegurar o princípio da separação de poderes na organização do Estado e estabelecer as regras essenciais da democracia pluralista, tendo em vista a construção de um País justo e próspero e o desenvolvimento de uma sociedade solidária e fraterna”. Neste contexto, o artigo 6.º (Objectivos do Estado) da CRDTL prevê o seguinte: “o Estado tem como objectivos fundamentais: a) defender e garantir a soberania do País; b) garantir e promover os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pelo princípio do Estado de direito democrático; c) defender e garantir a democracia política e a participação popular na resolução dos problemas nacionais; d) garantir o desenvolvimento da economia e o progresso da ciência e da técnica; e) promover a edificação de uma sociedade com base na justiça social, criando bem-estar material e espiritual dos cidadãos; f) proteger o meio ambiente e preservar os recursos naturais; g) afirmar e valorizar a personalidade e o património cultural do povo Timorense; h) promover o estabelecimento e o desenvolvimento de relações de amizade 11 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” e cooperação entre todos os povos e Estados; i) promover o desenvolvimento harmonioso e integrado dos sectores e regiões e a justa repartição do produto nacional; j) criar, promover e garantir10 a efectiva igualdade de oportunidades entre a mulher e o homem”. Ao conceito de Estado associa-se, indubitavelmente, o conceito de Nação11, constituindo-se este como ―o par mais famoso e controverso das idades moderna e contemporânea. A ilustração mais eloquente do princípio do contraditório. Não sendo qualquer deles, Nação e Estado, factos da natureza, a sua pertinência histórica é tão pertinente e constante que, hoje, no limiar do século XXI, a questão nacional e o problema do Estado, constituem, indubitavelmente, dois factos maiores da história do futuro” (Covas, 2002: 24). A Nação e o Estado não são factos da natureza, realidades originais ou transhistóricas, pois há inúmeros exemplos de povos e nações sem Estado, Estados sem nações e Estados multinacionais (Covas, 2002: 27). A questão que se coloca a este propósito é se foi o Estado que deu origem à nação ou o contrário, mas segundo Adriano Moreira “foi o Estado que forjou a Nação, como notou Lord Acton, sendo menos comum que a Nação tivesse dado origem ao Estado” (Adriano Moreira, 1997: 292). Hodiernamente, o conceito de Nação tem sido utilizado para conferir ou consubstanciar unidade política a um conjunto territorial e populacional, muitas vezes, unificado artificialmente, resultado de um passado histórico colonial. 10 11 Segundo Fukuyama os europeus tendem a ter mais consciência da distinção entre Estado e nação e fazem notar que a construção de nações no sentido da criação de uma comunidade ligada por uma história e uma cultura está bem para lá das capacidades de qualquer poder externo. Isto verifica-se porque só os Estados podem ser deliberadamente construídos. Se uma nação resultar desse esforço, será mais uma questão de sorte do que de planificação. Na altura de construção de nações como foi o caso de Timor, a comunidade internacional definiu melhor os meios de coordenação interna das suas acções e criou alguns mecanismos para preservar a memória institucional sobre a construção de nações (Fukuyama, 2006: 108-109). O lugar reservado pela história a estes dois conceitos foi considerado efémero. Quando surgiu foi associado a este conceito uma conotação negativa; durante o período medieval, Nação significava a comunidade de estudantes estrangeiros oriundos de determinadas regiões. No século XVI, em Inglaterra, a palavra Nação tornou-se sinónimo da palavra povo, associado a um estatuto político positivo, e dotado de soberania. O povo transformado em Nação tornou-se uma elite (Covas, 2002: 25). Assim, a “nação é um povo soberano onde a singularidade reside mais na diversidade dos seus elementos constituintes do que na especificidade determinante de algum desses elementos. Do mesmo modo, a identidade e a consciência nacionais adquiriam essa espessura pluralista dos elementos, de carácter eminentemente democrático” (Covas, 2002: 25). O conceito moderno de Nação surge no século XVIII, com a revolução de 1789, associado à ideia de dignidade, surgindo o cidadão como um indivíduo igual perante a lei, sendo este um dos pressupostos legitimadores do princípio nacional. Na perspectiva moderna, Nação “é um conceito e uma vivência eminentemente político-cultural sob fundo democrático de cariz demo-liberal” (Covas, 2002: 25). 12 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Podendo caracterizar-se a República Democrática de Timor-Leste como um Estado emergente e em construção, e após a euforia de um processo de independência conturbado, os seus objectivos, enunciados na sua Constituição, estão longe de se encontrarem finalizados na sua aplicação em áreas fundamentais como a justiça, a educação, a saúde, bem como no desenvolvimento estrutural. Pode, então, afirmar-se que os Timorenses pertencem à mesma Nação porque têm em comum um conjunto de valores e princípios, comungando do mesmo ideal do futuro colectivo. Há a conjugação e a partilha de factores históricos culturais e linguísticos que tornaram uma realidade a Nação Timorense. Durante séculos, a Nação Timorense foi uma Nação sem Estado porque não se constituía como uma comunidade histórico-cultural organizada politicamente. Poder-se-á referir que Timor-Leste não constitui um Estado Nação, no sentido puro do conceito, uma vez que existe um conjunto de etnias com dialectos próprios e com um passado diverso; no entanto, os Timorenses partilharam dos mesmos ideais de vida colectiva e adquiriram uma consciência comum e uma identidade nacional. A questão da identidade Timorense está relacionado com questões históricas, religiosas, comportamentais, étnicas, culturais e linguísticas, e ainda, acontecimentos colectivos vividos em comum pelos Timorenses e que deram origem a uma memória ou consciência de conjunto. Nuno Canas Mendes, a propósito da identidade nacional de Timor-Leste, afirma que se tratou de “um processo volitivo de redução ou síntese de identidades étnicas plurais a uma identidade una de um povo, de uma identidade nacional, que só pode ser compreendido numa textura histórica e na multiplicidade de actores e forças que nele participaram devidamente contextualizadas num movimento nacionalista” (Mendes, 2008: 231). Partindo de uma multiculturalidade e de uma identidade histórica, os políticos procuraram convergir para a ideia de Estado Nação com uma língua comum e um partido único. No entanto, a independência não confere automaticamente identidade nacional ao povo de um Estado. Tem que existir um processo de consolidação, através de um processo histórico, que molda o carácter dos povos e etnias. Por isso, a solidez da independência terá de ser reforçada com uma identidade sólida. O período de ocupação Indonésia foi fundamental para a criação de uma consciência e identidade colectivas, favorecendo o surgimento de um sentimento de unidade contra o invasor a quem nunca reconheceu o direito de administrar o território de Timor-Leste. 13 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A intervenção da comunidade internacional em Timor-Leste ―deixou de ser uma pura abstracção e tornou-se rapidamente numa realidade enquanto governo efectivo. As funções de governação foram deslocadas para as Nações Unidas ou outras agências e ONG´s, onde a sede de governo foi colocada num barco atracado ao largo da capital, Díli. Esse império internacional com boas intenções e tendo por base preceitos democráticos e relacionados com direitos humanos, continua a ser um império e estabeleceu um precedente de entrega da soberania à governação por parte de agências internacionais” (Fukuyama, 2006: 106-107). A propósito das chamadas intervenções humanitárias dos anos 1990, Fukuyama fala em “erosão da soberania”, referindo que o sistema de Vestefália já não é uma estrutura adequada para as relações internacionais12. Assim, este sistema foi construído em torno de um agnosticismo deliberado quanto à questão da legitimidade. O fim da Guerra-fria trouxe maior consenso na comunidade mundial quanto aos princípios da legitimidade política e dos direitos humanos. A soberania13 e a legitimidade deixavam de poder ser conferidas automaticamente ao detentor real do poder num dado país. A soberania do Estado era uma ficção em alguns países. Nessas circunstâncias, as potências estrangeiras, agindo em nome dos direitos humanos e da legitimidade democrática, tinham não apenas o direito mas a obrigação de intervir. As intervenções humanitárias dos anos 90 conduziram a uma extensão de um poder imperial internacional efectivo sobre a parte do mundo dominada por Estados falhados ou fracos‖ (Fukuyama, 2006: 106). 12 13 O conceito de soberania inicialmente dizia respeito “à potência absoluta e perpétua bodiniana e hobbesiana; poder ilimitado, indivisível, inapelável, incontrolável, independente ad extra e supremo ad intra. Esta potestade absoluta pode deslocar-se do monarca absoluto para o povo, para um órgão ou para três, ou para o Estado em abstracto, mas enquanto continue detendo aquelas característicasque não excluem um certo recurso à força, se for caso disso - continuará sendo soberania por mais democratizada que esteja” (Huidobro, 2003: 139). O conceito de soberania, segundo Albuquerque Mello, é um “conceito jurídico indeterminado e cujo conteúdo e limites vai variar com a consciência jurídica e as circunstâncias políticas em cada época histórica. Trata-se, pois, de uma das noções mais obscuras e mais polémicas no âmbito do Direito Público e da Ciência Política” (Mello, 2003: 31). A soberania entendida como o “Poder Político próprio do Estado” (Caetano, 1996: 75), constitui-se como o terceiro elemento do Estado, conjuntamente com o povo e o território. Este termo surge com conotações políticas, pretendendo ser a racionalização jurídica do poder, no sentido da transformação da força em poder legítimo, do poder de facto em poder de direito, surgindo no século XVI, associado ao termo Estado para indicar o poder estatal, sujeito único e exclusivo da política‖ (Sá, 1997: 149). Marcello Caetano definia-a como um poder supremo que dita a lei e é um poder independente em relação a todos os outros poderes humanos. A soberania (majestas, summum imperium) significa, portanto um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que na sociedade internacional não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceites e está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos (Caetano, 1996: 132). 14 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Embora não seja uma realidade recente, as fronteiras da União Europeia estão em mutação, a um ritmo muito mais acelerado provocado pela complexidade também crescente do sistema internacional. Os Estados transferem parcelas de soberania para o nível superior, ou seja, para uma organização de âmbito supranacional, rompendo, através deste processo, com o conceito clássico de soberania. A soberania deixou, hodiernamente, de ser una e indivisível e passou a ser partilhada, multinível, e colectiva, passando a ser cedida e consequentemente a ser partilhada com outros Estados e Organizações Internacionais. Continua, pois, a falar-se de soberania, mas já não nos moldes enunciados pelos Clássicos desde Bodin14. Apesar da partilha de soberania ser efectuada de forma voluntária, os Estados ao terem de cumprir orientações e normativos provenientes da EU, perdem indiscutivelmente perder parte dessa soberania, embora alguns sejam obrigados a fazê-lo, para em última instância, a conseguir manter. Reinhold Zippelius refere ainda que “no entanto, quanto mais nítido se tornou que a soberania - sobretudo em virtude das interdependências estatais - é susceptível de ser relativizada, tanto mais questionável se torna. Hoje em dia tem capacidade limitada pelo direito internacional e tal acontece não apenas com os Estados Soberanos; até Estados membros de Estados Federais podem ter uma capacidade limitada pelo direito internacional se tal for previsto na constituição da federação” (Zipellius, 1997: 72). No entender de Adriano Moreira, as questões relacionadas com Estado e Soberania, hodiernamente “só tem a novidade de exigir mais um sistema (…) e que hoje cresce um consenso mundial a exigir uma fórmula consentida e ainda não encontrada”( Adriano Moreira, 2004:397). Assim, não existindo uma fórmula consentida, nem uma resposta clara “não temos alternativa senão regressar ao Estado-nação soberano e tentar compreender uma vez mais como torná-lo forte e eficaz” (Fukuyama, 2006:129). 14 A palavra Soberania com o sentido que hoje tem surge com Jean Bodin, no século XVI, na sua obra “Les six livres de la Republique”. Jean Bodin considerou a soberania como a característica essencial do poder de Estado afirmando que a “Republique est un droit gouvernement de plusiers ménages, et de ce qui leur est commun, avec puissance souveraine” (Bodin, 1576, Livro I)» (Zipellius, 1997: 75). Verifica-se que a soberania surge associada ao direito, no entanto, “a soberania é na sua origem histórica, uma concepção de índole política, que só mais tarde condensou numa de índole jurídica. Não se descobriu este conceito no gabinete de sábios estranhos ao mundo, antes deve a sua existência a forças muito poderosas, cujas lutas constituem o conteúdo de séculos inteiros” (Jellinek, 1981: 327).Bodin entendia soberania como um poder auto-suficiente, que não se sujeita a outro poder (summa potestas superiorm non recognens), sendo perpétua e transcendente e una, sendo tudo exclusivo do suserano (Pereira, 2003: 16). Apresenta ainda o conceito de Soberania como algo que “integra o poder absoluto com uma unidade que se sobrepõe à complexa rede de suseranias e de homenagens de laços hierárquicos pessoais, ao parcelamento da autoridade, à confusão entre poderes públicos e privados existentes no feudalismo” (Santos, 2005:59). 15 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Tal como se verificou com Timor-Leste, em vários locais do mundo “tem crescido a intrusão da comunidade internacional em regiões que até aqui o provecto dogma da soberania nacional reservava como coutadas. Perante uma cada vez mais nítida redimensionação ética e normativa de um sistema internacional tradicionalmente anárquico, é difícil evitar a impressão de que uma sua estruturação política se começa enfim a cristalizar. Não um Leviathan hobbesiano: uma hipotética integração global, mesmo que um dia possa vir a ocorrer, ainda está, talvez felizmente, muito longe. Mas decerto que a cada vez mais intricada interdependência genérica não se compadece com a antiga formatação unidimensional, saída da paz de Westphalia, em 1648, que sob o peso de tantas vicissitudes a Europa legou ao sistema internacional que sob a sua égide se foi construindo” (Marques Guedes, 2005: 76). 16 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” “Mas a principal lição traduz-se em reconhecer que a segurança é um tema transnacional, que afecta todas as sociedades civis, e que não consente uma distinção operacional entre segurança interna e segurança externa” (Adriano Moreira, 2005: 5) 2. Fonte de “Segurança interna” e “Externa”: sobre o conceito de segurança “Segurança é uma necessidade da pessoa e dos grupos humanos e um direito inalienável do homem e das nações (...) permite discernir no desfilar dos seus conceitos uma noção de protecção ou de tranquilidade em face de ameaças ou acções adversas à própria pessoa, às instituições ou a bens essenciais existentes ou pretendidos” 15 A instabilidade e incerteza do mundo actual colocam a problemática da segurança no centro do debate das sociedades modernas, tornando-se simultaneamente indissociável da sensação de vulnerabilidade da sociedade a um conjunto de novas ameaças e riscos que agudizam o sentimento de insegurança dos cidadãos. Poder-se-á definir segurança como “o estado ou condição que se estabelece num determinado ambiente16, através da utilização de medidas adequadas, com vista à sua preservação e à conduta de actividades, no seu interior ou em seu proveito, sem rupturas”17. Ao analisarmos o conceito de segurança verificamos que este foi ampliado, abrangendo os campos políticos, militar, económico, social, ambiental e outros. As medidas que visam a segurança são de largo espectro, envolvendo, além da defesa externa, a defesa civil, a segurança pública, políticas económicas, de saúde, educacionais, ambientais e outras áreas, muitas das quais não são tratadas por meio dos instrumentos político-militares. 15 Cfr. Rui Pereira, Os desafios do terrorismo: A resposta penal e o sistema de Informações, pp. 501 a 507. 16 Ambiente compreende um qualquer espaço mais tudo o que ele contenha, sejam pessoas, instalações, equipamentos, actividades, conhecimento. 17 Rupturas implicam a existência de quaisquer interrupções abruptas, não desejadas e susceptíveis de causar danos. Ainda Cfr. Armando Carlos Alves, Sobre Segurança, pp. 32. 17 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A segurança pode ser abordada a partir do indivíduo, da sociedade e do Estado, do que resultam definições com diferentes perspectivas. Assim, e numa primeira abordagem, poderá dizer-se que a segurança é a condição em que o Estado, a sociedade ou os indivíduos não se sentem expostos a riscos ou ameaças18. A segurança é uma das obrigações do Estado de Direito na execução das suas finalidades de “conservação, justiça e bem-estar”. Para o efeito, o poder político define a ordem social que lhe parece mais adequada à realização dos fins do Estado e estabelece mecanismos para a correcção de desvios e perturbações da ordem social. Uma das obrigações do Estado de direito é manter e assegurar a Segurança podendo esta definir-se como um estado de tranquilidade e de confiança mantido por um conjunto de condições materiais, económicas, políticas e sociais que garante a ausência de qualquer perigo, tanto para a colectividade como para o cidadão individualmente considerado, o que se materializa na noção de “segurança colectiva”. A segurança, como tarefa fundamental do Estado, impõe a organização de uma força para servir os interesses vitais da comunidade política, a garantia da estabilidade dos bens, a durabilidade credível das normas e a irrevogabilidade das decisões do poder que respeitem interesses justos e comuns (Guedes Valente, 2005: 90). Desta forma, podemos e devemos considerar a segurança como uma “garantia de exercício seguro e tranquilo de direitos, liberto de ameaças ou agressões” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1993:184). Neste âmbito, cabe ao poder político definir a ordem social que lhe parece mais adequada para a realização dos fins do Estado e estabelecer mecanismos para a correcção de desvios e perturbações da ordem social (Fernandes, 2005: 30). O valor da Segurança alterou-se significativamente “pois passou da protecção dos interesses vitais ameaçados por um inimigo comum, ou seja, de uma segurança previsível, para uma segurança agora orientada para riscos diversos, mais difusos na forma, origem, espaço e actores, onde a imprevisibilidade aumenta as condições para a eclosão de conflitos. A Segurança passou assim a ter interesses além dos vitais, por vezes materializados longe da base territorial dos Estados” (Proença Garcia, 2004: 339). 18 Fonte: https://www.defesa.gov.br/pdn/index.php?page=estado_seguranca_defesa, consultado em 25 de Setembro de 2009. 18 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A segurança interna e externa deve ser encarada como um direito relativo e não absoluto. Para os autores Gomes Canotilho e Vital Moreira a segurança, como direito fundamental, é o garante para que o cidadão possa exercer todos os demais direitos fundamentais de forma tranquila e segura (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1993:184). Segundo Manuel Guedes Valente “a segurança interna não se confunde com a segurança externa, dita defesa externa do Estado, mas que com ela tem fortes laços e, no todo, encontram-se umbilicalmente ligadas à defesa nacional em sentido amplo” (Guedes Valente, 2006: 8). A segurança interna consagrada no art. 272º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e a segurança externa que se encontra consignada no art. 273º da lei fundamental mostram o princípio inequívoco de se separar as duas funções clássicas do Estado, quando definem princípios e objectivos prioritários para cada uma das correspondentes actividades, definindo que a primeira está atribuída especialmente às forças e serviços de segurança, enquanto a segunda cabe predominantemente às forças armadas, cada uma integrada em sistemas orgânicos próprios autónomos, com centros de decisão diferentes. À semelhança do direito à liberdade, o direito à segurança, é garantido pelo Art.º 27º n.º 1 da CRP significando a garantia de exercício seguro e tranquilo dos direitos, desprendido de ameaças ou agressões19. Assim, o direito à segurança constitui o garante do livre exercício dos direitos da pessoa (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1999: 479). O direito à segurança, garantido pelo Art.º 5º da Convenção Europeia de Direitos do Homem (CEDH), além do já referenciado Art.º 27º da CRP, traduz-se no reconhecimento de um direito distinto, facto que, implica uma ampliação do âmbito protegido pelo direito à liberdade pessoal. A expressão “segurança” aparece directamente relacionada com a liberdade física das pessoas e, deve ser entendida no contexto da liberdade, pelo que a segurança da pessoa significa segurança física (Hernández, 2003: 54). Quando há referência ao direito à segurança pelos órgãos do Conselho da Europa20, esta deve ser entendida no contexto da liberdade, aparecendo directamente relacionado com a liberdade física das pessoas. Assim, o direito à segurança protege as 19 20 Cfr. AcTC n.º 479/94. São Órgãos do Concelho da Europa a Comissão e Tribunal dos Direitos do Homem. 19 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” pessoas contra os perigos da mais variada espécie e não só contra a ameaça de detenção ou prisão arbitrárias (Hernández, 2003: 54). A segurança pode ainda significar garantia de exercício seguro e tranquilo dos direitos, desprendido de ameaças ou agressões21. Desde a Constituição de 1822, onde a ideia de segurança pessoal significava “a protecção que o governo deve dar a todos para poderem conservar os seus direitos pessoais” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1999:499), que a segurança representa mais uma garantia de direitos do que um direito autónomo. O actual sentido do texto apresenta duas dimensões, uma dimensão negativa, estritamente associada ao direito à liberdade, traduzindo-se num direito subjectivo à segurança ou direito de defesa perante agressões dos poderes públicos, e uma dimensão positiva, traduzindo-se num direito positivo à protecção através dos poderes públicos contra as agressões ou ameaças de outrem, ou segurança da pessoa, do domicílio, dos bens. Assim, o direito à segurança constitui o garante do livre exercício dos direitos da pessoa (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1999:499). Ao analisar-se legalmente o conceito segurança verificamos que este surge como um direito fundamental dos cidadãos, maxime integrado no catálogo de direitos, liberdades ou garantias, no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)22. No Direito Constitucional Português, o direito fundamental23 à segurança tem um lugar preponderante no Titulo II da parte I intitulado “Direitos, Liberdades e Garantias”24, apesar de colocado no mesmo artigo constitucional do direito à liberdade, concretamente Art.º 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Dos três grupos de direitos ainda mais específicos, o direito à segurança situa-se no grupo de direitos liberdades e garantias pessoais25. Em termos de regime de aplicação, o seu uso 21 Cfr. AcTC n.º 479/94. Cfr. Paula Margarida Santos Veiga, Segurança e Direitos Fundamentais dos Cidadãos, p. 17. 23 Segundo o Professor Doutor Bacelar Gouveia o conceito de direito fundamental tem três elementos: o elemento subjectivo – implicando a subjectivação nas pessoas e não segundo normas organizatórias e objectivas, pessoas essas integradas no Estado-Comunidade, por contraposição ao Estado-poder, que actua através dos seus agentes e titulares de órgãos; Elemento material – retratando uma vantagem, não uma obrigação ou dever, relacionada comum valor ou um bem que se afigura constitucionalmente protegido; elemento formal – ancorando essa posição no Direito Constitucional, com as características de supremacia e rigidez que definitivamente o individualizem no seio da Ordem Jurídica” (Bacelar Gouveia, 2005: 1034). 24 Segundo o Professor Doutor Bacelar Gouveia “…os direitos liberdades e garantias se definem em razão da norma atributiva dos mesmos, enquanto categoria mais restrita do que os direitos fundamentais em geral: são as posições subjectivas constitucionalmente positivadas em normas preceptiveis‖ Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, op. cit., pp.1054. 25 Segundo o Professor Jorge Bacelar Gouveia, os outros dois grupos são grupo de direitos liberdades e garantias de participação política e grupo de direitos liberdades e garantias dos trabalhadores. 22 20 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” não fica dependente da realização de condições económicas e sociais e, salvo excepções pontuais a abordar mais à frente, não ficam dependentes da lei (Bacelar Gouveia, 2007: 5). 2.1. Enquadramento dos conceitos O estudo da segurança interna esteve afastado da preocupação dos estudiosos, sendo na altura analisado por áreas díspares como sendo a do direito, a da sociologia, a da criminologia, a da história ou a das ciências militares. Esta questão deverá ser abordada sobre várias perspectivas académico-científicas, demonstrando que não existe um só conceito ou tipologia, mas sim diversos conceitos ou tipologias de segurança interna, “cujo conteúdo não olvida a teoria do espaço da segurança (nacional, regional, europeu e internacional” (Guedes Valente, 2006: 7). Concomitantemente, a conceptualização do conceito de segurança externa não é tarefa fácil. Para a Direcção-Geral de Política de Defesa Nacional (DGPDN) o conceito apresenta contornos difusos e encontra-se relacionado com os conceitos de segurança colectiva, segurança cooperativa, segurança comum, segurança alargada e segurança humana26. Contudo, a ideia fulcral patente na DGPDN é que é a segurança externa27 contribui decisivamente para a segurança interna de cada Estado (Sequeira, 2004: 60)28. Por tradição, a segurança interna é considerada uma das funções essenciais do Estado, ao lado da segurança externa e protecção civil. A sua actividade, constitui um dos meios para executar os fins do Estado democrático, constituindo também condições que se tornam fundamentais à protecção, bem-estar e desenvolvimento (Dias, 2006: 13). O conceito alargado de segurança29, embora continue a integrar os objectivos mais tradicionais dos Estados, como a defesa do território e da soberania, confere uma atenção especial à filosofia preventiva e mantém uma visão global dos focos de insegurança no quadro internacional e das crises por eles provocadas, na tentativa de evitar formas agravadas de criminalidade. 26 Neste contexto a Segurança Humana está associada à ideia do desarmamento e do controlo de armamento. 27 Obtida quer por níveis de cooperação, entrando num âmbito de segurança colectiva, ou obtida pelos Estados Nação per si. 28 http://www.academianilitar.pt/.../segurança-interna-e-externa-face-as-novas-realidade.html, consultado em 25 de Setembro de 2009. 29 Cfr Resolução do Conselho de Ministros nº 6/2003 de 20 de Janeiro p. 280. 21 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Foi com o tratado de Maastricht, em 1992, que se falou pela primeira vez em política externa e de segurança comum (PESC). Nesta altura, a União Europeia (UE) não possuía instrumentos para poder implementar uma política de segurança e de defesa. As questões de segurança interna estão intimamente relacionadas com o plano internacional, isto é, tem a ver com a participação do Estado num determinado quadro institucional europeu e transatlântico e das bases de cooperação que estabelece com outros Estados, dependendo das relações internacionais que desenvolve com estes e que ultrapassam o território geográfico do próprio Estado (Guedes Valente, 2005: 13). “Neste momento, já não dependemos, exclusivamente, de nós em termos de segurança interna mesmo que localizada, estritamente, no território português” (Guedes Valente, 2005: 19). No campo da segurança interna, o 11 de Setembro trouxe um virar de página, quer no quadro do pensamento, quer no conjunto de reacções que foram adoptadas desde então. O Estado constituiu-se como entidade prestacionista e intervencionista, tendo surgido o princípio de que a segurança interna é um valor essencial da vida democrática, sendo necessária a sua consagração, não só nos instrumentos jurídicos internos, como nos internacionais (DUDH, CEDH, CDFUE). A internacionalização do crime levou pois à internacionalização da segurança. Cada vez mais os fenómenos que podem afectar a Segurança Interna são de natureza internacional ou transnacional. A flexibilidade e a mobilidade dos grupos criminosos altamente organizados, provenientes do exterior, muitas das vezes com uma estrutura organizativa, motivação e direcção que não são fáceis de combater. Nesta nova realidade, as questões relativas à segurança interna deixaram de o ser no seu sentido tradicional. Esta mudança brusca trouxe-nos uma realidade bem diferente aproximando a segurança interna à segurança transnacional (Guedes Valente, 2005: 18). Segundo o mesmo autor, neste momento, em termos de segurança interna já não dependemos exclusivamente de nós ainda que seja considerado, unicamente, o território português. Caminhamos para a afirmação do princípio da cooperação e posterior integração do conceito de segurança interna num quadro europeu. Na União Europeia, a política de segurança interna, contribui para um dos seus maiores desafios, ou seja, “o seu desenvolvimento enquanto espaço de liberdade, 22 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” segurança e justiça”30. A esta foi atribuído o objectivo global de criar condições de segurança e de acesso à justiça, afirmando simultaneamente a livre circulação das pessoas. No domínio da segurança interna, a política da União Europeia teve origem nas liberdades do mercado comum que deram início à criação das Comunidades Europeias. Mais tarde, com a necessidade da livre circulação de pessoas no seio das Comunidades Europeias, foi concretizada, por alguns Estados Membros, a supressão de controlos nas suas fronteiras comuns, surgindo o Espaço Schengen. Como garantia de segurança deste Espaço de circulação, a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen (CAAS) englobou mecanismos compensatórios31 que contribuíram para a segurança interna dos Estados Membros (Sousa, 2005: 103). A este propósito, o próprio Sistema de Informação Schengen, ao permitir o rápido acesso a várias categorias de pessoas ou objectos veio contribuir significativamente para a melhoria das condições estabelecidas. Tal como os sistemas de segurança interna (SSI) de qualquer dos EstadosMembros da União Europeia, o SSI português não pode ignorar os reflexos da integração tanto na sua organização, como no seu funcionamento. A supressão do controlo de pessoas nas fronteiras comuns que a integração implica – embora ―compensada”, traduz-se na partilha dos territórios dos Estados-Membros e na abdicação parcial da decisão respeitante à circulação e permanência, impondo aos Estados-Membros especiais deveres de intercâmbio de informação e de cooperação operacional, a nível das suas forças e serviços de segurança. Para os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, a atribuição à polícia32 da função de garantir a segurança interna tem que ser conjugada com o artigo 273º da CRP que trata da defesa nacional. Estes autores referem que “a atribuição da função segurança interna à polícia visa justamente colocar as Forças Armadas à margem dessa função.” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1993: 955). Jorge Miranda e Rui Medeiros acolhem a abordagem feita por Catarina Sarmento e Castro, quando refere que a segurança interna “abrange um conjunto 30 Art. 2º, 4º travessão do tratado que institui a União Europeia (TUE). A título de exemplo destacamos a obrigação de assistência mútua, intercâmbio de informações através do Gabinete Nacional Sirene e a vigilância ou perseguição transfronteiriça. 32 Cfr com o nº 1 do art.º 272º da CRP. 31 23 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” alargado de matérias33…”, bem como “assuntos relativos à entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, ao asilo e estatuto de refugiados, às armas, explosivos e munições, aos passaportes ou ao recenseamento, à fiscalização, controlo, e acompanhamento de mercadorias sujeitas à acção aduaneira, à preservação da regularidade das actividades marítimas, bem como a actividade relativa à produção de informações destinadas a prevenir a aludida criminalidade” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, 2005: 663) De acordo com a legislação em vigor e em conjugação com a constituição, podemos retirar que a segurança interna se enquadra como necessidade colectiva “cuja satisfação regular e contínua deve ser promovida pela actividade típica dos organismos e indivíduos da Administração Pública, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável, devendo aqueles obter para o efeito os recursos mais adequados e utilizar as formas mais convenientes, quer sobre direcção ou fiscalização dos poder político, quer sobre o controlo dos tribunais” (Freitas do Amaral, 1996: 32). Existem alguns princípios e preceitos legais, consagrados na CRP, que motivam e justificam a lei de segurança interna (LSI). Desde logo, o art. 3º da CRP, refere que o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática, o art. 9º da CRP, compreende como tarefas fundamentais do Estado o dever de garantir o normal exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos, assim como o art. 27º do mesmo diploma, estabelece que o direito de liberdade e segurança a todas os cidadãos. O texto fundamental, no seu art. 272º, consagra também como função essencial do Estado a defesa da legalidade democrática, a garantia da segurança interna e os direitos dos cidadãos, exercida pelas forças e serviços de segurança. Neste contexto, a segurança interna, surge com um sentido de garantia do cumprimento das leis em geral, tendo sempre presente os direitos dos cidadãos para que o quotidiano da colectividade se possa desenvolver num clima de paz social. Com base no enquadramento anteriormente referido, assente nos princípios constitucionais, a segurança interna é definida legalmente como sendo " a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular 33 Entre as quais se encontram a protecção de pessoas e bens, a garantia da tranquilidade pública e a prevenção da criminalidade, nomeadamente a violenta e altamente organizada, como a sabotagem, espionagem ou terrorismo ou luta contra o tráfico de droga, actividades que a autora unifica sob o conceito de “segurança pública”. 24 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática”34. As medidas previstas nesta lei têm por objectivo proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática contra o terrorismo, a criminalidade violenta ou altamente organizada, sabotagem e a espionagem, prevenindo e reagindo a acidentes graves ou catástrofes, defendendo o ambiente mantendo a preservação da saúde pública35. No que diz respeito aos seus princípios fundamentais “actividade de segurança interna pauta-se pela observância dos princípios do Estado de direito democrático, dos direitos, liberdades e garantias e das regras gerais de polícia”36. Deve constituir-se ainda como uma actividade multifacetada e constante “que constitui monopólio do Estado, não podendo por isso, ser confiada a outras entidades públicas descentralizadas (as regiões autónomas e as autarquias locais) – e, muito menos, transferida para entidades privadas.” (Raposo, 2006: 44). Deverá ainda salientar-se que o exercício desta actividade além de ser exclusivo do Estado, poderá ser também exercida em todo o espaço sujeito aos poderes de jurisdição do Estado Português podendo as forças e os serviços de segurança actuar fora desse território em cooperação com organismos e serviços de Estados estrangeiros, ou, com organizações internacionais de que Portugal faça parte37. A actividade da Segurança Interna tem por objectivo manter o normal funcionamento da vida em comunidade e o seu respectivo desenvolvimento, assegurando a paz pública e defendendo a ordem democrática, afirmando uma convivência normal entre cidadãos, em que seja possível o progresso da sociedade em geral protegendo a vida e a integridade física das pessoas. A sua actividade é também uma função que faz parte do núcleo essencial dos poderes de soberania e de autoridade do Estado democrático, que não sendo delegáveis, alienáveis e divisíveis, só podem ser executados de harmonia com os princípios naturais, constitucionais e legais que balizam tais poderes (Dias, 1998: 208). Esta actividade pode abarcar a vida pessoal dos cidadãos, uma vez que, em nome e por causa da convivência colectiva e da coexistência pacífica de todos são, muitas vezes, estabelecidos condicionamentos, restrições ou limitações à liberdade de actuação de cada um. Neste contexto, a lei de segurança Nº1 do art. 1º da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto – aprovou a lei de segurança interna. Nº 3 do art. 1º da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto. 36 N.º1 do artigo 2º da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto. 37 Cfr com o nº 1 e nº 2 do art. 4º da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto. 34 35 25 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” interna determina princípios, limites e medidas que devem ser respeitadas com todo o rigor, sempre na perspectiva de que o Estado é que se encontra ao serviço do cidadão e não o inverso38 (Dias, 2006: 17). Desta forma, a LSI baliza o espaço de actuação dos elementos operacionais sistémicos, Forças e Serviços de Segurança, atribuindo rigorosamente limites à sua actuação39. Em Portugal existem várias forças e serviços de segurança que exercem funções nessa área, nomeadamente, a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Serviço de Informações de Segurança. Exercem também funções de segurança, nos temos legalmente previstos, os órgãos da Autoridade Marítima Nacional e os órgãos do sistema da Autoridade Aeronáutica40. As entidades referidas anteriormente, estão dispersas pela tutela, encontrando-se dependentes do Primeiro-Ministro e de quatro Ministros: o da Administração Interna, o da Justiça, o da Defesa Nacional e o das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Da conjugação do artigo 4º e o n.º 3 do artigo 1º da LSI deduz-se a possibilidade de cooperação com entidades (de defesa) de outros Estados para fazer face às novas ameaças, em virtude de estas serem transnacionais, visando a segurança dos indivíduos e do Estado. A colaboração das Forças Armadas nesta matéria, encontra-se prevista na constituição e na lei, ficando a sua articulação operacional a cargo do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna e do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas41. 2.1.1. O sistema de segurança interna O anterior Sistema de Segurança Interna que vigorou o nosso País foi fundado ainda no quadro da Guerra-fria e da acção das organizações terroristas de inspiração 38 A CRP no seu art. 1º, 24º e 25º consagra como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade da vida e da integridade física e psíquica. 39 A Lei 53/2008 de 29 de Agosto (lei de segurança interna) vem enquadrar uma actividade de extrema importância para o estado de Direito. Existe uma necessidade premente em fazer face à nova criminalidade e às novas ameaças. 40 Art. 25 da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto. 41 Art. 35º da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto. 26 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” ideológica, correspondendo actualmente a uma conjuntura internacional e interna ultrapassada. Foram vários os obstáculos identificados que contribuíram negativamente para o funcionamento do SSI, salientando-se, a deficitária coordenação entre os vários elementos do sistema; a falta de um órgão coordenador que fosse interdisciplinar e que fizesse a ligação entre os vários níveis da Administração e a sociedade civil; a falta de competências do Gabinete Coordenador de Segurança no domínio da ordem pública42; a necessidade de um sistema de informação criminal moderno, essencial à prevenção e repressão da criminalidade promovendo a troca de informações criminais por todos os órgãos de polícia criminal; a carência de uma cultura de partilha de informações e a adopção de formas eficazes de articulação institucional entre os vários serviços envolvidos que evitaria a duplicação de recursos; as disfunções nas estruturas e procedimentos em matéria de segurança, na área da cooperação internacional, dariam uma maior garantia à participação activa de Portugal na construção do espaço europeu de liberdade, segurança e justiça sendo que algumas das iniciativas são verdadeiros contributos para a garantia da segurança mundial. O cenário descrito anteriormente foi constatado pela Comissão Permanente de Schengen, que em Setembro e Outubro de 2003 se deslocou a Portugal com vista a avaliar do cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força da sua integração no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça. No relatório que elaboraram, na parte respeitante à cooperação policial pode ler-se que seria aconselhável rever “a posição, o estatuto e o papel do Gabinete Coordenador de Segurança com vista a reforçar a sua autoridade” e, concretamente, a conferir-lhe, enquanto estrutura de coordenação, “poderes suplementares para que ele não só aconselhe mas disponha também da autoridade para verificar se o seu conselho foi seguido a tempo, quando não para intervir ele próprio”. A estrutura inicialmente edificada não satisfazia os parâmetros traçados pela Comissão Permanente de Schengen. A dispersão e a sobreposição de competências entre Forças e Serviços de Segurança e as diferentes tutelas a que se encontram sujeitos, conduzem a uma utilização ineficiente do SIS e de outros instrumentos de cooperação policial europeus, sentindo-se uma necessidade premente da criação de uma instância de coordenação efectiva. 42 Quando as várias Forças e Serviços têm de actuar em conjunto. 27 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” O Gabinete Nacional Sirene, denominado como órgão central de cooperação policial internacional, ao qual foram atribuídas competências para efeitos da prevenção e da investigação de factos puníveis, perseguição transfronteiriça e prevenção de ameaças para a ordem e a segurança públicas, apesar de se encontrar na tutela do Ministro da Administração Interna, ficou integrado no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Esta localização nunca favoreceu a promoção como um instrumento de polícia comum, de consulta obrigatória, de acordo com o que foi projectado inicialmente. O Gabinete, nunca dispôs de poderes de comando sobre as várias Forças e Serviços de Segurança, que nele se encontram representados, contrariamente às recomendações da Comissão Permanente. A lei43 atribui ao Gabinete Nacional Sirene competência para prevenir e remediar os problemas de coordenação que surjam entre uma indicação a nível do SIS e da Interpol, no entanto, isso não substitui a necessidade de uma cooperação que só a integração de ambos num único órgão central propiciaria. Por último, a existência de dois órgãos centrais de cooperação policial internacional, o Gabinete Nacional SIRENE, por um lado, e a Unidade de Cooperação Internacional44 (UCI) da Polícia Judiciária, é uma opção formalmente desaconselhada pela Comissão Permanente, que refere que Portugal, como qualquer outro Estado Schengen, deveria ter um único órgão central responsável pela cooperação policial internacional e um único ponto de contacto neste domínio. Como resposta às circunstâncias referidas anteriormente, o governo criou a Resolução do Concelho de Ministro n.º 44/2007, de 19 de Março, comprometeu-se a promover a alteração da Lei de Segurança Interna, de modo a desenvolver um Sistema de Segurança Interna que corresponda ao quadro dos riscos típicos do actual ciclo histórico. Assim, procura atender a fenómenos de criminalidade de massa, criminalidade grave e violenta, criminalidade organizada e transnacional, especialmente a dedicada aos tráficos de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, de pessoas e armas, criminalidade económica e financeira (englobando a corrupção, o tráfico de influência e o branqueamento), sabotagem, espionagem e terrorismo. O legislador considerou que não seria suficiente complementar o quadro vigente, tornando-se necessário promover a aprovação de uma nova Lei de Segurança Interna moldada aos tempos actuais, que consagre um conceito estratégico de segurança interna inovador e 43 44 Decreto-lei n.º 292/94 de 16 de Novembro Engloba a Unidade Nacional da EUROPOL e o Gabinete Nacional INTERPOL 28 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” ajustado, assim como um conjunto diversificado de alterações legislativas, abrangendo a Lei de Organização da Investigação Criminal, bem como as Leis de Organização e Funcionamento das Forças e serviços de Segurança45. O conceito estratégico de segurança interna, foi redefinido tendo em consideração as ameaças e riscos do actual ciclo histórico, num âmbito de um conceito de segurança alargado, tendo por base um sistema liderado por um Secretário-Geral46, reconhecendo as interacções necessárias entre os diversos sistemas relevantes para a segurança individual e colectiva47, articulando as entidades competentes na resolução de problemas ou incidentes de segurança48, garantindo a prevenção de catástrofes naturais, a protecção do ambiente e a preservação da saúde pública49, mantendo presente uma vocação fortemente preventiva, impulsionando parcerias50 para enfrentar riscos51 que pendem sobre a sociedade portuguesa. O SSI conta com vários intervenientes, os que têm intervenção na política de segurança interna, os que desempenham funções consultivas e de coordenação e os que por último, executam e seguem as orientações dos primeiros. A política de segurança interna é enquadrada e fiscalizada pela Assembleia da República, dando esta o seu contributo através do exercício da sua competência política, legislativa e financeira. É neste Órgão de Soberania que os partidos da oposição são consultados pelo Governo, no que respeita à orientação geral da política de segurança interna. O relatório anual de segurança interna (RASI) é apresentado pelo Governo e apreciado na Assembleia relativamente à situação do País em matéria de segurança interna52. A condução da política de segurança interna é da competência do Governo, nos termos da Constituição53 e da LSI54. Ao Conselho de Ministros estão atribuídas várias competências, nomeadamente, definir as linhas gerais da política de segurança interna e orientações de execução, 45 Resolução do conselho de Ministros nº 45/2007 de 19 de Março. Dependência directa do Primeiro-Ministro ou por delegação no Ministro da Administração Interna – nº1 do art. 14º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 47 Nº 1 e al. b) do nº2 do art. 17º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 48 De acordo com a sua natureza e âmbito – al. f) do n. 3 do art. 16º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 49 Nº 3 do art. 1º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 50 Al. f) do nº 1 da resolução do conselho de Ministros nº 45/2007 de 19 de Março. 51 Tanto os que resultam da criminalidade em geral, como os naturais, tecnológicos ou outros - al. f) do nº 1 da resolução do conselho de Ministros nº 45/2007 de 19 de Março. 52 Art.º 7º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 53 Art.º 182º da CRP. 54 N.º 1 do art.º 8º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 46 29 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” programar e assegurar os meios destinados para que esta se possa cumprir, aprovar e garantir o regular funcionamento do plano de coordenação, controlo e comando operacional das forças e dos serviços de segurança55 (PCCCOFSS), fixar as regras de classificação e controlo de circulação dos documentos oficiais e de credenciação das pessoas que devem ter acesso aos documentos classificados56. A responsabilidade pela direcção da política de segurança interna está atribuída legalmente57 ao Primeiro-Ministro, competindo-lhe informar o Presidente da República sobre os assuntos respeitantes à condução da política de segurança interna, convocar e presidir às reuniões do Conselho Superior de Segurança Interna, propor ao Conselho de Ministros o plano de coordenação, controlo e comando operacional das forças e dos serviços de segurança, dirigir a actividade interministerial adoptando as medidas adequadas à salvaguarda da segurança interna, coordenar e orientar a acção dos membros do Governo em matéria de segurança interna, nomear e exonerar o Secretário -Geral do Sistema de Segurança Interna58, nomear e exonerar o Secretário-GeralAdjunto do Sistema de Segurança Interna59. Os Órgãos60 que constituem o Sistema da Segurança Interna são o Conselho Superior de Segurança Interna, o Secretário-Geral e o Gabinete Coordenador de Segurança. O Conselho Superior de Segurança Interna61 é o órgão interministerial de audição e consulta em matéria de segurança interna que é presidido pelo PrimeiroMinistro. O Conselho assiste o Primeiro-Ministro no exercício das suas competências em matéria de segurança interna, contribuindo na adopção das providências necessárias em situações de grave ameaça à segurança interna, sendo constituído pelos Vice Primeiros-Ministros62; os Ministros de Estado e da Presidência63; os Ministros da Administração Interna, da Justiça, da Defesa Nacional, das Finanças e das Obras 55 Veio substituir o anterior Plano de Coordenação e Cooperação das Forças e Serviços de Segurança. N.º 2 do art.º 8º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 57 Nº 1 do art.º 9º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 58 Mediante proposta conjunta dos Ministros da Administração Interna e da Justiça, após audição do indigitado em sede de comissão parlamentar – al.ª f) n.º 1 art.º 9º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 59 Mediante proposta conjunta dos Ministros da Administração Interna e da Justiça, ouvido o Secretário Geral - al.ª g) n.º 1 art.º 9º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 60 Art.º 11º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 61 Na qualidade de órgão de consulta, compete ao Conselho emitir parecer sobre a definição das linhas gerais; a delimitação de competências, disciplina, funcionamento e organização das FSS; os projectos de diplomas que abordem competências das FSS; linhas de orientação respeitantes à formação, especialização, actualização e aperfeiçoamento dos efectivos das FSS - art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 62 Caso existam – al. a) do nº 2 do art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 63 Caso existam – al. b) do nº 2 do art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 56 30 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Públicas, Transportes e Comunicações; os Presidentes dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira; os Secretários -Gerais do Sistema de Segurança Interna e do Sistema de Informações da República Portuguesa; o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas; dois deputados designados pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções; o Comandante-geral da Guarda Nacional Republicana, os directores nacionais da Polícia de Segurança Pública, da Polícia Judiciária e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e os directores do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e do Serviço de Informações de Segurança; a Autoridade Marítima Nacional; o responsável pelo Sistema de Autoridade Aeronáutica; o responsável pelo Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro; o director geral dos Serviços Prisionais, os Representantes da República64, o Procurador -Geral da República65, os ministros que tutelem órgãos de polícia criminal de competência específica e outras entidades66. Na dependência directa do Primeiro-Ministro, existe o cargo de SecretárioGeral67 do Sistema de Segurança Interna (SG-SSI) que é equiparado a Secretário de Estado, possuindo competências68 de coordenação, direcção, controlo e comando operacional, sendo coadjuvado por um Secretário-Geral-Adjunto. No âmbito das competências de coordenação69, o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna possui competência para desenvolver medidas, planos ou operações entre as diversas forças e serviços de segurança. Sempre que se torne necessário procede à articulação entre estas e outros serviços ou entidades públicas ou privadas, ou mesmo, à cooperação com os organismos congéneres internacionais ou estrangeiros, de acordo com o Plano de coordenação, controlo e comando operacional das forças e dos serviços 64 Participam nas reuniões do Conselho que tratem de assuntos de interesse para a respectiva Região - nº 3 do art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 65 Pode participar nas reuniões do Conselho a convite do presidente ou por iniciativa própria, sempre que o entenda, sendo informado das datas de realização das reuniões, bem como das respectivas ordens de trabalhos. - nº 4 e 5 do art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 66 Entidades com especiais responsabilidades na prevenção e repressão da criminalidade ou na pesquisa e produção de informações relevantes para a segurança interna, designadamente os dirigentes máximos de outros órgãos de polícia criminal de competência específica - nº 6 do art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 67 Pode funcionar na directa dependência do Ministro da Administração Interna, por delegação do Primeiro–Ministro – nº 1 do art.º 14º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 68 Art.º 15º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 69 Autoridade para coordenar missões ou tarefas específicas de forças ou organizações de diversas origens, com vista a obter convergência de esforços. Confere autoridade para solicitar pareceres e conseguir consensos, mas não para determinar decisões – Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/2007 de 19 de Março. 31 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” de segurança. O Secretário–Geral, através dos respectivos dirigentes máximos, deve articular as forças e dos serviços de segurança para: coordenar a acção destas forças e serviços, garantindo o cumprimento do PCCCOFSS; coordenar acções conjuntas de formação, aperfeiçoamento e treino; reforçar a colaboração entre todas as forças e os serviços de segurança no âmbito das informações; desenvolver internamente os planos de acção e as estratégias do espaço europeu de liberdade, segurança e justiça que impliquem articulação das forças e serviços; garantir a articulação das forças e serviços com o sistema prisional; acautelar a articulação entre as forças e os serviços de segurança e o Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro; estabelecer com o Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa mecanismos de cooperação institucional para partilha de informações70; garantir a coordenação entre as Forças e os Serviços e os Serviços de Emergência Médica, segurança rodoviária e transporte e segurança ambiental71; acautelar a articulação entre o Sistema de Segurança Interna e o planeamento civil de emergência; articular as instituições nacionais com as de âmbito local72; estabelecer ligação com estruturas privadas, incluindo as empresas de segurança privada. Na esfera das suas competências de direcção73, o SG-SSI possui poderes de organização e gestão administrativa, logística e operacional dos serviços, sistemas, meios tecnológicos e outros recursos comuns das forças e dos serviços de segurança, competindo-lhe: facultar às forças e aos serviços de segurança o acesso e a utilização de serviços comuns74; garantir a interoperabilidade entre os sistemas de informação das entidades que fazem parte do Sistema de Segurança Interna e o acesso por todas aos sistemas e aos mecanismos de cooperação policial internacional; coordenar a introdução de sistemas de informação georreferenciada sobre o dispositivo e os meios das forças e dos serviços de segurança e de protecção e socorro e sobre a criminalidade; proceder ao tratamento, consolidação, análise e divulgação integrada das estatísticas da 70 Em observância dos regimes legais do segredo de justiça e do segredo de Estado, e o cumprimento do princípio da disponibilidade no intercâmbio de informações com as estruturas de segurança dos Estados membros da União Europeia - al. c) do nº 3 do art.º 16º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 71 No âmbito da definição e execução de planos de segurança e gestão de crises - al. d) do nº 3 do art.º 16º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 72 Neste âmbito são incluídas as polícias municipais e os conselhos municipais de segurança - al. f) do nº 3 do art.º 16º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 73 Autoridade genérica e global no âmbito do estatuto da força ou organização, envolvendo aspectos operacionais e administrativo-logísticos - Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/2007 de 19 de Março. 74 Designadamente o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal e da Central de Emergências 112. 32 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” criminalidade, participar na realização de inquéritos de vitimação e insegurança e elaborar o RASI; ser o ponto nacional de contacto permanente para situações de alerta e resposta rápidas às ameaças à segurança interna, no âmbito da União Europeia. No que se refere às competências de controlo75, o SG-SSI tem poderes de articulação das forças e dos serviços de segurança no desempenho de missões ou tarefas específicas, que impliquem uma actuação conjunta, de acordo com o PCCCOFSS. No âmbito das competências de controlo compete ao Secretário-Geral, através dos respectivos dirigentes máximos, a articulação das forças e dos serviços de segurança necessários para dar resposta adequada às mais diversas solicitações, entre as quais: ao policiamento de eventos de dimensão ampla ou internacional ou de outras operações planeadas de elevado risco ou ameaça76; à gestão de incidentes táctico-policiais graves77. O exercício das competências de Comando Operacional78 praticadas pelo SGSSI ocorre em situações extraordinárias, determinadas pelo Primeiro-Ministro após comunicação fundamentada ao Presidente da República, de ataques terroristas ou de acidentes graves ou catástrofes. Nestas circunstâncias, em que exista uma necessidade de intervenção conjunta e combinada de diferentes forças e serviços de segurança e, eventualmente, do Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro, o Secretário-Geral assume o comando operacional. Ainda no campo das competências de Comando Operacional, o Secretário -Geral tem poderes de planeamento e atribuição de missões ou tarefas que requeiram a intervenção conjugada de diferentes forças e serviços de segurança e de controlo da respectiva execução, de acordo com o PCCCOFSS. 75 Autoridade para dirigir forças ou organizações no desempenho de missões ou tarefas específicas, pormenorizando a sua execução. As missões em causa são limitadas pela sua natureza, tempo e ou espaço - Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/2007 de 19 de Março. 76 Nestas circunstâncias torna-se necessária determinação conjunta dos Ministros da Administração Interna e da Justiça – al. a) do n.º 2º do art.º 18º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 77 Cfr. Art.º 18 da Lei nº 53/2008 de 29 Agosto (LSI) - Consideram-se incidentes táctico-policiais graves, além dos que venham a ser classificados como tal pelos Ministros da Administração Interna e da Justiça, os que requeiram a intervenção conjunta e combinada de mais de uma força e serviço de segurança e que envolvam: ataques a órgãos de soberania, estabelecimentos hospitalares, prisionais ou de ensino, infra-estruturas destinadas ao abastecimento e satisfação de necessidades vitais da população, meios e vias de comunicação ou meios de transporte colectivo de passageiros e infra-estruturas classificadas como infra-estruturas nacionais críticas; o emprego de armas de fogo em circunstâncias em que se ponha em perigo a vida ou a integridade física de uma pluralidade de pessoas; a utilização de substâncias explosivas, incendiárias, nucleares, radiológicas, biológicas ou químicas; o sequestro ou tomada de reféns. 78 Autoridade para planear e atribuir missões ou tarefas no âmbito do estatuto da força ou organização e controlar a execução. Competência para articular forças para uma missão - Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/2007 de 19 de Março. 33 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” O Gabinete Coordenador de Segurança79 (GCS), órgão especializado de assessoria e consulta para a coordenação técnica e operacional da actividade das forças e dos serviços de segurança, funcionando na directa dependência do Primeiro-Ministro ou, por sua delegação, do Ministro da Administração Interna. O GCS é dirigido pelo SG-SSI sendo constituído por várias entidades, nomeadamente, SG-SSI e do SIRP, O Comandante-Geral da GNR, Directores Nacionais da PSP, da PJ e do SEF, Directores do SIED e do SIS; Autoridade Marítima Nacional (AMN); o responsável pelo Sistema de Autoridade Aeronáutica (SAA); o responsável pelo SIOPS e o Director-Geral dos Serviços Prisionais. Integra ainda o GCS: um secretariado permanente composto por Oficiais de ligação da GNR, PSP, PJ, SEF, SIED, SIS, AMN, SAA, SIOPS e dos Serviços prisionais; o Gabinete SIRENE e uma sala de situação onde se faz o acompanhamento das situações de grave ameaça à segurança interna. A Autoridade Nacional de Segurança e o seu respectivo gabinete, funcionam junto ao GCS. O GCS compete80 assistir em permanência o SG-SSI no exercício das suas competências de coordenação, direcção, controlo e comando operacional e ainda, estudar e propor: políticas públicas de segurança interna; esquemas de cooperação das FSS; aperfeiçoamentos do dispositivo das FSS; condições de emprego do pessoal, das instalações e outros meios, regras de empenhamento e procedimentos a adoptar em situações de grave ameaça à segurança interna; formas de cooperação e coordenação internacional; na área da prevenção da criminalidade, estratégias e planos de acção; dar parecer sobre os projectos de diplomas relacionados com a programação das instalações e equipamentos das FSS; proceder à recolha, análise e divulgação de elementos dos crimes participados ou outros elementos para o RASI. A Unidade de Coordenação Antiterrorismo81 (UCAT) tem por competência, no âmbito do combate ao terrorismo, garantir a coordenação e a partilha de informação entre os serviços que a integram. As entidades que constituem a UCAT são: SG-SSI e do SIRP; O Comandante-Geral da GNR, Directores Nacionais da PSP, da PJ e do SEF, Directores do SIED e do SIS e a AMN. 79 Art.º 21º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. Art.º 22º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 81 Art.º 23º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. A UCAT reúne-se nas instalações da PJ. 80 34 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Finalmente, existem Gabinetes Coordenadores de Segurança82 nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (GCSR) e nos distritos (GCSD), cabendo-lhes exercer competências de aconselhamento nas respectivas áreas geográficas. Os GCSR são presididos por pessoas a nomear pelo SG-SSI, mediante proposta do Presidente, enquanto os GCSD são presididos pelos governadores civis. 2.1.2. A defesa nacional A Defesa Nacional, na sua essência, constitui “uma estratégia integrada que o Estado português põe em prática para garantir a unidade, soberania e independência nacional; o bem-estar e prosperidade da Nação; a unidade do Estado e o normal desenvolvimento das suas tarefas; a liberdade de acção política dos órgãos de soberania e o regular funcionamento das instituições democráticas, no quadro constitucional”83. O conceito de Defesa Nacional requer o empenhamento dos cidadãos, da sociedade e dos poderes públicos, para que consiga manter e reforçar a segurança e criar condições de prevenção e combate a quaisquer ameaças externas, que se oponham de forma directa ou indirecta ao alcance dos objectivos nacionais, integrando simultaneamente as componentes militar e não militar84. A política de defesa nacional integra os princípios, objectivos, orientações e prioridades definidos na Constituição, na lei defesa nacional85, no programa do Governo e no conceito estratégico de defesa nacional86. A constituição da República menciona que é “obrigação do Estado assegurar a defesa nacional”87. A defesa nacional tem por objectivos “garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas”88. Segundo os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, a segurança externa está relacionada com o conceito de defesa nacional, devendo ser entendida 82 Art.º 24º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. Disponível em http:/www.mdn.gov.pt/mdn/pt/dfesa/, consultado em 25 de Setembro de 2009. 84 Idem. 85 Aprovada pela Lei n.º 31-A/2009 de 7 de Julho. 86 Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/2003 de 20 Janeiro. 87 Cfr com o nº 1 do art.º 273 º da CRP. 88 Cfr com o nº 2 do art.º 273 º da CRP. 83 35 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” como a segurança que se encontra orientada, em exclusivo, para a “segurança do país contra ameaças e agressões externas” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1993: 958), não se podendo confundir com segurança interna nem se esgotar no plano da defesa militar, embora esta seja a sua componente principal. Segundo os autores Jorge Miranda e Rui Medeiros, a defesa nacional, “é uma incumbência no âmbito da “tarefa fundamental” do Estado de “garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas e culturais que a promovam”89. Referem também que a defesa nacional, à luz da Constituição, é uma actividade exclusiva e necessária do Estado, apesar deste, no âmbito do direito de legítima defesa colectiva90, a poder assumir em conjunto com outros Estados. Trata-se de uma actividade permanente e plural, embora centrada na defesa militar, sendo dirigida pelos órgãos de soberania democraticamente legitimados, e juridicamente vinculada pelos princípios do Direito internacional, Constituição, convenções internacionais, Tratados de defesa celebrados por Portugal, Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA) e diplomas complementares. O conceito de Defesa Nacional consagrado no art.º 273º da Constituição assume uma natureza material de Segurança, reflectindo-se na actividade global do Estado, na prossecução do desenvolvimento e do bem-estar, não devendo ser confundida com a Defesa militar, sendo esta uma das componentes da Segurança Nacional (Feiteira, 2006: 85). A autora supra citada refere que do texto constitucional se pode extrair que o conceito de Defesa Nacional tem por objecto a protecção de agressões globais contra o próprio Estado, tais como o território, a independência, a ordem constitucional, a segurança das populações, assumindo uma natureza colectiva em detrimento da perspectiva individual, baseada em ameaças de natureza externa. A mesma autora refere ainda que o quadro constitucional actual desvaloriza a utilização formal do termo Segurança Nacional, motivando críticas por parte de alguns especialistas em Segurança91. 89 Cfr com a al. a) do art.º 9 º da CRP. Cfr art.º 51 da Carta das Nações Unidas. 91 Para o General Loureiro dos Santos é “chegada a altura de substituir o termo Defesa Nacional por Segurança Nacional” e atribui um novo sentido à Defesa, como sendo tudo o que se refere à actividade militar (Loureiro dos Santos, 2000: 86). 90 36 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Para Manuel Guedes Valente, a segurança externa, que radica no conceito constitucional de defesa nacional está direccionada para o combate às ameaças e as agressões externas. O autor refere que a garantia da segurança externa é tarefa da defesa nacional, especialmente das Forças Armadas, que se encontram ao serviço da defesa nacional, tendo a seu cargo a componente militar, no entanto, sendo a defesa militar a principal componente da defesa nacional, esta não se esgota naquela (Guedes Valente, 2005: 80). As Forças Armadas não possuem a globalidade das tarefas da defesa nacional e só em situações particulares92 é que actuam no campo da segurança interna. Paralelamente à defesa militar deve ser colocada a defesa civil que tem atribuições de cariz social93 nas quais as Forças Armadas podem e devem colaborar. O nosso quadro constitucional realça a distinção entre Segurança Interna e Defesa Nacional. Esta perspectiva bipartida baseada na origem interna ou externa da ameaça94, parece não estar a corresponder às características das ameaças actuais, encontrando-se cada vez mais esbatida a fronteira entre os dois termos. A Segurança Nacional “…assume uma natureza multidisciplinar, de carácter indivisível, englobando três vértices fundamentais: segurança externa, segurança interna e defesa civil”95. Se consideramos a Segurança Nacional como um objectivo essencial da realização do Estado, a Defesa Nacional traduzir-se-á numa actividade global desenvolvida com o propósito de atingir a concretização desse fim (Feiteira, 2006: 87). 92 As Forças Armadas, em termos de empenhamento operacional na esfera da segurança interna, estão limitadas constitucionalmente, salvo em situações extraordinárias e excepcionais, como seja o estado de sítio e o estado de emergência. No entanto, dentro do novo quadro das ameaças, o Parecer nº 147/2001 da Procuradoria-Geral da República, estipulou a necessidade de se considerar externa a origem da ameaça, para que o empenhamento das FA pudesse ser concretizado. Para uma abordagem mais profunda deste tema ver Paulo Silvério, A Nova Ordem e o Empenhamento de Forças no Estado de Excepção. O caso de Portugal, dissertação de mestrado, FDUNL, 2008. 93 Cfr nº 6 do art.º 275º da CRP onde se podem englobar as missões de protecção civil, satisfação das necessidades básicas (fornecimento de água, mantimentos, roupas, rede de saneamento, pontes, hospital de campanha, etc). 94 Entende-se por ameaça qualquer acontecimento, acção em curso ou previsível que contraria a consecução de um objectivo e que, normalmente, pode causar danos morais ou materiais (Cabral Couto, 1987, 329). 95 Em sentido restrito, Defesa Civil compreende todos os sectores interessados em conferir a uma Nação a capacidade de suportar os efeitos dos ataques sobre objectivos civis e providenciar os abastecimentos indispensáveis para a produção e para a sustentação do esforço militar. Num sentido mais amplo, a ideia de Defesa Civil alcança um finalismo dual e abrange a da protecção civil, sendo integrada por todos os recursos humanos e materiais, não preponderantemente militares que são colocados ao serviço da Defesa Nacional e que se destinam, igualmente, a obviar aos efeitos de catástrofes e outras situações de natureza análoga (Morais, 2000: 70). 37 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Na doutrina estabelecida pelo Instituto de Defesa Nacional (IDN), o conceito material de Segurança Nacional refere que ―é a condição da Nação que se traduz pela permanente garantia da sua sobrevivência em Paz e Liberdade, assegurando a soberania, independência e unidade, a integridade do território, a salvaguarda colectiva das pessoas e bens e dos valores espirituais, o desenvolvimento normal das funções do Estado, a liberdade de acção política dos órgãos de soberania e o pleno funcionamento das instituições democráticas” (Loureiro dos Santos, 2000: 81). Por Defesa Nacional o IDN adoptou o seguinte conceito “é o conjunto de medidas, tanto de carácter militar como político, económico, social e cultural, que, adequadamente coordenadas e integradas, e desenvolvidas global e sectorialmente, permitem reforçar a potencialidade da Nação e minimizar as suas vulnerabilidades, com vista a torná-la apta a enfrentar todos os tipos de ameaça que, directa ou indirectamente, possam pôr em causa a Segurança Nacional” (Loureiro dos Santos, 2000: 81). A LDNFA descreve que “a defesa nacional tem por objectivos garantir a soberania do Estado, a independência nacional e a integridade territorial de Portugal, bem como assegurar a liberdade e a segurança das populações e a protecção dos valores fundamentais da ordem constitucional contra qualquer agressão ou ameaça externas”96. Refere também que “a defesa nacional assegura ainda o cumprimento dos compromissos internacionais do Estado no domínio militar, de acordo com o interesse nacional”97. É também referido no mesmo diploma que a política de defesa nacional integra os princípios, objectivos, orientações e prioridades definidos na CRP, na LDNFA, no programa do Governo e no conceito estratégico de defesa nacional98. Compreende, para além da sua componente militar, as políticas sectoriais do Estado cujo contributo se torna indispensável para a concretização do interesse estratégico de Portugal e para a execução dos objectivos da defesa nacional99. Possui ainda os seus objectivos permanentes, propondo-se assegurar de forma permanece e com carácter nacional os seguintes desígnios100: 96 Cfr com o nº 1 do art.º 1º da Lei nº 31-A/2009 de 7 de Julho. Cfr com o nº 2 do art.º 1º da Lei nº 31-A/2009 de 7 de Julho. 98 Cfr com o nº 1 do art.º 4º da Lei nº 31-A/2009 de 7 de Julho. 99 Cfr com o nº 2 do art.º 4º da Lei nº 31-A/2009 de 7 de Julho. 100 Cfr com o art.º 5º da Lei nº 31-A/2009 de 7 de Julho. 97 38 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” a) A soberania do Estado, a independência nacional, a integridade do território e os valores fundamentais da ordem constitucional; b) A liberdade e a segurança das populações, bem como os seus bens e a protecção do património nacional; c) A liberdade de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das instituições democráticas e a possibilidade de realização das funções e tarefas essenciais do Estado; d) Assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais; e) Contribuir para o desenvolvimento das capacidades morais e materiais da comunidade nacional, de modo a que possa prevenir ou reagir pelos meios adequados a qualquer agressão ou ameaça externas. Ao nível político, no âmbito da Defesa Nacional, as Grandes Opções do Plano101 (GOP) 2005-2009, estabeleceram como principais linhas de acção governativa: i) reforçar a capacidade das Forças Armadas no quadro das missões de apoio à política externa; ii) garantir os recursos necessários à profissionalização das Forças Armadas, à modernização dos equipamentos e à requalificação das infra-estruturas; iii) reformar o modelo de organização da Defesa e das Forças Armadas, através da adopção de uma concepção mais alargada de Segurança e Defesa e da criação de uma efectiva capacidade de actuação conjunta e combinada das Forças Armadas; iv) garantir uma adequada sustentação orçamental através do aprofundamento e adopção de medidas de reestruturação e racionalização. Considerando as orientações referidas anteriormente, foram já concluídas ou estão em curso, diversas medidas e iniciativas que efectivarão os objectivos referidos. Tendo por objectivo dar forma à política externa portuguesa e honrar os compromissos assumidos no quadro dos sistemas de Segurança e Defesa, manteve-se o empenhamento de forças militares nacionais nos teatros de operações da República Democrática do Congo e Líbano e efectivou-se a projecção para o Chade/República Centro Africana, simultaneamente foi mantido o empenhamento nos Balcãs, no 101 http://www.mai.gov.pt/ - Grandes Opções do Plano 2005-2009, consultado em 8 de Setembro de 2009. . 39 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Afeganistão e em diversas missões importantes, embora de dimensão mais reduzida, tal como em Timor ou no Iraque. Foi feito o lançamento do Programa de Apoio às Missões de Paz em África (PAMPA) para redefinição e redimensionamento da Cooperação Técnico-Militar, privilegiando a associação entre Segurança e Desenvolvimento, e foram assinados os Programas-Quadro da Cooperação Técnico-Militar com os PALOP e Timor-Leste. Foram estabelecidas as orientações para a reestruturação da estrutura superior da Defesa Nacional e das Forças Armadas102, contribuindo para a reforma de todo o “edifício” normativo da Defesa Nacional103. Concretizou-se a reforma do ensino superior público militar, com a criação do Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM) e a correcta adaptação ao Processo de Bolonha. A Escola Naval, a Academia Militar e a Academia da Força Aérea, forma alvo de uma nova “arquitectura”, contribuindo para isso a consequente extinção dos Institutos Superiores e das Escolas Politécnicas Militares existentes nos três ramos das Forças Armadas. A Lei de Programação Militar tem vindo a ser executada em bom ritmo, tendo por objectivo a edificação de umas Forças Armadas modernas, eficientes e dotadas dos meios tecnológicos mais avançados. Para 2009, destacam-se a implementação da estrutura superior da Defesa Nacional e das Forças Armadas, como corolário da actualização do modelo organizativo da Defesa Nacional, da modernização das Forças Armadas e da melhoria da capacidade de resposta militar; a concretização da reforma dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas104; a concretização da revisão da Lei de Programação Militar; a revisão dos diplomas legais necessários à concretização da efectiva racionalização dos Efectivos Militares; à prossecução do PAMPA, operacionalizando o Protocolo de Cooperação no Domínio da Defesa, criando Centros de Excelência de Formação de Formadores, na vertente das Operações de Paz e das Operações de Apoio à Paz, e revitalizando o Centro de Análise Estratégica da CPLP, constituindo-o como um instrumento de estudo e análise de questões no domínio da Segurança e Defesa. 102 Cfr Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2008, de 28 de Fevereiro. Foram reformulados vários diplomas entre os quais, Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, Lei Orgânica do MDN, Leis Orgânicas do Estado-Maior-General e dos ramos das Forças Armadas e Leis Orgânicas dos órgãos e serviços integrados no MDN. 104 Estabelecimentos fabris do Arsenal, do Alfeite, Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento e Manutenção Militar. 103 40 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Enquadrando na Constituição da República, na Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas e nos objectivos permanentes da Política Defesa Nacional (PDN), o actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) descreve os objectivos actuais da PDN, assim como os “espaços” onde esses objectivos e interesses devem ser considerados. Tendo em conta o sistema internacional actual e os emergentes desafios, a Estratégia Geral Militar e o novo Conceito Estratégico Militar, harmonizam as missões das Forças Armadas para que a sua acção corresponda ao quadro actual. Do CEDN105 actual, retiram-se os objectivos actuais da PDN, que a seguir se indicam: Reforçar a articulação entre as diversas componentes da PDN; Reforçar a vontade colectiva de segurança e defesa e aumentar as capacidades do país no domínio da defesa; Cooperar na edificação e consolidação da PESD no seio da UE; Colaborar para que a NATO continue a ser a referência da defesa colectiva, essencial à preservação dos laços transatlânticos; Contribuir para a prevenção de crises e conflitos externos, ampliando a presença nacional em todas as organizações que visam o diálogo, a cooperação e a paz num quadro colectivo de segurança e defesa; Garantir, em termos regionais, uma capacidade de actuação estratégica que evite vazios de qualquer natureza, reforçando os mecanismos de segurança e defesa e as capacidades económicas, fomentando a estabilidade, o desenvolvimento sustentado, a coesão e a identidade nacional; Aprofundar e consolidar o actual relacionamento com o mundo lusófono, com uma participação activa no âmbito da CPLP; Alargar o relacionamento com os países do Mediterrâneo, que possuam maior importância para a defesa dos interesses nacionais; Estabelecer áreas de interesse de aquisição da informação estratégica, que permita perspectivar mudanças na conjuntura estratégica internacional, aumentando o potencial estratégico nacional; Prosseguir com a reforma estrutural das Forças Armadas, sendo prioritária a implementação do novo conceito de serviço militar profissionalizado. 105 Cfr com a Resolução de Conselho de Ministros nº 6/2003 de 20 de Janeiro. 41 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Assim sendo, caminha-se para um conceito alargado de segurança que continuando a visar os objectivos tradicionais dos Estados de defesa do território e da soberania, tende a conferir uma maior atenção nas medidas preventivas atendendo ao novo quadro da insegurança internacional e das crises que dele decorrem, evitando o seu desenvolvimento para formas agravadas de conflitualidade106. 2.2. Um novo conceito de segurança interna? As realidades situacionais actuais são, efectivamente, muito diferentes das circunstâncias históricas em que foi produzida a lei de segurança interna de 1987, pois quer ao nível dos conceitos, quer ao nível da actividade inerente à função do Estado existiram alterações significativas em matéria de segurança interna, constatando-se alterações legislativas e doutrinárias que se reflectiram directamente nos domínios relacionados com a segurança. A primeira fase caracteriza-se por uma reconstrução jurídica das Instituições de segurança do Estado, quando foram publicados vários diplomas de enquadramento, explicitando conceitos, princípios e limites constitucionais clarificados com a revisão de 1982, nomeadamente, a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, Lei-quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, Lei sobre o Regime Jurídico do Estado de Sítio e do Estado de Emergência e a Lei de Segurança Interna. Neste contexto, todos os diplomas referidos anteriormente estavam adequados aos cenários da época e reflectiam coerência: o conceito de defesa nacional/segurança externa, apesar de restritivo, estava adequado às agressões ou ameaças externas107; um conceito de segurança interna gerado com base nas ameaças e perigos no interior do País; e um conceito de estado de excepção baseado em agressões efectivas ou eminentes por forças estrangeiras, grave perturbação da ordem constitucional ou grave calamidade pública. Em 1987, surgiu a segunda fase, caracterizando-se pela integração nas Comunidades Europeias. Com este compromisso, Portugal teve que saber ultrapassar esta contradição, uma vez que, por um lado existia o carácter nacional e intergovernamental das políticas de segurança interna e externa, e por outro lado o objectivo da livre circulação de pessoas e mercadorias dentro da comunidade. As 106 107 Cfr com a Resolução de Conselho de Ministros nº 6/2003 de 20 de Janeiro, p. 280. O sistema operacional admitido era praticamente exclusivo das Forças Armadas. 42 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” soluções de âmbito nacional não se encontravam adequadas às novas exigências comunitárias, marcada pela supressão das fronteiras e livre circulação de cidadãos. A prevenção e repressão da criminalidade transnacional108 não se adaptavam ao quadro legislativo em vigor, obrigando a uma reestruturação adaptada à nova realidade. A terceira fase, em 1994, surge com o Tratado de Amesterdão e a globalização da economia e abertura de mercados, que com o desenvolvimento dos meios de transporte e das comunicações abriu caminho a novos tipos de criminalidade, desta vez transnacional e altamente organizada. Neste novo século, tendo por referência os dois graves acontecimentos, o 11 de Setembro e o 11 de Março, que marcaram definitivamente uma nova forma de pensar a segurança interna e externa, verificou-se que os Estados têm que viver com esta realidade criminal que surgiu fora do seu alcance e controlo, obrigando a uma organização dos sistemas de segurança, a maior cooperação entre Estados, quer no seio da União Europeia, quer ao nível da Comunidade Internacional (Dias, 2006: 33). No que concerne à caracterização das ameaças, é cada vez mais difícil de efectuar a separação entre defesa nacional e segurança interna. A mobilidade e a flexibilidade que caracterizam os grupos criminosos organizados, fornecem um cariz transnacional ou internacional a esses mesmos grupos, sendo a sua origem proveniente do exterior dos Estados e afectando significativamente a segurança interna dos países lesados. Presentemente, as ―questões de segurança interna dependem, e muito, do plano internacional, isto é, do fluir das relações internacionais, da participação do Estado português num determinado quadro institucional europeu e transatlântico e das bases de cooperação que constitua com outros” (Guedes Valente, 2005: 13). Tendencialmente, na esfera da segurança interna, caminha-se para a “afirmação do princípio da cooperação e depois posterior integração do conceito de segurança interna num quadro europeu” (Guedes Valente, 2005: 19). Os novos desafios que se impõem à segurança interna da União Europeia constituem, sem dúvida, verdadeiras ameaças à estabilidade do Estado de direito democrático e aos mais elementares direitos fundamentais. “A única forma de fazer frente a estes desafios e ameaças passa pelo reforço dos nossos laços de cooperação. Por outro lado, o aprofundamento das relações externas da União corresponde também a um factor indispensável de desenvolvimento da sua política de segurança. A 108 São exemplos o terrorismo, o tráfico de seres humanos, drogas, armas e explosivos. 43 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” colaboração com os Estados terceiros – em particular com os Estados amigos e aliados - e uma participação mais activa em organizações internacionais é, sem dúvida, do nosso interesse, mas é também do interesse desses Estados e organizações e, atrevo-me a dizê-lo, da comunidade das nações à escala planetária”109. A implementação da nova lei de segurança interna110, tem por objectivo criar uma resposta ao novo quadro de ameaças e aos défices de coordenação111, num prisma de uma visão alargada, onde se situam vários intervenientes relevantes para a segurança interna. A actividade de segurança interna com toda a sua interdisciplinaridade material dos fins prosseguidos, assim como a diversidade institucional dos organismos e serviços que para ela contribuem, revela ser um sistema pesado e complexo para que se possa atingir a optimização do emprego dos meios e a eficácia pretendida (Dias, 2006: 19). Perante tal cenário vislumbram-se duas opções fundamentais para que se possa adaptar o sistema e esta nova realidade emergente: ou uma concentração/fusão de Forças e Serviços de Segurança num só comando ou direcção para todo o território; ou a subordinação das Forças e Serviços a princípios de actuação baseados na cooperação recíproca e a mecanismos comuns de coordenação, conservando a especificidade estatutária, orgânica e institucional de cada Força ou Serviço. Sem dúvida que a opção política adoptada foi a segunda, conforme se pode constatar com as competências atribuídas ao SG-SSI e ao GCS, dois órgãos do SSI que estão centralizados na ideia chave de “coordenação - optimização - cooperação”. A actividade de Segurança interna é interdisciplinar e plurissectorial, existindo vários organismos e serviços que integram o sistema e que lhe servem de suporte. A natureza específica mas complementar da actividade desempenhada por cada uma das forças e serviços de segurança, assim como a crescente interdependência funcional de todas as instituições de segurança do Estado, representam uma mais-valia para todo o SSI, desde que se concretizem as políticas de segurança definidas e existam recursos adequados para o efeito. Tendo presente que a actividade de segurança interna assenta, essencialmente, no domínio das informações, prevenção da criminalidade, manutenção ou reposição da 109 Intervenção do Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, na sessão de abertura da Conferência «Liberdade e Segurança», no Centro Cultural de Belém, no dia 11 de Maio de 2009. 110 Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto. 111 Nos domínios da prevenção, ordem pública, investigação criminal, informação e cooperação internacional. 44 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” ordem pública e investigação criminal, importa explorar cada um dos domínios referidos (Dias, 2002: 21). A actividade de informações de segurança interna engloba o conjunto de acções a desenvolver para se proceder de forma sistemática à pesquisa, centralização, análise, exploração e processamento de dados, notícias e outros elementos, com o objectivo produção e difusão das informações destinadas a garantir a segurança interna. Esta atribuição está a cargo do SIS que deve exercer a sua actividade em estreito relacionamento com as FSS, das quais deverá recebe notícias, informações e outros elementos e aos quais deverá devolver os factos configuráveis como ilícitos criminais e outros elementos com interesse para a prevenção ou repressão da criminalidade. A actividade de prevenção da criminalidade reúne o conjunto de acções a desenvolver pelas FSS com o objectivo de acautelar a ocorrência de factos que atentem contra a vida e a integridade física das pessoas, a paz pública e a ordem democrática. Neste domínio actuam todas as FSS que possuam funções policiais continuando a ser a função primordial das polícias. A actividade de manutenção ou reposição da ordem pública compreende as acções preventivas e repressivas das Forças de Segurança armadas e uniformizadas, com o objectivo de devolver a paz e a tranquilidade pública, indispensáveis ao normal funcionamento de qualquer sociedade democrática. A actividade de investigação criminal compreende um conjunto de acções que têm por finalidade descobrir, recolher, examinar, interpretar e formalizar no inquérito as provas de factos penalmente relevantes e as diligências destinadas a identificar e deter, nos casos legalmente admissíveis, os responsáveis pelos ilícitos praticados, com o objectivo de organizar o processo criminal e submetê-lo às autoridades judiciárias. Após esta breve síntese explicativa destes quatro principais domínios, onde se desenvolve a actividade de segurança interna, facilmente se constata que esta sendo interdisciplinar e plurissectorial é suportada pelo SSI que é composto por diversos organismos e serviços. Neste contexto, importa salientar a importância da interdependência funcional, da coordenação e cooperação institucional das várias FSS. A nova lei de segurança interna veio também trazer um novo conceito, na tentativa de aumentar os níveis de coordenação, prevenção, investigação e aplicação de medidas que dêem solução às novas ameaças. Este conceito, segundo Jorge Carvalho112, 112 Foi nomeado Director do SIED em 01ABR08. 45 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” introduz uma visão alargada, essencialmente numa perspectiva de utilidade instrumental traduzindo-se na substituição do conceito restrito de Forças de Segurança Interna por Comunidade de “actores” relevantes para a Segurança Interna. Ao nível estratégico, as principais linhas de orientação política113 a incrementar assentam no processo do desenvolvimento do Sistema de Segurança Interna, com o intuito de reformar e actualizar a Administração Interna. As iniciativas legislativas adoptadas que mais contribuíram para este desiderato foram: • A reforma das Leis Orgânicas da GNR114 e da PSP115 e a publicação dos respectivos diplomas regulamentares; • A execução da Lei de Programação de Instalações e Equipamentos das Forças de Segurança116, que tem por objectivo a melhoria da capacidade de planificação e renovação dos meios operacionais e instalações das Forças de Segurança; • A eliminação das situações de sobreposição ou de descontinuidade dos dispositivos territoriais117 da GNR e da PSP; • A revisão dos diplomas estatutários das Forças de Segurança, de forma a adequá-los à evolução das necessidades da política de segurança interna, em conjugação com a adequada tutela dos direitos profissionais em presença; • A reforma da legislação respeitante às Policias Municipais, aos Guardasnocturnos e ao exercício da actividade de segurança privada. Tendo com o objectivo projectar a segurança localmente, aumentando o sentimento de confiança das pessoas, incluindo nesse processo os próprios cidadãos beneficiários do “bem” produzido, nascem os contratos locais de segurança. Estes contratos pretendem aproximar os actores da segurança das necessidades das pessoas, numa perspectiva de policiamento de proximidade. Estes contratos celebram parcerias ao nível local e abrangem áreas como a segurança pública, prevenção da criminalidade, segurança rodoviária e protecção civil envolvendo o Gabinete Coordenador de Segurança e os Organismos Locais de Segurança. A segurança interna deixou de ser uma tarefa exclusiva das forças e serviços de segurança ou dos funcionários do Estado e transformou-se numa acção que é necessária 113 Consultar http://www.mai.gov.pt/ - Grandes Opções do Plano 2005-2009, http://www.mai.gov.pt/ , consultado em 8 de Setembro de 2009. 114 Lei n.º 63/2007 de 6 de Novembro. 115 Lei n.º 53/2007 de 31 de Agosto. 116 Lei n.º 61/2007 de 10 de Setembro. 117 Portaria n.º 340-A/2007 de 30 de Março. 46 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” ser desenvolvida por todos os cidadãos, ganhando uma nova dimensão com o alargamento a catástrofes e à saúde pública. 47 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 3. O paradigma democrático da segurança “Antes que possamos pensar nas exigências de segurança para hoje e para amanhã, temos que esquecer as regras de segurança de ontem” (Cooper, 2006: 67) 3.1. Da segurança stricto sensu à segurança humana – várias definições No novo grande dicionário da Língua Portuguesa, podemos constatar que se encontram diferentes definições do termo ―segurança” dependentemente do contexto. Na página 1710 do volume II a segurança é definida como ―acção ou efeito de segurar” ou “afastamento de todo o perigo” ou ainda, “condição do que está seguro” ou também “confiança, tranquilidade de espírito por não haver perigo”. Segundo António José Fernandes, o conceito de segurança possui uma abrangência pluridimensional que engloba o carácter, a natureza e o estado de tranquilidade resultante da ausência de qualquer perigo, ou seja “ o estado de tranquilidade e de confiança mantido por um conjunto de condições materiais, económicas, políticas e sociais, que garante a ausência de qualquer perigo, tanto para a colectividade como para o cidadão individualmente considerado”(Fernandes, 2005: 30). Neste contexto, a segurança colectiva torna-se indispensável para preservar a ordem social estabelecida, enquanto a segurança individual garante a usufruição dos direitos de liberdade. Segurança poderá ser ainda definida como “o estado ou condição que se estabelece num determinado ambiente, através da utilização de medidas adequadas, com vista à sua preservação e à conduta de actividades, no seu interior ou em seu proveito, sem rupturas” (Alves, 1995: 16). A análise ao conceito de segurança pode ser densa e trazer uma amálgama de considerações que se relacionam com o conceito de segurança pública alicerçado num conceito mais amplo de segurança interna (Guedes Valente, 2005: 71). No que respeita ao conceito de segurança interna podem ser referidas várias concepções, nomeadamente: Segurança física – é promovida e percepcionada através do uso de meios ou de recursos humanos e materiais que criam um sentimento de que aqueles são inquebráveis 48 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” e de que se apresentam consentâneos e densificados para proteger e garantir o normal e regular funcionamento da comunidade. Segurança cognitiva – Também designada muitas das vezes por psicológica ou psíquica, que não sendo real, torna-se angariadora ou edificadora de um quadro cognitivo-sensitivo de vivência de segurança por meio de uma acção política. Numa segunda perspectiva, a segurança é vista no plano da insegurança originando um quadro de medo que asfixia os quadros cognitivos e limita a visão e o controlo sobre o que se deve enquadrar num plano de segurança. Segurança histórica – é construída com o decurso normal da vida e quotidiano histórico, sendo marcada por cada decisão jurídico-política ou estratégico-política inerente a uma sociedade em constante desenvolvimento. Segurança jurídica – Num padrão geral, é vista como um instrumento de certeza de legitimidade e de legalidade na intervenção dos operadores do Estado. Num padrão específico, é vista como fundamento e razão de ser de uma base de paz jurídica (Guedes Valente, 2005: 72). Na esfera da segurança interna podemos também fazer a distinção entre a segurança pública e segurança privada, sendo que esta última dentro do domínio privado e estrito, é uma segurança promovida, quer como actividade quer como sensação, podendo ser física ou cognitiva, visando proteger o cidadão individualmente considerado sem afectar o direito de outrem. Este tipo de segurança encaixa-se na acção directa preventiva promovida pelo titular do direito de domínio, para sua fruição ou de outrem. No que se refere à segurança pública, apesar da essência ser a mesma, ou seja, o bem-estar do cidadão inserido numa comunidade organizada democraticamente, materializa-se com a acção de uma força colectiva organizada jurídica e funcionalmente que defende os interesses gerais e os princípios socialmente aceites, com o objectivo de garantir a convivência pacífica de todos os cidadãos, impedindo que haja perturbações no exercício dos direitos alheios (Guedes Valente, 2005: 74). A partir dos anos 90 ocorre a difusão de conceitos tais como “desenvolvimento humano”, “segurança humana”, ―ingerência humanitária” (Brandão, 2004: 34 a 36), passando a dar-se preponderância à pessoa humana no reino tradicionalmente dominado pelos Estados. O debate sobre o novo conceito de segurança é impulsionado pelas questões de identidade e criminalidade transnacional. 49 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Desde então diversas organizações internacionais intergovernamentais e nãogovernamentais e alguns governos têm incluído o conceito de segurança humana nos seus discursos e actuações118. Este último conceito surgiu em 1994, através do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Brandão, 2004: 50) que redefiniu o conceito de segurança e introduziu o conceito de segurança humana. Este é definido como ―symbolized protection from the treat of disease, hunger, unemployment, crime, social conflict, political repression and environmental hazards‖119. Na última década o conceito tem vindo a ser densificado significando hoje ―individual freedom from basic insecurities. Genocide, wide-spread or systematic torture, inhuman and degrading treatment, disappearances, slavery, and crimes against humanity and grave violations of laws of war as defined in the Statute of the International Criminal Court (ICC) are forms of intolerable insecurity that breach human security. Massive violations of the right to food, health and housing may also be considered in this category, although their legal status is less elevated‖120. Kofi Annan121, referiu-se ao conceito de segurança humana por diversas vezes, afirmando que esta era uma questão alargada que envolvia muito mais que a ausência de conflito, e tinha por finalidade a redução da pobreza em prevenção de conflitos, promovendo os direitos humanos, a boa governação e o acesso à educação e à saúde. Noutro documento, Relatório do Milénio,122 Kofi Annan afirmou que a abordagem da segurança deveria estar centrada no indivíduo e que a defesa do território, em relação a um ataque externo, já não devia ser o centro das atenções a nível da 118 De referir os contributos de: Organizações Internacionais (UNDP; International Network for the Promotion of Human Security and Peace, UNESCO; UNHCR; UNIDIR); Governos (Human Security Program e Canadian Consurtium on Human Security, Canada; Human Security Forum, Japão; Human Security Network, que integra Estados – Canada, Japão, Noruega, entre outros – e ONG’s); Organismos Não-Governamentais (Commission on Human Security; Human Security Network; Rockfeller Foundation); Universidades (Institute for Human Security, Fletcher School of Law and Diplomacy; Program on Human Security, Universidade de Harvard; Graduate School of International Studies da Universida de Denver). 119 Programme des Nations Unies pour le Développement. 120 A Human Security Doctrine for Europe, The Barcelona Reporto of the Study Group on Europe´s Security Capabilities , presented to EU High Representative for Common Foreign and Security Policy Javier Solana, Barcelona, 15 September 2004, p.9. 121 Discurso feito no Workshop na Mongólia em 2000. 122 A Declaração do Milénio foi assinada em Setembro de 2000 pelos países membros, onde se acordaram oito objectivos de desenvolvimento específico, para serem cumpridos até 2015. os objectivos acordados foram: Reduzir para metade a pobreza extrema e a fome; Alcançar o ensino primário universal; Promover a igualdade entre os sexos; Reduzir em dois terços a mortalidade infantil; Reduzir em três quartos a mortalidade infantil; Combater a Sida, a malária e outras doenças graves; Garantir a sustentabilidade ambiental; Criar uma parceria mundial para o desenvolvimento. Consultar http//www.un.org/millennium/sg/report/full.html. 50 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” segurança. Num relatório elaborado no decorrer da 55ª Sessão da Assembleia-geral, em 2000, referiu-se ao deslocamento de massivo de civis, o terrorismo internacional, os desastres ambientais, a sida e o tráfico de drogas e armas como principais ameaças à segurança humana. Em 2007, em Lisboa, numa conferência123, e no que concerne ao conceito de segurança humana, destacou a importância da sociedade civil no desenvolvimento humano, referindo que este papel não deve ser exclusivo dos governos. A abordagem da segurança humana tem vindo a contribuir para uma abordagem integradora da problemática segurança, ao afirmar, por um lado, a indivisibilidade da segurança e, por outro, a universalidade dos direitos à vida e a solidariedade entre os indivíduos. Esta questão encontra-se expressa no discurso de Kofi Annan em ―freedom from want‖ e ―freedom from fear‖ e teorizada por Ken Booth, favorecendo a implementação de políticas que incidam, primordialmente, sobre as causas estruturais da insegurança. Cruzando a informação sobre este novo conceito de segurança, conclui-se que o ponto fulcral deste conceito reside na protecção do indivíduo como um todo de todo o tipo de ameaças, ficando para segundo plano a importância das fronteiras dos Estados. Dever-se-á promover o desenvolvimento humano, apostando-se na segurança pessoal, na liberdade individual e no bem-estar. O busílis da segurança deixa de ser o Estado e passa a ser a sociedade. Os pressupostos de centralidade da pessoa humana, universalidade, transnacionalidade e diversidade dos riscos são, efectivamente, abrangidos pela nova abordagem da segurança. O conceito de “segurança humana” é relativamente recente, e hoje é largamente utilizado para descrever a protecção dos indivíduos perante uma vasta panóplia de ameaças, riscos e desafios, que passam pela guerra civil, pelas graves perturbações de ordem pública, subdesenvolvimento, epidemias, práticas de genocídio, fome, deslocação massiva de populações e graves atentados contra os direitos humanos. Embora os defensores e promotores da segurança humana apresentam divergências entre si acerca de que ameaças os indivíduos devem ser protegidos (a concepção restrita centra-se na violência interna exercida pelos próprios governos ou grupos politicamente organizados sobre comunidades e indivíduos, enquanto a abordagem mais ampla 123 Como ex-Secretário-Geral participou numa conferência intitulada “Os grandes desafios da humanidade no Século XXI”. 51 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” considera que também se devem incluir a fome, as doenças e os desastres naturais), o consenso em torno da noção de que o primeiro objectivo é a protecção dos indivíduos e a dignidade humana é suficiente para produzir alterações sensíveis, já que o quadro analítico tradicional que explica e procura evitar as guerras entre Estados ou promover a segurança dos e entre Estados é claramente insuficiente e irrelevante para explicar e prevenir os conflitos violentos dentro dos Estados e proteger os indivíduos de certos atentados ou tragédias. Este novo conceito de segurança, característico do período pós Guerra-fria, provocou uma alteração na relação entre segurança e desenvolvimento. Exige uma adaptação daqueles que eram os tradicionais instrumentos de resposta aos riscos e às ameaças, nomeadamente no âmbito da Segurança e Defesa. 3.2. Liberdade versos segurança: duas áreas complementares ou antinómicas? “Segurança e liberdade são dois direitos fundamentais e interdependentes, dos quais depende uma verdadeira cidadania nacional e europeia”124 Nos Estados democráticos a segurança é um direito fundamental dos cidadãos, constituindo-se como pressuposto da própria liberdade e correspondendo a uma prestação essencial a que o Estado fica obrigado pelo contrato social. Não pode falar-se em direitos, liberdades e garantias, no exercício da cidadania plena ou em desenvolvimento económico-social, esquecendo que o futuro não é viável sem a segurança de cada um dos membros da comunidade.125 O binómio segurança/liberdade readquiriu nova dimensão após os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, e 11 de Março de 2004, em Madrid. Até então defendia-se que quanto maior fosse a segurança menor seria a liberdade e vice-versa, no entanto este fenómeno adquiriu uma perspectiva diferente, 124 125 Intervenção do Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, na sessão de abertura da Conferência «Liberdade e Segurança», no Centro Cultural de Belém, no dia 11 de Maio de 2009. Discurso de Sua Excelência Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, em 7 de Maio de 2008, no Parlamento, aquando da discussão da Lei da Organização da investigação Criminal. 52 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” que na prática poderá passar pela premissa de que “para termos segurança, temos de ter liberdade.”126 A CRP procura estabelecer um equilíbrio entre segurança e liberdade. No passado, a segurança sobrepunha-se à liberdade, mais tarde a segurança era vista como antítese da liberdade, hodiernamente é um facto que não há liberdade sem segurança, ideia claramente expressa na CRP, quando descreve a tríade das funções da polícia: a defesa da legalidade, a garantia da segurança interna e a garantia dos direitos dos cidadãos. Assim, exige-se às polícias que conciliem a segurança e a liberdade, quando procederem a operações de balanceamento e de ponderação entre esses dois valores, aplicando, consequentemente, a proibição do excesso ou a proporcionalidade em aplicação imediata e necessária (Vitalino Canas, 2007: 6). Assim, em cada caso deverse-á fazer uma adequação entre meio e fim. Lidar com a segurança das pessoas afigura-se uma tarefa difícil, uma vez que, toda a acção desenvolvida interfere na liberdade dos cidadãos que por sua vez pretendem viver em segurança e possuir máxima liberdade. Dessa maneira as tarefas da polícia devem procurar maximizar “a protecção da ordem social e a salvaguarda das liberdades individuais, tendo sempre como referência permanente por imperativo constitucional, a busca do equilíbrio dos valores essenciais, tradicionalmente expressos no binómio segurança-liberdade” (Dias, 1998: 204). Ao consideramos a liberdade como direito inato e inalienável, estamos a concebe-la como uma faculdade ou um atributo de qualquer ser humano. A existência humana está marcada pela liberdade que caracteriza os actos humanos, pelo livre arbítrio de cada um poder dispor de si próprio. O Estado enquanto comunidade politicamente organizada, reconhece, tutela e respeita os direitos fundamentais. A liberdade individual é um direito que nos assiste e assenta na dignidade da pessoa humana, no direito à vida, na liberdade de movimento, na segurança, na liberdade religiosa, etc. Na sociedade de risco, o cidadão só se sente livre, se estiver seguro. A segurança pode definir-se como um estado que se alcança quando tudo se encontra protegido, consistindo assim na grande antítese dos medos justificados e injustificados. O direito à segurança consiste ainda num direito natural do ser humano. 126 Cfr. Jornal ―Expresso‖, edição nº 1516, de 17 de Novembro de 2001, entrevista realizada pela Jornalista Luísa Meireles ao então Ministro da administração Interna do XIV Governo. 53 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Os termos segurança e liberdade constituíram-se como binómio indissociável, no momento em que o ser humano entrou na sociedade e abandonou parte dos direitos originários em troca da segurança proporcionada pela vida em comum. A liberdade individual e colectiva é fundamento e limite da segurança, ou seja, a liberdade colocada à disposição do Estado para que este o defenda das agressões dos demais concidadãos, impõe como contrapartida que a segurança nunca a possa aniquilar nem restringir desmesuradamente. Da leitura de várias constituições conclui-se que a liberdade, como fundamento e razão de implementação de medidas legais e práticas policiais, não se exerce sem segurança; no entanto, a segurança só tem valor se existir liberdade, havendo uma lei que diminua ou restrinja somente o necessário o exercício de todos os direitos fundamentais pessoais. A liberdade pessoal precisa de seguridade individual, sob pena da cidadania perder sentido. A denominada sociedade aberta exige a aplicação de estratégias de segurança capazes de promover o sentimento de segurança, sem no entanto ofuscar a liberdade individual, perante a criminalidade que possa existir. O homem moderno vive então dividido entre a busca de seguridade e a necessidade de se evadir da própria comunidade em demanda da liberdade. A acção das Forças e Serviços de Segurança restringem em regra direitos fundamentais dos cidadãos, pois o binómio liberdade – segurança provoca muitas vezes a colisão entre a liberdade do indivíduo e a segurança do Estado. Tal como se pode verificar pela leitura do artigo 27 nº1 do CRP, os direitos à liberdade e à segurança encontram-se aí previstos e são garantidos e assegurados pelo Estado. Da análise do artigo, entende-se que existe uma relação de antinomia e, simultaneamente, de complementaridade ou interdependência entre os dois direitos, não sendo aceitável, em qualquer caso, que um exista sem o outro127. Tal como afirma o General Silva Viegas, “estabelece-se assim, uma fronteira ténue, frágil e subjectiva, entre a legalidade e obrigatoriedade de agir e o crime por ter agido, que impõe em cada caso concreto uma apreciação qualitativa prévia que, por certo, não está ao alcance de todos os nossos Polícias”. Cabe aos agentes conduzir as 127 Cfr. Síntese conclusiva da elocução efectuada pelo Dr. Rui Pereira no Seminário Liberdade, Segurança e Justiça: Valores Fundamentais da Europa, organizado pelo Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI), que decorreu em 27 de Fevereiro de 2007. 54 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” diligências de autoridade, nomeadamente as mais susceptíveis de ferirem os direitos fundamentais e ao mesmo tempo garantir a inviolabilidade desses mesmos direitos. “A operacionalização dos direitos fundamentais, em conciliação com o direito à segurança, torna-se, assim, um exercício complexo; difícil para a máquina judicial e, cada vez mais, arriscado para os Polícias” (Viegas, 1998:23). O agente de autoridade, regra geral, trabalha num ambiente hostil repleto de indefinições. Ao agente caberá prever os modos de actuação, graduados numa escala crescente, empregando a força de forma sequenciada, isto é desde a dissuasão verbal até ao limite máximo – uso da arma de fogo. Inserido numa política de proactividade, o agente de autoridade, que se encontra mais visível perante as populações, vive constantemente exposto a situações imprevisíveis e voláteis, tendo por um lado, e em cima do acontecimento, fazer avaliações, sem qualquer aviso prévio e de seguida executar normas ou decisões cuja proveniência não lhe é próxima, arriscando-se muitas vezes a estar demasiadamente longe ou perto dos impulsos que determinam esses acontecimentos. Para diminuir o risco destas situações, os agentes de autoridade deverão fazer um esforço constante de formação técnica e humana, tendo em conta que muitas vezes o exercício da sua actividade pode pôr em causa a própria liberdade dos cidadãos, verificando-se que “A questão está no equilíbrio que permita a coexistência assumida da liberdade e da autoridade – o excesso de liberdade fere a autoridade, o excesso de autoridade elimina a liberdade” (Viegas, 1998: 24). O equilíbrio invocado anteriormente corresponde às opções que os poderes instituídos vão adoptando a cada momento do desenvolvimento social. São os cidadãos que determinam a parcela de liberdade individual que se dispõem abdicar em troca de um maior nível de segurança. Quando uma sociedade impõe condições restritivas às Polícias, por exemplo, ao nível dos procedimentos de identificação de pessoas na via pública, está a assumir a primazia dos direitos dos cidadãos relativamente às questões de segurança. É um risco assumido, pois como será fácil de entender, a lei, protegendo os cidadãos em geral, favorece mais aqueles que se dispõem a violá-la (Viegas, 1998: 25). O direito à segurança, tarefa primordial do Estado, não pode nem deve socorrerse de meios ou medidas de cariz de Estado de polícia, mas de meios que encontram o seu fundamento e a sua causa de existência nos próprios direito pessoais enraizados na promoção do respeito da dignidade humana. Emerge, assim, a necessidade de implementação e consolidação de um autêntica cultura de segurança, alicerçada numa 55 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” organização flexível e privilegiando-se uma interacção com o meio envolvente. As políticas de segurança devem assentar na mediação de conflitos, como estratégia de inculcação de modelos que promovam a ordem. É necessário então políticas e práticas adequadas aos interesses e necessidades dos cidadãos conciliando-se os desafios da modernidade com os direitos individuais fundamentais, de modo a que possamos atingir a máxima liberdade dentro da necessária segurança, já que a liberdade absoluta é um mito e a segurança total é uma utopia. No entanto, um correcto balanceamento entre liberdade e segurança, garante uma prevenção e uma repressão do crime mais eficazes. Como citou Maria Cândida Almeida quando se referiu a Nuno Severiano Teixeira, ―a Segurança é uma questão de Estado, mas, mais do que isso, é um Bem Público. Sem Segurança não há desenvolvimento económico. Sem Segurança não há Democracia. Porque contrariamente a um pensamento tradicional que defendia que mais segurança era igual a menos Liberdade é claro, hoje, que a segurança é um factor da liberdade. A Segurança é condição de Liberdade como a Liberdade é condição da Democracia” (Almeida, 2005: 177). 56 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” CAPÍTULO II - A SEGURANÇA COMO UM DOS DESÍGNIOS ESSENCIAIS DOS ESTADOS MODERNOS 1. A segurança e o Estado A garantia da segurança é “uma das obrigações do Estado tendo por objectivo a realização das finalidades, tais como, conservação, justiça e bem-estar social” (Fernandes, 2005: 30). A segurança é uma actividade desenvolvida pelo Estado para garantir o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pela legalidade. Assim, “tradicionalmente o conceito de segurança está ligado a um acto ofensivo, ou um acontecimento, que afecta significativamente os objectivos políticos do Estado, em termos que colocam em causa a sua sobrevivência como unidade política (…) a partir da Revolução Francesa, a imagem da segurança como objectivo do Estado, e na prática, como bem colectivo, associou a segurança à própria segurança do Estado” (Montalvão Sarmento, 2006:162). Uma das necessidades humanas foi sempre a segurança, e a emergência de inúmeras estruturas políticas devem-se à necessidade constante de segurança. Por conseguinte, os conceitos de sociedade, segurança e poder estão intimamente relacionados. Diversos filósofos defendem que a segurança não se alcança pela autoprotecção, mas por um poder externo ao próprio ser humano. Daqui deriva o conceito de Estado Monopolizador do poder coercivo (Ferreira de Oliveira, 2006: 53) O conceito de segurança nos últimos três séculos evoluiu consideravelmente, devido ao crescimento do papel do Estado na sociedade. A segurança começou por ser objecto de estudo da filosofia128 e da ciência política, fruto da ideia de que a constituição política da sociedade deve responder à segurança dos homens. Posterior e tradicionalmente a segurança passou a relacionar-se com questões de soberania e integridade territorial do Estado. A partir da década de 60, surgiu uma nova concepção de segurança associada aos fenómenos de transnacionalização, globalização e fragmentação. 128 Os principais filósofos que analisaram esta questão foram Montesquieu, Maquiavel e Hobbes. 57 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” O aparecimento da segurança enquanto direito dos cidadãos e considerado bem público é recente e surge na fase liberal do Estado de direito e alarga-se no período do Estado providência. O Estado passa a assumir o monopólio da violência legítima e “impôs-se por essa via coerciva e mediadora uma diminuição da violência através da institucionalização da administração policial e judicial”, retirando às pessoas o direito de zelarem directamente pela sua segurança. Surgiu o modelo weberiano de Estado moderno, que assenta na “despersonalização das funções, nas regras e nos processos, na especialização e na profissionalização dos agentes e na existência de um sistema de regulação hierárquica”(Quermonne, 1991: 17). O exercício da força é feito pelo poder executivo, como instrumento da política que impõe os seus objectivos e condutas. Surge um Estado-poder que “institui uma força colectiva organizada que é posta ao serviço de interesses gerais e de princípios socialmente aceites” (Caetano, 1996: 145). Como consequência houve uma diminuição considerável da criminalidade ao longo dos séculos devido à criação, por parte do Estado, de uma infinidade de regras que deram origem a uma espécie de auto-controlo. Hoje em dia, o Estado tem-se mostrado incapaz de sozinho impedir a degradação da segurança, pois esta é induzida por factores novos, como sejam a descontextualização das estruturas sociais, o fenómeno da globalização e os reflexos emergentes da vida social características da modernidade. Os cidadãos exigem, por outro lado, aumento da segurança, pondo mesmo em causa o monopólio do Estado. Surge uma mutação do conceito de segurança, provocado pela interdependência dos Estados, globalização e transnacionalismo. Assim, o Estado constituiu-se como garante da segurança da sua população, apoiando-se noutros actores que actuam de forma subsidiária, como seja a segurança privada, assumindo o Estado um papel regulador entre os indivíduos e estes actores. Há que ter em conta que certos actores estatais129 passaram a competir com o Estado pelo monopólio do uso da força, surgindo novos problemas relacionados com a segurança, desafiando mesmo o poder e a soberania do Estado. O Estado, nestas circunstâncias, passa a recorrer ao uso legítimo da força, concebida como um meio ao serviço do interesse geral com objectivo de repor a ordem e a segurança pública nas suas relações internas e a defesa da integridade nacional nas suas relações externas. A 129 Esses actores são infra-nacionais como certos grupos étnicos e secessionistas que exigem a Reconfiguração Territorial e Política do Estado e transnacionais como certos movimentos religiosos, humanitários e certas organizações criminosas. 58 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” coação, sendo uma forma de manifestação do poder, pode afectar a segurança. Estes actores não estatais podem colocar em crise o poder e soberania do Estado, afectando a sua capacidade de atingir os seus fins mínimos. Como consequência o Estado tornou-se, dentro da evolução pós-moderna, numa entidade cada vez menos autónoma não podendo decidir de forma isolada os meios com que pode atingir a segurança. Esta crise nos elementos essenciais do Estado afecta a ideia de fronteira de segurança que já não coincide com fronteira geopolítica, produzindo uma redução do alcance prático da ideia de segurança interna enquanto realidade circunscrita ao interior das fronteiras geopolíticas, pois a própria interiorização pode constituir factor de erro na concepção das políticas públicas de segurança (Ferreira de Oliveira, 2006:144). Qualquer Estado é cada vez menos capaz de sozinho manter a sua segurança, tendo de recorrer a um complexo conjunto de acordos e convenções internacionais, surgindo uma certa dependência interorganizacional e crescente organização entre as diversas organizações. Devido às fontes diversificadas de insegurança, “o Estado terá de adoptar o quadro normativo, as formas de organização e os instrumentos necessários à criação de um verdadeiro continuum de segurança”(Ferreira de Oliveira, 2006:147). No entanto, o Estado ainda continua a ser o único actor capaz de garantir a segurança da sociedade e dos indivíduos, que encontra eco nos esforços desenvolvidos por várias organizações internacionais com objectivo de fazer uma reforma do sector de segurança. O Estado instituiu-se como organização prestacionista e impôs a ideia de que a segurança é um valor essencial à vivência organizada e democrática e que merece ser consagrada em instrumentos internos e internacionais legais como sejam a DUDH, CEDH, CUEDF. O Estado gere o sistema de segurança que é composto por organismos e serviços que se poderão caracterizar pela diversidade institucional, especialização funcional e enquadramento orgânico próprio no aparelho do Estado. Assim, cada uma das forças e serviços de segurança desempenha uma actividade de natureza complementar e uma interdependência funcional com as restantes instituições de segurança do Estado. Assiste-se hoje a uma reconceptualização da segurança que obriga a reconhecer elementos estranhos como elementos presentes nas actuais sociedades, que simbolizam um vasto número de ameaças que não são percepcionadas através de um conceito de segurança centrado no Estado. Os conceitos de Estado e Nação, segundo escolas 59 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” europeias, como é o caso do Instituto de Investigação para a Paz de Copenhaga, apresentam-se desadequados à construção identitária do poder no mundo pós-bipolar. Tem-se, efectivamente, verificado a movimentação do objecto de estudo da segurança do Estado para a sociedade, relacionando-se, hodiernamente, com ameaças em termos identitários (Montalvão Sarmento, 2006:166). No entanto, a segurança debate-se com novos desafios, implicando alterações a nível da compreensão do Estado, pois embora este se mantenha como referência em termos de sistema político, continuando a ser referência da identidade colectiva, tem perdido terreno no que diz respeito à manutenção da sua legitimidade tradicional, vendo a sua autoridade posta em questão por um conjunto de identidades que resultaram da implosão da “identidade nacional”. Assim, “ dada a manifesta incapacidade do Estado-Nação para suprir as expectativas de segurança que lhe serviam de base de legitimação, surgem identidades diferenciadoras. Este motivo obriga o Estado, a ser plural, e a uma des-securitização para tornar possível a pluralidade identitária no seio de um dado território sob um mesmo quadro normativo estabelecido. O que constitui um complexo desafio e paradoxo de segurança” (Montalvão Sarmento, 2006:168). 60 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 2. Um modelo da segurança para o Estado no séc. XXI? O complexo debate em torno da segurança não é novo, mas o impacto da globalização tornaram imperioso a reconceptualização deste conceito. Existem inúmeras propostas que vão “desde a extensão dos sectores da segurança à análise da construção dos conceitos, passando pelo alargamento dos actores da segurança. A nível da prática política tem-se afirmado a tendência para o alargamento do conceito e para nele incluir questões como a degradação ambiental, o crime internacional organizado, a propagação transnacional de doenças, o subdesenvolvimento e os movimentos migratórios internacionais em grande escala” (Brandão, 2004: 37). Assim, surge o alargamento do conceito para lá da dimensão político-militar, sendo que “a dimensão não militar da segurança diz respeito aos aspectos que não envolvam o uso ou ameaça da força física nas relações entre os Estados” (Brandão, 2004: 44). Surge então a necessidade de uma segurança partilhada alcançada através da cooperação de todos, implicando por um lado meios internacionais e por outro meios pacíficos tendo por objectivo “uma ordem internacional mais segura, sem armas nucleares, com baixos níveis de armas convencionais e com deslocação dos recursos para áreas que melhorem a qualidade de vida” (Brandão, 2004: 43). As reflexões realizadas em torno da nova questão da segurança partilham das seguintes características “sinergia, dimensão global, incapacidade de controlo por parte do Estado, dada a escala muito pequena ou muito grande dos problemas, impotência das estruturas de poder; diluição das distinções entre público e privado; (sujeitos a) mudanças imprevisíveis; (causadores de) mudanças turbulentas. Os problemas globais actuais exigem a segurança global da humanidade com vista à sua sobrevivência positiva, a qual depende de um desenvolvimento sustentado” (Brandão, 2004: 45). O novo conceito de segurança está centrado na denominada segurança societal que diz respeito “ à capacidade de a colectividade manter o seu carácter essencial - os seus modelos tradicionais de linguagem, cultura, associação, costume, identidade religiosa e nacional - em contexto de mudança e ante ameaças possíveis ou actuais” (Brandão, 2004: 46). 61 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Houve, indiscutivelmente, uma reconfiguração do quadro internacional, pois aumentaram as ameaças e desterritorializou-se a segurança, sendo necessária a intervenção de inúmeros actores para prevenir conflitos ou gerir as crises. 2.1. O quadro internacional Ao invés das ameaças tradicionais que eram provocadas por adversários bem localizados e politicamente identificados, as novas ameaças têm origem em adversários variados, de difícil identificação e localização dotadas de carácter assimétrico, transnacional e imprevisível. Prever uma actual ameaça pode afigurar-se uma tarefa inatingível quanto à sua forma, local, espaço temporal, intensidade e ritmo de evolução. Segundo Adriano Moreira, o que se manteve foi a imprevisibilidade das ameaças à paz, num contexto de globalização que diluiu as fronteiras que aumentou a tabela das ameaças, desterritorializando a segurança e que não garante a nenhum actor político de decisão a comodidade de poder ser neutro (Adriano Moreira (coord.), 2004: 34). Neste contexto, as tradicionais ameaças não desapareceram, muitas delas transformaram-se concorrendo com as novas ameaças, ganhando especial destaque no plano interno, consequência do crescente aumento populacional das urbes, aumento dos espaços de anonimato transformações sociais e culturais e económicas associadas à criminalidade e insegurança130. A segurança cooperativa tem sido a forma encontrada pelos vários actores internacionais, para optimizar a resposta às novas ameaças, com reflexos na criação e desenvolvimento das OI. A Organização da Nações Unidas (ONU), num quadro de segurança internacional tem assumido um papel cada vez mais interventivo, estando presente em vários pontos do globo com várias acções no domínio das operações humanitárias e de paz. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) tem dado prioridade à defesa dos direitos humanos, à resolução pacífica e prevenção de conflitos, 130 Apresentação proferida por Nelson Lourenço no Seminário Internacional de Segurança Interna e Controlo Externo das Forças e Serviços de Segurança: Reflexões e Experiências da Lusofonia que decorreu em Sintra nos dias 12 e 13 de Dezembro de 2006. 62 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” à gestão política de crises e participação em actividades de manutenção de paz, dando primazia à sua capacidade política no domínio da diplomacia preventiva. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) tem-se adaptado à nova realidade internacional. Com o seu novo conceito estratégico131, a Aliança assume as tradicionais tarefas de defesa colectiva dos membros que a compõem, as operações do artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte e posiciona-se para as novas funções de prevenção e gestão de crises. A NATO tem como uma das principais preocupações a melhoria das capacidades operacionais que lhe permitam cumprir, com eficácia, as missões que lhe estão atribuídas. Ao nível da UE têm sido feitos avanços significativos na componente da segurança e defesa, resultantes das sensíveis modificações da cena internacional. A UE procura articular com a NATO mecanismos que evitem duplicações desnecessárias, mas sim ganhos de eficácia. O Estado, actor central na questão da segurança, vê-se confrontado com um conjunto de actores não estatais que disputam o monopólio da segurança, obrigando a uma redefinição do seu papel, existindo a necessidade e a urgência de reequilibrar a moldura de articulação entre os soberanismos e o internacionalismo. Analisando a questão da segurança no que diz respeito à relação interno – externo, público – privado e Estado – cidadão, verifica-se a necessidade de haver uma resposta multidimensional que associe diversos actores e diversas áreas que integram a actividade do Estado132. No novo modelo de segurança existem conceitos basilares que advieram dos novos desafios impostos pelas transformações que emergiram do novo contexto global. Assim, tornou-se cada vez mais indefinida a fronteira interno – externo, os Estados passaram a pautar a sua actuação por um quadro internacional complexo, caracterizado pela interdependência, a transnacionalização e a desterritorialização das relações internacionais133. Por outro lado, há um alargamento do número de ameaças que passam a englobar novos domínios como o económico, o societal, o político e o ambiental, passando a fazer parte do âmbito da segurança riscos provenientes de potenciais pandemias, do consumo de determinados bens alimentares, da circulação rodoviária, 131 Redefinido na Cimeira de Washington em Abril de 1999. Idem. 133 Idem. 132 63 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” com consequências para a saúde e o bem-estar dos cidadãos, havendo necessidade das organizações internacionais reforçarem a “segurança colectiva”, criando sistemas de informação e redes de peritos e de “pontos de contacto”, fazendo com que a segurança dos Estados dependa, cada vez mais, de tais redes134. A Segurança adopta a designação de segurança humana, assentando esta abordagem nos princípios de centralidade da pessoa humana, universalidade e transnacionalidade, passando a servir-se de instrumentos que se distribuem ao longo de um continuum que varia entre, por exemplo, uma situação de prestação de socorro a vítimas numa situação de catástrofe natural e numa situação de uso de armas de fogo. Assim os instrumentos de segurança passam a distribuir-se entre o Soft power e o hard power. Como consequência, a separação tradicional entre a segurança (security) e a protecção e socorro (safety) transforma-se e torna-se ela própria num continuum135. 2.2. As novas tendências europeias Para Javier Solana, perante os novos desafios do século XXI, a UE tem dois objectivos que pretende alcançar – a prevenção de conflitos e a gestão da crise (Castells e Serra (coord.), 2007: 27). Para que se possa contribuir para o futuro da segurança, prevenindo os conflitos, o primeiro aspecto a considerarmos deverá ser o combate à pobreza, onde os países desenvolvidos e prósperos, através do princípio da inclusividade, apoiam os mais necessitados nas mais variadas áreas, contribuindo para que a Europa seja o maior doador de auxílio ao desenvolvimento do mundo. O segundo aspecto a ter em conta é a problemática dos Estados falhados, especialmente aqueles onde as diferenças étnicas e religiosas possam ser exploradas e exacerbadas, implicando uma resposta proporcional da UE que faça frente a tais problemas. Outra das áreas em que se faz uma aposta séria é no respeito pelos direitos humanos fundamentais, na responsabilidade dos Governos assumir os actos que praticam e no respeito pela lei. A UE representa um excelente exemplo no sucesso de uma estratégia regional de prevenção de conflitos, fundindo-se nos princípios da democracia, no respeito pelos direitos humanos e no império da lei, representando um modelo que pode servir de base a outras organizações regionais. 134 135 Cfr com o Estudo para a reforma do modelo de organização do sistema de segurança interna p. 8. Idem. 64 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A contínua preparação da UE para a adopção de uma Política de Segurança e Defesa Comum, obriga a uma análise constante das prioridades e dos objectivos, no entanto, actualmente existe a consciência de que quando a prevenção e a diplomacia falham, existe a possibilidade do recurso às capacidades militares136. Os meios militares operacionais poderão ser utilizados em manutenção da paz137, com ou sem a participação da NATO (Castells e Serra (coord.), 2007: 30). A prevenção de conflitos está cada vez mais dependente da obtenção de boa informação, para isso, a UE dispõe de uma unidade política e de um sistema de alerta rápido que vigia o desenvolvimento das situações de crise no mundo em tempo real, avaliando possíveis respostas para cada situação. Após os vários desenvolvimentos que se seguiram, só em 2001, com o tratado de Nice, é que foram acordadas a organização e o desenvolvimento dos instrumentos militares da política europeia de segurança e defesa. Segundo o General Perruche138, esta foi a data que fixou alguns limites, nomeadamente no domínio das competências e das capacidades, onde só era permitido a gestão de crises fora do território dos Estadosmembros. Apesar das atribuições referidas anteriormente, e ao contrário da NATO, a UE decidiu, no domínio militar, não se dotar de meios próprios. Como organização intergovernamental, utiliza os meios de segurança e defesa como complemento às suas outras capacidades. A UE apesar de possuir restrições em recursos humanos e materiais para gerir as crises, possui uma especificidade que se traduz numa abordagem global, como refere o General Perruche “não existem soluções puramente militares para crises que são, por natureza, sempre políticas”. Esta forma de actuação assenta fundamentalmente num esquema de gestão global, apoiado com uma vertente económica, política, institucional e de segurança, garantindo a integração de civis e militares. Outra das medidas inovadoras foi o estabelecimento de uma capacidade de informações integrada no seio do Secretariado do Conselho, trabalhando essencialmente em informações de carácter civil, em contrapartida com a análise de informações militares feita pelo Estado-Maior. 136 A UE dispõe de toda uma panóplia de meios para uma efectiva gestão de crises. Foi feito um avanço significativo na “criação de forças militares de manutenção da paz de natureza civil, com capacidade para restaurar a lei e a ordem e reforçar as instituições e os processos democráticos na sequência de uma guerra: uma tarefa vital quando se quer manter uma paz cuja obtenção é habitualmente tão difícil” (Castells e Serra (coord.), 2007: 30). 138 Tenente-General Jean-Paul Perruche, Ex-Director Geral do Estado-Maior Militar da União Europeia in Política Europeia de Segurança e Defesa: presente e o futuro. 137 65 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Esta agregação de informações, fornecida pelos Estados-Membros, origina um quadro de informações completo e integrado. Em 2010 a UE tem o objectivo de criar capacidades de reacção rápida com os conhecidos Battle Group Concept139. A UE ao longo destes últimos anos, tem procurado garantir uma posição visível no âmbito da segurança em várias partes do globo, ganhando o respeito consideração face aos resultados que apresenta. As operações e missões de natureza diversa têm sido o modelo implementado com originado sucesso. Desde operações de natureza militar, passando pelas de “nação quadro”, àquelas com natureza civil mas com conteúdo e capacidades militares, às missões de monitorização, missões de policiamento, missões de reforma do sector de segurança, entre outras, preenchem e justificam a capacidade e flexibilidade que a UE tem demonstrado, adequando e ajustando as operações face aos diversos problemas e necessidades. A política Europeia de Segurança e Defesa tornouse numa realidade concreta, contribuindo para a melhorar a segurança e a estabilidade na cena internacional. Para o General Jean Perruche, o futuro da segurança da UE, em todas as iniciativas que apoia, não passa por fazer concorrência aos compromissos dos EstadosMembros nem a outros actores envolvidos, mas sim o contrário, ou seja, contribuir para que os projectos a concretizar se tornem mais globais, coerentes e eficazes. O reforço da UE fortalece o parceiro da Aliança Atlântica, contribuindo para uma ralação transatlântica mais forte e coesa, garantindo um melhor contributo para concretização dos interesses comuns e para a segurança do globo. As verdadeiras ameaças à estabilidade do Estado de direito democrático e aos mais elementares direitos fundamentais são originadas pelos novos desafios140 que se impõem à segurança interna da União Europeia. A única forma de enfrentar estes desafios e ameaças passa pelo reforço dos nossos laços de cooperação. O aprofundamento das relações externas da União corresponde também a um factor indispensável de desenvolvimento da sua política de segurança. A colaboração com os Estados terceiros – em particular com os Estados amigos e aliados - e uma participação mais activa em organizações internacionais é manifestamente importante, mas é 139 140 Conceito de Agrupamentos de Reacção Rápida. Podem ser lançados num espaço de quinze dias, são substituídos passados seis meses e podem envolver dois agrupamentos tácticos. Intervenção do Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, na sessão de abertura da Conferência «Liberdade e Segurança», no Centro Cultural de Belém, no dia 11 de Maio de 2009. 66 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” também do interesse desses Estados e organizações, ou mesmo, da comunidade das nações à escala planetária. Jorge Carvalho defende que “…mais do que o rigor conceptual na separação das competências entre as Instituições, interessa que todos os agentes da Segurança, em sentido lato, que possam desempenhar um papel relevante em matéria de Segurança Nacional, o façam em obediência aos princípios da complementaridade e, principalmente, subsidiariedade de actuação…”. Segundo o mesmo autor, a tendência dos Estados europeus tem sido a partilha progressiva da sua soberania para com algumas Instituições supranacionais. No entanto, nesta partilha, ao nível policial e de justiça tem-se verificado através de uma maior integração entre os Serviços, já o mesmo não poderá ser dito ao nível dos serviços de informações uma vez que a actividade desenvolvida está ligada ao núcleo duro dos poderes soberanos do Estado. Não obstante, o que anteriormente foi referido, o crescente processo de integração europeia e o desenvolvimento dos conceitos de cidadania e território europeu, aproximam-nos de um futuro conceito de segurança interna da Europa. Garantir a segurança e a liberdade aos mais de 500 milhões de cidadãos europeus, com respeito pela legalidade e pelos valores da liberdade, da segurança e da justiça, são os objectivos complexos mas aliciantes. A UE pelos factores referidos anteriormente é indubitavelmente um actor global, capaz de assumir a sua cota parte de responsabilidade na Segurança Mundial, contribuindo decididamente para uma sociedade mais próspera. 2.3. A estratégia nacional Para Rui Pereira141, o conjunto diversificado de ameaças que não conhecem fronteiras nem limites territoriais, obrigam a uma resposta estratégica que passa por três eixos fundamentais da dimensão externa da política de segurança interna: a cooperação com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a cooperação transatlântica e a cooperação no Espaço Europeu de Liberdade, Segurança e Justiça, em que estamos integrados. 141 Intervenção do Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, na sessão de abertura da Conferência «Liberdade e Segurança», no Centro Cultural de Belém, no dia 11 de Maio de 2009. 67 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A segurança comunitária tem tido um aprofundamento baseado num incremento da troca de informações, com base no princípio da disponibilidade; melhoria da prevenção efectiva e da luta contra o terrorismo, atendendo à ideia de que os Estadosmembros se devem preocupar não apenas com a sua segurança, mas igualmente com a segurança de toda a União; e prevenção das causas que conduzem à radicalização e ao recrutamento para fins terroristas, aumentando a capacidade de resposta e a protecção das infra-estruturas críticas. Segundo o Almirante Vieira Matias, o terrorismo, quer de âmbito nacional ou transnacional, com marcas nas mais diversas partes do mundo, não distinguindo países maioritariamente cristãos ou muçulmanos, demonstraram que a segurança nacional não se consegue, unicamente, com o aumento do poder militar dos Estados ou concretizando alianças. Se ao terrorismo acrescentarmos outras ameaças, como as armas de destruição maciça, guerras civis, conflitos religiosos e tribais, crime organizado, tráfico de pessoas, armas e droga, etc., torna-se evidente o aparecimento de um sentimento de receio de que a Segurança já não pode ser garantida pelos Estados, pelo menos da mesma forma como era garantida anteriormente. A manifestação de forças poderosas não Estatais desrespeitou as fronteiras físicas dos Estados, podendo essas mesmas forças entrarem e permanecerem dentro dos Estados. Neste contexto, e a propósito do 11 de Setembro, o Professor Adriano Moreira refere que “os terroristas constituem um novo poder errático em que eles fixam as fronteiras da sua actuação que podem até passar pelo interior do Estado142” Começaram a surgir zonas de sobreposição, zonas cinzentas, entre a segurança externa e interna, ambas vulneráveis às novas ameaças, onde o poder de intervenção do Estado e das suas organizações fica aquém do desejado. Perante este cenário, existem autores que consideram que a nova ordem externa, passará por uma acção mais coordenada dos Estados, onde cooperam multilateralmente, da mesma forma do que acontece com outras actividades, como o comércio, as finanças as comunicações, onde a transnacionalização das decisões e da colaboração são já uma realidade. Desta forma caminharíamos para uma transnacionalização ou mesmo uma mundialização da segurança. Na ordem interna, um possível modelo adoptado para fazer face aos novos desafios, seria em manter o que for aceitável e adequado do modelo anterior, 142 Citação do Professor Adriano Moreira, no Diário de Notícias, a propósito do 11 de Setembro. 68 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” complementando com a possibilidade do uso de todos os meios e recursos possíveis, independentemente das tutelas a que pertençam. Seria um sistema mais flexível, com um quadro legal reorganizado e adaptado, com possíveis diferentes processos de actuação, baseados na cooperação e na complementaridade usando as várias sinergias em prol da finalidade última. Para o Almirante Vieira Matias, o futuro da segurança interna passa pela adopção dos seguintes princípios: transversalidade da organização da segurança e defesa; totalidade das capacidades do Estado usada em sinergia; tecnologia intensiva actual, permitindo um funcionamento em rede aproximando o patamar político ao da execução. Segundo o mesmo autor, existe necessidade de empenhar estruturas de um conjunto de ministérios, ligando transversalmente as adequadas áreas funcionais do Estado, criando um sistema que responda adequadamente aos vários níveis de ameaça. Será também necessário o empenho da totalidade dos meios de actuação do Estado, devendo existir para o efeito uma estrutura143, ao nível superior, de coordenação e controlo, que gerisse a segurança de forma integrada. Por último, a inclusão no sistema do comando, controlo, comunicações, computadores e a “intelligence” C4I, permitiria o funcionamento em rede e em tempo real de todos os níveis da estrutura (Matias, 2006: 50). Tendencialmente, as Forças Armadas irão desempenhar o seu papel no âmbito da Segurança Interna, assim como a Defesa Nacional será assegurada por outros “actores” que não as Forças Armadas, numa tentativa de racionalização de meios, coordenação e integração de esforços, como defende Jorge Carvalho144. No fundo, o que se pretende que aconteça é que as Forças Armadas actuem, em situações muito concretas, em matéria de Segurança Interna, ao passo que de forma localizada, as Forças e Serviços de Segurança e outras autoridades civis possam colaborar na área da Defesa Nacional. A segurança nacional, enquanto conceito que integra os conceitos de segurança interna e de defesa nacional, exigirá uma maior coordenação e colaboração de todas as entidades, que de forma directa ou indirecta contribuem para o funcionamento do sistema. Uma das actividades com maior importância para o Estado é as informações. A “intelligence”, se usarmos a expressão inglesa, é cada vez mais, uma actividade central 143 Refere a título de exemplo o Sistema Nacional de Gestão de Segurança, como estrutura orgânica do Estado, bem articulada numa aproximação transversal, integrada e harmoniosamente interligada. 144 Intervenção proferida pelo Dr. Jorge Silva Carvalho, Director do SIED, em 28 Maio de 2009, na Faculdade de Letras de Lisboa. 69 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” do Estado que se encontra ligada ao núcleo duro dos poderes soberanos. No contexto actual com a mutabilidade das novas ameaças, onde o funcionamento das mais variadas Instituições do Estado não consegue responder com eficácia, torna-se indispensável uma actividade que actue de forma antecipada e possibilite a implementação de medidas que dêem resposta adequada a este novo quadro, constituindo-se como uma primeira linha de defesa e de segurança. Para Jorge Carvalho, a actividade de informações está intimamente ligada a outras actividades, nomeadamente, a militar, a policial, a de segurança e a de investigação criminal, no entanto, funciona de forma antecipada em relação a todas as outras, traduzindo-se num instrumento que permite intervir num primeiro momento, ou seja, sempre antes da utilização do poder coercivo145. A globalização da segurança internacional, implica o desenvolvimento de uma estratégia ao nível das informações, exigindo simultaneamente uma estreita coordenação entre todos os organismos nacionais competentes nos domínios da segurança e defesa. Motivados pelos novos desafios em termos de segurança, os Estados passaram a descentralizar competências para os poderes locais, surgindo os denominados actores privados que passaram a fornecer segurança, quer aos particulares, quer ao próprio Estado. A densificação do conteúdo da segurança faz-se, assim, segundo quatro vectores essenciais146: - o primeiro vector amplia a segurança a vários domínios que se podem enquadrar desde o uso da força à qualidade de vida; - um segundo, que alarga os actores securitizadores, que podem ir desde o monopólio do Estado aos recentes actores que actuam de forma subsidiária e complementar; - um terceiro vector, que incide e amplia os objectos da segurança contemplando a segurança do Estado e a segurança das pessoas; - um quarto vector, que alarga os instrumentos da segurança podendo desde do hard-power ao soft-power. 145 146 Engloba as Forças de Segurança em sentido estrito, os órgãos de investigação criminal e as Forças Armadas. Cfr com o Estudo para a Reforma do Modelo de Organização do Sistema de Segurança Interna de Nuno Severiano (Coord.). Relatório Preliminar, Instituto Português de Relações Internacionais. 70 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” O novo conceito de segurança, enquanto bem público e direito fundamental, obriga a uma abordagem transversal e implica uma mobilização social que resulta de uma interacção entre múltiplos actores. Para Nuno Severiano Teixeira, o novo quadro da segurança exige uma mudança de paradigma que se enquadra na ideia de governance, ou seja, traduz-se numa multilevel governance em que a segurança é produzida e fornecida em níveis horizontalmente diferenciados, mas verticalmente articulados147. Portugal tem sido objecto de implementação de medidas que se enquadram neste novo conceito, nomeadamente, ao nível da descentralização e territorialização da segurança. A criação de polícias municipais, permitiu ao Estado abandonar o monopólio da segurança e apostar nas contratualizações com os municípios. No quadro da cooperação internacional, Portugal coopera activamente com vários actores europeus nas mais diversas vertentes como a policial, informações e protecção civil, mantendo ligações permanentes com o Sistema de Informações Schengen, Europol, Interpol, etc. A privatização da segurança também foi considerada, tendo as empresas desta área assumido maiores responsabilidades148. A participação dos cidadãos na área da segurança, apesar de ser considerada de elevada importância149, não se tem revelado fácil a sua concretização, tornando-se difícil o envolvimento da sociedade neste sector tão importante. Como resposta às novas ameaças à segurança, o Estado encontra um novo paradigma que se identifica na governance da segurança. O Estado, reconhece que não sendo o único actor neste domínio, continua a ser o principal, devendo assumir as funções de prestador, dinamizador e regulador da segurança150, como defende Nuno Severiano Teixeira. 147 Ao nível local (polícia municipal e polícia local), o nível nacional (polícia nacional) e o nível internacional (EUROPOL e INTERPOL). Ver estudo para a Reforma do Modelo de Organização do Sistema de Segurança Interna de Nuno Severiano (Coord.). Relatório Preliminar, Instituto Português de Relações Internacionais. 148 Em domínios que eram da competência exclusiva dos corpos policiais como por exemplo, no controlo de bagagens e pessoas, no acesso ás áreas internacionais dos aeroportos e na segurança interior dos recintos desportivos. 149 Reforça os mecanismos informais de controlo social e contribui para fortalecer a natureza interdisciplinar das respostas de segurança. 150 O Estado na qualidade de prestador assume o desafio da territorialização e da proximidade, da eficácia e da eficiência. Como dinamizador, enfrenta o desafio da mobilização e da participação dos vários actores na segurança. Na qualidade de regulador, enfrenta o desafio da definição das competências, dos procedimentos e dos limites dos outros actores. 71 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 3. A segurança como condição indispensável do Estado A segurança é efectivamente uma das tarefas fundamentais do Estado, sendo uma aspiração nacional de toda e qualquer comunidade politicamente organizada estando isso explícito na leitura do artigo 9.º, alínea b) da Constituição da República Portuguesa. O desempenho dessas tarefas, atribuídas ao Estado, designadamente a manutenção da ordem e tranquilidade públicas, constitui condição essencial ao bom funcionamento das instituições democráticas, não sendo um objectivo em si mesmo, antes uma condição para se alcançar o exercício regular dos direitos, liberdades e garantias pelo cidadão, no cumprimento escrupuloso da lei, própria de um Estado de Direito Democrático. O Estado constitui-se como a entidade, na organização de uma sociedade, responsável por garantir a segurança, quer das pessoas, quer dos seus bens. É clássico considerar que a existência do Estado se justifica para atingir três grandes fins últimos: bem-estar, justiça e segurança. “Ainda assim são identificáveis nas sociedades modernas os palcos principais onde se desenrolam actividades que afectam a segurança: a economia, o bem-estar da sociedade civil, a ordem pública, a política quer interna quer internacional e o ambiente natural ou construído. Além do Estado, são também actores nestes palcos, promovendo medidas de segurança, ou gerando formas de insegurança, muitas organizações, as famílias, os grupos e indivíduos com condutas desviantes, os órgãos da comunicação social e a natureza”. (Alves 2003:4). A segurança “é uma questão de estado, mas, mais do que isso, é um Bem Público” (Severiano Teixeira, 2002:10). Todavia, a segurança deixou de ser o que era, devido a tudo deixar de ser claro e definido. Se “no plano internacional, a ameaça era concreta, conhecida, exclusivamente militar” e as guerras se travavam apenas entre os Estados, já no “plano interno e sem qualquer relação com o exterior, lutava-se contra a criminalidade”. (Severiano Teixeira, 2002: 9). Assim, a segurança transformou-se num factor preponderante de desenvolvimento e de competição entre países, onde o papel do Estado-nação tem sofrido profundas transformações. Neste contexto, o Estado, foi obrigado a redefinir o seu papel, embora mantenha a centralidade na questão da segurança, pois vê-se confrontado com um conjunto de 72 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” actores não estatais que disputam o monopólio da segurança. Nesta redefinição o Estado pretende produzir uma resposta multidimensional, associando vários actores e integrando várias áreas da sua actividade. Neste contexto, a segurança é um conceito em redefinição, quer quanto à relação interno – externo, à relação público – privado, quer quanto à relação Estado – cidadão. No entanto, o Estado tem vindo a descurar cada vez mais a sua obrigação de garantir a segurança das pessoas e dos seus bens, permitindo, indubitavelmente, a que cada vez mais a segurança seja assumida por entidades privadas, como empresas de segurança, o que leva a uma cada vez maior privatização da segurança. Sendo a segurança uma necessidade colectiva, regulada pela lei, e prosseguida por organismos e indivíduos da Administração Pública, sob a direcção ou fiscalização do poder político, quer sob o controle dos tribunais, o Estado, na prossecução do seu papel, sentiu necessidade de criar um aparelho preventivo - Sistema de Segurança Interna - onde se enquadram os serviços e forças de segurança e um aparelho repressivo - Sistema de Justiça Penal - constituído pelos tribunais e órgãos e serviços do Ministério Público. A Segurança Interna, como tarefa desenvolvida pelo Estado, consiste em ―garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática”. Com este objectivo, foi consagrado na nossa Constituição da República (artigo 27.º) o direito à segurança e o direito à liberdade. Na execução desta tarefa, o Estado recorre às Forças de Segurança, que, por força do n.º 1 do artigo 272.º da CRP, “tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos”, podendo e devendo, para o efeito, recorrer às medidas de polícia previstas na lei, sempre dentro dos limites do estritamente necessário. Institucionalizou-se uma força colectiva, coadjuvada por mecanismos de acção coerciva com o objectivo de dirimir o maior número de conflitos possível, evitando assim a chamada justiça popular ou privada, o surgimento de milícias ou vigilantes. Assim, as Forças de Segurança, no exercício regular destas funções, promovem e garantem a ordem, a segurança e tranquilidade públicas, protegem a vida e a integridade das pessoas bem como os seus bens, assegurando ao mesmo tempo o normal funcionamento das instituições e o respeito pela 73 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” legalidade democrática, contribuindo de igual modo para a efectivação dos direitos e liberdades dos cidadãos assegurando-lhes o bem-estar quer económico quer social e cultural, próprios de uma sociedade organizada. O papel do Estado, em matéria de segurança, é fundamental, pois esta tornou-se num veículo que promove a fruição por parte dos cidadãos dos direitos, liberdades e garantias consagrado nos diplomas legislativos, cabendo aos diversos actores da sociedade, em especial às polícias o papel de o assegurar. 74 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 4. A transferência e a partilha de segurança entre Estados As transformações da sociedade internacional repercutiram-se na forma como o Estado partilha e transfere a sua segurança, pois este deixa de “ser cioso do seu território, guardião da sua soberania e paladino da não ingerência nos assuntos internos” (Rangel, 2009: posfácio). Nas últimas décadas, tem-se assistido à emergência de uma nova realidade no contexto internacional, pois por um lado, um conjunto de estados tradicionais tornaramse débeis, alguns deles entraram mesmo em colapso total ou parcial; por outro lado surgiu um crescimento dos denominados ―exportadores multilaterais de segurança aos mais diversos níveis, estatais e privados, com diferentes enquadramentos e justificações” (Telo, 2008: 14). Esse crescimento deu-se numa escala sem precedentes, começando a ser visto como algo de normal e regular, sendo, em muitos casos, a principal área de acção no campo da defesa de muitos estados da União Europeia151. As mudanças são de tal maneira, que seria impensável que não afectassem os conceitos de Estado e Soberania: de Bodin ao século XXI, da imprensa à Internet, da modernidade à pós-modernidade, da economia mercantilista dos Estados nacionais à economia mundializada incontrolável pelos Estados. A soberania retalhou a Europa em Estados independentes, fazendo assim nascer o direito internacional. Os processos de independência e de descolonização, de seguida, generalizaram o modelo, retalhando toda a superfície do planeta (Huidobro, 2003: 145). Assim, houve inequivocamente uma mudança no sistema internacional em 2008, momento em que se realizou “a transição entre um sistema internacional tendencialmente unipolar - que nunca alcançou a maturidade – para um outro não polar ou apolar (…) Já não caminhamos no sentido do unipolar, e a dificuldade de afirmar lideranças operativas a qualquer nível importante, bem como as tendências indicadas, leva a que não vivamos num sistema multipolar, mas sim num polar” (Telo, 2008: 17). Este sistema polar pode caracterizar-se por ser imprevisível, complexo, e muito mais variado que o anterior, pois tem-se assistido a um aumento exponencial de conflitos que não têm fronteiras, nem conhecem regiões claramente demarcadas. 151 Javier Solana coordenou desde 2003 mais de 20 operações civis e militares em três continentes, envolvendo em 2008 para cima de 10.000 indivíduos e isto sem ser o principal promotor deste tipo de operações (Telo, 2008:15). 75 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A globalização teve um papel fulcral nas mutações que foram surgindo no sistema internacional, tornando as relações transnacionais mais fluidas, sendo difícil saber onde está o centro de decisão152, porque este também deixou de existir na verdadeira acepção da palavra, o que obrigou os Estados a repensar as suas funções. Houve de facto “a deslocação da organização da comunidade política para novos níveis de decisão-revela a União Europeia como resposta dos Estados Europeus a essa sua contemporânea incapacidade organizativa” (Rebelo, 2005: 55). O facto de os Estados passarem a partilhar parcelas da sua soberania, implicou uma perda dos poderes clássicos dos Estados, ou seja, da “competência das competências”, uma vez que outras organizações passaram a possuir a capacidade de emanar leis (em sentido lato). Todavia, não é “necessário que a soberania das competências esteja concentrada num único órgão estatal ou até numa determinada pessoa” (Zipellius, 1997:82). A afirmação de lideranças, e muito menos hegemonias, tornou-se difícil pois registou-se um enfraquecimento do conceito tradicional de soberania dos estados, um alargamento das áreas de insegurança, uma multiplicação de actores não estatais, uma intervenção crescente em cenários críticos de intervenções internacionais e um aumento da conflitualidade e das rivalidades, tendo surgido um conjunto de ameaças diferentes das que existiam no passado, não existindo, neste momento resposta adequada (Telo, 2008: 17). Indubitavelmente são necessárias novas soluções edificadas à escala multilateral e global, pois ―nenhum agente por si, mesmo os EUA, a China ou a União Europeia, tem a escala e a densidade necessária para aplicar uma solução global efectiva de forma isolada” (Telo, 2008: 17). É necessário rever e reforçar os laços entre a comunidade Atlântica, que ainda hoje é a principal zona de estabilidade em termos globais, assente numa parceria ente EUA e União europeia, continuando esta a ser o grande eixo que estrutura uma futura ordem internacional numa escala global. Isto passa pela invenção de novos conceitos para as instituições que materializam a cooperação Atlântica no campo da segurança e defesa, a começar pela NATO, que deverá passar a ser uma organização marcada pela “defesa activa, sem limites territoriais para a sua acção e preocupada em termos 152 Ver, Cristina Montalvão Sarmento, «Novas Arquitecturas Políticas, Redes, Interdependência e Violência», In Adriano Moreira (Coord), A Globalização da Sociedade Civil, Lisboa, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 2004. 76 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” globais com a manutenção de um sistema de valores universais e a consolidação do quadro geral de segurança dos estados membros” (Telo, 2008: 18). Os Estados que pertencem à União Europeia têm vindo a perder parte do seu poder, pois perderam a capacidade exclusiva de emanar leis, uma das mais fortes e simbólicas manifestações de soberania. Assim, este processo de interacção implica diminuição do conteúdo clássico da soberania dos Estados membros (Melo, 1999:24). No entanto é difícil conciliar a questão de não perder ou ceder parcelas de soberania, e querer continuar a fazer parte activa do processo de integração europeu. Há então necessidade de compreender as mutações do sistema internacional, para entenderse a evolução e readaptação aos tempos. Hoje em dia surge a modificação do paradigma de Estado e assiste-se “a transferências de competências soberanas para modelos de soberanias cooperativas, participadas, ou até hierarquizadas, é de regra inevitável sem modelo final padronizado”153 (Santos, 2005: 10). Como os Estados passaram a integrar nos seus ornamentos nacionais, normas de direito internacional, passaram a estar vinculados a normas e princípios exteriores ao seu direito interno, passando a partilhar parcelas da sua soberania, devido à integração em organizações internacionais (Sá, 1997: 142-191), e, segundo Zippelius com a intensificação dos laços e interdependências internacionais diminui, porém, a flexibilidade de os Estados, se agruparem “de forma soberana”, dentro da comunidade das nações, consoante a “mudança de exigências de política mundial”, e “de acordo com os princípios flexíveis no sentido da formação de constelações de equilíbrio sempre diferentes” (Erler, 1995:39). Esta desmobilização do arrangement internacional restringe sobretudo a margem de acção dos Estados que integram um dos grandes sistemas de aliança. (Zippelius, 1997: 86). A soberania e o Estado-nação “pedras-de-toque do sistema vestefálio154 têm de facto perdido terreno, sendo atacados enquanto princípio, porque o que se passa no interior dos Estados importa muito a outros membros do sistema internacional” (Fukuyama, 2006: 101). 153 154 Adriano Moreira, In (―Prefácio‖) (Santos, 2005: 10). O sistema referido resultou do Tratado de Paz de Vestefália, assinado, em 24 de Outubro de 1648, para pôr fim à que ficaria conhecida como Guerra dos Trinta anos. Os participantes, França e Suécia, por um lado, e Espanha e o Sacro Império Romano, por outro, aceitaram reconhecer a soberania e independência de cada um dos Estados do Sacro Império, dessa forma retirando o poder efectivo ao imperador e abrindo caminho a uma nova ordem internacional que tinha a França como principal potência europeia. 77 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” No entanto, é indubitável que só os Estados são capazes de congregar e exercer de forma adequada o poder legítimo. Esse poder é necessário para impor uma supremacia do direito a nível interno, e é necessário a nível internacional para preservar a ordem mundial. (…) “Não temos alternativa senão regressar ao Estado-nação soberano e tentar compreender uma vez mais como torná-lo forte e eficaz” (Fukuyama, 2006: 128), pois os Estados “são e continuarão a ser durante longos anos os mais importantes actores do sistema internacional e, em grande medida, o consentimento dos Estados para o desenvolvimento de normas internacionais continua a ser uma condição sine qua non. Actores não estatais têm vindo a ganhar importância no palco internacional, nomeadamente organizações intergovernamentais, não governamentais, empresas transnacionais e indivíduos” Como consequência temos hoje uma sociedade “qualitativamente diferente” da que existia há cinquenta anos. (Cravinho, 2006: 42). Paulo Rangel afirma que “a nova coisa política caracteriza-se pela pluralidade, heterogeneidade e alta diferenciação dos actores políticos, com um nítido e acentuado enfraquecimento -uma relativização- dos poderes estaduais”. O mesmo autor salienta a ideia da ausência do Estado como “depositário monopolista da autoridade política”. Esta concepção já não existe, tendo-se regressado “ao inspirado conceito de Cassesse155, a sociedade internacional “estatocêntrica”” (Rangel, 2009: posfácio). O autor supra citado afirma que surgiu uma ordem política “pautada pela fragmentação do poder, pela sua descolagem do Estado e por uma desvinculação da base territorial (…) Agora, um pouco à semelhança do que sucedia no mundo medieval, não subsiste um poder hegemónico, que, por si só, seja capaz de instaurar uma regra, um princípio, uma ordem” (Rangel, 2009: posfácio). Efectivamente o Estado na sua acepção clássica e integrando os elementos em que tradicionalmente é decomposto- território, povo/nação e poder político- está em crise,156 estando ―No âmago da crise do Estado-nação o renascimento dos Para Sabino Cassese, ―a crise no Estado-nação surgiu primeiro, aquando do aparecimento de organismos poderosos, como os sindicatos e os grupos industriais, colocando-se, então, em causa a soberania interna do Estado; continuou, depois, em crise o Estado devido ao desenvolvimento de organizações de direito internacional público, como a Sociedade das Nações – hoje ONU – ou as instituições de acepção, mais recentes; esta crise traduz e inadequação das entidades estaduais para dar resposta às exigências das novas formas de cidadania e da sociedade em geral‖ (Rebelo, 2005: 23). 156 Ver, Marta Rebelo, Constituição e Legitimidade Social da União Europeia, Almedina, Coimbra, 2005, p.23 e ainda, Reinhold Zippelius, 3.ª ed., Teoria Geral do Estado, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997. Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Tomo I, Almedina, Coimbra, 1996. 155 78 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” nacionalismos, das antigas querelas étnicas e a consequente explosão do terrorismo” (Pereira, 2003: 25). No entanto, segundo alguns estudiosos “terá havido um exagero na desvalorização do Estado enquanto entidade relativamente unificadora do exercício do poder e sobretudo como destinatário principal de pressões e movimentos sociais” (Sá, 1997: 174). Há a necessidade de se fazer um “regresso ao Estado”, como de resto a um regresso à nação. Existe, efectivamente um “aparelho”, ao qual se associam diversos órgãos, que dispõe do monopólio da tomada de decisões finais, do “monopólio da força legítima”157, que se constitui como elemento estratégico de dominação social (Sá, 1997: 174). Neste contexto, o Estado, embora mantendo a centralidade na questão da segurança, vê-se confrontado com um conjunto de actores não estatais que disputam o monopólio da segurança, obrigando a uma redefinição do seu papel. Nesta redefinição o Estado recorre a vários instrumentos de forma a produzir uma resposta multidimensional, associando vários actores e integrando várias áreas da sua actividade. Neste contexto, a segurança é um conceito em redefinição, quer quanto à relação interno – externo, à relação público – privado, quer quanto à relação Estado – cidadão. Nos últimos anos tem-se verificado que a comunidade internacional passou a valorizar um aspecto particular do direito internacional, denominado de direito de ingerência que vem alterar o conceito clássico do direito internacional no que diz respeito ao alcance e extensão do princípio de soberania dos Estados e do princípio de não ingerência nos assuntos internos dos Estados. Assim, o objectivo é garantir a segurança de pessoas e bens, surgindo neste contexto as missões de consolidação de paz, como sendo ―uma forma polida de se descrever o conceito do século XIX de ―guerra justa‖ consagrada por Santo Agostinho e desenvolvida nos séculos seguintes por São Tomás de Aquino, o teólogo espanhol Francisco de Vitória e o jurista Hugo Grotius‖ (Cordesman, 1999: 25). Durante o período que foi desde a queda do muro de Berlim, em 1989, e o 11 de Setembro, em 2001, as crises internacionais que surgiram estiveram directamente relacionadas com os “Estados fracos ou falhados (…) Estes incluíram Timor-Leste” (Fukuyama, 2006: 102). A estes esteve sempre associado “uma questão humanitária ou 157 Conceito celebrizado por Max Weber. 79 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” de direitos humanos, (que) assumiu de súbito uma dimensão essencial de segurança” (Fukuyama, 2006: 103). Verificou-se então que, neste momento, o perigo é universal, havendo necessidade de a sociedade civil internacional ser co-responsabilizada pela salvaguarda humanitária dos Estados, isto é, há então uma Ordem Pública Internacional com deveres na salvaguarda dos limites mínimos humanitários (Coelho, 2004: 105-109). A Ordem Jurídica Internacional tem obrigação de “prosseguir o desenvolvimento dos povos (…) constitui um dos corolários essenciais da inoculação no Direito Internacional do conceito de solidariedade entre estados e povos e exprime um dos elementos nucleares do novo e moderno direito internacional da solidariedade” (Pereira e Quadros, 2000: 663). A questão do consentimento por parte dos Estados, deixou de ter grande importância, relevando-se para primeiro plano, interesses superiores relacionados com razões humanitárias, defesa dos direitos do homem, segurança e paz internacionais. A cooperação e as instituições multilaterais tornaram-se fundamentais, e em termos políticos passou a valorizar-se a transferência e partilha de segurança entre Estados pois “(…)cooperative security suggests na institution centred approach in wich national interests are replaced by collective interests states, dependo n cooperation with ther states to meet security needs(…)” (Mckenzie, 1998: 2). Neste contexto assumem um papel primordial as organizações internacionais que desenvolvem missões de apoio à paz de forma a promover a segurança dos Estados. 80 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 5. O Actor Principal: Novos Actores A integração comunitária e a vinculação internacional dos Estados obrigou a um reexame do conceito de soberania, surgindo a ideia de que o processo de decisão política foi alterado radicalmente, pois passou a ser ―desterritorializado‖, pois são cada vez mais as questões que os Estados têm que decidir fora das suas fronteiras, participando em diferentes órgãos de estruturas internacionais ou de integração (Sá, 1997: 175), destacando-se “os fossos escavados entre os Estados e diversos dos novos actores internacionais e entre antigas e mais recentes formas de poder, tudo inovações que no concreto redundam em conjunturas de tensão entre velhas alianças e coligações tradicionais e as novas, mais pragmáticas, que defrontam” (Marques Guedes, 2005: 44). A propósito do protagonismo dos cenários políticos externos, em termos da lógica dos Estados, Armando Marques Guedes afirma “a bipolarização dos cenários políticos internos como externos acentuou paradoxalmente a imagem do protagonismo destes últimos (ou, em todo caso, de dois deles, as “superpotências”) num sistema internacional cada vez mais complexo e mais interdependente” (Marques Guedes, 2005: 77). Há então necessidade, de se deixar de considerar os Estados soberanos ―como os únicos “verdadeiros” protagonistas de um sistema internacional em que muitos novos actores (…) têm vindo a contracenar” (Marques Guedes, 2005: 77). Assiste-se, hodiernamente, à necessidade de uma “emergência rápida de uma nova configuração do sistema internacional em lugar da aritmética de um mero somatório de Estados ou da geometria de uma coagulação em “blocos civilizacionais”” (Marques Guedes, 2005: 78), sendo pois necessária ―uma comunidade internacional cada vez mais constragente, com a qual por pressões políticas globalizantes inexoráveis, todos estamos obrigados a cooperar” ” (Marques Guedes, 2005: 78). A União Europeia é segundo o autor supra citado “uma forma nova de governação internacional em que, voluntariamente, os Estados-membros abdicaram de uma parte da sua soberania” (Marques Guedes, 2005:48). Justifica-se, deste modo, a intervenção das Nações Unidas em Timor-Leste por uma força internacional liderada 81 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” por australianos. Assim, ―só a pressão política (eleitoral e outras) de uma opinião pública, moralmente indignada e mobilizada por meios de informação cada vez mais globais, permite compreender o que os modelos tradicionais do interesse nacional dos Estados não podem deixar inexplicado: a nitidez da resposta. E apenas esse efeito de globalização ética, quereria alegar, torna inteligíveis factos e acontecimentos colectivos que nos poderiam deixar perplexos, como a velocidade (inédita) das decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas” (Marques Guedes, 2005:54). Com o objectivo de os Estados melhorarem a sua Segurança, Progresso e Bemestar, surge a intervenção da Organização Internacional, estando esta ao serviço de interesses superiores aos dos estados-membros. A existência desta Organização implica a presença de uma estrutura orgânica e de condições materiais, bem como princípios jurídicos distintos das vontades jurídicas dos Estados, que advêm do facto de ser criada por um instrumento de Direito internacional, normalmente tratado de acordo com as regras constantes na convenção de Viena (Nogueira, 2005:35). Após a segunda guerra mundial surgem diversos factores que levam à criação de diversas organizações internacionais de cooperação que se destinam a coordenar e promover a cooperação entre Estados. Segundo António José Fernandes poder-se-á definir OI como sendo “uma associação de Estados, estabelecida por um acordo entre os seus membros e dotada de um aparelho permanente de órgãos, encarregados de prosseguir a realização de objectivos de interesse comum por uma cooperação entre eles” (Nogueira, 2005:35). Este tipo de Organizações158 que não têm população, nem território, mas que, indubitavelmente, exerce uma certa influência sobre a soberania dos Estados Membros nos limites previstos na carta constitutiva, como é o caso da União Europeia. As OI têm personalidade jurídica internacional, tendo vontade jurídica própria, distinta dos seus Estados-membros, tendo por norma as seguintes competências: Jus Tractum que consiste na capacidade de celebrar tratados; solução de conflitos 158 Como características principais das Organizações Internacionais destacam-se as seguintes: base interestadual (entre Estados), base voluntarista (só são seus membros os Estados que exprimam a vontade de a elas pertencer); órgãos permanentes (normalmente dois órgãos deliberativos, compostos por representantes dos Estados - Assembleia Geral e conselho, um órgão executivo, constituído por funcionários internacionais que não estão dependentes dos Estados membros-Secretariado- e um órgão jurisdicional privativo); autonomia (vontade própria, que lhe permite actuar, no plano internacional, de forma distinta da actuação dos Estados-membros); função de Cooperação (ou de integração, no caso das organizações supranacionais que levam os Estados membros a alienar, voluntariamente, parte da sua soberania em favor da sua organização) (Nogueira, 2005:37). 82 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” interestaduais; competência legislativa ou regulamentar; competência financeira; competência de gestão (Nogueira, 2005:37). De acordo com a natureza do seu objectivo, contexto geográfico e estrutura jurídica pode proceder-se à classificação das OI159, destacando-se as de Segurança e Defesa Colectiva (caso da NATO, que tem garantido a paz na Europa desde 1949). Os valores160 das organizações são importantes como referência dos seus membros. Neste universo teórico tendencialmente unificado as OIs, entendidas como “acções colectivas e cooperativas dos Estados para lidar com ameaças e problemas comuns”, são estruturas multilaterais institucionalizadas que produzem bens públicos internacionais. Os resultados empíricos sobre o modus operandi destes processos cooperativos realçam as múltiplas vantagens que os Estados obtêm por se associarem a estas estruturas, dotadas de personalidade jurídica internacional, órgãos permanentes e papéis funcionais definidos (Saraiva, 2008: 7). Neste sentido, está razoavelmente consolidada a ideia de que as OIs têm um efeito independente nos padrões de comportamento dos Estados participantes161. Assistimos à centralização de poderes a nível interno por parte do Estado que indicia que este está a compensar o poder perdido para outras organizações externas. Temos, segundo Joaquín Garcia Huidoro, um Estado demasiadamente grande para satisfazer as necessidades mais humanas (…) ao mesmo tempo a escala internacional de muitos 159Apesar de faltarem instituições fortes e regras claras para regular conflitos de interesses e de identidades, proliferam instituições internacionais, regimes, instrumentos jurídicos, redes e organizações internacionais (OIs) (Saraiva, 2008: 6). Estas formas de cooperação, de natureza formal e informal, têm sido exaustivamente estudadas pelas correntes institucionalistas neoliberais. Mais recentemente, a prolixa literatura neoliberal sobre OIs recebeu alguns contributos teóricos das perspectivas mais construtivistas, ou sociológicas como também são conhecidas. 160 Ao nível das organizações como a União Europeia esta “funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito e do respeito dos direitos, incluindo dos direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, e não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre mulheres e homens”. A cidadania da União, no caso da União Europeia, é acrescida à cidadania nacional, não a substituindo. A carta dos direitos fundamentais da União materializa os valores cívicos (dignidade, liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça) e os comportamentos dos cidadãos europeus, reforçando a protecção dos direitos fundamentais ―à luz da evolução da sociedade, do progresso social e da evolução científica e tecnológica‖ (Nogueira, 2005:37). 161 Seguindo Barnett e Adler, os países privilegiam a participação nas OIs por três razões principais. Primeiro, nestes regimes institucionalizados tende a existir maior confiança para cooperar, uma vez que é possível monitorizar mais de perto os acordos concertados, uma vantagem clara em relação às modalidades mais informais. Em segundo lugar, considera-se que o factor convívio, mais intenso no seio destas organizações, cria oportunidades para descobrir novas áreas de interesse mútuo ajudando a reforçar o seu papel funcional. Por último, uma referência especial à questão da legitimidade. Barnett e Adler, entre muitos outros autores que poderíamos aqui citar, entendem que as OIs “podem moldar as práticas estatais, estabelecendo, articulando e transmitindo normas que definem o que constitui um comportamento estatal aceitável e legítimo”(Saraiva, 2008:7). 83 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” problemas faz com que o Estado se torne demasiado pequeno para o resolver, havendo necessidade de serem outras organizações a cumprir esse papel (Cunha, 2003:61). Assim, é indubitável que existe uma enorme mutação das fronteiras da União Europeia, num ritmo mais acelerado, devido à complexidade do sistema internacional que se deveu ao aumento das organizações internacionais, sendo a UE o caso mais paradigmático, pois os Estados transferem para essa organização parcelas de soberania, contornando, desta forma, o conceito clássico de soberania. A este propósito, José Magone refere que a “soberania deixou de ser una e indivisível, passou a ser partilhada, multinivel, e colectiva, como forma de assegurar a continuidade e a sua própria sobrevivência” (Magone, 1998: 155-157). A soberania para existir tem de ser cedida para posteriormente ser partilhada com outros Estados e outras organizações internacionais, para poder continuar a assegurar-se a si própria. De acordo com Adriano Moreira, as sociedades organizadas em Estados evolucionaram, no espaço ocidental, para um racionalismo expresso no sistema jurídico que, por um lado disciplina o poder político e, por outro lado, encontra no poder organizado o instrumento destinado a fazer observar o normativismo jurídico. São as constituições políticas que espelham as normas disciplinadoras da organização do poder político, da produção de regras de direito, e da intervenção do poder para assegurar a observância da legalidade. Assim, são as teorias jurídicas do poder político que explicam e justificam o exercício do poder político interno (Adriano Moreira, 1997:245). São usados conceitos normativos como direito, obrigação, lei, hierarquia das normas jurídicas, legalidade, inconstitucionalidade, competência, considerando-se reprovável o poder que se afasta da pré-definição jurídica e do respeito pelos direitos do Homem. A sociedade internacional do século XX assenta em vários elementos estruturantes que se desenvolveram e consolidaram no sistema vestefaliano162. O desenvolvimento dos princípios e das práticas sobre o qual assenta a sociedade 162 De acordo com a tradição vestefaliana, o fim da Grande Guerra ocasionou uma grande conferência internacional, a conferência de Versalhes, para redesenhar a ordem internacional. No entanto, o sistema que se desenhou com esta conferência falhou, pois duas décadas mais tarde eclodia a Segunda Guerra Mundial. Deixou, contudo, uma herança ainda hoje presente na Nova Ordem Internacional acordada em Versalhes, que tem a ver com a segurança colectiva, a diplomacia multilateral permanente, autodeterminação dos povos, globalização da sociedade internacional, supressão de focos de contágio da revolução bolchevique. Todos estes princípios baseiam-se na primordialidade dos Estados enquanto actores no palco internacional. 84 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” internacional contemporânea aconteceu, ao longo dos séculos, sendo fortemente influenciado pelo processo de expansão da sociedade internacional. A política internacional europeia contemporânea tem por objectivo promover a governação em Estados fracos, melhorar a legitimidade democrática e fortalecer instituições autónomas. Quando são abordadas as questões relacionadas com Estado e Soberania acaba por se “esbarrar com o problema da soberania e do seu conteúdo e sentido no âmbito da União Europeia” (Melo, 1999: 6). No entanto há questões que deverão ser levantadas quando nos referimos às temáticas relacionadas com nações, Estados e modelos políticos adequados para suportar as complexas exigência do mundo contemporâneo. Assim, após a análise de diversos autores, rapidamente se conclui que o modelo tradicional de soberania está desajustado à nova realidade e que a integração regional é agora necessária; o único modelo de integração regional, a União Europeia, não permitirá ao Estado-nação regenerar-se e sobreviver, dentro dos pressupostos da soberania clássica; e, por outro lado, como a integração na União Europeia, potencia a capacidade de intervenção dos seus membros, proporcionando-lhes uma efectiva participação em matérias que há muito já não faziam parte das suas esferas de competência, associado a isto as crescentes reivindicações nacionalistas que exigem um novo enquadramento dos actores institucionais e políticos no sistema político internacional será necessário “um novo modelo global que integre pressupostos de várias matrizes, em que a União Europeia constitua uma comunidade política e legal de Estados já não soberanos no sentido clássico, no seu seio florescem, desenvolvem-se e adquirem autonomia as nações ou comunidades” (Sande, 2001:193). A União Europeia não é uma organização recente, mas tornou-se numa estrutura coesa com um crescente de protagonismo, constituindo-se como um “actor relativamente activo na ordem internacional complexa e multidimensional (…) e não sendo um super-Estado, uma federação, ou sequer uma confederação, partilha com essas várias figuras políticas canónicas, idealizadas, alguns traços característicos.” (Marques Guedes, 2005:227). É indiscutível que nas últimas décadas assistimos a uma erosão dos monopólios do Estado. O exercício de competências que já não pertenciam ao monopólio do Estado, fora do respectivo território passaram para a alçada das organizações internacionais, sobretudo das Nações Unidas, embora este tipo de poder não esteja regulamentado nem explicitamente definido. Trata-se de administrações transitórias civis que com um papel 85 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” algo mais alargado do que estava previsto quer no Pacto da Sociedade das Nações, quer na Carta das Nações Unidas (Ribeiro e Mónica Ferro, 2003: 40). Os princípios da plenitude e exclusividade estão presentes no exercício da soberania dentro de cada Estado. No entanto, quando por exemplo um país se encontra em construção, em consequência do exercício do princípio de autodeterminação, é necessário entregar o exercício das competências soberanas sobre esse território, a uma entidade que poderá ser um Estado, uma coligação de Estados, ou a fórmula mais recente, uma ou várias organizações internacionais (Mónica Ferro, 2006: 40). Embora não se dote uma Organização Internacional de poderes análogos aos do Estado, é necessário dotá-la com poderes para que consiga executar as tarefas para as quais foi criada. Como estas se destinam a promover a cooperação entre Estados são três as categorias de poderes de uma organização internacional: o poder de debater, o poder de decidir e o poder de agir. A cooperação intergovernamental muitas das vezes não passa para além da fase do debate, levando o Estado membro a explicar; o poder de decidir quando se tomam decisões cuja natureza jurídica, tendo por vezes gerado algumas divergências; o poder de agir surge quando a organização enceta operações (Mónica Ferro, 2006: 36). No caso da ONU, embora muitas das vezes o seu desempenho tenha ficado pelo poder de debater, “a sua apetência/ vocação para a acção apenas é comparável à falta de recursos para que a possa empreender” (Mónica Ferro, 2006: 37). A esta Organização faltam-lhe os recursos para desencadear as acções de administração transitória cujo mandato tem sido concebido pelo Conselho de Segurança (CSNU) e implementado pelo Departamento de Operações de Manutenção de Paz (DOMP) do Secretariado. Embora a Carta preveja no seu Capítulo VII todo um mecanismo de disponibilização permanente de meios pelos Estados membros à Organização, e até uma Comissão de Estado-Maior que executaria os planos para as intervenções militares da Organização, a verdade é que a guerra-fria nunca permitiu a celebração de acordos de que fala o artigo 43163 (Ribeiro e Mónica Ferro, 2003: 37). Assim, o que acontece é que 163 O Artigo 43 refere o acordo ou acordos especiais pelos quais todos os membros das NU se comprometem, para fins de manutenção de paz e da segurança internacionais, a proporcionarem ao Conselho de Segurança as forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem necessários a essa manutenção da paz e segurança internacionais. 86 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” ainda hoje as Nações Unidas solicitam aos Estados membros os meios de que necessitam para cada acção que desenvolvem164. Neste contexto há a necessidade de nos referirmos às administrações transitórias, que consistem em acções institucionais, com um mandato determinado por uma Resolução do Conselho de Segurança, executadas com meios cedidos pelos Estados numa base temporária e voluntária. São os denominados planos de contingência que lidam com os problemas que vão surgindo e que não podem ser enquadrados numa ordem internacional que, embora prevista na Carta, nunca foi posta em prática. As operações de paz das Nações Unidas, onde as administrações transitórias têm sido enquadradas, são alguns dos planos de contingência. Dentro do poder de agir165, uma das acções que Virally propõe é a acção da administração que “consiste na assunção pela Organização Internacional da administração directa de um território. (…) E assume poderes típicos do Estado no território em questão. Trata-se sempre de uma acção limitada no tempo, orientada para horizontes específicos e justificada por circunstâncias especiais” (Mónica Ferro, 2006: 39). A Carta das Nações Unidas contém um capítulo com uma Declaração Relativa aos Territórios Não Autónomos, criando para eles um regime de exercício controlado de competências territoriais. De facto, a Organização exercia, através da Assembleia, um poder de fiscalização, de controlo indirecto da forma como esses territórios eram administrados e da forma como os mesmos estavam a ser preparados para a independência. Serão estes processos de garantia de direito de autodeterminação que darão sentido à Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-leste, uma vez que Timor era, para a Organização, ainda um território não autónomo166 (Mónica Ferro, 164 O grau de integração desses meios na Organização e a sua utilização dá origem à denominada acção colectiva em que os Estados actuam com os seus meios, mas integrados numa operação concebida e orquestrada pela Organização; uma acção institucional consiste numa acção em que a Organização actua com meios cedidos casuística e temporariamente pelos Estados. 165 O poder de agir implica a acção diplomática, o controlo e inquérito, a acção coerciva, a assistência e a administração. 166 Segundo Mónica Ferro ―o acompanhamento da administração dos territórios não autónomos, nomeadamente a obrigação de as potências administrantes terem que enviar ao Secretário Geral informações estatísticas relativas à situação sócio-económica, política, educacional dos territórios não autónomos que se encontravam sob sua administração, gerou um enorme conflito entre as Nações Unidas e Portugal- que nunca reconheceu administrar territórios não-autónomos- deu origem à criação de um amplo mecanismo de fiscalização e à produção de uma série de direito derivado que veio consubstanciar o empenho das Nações Unidas na descolonização, levando-o muito mais longe que as referências modestas à mesma na Carta negociada em 1944/ 45 permitiam supor‖. Além da Declaração contida na Carta e do direito derivado da Organização nestas matérias, as Nações Unidas 87 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 2006: 52). As operações das Nações Unidas de administração em Timor-leste, associadas ao exercício de autodeterminação dos povos das Nações Unidas, condicionam o debate internacional e têm até provocado uma mutação nos próprios conceitos de autodeterminação e de integridade territorial dos Estados. Assim, as operações de administração internacional das Nações Unidas, denominadas operações de construção de Estados, state building são operações de consolidação/ construção da paz, peace-building. Nestas operações a ONU desempenha algumas ou todas as competências soberanas, temporariamente, enquanto coopera com líderes políticos e elementos da sociedade civil locais tendo por objectivos finais a democratização e um desenvolvimento sustentável. Como se trata de preparar o país para o exercício de uma boa governação, sendo, por isso, temporário utiliza-se a expressão administração transitória ou temporária (Mónica Ferro, 2006: 55). No caso concreto de Timor Leste houve uma administração transitória das Nações Unidas que surgiu da necessidade de implementar um acordo de paz, da necessidade de legitimar a intervenção militar levada a cabo pela NATO, e da necessidade de gerir a violência que surgiu após a divulgação dos resultados da consulta popular feita em Timor-Leste pelas Nações Unidas e que mostrou a vontade dos timorenses tornarem-se independentes. Mais uma vez a questão da autodeterminação levou ao envolvimento da Organização, que embora não traga consenso sobre os seus contornos e limites, está consagrado na Carta. Assim, “o seu envolvimento na administração de Estados falhados é um corte com uma tradição de não ingerência no domínio reservado dos Estados, afirmando-se, antes, a existência do princípio da responsabilidade dos Estados para com o bem-estar dos povos” (Mónica Ferro, 2006: 65). Segundo Vítor Marques dos Santos o convencionado princípio da não intervenção nos assuntos internos dos estados, tem sido gradualmente mitigado pelo direito de ingerência. O imperativo marcadamente humanitário que esteve na sua génese e que actualmente o justifica revela-se de consolidação e alargamento tendenciais, transformando-se em dever tácito de intervenção, sempre que uma coligação de grandes potências da comunidade internacional encontre consenso necessário sobre a organizaram e supervisionaram a realização de eleições/ consultas populares que conduziram à independência de Timor-Leste em 1999 (Mónica Ferro, 2006: 52). 88 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” inconveniência geoestratégica de um determinado projecto político (Mónica Ferro, 2006: 66). Em Timor-Leste, através do argumento humanitário, deu-se uma das missões mais intrusivas, que definem o limite superior das administrações internacionais de territórios. O mediatismo associado à visibilidade e às graves crises humanitárias forçaram o observador a desenvolver operações denominadas governação directa que podem ser consideradas demasiado intrusivas para funcionarem como norma (Mónica Ferro, 2006: 67). Em termos operacionais a actividade de administração internacional estende-se por quatro grandes categorias operacionais167 que são a assistência, parceria, controlo e governação; em Timor Leste foi aplicada a mais intrusiva, a governação, pois implicou a construção de um Estado novo. Foi assumida pelas Nações Unidas uma espécie de administração que não conhecia precedentes, denominada de administração transitória. No entanto, são diversas as dificuldades enfrentadas pelas administrações transitórias que sublinham a falta de um enquadramento teórico/ operacional e a inexistência de uma memória institucional que armezene experiências e procedimentos de utilidade para missões futuras; acresce ainda a questão da falta de um enquadramento específico na Cata das Nações Unidas, onde não aparece a expressão administração transitória. Conclui-se que a mudança na comunidade internacional se faz a um ritmo mais acelerado que a mudança institucional (Mónica Ferro, 2006: 73). São inúmeros os casos de distanciamento da teoria da carta da praxis da Organização. Assim, segundo Edward Mcwhinney, são várias a antinomias e contradições no direito internacional contemporâneo: a consagração do princípio da não intervenção (artigo 2, nºs 4 e 7) e da prática da intervenção humanitária; dos princípios da integridade territorial (artigo 2, n.º 4 e A/RES/2625 (XXV)) e da autodeterminação dos povos (A/RES/1514(XV) e A/RES/1803 (XVII)115); da proibição do recurso à força (artigos 1 e 2 da Carta das Nações Unidas) e da previsão de uma legítima defesa colectiva (regional) (Capítulo VIII da Carta, Acordos Regionais) (Mónica Ferro, 2006: 74). Embora não seja possível estabelecer com rigor todos os poderes de um Estado, até porque “no actual contexto internacional, a maioria dos Estados não são Estados que atinjam os requisitos mínimos de qualquer teoria de Estado” (Mónica Ferro, 2006: 167 Michael Doyle considera haver quatro categorias do que ele chama mecanismos ad hoc de semisoberania (ad hoc semisovereign mechanisms) consoante o tipo de poder exercido: autoridade de supervisão, autoridade executiva, autoridade administrativa e uma variada gama de operações de monitorização (Mónica Ferro, 2003: 68). 89 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 77), contudo existe um conjunto de competências que enquadradas no sistema jurídico internacional contemporâneo são exclusivas de um Estado como sejam as tarefas de polícia, a responsabilidade primeira pela realização de referendos/ consultas populares, a responsabilidade pela realização de eleições, o exercício dos poderes legislativo, executivo e judicial e o de celebrar contratos. Em Timor-Leste, verificamos que as Nações Unidas exerceram, através da UNAMET e da UNTAET, todos os poderes soberanos. A UNAMET, em 1999 responsabilizou-se pelo referendo; a UNTAET, entre 1999 e 2002 responsabilizou-se pelo policiamento, pelos três poderes (Executivo, Legislativo e Judicial) e por celebrar contratos. Assim, o mandato da UNTET, de acordo com a Resolução do Conselho de Segurança que estabeleceu a Administração Transitória das nações Unidas em Timor, S/RES/1272 (1999), 25 de Outubro de 1999, definiu como principais competências (Mónica Ferro, 2006: 77): - Estabelecer uma administração efectiva; apoiar o desenvolvimento de uma função pública e garantir os serviços públicos básicos; - Prestar assistência humanitária de emergência, garantir a sua coordenação; - Apoiar a construção de capacidades locais para governo próprio (onde estão incluídas a realização de eleições livres e justas para essas capacidades e a construção de uma sociedade civil forte); - Assistir ao estabelecimento das condições essenciais a um desenvolvimento sustentável (que também passa pela reconstrução económica; - Estabelecer e manter a lei e a segurança interna. A estratégia interventiva da comunidade internacional em Timor-Leste mostra uma clara “redimensionação ética e normativa de um sistema internacional tradicionalmente anárquico” (Marques Guedes, 2005:77), surgindo uma alteração real da estrutura e da natureza da comunidade política internacional, “porventura pela delineação progressiva de um novo “contrato social” fundador” (Marques Guedes, 2005:79). A globalização na visão do autor supra citado tem aspectos negativos pois pode provocar a marginalidade dos que ficam de fora ou suscitar desigualdades internas mas, por outro lado, evita as denominadas hegemonias unipolares duradouras. Assim, afirma o mesmo autor que “o que hoje lemos, pela negativa, como “ingerências”, “perdas de soberania”, “erosão dos Estados-nação”, ou “sistemas de tutela” e “soberanias vigiadas”, amanhã talvez vejamos como primeiro momento, incontornável, de uma 90 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” narrativa histórica de construção e criação” (Marques Guedes, 2005:79). As realidades internacionais subjacentes num presente cada vez mais globalizado não são abrangidas pelas definições de Estado westphaliano e de soberania de Jean Bodin. 91 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” CAPÍTULO III - A SEGURANÇA COMO INSTRUMENTO DOS ESTADOS CONTEMPORÂNEOS “neste mundo a força continua a ser o garante último da segurança” (Cooper, 2006: 35) 1. A força como elemento da segurança A existência de um Estado pressupõe a existência de um povo, de um território e de um poder capaz de fazer cumprir as suas regras e dotado de autoridade. Este só existe efectivamente quando se impõe através de normas que são cumpridas por todos os membros do grupo. Quando estão em causa Estados modernos, esse poder é repartido por diversos órgãos como sejam o Chefe do Estado, a Assembleia da República, o Governo, a Administração Pública, os Tribunais, as Forças Armadas que se constituem como Instituições do aparelho do Estado; a sua interligação e interacção definem o denominado sistema político do Governo (Adriano Moreira, 1997: 48). O Estado institui na Polícia, poderes típicos da sua soberania e para que consiga assegurar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, esta, num quadro de acções possíveis do Estado, faz um uso legítimo da força efectuando a ligação ao poder instituído legalmente, visto que o desejo do bem-estar comum, a par das necessidades de segurança dos perigos externos e das convulsões internas, e da realização da justiça, provocou a associação dos homens em comunidades complexas, instituindo um aparelho de poder e autoridade, em que reside a coacção. A força coactiva do Estado divide-se em duas partes: Forças Armadas e Forças de Segurança Pública, sendo que a primeira se vincula mais à sustentação dos valores mais consensuais, integridade Nacional e defesa Militar do país, enquanto que as Forças de Segurança se ocupam mais da ordem pública preventiva e repressiva (Clemente, 1998: 47). A utilização da força coactiva no plano interno é feita pela GNR e PSP, no caso português. Partindo do pressuposto que “não existe sociedade sem Instituição e não há Instituições sem poder e sem autoridade que façam respeitar esse poder, se necessário, pela força” (Clemente, 1998: 43), consideramos que a necessidade do uso da força coactiva, em casos extremos, poder-se-á tornar necessária, sendo que os limites dessa 92 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” actuação devem estar sempre presentes, para que se evite a transposição para a ilegalidade. A necessidade do uso da força moderada168 e dos meios coercivos assenta no respeito pelos normativos no plano internacional e no plano nacional. Trata-se de princípios e normas que enformam esta específica, melindrosa e ao mesmo tempo necessária vertente da actuação da polícia. O uso da força, que legitimamente é conferido aos diferentes níveis da actuação policial, pode consubstanciar-se de diferentes formas e modelos de actuação. Como escreve Ferreira Antunes, “a força utilizada pode ir do mero contacto para significar a alguém a sua detenção ou a imobilização e, em casos-limite, o tiro mortal com arma de fogo” (Ferreira Antunes, 1996:40). Segundo o professor de Direito Administrativo Alemão, Otto Mayer (Nunes, 2002: 107), existem duas formas de uso da força: a execução coerciva e a coacção directa. A primeira corresponde ao resultado de uma atitude desobediente após uma ordem emanada por uma autoridade administrativa, tornando-se legítimo o uso da coação quando o fim é a prossecução da ordem, “trata-se, assim, de fazer cumprir, pela força, um acto de autoridade prévio, pelos meios legalmente previstos” (Nunes, 2002: 107). Já a segunda, a coacção directa é aquela que a lei estabelece como a possibilidade do recurso aos meios coercivos, especificando, portanto, as condições e circunstâncias em que ela deve ocorrer. Assim, cabe aos agentes policiais terem a capacidade de discernimento suficiente para saberem, em que momentos devem efectuar o uso da força, sem contudo ferir os princípios consagrados na lei, ou seja, “aos agentes policiais cabe ter a mais elevada consciência cívica” (Clemente, 1998: 40), contando sempre com as consequências que poderão advir do uso despropositado da força em todas as suas vertentes. No plano internacional o monopólio do uso da força legítima pertence à ONU, através do Conselho de Segurança, podendo decidir sobre a sua aplicação, no entanto ao não possuir forças próprias, as suas decisões só ganham forma quando são apoiadas por forças provenientes dos Estados. A CNU proibiu o uso da força admitindo apenas duas 168 Relativamente à utilização moderada do uso da força pelos agentes de autoridade, devemos ter presente que ―as instituições policiais nunca podem funcionar como instrumentos de opressão; pelo contrário, elas constituem a primeira garantia de liberdade e segurança dos cidadãos‖. Cfr. Mário Gomes Dias, Seminário sobre Relações Públicas – A Polícia face à Sociedade, Revista da Polícia Portuguesa, nº 90, Nov./Dez, Ed. CG/PSP, Lisboa, 1994, P. 24 93 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” excepções: autorizada pelo Conselho de Segurança e nas situações de legítima defesa, como teremos oportunidade de analisar seguidamente com maior profundidade. 94 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 2. Conceitos gerais do uso da força pelos actores internacionais 2.1. Da natureza do uso da força: público, privado e interno Para o Direito Internacional clássico o uso da força difere substancialmente quando comparado com o Direito Internacional contemporâneo, sendo que, enquanto para o primeiro a utilização da força está reservada aos Estados ou alianças de Estados169, já para o segundo, a sua utilização por parte dos Estados caracteriza-se por alguma excepcionalidade ou residualidade, porque esse mesmo uso encontra-se conferido à comunidade internacional, denominando-se como uso privado quando utilizado pelos Estados e de uso público, nas situações em que a utilização da força é feita pela comunidade internacional (Jorge Miranda, 2006: 269). Numa perspectiva internacional, o uso da força poderá ser qualificado como público se for um uso comunitário internacional ou privado nas situações em que esse mesmo uso não é comunitário. O termo público, em direito internacional, deve ser reservado para “denominar situações e figuras próprias da Comunidade Internacional e não as que cabem a cada um dos Estados individualmente ou agrupados restritamente” (Correia Baptista, 2003:29). Nesta perspectiva, existe a necessidade de reconhecer o elemento que permite a caracterização do uso público da força para que se crie a distinção do uso privado. Na comunidade internacional só de forma muito excepcional é que podem ser constituídas Forças estritamente públicas170, ao contrário do que acontece na maior partes dos casos em que a constituição das forças internacionais das Nações Unidas integram contingentes, organizados nacionalmente e fornecidos pelos Estados membros, apesar de serem forças das Nações Unidas para efeitos externos, possuem um estatuto misto que não lhes retira a qualificação como uso público da Força, desde que, a entidade que dirige o exercício seja pública, compreendendo todo e qualquer uso da força dirigido publicamente (Correia Baptista, 2003:32). 169 Os Estados dispunham desta prorrogativa por inexistência de uma comunidade internacional organizada. 170 A constituição de forças estritamente públicas, pelas Nações Unidas, passaria pela solução de recrutar efectivos directamente aos Estados membros de forma a constituir uma Força com uma identidade própria. Esta solução apresentaria várias vantagens, desde a garantia de disponibilidade da Força constituída até à simplicidade da decisão política feita pelos Estados para a sua utilização (Baptista, 2003: 780). 95 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Outro dos aspectos relacionados com a constituição da força é o critério operacional da decisão do recurso à força, ou seja, da entidade que dirige e controla o exercício da força. Esta realidade dentro das forças das Nações Unidas é caracterizada, normalmente, por ser executada por um comando militar privado, constituído por um ou mais Estados, ou organização intergovernamental, sendo que a intervenção pública171 se limita a habilitar o seu uso sem acompanhar a sua execução, denominando-se de uso privado habilitado (Correia Baptista, 2003:31). Para Eduardo Baptista o poder público bélico traduz-se na utilização da força com base num acto de autoridade constitutivo da autoria de uma entidade pública, mesmo que depois seja exercida sob direcção privada, possuindo como elemento essencial um acto do poder público internacional (Correia Baptista, 2003: 32). A Comunidade Internacional é o titular original do poder público bélico. Não é uma pessoa jurídica, mas simplesmente o conjunto dos Estados existentes. Quaisquer dos direitos e obrigações atribuídos à Comunidade Internacional recaem, pois, sobre os Estados, devendo estes exercer conjuntamente esses direitos e obrigações, a menos que lhes permita reagir unilateralmente. Em relação ao poder público bélico, a necessidade de este ser exercido colectivamente ou em alternativa por meio de uma entidade com carácter comunitário, resulta da proibição do uso privado da força. Assim, só fará sentido que os Estados possam utilizar a força legitimamente com base numa específica causa de justificação e não porque objectivo que visam atingir é a prossecução de um interesse público, isto é, um interesse da comunidade (Correia Baptista, 2003: 387). A carta admite o uso da força pelos Estados em duas circunstâncias, ou seja, em nas situações de legitima defesa individual ou colectiva172 ou em caso de assistência às próprias Nações Unidas bem como em acções por si conduzidas ou da sua responsabilidade173 (Jorge Miranda, 2006: 270). O Direito Internacional Público de acordo com a evolução ao longo dos últimos anos, acabou por proibir o uso privado da força nas relações internacionais. Apesar de o artigo 2º nº 4 se prestar a mais do que uma interpretação, os trabalhos preparatórios da Carta indicam que a força apenas poderia ser usada nos termos da Carta, ou seja, em 171 Sempre que a decisão do recurso à força couber à Comunidade Internacional ou a uma entidade por esta constituída (Baptista, 2003: 31). 172 Cfr com o art.º 51º da carta. 173 Cfr com o nº 5 do art.º 2º da carta. Acções referidas podem estar dentro do âmbito do capítulo VII ou a título excepcional as operações de paz e de ingerência humanitária admitidas ou determinadas pela ONU. 96 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” situações de legítima defesa, sob direcção ou habilitação do Conselho de Segurança174 ou em situações de ex-inimigos175 (Correia Baptista, 2003: 73). A Carta proíbe a utilização da força, não se limitando unicamente a situações de guerra, incluindo também todas as expressões de força menor. Esta justificação decorre do artigo 2º, nº 3, quando refere que “Os membros da Organização deverão resolver as suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo a que a paz e a segurança internacionais, bem como a justiça, não sejam ameaçadas”. Ao nível dos conflitos internos, tendencialmente, os Estados tem vindo a restringir o uso da força em relação à sua própria população. A comunidade internacional tem demonstrado maior atenção aos conflitos internos, essencialmente àqueles que se adivinham longos, colocando quase sempre em causa a violação dos direitos humanos. Para Correia Baptista “existe uma prática ainda não assumida abertamente no sentido de estender a obrigação de resolução pacífica a estes conflitos internos de grandes proporções e longa duração”( Correia Baptista, 2003: 279). Outra das proibições baseada no princípio da não intervenção, estabelece que os Estados ou organizações internacionais (destituídas de poderes públicos) ou outras entidades paralelas, não possam intervir em questões de jurisdição interna de um outro Estado. De acordo com este princípio, não será possível que outros actores internacionais possam fornecer qualquer forma de apoio a um movimento armado que lute contra o governo de outro Estado, ou pelo contrário, apoiar o Governo em detrimento desse movimento armado. Na génese desta proibição existem essencialmente dois princípios básicos, por um lado o do respeito pela soberania dos outros Estados, proibindo qualquer apoio a movimentos que lutem contra o Governo de um Estado estrangeiro, por outro lado, o princípio da autodeterminação dos Povos organizados em Estados, proibindo as intervenções ao lodo do Governo contra movimentos armados efectivos que lutem contra esses mesmos Governos (Correia Baptista, 2003: 282). Como excepção a esta proibição existem duas situações: actuação com base em consentimento do Governo ou em reacção a intervenção ilícita prévia. Na primeira excepção encontram-se englobadas as intervenções a pedido do Governo contra golpes de Estado, motins ou bandos armados realizados ao abrigo de tratados ou acordos 174 175 Tendo por base o art.º 106º da Carta. Art.º 53º, nº 1, terceira parte, e art.º 107º da Carta. 97 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” específicos176 (Correia Baptista, 2003: 288). Na segunda excepção, para que seja lícito assistir a parte adversária177 não basta ter havido uma intervenção, mas sim uma intervenção ilícita178 (Correia Baptista, 2003: 299). Pelo atrás exposto, constatamos que o uso da força no plano internacional se encontra envolvida por vários princípios, sendo a ONU, através do seu Conselho de Segurança, a entidade que “possui o monopólio do uso da força, pelo menos o da sua avaliação” (Jorge Miranda, 2006: 269). 176 Na jurisprudência existe o entendimento de que o uso restrito da força por parte de um Estado no território de outro, a seu pedido, é lícito e tem tido o apoio do Conselho de Segurança. 177 Quando nos referimos à parte adversária incluímos o Governo e os próprios adversários. 178 Este fundamento é acolhido pela prática dos Estados, jurisprudência e pela doutrina. 98 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 3. Parâmetros jurídicos do uso da força pelos Estados 3.1. O quadro internacional Com a revolução de 25 de Abril de 1974, Portugal retomou o lugar que lhe pertence, por direito próprio, no contexto das Nações, passando a adoptar os princípios disciplinadores desta matéria, no âmbito internacional. Na Declaração Universal dos Direitos do Homem179 (DUDH), no artigo 3.º está expresso que às Forças de Segurança compete velar pelo direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal; também o artigo 5.º refere que às Forças de Segurança compete zelar pela inexistência de comportamentos inaceitáveis como sejam proibição de tortura, do tratamento cruel, desumano ou degradante. No que se refere à Convenção Europeia dos Direitos do Homem180 (CEDH), no seu artigo 2.º consagra-se o direito à vida, estando previstas no nº 2 hipóteses em que a violação desse direito é permitida por resultar, de necessário recurso ao uso da força, a saber: a) Para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra uma violência ilegal; b) Para efectuar uma detenção legal ou para impedir a evasão de uma pessoa detida legalmente; c) Para reprimir, em conformidade com a lei, uma revolta ou uma insurreição. Relativamente ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos181 (PIDCP), dever-se-á destacar o artigo 6.º que contempla o direito à vida e o artigo 9.º, que em Portugal constitui uma das funções constitucionais da polícia, previstas no artigo 272.ºda CRP, e que assume especial importância no que diz respeito à consagração do direito à liberdade e à segurança de pessoa. Quanto à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes182, regula a inaceitabilidade, entre outros, da extorsão de 179 Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das NU na sua Resolução 217A (III) de 10 de Dezembro de 1948. 180 Adoptada em Roma, a 4 de Novembro de 1950. Aprovada para ratificação pelo Estado Português pela lei nº 65/78, de 13 de Outubro. 181 Ratificação e adesão pela resolução 2200A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de Dezembro de 1966. 182 Ratificação e adesão pela resolução n.º 39/46 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de Dezembro de 1984. No direito português o conceito de tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante é dado pelo nº 3 do art. 243 º do CP. 99 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” depoimentos, encontrando-se ainda previsto no artigo 2º nº 3 da mesma Convenção que “nenhuma ordem de um superior ou de uma autoridade pública poderá ser invocada para justificar a tortura”, sendo que a obediência hierárquica não exime a responsabilidade. No que concerne aos Princípios para a Protecção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de Detenção ou de Prisão183, reafirma-se o princípio da dignidade da pessoa humana, acentuando-se o princípio imperativo do respeito e do tratamento com humanidade das pessoas detidas. A título exemplificativo temos o princípio nº 21 que refere a proibição de abuso da pessoa detida para a coagir a confessar, a incriminar-se por qualquer outro modo ou a testemunhar contra outra pessoa, ou durante o interrogatório, sujeitar o detido a violência capaz de comprometer a sua capacidade de decisão ou discernimento. Quanto à Declaração dos Princípios Básicos de Justiça relativos às Vítimas da Criminalidade e Abuso do Poder e respectivo Anexo184, este prevê o tratamento condigno e diversas formas de apoio, bem como o direito à reparação e indemnização às vítimas da criminalidade e abuso do poder. Relativamente ao Código de Conduta para os Funcionários responsáveis pela aplicação da Lei185, este alerta para uma maior qualificação policial, referindo que, no cumprimento dos seus deveres, os responsáveis pela aplicação da lei respeitem e protejam a dignidade humana tendo sempre presentes os direitos fundamentais. Acrescenta ainda, relativamente ao uso da força, embora de natureza residual e subsidiária, que a sua aplicação seja efectuada quando estritamente necessário, contemplando os princípios da necessidade e da proporcionalidade. De relembrar também o Código Europeu de Ética da Polícia186, que nos encaminha no sentido de limitar o recurso à força aos casos de absoluta necessidade com a finalidade de alcançar um fim legítimo. No que concerne aos Princípios Básicos sobre a utilização da Força e das Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei187, indica que o uso da arma deve ter por base os princípios da absoluta necessidade, residualidade e 183 Resolução 43/173, de 9 de Dezembro de 1988 adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Resolução 40/34, de 29 de Novembro de 1985 adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. 185 Resolução nº 34/169 de 17 de Dezembro de 1979, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. 186 Recomendação 10/2001 do Comité de Ministros do Conselho da Europa 187 Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes realizado em Havana de 27/08 a 07/09 de 1990. 184 100 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” proporcionalidade, fazendo-se a adequação aos fins legítimos e à gravidade da situação, sempre tendo em vista a salvaguarda das vidas humanas. Por último fazemos referência à carta de direitos fundamentais da União Europeia188 que atribui especial importância aos valores da dignidade humana, do direito à vida, à integridade física e mental, à liberdade e à segurança, proibindo a tortura, tratamento ou penas desumanas ou degradantes e a discriminação, sublinhando que todos os seres humanos são iguais perante a lei. Importa referir que, todos os preceitos legais referidos superiormente têm aplicabilidade directa na ordem jurídica portuguesa, e contribuem para que o recurso aos meios coercivos sirva para respeitar e defender uma grande causa - os direitos fundamentais das pessoas. 3.1.1. O caso particular das Nações Unidas A segunda guerra mundial, tendo sido produto do fracasso da Sociedade das Nações, desencadeou nos Estados vencedores o empenho da criação de um sistema internacional que garantisse a paz e a segurança colectiva189, através da aprovação da CNU na conferência de S. Francisco. As Nações Unidas são, nas palavras de Victor Ângelo, a única instituição intergovernamental com funções de manutenção de paz e segurança colectiva num quadro de referência universal, isto é, aberto a todos os Estados do Globo. A manutenção da paz foi o fundamento da génese da organização, constituindo ainda hoje, um dos quatro pilares fundamentais, em conjunto com a defesa e promoção dos direitos humanos, as questões de desenvolvimento sustentável e a coordenação das ajudas humanitárias. Esta questão tem recebido uma atenção muito particular por parte dos principais membros da ONU, quer política, quer em termos de reflexão substantiva e de 188 Formalmente adoptada em Nice, em Dezembro de 2000, pelos Presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, a Carta representa um compromisso político, sem efeitos jurídicos obrigatórios. Com o Tratado de Lisboa a Carta é investida de força obrigatória através da introdução de uma menção que lhe reconhece valor jurídico idêntico ao dos Tratados. Para o efeito, a Carta foi proclamada pela segunda vez em Dezembro de 2007. Consultado em http://europa.eu/legislation_summaries/human_rights/fundamental_rights_within_european_union/l33 501_pt.htm 189 O conceito de segurança colectiva assenta num sistema de segurança global que funciona a favor de todos, reagindo contra qualquer agressão considerada injusta face ao direito internacional (Moreira, 2007: 94). 101 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” fundo, estratégica, num quadro de análise e da problemática dos conflitos (Ângelo, 2005: 413). À Organização das Nações Unidas é-lhe atribuído um papel fulcral na manutenção da paz e segurança internacionais. As áreas promovidas pela actuação da ONU estão relacionadas com a cooperação profícua entre Estados no que diz respeito a situações relacionadas com o Direito Internacional (DI), o Desenvolvimento Económico, a Igualdade Social e a Segurança Internacional. Nesta perspectiva a ONU pretende a criação e a aplicação de regras do DI e de se constituir o fórum privilegiado para garantir a desejada segurança colectiva (Adriano Moreira (coord.), 2008:468). Ao analisar-se a actuação da ONU verifica-se que esta centra a descrição e análise do ambiente estratégico nas ameaças à paz e segurança internacionais e como se constituiu numa organização marcadamente política, a questão ideológica é central à sua acção estratégica, assumindo “a defesa dos valores democráticos, dos direitos humanos e estabelece a meta de aperfeiçoar o triângulo constituído pelo desenvolvimento, liberdade e paz” (Adriano Moreira (coord.), 2008:468). A Organização identifica a pobreza, os conflitos inter e intra estatais, a proliferação de doenças à escala global, a degradação ambiental, o terrorismo transnacional, a proliferação de armas de destruição maciça e todas as dimensões da criminalidade organizada como as principais ameaças, sendo algumas destas de natureza transnacional. O relatório do High-level Panel on Threats, Challenges and Change190, na abordagem aos desafios que se colocam a esta organização, identifica a necessidade de garantir e promover duas realidade interligadas, a segurança e o desenvolvimento, referindo que “A more secure world is only possible if poor countries are given a real change to develop”191. O relatório supra citado assume a necessidade de “reinventar um sistema de segurança colectiva eficaz, eficiente e equilibrado, fazendo uma clara alusão à reforma da ONU” (Adriano Moreira (coord.), 2008:469). Assim, os objectivos estratégicos mais significativos da organização estão relacionados com o combate às origens das ameaças evitando a sua manifestação, enfrentar ameaças e desenvolver uma ordem internacional assente num multilateralismo efectivo e numa parceria global entre entidades estatais e não estatais, capazes e Documento ―A More secure World: our Shared Responsibility & MSW‖, relatório de Dezembro de 2004, do Secetary-General´s High-level Panel on Treats, Challenges and Change. 191 United Nations- Resolution 55/2. United Nations Millenium Declaration, p.1. 190 102 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” responsáveis. Os princípios estratégicos que pautam a sua actuação são deduzidos dos três pilares da segurança colectiva, referidos no relatório de Dezembro de 2004 do Secretary-General High-level Panel on Threats,Challenges and Change, e que são os seguintes: combater as ameaças aos níveis global, regional e nacional, combater as ameaças de forma multilateral e cooperativa entre Estados e Organizações e combater as ameaças através de acções preventivas, preferencialmente pacíficas, recorrendo a todos os instrumentos disponíveis. A Carta, como tratado instituidor das NU, tem uma evidente base constitucional. A organização beneficia de capacidade jurídica própria, órgãos permanentes, mandato alargado e possibilidade de aprovar disposições com força obrigatória para Estados e governos, povos e até indivíduos, o que permite uma mobilização da cooperação internacional sem paralelo noutras organizações. O Conselho de Segurança das NU é uma instituição internacional credível, porque exerce um importante controlo social no ambiente internacional sem recorrer, no essencial, a fórmulas coactivas. As soluções preconizadas na Carta correspondem ao que genericamente se espera de um modelo de segurança colectiva. Num primeiro sentido, porque são estabelecidas regras que limitam ou proíbem o emprego da força, reconhecendo-se que tais regras protegem um interesse comum. Deste ponto decorre um outro aspecto, também fundamental, a imposição de obrigações indivisíveis cuja violação pode suscitar a reacção dos Estados, e que se consubstancia num mecanismo de controlo colectivo de imposição dessas regras192. Num tal quadro, a força normativa do art.2.º, nº 4 é enorme. O artigo entende que tanto a ameaça como o emprego da força constituem comportamentos ilícitos. O próprio Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) veio elucidar a questão no Caso Nicarágua193, defendendo que o princípio da proibição geral do uso da força é prova de costume internacional (erga omnes) afectando subjectivamente os direitos de todos os Estados, dentro ou fora das NU. Tarcisio Gazzini. ―Do We Need a Collective Security System?‖. New Zealand Armed Forces Law Review. Vol.6 ( 2006), p.47. 193 Case Concerning Military and Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United States of America), Merits (1986) ICJ Rep 14 (―Nicaragua Case‖), parágrafo 190. 192 103 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Ao analisar-se no espírito da Carta194 a transferência de processos de securização de ameaças para o Conselho conclui-se que existe incontornavelmente legitimidade institucional e social do ponto de vista jurídico, para além de ser politicamente desejável: as coligações de vontade, os exercícios de poder unilaterais e decisões regionais pouco transparentes representam tendências de descentralização perniciosas para a manutenção da ordem supostamente fixada no papel regulador do CS (Saraiva, 2008: 9). Mas, por outro lado, não se pode negar que sob o âmbito normativo das ―ameaças à paz‖ o Conselho tem securizado195 um vasto leque de dinâmicas internacionais, tão diverso quanto as crises entre Estados, as crises ligadas à descolonização, crises regionais de diversa natureza, desafios à autoridade do CS, crises de âmbito interno, o terrorismo e outras ameaças genéricas196. Este frenesim gerou polémica sobre o modo como exerce os poderes que lhe foram outorgados. Neste sentido, a maior ou menor legitimidade do processo de securização das ameaças determinará em larga medida o futuro do órgão colegial, senão mesmo a sobrevivência da organização como actor determinante nas relações internacionais. 3.1.1.1. Da natureza do poder público: originário e derivado Com o fim da chamada Guerra-fria, no final do século XX, houve um ressurgimento do poder público bélico, particularmente sob a forma de uso privado habilitado, mas igualmente no seu sentido mais restrito e próprio de uso coercivo da força pelas Nações Unidas. Isto confirma-se pelo aumento de produção jurídica pelo Conselho de Segurança e dos seus actos que invocam o Capítulo VII da Carta. A ONU tem demonstrado efectivamente maior protagonismo dentro do contexto internacional. 194 A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco no dia 26 de Junho de 1945 e representa o documento base para todas as actividades da Organização. 195 Se na UE e NATO a securização das relações entre os seus membros é virtualmente impossível, o CS, como intérprete do bem comum, é acusado de percepcionar demasiadas ameaças, ou de o fazer de um modo infeliz, securizando muito para além do razoável, no sentido dado por Barry Buzan, Ole Wæver e Jaap de Wilde: ―o assunto é apresentado como uma ameaça existente, que requer a adopção de medidas de emergência e justifica acções que se afastam dos métodos políticos habituais. In Security: a New Framework for Analysis. Boulder CO: Lynne Rienner, 1998, p.23. 196 United Nations/United Nations University - Regional Security and Global Governance (discussion paper). Bruges: Comparative Regional Integration Studies, Setembro de 2004, pp.18-19. 104 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” No que diz respeito ao contributo para uma segurança colectiva, a ONU está dependente de uma cooperação efectiva, numa parceria global ou multilateralismo efectivo entre Estados. A sua estratégia de actuação assenta nos modos directo, indirecto e soft power. Numa análise dos artigos 1º, 2º, 33º e 42º da Carta concluiu-se que a sua acção traduz-se na aplicação de medidas pacíficas e/ou medidas coercivas que são levadas a cabo através de capacidades dos seus Estados-membros ou recorrendo à NATO. Relativamente à dificuldade na implementação de medidas sobretudo as que dizem respeito ao uso da força propõe Hannan197 o consenso “on a shared assessment of these threats and a common understanding of our obligations in adressing them…”. No seu discurso Hannan associa as dificuldades de implementação do uso da força, às dificuldades de percepção homogénea e una das ameaças e à falta de meios, nomeadamente forças militares (Adriano Moreira (coord.), 2008:470). Para ultrapassar esta questão a Organização promove a solidariedade de todos os seus membros através de uma aliança ou de uma parceria global para a promoção da paz e segurança internacionais. Uma das questões mais sensíveis diz respeito ao consenso quanto ao momento da aplicação dos instrumentos disponíveis, nomeadamente a força armada: “se de forma preemptiva na defesa contra ameaças latentes ou não iminentes” (Adriano Moreira (coord.), 2008: 471). A este respeito diz Kofi Hannan “I believe the Charter of our Organization, as it stands, offers a good basis for the understanding that we need. Imminent threats are fully covered by Article 51, wich safeguards the inherent right of sovereign States to defend themselves against armed attack. Lawyers have long recognized that this covers na imminent attack as well as one that hás already. Where threats are not imminent but latent, the Charter gives full authority to the Security Council to use military force, including preventively, to preserve internacional peace and security”198. A actuação da ONU abrangerá a forma preventiva199, preemptiva200 e reactiva201, sendo os seus principais mecanismos de actuação, parcerias, acordos, que 197 Ver Kofi Hannan- In Larger Freedom: towards development, security and human rights for all, p.25. Idem, p.35. 199 Refere-se a uma actuação que antecede um facto ou acontecimento, com o objectivo actuar por antecipação. 200 Refere-se a uma actuação feita por uma entidade quando se apercebe que uma outra já se encontra a fazê-lo em determinado domínio, com o objectivo de se defender ou tentar anular os efeitos criados. 201 Refere-se a uma actuação que é criada como reacção a uma outra no sentido de a anular ou de se defender dos seus efeitos. 198 105 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” têm os mesmos objectivos propostos pela ONU. No entanto, continua a não existir consenso quanto ao uso da força. As Nações Unidas são a forma jurídica através da qual a Comunidade Internacional se organizou e decidiu exercer os seus poderes. Um eventual exercício do poder público bélico pela Assembleia-geral “equivale substancialmente, portanto, a um uso comunitário, respeitadas as regras quanto à formação da vontade que juridicamente é qualificada como comunitária, já que não correspondem exactamente às da Assembleia-geral. Seria, pois, um exercício originário do poder público bélico, por substancialmente estar a ser exercido pelo seu titular originário” (Correia Baptista, 2003: 390). Considerando o actual quadro jurídico estabelecido pela carta, confirma-se que a Comunidade Internacional não possui legitimidade para exercer o poder público bélico (originário) de que mantém uma mera titularidade nua. Os Estados representados na Assembleia Geral, enquanto elementos constitutivos desta comunidade, pela mesma Carta, renunciaram ao exercício deste poder, atribuindo-o a um grupo restrito destes, organizado juridicamente no Conselho de Segurança, não podendo agora consentir no seu exercício de modo a decidir validamente que a Organização (nem, por maioria de razão, um ou mais Estados) possa recorrer à força fora dos termos consentidos pelo Direito Internacional Costumeiro (Correia Baptista, 2003: 645). Na utilização do poder público bélico, “a Comunidade Internacional apenas o pode reassumir, formalmente, com a revogação, emenda nesse sentido ou suspensão da Carta. Enquanto esta estiver plenamente em vigor esta operação é juridicamente impossível” (Correia Baptista, 2003: 646). Caso existisse uma situação de revogação ou suspensão da Carta, os Estados, poderão no respeito do Direito Internacional Costumeiro, exercer conjuntamente, como titulares originários, os seus poderes; incluindo adoptar actos unilaterais que vincularão erga omnes mesmo os Estados que tiverem votado contra nos termos do regime consuetudinário. Em face de uma alteração da Carta no sentido de conferir poderes públicos à Assembleia, formalmente, tratar-se-ia ainda de um acto das Nações Unidas, mas substancialmente estar-se-ia também perante uma decisão comunitária. Deste modo, seria possível um exercício do poder público bélico susceptível de ser qualificado como originário. Sem tais alterações, a Assembleia Geral não pode sequer recomendar o uso da força ou a adopção de medidas coercivas não bélicas, fora dos termos estabelecidos em geral pelo Direito Internacional em matéria de 106 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” causas de exclusão da ilicitude, e só excepcionalmente poderá criar meras forças de manutenção de paz e não de imposição da paz ou bélicas (Correia Baptista, 2003: 646). Com base na Carta da Nações Unidas é ao Conselho de Segurança que se encontra atribuído o exercício do poder público, nomeadamente quanto à tomada de decisões vinculativas ou mesmo à sua execução compulsiva, designadamente pelo recurso à força. No entanto, o exercício deste poder é um exercício derivado, porque não sendo realizado pela Comunidade Internacional202 é competência exclusiva deste órgão restrito onde as grandes potências têm um peso dominante. O Conselho de Segurança pode delegar em outros órgãos das Nações Unidas alguns dos seus poderes, ou mesmo legitimar o uso da força, por sua decisão, sem que faça uso dos seus efectivos poderes de direcção em relação aquele uso, atribuindo essa responsabilidade aos Estados Membros ou mesmo a possíveis organizações regionais, exercendo através destas acções o seu poder público bélico derivado (Correia Baptista, 2003: 647). Como ficou referido anteriormente, Comunidade Internacional, representada na Assembleia Geral, não possui legitimidade para exercer o poder público bélico (originário), tendo abdicado desta competência para um dos seus órgãos – o Conselho de Segurança. A Assembleia não pode sequer recomendar o uso da força ou adoptar medidas coercivas não bélicas, podendo unicamente criar forças de manutenção de paz mas não de imposição ou bélicas. A carta possibilita o exercício derivado do poder público, não permitindo o exercício pelo seu titular originário, ou seja, o conjunto dos Estados enquanto Comunidade Internacional. 3.1.1.2. Limites ao uso da força: da necessidade à proporcionalidade Em matéria de limites para o exercício do poder público internacional, as normas de direito internacional (Ius Cogens) têm sido consensuais e bem aceites pela própria Comunidade Internacional. As Nações Unidas, apesar de possuírem um regime específico, encontram-se vinculadas às normas de direito internacional, das quais tem sido os principais defensores e que estão obrigados a fazer respeitar pela sua própria carta, nomeadamente no domínio dos direitos humanos. 202 Poderá ser considerado para este efeito por intermédio da Assembleia Geral 107 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” No seio do Ius Cogens destacam-se como limites específicos aplicáveis ao exercício do poder público as normas relativas aos direitos humanos. Estas normas constituem parâmetros importantes em relação a todas aquelas que se relacionam com as medidas coercivas não bélicas, compreendendo não só os direitos civis e políticos, mas também os económicos, sociais e culturais. Existem também outro grupo de normas internacionais com grande importância como limite ao poder público bélico constituído pelas normas do Direito Internacional Humanitário Costumeiro203 (Correia Baptista, 2003: 1008). Resta enunciar dois dos principais princípios presentes na Carta que se convertem em dois grandes princípios limitadores ao emprego do uso da força que são aplicados sempre que esteja em causa a aplicabilidade dos meios coercivos. O princípio da necessidade, apesar de se encontrar consagrado na carta, não se aplica apenas ao Conselho de Segurança ou ao seu exercício de poder público, sendo considerado como princípio geral de actuação das Nações Unidas (Correia Baptista, 2003: 1061). Nesta medida, a Carta estabelece a aplicabilidade deste princípio quer à actuação e organização interna204 quer externa205, bem como à sua legitimidade e às suas imunidades206 ao Conselho de Segurança207 e quando actua por meio de recomendações208. O princípio da necessidade subdivide-se em dois subprincípios; adequação e minimização dos danos. O primeiro subprincípio encontra-se relacionado com a eficácia material, exigindo que as mediadas a adoptar sejam aptas para que se alcance o objectivo pretendido. O subprincípio da minimização dos danos tem por finalidade a escolha da medida que menores consequências tragam, dentro das medidas adequadas para prosseguir o objectivo visado (Correia Baptista, 2003: 1064). Um outro princípio de grande importância que limita de forma inequívoca qualquer poder é o da proporcionalidade. Apesar de a Carta não sujeitar o exercício do poder público a este princípio, ao contrário do que faz em relação ao princípio da necessidade, a doutrina aponta para que este princípio seja respeitado quer na tomada de decisão do Conselho de utilizar a força, quer do emprego desta no terreno (Correia Baptista, 2003: 1068). 203 Para um estudo mais aprofundado ver a análise às normas humanitárias costumeiras do Direito Internacional dos Conflitos Armados (Baptista, 2003: 432). 204 Cfr art.º 7º nº 2, 20º, 22º, 29º, 68º, 72º nº 2, 90º nº 2, 97º e 101º nº 2. 205 Cfr art.º 2º nº 6 e 59º. 206 Cfr art.º 104º, 105º nº 2 e nº 3 e 106º. 207 Cfr art.º 40º, 42º, 43º, 47º nº 2, 48º nº 1, 51º e 94º nº 2. 208 Cfr art. Art.º 33º nº 2. 108 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Este princípio é aplicável a todas as decisões do Conselho no exercício dos seus poderes públicos, bem como a todos os actos de execução, onde se incluem as delegações ou habilitações. Existem portanto vários limites que poderão e deverão ser aplicados sempre que esteja a ser preparado o emprego do uso da força. Este limites são importantes na medida em que ajudam a adequar e a ajustar a aplicabilidade dos meios coercivos à situação em concreto, procurando encontrar uma solução ajustada, que por um lado seja solução para o problema sem que por outro se transforme numa medida exagerada ou desajustada em relação ao fim pretendido. 3.2. Um quadro nacional: o uso da força em Portugal Em Portugal, o uso da força encontra-se estabelecido legalmente denotando-se uma acentuada preocupação com as condições e circunstâncias em que este melindroso recurso é utilizado, resultado do acolhimento de recomendações dos textos internacionais. No caso das polícias, a utilização da força exige aos elementos policiais que a ela recorrem, uma sólida formação nesta área, em virtude de se defrontarem inúmeras vezes com situações em que se torna exigível a sua aplicação. Na verdade, apesar de ser possível o recurso aos meios coercivos, tendo presente a razoabilidade da situação, existem várias disposições legais que devem ser seguidas para que o recurso à força, não seja ele próprio, um sujeito lesivo dos direitos fundamentais dos cidadãos. Analisando-se o enquadramento legal português, verifica-se que o emprego da força só deve ser feito em situações extremas ou excepcionais, permitindo a lei que esta deva ser feita de acordo com “as circunstâncias, para a prevenção de um crime ou para deter ou ajudar à detenção legal de delinquentes ou de suspeitos, qualquer uso da força fora deste contexto não é permitido” (Maximiano, 1996: 16). 109 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 3.2.1. Preceitos constitucionais No Estado de Direito Democrático Português existem campos de actuação e valores que devem ser considerados, definidos por parâmetros jurídicos, que regulam a actuação das Forças de Segurança. A Constituição da República Portuguesa, neste âmbito como lei fundamental, define e disciplina estes princípios constitucionais fundamentais que se consideram indispensáveis quer para a actuação policial, quer para o exercício do uso da força. Assim, no quadro constitucional, a dignidade do ser humano209 surge como pilar fundamental, e atribui aos cidadãos a inviolabilidade da sua integridade moral e física210, afirmando que todos têm o direito à liberdade e à segurança211, tendo a mesma dignidade social e sendo iguais perante a lei212. A lei fundamental no seu art.º 8º assume fortes laços com o direito internacional, dedicando-lhe um artigo autónomo, começando por referir que “As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português”213, e ainda que “As normas constantes de convenções internacionais (…) vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”214, menciona também que “as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais (…) vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”215, e que “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”216. Para o estudo do uso da força no exercício da função policial será útil referir o nº 1 do art.º 16º que refere que “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional”, sendo que o nº 2º do mesmo artigo determina que ―os preceitos 209 Art. 1.º da CRP Art. 25.º nº 1 da CRP 211 Art. 27.º nº 1 da CRP 212 Art. 13.º nº 1 da CRP 213 Art.º 8º nº 1 da CRP 214 Art.º 8º nº 2 da CRP 215 Art.º 8 nº 3 da CRP 216 Art.º 8 nº 4 da CRP 210 110 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”. Constata-se também uma vinculação das entidades públicas e privadas aos preceitos constitucionais que regulam direitos liberdades e garantias217, especificando a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à constituição e aos princípios que devem respeitar no exercício das suas funções, nomeadamente o princípio da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé218. Dentro do exercício funcional devemos ainda relembrar a responsabilidade a que se encontra sujeito o Estado e as demais entidades públicas quando, por acção ou omissão, viole direitos liberdades e garantias219. Neste campo, a responsabilidade individual também não foi esquecida, encontrando-se os funcionários, os agentes do Estado e das demais entidades públicas, sujeitos à responsabilidade civil, criminal ou disciplinar que lhe couber, sempre que no seu exercício funcional violem interesses protegidos dos cidadãos220. O art. 272º do mesmo texto fundamental, respeitante à polícia, refere que “A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos”221; “As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário”222; “A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”223. Esta redacção remete-nos para a necessária observância dos princípios e normas que regem a actividade policial, tornando-se fundamentais para uma actuação que se pretende eficaz e para a própria salvaguarda do agente de eventuais responsabilidades. Importa referir ainda o Direito à Resistência224 que se encontra salvaguardado pela Constituição, e todos os cidadãos a ele podem recorrer sempre que uma autoridade policial emane uma ordem que ilegitimamente lhe restrinja os direitos, liberdades e garantias. Conclui-se assim, que a actuação das Forças de Segurança está devidamente enquadrada pelos vários preceitos constitucionais, não sendo admissível que existam violações que afectem directa ou indirectamente os direitos que se pretendem proteger. 217 Art. 18º nº 1 da CRP Art. 266º nº 2 da CRP 219 Art. 22º da CRP 220 Art. 271º nº1 da CRP 221 Art. 272º nº 1 da CRP 222 Art. 272º nº 2 da CRP 223 Art. 272º nº 3 da CRP 224 Art.21º da CRP. 218 111 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 3.2.2. Regime legal vigente A actuação das Forças de Segurança pauta-se pela utilização de inúmeros parâmetros jurídicos e constitucionais. Da análise legal que se segue aos vários diplomas legais, verificaremos também os diplomas orgânicos e estatutários das duas Forças de Segurança consideradas (GNR e PSP), tornando-se importante conhecer os regimes jurídicos quanto ao uso da força. A lei de segurança interna (LSI) ao nível dos seus princípios fundamentais afirma que “A actividade de segurança interna pauta-se pela observância dos princípios do Estado de direito democrático, dos direitos, liberdades e garantias e das regras gerais de polícia”225; e que “As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário e obedecendo a exigências de adequação e proporcionalidade”226. Com excepção do caso previsto no n.º 2 do artigo 28º227 da lei de segurança interna, as medidas de polícia só são aplicáveis nos termos e condições previstos na CRP e na lei, de acordo com o princípio da necessidade e somente pelo período de tempo estritamente imprescindível para garantir a segurança e a protecção de pessoas e bens. As medidas atrás referidas só deverão ser aplicadas nas situações em que existam “indícios fundados de preparação de actividade criminosa ou de perturbação séria ou violenta da ordem pública”228. Relativamente à utilização dos meios coercivos, a LSI no seu art.º 34º refere que os agentes das forças e dos serviços de segurança só podem utilizar meios coercivos para “repelir uma agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos, em defesa própria ou de terceiros”229; para “vencer resistência à execução de um serviço no exercício das suas funções, depois de ter feito aos resistentes intimação formal de obediência e esgotados os outros meios para o conseguir”230; considerando que “o 225 Art.º 2º nº 1 da Lei nº 53/08 de 29 de Agosto Art.º 2º nº 2 da Lei nº 53/08 de 29 de Agosto 227 Remoção de objectos, veículos ou outros obstáculos colocados em locais públicos sem autorização que impeçam ou condicionem a passagem para garantir a liberdade de circulação em condições de segurança. 228 Art.º 30º da Lei nº 53/2008 de 29 Agosto 229 Art.º 34º nº 1 al. a) da Lei nº 53/08 de 29 de Agosto 230 Art.º 34º nº 1 al. b) da Lei nº 53/08 de 29 de Agosto 226 112 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” recurso à utilização de armas de fogo e explosivos pelas forças e pelos serviços de segurança é regulado em diploma próprio”231. A LSI, no que se refere à utilização de meios coercivos, demonstra a preocupação do legislador em restringir a utilização dos referidos meios coercivos a situações de legítima defesa, considerando ainda que esta matéria é merecedora de diploma autónomo, nomeadamente, na utilização de armas de fogo e explosivos pelas forças e pelos serviços de segurança. O Código Deontológico do Serviço Policial232 (CDSP), aplicável aos militares da GNR e aos agentes da PSP no âmbito do exercício das funções policiais, depois de enunciar como princípios fundamentais, além de outros, o respeito dos direitos humanos233 e de prescrever que "No cumprimento do seu dever, os membros das Forças de Segurança promovem, respeitam e protegem a dignidade humana, o direito à vida, à liberdade, à segurança e demais direitos fundamentais (...)"234, dispõe ainda sobre o uso da força mencionando que "Os membros das Forças de Segurança usam os meios coercivos adequados à reposição da legalidade e da ordem, segurança e tranquilidade públicas só quando estes se mostrem indispensáveis, necessários e suficientes ao bom cumprimento das suas funções e estejam esgotados os meios de persuasão e de diálogo"235; e refere também que "Os membros das Forças de Segurança evitam recorrer ao uso da força, salvo nos casos expressamente previstos na lei, quando este se revele legitimo, estritamente necessário, adequado e proporcional ao objectivo visado"236. O articulado do CDSP alerta-nos para que nas situações em que o diálogo e os restantes meios de persuasão não resolvam o problema, e encontrando-se preenchidos todos os parâmetros exigíveis para que se possa recorrer ao uso da força, dever-se-á ter em especial atenção a legitimidade, a necessidade, a adequação e proporcionalidade em ralação ao objectivo visado, mantendo sempre presente o respeito pela dignidade humana, o direito à vida, à liberdade, à segurança e demais direitos fundamentais. Importa ainda referir que o recurso à arma de fogo na acção policial se encontra regulado por regime jurídico próprio237, atribuindo ao legislador uma importância especial por considerar uma medida extrema da aplicação da força. O recurso a este 231 Art.º 34º nº 2 da Lei nº 53/08 de 29 de Agosto Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 233 Art.º 2º da Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 234 Art.º 3º nº 1 da Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 235 Art. 8º nº 1 da Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 236 Art. 8º nº 2 da Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 237 Decreto-lei nº 457/99 de 05 de Novembro 232 113 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” meio é tão grave, que só pode ser admitido quando esgotados todos outros recursos. Este regime, pela sua excepcionalidade, será abordado autonomamente numa fase posterior deste trabalho. No que se refere à GNR, o art. 14º nº 1 da lei que estabelece a orgânica da Instituição238 (LOGNR), permite que os militares da Guarda utilizem as “medidas de polícia legalmente previstas e nas condições e termos da Constituição e da lei de segurança interna, não podendo impor restrições ou fazer uso dos meios de coerção para além do estritamente necessário”. Refere ainda o nº 2 do memo artigo e diploma que, “quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade de polícia ou agente de autoridade da Guarda, é punido com a pena legalmente prevista para a desobediência qualificada”. Na PSP, a sua lei orgânica239 prevê a mesma descrição referida anteriormente para a GNR. O Estatuto dos Militares da Guarda (EMGNR)240, no seu art.15º, prevê que a utilização dos meios coercivos e o uso de armas de fogo seja realizado nas seguintes circunstâncias; “O militar da Guarda usa os meios coercivos adequados à reposição da legalidade e da ordem, segurança e tranquilidade pública quando estes se mostrem indispensáveis, necessários e suficientes ao bom cumprimento das suas funções e estejam esgotados os meios de persuasão”; “O militar da Guarda tem o especial dever de assegurar o respeito pela vida, integridade física e psíquica, honra e dignidade das pessoas sobre a sua custódia ou ordem”; “O militar da Guarda recorre ao uso da força, nos casos expressamente previstos na lei, quando este se revele legítimo, necessário, adequado e proporcional ao objectivo visado”; “Em especial, só deve recorrer ao uso de armas de fogo, como medida extrema, quando tal se afigure absolutamente necessário, adequado, proporcional e exista comprovadamente perigo para a sua vida ou de terceiros e nos demais casos previstos na lei”. Este artigo do EMGNR regula a utilização do uso da força tendo presente os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, começando por legitimar o uso de meios coercivos para situações de reposição da ordem e segurança pública após esgotados os meios de persuasão. Estabelece também a possibilidade do recurso a armas de fogo, como medida 238 Lei n.º 63/2007 de 6 de Novembro Art.º 12º nº1 da Lei 53/2007 de 31 de Agosto – Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública 240 Aprovado pelo DL 297/2009 de 14 de Outubro. 239 114 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” extrema do uso da força, nos casos previsto na lei241 e em situações de perigo para a vida do agente ou de terceiros. O EMGNR estabelece nesta área, o respeito pela dignidade humana, a utilização da persuasão, o uso da prudência e prevê que o recurso à força só ocorra em caso de absoluta necessidade, constando ainda este preceito legal no capítulo ―Deveres‖. Após esta análise, podemos concluir que os preceitos indicados se inserem no campo dos princípios da actual lei constitucional e apelam sempre aos princípios da residualidade, precedência de tentativa de persuasão, estrita necessidade e proporcionalidade no recurso à força e sobretudo ao uso de armas de fogo. Os agentes das Forças de Segurança ao aplicarem o uso da força devem obedecer ao preceituado na lei, uma vez que acaba quase sempre por interferir com os direitos dos cidadãos, como vimos anteriormente. No entanto, sem o uso da força e “outros poderes tal com a privação da liberdade, não seria possível à polícia salvaguardar o respeito pela lei, manter ou repor a ordem pública”242. Devemos ainda ter presente que “em democracia o uso da força não consubstancia um direito das Forças de Segurança, mas sim um dever quando se verifiquem certos pressupostos e sempre com o fim de interromper ou evitar violações dos direitos fundamentais. Também não pode ser esquecido que o uso da força está sujeito aos princípios da tipicidade e da proibição do excesso” (Marques da Silva, 2001:64). 3.2.2.1. Princípios e limites da actuação policial Numa sociedade democrática, o uso da força torna-se um dever quando se verificam certos pressupostos e sempre com o fim de interromper ou evitar violações dos direitos fundamentais, após ponderação dos valores e bens a proteger. O homem vive num permanente paradoxo, devido ao facto da sua necessidade de liberdade mas, de igual modo, necessita de segurança tendo em conta os “três estádios de vivência que o caracterizam: a vida íntima, vida privada e vida pública” (Dias, 2001: 23). 241 242 Recurso a armas de fogo em acção policial aprovado pelo DL 457/99 de 05 de Novembro. RALPH Crawshaw, Human Rights and Policing – Standards for Good Behaviour and a Strategy for Change, London, Kluwer Law International, p. 105. 115 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A actividade policial compreende o exercício de um poder que, em diversas situações inesperadas, não possibilita o planeamento ou estruturação de um modo de actuação, onde pode ter lugar uma certa discricionariedade. Os actos discricionários não devem descurar o princípio da legalidade referido anteriormente, em respeito pelos princípios constitucionais fundamentais, que funcionam como limites à actividade discricionária de polícia, nomeadamente os estabelecidos no artigo 266º, n.º 2 da CRP. Embora o uso da força seja uma medida de polícia legalmente prevista, os militares da GNR ou agentes da PSP apenas se socorrem dos “meios coercivos adequados à reposição da legalidade e da ordem, segurança e tranquilidade públicas só quando estes se mostrem indispensáveis, necessários e suficientes ao bom cumprimento das suas funções e estejam esgotados os meios de persuasão e de diálogo”243. O uso da força no exercício da função policial está embebido num conjunto de preceitos jurídicos nacionais e internacionais. No entanto, há situações em que os agentes de autoridade podem e devem usar a força, sendo então “a agressão justificada e legítima” (Marques da Silva, 2001: 63). Face ao exposto, os princípios aplicáveis à actuação policial surgem como reguladores do uso da força, assumindo especial relevância sempre que é necessária a sua aplicação. A Polícia, pela acção directa que desenvolve com a população em geral em representação do Estado, encontra-se subordinada à lei e ao direito, nomeadamente, aos seus princípios gerais, princípios gerais do ramo específico do direito a aplicar, lei formal e material, jurisprudência e doutrina (Guedes Valente, 2005: 85). A actuação policial deverá estar de acordo com os princípios gerais vinculativos da administração pública, consagrados nos artigos 266.º e seguintes, conjugados com os artigos 3º,4º, 5º, 6º, 6º-A e 7º do CPA, dos quais aprofundaremos o princípio da legalidade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade e da proporcionalidade, da boa fé e da colaboração da Administração com os particulares. Princípio da legalidade 243 Art.º 8º n.º1 do Código Deontológico do Serviço Policial. 116 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” No que diz respeito ao Princípio da Legalidade244 este determina que a actuação da polícia deve estar habilitada legalmente, o que está na linha de pensamento do art.º 266º da CRP e do n.º 1 do art. 3º do CPA onde menciona que “os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos”, isto é, com excepção para os casos estipulados na lei, os interesses particulares não podem ser lesados pela administração pública. Estas excepções devem estar em harmonia com os preceitos Constitucionais, e em conformidade com as normas Internacionais, configuradas em tratados e acordos a que Portugal se encontra vinculado. Este princípio tem dois tipos de conotações: uma positiva e uma negativa. A conotação positiva estabelece que “a polícia faz o que está previsto na lei, não podendo actuar sem que uma lei o estabeleça” (Sarmento Castro, 2000: 6); a conotação negativa determina que “a Administração Pública245 está proibida de violar a lei, se o fizer, os seus actos sofrerão uma consequência jurídica desfavorável, a invalidade” (Caupers, 2003: 50). Referente à obediência deste princípio por parte da polícia, Manuel Guedes Valente refere que se levantam duas questões. A dimensão negativa do princípio da legalidade em que “todos os actos da polícia têm de se conformar com as leis, sob pena de serem ilegais”; e a dimensão positiva do princípio da legalidade em que “a polícia só pode intervir de acordo e com base na lei ou com autorização desta” (Guedes Valente, 2005: 86). Princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos Este princípio encontra-se referido na constituição no seu art.º 266º nº 1 onde refere que “A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. Como reforço a este princípio, o art.º 4º do CPA acrescenta que “Compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, admitindo-se neste princípio, que no decurso de toda a ―(…) o princípio da legalidade consubstancia-se na ideia de que os órgãos e agentes da Administração Pública somente podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por esta estabelecidos‖ (Caupers, 2003: 48). 245 Sendo neste caso sua representante a polícia. 244 117 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” actividade administrativa, o interesse público seja sempre salvaguardado, sem que se afaste simultaneamente o respeito pelos direitos dos cidadãos. Os constitucionalistas Jorge Miranda e Rui Medeiros, a este respeito, consideram que o interesse público se encontra inserido num quadro prático–normativo de legalidade e constitucionalidades materiais onde existem preceitos que “estabelecem os fins a realizar pelas entidades públicas”, no entanto, estes fins, quando colocados num determinado nível de abstracção, são considerados comuns para a generalidade das pessoas que integram uma comunidade, apresentando-se como “fins públicos” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, 2005: 559). A este respeito Manuel Guedes Valente refere que este princípio, baseia-se nas “finalidades próprias de uma administração que tem de prosseguir o que teleologicamente a lei e a Constituição consignam de interesse público”. O interesse público “apresenta-se, duplamente, à polícia como “um dos mais importantes limites da margem da livre decisão”246: a polícia, por um lado, só está legitimada a prosseguir o interesse público, devendo apartar-se da prossecução de interesses privados, mesmo que tenha que intervir para repor a ordem e a tranquilidade pública” (Guedes Valente 2005:101). Princípios da igualdade e da proporcionalidade O princípio da igualdade tem consagração geral e universal no art. 13.º da CRP. Impõe este princípio, que exista igualdade na aplicação do direito, em que todos são iguais perante a lei geral e abstracta, por outro lado, garante a igualdade dos cidadãos na participação da vida política da comunidade, proibindo descriminações. A lei fundamental no seu art.º 13º nº 1 estabelece que ―Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social” e que não poderá existir qualquer tipo de diferenciação em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual, criando, de forma arbitrária, situações benéficas ou prejudiciais que coloquem os cidadãos em patamares desiguais perante a lei. O nº 2 do art.º 266 da CRP refere também que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade…”, entre outros. A este propósito, Jorge Miranda e 246 Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral – Introdução e Princípios Fundamentais - Tomo I, Dom Quixote, Lisboa, 2004, p. 201. 118 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Rui Medeiros, referem que a Administração Pública quando se relaciona com os cidadãos, deverá ter constantemente presente que o princípio da igualdade e que este implica tratamentos iguais para situações iguais e tratamentos diferentes para o que também é diferente (Jorge Miranda e Rui Medeiros, 205: 569). O princípio da igualdade também se encontra previsto no art.º 5º do CPA, reforçando a ideia de que a Administração Pública, nas suas relações com os particulares, “deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”. O nº 2 do mesmo artigo refere que em todas as situações em que as decisões administrativas possam colidir com ―direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”, salvaguardando o facto de se admitir que possam existir situações que “belisquem” os direitos ou interesses dos particulares em favor do interesse comum, mas sempre de forma adequada e proporcional. Para Manuel Guedes Valente a “vinculação da Polícia ao princípio da igualdade emerge do n.º 2 do art. 266.º da CRP, cuja consagração é refracção do princípio geral consagrado pelo art. 13.º da CRP. A Polícia não só está vinculada ao princípio da igualdade, como se impõe que actue de forma a materializá-lo. O princípio da igualdade no âmbito da actuação da Polícia revela-se quer no quadrante negativo, em que proíbem tratamentos preferenciais, quer no positivo, que impõe tratamento igual para situações iguais” (Guedes Valente 2005:119). O princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 266 nº 2 da CRP, apresenta-se como um princípio constitucional regulador da interpretação das mais diversas normas jurídicas, contribuindo para que a actuação do Estado e de toda a Administração Pública se desenvolva na procura do interesse público, afectando o mínimo possível os direitos dos particulares. Para o autor António Francisco de Sousa247 o princípio da proporcionalidade aplica-se “com tanta frequência, que bem podemos dizer que está em permanente 247 Apresentação proferida por António Francisco de Sousa no Seminário Internacional de Segurança Interna e Controlo Externo das Forças e Serviços de Segurança: Reflexões e Experiências da Lusofonia que decorreu em Sintra nos dias 12 e 13 de Dezembro de 2006. 119 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” aplicação, como é o caso, por exemplo, da acção das forças de ordem e segurança”. Segundo o autor, este princípio restringe o leque de escolha das medidas que a Administração pode aplicar em cada caso. Sobre este princípio, Vitalino Canas defende que o mesmo tem feito ―carreira‖ sobretudo como limite à actuação policial, desdobrando-se em três sub-princípios, nomeadamente, o sub-princípio da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido restrito. O sub-princípio da adequação exige, segundo o autor, que se responda à seguinte questão: “a medida em projecto (ou sob escrutínio por uma instância de controlo) é (era) capaz de conduzir ao objectivo visado, tendo em contra a situação concreta fáctica e jurídica que é (era) representada e invocada como justificação ou razão para agir, e a prognose sobre como essa situação evoluirá (evoluiria)?” (Vitalino Canas, 2007: 469). Com este sub-princípio pretende-se que a medida escolhida seja adequada para concretizar o objectivo visado, dentro a envolvente fáctica e jurídica que justificam tal actuação. O sub-princípio da necessidade pressupõe a seguinte questão “é ou era necessário ou indispensável adoptar aquela medida (“tinha de ser”), com aquele concreto conteúdo lesivo, para atingir um certo fim?”. Partindo do pressuposto de que o autor tem a possibilidade de entre várias alternativas, torna-se fundamental que avaliar se a opção escolhida não é mais lesiva que outras opções não escolhidas, que poderiam ter efeito equivalente ou mesmo superior (Vitalino Canas, 2007: 470). O Sub- princípio da proporcionalidade em sentido restrito leva-nos a reflectir se “o sacrifício de certo bem, interesse ou valor é ou era aceitável, tolerável”. Este subprincípio, para alguns, encontra-se relacionado com a análise económica custos/benefícios de uma decisão, ou seja, devemos tentar saber se o custo (leia-se sacrifício de certos bens) é proporcionalmente aceitável quando comparado com o benefício (leia-se satisfação de certos bens), se assim for, a mediada denomina-se proporcional em sentido estrito (Vitalino Canas, 2007: 471). Princípios da justiça e da imparcialidade A lei fundamental consagra o princípio da justiça no seu art.º 266º ao referir que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da (…), da justiça…”. Este princípio está assente no dever do tratamento justo a todos os que se 120 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” relacionam com a Administração Pública. A este propósito, o CPA refere no seu art.º 6º que “No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entram em relação”. Relativamente a este princípio, os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, referem que existe “a necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios materiais ou de valor constitucionalmente plasmados”, referindo-se a outros princípios tais como, o da dignidade da pessoa humana, o da igualdade, da proporcionalidade entre outros (Canotilho e Moreira, 2007: 925). No que concerne ao princípio da imparcialidade, tem consagração constitucional no art.º 266º, n.º 2 da CRP. Este princípio, institui que a Administração Pública actue na prossecução do interesse público, de forma isenta e imparcial, sem qualquer tipo de interesses alheios ou divergentes do interesse público. O CPA nos art.º 44 a 51, vem estabelecer regras para as situações de impedimentos, suspeições e escusas, contribuindo para a transparência da actividade da administração pública. Princípio da boa fé É um princípio consagrado na Constituição, no n.º 2 do seu art. 266.º, e apresenta-se como um princípio legitimador da actividade da administração pública, tendo por objectivo criar um clima de confiança mútua entre as partes. O princípio da boa fé é portanto, um instrumento garantístico das expectativas e da confiança dos particulares gerados a partir de comportamentos para com a Administração Pública. “O princípio da boa fé, é o espelho do princípio da lealdade no âmbito processual penal, que a policia deve materializar no trabalho da prevenção criminal”(Guedes Valente 2005:103). Neste âmbito, o art.º 6-A do CPA, esclarece que “No exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé”. Acrescenta também que para isso devem ser ponderados os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, nomeadamente a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; e o objectivo a alcançar com a actuação empreendida. Princípio da colaboração da Administração com os particulares 121 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Este princípio que se encontra estabelecido no art.º 7º do CPA, refere que os órgãos da Administração Pública devem actuar em estreita colaboração com os particulares, procurando assegurar a sua adequada participação no desempenho da função administrativa, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam; apoiar e estimular as iniciativas dos particulares e receber as suas sugestões e informações. Desta forma, constata-se que existe uma forte preocupação da Administração Pública em colaborar com os particulares, devendo estar disponível, sempre que necessário, para conceder informações e esclarecimentos que necessitem. Na realidade, existe uma constante violação da paz, da concórdia e das normas, fazendo com que as forças de segurança no exercício da sua função, por vezes, façam uso da força, que legitimamente lhe é conferida e a diferentes níveis. Como escreve Ferreira Antunes, “a força utilizada pode ir do mero contacto para significar a alguém a sua detenção ou a imobilização e, em casos-limite, o tiro mortal com arma de fogo” (Ferreira Antunes, 1996: 40). Assim, o Estado só tem legitimidade nos seus poderes desde que estes não violem a dignidade da pessoa humana, pelo que as “forças e serviços de segurança só devem actuar de forma a não ofenderem aquela mesma dignidade” (Dias, 1998: 210). Deste modo, a defesa dos direitos dos cidadãos, para além de ser um dos fins da actividade policial, constitui também um limite a essa actividade, ou seja, “estando a polícia obrigada a preservar dos perigos os direitos fundamentais dos cidadãos, não poderá, por maioria de razão, atropelá-los no exercício dessa mesma actividade” (Sarmento Castro, 2000: 7). Para aprofundar este tema, Paulo Cavaco deduz da obra do Professor Marcello Caetano, que os limites ao exercício da função policial consistem em: A polícia não dever intervir no âmbito da vida privada dos indivíduos, desdobrado em duas regras: a polícia não deve ocupar-se de interesses particulares; a polícia tem de respeitar a vida íntima e o domicílio dos cidadãos; A polícia dever actuar sobre o perturbador da ordem e não sobre aquele que legitimamente use o seu direito; Os poderes de polícia não deverem ser exercidos de modo a impor restrições e a usar coacção além do estritamente necessário, apelando à ideia de 122 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” “proporcionalidade entre os males a evitar e os meios a empregar para a sua prevenção” (Cavaco, 2003: 98-99). Verifica-se uma desactualização respeitante ao primeiro limite enunciado pelo Professor Marcello. Hoje em dia, a Constituição consagra a defesa dos direitos dos cidadãos como um dos fins a prosseguir pela Polícia Administrativa, o que fez com que esta se tenha agora que preocupar também, com a defesa dos interesses particulares, ou seja, com os direitos fundamentais do cidadão. No que respeita a direitos, liberdades e garantias, a Constituição248 determina que “o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”249. Esta inviolabilidade só é permitida quando “ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei”250. Por último e conforme o n.º3 deste artigo, “Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei”251. Deste artigo infere-se a existência de um verdadeiro direito à reserva da vida privada e familiar, isto é, vem impedir que as Forças Policiais tenham acesso à vida privada de cada um, uma vez que o domicílio é uma área estritamente privada das pessoas, não podendo esta, ser devassada. O segundo limite, vem estipular que a polícia deve proteger os direitos dos cidadãos, actuando sobre o perturbador da ordem, como está previsto no n.º1 do art.272º da CRP252 e não permite que a polícia actue sobre o indivíduo que legitimamente use o seu direito. A defesa dos direitos dos cidadãos, para além de ser um dos fins da actividade policial, constitui também um limite a essa actividade, ou seja, “estando a polícia obrigada a preservar dos perigos os direitos fundamentais dos cidadãos, não poderá, por maioria de razão, atropelá-los no exercício dessa mesma actividade” (Sarmento Castro, 2000:6). 248 Art.34º da CRP Art. 34º n.º 1 do da CRP 250 Art. 34º n.º 2 do da CRP 251 Deve fazer-se a correspondência com o art.177º do CPP. 252 ― (…) garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos‖. 249 123 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Quanto ao último dos limites aos poderes de Polícia apresentados pelo Professor, remete-nos para os princípios da tipicidade e da proibição do excesso253, “traduzindo neste domínio a subordinação das medidas de Polícia aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade”254 . Segundo Paulo Cavaco, a maior das dificuldades associadas aos limites expostos, resulta ―da necessidade de precisar e preencher aqueles requisitos associados aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade, todos eles de conteúdo infixo, tarefa que apenas se permite quando considerados os factos que caracterizam cada situação concreta” (Cavaco, 2003: 89). 3.2.2.2. A especificidade da arma de fogo O Estado Português elege como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, e consagra constitucionalmente o direito à vida e à integridade física como direitos fundamentais, impondo o respeito pelos direitos, liberdades e garantias255. A polícia256, surge neste contexto vinculada a estes normativos legais, devendo a intervenção policial pautar-se pelo estritamente necessário à reposição da legalidade violada, e que, face às circunstâncias, os seus agentes adoptem as medidas adequadas e proporcionais à situação. Numa actuação concreta com recurso aos meios de coerção em geral, os princípios atrás enunciados estabelecem um importantíssimo filtro de aferição da legalidade, assumindo especial significado quando o meio coercivo utilizado se encontra no topo da hierarquia, como é o caso da arma de fogo. Na sociedade actual, o agente de autoridade que desenvolve diariamente a actividade operacional, enfrenta dificuldades de ordem prática, inerentes à sua profissão, no entanto, a necessidade de decidir é uma realidade indiscutível, preferencialmente de modo racional e seguro, em algumas situações rápido, sobre a adequação da sua conduta à realidade que concretiza. Esta realidade, muitas vezes volátil, com níveis de risco ou de violência, obrigam o agente a optar ou não pelo uso da arma de fogo, obrigando-o a possuir uma capacidade de discernimento que o possa habilitar a tomar a decisão correcta. 253 Art. 2.º da CRP Gomes Canotilho e Vital Moreira, citados por Paulo Cavaco 255 Artigos nºs 1º, 18º, 24º e 25º da CRP 256 Artigos nºs 266º e 272º da CRP 254 124 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Tendo sido realizada a abordagem conceptual sobre o uso da força, quer no plano internacional, quer no quadro nacional, deixámos propositadamente, para ser tratado de forma autónoma o regime jurídico específico que regula o recurso à arma de fogo em acção policial257. Por norma, as armas de fogo não devem ser utilizadas, excepto “quando um suspeito ofereça resistência armada” ou em situações que “coloque em perigo vidas alheias e não haja suficientes medidas menos extremas para dominar ou deter” (Maximiano, 1996: 17). Analisando o DL n.º 457/99, de 5 de Novembro258, nomeadamente o respectivo preâmbulo, verificámos que “não basta a mera proclamação de grandes princípios para que as Forças Policiais se sintam em condições de, a todo o momento, poder optar por um de entre os vários tipos de intervenção possíveis”, sendo por isso necessário “explicitar e desenvolver condicionantes ao uso de armas de fogo inerentes aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstas e enfatizar especialmente a necessidade de salvaguardar a vida humana até ao extremo possível (…)”. Foi ainda propósito do diploma clarificar o quadro de procedimentos, definindo situações em que tal pode ocorrer, correspondendo a uma garantia para o cidadão, nesta sensível área. De uma breve análise a este regime, podemos constatar que este veio concretizar os pressupostos que regulam o recurso a arma de fogo, dividindo em duas categorias: o recurso a arma de fogo259 e o recurso a arma de fogo contra pessoas260, sendo que o segundo é bastante mais exigente que o primeiro, ao ponto de fixar as condições capazes de legitimar esse uso e simultaneamente respeitar e preservar a vida humana até ao extremo possível. Esta disposição legal refere também que ninguém pode ser objecto de intimidação através de tiro de arma de fogo quando o seu uso não seja legalmente admissível, e mesmo nos casos em que o seja, o agente só o deverá fazer se for 257 Para os fins deste diploma, entende-se por acção policial a que for desenvolvida pelas entidades e agentes policiais definidos pelo Código de Processo Penal como órgãos e autoridades de polícia criminal, desde que autorizados a utilizar arma de fogo de acordo com o respectivo estatuto legal, no exercício das funções que legalmente lhes estiverem cometidas, de acordo com o art.º 1º nº 2 e 3 do Decreto-lei n.º 457/99, de 5 de Novembro. 258 Preâmbulo do diploma e a Lei n.º 104/99 de 26 de Julho que autorizou o Governo a legislar sobre o regime de utilização de armas de fogo e explosivos pelas forças e serviços de segurança. 259 Nº 1 do Art.º 3º do Decreto-lei n.º 457/99, de 5 de Novembro 260 Nº 2 do Art.º 3º do Decreto-lei n.º 457/99, de 5 de Novembro 125 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” manifestamente improvável que, além do visado ou visados, alguma outra pessoa venha a ser atingida261. O CDSP, onde o recurso à arma de fogo surge como medida extrema, reforça a preocupação elencada no anterior diploma, quando afirma que “em especial, só devem recorrer ao uso de armas de fogo, como medida extrema, quando tal se afigure absolutamente necessário, adequado, exista comprovadamente perigo para as suas vidas ou de terceiros e nos demais casos taxativamente previstos na lei”262. O próprio Regulamento Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana263 (RGSGNR), refere que o recurso a arma de fogo “só é permitido como medida extrema de coacção ou de legítima defesa adequada às circunstâncias”264, ou seja, elenca as circunstâncias em que pode fazer-se a sua utilização, refere a obrigatoriedade da advertência e do socorro das vítimas, caso existam e o dever do relato à hierarquia, sempre que se verifique a sua utilização. Ao nível interno, o manual de operações da Guarda refere que “A utilização de armas de fogo, mesmo por aqueles a quem a lei reconhece esse direito, é regulada por legislação apropriada e limitativa do seu emprego, de modo a prevenir o seu uso inadequado e a possibilitar a responsabilização de quem delas faz uso impróprio”265. Actualmente caminha-se para a criação de meios alternativos, nomeadamente uma nova classe de armas, sprays de defesa e equipamentos eléctricos, capazes de criar um leque de meios alternativos não letais, aptos a apoiar a actividade policial sem atingir o grau de coercibilidade máximo, tal como a arma de fogo. 261 Nº 3 e 4 do Art.º 3º do Decreto-lei n.º 457/99, de 5 de Novembro Nº 3 Art.º 8º da Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 263 Portaria n.º 722/85, de 25 de Setembro 264 Art. 7º, Parte III, do Regulamento Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana 265 Manual de Operações (1996), Volume I, Título II, Capítulo I, Lisboa, CEGRAF/GNR, p. 1 262 126 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” CAPÍTULO IV - AS OPERAÇÕES DE APOIO À PAZ “As intervenções “humanitárias” que têm pautado esta passagem do milénio não são boas nem são más. Talvez nem sejam inevitáveis. Mas desenham, a luz forte, o Mundo que temos” (Marques Guedes, 2005: 79). 1. Tipologia e progressão adaptativa das Operações de Paz As operações de paz, iniciadas no período da Guerra-fria, constituem-se como uma das realizações mais felizes das Nações Unidas, que têm atingido vários continentes, desenvolvendo-se em contextos e circunstâncias diversas. Operações de Apoio à Paz é a denominação que abrange as actividades nas quais participam forças multinacionais, sob a égide das Nações Unidas, lideradas por esta organização ou conduzidas por outros actores266, normalmente com autorização do Conselho de Segurança, cuja fim último é manter, garantir e restaurar a paz e segurança internacional. As operações de paz “não se confundem com os processos de solução de conflitos, porque em si mesmas não visam resolver diferendos, mas atingir os seus efeitos ou impedir que se produzam. E tão-pouco se confundem com as acções em caso de ameaça à paz, ruptura da paz ou agressão, porque não são repressivas, nem assumem carácter sancionatório” (Jorge Miranda, 2006: 277). O regime jurídico das operações de manutenção da paz tem-se formado por costume internacional, a partir da prática do Conselho de Segurança, da Assembleia Geral e do Secretário-Geral, sendo que as operações ―são actividades das Nações Unidas, desenrolam-se sob a sua bandeira, os seus participantes usufruem dos privilégios e imunidades da Organização e à Organização é imputável a responsabilidade pelos prejuízos que delas venham a resultar” ; em segundo lugar, as operações ―implicam o consentimento do Estado em cujo território se realizem (embora haja ou tenha havido 266 De que são exemplo a União Europeia (UE), a União Africana (UA), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a Comunidade de Estados Independentes (CEI) e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS), entre outras organizações e organismos. 127 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” situações-limite em que, na falta de poder instituído, apenas existiu uma decisão externa) e pressupõem sempre o respeito pela independência e pela sua integridade territorial”( Jorge Miranda, 2006: 277) Além disso, têm uma natureza não coercitiva, admitindo-se o uso da força em caso de legítima defesa; postulam imparcialidade perante as partes envolvidas no conflito; têm duração limitada, cessando a missão quando alcançam os seu objectivo, quando ele se torna impossível, a pedido do Estado em cujo território se efectuam; o órgão competente para decidir sobre a realização das operações é o Conselho de Segurança, envolvendo os contingentes forças de todos os Estados; o Secretário-Geral fica com a direcção das operações determinando a composição das forças, celebra acordos com os Estados onde se desenrola a missão e comanda a missão. O financiamento recai sobre a Organização através das contribuições obrigatórias dos Estados-membros a fixar pela Assembleia Geral. (Jorge Miranda, 2006: 277-278). As operações de paz estão efectivamente assentes “numa concepção jusuniversalista e de solidariedade entre as pessoas e os povos, as intervenções humanitárias subordinam o princípio da soberania ao princípio do respeito dos mais fundamentais direitos do homem que cabe à comunidade internacional no seu conjunto prosseguir” (Jorge Miranda, 2006: 280). Estas operações têm como principais traços individualizadores os seguintes: intervirem quando a situação afecta toda uma população ou um grupo, pondo em causa a sua sobrevivência ou a sua subsistência; quando se verifica a inexistência de alternativas, ou as autoridades locais são incapazes de assumir a situação; dever de aceitação da assistência por parte do Estado, a par de um dever de assistência por parte da comunidade internacional; necessidade de autorização, homologação ou convalidação pelas nações Unidas e pelo Conselho de Segurança; utilização de meios proporcionais aos fins assumidos (adstrição dos meios aos fins e sua racionalidade); limitação no espaço e no tempo; isenção na condução das operações e respeito pela autodeterminação dos povos. (Jorge Miranda, 2006: 280-281). A designação genérica das Operações de Paz tem evoluído ao longo do tempo entre o Peacekeeping (Operações de Manutenção de Paz)267, Peace Operations (Operações de Paz) e Peace Support Operations (Operações de Apoio à Paz). Segundo 267 Por operação de manutenção da paz entende-se quer forças de manutenção da paz, quer missões de observação, quer operações globais que compreendem ambas as dimensões juntamente com outras funções (Baptista, 2003: 739). 128 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Viana o termo Peacekeeping268 (Operações de Manutenção de Paz) tem sido mais utilizado pelos órgãos de comunicação social, pelo público em geral e por académicos. As Nações Unidas continuam a usar este termo para descrever globalmente as operações de paz (Viana, 2002: 113). A UEO269 e a OSCE270 também usam a mesma terminologia. O termo Peace Operations (Operações de Paz) tem sido utilizado desde 1994, nos documentos oficiais americanos e é também comum em alguns meios académicos. Relativamente ao termo Peace Support Operations (Operações de Apoio à Paz), segundo o mesmo autor, é utilizado pelo Departamento de Estado Americano para designar o envolvimento dos Estados Unidos da América em operações de paz, sendo também utilizado em alguns documentos no âmbito da NATO. Na actual praxis das Nações Unidas271, existem alguns conceitos chave usados nas Operações de Apoio à Paz que estão à disposição da Organização e que lhe conferem uma grande flexibilidade. Assim: 1. Prevenção de Conflitos (Conflict Prevention): trata-se de uma actividade, que envolve a aplicação de medidas estruturais ou diplomáticas para conter a escalada de disputas ou tensões inter-Estados ou intra-estatais com o fito de se impedir que se transformem em conflitos. Tais medidas podem incluir a intervenção dos “bons ofícios” do Secretário-Geral, medidas de promoção da confiança entre as partes e a intervenção preventiva. 2. Realização da Paz (Peace-making): Tratam-se, doutrinariamente, de acções diplomáticas para levar as partes hostis a negociar acordos através de meios pacíficos, tais como os previstos no capítulo VI da Carta das Nações Unidas. As medidas para facilitar a resolução do conflito podem ser levadas a cabo pelo Secretário-Geral a pedido do Conselho de Segurança, da Assembleia-Geral ou por sua própria iniciativa. Entre este tipo de acções podem assinalar-se o recurso ao Tribunal Internacional de 268 Segundo LOPES (2005), a designação Operações de Manutenção de Paz (Peacekeeping) é muitas vezes empregue em sentido lato miscigenando elementos de promoção e imposição de paz (Peacemaking e Peace Enforcement) e de desenvolvimento institucional sustentável, em múltiplas áreas de especialidade. O tradicional post-conflict Peace building surge integrado nos mandatos de peacekeeping (em latu sensu) da mais recente geração de missões de paz. Eventualmente, deveríamos falar em Operações de paz (Peace Operations) num sentido mais abrangente, e consequentemente o DPKO (Departement of Peacekeeping Operations) poder-se-ia designar por DPO (Departement of Peace Operations). Cfr. LOPES, Antero (2005), ―Esforços de Polícia no Apoio à Paz Mundial‖, in BRANCO, Carlos; GARCIA, Francisco (Coord.), Os Portugueses nas Nações Unidas, Lisboa, Prefácio, págs 70 e 71. 269 No ―Documento de Helsínquia de 1992‖. 270 Na ―Declaração de Petersberg de 1992‖ e documentos subsequentes. 271 United Nations Peacekeeping Operations - Principles and guidelines, DPKO, UN, New York (18 January 2008), pág.17 e segts. (http://pbpu.unlb.org/PBPS/Library/Capstone_Doctrine_ENG.pdf Consultado em 06 Abril de 2009). 129 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Justiça, a mediação e negociação e a prestação de assistência para solucionar as causas da disputa, realizadas por enviados especiais, governos, grupos de Estados, Organizações Regionais, Organizações Não Governamentais ou personalidades independentes. 3. Manutenção da Paz (peacekeeping): Apresenta-se como uma técnica desenhada para preservar a paz, em zonas de hostilidades, tendente assegurar uma presença física272da ONU, com o consentimento das partes envolvidas, e com o objectivo de controlar a implementação de acordos relativos ao controlo do conflito273 e à sua resolução274 ou para assegurar o fornecimento de assistência humanitária. O modelo inicial do peacekeeping traduzia-se em dois vectores: de observação do cessar fogo275 e colocação de forças de interposição armada entre as facções beligerantes. Nos últimos anos verificou-se uma evolução, para um modelo complexo de operações que envolvem diversas componentes – militar, policial e civil – que operam e trabalham em conjunto para criar as fundações de uma paz sustentável e duradoura. 4. Imposição da paz (peace-enforcement): envolve a aplicação, com a autorização do Conselho de Segurança, de medidas coercivas, através de uma força armada. A autorização da sua utilização é proporcionada pelo capítulo VII da Carta, e inclui o uso da força, para manter ou restaurar a segurança e a paz internacional em situações em que aquele Conselho determinou a existência de uma ameaça à paz, ruptura da ordem pública ou actos de agressão. Quando for considerado apropriado, o Conselho de Segurança pode empregar outras agências ou organizações regionais que actuam sob a sua autoridade. 5. Consolidação da paz (peace-building): envolve um conjunto de medidas identificadas como críticas para reduzir o risco de conflito, ou a recaída em conflito, através do reforço e consolidação das capacidades nacionais, a todos os níveis, para reforçar e consolidar a estabilidade e promover o desenvolvimento. É um processo complexo e de longo prazo que visa criar as condições para uma paz sustentada, O professor M. Virally, citado por DIHN (2003) refere que ―esta presença de uma testemunha imparcial, representativa da comunidade internacional é a principal justificação deste processo mais conhecido na opinião pública sob a denominação jornalística de «capacetes azuis»‖. Cfr DINH, Nguyen Q., DAILIER, Patrick, PELLET, Alain (2003), Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. 273 Cessar-fogo, separação das forças no terreno, etc. 274 Através de acordos parciais ou mais abrangentes. 275 Com tarefas de observação e informação. 272 130 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” actuando sobre as causas estruturais que estão na fonte da conflitualidade. Neste tipo de actuações podem incluir-se: a assistência técnica para a reorganização e formação das forças de segurança, o apoio ao fortalecimento das instituições estatais, a repatriação de refugiados, a tutela de processos eleitorais, a desminagem de grandes áreas para retomar segmentos vitais da economia de um País como transportes ou agricultura. Importa referir, ainda neste contexto, que existem outras medidas que podem ser tomadas e que contribuem para a resolução dos conflitos, donde se destacam: − Aplicação de Sanções: traduz-se na aplicação de medidas coercivas que não implicam o uso da força armada para manter ou restaurar a paz e segurança internacionais, o seu objectivo é tratar de modificar a atitude de uma ou ambas as partes em conflito por intermédio da pressão política internacional. Normalmente, apresenta-se como um passo prévio ao possível uso de força armada para solucionar o conflito. Entre este tipo de acções encontram-se: a ruptura total ou parcial das relações económicas através de embargos, interrupção total ou parcial das comunicações ferroviárias, marítimas, aéreas ou outros tipos de comunicação e a ruptura de relações diplomáticas. − Actividades de Desarmamento: que se baseiam em acções dirigidas ao controlo, recolha e destruição das armas. Este tipo de actuação não se verifica num contexto isolado ou como acção independente, mas é complementar a outras actuações definidas anteriormente, normalmente ao processo de consolidação de paz (peace- building), podendo seguir-se também a uma actuação de imposição de paz (peace-enforcement). Refira-se que é normal que qualquer regime de sanções inclua o embargo de armas. As Nações Unidas têm como fim geral “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra”276 e um dos seus principais objectivos é a manutenção da paz e segurança internacionais. As Operações de Manutenção da Paz, ainda que não explicitamente prevista na Carta das Nações Unidas (CNU)277, tornaram-se um dos principais instrumentos para atingir tal desiderato. 276 277 Conforme estatuído na Carta das Nações Unidas. A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco no dia 26 de Junho de 1945 e representa o documento base para todas as actividades da Organização. 131 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 2. As Operações de Paz de segunda geração A partir de meados dos anos 80, devido à explosão de novos conflitos internacionais as Nações Unidas viram-se obrigadas a fazer alterações no peacekeeping (PK) tradicional. As missões actuais para além da missão de minimizar os conflitos através de um processo de monitorização de cessar fogo, passaram a incluir novas actividades que incluem a ajuda humanitária às populações, a reconstrução de países devastados pela guerras, monitorização do respeito pelos direitos humanos e a escolha de governos democráticos nos países que sofreram conflitos prolongados. O denominado peacekeeping de segunda geração é “mais exigente, não só porque inclui o desempenho de mais actividades, mas porque é direccionado para a resolução dos conflitos” (Pinto, 2007: 26). Estas missões de segunda geração passaram a designar-se como “operações de apoio à paz” (Peace Support Operations). Esta designação passa a abranger as diversas dimensões das operações indo da prevenção dos conflitos às tarefas mais latas do peacebuilding. Este termo, peacebuilding, é uma actividade multifacetada, na qual o peacekeeeping desempenha um papel coadjuvante. Por regra obedece aos seguintes pressupostos: ocorre após a conclusão de um tratado de paz entre os beligerantes e implica actividades de reconstrução do Estado após o conflito nas suas vertentes políticas, económicas e sociais e envolve por regra uma forte componente civil (ONG´s, peritos em várias áreas, polícia civil (CIVPOL), organizações do sistema da ONU ligadas às actividades humanitárias e de desenvolvimento). A componente do peacekeeping propriamente dito destina-se a criar um ambiente de segurança que permita o trabalho de reconstrução de um país (Pinto, 2007: 26). Como foi enfatizado pelo antigo Secretário-Geral da Nações Unidas General Boutros Ghali278, os acordos entre as partes em conflito nas operações de apoio à paz passaram a, ―envolver não apenas os assuntos militares, mas também uma largo espectro de matérias do foro civil. Assim, as Nações Unidas foram chamadas a desempenhar uma variedade de funções sem precedentes: A verificação dos acordos de cessar-fogo, o reagrupamento e a desmobilização das forças; a reintegração dos 278 GHALI, Boutros B. (1995) An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping, New York: UN, 2nd ed., pág. 11. (tradução nossa) 132 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” combatentes na vida civil e a destruição das suas armas; o planeamento e implementação dos programas de desminagem; o regresso dos refugiados e deslocados; o fornecimento de assistência humanitária; a supervisão das estruturas administrativas existentes; o estabelecimento de novas forças policiais; a verificação do respeito pelos direitos humanos; o planeamento a supervisão de reformas constitucionais, judiciais e eleitorais; a observação, supervisão e mesmo a organização e condução de eleições; e a coordenação do suporte conducente à reabilitação económica e à reconstrução”. As tarefas do novo PK dispõem-se na seguinte escala: missões de observação convencionais; peacekeeping tradicional; peacekeeping preventivo; supervisão de cessar-fogos envolvendo forças irregulares; assistência na manutenção da lei e da ordem; protecção da entrega da ajuda humanitária; garantir o direito de passagem; imposição de sanções e acções de enforcement. As intervenções internacionais dos capacetes azuis não se limitam a separar os beligerantes, sendo que o novo PK tem alargado o seu âmbito de actuação ao intervir cada vez mais em situações de guerras civis e conflitos internos. Tendo em conta este cenário de actuação, Kofi Annan definiu peacekeeping como ―uso de pessoal militar multinacional, armado ou desarmado, sob comando internacional e com o consentimento das partes, para ajudar a controlar e a resolver conflitos entre Estados hostis e entre comunidades hostis dentro de um Estado (…) (Este tipo de conflitos) requer um tipo de tratamento, por parte da comunidade internacional, qualitativamente diferente em relação às guerras clássicas entre Estados”(Pinto, 2007:28). Nas “operações de apoio à paz” (Peace Support Operations), os capacetes azuis têm um envolvimento mais profundo com as populações, caracterizando-se pela coordenação intensa entre estes e as ONG´s na resolução dos conflitos políticos e económicos dessas sociedades. São operações multifacetadas que combinam uma força militar robusta, que pode usar a força, com uma vasta componente civil. Trata-se de missões multi-dimensionais, que consistem em “operações realizadas por militares que geralmente, mas não necessariamente, incluem uma larga componente civil e estão explicitamente mandatadas para lidarem com aspectos sociopolíticos e/ ou humanitários do conflito.” (Pinto, 2007:29). Boutros-Ghali referiu-se a estas operações de segunda geração como “multifuncionais” que integram “componentes políticos, humanitários, sociais e 133 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” económicos e exigindo especialistas civis e especialistas no campo da ajuda humanitária para trabalhar em paralelo com os soldados” (Pinto, 2007: 29). Neste tipo de operações tem-se assistido a uma diminuição do número de soldados com um aumento do pessoal civil e das actividades não militares. A denominada polícia civil, a assistência eleitoral, a ajuda humanitária, a desminagem, a monitorização dos Direitos Humanos, o treino de pessoal, são actividades em crescimento na ONU. Exemplo claro da nova gama de actividades do peacekeeping é a missão em Timor. Neste PK multifuncional a NATO pode dar um contributo especial, devido à complexidade de tais operações e a possibilidade acrescida de existir a disponibilidade do uso da força. Além disso, pode existir a necessidade de multinacionalidade, de intelligence, transporte estratégico, meios sofisticados de comunicação e sistemas e procedimentos de comando, controlo e coordenação. A NATO, quando nos referimos à área do PK, pode indiscutivelmente oferecer uma estrutura, procedimentos, capacidades e uma experiência que nenhuma outra organização possui que vai desde procedimentos comuns, sistemas de comando e de controlo, capacidades logísticas, meios de transporte, infra-estruturas modernas e uma capacidade sofisticada de recolha de intelligence. A Aliança tem forças bem treinadas, modernas e interoperáveis. Como tem um elevado nível de meios, a NATO pode apoiar operações humanitárias vastas e complexas visto possuir tropas com uma experiência importante em missões do peacekeeping e em crises humanitárias (Pinto, 2997: 30). Há ainda a referir que nas operações de segunda geração, que actuam no quadro de guerras internas, tem existido frequentemente o uso da força por parte dos capacetes azuis, pois baseiam-se no Capítulo VII da Carta: permitem a utilização da força para o cumprimento do mandato das forças das NU e excluem a necessidade de solicitar às partes envolvidas na disputa (pelo menos a todas quando tal não se afigura como viável) o consentimento para intervir. No que diz respeito ao conceito de intervenção humanitária este tem vindo a ser desenvolvido na última década. E embora este não seja um conceito gerado nas NU, a sua operacionalização tem vindo a ser feita nos últimos mandatos que englobam a protecção de civis. Em algumas das suas intervenções as NU põem em causa a inviolabilidade e a soberania dos Estados.279 279 Em 2000, o Canadá criou a Comissão Internacional sobre a Intervenção e a Soberania do Estado, que partiu do princípio que tem havido uma mudança conceptual no conceito de soberania que tende a ser 134 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Em Setembro de 2005, ficou consagrado no documento final da Cimeira das Nações Unidas uma nova figura de compromisso que consiste na “responsabilidade de proteger”, alcançando-se um consenso entre os chefes de Estado e de governo que afirmaram que todos os países “têm a responsabilidade de proteger” as suas populações. Os Estados membros exprimiram ao Conselho de Segurança a sua determinação em agir de forma colectiva, quando um povo estiver a ser ameaçado de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica ou crimes contra a humanidade. Esta protecção reconhece como deveres: a prevenção, a acção contra o incitamento, a capacidade de lançar alertas precoces e todo o tipo de medidas que forem apropriados, nomeadamente meios diplomáticos, humanitários e no âmbito da acção colectiva que podem ser usados pela ONU quando os Estados faltarem aos seus deveres ou forem omissos. Se estas medidas se revelarem ineficazes, compete ao Conselho de Segurança, ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, decidir o uso da força. A comunidade internacional intervirá para pôr cobro a situações de genocídio, violações repetidas e em larga escala de Direitos Humanos e crimes contra a Humanidade. A acção coerciva visa, pois, proteger pessoas em risco dentro de um país. A evolução do Direito Internacional ditou “a erosão do princípio da não-ingerência e propicia que a soberania seja finalmente apresentada não como um escudo para líderes opressores mas como um instrumento ao serviço da protecção de cidadãos” (Pinto, 2007: 33). Embora os Estados continuem muito ligados à noção de soberania, passam a não respeitar a soberania daqueles que violam massivamente os direitos humanos. Quando tal acontece o Conselho de Segurança é consensual quanto a uma intervenção que não só é legítima como necessária. Como o conceito de manutenção de paz se tornou muito abrangente, sentiu-se a necessidade de estender a intervenção às forças policiais. Este incremento das participações levou à criação em 1994 de um Departamento exclusivo para os assuntos de Polícia Civil, em Nova Iorque, o DPKO - Department of Peace Keeping Operations. Neste tipo de missões estreia-se a GNR em 1995, na operação ―Danúbio‖ na Roménia, no quadro da UEO. A partir desse momento, as Nações Unidas estabeleceram relevo à visto como responsabilidade e não tanto enquanto faculdade de poder e controlo. O Comité considerou a responsabilidade de proteger é “uma norma internacional emergente, ou um princípio orientador do comportamento para a comunidade internacional de países, que poderá muito bem ser integrada no direito internacional consuetudinário, se mais consolidada na prática dos países e intergovernamental” (Pinto, 2007: 33). 135 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” participação de elementos das forças de segurança portuguesas em operações deste tipo. Tal sentimento levou a GNR a participar no teatro de operações de Timor-Leste, em 1999. Desde 2000, a GNR manteve militares que integraram sucessivas missões UNTAET (United Nations Trasitional Administration in East Timor); UNMISET/ CIVPOL (Inited Nations Mission of Support in East Timor/ United Nations Civilian Police e UNOTIL( United Nations Office in Timor-Leste). Neste modelo de participação internacional da GNR houve necessidade de reforço do quadro legal. Com o intuito de dar alguma coerência legislativa foi indispensável que os elementos das forças e serviços de segurança dependentes do Ministério da Administração Interna (MAI), em vias de participação em missões humanitárias e de paz no exterior, possuíssem um regime idêntico aos militares das Forças Armadas (FFAA), vertido no Decreto-Lei nº 233/96, de 7 de Dezembro, o qual define o estatuto dos militares das FFAA envolvidos em missões com as mesmas características. Surge o Decreto-Lei nº 17/2000 de 29 de Fevereiro, onde se lê no seu Artigo 1º n.1 que “É aplicável aos elementos dos serviços e forças de segurança dependentes do Ministério da Administração Interna envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território nacional, no quadro dos compromissos assumidos por Portugal, o Decreto-Lei nº 233/96, de 7 de Dezembro com as devidas adaptações”. Ainda no seu nº 2 estatui que ―As competências atribuídas ao Ministério de Defesa Nacional do diploma indicado no número anterior devem-se considerar reportadas ao Ministério da Administração Interna em tudo o que respeita às entidades do nº 1 (Rodrigues, 2007: 107). Após uma intervenção militar, esta força é substituída por uma unidade militar com força de polícia, com objectivo de assegurar a ordem pública, lutar contra a criminalidade e assistir a uma gradual passagem do poder e da autoridade para uma nova autoridade civil, durando esta situação, em alguns casos, vários anos. Verificandose, então, a incapacidade da Police Taske Force (IPTF) (força de polícia civil, desarmada, constituída por um conjunto de elementos policiais não integrados numa unidade), ―para intervir em missões de controlo da ordem pública, por um lado, e a desadequação da componente militar para esse mesmo fim, por outro, a estrutura superior da Aliança Atlântica” (Rodrigues, 2007: 108, ) decidiu com o objectivo de preencher o vazio existente entre as forças militares tradicionais e as unidades tipo polícia civil, criar, no âmbito da segurança pública, uma unidade especializada. 136 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Outra realidade tem vindo a ganhar forma nas últimas décadas, impulsionada pela forma como a Comunidade Internacional, nas missões de interposição e de manutenção de paz, tem adoptado, numa primeira fase, uma postura caracteristicamente militar, procedendo, de seguida, à implementação de operações de normalização da situação político-militar, tentando assim prevenir ou solucionar situações relacionadas com conflitos éticos e graves violações dos direitos humanos (Rodrigues, 2007: 107). Nestas circunstâncias, sempre que é possível e oportuno, a força militar que se encontra no local é substituída por uma outra que integre uma força policial, no sentido de assegurar, progressivamente, a manutenção da ordem pública, impedir a criminalidade e proceder a uma gradual passagem do poder e da responsabilidade para a nova autoridade civil. Este tipo de cenário exige uma força militar com capacidade de intervenção massiva e de uma força policial, que empenhe a utilização gradual da força para repor a lei e ordem. Perante este vazio a Aliança Atlântica decidiu criar uma Força que se situasse entre as forças militares tradicionais e as Unidades tipo policial civil, no âmbito da segurança pública (Rodrigues, 2007: 108). Desta forma nasce o conceito de MSU, ou seja, Unidade Multinacional, normalmente composta por Forças de Polícia com estatuto militar, com capacidade operacional para estabelecer segurança e ordem públicas, podendo efectuar todas as funções de polícia. A MSU é parte integrante da Força de Paz, depende directamente do comando da mesma e está sujeita a regras de empenhamento (ROE), caracterizando-se como força extremamente flexível. Assim, e encontrando-se integradas na tipologia das operações, as unidades MSU estão aptas a executar missões de polícia executiva apoiando ou substituindo a força local em acções de contenção de distúrbios civis ou o restabelecimento da ordem pública, antiterrorismo, patrulhamento, controlo de tráfego, investigação criminal, recolha de informação táctica ou de âmbito criminal; monotorizar e assistir a polícia local na sua reconstituição, reorganização e formação (Mentoring), apoio, retorno e reinstalação de refugiados; ligação com a Autoridade Civil e com as organizações internacionais. (Rodrigues, 2007: 108). 137 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 3. O contributo das Forças Gendármicas ―(…) muitas das novas funções militares não requerem as competências clássicas de um soldado e poderão ser melhor desempenhadas por polícias. Nalgumas circunstâncias, portanto, uma Gendarmerie poderá ser mais apropriada do que um exército.” (Chris Donnelly, conselheiro especial da NATO) A União Europeia tem vindo a demonstrar uma preocupação crescente a nível da segurança, que ficou demonstrada nas Cimeiras de Vila da Feira (2000) e de Nice (2000), onde ficou definido, por parte dos Estados-Membros os conceitos de emprego de uma Força de Polícia Europeia (FPE) com a finalidade de realizar um reforço das capacidades locais em missões de formação, de treino e de assistência e aconselhamento e a substituição das polícias locais, inoperacionais para missões, visando o restabelecimento da segurança pública, incluindo missões de manutenção da ordem pública (Rodrigues, 2007: 110). Assim, no âmbito das OAP, teria de caber às forças de segurança internacionais assumir e garantir a ordem pública e o cumprimento da lei. Assim, em Março de 2000 Kofi Annan, Secretário-geral, pediu a um grupo de peritos internacionais, liderados por Lakdhar Brahimi que fizessem uma análise pormenorizada sobre as operações de paz. O relatório daí resultante recomenda relativamente à componente da polícia civil que estas missões “(…) requerem uma CIVPOL280 capaz de estruturar as polícias locais, de acordo com os padrões internacionais, mas, de igual forma, capaz de responder eficazmente a incidentes de desordem pública, no âmbito ou não da protecção da força e que os Estados membros devem estabelecer um determinado efectivo de agentes policiais, instruídos para esse efeito, de forma a ser empregue em OAP, com um 280 CIVPOL é a abreviatura de Civilian Police. As forças tipo Gendarmerie têm estatuto militar (corpo militar) mas desempenham preferencialmente as funções policiais junto da população civil, com vista à segurança e ordem pública, enquadrando-se assim no conceito anglo-saxónico de ―civilian police‖. No entanto, não são civis, mas sim um corpo militar com funções policiais. Esta natureza militar tem facilitado nas acções de auxílio prestado no âmbito de missões de apoio à paz da ONU. Em 2005, A ONU a designação de CIVPOL para UNPOL (United Nations Police), com o objectivo de incluir expressamente as forças policiais com estatuto militar (Marco Cruz, 2007: (No Prelo) 138 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” reduzido tempo de pré-aviso”281. Era então necessário a existência de uma Força/Unidade, com competências de polícia que colmataria a ausência ou inoperacionalidade de forças de polícia local. Tal tarefa pressuponha a existência de um mandato claro que viabilizasse a actuação da força em missões de substituição e executivas. As missões abrangiam o policiamento de fronteiras, vigilância pública, acções de polícia judiciária, protecção de pessoas e bens e manutenção e reposição da ordem pública. Estas competências deverão terminar, assim que a polícia local as pudesse assegurar. Assim, as forças de segurança organizam-se em unidades constituídas, designadas como Rapid Response Unit (RRU) ou Special Police Unit (SPU). Estas unidades podem estar na dependência da componente de polícia civil ou, face à incapacidade da ONU de modificar o mandato estabelecido, estar na dependência do comando militar da operação (NATO), como sejam os casos SFOR e KFORadquirindo, neste caso, a designação de “Multinational Specialized Unit” (MSU). AS RRU/SPU e as MSU, no quadro das missões da ONU, da NATO e da EU, são constituídas por forças de segurança, de natureza militar, mais versáteis, com maior adaptabilidade e polivalência do que as polícias civis. Portugal conjuntamente com a França, Itália, Holanda e Espanha, uniram-se no sentido de realizarem missões de substituição ou de reforço das forças de polícia locais, oferecendo uma estrutura operacional multinacional de forma a dotar a Europa com uma maior capacidade para conduzir missões de polícia em operações de gestão de crise. Estas iniciativas estão enquadradas nas missões integrantes da declaração de Petersberg, que está datada de 19 de Junho de 1992, e constitui um elemento fulcral da vontade de desenvolver a União da Europa Ocidental (UEO), enquanto componente de defesa da União europeia e enquanto forma de fortalecer o pilar europeu da Aliança Atlântica (NATO). Nesta declaração, os Estados-membros da UEO colocam à disposição qualquer dos ramos das suas forças convencionais, com vista a realização de missões militares sob a autoridade da UEO, definindo-se os diferentes tipos de missões militares, que contribuem quer para a defesa comum no âmbito da aplicação do artigo 5º do Tratado de Washington e do artigo V do Tratado de Bruxelas alterado, as unidades militares dos Estados-membros da UEO podem ser utilizadas em missões de carácter humanitário ou de evacuação de cidadãos; missões de manutenção de paz; missões 281 Relatório Brahimi. 139 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” executadas por forças de combate para gestão de crises, incluindo operações de restabelecimento de paz. Estas “Missões de Petersburg” foram inseridas pelo Tratado de Amesterdão no artigo 17º do Tratado da União Europeia, abrangendo: as missões humanitárias ou de evacuação de cidadãos nacionais; as missões de manutenção de paz e as missões de forças de combate para a gestão das crises, incluindo operações de restabelecimento da paz (Silva, 2008: 814). No desenvolvimento do “Helsinki Headline Goal”, estabelecido no final da Cimeira de Helsínquia, foram transpostos todos os cenários genéricos de planeamento de forças estabelecidos na UEO para a EU, com o objectivo de iniciar-se o primeiro processo de planeamento de forças. Os cenários genéricos de desenvolvimento de Capacidades transpostos da UEO para a EU foram: 1) Separação de Partes pela Força (SOPF) seguido de um sub cenário de estabilização com o diminuir do conflito (Steady State); 2) Prevenção de Conflito (CP); 3) Assistência Humanitária que se sub dividia em dois cenários, Ajuda Humanitária e Operações de Evacuação. Em 2007, durante a Presidência Portuguesa da EU, foi determinado o Tratado Reformador da Organização designado por tratado de Lisboa, onde a Política Europeia de Segurança e defesa (PESD) assume um papel mais relevante na afirmação da Política Externa da União Europeia. A quando da invasão do Iraque, em 2003, Javier Solana elabora um documento previamente negociado com os Estados Membros designado “Europeen Security Strategy”, que refere que “a ONU é a Organização que tem obrigatoriamente de legitimar todas as intervenções armadas em países terceiros, que a Europa se deve afirmar como um actor global (…) que os Estados Membros podem estabelecer Cooperações reforçadas entre si e que o terrorismo deveria ser encarado como uma ameaça” (Dias Pereira da Silva, 2008: 814). Para 2010 estabelece-se que a EU deve desenvolver um mecanismo que consiga responder rapidamente ao eclodir dum conflito incluindo uma força de Reacção Rápida, os “Battle Group”. Posteriormente foram estabelecidos os Cenários Genéricos de Planeamento de forças, considerando-se o terrorismo uma ameaça transversal, e que foram: 1) Separação de partes pela força A e B; 2) Prevenção de Conflitos; 3) Assistência Humanitária; 4) Estabilização e apoio à reconstrução de Estados Falhados; 5) Evacuação de Pessoal. Assim nasce da união dos países acima referidos, em 2007, a EUROGENDFOR, que tem por finalidade ser operacional, pré-estruturada, robusta e dotada de capacidade de reacção rápida para assegurar todas as tarefas de polícia, 140 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” assegurando uma presença efectiva facilitando a reactivação dos meios de segurança sobretudo durante a transição entre a fase militar e a fase civil da operação, e poderá ser colocada à disposição da EU, da ONU, da OSCE, da OTAN ou de outras organizações internacionais ou de coligações ad-hoc. O emprego desta força terá de ser precedida de uma decisão comum pelo conjunto dos Estados participantes e as operações deverão ser planificadas tendo em conta a necessidade uma coordenação estreita entre os organismos militares e/ ou civis. Quando estiver integrada numa força militar deverá manter uma ligação funcional com as autoridades de polícia locais e internacionais presentes no teatro de operações. Os cinco Estados-parte assumiram o compromisso de poder deslocar uma força de “Gendarmerie”, constituída por 800 elementos, num prazo de trinta dias, em qualquer teatro exterior à EU (Rodrigues, 2007: 111). De acordo com o mandato de cada operação a EUROGENDFOR poderá assegurar diversas tarefas relacionadas com a sua missão de polícia, tais como, execução de missões de manutenção de ordem e segurança públicas; monotorização e assistência à polícia local na sua actividade quotidiana, incluindo a investigação criminal; condução de operações de vigilância, controlo de tráfico de ilícitos, polícia de fronteiras e informação; execução de acções de investigação criminal, nomeadamente detecção de actos de delinquência, seus vestígios e entrega de delinquentes às autoridades judiciais competentes; protecção das populações e dos bens e manutenção da ordem em caso de manifestações públicas; formação de oficiais de polícia de acordo com padrões internacionais e formação de instrutores, em particular através de programas de cooperação (Rodrigues, 2007: 111). Na sequência da actuação desta força, os Estados-membros acabaram por reconhecer que as operações de manutenção de paz fortalecem as estruturas do Estado onde se desenrolam. A Guarda, neste âmbito, e enquanto força de segurança de natureza militar, assume um papel crescente pois é um facto que as ameaças à segurança nacional da Europa resultam de questões económicas, confrontos étnicos ou relacionados com fronteiras inseguras e ineficazes, crime organizado e terrorismo, sendo verificável que “muitas das novas funções militares não requerem competências clássicas de um 141 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” soldado e poderão ser melhor desempenhadas por polícias (…) uma Gendarmerie poderá ser mais apropriada”282. Segundo Sérgio de Melo, os sucessivos contingentes da Guarda Nacional Republicana, actuam com “profissionalismo e dedicação”, estando “altamente treinada e capacitada para responder com rapidez, eficiência e extrema eficácia a qualquer tipo de acção” (Rodrigues, 2007: 111), que pudesse afectar qualquer ponto do território. As forças gendármicas possuem pois ―uma natureza dupla de forças policiais com estatuto militar, o que lhes permite a execução de toda a gama de tarefas militares, sendo capazes de garantir um alto nível de interacção com forças militares devido ao seu estatuto militar, formação, equipamento e comando e procedimentos de controlo. Conseguem operar sob uma Cadeia de Comando seja ela civil ou militar, sendo capazes de assegurar uma autoprotecção adequada, assim como utilizar unidades policiais resistentes e até com um elevado grau de prontidão. Ao mesmo tempo, possuem também a flexibilidade de, durante a fase de construção da nação de uma operação mudarem a sua posição de integração militar para a subordinação a uma cadeia de comando civil‖283 282 Chris Donnelly- Conselheiro especial da OTAN para assuntos da Europa Central e Oriental. Giovanni Truglio, Forças Militares versus Forças Policiais do Tipo da Gendarmerie in ―Ciclo de Conferências Estratégicas sobre Segurança e Defesa‖, Lisboa, 2009, pp. 26-27. 283 142 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 4. Enquadramento legal O regime jurídico das Operações de Apoio à Paz tem-se formado, segundo Jorge Miranda, por costume internacional, a partir da prática do Conselho de Segurança, da Assembleia-Geral e do Secretário-Geral e analisa-se nos seguintes princípios: As Operações são actividades das Nações Unidas, desenrolam-se sob a sua bandeira, os participantes usufruem dos privilégios e imunidades da Organização e à Organização é imputável a responsabilidade pelos prejuízos que delas venham a resultar; implicam o consentimento do Estado onde se realizam (embora se verifiquem excepções a esta regra, normalmente em situações limite, quando, por falta de um poder instituído, se actua apenas por decisão externa) e pressupõem sempre o respeito pela sua independência e pela sua integridade territorial; têm natureza não coerciva, só se admitindo o recurso à força em caso de legítima defesa; postulam a imparcialidade perante as partes envolvidas no conflito – Estados ou facções no interior do Estado; têm uma duração limitada, e cessam ou por se ter alcançado o seu objectivo, ou por ele se ter tornado impossível, ou a pedido do Estado em cujo território se efectuam; o órgão competente para decidir a realização de operações é o Conselho de Segurança, como órgão a que cabe “a responsabilidade principal na manutenção da paz” (art. 24.º da Carta); a constituição das forças intervenientes é sempre multilateral, envolve contingentes de vários Estados; a direcção de operações compete ao Secretário-Geral, o qual determina a composição das forças, celebra os necessários acordos com os Estados que fornecem destacamentos e com os Estados em cujos territórios eles são colocados e comanda superiormente as acções; o financiamento recai sobre a organização através das contribuições (obrigatórias) dos Estados-membros nos termos a fixar pela Assembleia-geral, órgão competente em matéria financeira (art.º17.º da Carta)284 (Miranda, 2006: 277). 284 Verifica-se a aplicação de um duplo critério, político e económico, que permite calcular a participação financeira dos Estados em cada operação. Considerando que certos Estados têm uma responsabilidade maior na manutenção da paz, a Assembleia Geral estabeleceu uma escala especial, que não é a do orçamento ordinário, onde as quotas dos membros permanentes e dos países industrializados são acrescentadas para aliviar as dos países em desenvolvimento. 143 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” As Operações de Manutenção de Paz enquadram-se, como o antigo SecretárioGeral da ONU Dag Hammarskjold285 referia, num capítulo ―Seis e Meio‖ – colocado entre a Resolução Pacífica de conflitos (Capítulo VI) e a Acção em caso de Ameaça à Paz, Ruptura da Paz e Actos de Agressão (Capítulo VII) que prevê o recurso a meios coercivos, tais como o emprego de forças militares. As Operações de Apoio à Paz são criadas pelo Conselho de Segurança, órgão das Nações Unidas com a responsabilidade cimeira na manutenção da paz e segurança internacional. A aprovação de cada missão exige o voto favorável de nove membros do conselho, sendo passível de ser vetada por um dos cinco membros permanentes, em conformidade com o art. 27.º da Carta. A decisão tomada comporta o mandato, a composição da força e a duração da operação. A base legal para o estabelecimento das missões encontra-se nos capítulos VI, VII e VIII da Carta. O capítulo VI trata de “Resolução Pacífica de Conflitos”, o capítulo VII dispõe as “Medidas a Adoptar em caso de Ameaça à Paz, Ruptura da Paz e Acto de Agressão”. O Capítulo VIII refere-se ao papel dos acordos e organizações regionais na manutenção da paz e segurança internacionais que as Nações Unidas desde que essas actividades respeitem os princípios definidos no Capítulo I da CNU. Uma vez aprovada a missão, o Secretário-Geral é responsável pela sua implementação, devendo informar o Conselho de Segurança acerca dos progressos efectuados, cabendo a direcção política e executiva da operação no terreno ao Departamento de Operações de Manutenção de Paz do Secretariado das Nações Unidas (DPKO)286, que é um departamento com capacidades estratégicas e operacionais, 285 Foi Secretário-Geral das Nações Unidas entre 1953 e 1961 e Prémio Nobel da Paz em 1961. Foi o grande impulsionador das Operações de Apoio à Paz. Faleceu num acidente de aviação ao serviço da ONU, em 18 de Setembro de 1961, no Norte da antiga Rodésia (actual Zâmbia). 286 O DPKO foi criado como um departamento com identidade própria dentro do Secretariado das Nações Unidas em 1992, sob a liderança do então Subsecretário-Geral (SSGONU) Kofi Annan. O DPKO tem por missão principal prover orientação e direcção política e executiva às Missões de Paz, em colaboração estreita com: o CS, os países contribuintes com elementos policiais, militares e recursos financeiros, bem como com as partes beligerantes. O DPKO é, pois, um departamento com capacidades estratégicas e operacionais, responsável pelo planeamento, o estabelecimento (incluindo a colocação dos recursos humanos e dos meios logísticos no terreno), a orientação e o apoio às missões de peacekeeping. O DPKO é liderado por um Subsecretário-Geral, na directa dependência da SGONU, e é actualmente composto por mais de seis centenas de profissionais oriundos de todo o mundo, distribuídos pelas suas componentes principais: política (Office of Operations), militar (Military Division), policial (Police Division) e de apoio administrativo (Office of Mission Support). Possui ainda um gabinete de estudos (Peacekeeping Best Practices Unit) e uma unidade de apoio à desminagem e controlo de minas (Mines Action Service). Está também dotado de um Front Office 144 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” responsável pelo planeamento, o estabelecimento, a orientação e o apoio às missões de apoio à paz (Lopes, 2005:71). Os Países membros da ONU contribuem com pessoal militar e policial, que destacam individualmente ou como forças constituídas. Todo o suporte logístico das operações é fornecido por Estados ou por operadores privados. O pessoal civil destacado para as missões provém de origens diversas, onde se incluem os funcionários da ONU, os elementos destacados pelos Estados membros e, ainda, indivíduos recrutados, internacional ou localmente, para preencherem postos específicos (Ribeiro e Mónica Ferro, 2003:115). Conforme refere Jorge Miranda, as Missões de Apoio à Paz podem fundamentar-se, todavia, no fim geral das Nações Unidas de ―manter a paz e a segurança internacional‖, com a possibilidade de tomada de medidas colectivas eficazes que sejam necessárias (art. 1.º). Aliás, se as Nações Unidas podem empregar a força para restabelecer a paz (art.42.º e segs.), por maioria de razão hão-de poder organizar operações para impedir que a paz seja afectada, com as consequências inerentes. Daí que diversas operações venham sendo implementadas com a invocação do Capítulo VII, pelo Conselho de Segurança, normalmente em casos de pós-conflito, onde a situação é volátil e o Estado é incapaz de manter a segurança e a ordem pública (Jorge Miranda, 2006: 277). Segundo Bacelar Gouveia, a CNU fixou a proibição mais abrangente do uso da força, erguendo do mesmo passo a defesa da soberania num dos seus princípios fundamentais, afirmando que “Os membros deverão abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objectivos das Nações Unidas”. As excepções são, entre outras, “as medidas adoptadas ou autorizadas pelos órgãos competentes da Organização das Nações Unidas para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”, conforme o art. 42º da CNU (Bacelar Gouveia, 2001: 307). A invocação do Capítulo VII, para além de estabelecer a base legal para a decisão, poderá ser entendida como uma demonstração de firmeza política e um meio de (mini-secretariado) em apoio das actividades do Subsecretário-Geral. Cfr. LOPES, Antero, ob. cit. pág.71. 145 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” relembrar as partes em conflito, bem como os restantes países da ONU, da obrigação de implementar efectivamente as decisões do Conselho de Segurança287. Se procurarmos fazer a distinção entre as Operações de Apoio à Paz, cuja prática se desenvolveu desde 1956, verificamos que a diferença de princípio reside no facto de que uma operação de manutenção de paz ―clássica‖ pressupõe o consentimento dos Estados afectados, enquanto uma operação ao abrigo do capítulo VII é coerciva, decidida e aplicada unilateralmente pelas Nações Unidas, no espírito do sistema imaginado pelos autores da Carta288. No entanto, esta diferença tem-se tornado cada vez mais ténue ao longo dos últimos anos. Desde 1990, várias forças de manutenção de paz foram instituídas com fundamento no capítulo VII da Carta, e actualmente uma mesma crise pode justificar simultaneamente uma intervenção coerciva, com medidas militares de acordo com o Cap. VII, e outras medidas que se enquadrem numa Operação de Manutenção de Paz clássica, com todos os aspectos “civis da intervenção”. As Operações de Apoio à Paz hodiernas são frequentemente dotadas de mandatos mais robustos do que aqueles que eram atribuídos durante a Guerra-fria. Isto tem sucedido em três tipos de circunstâncias. Em primeiro lugar, o Capítulo VII tem sido invocado com a vontade de enfatizar o direito ao uso da força em legítima defesa por parte dos elementos das forças de manutenção de paz. Em segundo lugar, em situações onde foram sentidas dificuldades de actuação, como sucedeu com a UN Protection Force (UNPROFOR) na antiga Jugoslávia, os mandatos foram revistos para incluir a autorização de actuação no âmbito do Cap. VII, uma vez mais, teoricamente, para sublinhar o direito à auto defesa. Em ambos os casos houve uma tendência para demonstrar um maior suporte político e material à força da ONU. Em terceiro, algumas operações foram mandatadas no âmbito do Cap. VII com o objectivo de efectuar acções coercivas, como sucedeu na tristemente célebre UNSOM, na Somália289. 287 288 289 United Nations Peacekeeping Operations - Principles and guidelines, DPKO, UN, New York (18 January 2008), pág.13 (http://pbpu.unlb.org/PBPS/Library/Capstone_Doctrine_ENG.pdf -Consultado em 06 Abril de 2009). DINH, Nguyen (2003), ob.cit., pág.1031. CHESTERMAN, Simon (2005), The Use Of Force In UN Peace Operations, New York University School of Law , pág.6. (http://smallwarsjournal.com/documents/useofforceunpko.pdf consultada em 04 de Abril de 2009). 146 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A comunidade internacional começou a usar a força, conforme previsto no capítulo VII da Carta, como medida para a resolução de conflitos que pudessem pôr em perigo a paz e segurança internacional, quando as iniciativas do capítulo VI não tivessem sido suficientes. Neste contexto, de uso da força, a componente militar adquire a sua maior preponderância e a sua importância foi vital, em missões como as desenvolvidas na Bósnia, no Kosovo ou em Timor. Nestas operações executaram as missões militares tradicionais dos exércitos, embora sempre num ambiente muito diferente dos confrontos clássicos. É a componente militar que proporciona o clima de segurança e a protecção necessárias para que as restantes componentes da operação de paz, bem como as organizações humanitárias (ONG’s), possam desenvolver as suas funções. 147 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” CAPÍTULO V - ESTADO, SEGURANÇA E O USO DA FORÇA: O CASO DE TIMOR-LESTE “Os principais alicerces de todos os Estados, quer sejam novos, quer antigos, quer mistos, são as boas leis e as boas armas. E como não é possível ter boas leis quando as forças não valem nada, e se as armas são boas é razoável supor que as leis também o são” (Maquiavel, O Príncipe, XII) A entrada de tropas internacionais das Nações Unidas sob liderança australiana, no território de Timor-Leste alterou “as coordenadas com que tradicionalmente se aferiam os direitos soberanos (…) e uma onda de “normalização” da anarquia internacional parece estar a assolar as margens da soberania, tal como antes esta era canonicamente defendida ” (Marques Guedes, 2005:60-61). 1. A missão da GNR em Timor-Leste (desde 2006) Após a intervenção da INTERFET (International Force in East Timor), foi aprovada, pela NU, a 25 de Outubro de 1999, a Resolução nº 1272 do CSNU que deu origem à UNTAET cuja actuação teve por base uma missão de imposição da paz (PE), motivada pelos constantes confrontos entre milícias armadas e que evoluiu para uma missão de manutenção da paz (PK), tendo por finalidade assegurar a estabilidade que permitisse a reconstrução do território. A GNR enviou uma Força de Reacção Rápida, constituída por 119 elementos. A independência de Timor-Leste é proclamada a 20 de Maio de 2002, e concluída a missão da UNTAET, as NU continuam no território, legitimadas pela Resolução 1410 do CSNU, sendo que a partir de Dezembro desse ano passa de novo a ter a participação da GNR. Em 2005 termina a missão UNTAET, sucedendo-lhe a UNOTIL, legitimada pela Resolução nº1599 do CSNU, com o objectivo de estabilizar e iniciar um processo de desenvolvimento do território. Neste contexto de actuação, a GNR em cooperação com militares timorenses tenta contribuir para a segurança de Timor-Leste. 148 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A 25 de Maio de 2006 o primeiro contingente militar australiano chegava a Timor-Leste290, e, ao abrigo da Resolução do Conselho de Ministros nº 68-A/ 2006, foram enviados 127 elementos da GNR para Timor. A Guarda recebe a missão de “aprontar, sustentar e empregar um efectivo para a manutenção da ordem pública em Timor-Leste e para a formação e treino da Unidade de Intervenção Rápida da Polícia Nacional do país”. Uma vez que uma intervenção no plano multilateral afigurava-se muito demorada, Timor-Leste solicitou que a cooperação de quatros países, onde se incluía Portugal, na fase inicial, fosse desenvolvida no plano bilateral, embora fosse solicitado às NU o apoio internacional para essa intervenção. Surge em Agosto de 2006, e após a resolução nº1704 do CSNU, a missão UNMIT291 (United Nations Integrated Mission in Timor-Leste), tendo o SubAgrupamento Bravo transitado para a égide das NU. A missão que se inicia vem na sequência da incapacidade do governo timorense resolver a crise relacionada com a instabilidade política e social. Houve então necessidade de solicitar ajuda internacional para estabilizar a ordem pública no território. Responderam a esta solicitação a Austrália, Nova Zelândia, Malásia e Portugal, que enviaram para o território forças militares e policiais, tendo por base um acordo bilateral realizado entre cada um dos países com as autoridades timorenses. O pedido realizado pelos órgãos soberanos de Timor esteve relacionada com o prolongamento do período de instabilidade que Timor estava a viver, havendo necessidade de criar condições de segurança que promovessem a estabilidade. O entendimento de Portugal, expresso pelo então MNE, Diogo Freitas do Amaral, que o contingente da GNR em Timor-Leste, ―devia levar instruções muito claras no sentido de cumprir apenas a sua missão – manutenção da ordem pública em Díli e arredores –, sem nunca se envolver, ou deixar-se envolver, em eventuais lutas políticas de facção que porventura viessem a ocorrer entre timorenses” (Amaral, 2006, 68-69). O envio do contingente da GNR, apesar de não ocorrer no âmbito das NU, teve o aval do Conselho de Segurança das NU, proferido na Reunião nº 5445, realizada a 25 de Maio de 2006. A actuação da GNR em Timor-Leste, ainda ao abrigo do Acordo 290 291 A Austrália tinha-se comprometido com o envio de 1300 militares, 3 navios de guerra e helicópteros, mas a missão Astute em Junho de 2006, já envolvia um efectivo de 2600 (a contar com o pessoal de apoio em Darwin). http:// www.un.org/Depts/dpko/missions/unmit (consultado em 1 de Agosto de 2008) 149 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Bilateral, tinha igualmente como base os princípios de empenhamento e actuação, Regras de Empenhamento ―Rules of Engagement – ROE‖ similares às operações desencadeadas no âmbito da NU292 (Hermenegildo, 2008: 8). A 26 de Maio de 2006, foram enviados três oficiais para fazer o reconhecimento do terreno e estabelecer contactos para o envio do contingente da GNR. O 1º contingente da GNR, SubAgrupamento Bravo, comandado pelo Capitão Gonçalo Carvalho, chega a Timor-Leste a 4 de Junho de 2006, permanecendo no território timorense em Acordo Bilateral, estabelecido entre o Governo de Portugal e de Timor-Leste, para dar cumprimento à Operação ―LAFAEK‖. Durante um período que durou cerca de 3 meses, até 5 de Setembro de 2006, os militares da GNR ficariam alojados, no espaço e áreas pertencente ao Hotel 2001293, local que foi adaptado para funcionar como quartel. Depois dessa data passaram para o edifício do Centro de Estudos da Alfândega em Caicoli, onde ficaram instalados definitivamente. Porém, só depois de se terem procedido a muitas adaptações e construções nas estruturas do referido edifício, é que os elementos da GNR passaram para o edifício do Centro de Estudos da Alfândega (Hermenegildo, 2009: 4). A escolha do local em Timor-Leste para instalação da força da GNR foi uma das primeiras dificuldades, não apenas porque esta necessitava de um Quartel, mas sobretudo porque a instalação da GNR num Quartel em Timor-Leste tinha a oposição de outras forças e actores294, que não pretendiam o seu sucesso. Os militares da GNR quando chegaram a Timor-Leste (aeroporto de Baucau), nos primeiros tempos, tiveram dificuldades em operar no terreno, uma vez que o Acordo Bilateral entre Portugal e Timor-Leste, previa a actuação da GNR em Díli e respectivos arredores. Porém, após múltiplas negociações ao nível diplomático e militar, ficou decidido que a GNR, ficava confinada apenas a uma área restrita, ao Bairro de Cômoro, GNR, Regras de Empenhamento (ROE), para o SubAgrupamento Bravo na Operação ―LAFAEK‖ – Timor-Leste, Lisboa, 2 de Junho de 2006. 293 A GNR, durante cerca de 3 meses, esteve instalada na área do Hotel 2001 em Díli, e não no Hotel 2001 propriamente dito, pois este, não estava em funcionamento, nem tão pouco possuía condições de habitualidade mínimas. As estruturas para poderem permanecer os elementos da GNR foram adaptadas pelos militares da GNR. 294 Quando a GNR fazia o reconhecimento de um determinado local, para lhe servir de Quartel, e depois dos elementos da GNR se retirarem desse local, em geral, esses locais eram ocupados por outras Forças numa forma de impedir que a GNR tivesse um Quartel. 292 150 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” onde se tinham registado inúmeros incidentes sob ―coordenação horizontal e não vertical”295 (Amaral, 2006: 70). Durante a fase em que a GNR esteve a desenvolver a sua missão ao abrigo do Acordo Bilateral, ―dependia em Timor-Leste, directamente do Presidente da República e do Primeiro-Ministro de Timor-Leste, constituindo-se como Unidade de Reserva, e tendo também como função ministrar treino e formação à UIR. O exercício do comando operacional da força da GNR, cabia ao Comandante do SubAgrupamento Bravo, e consequentemente, o controlo do uso da força, sob a autoridade política de quem dependia”296 (Hermenegildo, 2008: 11). A 25 de Julho de 2006 é detido o Major Alfredo Reinado, constituindo-se esta operação como uma das acções mais mediáticas e propaladas, e de maior empenho, implicações, complexidade e delicadeza (política e de segurança), que a GNR desenvolveu em Timor-Leste. Desde a sua chegada, a GNR desenvolveu a sua actividade operacional de forma exemplar297, de acordo com as situações operacionais que se iam sucedendo em TimorLeste (5 Fases): 295 Freitas do Amaral que se encontrava com a pasta dos Negócios Estrangeiros refere que a sua principal estratégia foi em primeiro lugar defender a restauração da ordem pública, o que exigia a plena autoridade do Estado e uma união total entre os órgãos de soberania timorenses que deveriam mostrarse unidos e solidários perante as comunidades nacional e internacional. Em segundo lugar, dizia respeito à segunda fase do plano que só podia iniciar-se, quando a primeira estivesse suficientemente assegurada e que tinha a ver a resolução de eventuais divergências políticas entre órgãos de soberania (Freitas do Amaral, 2006:68). Neste contexto, surge a missão da GNR que levava instruções muito claras para cumprir apenas a missão de manutenção da ordem pública em Díli e arredores nunca se envolvendo em lutas de facção que porventura viessem a ocorrer entre timorenses. Afirma Freitas do Amaral que “A nossa função, como país amigo de Timor-Leste, era ajudar todos os timorenses a voltarem a viver em paz, e não tomar partido nas suas possíveis divisões políticas. E invoquei um dos princípios gerais do artigo 7.º da nossa Constituição (…) – o princípio da não ingerência de Portugal nos assuntos internos dos outros Estados” (Freitas do Amaral, 2006:69). Segundo o autor supra citado o problema externo que a República de Timor enfrentava é ―a pretensão hegemónica‖ da Austrália. A primeira manifestação dessa ambição foi a exigência de que as forças militares fossem australianas e os quatro países solicitados a intervir o fizessem com forças policiais. A GNR aceitou a missão com a missão de manter a ordem nas ruas. A Austrália exigiu ainda que todas as forças estrangeiras presentes em território timorense ficassem sob comando de um general australiano. Portugal opôs-se e respondeu com uma frase que ficou conhecida: “aceitamos tudo o que for coordenação horizontal; não aceitamos nada que seja subordinação vertical” (Freitas do Amaral, 2006:70). A posição portuguesa prevaleceu. 296 Protocolo de Acordo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Democrática de Timor-Leste sobre o envio e a permanência de um contingente da GNR em TimorLeste, Dilí, 25 de Maio de 2006, ponto nº4, GNR, nº1, al. a), p.2. 297 Destaca-se dentro das múltiplas operações levadas a cabo pela GNR, a 25 de Julho de 2006, na qual a GNR durante o decorrer de uma série de buscas, inseridas numa operação da Polícia Internacional (ISF e GNR) é detido o Major Alfredo Reinado, pelas forças da ISF. 151 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Numa primeira fase a segurança era garantida, em conjunto com as Forças Militares Internacionais (ISF), com uma Zona de Acção definida, até 16 de Julho de 2006; Numa segunda fase, com as Forças Militares Internacionais (ISF) e a Polícia Internacional, efectuando patrulhamento das 07H00 às 23H00, na Cidade de Díli; Na terceira fase, como Polícia Internacional, mas como Unidade de Reserva; Numa quarta fase, integrada nas NU e pela Policia Internacional (Austrália e Nova Zelândia). E numa quinta fase, integrada nas NU e pela PNTL (Hermenegildo, 2009: 4). O Departamento de Operações de Paz das NU (DPKO) através da missiva DPKO/OMS/2006/93, de 23 de Agosto de 2006, dirigida ao Governo português, confirma a integração do Contingente da GNR em Timor-Leste, enquanto Formed Police Unite (FPU), na nova Missão das NU em Timor-Leste (MAI, 2006).298 A 4 de Dezembro de 2006 é assinado o Memorando de Entendimento entre Portugal e as NU, passando a GNR a actuar sob a alçada das NU299. Verificando-se dificuldades de natureza logística das NU, foi solicitado às autoridades portuguesas um acordo de princípio relativo à garantia de autosustentabilidade dos elementos da GNR num período que não ultrapassaria os seis meses300 (Hermenegildo, 2008: 12) A UNMIT é criada pela Resolução 1704, por um período inicial de seis meses, podendo ser renovável. A UNMIT é constituída por 1608 polícias e 34 oficiais de ligação. A partir do dia 25 de Agosto de 2006, o SubAgrupamento Bravo passa a integrar a UNMIT, mas esta só iniciou oficialmente as suas actividades de policiamento a partir de 14 de Setembro de 2006. 298 Ministério da Administração Interna: Gabinete do Ministro, Oficio N.º 3692, Processo N.º 57/2006, 25 de Agosto de 2006. 299 A Austrália e a Nova Zelândia integraram a estrutura de segurança em Timor-Leste, mas não a estrutura da UNMIT, mas estabeleceram um Acordo Trilateral, com Timor-Leste e as Nações Unidas, que lhes permitia interferir nos órgãos de decisão, planeamento e informações das NU. 300 Ministério da Administração Interna: Gabinete do Ministro, Ofício Nº 3692, Processo Nº 57/2006, 25 de Agosto de 2006. 152 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A 24 de Novembro de 2006, já no âmbito das NU, procede-se à rotação de contingentes da GNR, através da chegada do 2º Contingente, comandado pelo Capitão Jorge Barradas, encontrando-se Timor-Leste numa situação de maior estabilidade política, embora se verificasse ainda uma situação de elevado risco, sobretudo devido à rivalidade entre grupos que recorriam frequentemente ao uso de granadas e engenhos explosivos improvisados. Verificou-se, ainda, o registo de algumas deserções confirmadas de militares das F-FDTL e da PNTL que se juntaram ao movimento de oposição ao governo. Vivia-se uma situação de crise que poderia conduzir a confrontos e provocar uma guerra civil, adensada por episódios de manipulação política, associados a uma fragilidade do sistema judicial e político. O sector da segurança encontrava-se desacreditado e disfuncional provocando um pedido de ajuda internacional (Hermenegildo, 2008: 15). Durante o período de Abril e Julho de 2007 estava prevista a realização de eleições Presidenciais e Parlamentares em Timor-Leste, sendo por esse motivo solicitado ao Governo português o reforço do Contingente do SubAgrupamento Bravo da GNR, para o período eleitoral301. Esse reforço materializa-se na chegada do 3º Contingente da GNR, cujo Comandante foi o Tenente Hermenegildo, constituído por dois Pelotões Operacionais, e mais um pequeno reforço da componente do Apoio. Este pedido resultou na Resolução 1745 de 22 de Fevereiro de 2007 que sublinhou a necessidade de sus integridade o acordo sobre o restabelecimento e a manutenção da segurança pública em Timor-Leste e assistência à reforma, à reestruturação, e o reforço da PNTL e do Ministério do Interior, acordado entre o Governo de Timor-Leste e a UNMIT a 1 de Dezembro de 2006 (Hermenegildo, 2008: 17). O mandato da UNMIT é prorrogado até 26 de Fevereiro de 2008, através da Resolução 1745. Aumentou-se o contingente da UNMIT com o objectivo de criar uma unidade suplementar de apoio sobretudo ao período pós-eleitoral. É enviado o 3º Contingente da GNR (Reforço) a 3 de Abril de 2007, que encontrou sequelas de um período de forte instabilidade vivido dias antes (4-6 de Março) devido à tentativa de detenção do Major Alfredo Reinado. Este período foi um dos períodos mais críticos da actuação da GNR devido à complexidade de actos violentos. A GNR passou a ter no 301 Carta conjunta do Presidente da Republica Xanana Gusmão, do Presidente do Parlamento Nacional Francisco Guterres, e do Primeiro-Ministro Ramos Horta de 7 de Dezembro de 2006, endereçada ao Secretário-Geral das NU (S/2006/1022) pedindo o reforço da UNMIT por uma Unidade de Polícia Constituída FPU (Conselho de Segurança das Nações Unidas, Resolução nº 1745. 153 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” terreno duas FPU, a primeira constituída pelo SubAgrupamento Bravo (FPU 1), e a (FPU 2) constituída pelo Reforço. Este último era formado por 77 militares, que constituíram dois Pelotões Operacionais de Manutenção de Ordem Pública, uma secção Administrativo-Logística, e um Oficial Adjunto Administrativo-Logístico. Este Contingente iniciou a sua actividade operacional a 5 de Abril de 2007 e a 9 de Abril de 2007 realizam-se as eleições presidenciais. No dia seguinte à eleição do Presidente da Republica, a 10 de Maio de 2007, a GNR, no âmbito da UNMIT é empenhada na prisão efectiva do ex-ministro do Interior, Rogério Lobato. Houve, durante este período eleitoral, intensificação da actividade operacional, policiamento a pontos e locais sensíveis, escolta aos Boletins de Votos e a segurança aos locais de votos. Além disso, entre Março e Maio de 2007, a GNR tinha como missão a ―escolta do arroz‖, que era a base da alimentação dos timorenses e constituiu-se como um instrumento de controlo político. A GNR teve ainda um elevado empenho operacional no período das eleições parlamentares que decorreram em Junho de 2007 (Hermenegildo, 2008: 19). A 11 de Julho de 2007, o 2º Contingente regressa a Portugal e chega o 4º Contingente sob o comando do Capitão Marco Cruz. A missão do Reforço do SubAgrupamento Bravo termina a 17 de Outubro de 2007. O SubAgrupamento fica então com 143 elementos302. Ainda durante o mês de Agosto os elementos do INEM passam a poder utilizar um ―cartão verde‖ de identificação das NU que os distinguia dos restantes que possuíam um ―cartão azul‖ mas que lhes permitia ter acesso às instalações das NU e circular nas viaturas das NU sem constrangimentos. No âmbito da actuação do 4º Contingente destaca-se a participação da força da GNR na operação que culminou com a detenção a 3 de Outubro de 2007, de Vicente da Conceição, denominado de Comandante do ―Esquadrão da Morte”. A 30 de Janeiro de 2008 o 5º Contingente, sob o comando do capitão João Martinho, substitui o 4º. Integra pela primeira vez 8 elementos femininos e é constituído por 141 militares, três elementos destinavam-se à instrução e formação dos elementos da UIR da PNTL. A 11 de Fevereiro de 2008, elementos do grupo do Major Reinado atacam o Presidente da República Ramos Horta, morrendo um segurança deste e o Major 302 A NU autorizam que 3 militares com funções administrativas transitem do Reforço para o Contingente do SubAgrupamento. 154 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Reinado. O Presidente fica gravemente ferido, tendo sido socorrido pelos elementos do SubAgrupamento Bravo. Cerca de duas horas após o golpe fracassado contra Ramos Horta, é efectuada uma emboscada às viaturas do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão303, da qual o Primeiro-Ministro saiu ileso (Hermenegildo, 2009: 8). No dia 31 de Julho, o 6.º Contingente da GNR chega a Timor-Leste comandado pelo Capitão Cabrita e aí permanece até 13 Março de 2009, data em que é substituído pelo 7.º Contingente, comandado pelo Capitão Simões. Actualmente, encontra-se em território timorense o 8º contingente, comandado pelo Capitão Martinho, verificando-se um cenário de reconstrução pós-conflito típico onde continuam a desenvolver-se tarefas de desarmamento, desminagem, combate ao tráfico de armas, justiça transitória, reforço do estado de direito, reforma da polícia e das forças armadas com criação do respectivo enquadramento legislativo. Paralelamente, a GNR encontra-se no terreno a dar formação à Polícia Nacional de Timor-Leste, estando esta organização a ser moldada à semelhança da Guarda, pois a PNTL começa a assumir de forma lenta as responsabilidades de policiamento pelo território, sendo que a responsabilidade global continua sob alçada da UNPOL, chefiada por um intendente português (Hermenegildo, 2009: 8). Assim, o mandato da UNMIT que se estende até Fevereiro de 2010, tem por prioridade a reforma do sector da segurança, definindo claramente o papel atribuído a FFDTL e à PNTL de modo a fortalecer os quadros legais e a melhorar os mecanismos de fiscalização de más políticas. 303 Este ataque, da qual não resultou qualquer vítima, ainda não foi verdadeiramente confirmado e esclarecido. 155 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 2. Legitimidade de actuação A participação das forças portuguesas nas OAP encontra-se legalmente assegurada nos artigos 7º, 8º, 273º e 275º da CRP. Assim, o artigo 7º, nº 2 da CRP diz que ―Portugal preconiza (…) o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.” O artigo 8º do mesmo documento refere que “as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte do direito português”. Acrescenta que ―As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna”. Ainda na CRP é referido no nº2 do artigo 273 estão definidos os objectivos da defesa nacional, sendo referido que ―a defesa nacional tem por objectivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território…contra qualquer agressão ou ameaça externa.‖ A Lei de Defesa Nacional304, refere no artigo 2º que “Portugal defende…o respeito pelos direitos humanos e pelo direito internacional e a resolução pacífica dos conflitos internacionais e contribui para a segurança, a estabilidade e a paz internacionais.” De acordo com o que está disposto no artigo 3º do mesmo diploma ―A defesa nacional é igualmente assegurada e exercida no quadro dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português na prossecução do interesse nacional‖; e no artigo 5º refere que um dos objectivos permanentes da política de defesa nacional é ―Assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz, em condições que correspondam aos interesses nacionais‖. No que se refere à Política de Defesa Nacional, através do seu conceito estratégico305, “O Estado Português, membro das Nações Unidas, considera da maior importância para a segurança internacional a manutenção da paz, a resolução dos conflitos e o reforço do prestígio e da actuação da ONU”306 Lei 31-A/2009 de 7 de Julho – Aprova a lei de defesa nacional Resolução do Conselho de Ministros nº 6/2003 de 20 de Janeiro – aprova o conceito estratégico de defesa nacional 306 Resolução do Conselho de Ministros nº 6/2003 de 20 de Janeiro – aprova o conceito estratégico de defesa nacional, 7.1, p.285 304 305 156 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” A legitimidade de intervenção da Guarda Nacional Republicana nas missões de apoio à paz assenta nos seguintes documentos legais: a Constituição da República Portuguesa (CRP), na Lei de Defesa Nacional (LDN), na Lei de Segurança Interna (LSI), na Lei das Bases Gerais da Condição Militar (LBCM) e na Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (LOGNR). A LSI307, no nº2 do artigo 4º refere que ―No quadro dos compromissos internacionais e das normas aplicáveis do direito internacional, as forças e serviços de segurança podem actuar fora do espaço referido no número anterior em cooperação com organismos e serviços de Estados estrangeiros ou com organizações internacionais de que Portugal faça parte, tendo em vista, em especial, o aprofundamento do espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia..” A LOGNR308, vem atribuir a possibilidade de a GNR participar em missões internacionais referindo no nº 2 do artigo 1º que “A Guarda tem por missão, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança e protecção assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, bem como colaborar na execução da política de defesa nacional nos termos da Constituição e da lei.” De acordo ainda com o Artigo nº 3 nº 1 o), a GNR pode ―Participar (…) em operações internacionais de gestão civil de crises, de paz e humanitárias, no âmbito policial e de protecção civil…”, o que permite a participação da GNR nas OAP. A LOGNR refere ainda que a GNR pode actuar neste tipo de operações em cooperação com as FA dado que no artigo 3 nº 2 i) é referido que a GNR deve “Cumprir, no âmbito da execução da política de defesa nacional e em cooperação com as Forças Armadas, as missões militares que lhe forem cometidas‖, demonstrando que a GNR pode actuar em cooperação com as FA. Em 2000 foi aprovado um diploma, Decreto-Lei nº 17/2000, de 29 de Fevereiro, que permite a participação da Guarda em missões internacionais de apoio à paz (Formed Police Unit - FPU), estendendo aos militares das forças de segurança, as medidas aplicadas aos militares das forças armadas envolvidos em Missões Humanitárias e de Paz fora do território nacional309, referindo no seu artigo 1º, nº1 que “É aplicável aos elementos dos serviços e forças de segurança dependentes do Ministério da Administração Interna envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território Lei 53/2008 de 29 de Agosto – aprova a lei de segurança interna. Lei nº 63/2007 de 6 de Novembro – aprova a orgânica da Guarda Nacional Republicana 309 Decreto-Lei nº 233/96, de 7 de Dezembro – define o estatuto dos militares das Forças Armadas envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território nacional. 307 308 157 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” nacional, no quadro dos compromissos assumidos por Portugal, o Decreto-Lei nº 233/96, de 7 de Dezembro, com as devidas alterações”. No nº 2 do artigo referido anteriormente estabelece-se que “As competências atribuídas ao Ministro de Defesa Nacional do diploma indicado no número anterior devem-se considerar reportadas ao Ministro da Administração Interna em tudo o que respeita às entidades do nº1.” No Despacho nº 77/08, do General Comandante da GNR, são definidas as competências da Unidade de Intervenção, tendo esta sido criada com a publicação da Portaria nº 1450/2008310, tendo esta por missão efectuar, entre outras missões, e de acordo com o nº 1, o “aprontamento e projecção de forças para missões internacionais.” Nesta unidade integra-se o Centro de Treino e Aprontamento de Forças para Missões Internacionais. A ONU aprovou ainda Resoluções de forma a legitimar a participação da GNR como força constituída em missões internacionais. Após o início da crise em Timor, o conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 1264 (1999), permitindo a criação de uma força multinacional que restabelecesse a paz e a segurança em Timor-Leste. O suporte legal composto pela CRP, a LDN, a LSI e a LOGNR legitimam pois a participação de forças nacionais, incluindo a GNR, em missões de paz fora do Estado Português. 310 Define a organização interna das unidades territoriais, especializadas, de representação e de intervenção e reserva, bem como as respectivas subunidades da Guarda Nacional Republicana. 158 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 3. O restabelecimento e a manutenção da paz pela aplicação eventual da força – do peace-enforcement ao peace-keeping A intervenção realizada em Timor-leste começou por ser uma missão de imposição da paz (PE), justificada pelos constantes confrontos entre milícias armadas, e que mais tarde evoluiu para uma missão de paz (PK), com o objectivo de promover a reconstrução do território e o restabelecimento das condições de segurança das populações timorenses. A missão da GNR surge para dar resposta à solicitação do governo timorense à comunidade internacional com o objectivo de estabilizar a ordem pública no território, provocada pela instabilidade política e social vivida em Timor, e como força de segurança de natureza militar cujo desempenho tem por base doutrina, treino, equipamento e cultura militares pôde integrar uma missão que evolui de uma situação de imposição da paz (PE) para uma situação de manutenção da paz (PK). Os diversos comandantes do SubAgrupamento Bravo, “além de uma enorme responsabilidade, têm por vezes, uma capacidade de negociação e decisão, incomparável numa situação normal de comando, que ultrapassa o nível táctico e que atinge o nível estratégico” (Hermenegildo, 2008: 28). Foram diversas os cenários em que os militares da GNR tiveram de recorrer ao uso da força e que estiveram relacionados com momentos de grande instabilidade que foram surgindo durante a permanência dos diversos contingentes em território timorense. Assim, a missão da UNTAET teve por base uma missão de imposição da paz (PE), motivada pelos constantes confrontos entre milícias armadas, e durante o período de chegada das forças internacionais a Timor-Leste, sucediam-se incidentes nas ruas de Díli, gangs pilhavam lojas e armazéns, incendiavam carros e casas, agravando-se os confrontos entre as forças de segurança e os ex-militares (Hermenegildo, 2009: 4). A 25 de Julho de 2006, e no âmbito da actuação do primeiro contingente, sob o comando do Capitão Gonçalo Carvalho, a GNR faz uma série de buscas, inseridas numa operação da Polícia Internacional (ISF e GNR), que durou cerca de 10 horas, numa casa em frente ao Quartel das forças australianas (Heliporto), é detido o Major Alfredo Reinado, pelas forças australiana. Esta operação foi uma das acções mais mediáticas e propaladas, e de maior empenho, implicações, complexidade e delicadeza (política e de segurança), que a GNR desenvolveu em Timor-Leste, tendo o cenário sido o seguinte: a 159 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” GNR foi chamada ao local dado ter sido contactada, devido ao facto de existir naquele local, uma casa de um cidadão português, que se encontrava no exterior do território timorense, a ser ocupada ilegalmente. Quando chegou ao local deparou-se com a ocupação ilegal não de uma, mas de três casas pelo Major Alfredo Reinado e cerca de vinte elementos do seu grupo, contendo no seu interior armamento e munições de vários calibres, violando assim, as directivas emanadas das autoridades timorenses e das forças militares e policiais internacionais em Timor-Leste, segundo a qual qualquer individuo que fosse apanhado na posse de material de guerra, seria detido a partir das 14H00 daquele dia. Imediatamente, a GNR efectuou vários pedidos para a emissão dos mandados de busca, revista, detenção e captura, que foram sucessivamente recusados. No entanto, após uma reunião, que decorria paralelamente, na Presidência da República, entre o Procurador-Geral da República, Longuinhos Monteiro, o Procurador-Adjunto, Luís Mota Carmo, e o Vice-Ministro do Interior, José Agostinho Sequeira ―Smotxo‖, e o Presidente da República, Xanana Gusmão, foi decidido que a entrega (e apreensão) do armamento, e as detenções, seriam ainda abrangidas pelo acordo anterior, da entrega de armas pelo grupo dos ―peticionários‖, embora já tivesse passado 24 horas do prazo determinado para a entrega voluntária de material de guerra, no âmbito do processo de reforço da ordem pública em Díli. Entretanto, a GNR conseguiu que o Major Alfredo Reinado autorizasse e assinasse os mandados de busca nas três residências ocupadas por ele e pelo seu grupo, e entregasse, voluntariamente, o material de guerra em sua posse (nove pistolas de guerra, 50 carregadores de munições e diversas granadas). Após cerca de 10 horas de espera, a GNR não foi autorizada a efectuar a detenção, mas apenas a proceder à apreensão do material de guerra. A detenção do Major Alfredo Reinado seria feita pelas forças australianas, ao abrigo do acordo bilateral entre a Austrália e TimorLeste (Hermenegildo, 2009: 5). O Comandante do 1º contingente descreve assim a actuação das forças policiais, durante esse período: “Durante todo o mês de Junho de 2006 é muito difícil referir o momento mais complexo, visto que, todos os dias fomos chamados a intervir em incidentes graves, por várias vezes ao dia ou vários em simultâneo. Estes incidentes caracterizavam-se por ataques de gangs aos vários bairros da cidade de Díli, recorrendo à violência extrema para ofender corporalmente os habitantes e com o objectivo de infligir o máximo de danos na sua propriedade imóvel e móvel. No entanto, posso “eleger” como um dos mais complexos, o ataque a uma patrulha nossa, durante a noite, num bairro quase sem iluminação e com grande vegetação. O ataque foi 160 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” efectuado por jovens protegidos atrás de várias barricadas de pneus a arder, atingindo a força da Guarda com pedras, dardos de ferro, flechas e tendo efectuado alguns disparos de armas de fogo na nossa direcção, provocando danos materiais nas nossas viaturas e ferimentos em alguns militares, o que obrigou ao empenhamento de todo o efectivo, numa situação de elevado risco.” Afirma ainda o Comandante do 1º contingente português ―Na missão de 2006, ao abrigo do acordo bilateral, a rápida projecção da força, em 8 dias, não permitiu dotar o Subagrupamento com os meios materiais necessários, especialmente viaturas. Esta situação deveu-se à limitação do transporte da carga no avião Antonove condicionou a actuação da GNR no terreno. A intervenção da Guarda foi imediatamente a seguir a uma crise entre polícias e militares, o que provocou o colapso da PNTL, obrigando um esforço acrescido, em termos de empenhamento operacional. Nos primeiros 4 meses a Guarda ocorreu a mais de 300 incidentes graves. Relativamente aos meios legais, o Sistema Judicial funcionou com algumas dificuldades, no entanto, de todas as forças presentes no TO, a GNR foi a força que melhor cumpriu as formalidades legais, devido ao facto do CPP ser uma cópia do português. A actuação da Guarda foi sempre pautada pela estrita observância das ROE que foram estabelecidas pelo Governo português, em condições semelhantes às praticadas em Portugal e pela legislação timorense, em vigor na altura”311. O 2º Contingente, comandado pelo Capitão Jorge Barradas, chega a TimorLeste, no dia 24 de Novembro, e encontrou em Timor-Leste um cenário de elevado risco, sobretudo devido à rivalidade entre grupos que recorriam frequentemente ao uso de granadas e engenhos explosivos improvisados. Verificou-se ainda o registo de algumas deserções confirmadas de militares das F-FDTL e da PNTL que se juntaram ao movimento de oposição ao governo312. Vivia-se uma situação de crise que poderia conduzir a confrontos que poderia provocar uma guerra civil, adensada por episódios de manipulação política, associados a uma fragilidade do sistema judicial e político. O sector da segurança encontrava-se desacreditado e disfuncional provocando um pedido de ajuda internacional (Hermenegildo, 2008: 15). Vive-se nesta fase um período de grande instabilidade que 311 312 Excerto da entrevista ao comandante do 1º contingente, Cap. Carvalho. A crise de 2006 provocada pelos peticionários partiu do despedimento de cerca de 600 soldados das FFDTL que reivindicavam não terem sido promovidos por motivos de discriminação. Estes estavam altamente politizados e tratava-se sobretudo de uma questão partidária. A falta de emprego e de oportunidades entre a camada jovem despoletou um cenário de violência marcado pelas imagens de polícias e militares combatendo na rua. 161 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” culminou com a tentativa de detenção do Major Reinado. Assim, a 4 de Março de 2007, as tropas australianas cercam o Major Alfredo Reinado em Same. Dessa operação, quatro dos seus homens são mortos e dois feridos, mas o Major consegue fugir. O Comandante do 2º Contingente descreve da seguinte forma estes incidentes ―Em Março de 2007 (entre a noite de 03 e o dia 06), com a falsa notícia da detenção do Major Reinado pela GNR (líder da revolta de Maio de 2006, que deu o massacre entre militares e polícias e que originou o caos, razão da chamada da GNR e posteriormente das Nações Unidas), deu-se uma revolta popular. Com a falta de informação da população (e também de instrução), foi possível direccionar os ânimos de diversos grupos de jovens, associados às artes marciais, que tornaram Díli intransitável em diversas artérias principais, com recurso a carros queimados, troncos de árvores, armadilhas diversas e ameaças de armas de fogo. Nessa altura só a GNR e o Exército Australiano (com Carros de Combate) saiu dos quartéis e mesmos as outras FPU’s, limitaram-se a defender as suas instalações. Na noite inicial, os cidadão portugueses foram ameaçados e 4 embaixadas foram abandonadas, tendo os seus membros recebido acolhimento no quartel da GNR. A intervenção foi musculada, perante ameaças actuais e ilícitas à integridade física dos nossos militares, com o uso frequente de gás lacrimogéneo e dispositivos de dispersão (borracha), durante a neutralização de barricadas. Não se registou nenhum caso de uso de arma de fogo directamente contra a nossa força.‖313 Em virtude de estarem previstas a realização de eleições Presidenciais e Parlamentares, entre Abril e Julho de 2007, o governo timorense solicitou às NU o Reforço do Contingente do SubAgrupamento Bravo da GNR, no período eleitoral. O 3º Contingente da GNR encontrou sequelas de um período de forte instabilidade vivido dias antes (4-6 de Março) devido à tentativa de detenção do Major Alfredo Reinado. Este período foi um dos períodos mais críticos da actuação da GNR devido à complexidade de actos violentos. Este Contingente iniciou a sua actividade operacional a 5 de Abril de 2007, e a 9 de Abril de 2007 realizam-se as eleições presidenciais. No dia seguinte à eleição do Presidente da Republica, a 10 de Maio de 2007, a GNR, no âmbito da UNMIT é empenhada na prisão efectiva do ex-ministro do Interior, Rogério Lobato. Houve, durante este período eleitoral, intensificação da actividade 313 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 2º Contingente Português, Capitão Barradas. 162 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” operacional, policiamento a pontos e locais sensíveis, escolta aos Boletins de Votos e a segurança aos locais de votos. Além disso, entre Março e Maio de 2007, a GNR tinha como missão a ―escolta do arroz‖, que era a base da alimentação dos timorenses e constituiu-se como um instrumento de controlo político. A GNR teve ainda um elevado empenho operacional no período das eleições parlamentares que decorreram em Junho de 2007 (Hermenegildo, 2008: 19). Referindo-se a esses momentos, o Comandante do 3º Contingente português refere como momentos mais críticos: ―O período das campanhas eleitorais (Presidenciais e Parlamentares), os dias das eleições e os momentos seguintes à divulgação dos resultados. Quer pela quantidade de horas dedicadas ao patrulhamento e segurança dos actos referidos, quer pela complexidade dos mesmos em alguns casos‖314. A propósito deste período conturbado da vida de Timor-Leste, refere o Comandante do 3º Contingente português: ―a crise de 2006 é multimensional nas causas e nos efeitos, e nessa medida criou um conflito (interno), que consideramos multinível, em que a uma situação conflituosa e problemática, se adensa à anterior situação e se vai agravando gradualmente. Tudo funciona em cadeia e em rede, em que uma situação já por si complexa, serve para agravar a anterior, e provocar o desencadear de outra situação. Paralelamente, este tipo de conflitos, influenciam-se mutuamente, e tornam-se de difícil resolução. Apesar de já existirem iniciativas no sentido de resolver o conflito, os problemas não param de se adensar e desenvolver, tal como os diferentes interesses, nacionais e internacionais, em jogo” (Hermenegildo, 2009: 13). A crise de 2006, no entender do Comandante do 3º Contingente português, foi na generalidade provocada pelos peticionários, partiu do despedimento de cerca de 600 soldados das F-FDTL que reivindicavam não terem sido promovidos por motivos de discriminação. Estes estavam altamente politizados e tratava-se sobretudo de uma questão partidária. A falta de emprego e de oportunidades entre a camada jovem despoletou um cenário de violência marcado pelas imagens de polícias e militares combatendo na rua. A 11 de Julho de 2007, chega a Timor-Leste o 4º Contingente comandado pelo Capitão Marco Cruz. No âmbito das múltiplas operações desencadeadas por este 314 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 3º Contingente Português, Tenente Hermenegildo. 163 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Contingente, destaca-se a participação das forças da GNR, na operação desencadeada pelas forças internacionais, que culminaram com a detenção, a 3 de Outubro de 2007, de Vicente da Conceição (―Rai Laos‖), designado como o Comandante do Esquadrão da Morte. O Comandante do 4º Contingente destaca o mês de Junho como sendo o mais intenso em termos de violência, referindo que “Durante este mês foram vários os incidentes em que a GNR esteve envolvida. A proibição das NU relativa à utilização de bagos de borracha condicionou as operações de restabelecimento da OP. De destacar que a força foi, por diversas vezes, atacada com meios letais (setas, dados, cocktail´s molotov etc), sem que tivesse sido feito qualquer disparo com arma letal da nossa parte”; destaca ainda o mesmo Comandante ―a proibição da utilização de bagos de borracha em Timor-leste durante os diversos incidentes que assolaram a capital durante o primeiro mês em que estive na missão causou vários transtornos para a actividade operacional, uma vez que a aplicação desse meio, até àquela altura, revelou-se bastante eficaz para o restabelecimento da OP. Por vezes existe um “aligeiramento” dos meios face à ameaça!” 315 A 30 de Janeiro de 2008, chegam a Timor-Leste os militares do 5º Contingente português, comandado pelo Capitão João Martinho, que intervêm na resolução de um incidente importante, quando a 11 de Fevereiro de 2008, elementos do grupo do Major Reinado atacam o Presidente da República Ramos Horta, morrendo um segurança deste e o Major Reinado. O Presidente fica gravemente ferido, tendo sido socorrido pelos elementos do SubAgrupamento Bravo. O Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, tendo este saído ileso. Cerca de duas horas após o golpe fracassado contra Ramos Horta, é efectuada uma emboscada às viaturas do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão316, da qual o Primeiro-Ministro saiu ileso (Hermenegildo, 2009: 8). Nas diversas intervenções que o Contingente português teve de realizar sobretudo ―Por ocasião de diversas situações de manutenção da ordem pública, (fez) uso da força física, das armas contundentes e das armas não letais‖, referindo ainda este Comandante que ―dispunha do armamento, equipamento, técnicas e tácticas, a par 315 316 Excerto da entrevista ao Comandante do 4º Contingente, Cap. Marco Cruz. Este ataque, da qual não resultou qualquer vítima, ainda não foi verdadeiramente confirmado e esclarecido. 164 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” do enquadramento legal, adequados ao cumprimento da missão e da correcta aplicação da força.”317 No dia 31 de Julho, o 6.º Contingente da GNR chega a Timor-Leste e aí permanece até 13 Março de 2009. O Comandante deste contingente descreve a missão do seguinte Pública e modo: as suas ―a utilização munições (borracha) das armas padeciam de mensalmente Ordem de uma autorização por parte da UNMIT no que diz respeito à sua utilização, isto por não estarem previstas e ao que sei, nunca ter existido uma força que as utilizasse”, referindo como principal momento aquele em que “Durante a noite, militares dezenas de extracção local, trajando meliantes, destes foram à civil, usando militares, também foram catanas militares agredidos. de Os e abordados armas serviço e de que ferimentos agredidos fogo, se durante deslocaram causados aos por a ao nossos militares foram de alguma gravidade, havendo um deles que sofreu um golpe de efectuadas catana no detenções, encontravam armados” 318 pescoço, sendo apenas duas delas por de sorte polícias não padeceu. timorenses, Foram que se . O Comandante do 7.º Contingente salienta como momento mais difícil o seguinte: “No que diz respeito à aplicação dos meios coercivos, considerando a situação mais complexa por mim vivida em Timor-Leste, considero a noite de 26JUN para 27JUN09. Situação que foi necessário repor a ordem e tranquilidade pública num determinado local e perante agressões á força, através do arremesso de pedras sobre a uma secção de um Pel de OP, foi necessário aguardar o reforço da 2ª Secção, para restabelecer a situação de alteração e posteriormente o reforço de um 2º pelotão, para conseguir fazer dispersar dos desordeiros, toda esta acção foi efectuada sem recurso a munições de borracha ou gás e muito menos armas letais, contudo quando tudo parecia estar resolvido, um individuo sacou de uma pistola e apontando-a a dois militares a cerca de uma distância de 2/3 metros, os militares sabendo que qualquer acção da sua parte poderia precipitar o pior, mantiveram o sangue frio e tentaram persuadir o individuo, ao que o mesmo colocou-se em fuga e disparou diversos disparos (6/7), não se sabendo em que direcção mas tendo ficado dois impactos na viatura da GNR”, resumindo da forma que se segue os procedimentos que regularam a sua actuação: ―No 317 318 Excerto da entrevista realizada ao Comandante dos 5º/8º Contingentes Portugueses, Capitão Martinho. Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 6º Contingente Português, Capitão Cabrita. 165 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” que diz respeito aos meios legais acrescentaria que o Código Processo Penal em vigor em Timor é semelhante ao nosso (Português), daí que não acarreta nenhuma novidade ao nível de procedimentos do processo penal, no entanto, o código Penal em vigor em Timor-Leste é diferente do nosso e até se “comenta” que teve como ponto de partida para a sua elaboração o Código Penal Indonésio. No que diz respeito aos regulamentos e directivas das Nações Unidas, acrescentaria que no período em que Comandei o Subagrupamento Bravo, foi proibido o uso das munições Cal 12, zagalote de borracha, que foi para nós considerado uma grande redução nas possibilidades de utilização de munições menos letais, nas acções de restabelecimento da ordem pública, ficando essencialmente ao nosso dispor as munições 56mm do Lança Granadas Cougar, isto no que diz respeito a munições de borracha. No que diz respeito aos meios humanos, o grosso do efectivo do Subagrupamento Bravo está direccionado e preparado para acções restabelecimento de ordem pública (com três pelotões operacionais), mas desempenha também missões de segurança física, acções de patrulhamento intensivo em áreas sensíveis, escoltas a pessoas e bens entre outras missões. Tem ainda uma Secção de Operações Especiais que está preparada para desempenhar variadíssimas missões, que se poderão enquadrar em situações de elevado risco, bem como a segurança e protecção de Altas Entidades (SPAE – PR de Timor-leste). Comporta ainda uma equipa de Inactivação de Engenhos Explosivos, que acrescento é a única ao dispor das Nações Unidas no território. Iria concluir que entre meios humanos apresentados e a forma como são treinados e preparados, consegue-se flutuar entre os diversos patamares do uso da força. No tocante aos meios matérias ao dispor dos militares do Subagrupamento e sem estar a fazer uma distinção entre as valências do Subagrupamento no que diz respeito à distribuição de armamento e equipamento, posso adiantar que o nosso Subagrupamento dispõe de equipamentos menos letais entre bastões, taser’s, gás às munições de borracha, no tocante a armas letais, desde do Cal12, 9mm, 5,56mm, 7,62mm, 12,7mm às granadas de 40mm. É facilmente visível que nesta área o Subarupamento Bravo não terá dificuldades ou limitações que dificultem a utilização da força”319. Neste momento encontra-se, em território timorense o 8º Contingente comandado pelo Capitão Martinho, que já tinha comandado o 5º Contingente português. 319 Excerto da entrevista ao Comandante do 7º contingente português, Cap. Simões. 166 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 4. A aplicação das regras de empenhamento da força (ROE) No que respeita aos limites de actuação de uma força numa OAP, estes estão definidos na ROE, que são os meios pelos quais as NU fornecem a direcção e orientação políticas aos Comandantes a todos os níveis com interferência na decisão do uso da força, ou seja, são as linhas directivas pelas quais os Comandantes das OAP se regem no que concerne aos limites de uso da força no decorrer dessa mesma operação. Estas providenciam ainda as directrizes aos diversos Comandantes em todos os níveis da cadeia de comando, quanto ao emprego e uso da força na área de missão. As ROE são regras aprovadas ao mais alto nível das organizações responsáveis pela actuação da Força nas Operações de Apoio à Paz. No caso de Timor-Leste as ROE foram emanadas pela ONU constituindo-se “meios pelos quais as NU fornecem a direcção e orientação políticas aos comandantes a todos os níveis com interferência na decisão do uso da força” (ME—76-04, 1996, p.6-10), ou seja são as directivas pelas quais os Comandantes nas OAP se regem no que respeita aos limites de uso da força no decorrer dessa mesma operação. No entanto, as ROE não podem limitar o exercício de auto-defesa. A este propósito, e em relação à importância das ROE os Comandantes dos diversos Contingentes afirmam o seguinte: ―As ROE são fundamentais na actuação de uma força, numa missão internacional, visto que são a grande orientação no planeamento das operações, a desenvolver no TO, e no modo como a força actua em todos os incidentes que possam ocorrer durante a missão. É de vital importância o conhecimento das mesmas, por todos os militares, visto que uma única actuação isolada que viole as ROE pode comprometer o desempenho de toda a força‖320. O Comandante deste contingente referiu ainda a este propósito que ―Na passagem do regime de acordo bilateral para a missão das NU, as ROE mudaram tornando-se mais restritivas, no uso das armas de fogo, letais e não letais. Esta mudança dificultou a actuação operacional nos casos dos distúrbios de maior gravidade, devido à proibição do uso de munições de borracha.”321; ―As ROE servem de base de trabalho para uniformizar a integração das diversas nacionalidades, equipamentos e experiências, 320 321 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 1º Contingente. Idem. 167 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” definindo condições mínimas de exigibilidade”322; “As ROE são o documento central e fundamental de qualquer missão no que toca ao uso da força”323; “As ROE são um dos documentos mais importantes para quem quer participar numa missão. Documento que todo o elemento policial deve conhecer com profundidade, orienta toda a sua actividade operacional, sobretudo para a utilização da força.”324; “As ROE representam o enquadramento político/jurídico da aplicação da força por parte das forças internacionais. Determinam a forma e o alcance da aplicação da força, assim como, permitem o controlo hierárquico/politico do cumprimento destas regras.”325 Afirmam ainda a este propósito os Comandantes dos 6º e 7º Contingentes: ―Trata-se de facto do documento mais importante para o cumprimento da missão. É com base neste documento, que a actuação da força se rege. Em qualquer circunstância pode ocorrer uma intervenção fora do contexto das ROE, sob pena de se colocar em perigo a missão do ponto de vista policial/militar, com repercussões diplomáticas imediatas”326; “As ROE, é um documento fundamental, em que em muito está esbatido noutros regulamentos e regras da missão, dou especial importância a este documento na medida em que é neste documento que está definida a legitimidade do uso da força, onde está definida todas as circunstâncias que legitimará o uso da força por parte da força policial. Posso acrescentar ainda que os nossos militares são devidamente elucidados das ROE e instruídos com base nas mesmas nos aprontamentos de contigentes, pois todos terão que ter conhecimento pleno das permissões e limitações das mesmas, pois toda a sua conduta individual é regulada por este documento. Por último aproveito para mencionar que mesmo antes das operações era sempre efectuadas alusões às ROE”327. Estas regras regulam o uso da força em operações de características militares e/ou policiais, traduzindo as linhas orientadoras paro o uso da força e explicitando os princípios, responsabilidades e conceitos que lhes estão subjacentes, tendo em consideração o propósito político do emprego das forças policiais, as restrições legais ao uso da força e a missão atribuída. Constituem-se como um documento que orientam os Comandantes no sentido de não tomarem determinadas acções, no que respeita às 322 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 2º Contingente. Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 3º Contingente. 324 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 4º Contingente. 325 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 5º/8º Contingentes 326 Excerto da entrevista ao Comandante do 6º Contingente. 327 Excerto da entrevista ao Comandante do 7º Contingente. 323 168 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” proibições, e definem os limites do uso da força ou das acções que os militares possam ter que tomar para cumprir a missão, no que diz respeito às permissões. As regras de empenhamento são uma das responsabilidades de uma missão que deve transmiti-las a todos os comandantes subordinados, que por sua vez deverão assegurar a total compreensão das mesmas por todos os militares. As ROE definem as circunstâncias e as acções em que o uso e o emprego da força são justificáveis; definem ainda o modo e o grau da sua aplicação. Surgem normalmente associadas a situações de auto defesa; esta implica o uso da força necessário e proporcional, incluindo a força letal, que permita à força em missão defender os seus próprios elementos, a população civil, os órgãos de soberania de Timor-Leste e outras Forças e Autoridades, contra ataques actuais ou iminentes. No decorrer de missões e durante as operações tácticas as forças policiais têm de cumprir os princípios internacionalmente definidos da proporcionalidade, do uso da mínima força328 e da minimização da possibilidade de ocorrência de danos colaterais. A este propósito afirma o Comandante do 4º Contingente: ―O princípio do uso mínimo da força e da proporcionalidade são, na minha opinião, princípios basilares para a aplicação prática do uso da força. De facto, durante a missão foram registadas situações que, pelo seu enquadramento legal, poderiam ter sido utilizados meios coercivo mais superiores, no entanto, tendo em conta estes dois princípios essas mesmas situações foram resolvidas com recurso a meios de patamares mais reduzidos.”329 Assim, as ROE contemplam também a referência à alternativa do uso da força, referindo que deverão ser feitos todos os esforços para que na resolução de situações de conflito sejam utilizados outros meios disponíveis como sendo a negociação ou a assistência pelas autoridades locais. Assim, a força deve ser empregue na extensão necessária para levar a cabo a missão e a concretização dos objectivos definidos, sendo que o uso da força deve ser limitada ao grau, intensidade e duração necessários para alcançar o objectivo. Esse grau de força a utilizar está determinado pelas circunstâncias e pelas próprias ROE. Os danos provocados a civis, bem como aos seus bens não devem exceder a vantagem táctica que se pretende obter numa operação, evitando ao máximo os danos colaterais. A este propósito afirma o Comandante do 4º Contingente ―Existem 328 Consiste na utilização da força no mais baixo grau possível para se cumprir os objectivos definidos para a missão, tendo sempre em conta as necessidades e as circunstâncias. 329 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 4º Contingente. 169 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” regras muito claras de aplicação da força. As Nações Unidas têm regras/normas muito claras quanto ao uso da força, por vezes até muito restritivas.”330 Afirma a este propósito os Comandantes dos 6º e 7º Contingentes: “Sempre com o princípio do uso da força presente. Nunca esquecendo que uma FPU depende do Police Commissioner do ponto de vista operacional, remetendo para este o ónus da decisão, sempre que uma intervenção nossa poderia suscitar dúvidas”331; “As ROE, é um documento fundamental, em que em muito está esbatido noutros regulamentos e regras da missão, dou especial importância a este documento na medida em que é neste documento que está definida a legitimidade do uso da força, onde está definida todas as circunstâncias que legitimará o uso da força por parte da força policial. Posso acrescentar ainda que os nossos militares são devidamente elucidados das ROE e instruídos com base nas mesmas nos aprontamentos de contigente, pois todos terão que ter conhecimento pleno das permissões e limitações das mesmas, pois toda a sua conduta individual é regulada por este documento. Por último aproveito para mencionar que mesmo antes das operações era sempre efectuadas alusões às ROE”332. Relativamente à adequação das ROE às diversas actuações práticas, e no que diz respeito ao uso da força, os Comandantes dos Contingentes afirmam o seguinte: “Em primeiro lugar, é muito importante instruir todos os militares do conteúdo das ROE, dado que as mesmas regulam a sua actuação. Subsequentemente, em cada operação devemos relembrar os condicionalismos das mesmas, não só no seu planeamento, mas também durante o decorrer das mesmas. Como comandante, as ROE devem estar presentes em todas as decisões que tomamos, no que concerne ao escalonamento do uso da força, sempre adequado a cada incidente, em concreto”333. No que diz respeito à aplicação prática das ROE, afirma o Comandante do 2º Contingente “Existem um conjunto de definições sobre os patamares do uso da força, a nível internacional, que são mais ou menos consensuais, o que diferencia (para além de pequenas questões relacionadas com alguns países asiáticos – direitos humanos), é a experiência profissional dos executantes e a forma como são recrutados. É diferente o conhecimento de elementos do GIOP, que são especialistas e fazem isso todos os dias, de alguns polícias/militares, a quem é dado equipamento, algumas noções e depois mandam-nos para missões internacionais. Quando passam à prática, 330 Idem. Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 6º Contingente português. 332 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 7º Contingente. 333 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 1º Contingente. 331 170 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” perante o stress da situação, se não houver experiência de terreno, ultrapassam patamares e são menos criteriosos na utilização dos meios disponíveis. As ROE servem de base de trabalho para uniformizar a integração das diversas nacionalidades, equipamentos e experiências, definindo condições mínimas de exigibilidade. No entanto, importa em cada missão (todas têm a sua particularidade), a definição de um conjunto de directivas adicionais, com o intuito de pormenorizar alguns aspectos onde as ROE permitem interpretação extensiva. Ex: a política de transporte da arma pessoal, trajando civilmente, quais as condições em que a pode utilizar e como deve ser transportada. Registaram-se noutras forças alguma negligência quanto a este aspecto, especialmente quando elementos isolados, sem estarem integrados em forças que possuíam arrecadações de material de guerra. Efectivamente, não foi necessária adaptação das regras, bastou usar exactamente os mesmos critérios que usamos em Portugal, em função do risco da vida humana (própria ou de terceiros), da relação custo/benefício, relativamente a uma intervenção mais musculada ou à contenção da situação, para futura negociação, podendo os infractores virem a ser responsabilizados posteriormente (intervenções em determinadas alturas poderiam “incendiar” os ânimos e colocar em risco a Força de segurança e terceiros, bastando identificar os infractores). Os nossos recursos diversificados em termos de materiais também permitiam um leque variado de opções, sendo que a dissuasão psicológica sempre ocupou o 1º lugar, resolvendo os problemas em 90% dos casos. Ex: a cor das nossas viaturas era diferente das Nações Unidas (que eram brancas), apenas com inscrições “UN”, bastando aproximarmo-nos dos locais de ocorrências e os ânimos serenavam”334. O Comandante do 4º contingente português afirma que ―As ROE são um dos documentos mais importantes para quem quer participar numa missão. Documento que todo o elemento policial deve conhecer com profundidade, sendo uma orientação toda a sua actividade operacional, sobretudo para a utilização da força”335; “As ROE representam o enquadramento político/jurídico da aplicação da força por parte das forças internacionais. Determinam a forma e o alcance da aplicação da força, assim como, permitem o controlo hierárquico/politico do cumprimento destas regras. O uso da força é regulamentado pelas ROE, no âmbito de missões internacionais, em paralelo como os Standard Operational Procedure. De uma forma geral, os primeiros 334 335 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 2º Contingente. Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 4º Contingente. 171 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” regulamentam “quando” se deve usa a força e os segundos a forma “como” se deve usar. Ou seja, apenas as ROE não são suficientes para o enquadramento do uso da força. A aplicação efectiva da força, observadas as ROE, depende de mais factores, entre as quais os SOP”336. O Comandante do 7º Contingente fez referência a algumas limitações que sentiu em território timorense, no que diz respeito ao uso da força: ―Uma das limitações foi proibição do Cal 12, zagalote de borracha, no tocante a este assunto, bem poucas são as armas que com a sua ostentação crie o efeito dissuasor como a caçadeira, logo com a proibição da utilização deste tipo de munição, a mesma arma que poderia utilizar munições letais e munições menos letais, ficou reduzida à possibilidade de utilização unicamente de munições letais. Acrescentava ainda que a utilização correcta desta arma com munições de borracha é altamente eficaz nas acções de restabelecimento de ordem pública. A segunda limitação que me apraz comentá-la, diz respeito à utilização do gás nas acções de restabelecimento de ordem pública. Os regulamentos da Missão sustentam a utilização do gás, mas a utilização deste meio requer que estejam reunidas uma série de circunstâncias, designadamente, algumas naturais como é o caso do vento, outras geográficas como é o caso do relevo, outras de localização como é o caso de áreas urbanas ou de elevada densidade habitacional. Mas a utilização do gás não é uma limitação, é antes mais uma opção e outro patamar do uso da força, o problema põe-se quando esta utilização é feita mesmo antes da utilização de munições de borracha. Pois olhando à missão em Timor-Leste e às características do território (designadamente em Díli), se com munições de borracha se pode seleccionar os alvos, com gás estamos sujeitos às condições atmosféricas (ventos), utilizando gás requer que as forças estejam com máscara anti-gás, logo diminui as capacidades individuais dos operacionais e com a utilização do gás quase sempre afecta-se terceiros que nada tem ver as situações de alteração, não esquecendo que muitas vezes estes terceiros são crianças e idosos. Perante o exposto resta dizer que mesmo assim existem forças que fazem esta utilização em detrimento da utilização de munições de borracha”337. 336 337 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 5º/8º Contingentes. Excerto da entrevista ao Comandante do 7º Contingente. 172 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” 5. O contributo da GNR na segurança (interna) “A GNR goza de um prestígio enorme em Timor-Leste e tem levantado bem alto o nome de Portugal”. MAI, Dr. Rui Pereira338 “(…)Quero(…)reafirmar o meu especial apreço pelo notável trabalho que os nossos camaradas do SubAgrupamento Bravo têm vindo a realizar em Timor. Mais uma vez, agora a propósito dos atentados perpetrados contra o Presidente da República e o Primeiro-Ministro de Timor-Leste, a comunidade internacional, os timorenses e o Governo de Portugal foram unânimes no reconhecimento da excelência do nosso desempenho operacional naquele país amigo. Há pequenos gestos que dizem tudo, como aquele com que a esposa e os filhos do Primeiro-ministro Xanana Gusmão quiseram homenagear os nossos militares. A Guarda, com satisfação do dever cumprido, sente-se orgulhosa e ainda mais comprometida com a responsabilidade de proteger e garantir a segurança de Timor e dos Timorenses.”339 A GNR, força de segurança de natureza militar, tem contribuído para a promover a segurança interna de Timor-Leste através da sua participação em missões de apoio à paz (OAP) desenvolvidas por estas forças naquele território, e através do seu contributo para a formação de uma polícia profissional e apta, fundamental para a resolução dos problemas de segurança interna. O facto da natureza da GNR ser militar, tem-lhe permitido desenvolver um vasto espectro de missões e ser simultaneamente um actor paradoxal de ―segurança interna-externa‖, como referiram Yves Chevrel e Olivier Masseret.340 A missão desenvolvida pela GNR, em território timorense, tem tido como principais objectivos a criação de um ambiente estável, seguro e capaz, reforçando simultaneamente, a capacidade do Estado para manter a segurança, com total respeito 338 Frase proferida na Universidade Lusíada, em Lisboa, em 12 de Fevereiro de 2008, http://www.tvnet.pt/notícias, consultado em Fevereiro de 2008. 339 In mensagem à Guarda, Tenente-General Carlos Mourato Nunes, Comandante Geral da Guarda, Fevereiro 2008. 340 Na obra ―La gendarmerie, acteur paradoxal de la ―sécurité intérieure-extérieur‖ ‖, La Reveu Internationale e Stratégique, nº 59, Automne 2005, p.57. 173 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” pela legalidade e pelos direitos humanos; facilitar o processo político, promovendo o diálogo e a reconciliação e apoiar o estabelecimento de instituições de governação legítimas e funcionais e promover uma organização que assegure que todos os actores presentes conduzam as suas actividades a nível nacional de uma forma coerente e coordenada. Portugal, num quadro de compromissos internacionais, assumiu efectivamente um compromisso com Timor, no sentido de contribuir para assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz. O entendimento dos últimos governos vai no sentido de assumir a sua quota de responsabilidade na manutenção da paz em Timor, desenvolvendo uma missão de “(…) gestão civil de crises, de paz e humanitárias, no âmbito policial e de protecção civil (…)‖341. O Comandante do 1º Contingente sublinha a importância da missão da GNR para promover a segurança interna de Timor-Leste referindo que ―Na missão de 2006, durante as primeiras 5 semanas, a nossa actuação foi essencial no restabelecimento da ordem pública, visto que não existia PNTL nem qualquer outra força policial. Neste período, ficou provado a ineficácia das forças armadas internacionais no controlo de tumultos. Sem actuação da Guarda no TO, a situação poderia atingir níveis de violência e destruição inimagináveis‖342. A este propósito é elucidativo o testemunho do Comandante do 2º Contingente quando afirma ―Na fase inicial (logo após os incidentes de Maio06 e em acordo bilateral), devido à reputação criada entre 2000 e 2002, assim como pelo seu desempenho, (a GNR) constituiu um pilar fundamental na reposição da Ordem Pública em Timor-Leste, até por contraposição com a intervenção australiana, sempre associada a interesses económicos naquele país. Na fase das Nações Unidas existiram alguns constrangimentos internos, pelo facto de estas procurarem não discriminar países, razão porque tivemos que retirar bandeiras e as inscrições “Portugal”, das viaturas, mas inevitavelmente os timorenses solicitavam sempre a intervenção da GNR, fosse pelo respeito que impunham, fosse pela doutrina, atitude cooperativa, etc. Mesmo no caso da formação e no “mentoring”, os timorenses sempre pediram em duplicado, quer às Nações Unidas, quer ao governo de Portugal. Na fase actual, após mais de três anos de presença contínua em Timor, os timorenses já possuem formação na área da Ordem Pública, mas ainda têm alguma dificuldade de afirmação, quando ao lado têm a 341 342 Lei Orgânica da GNR, alínea o) do nº1 do artigo 3º Lei nº6372007, de 6 de Novembro de 2007. Excerto da entrevista ao Comandante do 1º Contingente. 174 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” GNR a servir de termo de comparação e mesmo a população muitas vezes apresenta queixa à GNR, para esta actuar de imediato, no lugar de solicitar aos próprios (alguns conotados com os incidentes de 2006 ou de grupos étnicos diferentes)”343. A este propósito o Comandante do 3º Contingente afirma que a GNR “é a força central e única que é capaz de manter a segurança interna em Timor-Leste. A forma como a mantém resume-se à sua actuação impar no terreno, admiração pela GNR, à imparcialidade, neutralidade, bons equipamentos, disciplina, maturidade e experiência dos militares em missões internacionais e em Timor-Leste especialmente, adequação dos meios usados, compreensão da cultura local, diálogo com as autoridades timorenses e população em geral, respeito pelo outro, ou seja, o cumprimento das regras que uma força policial de um pais democrático respeita mesmo no exterior das suas fronteiras.”344 O Comandante do 4º Contingente refere a este propósito que ―Demos um pequeno contributo para a segurança do país, nalguns momentos importantíssima para a garantia da liberdade e segurança do povo de Timor-leste‖345. Quanto ao contributo da GNR para a estabilização da segurança interna de Timor-leste o Comandante do 5º/8º Contingentes afirma que a GNR ―Contribuiu de forma significativa e decisiva para a tranquilidade e paz pública, para a resolução adequada e oportuna de desordens públicas em Díli, e ainda, para um melhoramento qualitativo da actuação da Policia Nacional de Timor-Leste, através da cooperação, instrução e treino ministrado.”346 A este propósito afirmam os comandantes dos 6º e 7º Contingentes: “A GNR foi a única força capaz operacionalmente e psicologicamente de resolver uma crise, que assentou unicamente na alteração de ordem pública, em que os meios usados pelos intervenientes e que serviam os seus propósitos, foram basicamente, a contra informação, o boato, falta de objectivos, especulação, sempre recorrendo a meios tradicionais e artesanais”347. O sucesso da missão deveu-se também à dupla natureza da GNR, militar e policial, caracterizada como terceira força348 que actua como polícia musculada, e em caso de necessidade, integra missões militares. 343 Excerto da entrevista ao Comandante do 2º Contingente. Excerto da entrevista ao Comandante do 3º Contingente. 345 Excerto da entrevista do Comandante do 4º Contingente. 346 Excerto da entrevista ao Comandante do 5º/ 8º Contingentes. 347 Excerto da entrevista ao Comandante do 6º Contingente. 348 Major da GNR, Arménio Timóteo Pedroso, Setembro de 2001. 344 175 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Afirmam a este propósito os Comandante dos 1º, 2º, 3º e 4º Contingentes respectivamente: “( a natureza militar da GNR) sobressai na disciplina e coesão da força. Num incidente complexo e violento só é possível a correcta aplicação dos meios coercivos se os elementos da força forem disciplinados e coesos. Esta característica é uma grande vantagem das forças “gendármicas”349, referindo ainda que a GNR foi a força que ―melhor cumpriu as formalidades legais; devido ao facto do CPP ser uma cópia do português. A actuação da Guarda foi sempre pautada pela estrita observância das ROE que foram estabelecidas pelo Governo português, em condições semelhantes às praticadas em Portugal e pela legislação timorense, em vigor na altura.(…) A grande vantagem da GNR é ter as forças de intervenção concentradas na mesma unidade, o que permite a mobilização e aprontamento da força, num espaço de tempo muito curto”350; “o desempenho da GNR em Timor-Leste contribuiu decididamente para a segurança interna de Timor-Leste. Desde o seu empenhamento em acordo bilateral entre o Governo de Portugal e de Timor-Leste até aos dias de hoje ao serviço das Nações Unidas, a GNR continua a ser um garante da paz, segurança e tranquilidade pública. A presença da GNR em Timor-Leste continua a ser dissuasora para todos aqueles que tenham interesses em desequilíbrios do país”351. O Comandante do 2º Contingente responde a esta questão da seguinte forma ―É difícil de dizer se a condição militar, por contraposição a um estrutura civil, constitui uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos. Um facto inegável é que na Acção de Comando, em especial quando estamos perante situações de grande intensidade emocional, a uniformidade de procedimentos e a obediência integral a um comando único, sem vozes dissonantes, é fundamental e isso verifica-se nos militares. Existe ainda uma cultura de “Briefing”, antes das missões e de “debriefing”, posteriormente aos acontecimentos, onde os responsáveis por cada área podem apresentar os aspectos que consideraram mais e menos positivos, no sentido de melhorar aspectos futuros”; A este cenário o Comandante acrescenta que para o bom desempenho operacional contribuiu também o facto da GNR dispor de todas as valências necessárias para o cumprimento da missão “desde os humanos a materiais, incluindo blindados, armas menos letais (taser), negociadores de reféns (em inglês), Inactivação de engenhos explosivos improvisados e força tipo Swat, sendo a única 349 Excerto da entrevista ao Comandante do 1º Contingente. Idem. 351 Excerto da entrevista ao Comandante do 7º Contingente. 350 176 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Formed Police Unit, com essas capacidades, inclusive durante as eleições Parlamentares e Presidenciais de 2007, as Nações Unidas preferiram o nosso reforço de 2 Pelotões e alguns elementos de apoio, no lugar de outra FPU completa de outro país (havia 9 ofertas). Fomos reforçados com mais 80 militares (FPU 2), passando esse a ser até hoje o maior efectivo da Guarda em missões internacionais (220 militares + 3 INEM)”352. O Comandante do 3º Contingente refere a este propósito que “A possibilidade de passagem de uma situação de um nível de intensidade elevado para um mais baixo é fundamental a condição militar, pois permite que se mude de níveis de actuação diferenciados, mantendo em simultâneo o respeito pelas regras estabelecidas, sem ser necessários grandes explicações. No que toca à condição militar enquanto questão do foro estatutário é uma mais-valia, dada a condição militar em si mesmo e todo o corpo de valores e normas que constituem o mesmo”353; O Comandante do 4º Contingente afirma “Perante situações de elevado risco os militares da GNR, fruto das suas características e preparação, reagiram de forma extremamente profissional, calma e ponderada.”354 A propósito da condição militar da GNR, o Comandante dos 5º/ 8º Contingentes portugueses, afirma o seguinte: “Julgo que a condição militar pouco ou nada tem que ver com a aplicação técnico-táctico dos meios coercivos. A condição militar tem a ver disponibilidade, disciplina e sacrifício de interesses pessoais em prol do cumprimento da missão. Poder-se-á, apenas, supor que uma força mais disciplinada, à partida, dará mais garantias de uma correcta aplicação das leis e regulamentos que outra com menores níveis de enquadramento e/ou disciplina”.355 Afirmam ainda a este propósito os Comandantes dos 6º e 7º contingentes: “Através da preparação militar e organização de uma força desta natureza. O facto de um dos pilares da nossa instituição residir na hierarquia, revela-se crucial no desenrolar da missão, pois o respeito pelas ordens e indicações do escalão superior, é visto e encarado pelos militares, de forma absolutamente colegial”356; “A condição militar poderá ser uma mais-valia no processo de aplicação dos meios considerados coercivos. Mas esta matéria não poderá ser analisada simplesmente no espectro policial comunitário, esta 352 Excerto da entrevista ao Comandante do 2º Contingente. Excerto da entrevista ao Comandante do 3º Contingente português. 354 Excerto da entrevista ao Comandante do 4º Contingente português. 355 Excerto da entrevista ao Comandante dos 5º/8º Contingentes portugueses. 356 Excerto da entrevista ao Comandante do 6º Contingente português. 353 177 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” característica é tanto mais valia e tanto mais visível quanto maior a intensidade do confronto ou da alteração da ordem. A hierarquia de uma força da natureza da GNR encaixa na perfeição numa hierarquia estritamente militar e o que parece para muitos uma “banalidade”, é na verdade, no terreno e na missão em análise uma mais valia, pois a história já escreveu o Subagrupamento Bravo a trabalhar lado a lado com as Forças Armadas Australianas, Forças Armadas da Nova–Zelândia e até com as Forças de Defesa de Timor-Leste, quando a intensidade do conflito era bastante elevada, logo a probabilidade da aplicação dos meios considerados coercivos em maior escala é muito mais elevada. Outra realidade que é constatada é os meios (armamento e equipamento) ao dispor deste tipo de forças, constatei que o nosso Subagrupamento Bravo encontrava-se equipado com armamento que vai para além das outras forças do mesmo escalão, sendo esta uma mais-valia na mão Comandante e consequentemente das Nações Unidas”357 A condição militar da GNR transformou-se, indubitavelmente, numa mais-valia que lhe permite cumprir todo um espectro das missões de apoio à paz, cuja panóplia de actividades se encontram relacionadas com o restabelecimento da ordem e tranquilidade públicas, controlo e ordenamento da circulação rodoviária, detenção, identificação e condução de detidos, investigação criminal em apoio aos órgãos judiciais, tornando-a, quanto ao seu desempenho operacional, e devido ao facto de ser uma força ―altamente treinada e capacitada a responder com rapidez, eficiência e extrema eficácia a qualquer tipo de acção que possa ser perpetrada contra a ordem pública”358, distinta das forças armadas. A questão da condição militar é incontornável para o sucesso desta missão em solo timorense, visto que a GNR foi “considerada pelas NU como possuindo as componentes específicas que uma FPU deve ter numa situação ideal e em todas as missões das NU. O SubAgrupamento Bravo da GNR é a FPU presente em Timor-Leste que tem mais valências específicas e técnicas. Todas estas valências que a GNR possui em Timor-Leste são as que as NU consideram valências «Modelo», isto é, como o «Modelo ideal e perfeito», que todas as FPU deviam possuir” (Hermenegildo, 2009: 14). 357 358 Excerto da entrevista ao Comandante do 7º Contingente português. Comissário da CIVPOL, Henrique Lima de Castro, numa alocução em 18 de Setembro de 2001 em Timor Lorosae. 178 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” As características gendármicas da GNR “permite-lhe desenvolver um vasto conjunto de missões, e ser simultaneamente um actor paradoxal de «segurança internaexterna»359, como referiu Yves Chevrel e Olivier Masseret (Hermenegildo, 2009: 14). Para o reforço da segurança interna de Timor-Leste foi fundamental a formação ministrada por militares da GNR. Assim, desde o primeiro momento que foi pedido às autoridades portuguesas um contingente da GNR para Timor-leste, estava planeado solicitar à Guarda que ministrasse formação e treino à Unidade de Intervenção Rápida (UIR) da PNTL, como se encontra patenteado nos inúmeros documentos enformadores da participação da GNR em Timor-leste, nomeadamente na Carta dirigida ao PrimeiroMinistro de Portugal por Xanana Gusmão e Francisco Guterres ´Lu-olo` e Mari Alkatiri, a 24 de Maio de 2006; na Resolução do Conselho de Ministros nº 68-A/2006, 25 de Maio de 2006; GNR, Regras de Empenhamento (ROE), para o SubAgrupamento Bravo na Operação ―LAFAEK‖-Timor-Leste, a 2 de Junho de 2006; Resolução Nº 1704, de 25 de Agosto de 2006, pelo Conselho de Segurança das nações Unidas; Ofício Nº3692, Processo Nº57/2006 de Agosto de 2006, do Ministério da Administração Interna: Gabinete do Ministro; Resolução Nº 1745, de 22 de Fevereiro de 2007, do Conselho de Segurança das Nações Unidas; Resolução do Conselho de Ministros nº 47/2007, de 1 de Março de 2007, da Presidência do Conselho de Ministros; Protocolo de Acordo entre o Governo Português e de Timor sobre o envio e permanência de um contingente em Timor-Leste, em 25 de Maio de 2006. A propósito da missão desenvolvida pela GNR em território timorense e da importância da formação ministrada, afirma o Comandante do 5º/8º Contingentes portugueses: “ A missão da GNR contribuiu de forma significativa e decisiva para a tranquilidade e paz pública, para a resolução adequada e oportuna de desordens públicas em Díli, e ainda, para um melhoramento qualitativo da actuação da Policia Nacional de Timor-Leste, através da cooperação, instrução e treino ministrado”.360 Assim, em Setembro de 2007, as Nações Unidas, a pedido das autoridades de Timor, solicitam ao SubAgrupamento Bravo que inicie o processo de formação da Unidade de Intervenção Rápida de Timor-Leste, ministrando o curso de manutenção de ordem pública, com uma estrutura semelhante ao que é ministrado em Portugal. É criada uma equipa de instrução constituída por três elementos: um Sargento e dois Yves Chevrel e Olivier Masseret, ―La gendarmerie, acteur paradoxal de la «sécurité intérieureextérieur»‖, La Reveu Internationale et Stratégique, N.º 59, Automne 2005, p. 57. 360 Excerto da entrevista do Comandante do 5º Contingente. 359 179 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” Guardas que se destina apenas a dar formação à UIR, ministrando os Cursos de Manutenção de Ordem Pública, que por sua vez formou 59 elementos, através de um Curso de Formação de Instrutores, que se constituíram como os futuros instrutores da Polícia de Timor; o mesmo curso foi também ministrado a 53 elementos da Academia de Polícia de Timor-Leste. Esta formação ocorre no âmbito da UNMIT, pois a formação da polícia timorense ficou sob a alçada da UNMIT, isto é só foi possível à GNR desenvolver este tipo de formação à PNTL em Timor-Leste, por integrar a UNMIT, enquanto FPU, sendo-lhe, por esse motivo, atribuída a tarefa de formar a PNTL. A integração de equipas do INEM361 que fizeram parte do Posto Médico da GNR, constituída por um Médico, um Enfermeiro e um Técnico de Ambulância de Emergência, contribuíram também, de forma indirecta, para o reforço da segurança de Timor-Leste, visto que esta parceria ―permitiu reforçar a imagem positiva junto da população timorense, através dos cuidados de saúde prestados à população, permitindo uma maior aceitação da GNR, evitando frequentemente, em casos de desordem pública, o recurso ao uso legítimo da força, uma vez que a simples presença da GNR era suficiente para cessar os desacatos e restabelecer a ordem pública. A integração de uma equipa do INEM no SubAgrupamento Bravo em Timor-Leste permitiu à GNR, e a Portugal, facultar um maior contributo para a segurança humana em Timor-Leste em particular” (Hermenegildo, 2008: 24). A missão da GNR, integrada na UNTAET, obteve uma elevada reputação, que foi reforçada pela missão no âmbito da UNMIT, onde se verificou a grande confiança da população timorense nesta força, verificável no tipo de relacionamento estabelecido com as populações timorenses. Além disso, a GNR distinguiu-se de outras forças “pelo espectro de funções e missões que podia cumprir, pois era a única força das NU, em Timor-Leste, que dispunha, além da base de Manutenção de Ordem Pública, de uma célula (Secção) de Operações Especiais, de uma outra célula (Equipa de Inactivação de Engenhos Explosivos Improvisados (IEEI), de uma Equipa de Investigação Criminal, e de uma equipa especializada do INEM (Hermenegildo, 2008: 27). As valências técnicas apresentadas pela GNR foram consideradas pela NU como as valências ideias que todas as FPU deverão possuir.362 361 A equipa do INEM ganhou especial notoriedade quando prestou os primeiros cuidados médicos ao Presidente da República Ramos Horta, durante os ataques de 11 de Fevereiro de 2008. 362 Ver, Inited Nations: Department of Peacekeeping Operations, Functions and Organization of Formed Police Units in United Nations Peacekeeping Operations, DPKO/PD/2006/00060, DPKO Policy, 09 November 2006. 180 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” O SubAgrupamento Bravo tem, em território timorense, desenvolvido um leque abrangente ―de actividades de interacção e auxílio que desenvolver com a população, que lhe permite ter um nível de aceitação pelos actores internos e internacionais timorenses incomensurável, e desenvolver consequentemente, uma actividade de segurança, que ultrapassa e muito a mera componente de segurança militar e policial, atingindo e desenvolvendo uma segurança humana diária, continua e permanente”(Hermenegildo, 2008: 28). Afirma ainda o Comandante do 3º Contingente português: “A GNR é a força central e única que é capaz de manter a segurança interna em Timor-Leste. A forma como a mantém resume-se à sua actuação impar no terreno, admiração pela GNR, à imparcialidade, neutralidade, bons equipamentos, disciplina, maturidade e experiência dos militares em missões internacionais e em Timor-Leste especialmente, adequação dos meios usados, compreensão da cultura local, diálogo com as autoridades timorenses e população em geral, respeito pelo outro, ou seja, o cumprimento das regras que uma força policial de um pais democrático respeita mesmo no exterior das suas fronteiras”363. No entanto, e segundo o Relatório364 do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI), tem-se verificado que a criação de uma força policial não é suficiente para assegurar a segurança interna, sendo urgente a criação de um sistema judicial eficaz e credível, capaz de supervisionar a investigação criminal acusar arguidos, e além disso estruturar um serviço civil de informações capaz de prevenir potenciais ameaças à segurança interna de Timor-Leste. Para dar resposta às ameaças de segurança interna é necessário fomentar os laços de cooperação e coordenação regionais, que deverá ser uma actividade prioritária da nova polícia e dos serviços de informação. Será ainda necessário um desarmamento generalizado da população para evitar a expansão do crime organizado, e a integração dos membros das Falintil, nas novas Forças de Defesa e aproveitar a estrutura da antiga resistência civil timorense, que tinha um elevado nível de organização e coesão, que poderá ser um valioso recurso para Timor-Leste, se forem integradas no novo projecto, evitando riscos de violência. Será fundamental criar quem cultive a aversão à corrupção e incentive uma cultura burocrática que realce a vertente de serviço para os cidadãos. Assim, dever-se-á dar resposta aos desafios internos, promovendo a estabilidade interna, que contribui para a consolidação da segurança de Timor-Leste. A instabilidade 363 364 Excerto da entrevista ao Comandante do 3º Contingente português. Relatório intitulado ―A Segurança de Timor-Leste no contexto regional‖ de Junho de 2002. 181 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” enfraqueceria as respostas às ameaças internas e externas e criaria o risco de Timor se isolar progressivamente e a ser sinónimo de uma fonte de problemas regionais. A segurança de Timor-Leste, no entanto, também é determinada pela natureza e intensidade dos desafios de segurança externa. O contributo da GNR para a estabilização de Timor, tem vindo a público através de inúmeras manifestações de agradecimento como é o caso das palavras proferidas por D. Basílio do Nascimento, Bispo de Baucau, em 2001, quando afirma ―…Hoje estamos infinitamente mais calmos que há uns meses atrás. E convém dizer, que há uma instituição portuguesa que muito tem contribuído para a estabilidade do Território de Timor, que é a GNR. A Guarda Nacional Republicana tem feito um belíssimo trabalho ao nível da segurança, sobretudo, porque cria o sentimento nas pessoas de que os prevaricadores e os criminosos não saem impunes, coisa que não acontecia noutros tempos.” O desempenho da GNR, em território timorense foi reconhecida pelas mais variadas entidades políticas nacionais e internacionais, pela população timorense e pela comunidade internacional, tendo para tal contribuído a excelente relação estabelecida com o povo timorense. A actuação dos cerca de 1050 militares da GNR365 que têm prestado serviço em Timor-Leste contribui, significativamente, para a segurança interna do país. O excelente desempenho das subunidades granjeou vários elogios públicos, entre os quais, se destacam o antigo MNE Diogo Freitas do Amaral referindo-se ao desempenho da força portuguesa como «muito prestigiante para Portugal» (Freitas do Amaral, 2006, 95), e como recentemente referiu Mário Soares, antigo Presidente da República, “hoje Portugal é um país prestigiado (…) e que tem sido chamado a prestar diversas missões de paz e humanitárias, como ainda há dias sucedeu em Timor-Leste, onde a Guarda Nacional Republicana, ao serviço das Nações Unidas, prestou relevantíssimos serviços”366 (Hermenegildo, 2009: 15). 365 Este quantitativo é referente aos vários contingentes desde 2006. Actualmente a GNR tem em Timorleste o 8º contingente com 140 militares, constituído por uma Companhia de Ordem Pública, uma Secção de Operações Especiais, uma Equipa de Inactivação de Engenhos Explosivos Improvisados, uma Equipa de Instrução e um Pelotão de Apoio de Serviços. Esta subunidade da Guarda está integrada na missão UNMIT, Missão Integrada das Nações Unidas em Timor-Leste, e constitui uma das Formed Police Units (FPU), unidade de polícia constituída. 366 Mário Soares, ―Portugal e a recuperação da imagem internacional‖, in MNE, O Serviço Diplomático português do 25 de Abril à actualidade. Perspectivas de futuro, ASDP/MNE/ID, Lisboa, 2008, p. 42. 182 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” CONCLUSÃO Vivemos num mundo onde as ameaças têm sofrido mutações qualitativas e quantitativas, tendo as fronteiras e o paradigma criado em Vestefália perdido a sua validade. A soberania e a defesa das fronteiras físicas de cada Estado dão lugar ao paradigma das parcerias, coligações e alianças que promovem uma defesa colectiva e permitem dar uma resposta mais completa a ameaças transnacionais e voláteis. Os Estados têm de se reorganizar de forma a participarem na globalização do controlo de ameaças que estão implantadas na orgânica internacional, e aquilo que ― hoje lemos, pela negativa como “ingerências”, “perdas de soberania”, “erosão dos Estadosnação”, ou “sistemas de tutela” e “soberanias vigiadas”, amanhã talvez vejamos como primeiro momento, incontornável, de uma narrativa histórica de construção e criação” (Marques Guedes, 2005: 78). Verificou-se que o valor da Segurança se alterou significativamente, pois passou-se de uma segurança previsível, para uma segurança imprevisível, agora orientada para riscos diversos, mais difusos na forma, origem, espaço e actores propícia à eclosão de conflitos. Conclui-se então que a segurança é uma tarefa fundamental do Estado e que este utiliza a força para servir os interesses vitais da comunidade política, garantir a estabilidade dos bens, a durabilidade credível das normas e a irrevogabilidade das decisões do poder que respeitem interesses justos e comuns. O mesmo Estado tem-se metamorfoseado no sentido de fazer face a novas exigências, provocadas pela instabilidade do mundo actual, colocando a segurança no centro do debate. Assim, podemos concluir que os conceitos de segurança e defesa, dicotomia do século passado, estão em transformação. Criou-se um cenário, que segundo alguns autores, conduziu à junção entre os conceitos de defesa nacional e segurança interna, dando origem a um novo conceito de segurança nacional. Com o objectivo de travar os novos cenários de insegurança, os Estados tem vindo a desenvolver aquilo que alguns analistas designam como segurança cooperativa, tendo sido esta a forma encontrada pelos vários actores internacionais, para optimizar a resposta às novas ameaças, com reflexos na criação e desenvolvimento das organizações internacionais. No âmbito da segurança, verificou-se que a UE tem procurado garantir uma posição visível em várias partes do globo e as operações e missões de natureza diversa 183 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” têm sido o modelo implementado com originado sucesso. A política Europeia de Segurança e Defesa tornou-se numa realidade concreta, contribuindo para melhorar a segurança e a estabilidade na cena internacional. Quanto a um novo conceito de segurança interna, concluiu-se da necessidade de se reforçarem os laços de cooperação com Estados terceiros, bem como um aprofundamento das relações externas da União, promovendo uma participação mais activa em organizações internacionais, verificando-se que o conceito restrito de Forças de Segurança Interna foi substituído por comunidade de “actores” relevantes para a Segurança Interna, realçando-se que a nova lei de segurança interna veio também trazer uma nova abordagem, na tentativa de aumentar os níveis de coordenação, prevenção, investigação e aplicação de medidas que dêem solução às novas ameaças. Verificou-se ao longo deste trabalho que a abordagem da segurança humana tem vindo a contribuir para uma análise integradora da problemática segurança, ao afirmar, por um lado, a indivisibilidade da segurança e, por outro, a universalidade dos direitos à vida e a solidariedade entre os indivíduos, concluindo-se que o ponto fulcral deste conceito reside na protecção do indivíduo de todo o tipo de ameaças, ficando para segundo plano a importância das fronteiras dos Estados. Os pressupostos de centralidade da pessoa humana, universalidade, transnacionalidade e diversidade dos riscos são, efectivamente, abrangidos pela nova abordagem da segurança. Quanto às áreas da segurança e da liberdade, concluiu-se que um correcto balanceamento entre liberdade e segurança garante uma prevenção e uma repressão do crime mais eficazes. São, neste contexto, necessárias políticas e práticas adequadas aos interesses e necessidades dos cidadãos, conciliando-se os desafios da modernidade com os direitos individuais fundamentais, de modo a que possamos atingir a máxima liberdade dentro da necessária segurança, já que a liberdade absoluta é um mito e a segurança total é uma utopia. Como hodiernamente o Estado se tem mostrado incapaz de sozinho impedir a degradação da segurança, pois esta é induzida por novos factores associados ao novo quadro de ameaças, onde o fenómeno da globalização e os reflexos emergentes da vida social provocam uma descontextualização das estruturas sociais, concluiu-se da necessidade de um novo modelo de segurança para o século XXI, assente numa segurança partilhada e alcançada através da cooperação de todos os actores, implicando por um lado meios internacionais e por outro meios pacíficos, e no aprofundamento das relações externas da União, indispensável para o desenvolvimento da sua política de 184 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” segurança. Concluiu-se, então, neste âmbito, que a colaboração com os Estados terceiros, em particular com os Estados amigos e aliados, e simultaneamente uma participação mais activa em organizações internacionais é, pois fundamental, sendo uma relação profícua para todos os envolvidos, passando a existir uma cooperação multilateral mais coordenada entre os Estados, onde a transnacionalização das decisões e da colaboração deve ser uma realidade. Quanto ao modelo de segurança interna, este deve fazer face aos novos desafios, que passa pela adopção por parte do Estado dos princípios de transversalidade da organização da segurança, empenhando estruturas de um conjunto de ministérios, que ligarão transversalmente as adequadas áreas funcionais do Estado, criando um sistema que responda adequadamente aos vários níveis de ameaça, cuja coordenação e controlo deve estar ao nível superior, gerindo a segurança de forma integrada. Conclui-se então que cada vez mais se assiste a uma importação da segurança externa dos Estados e a uma exportação da segurança interna dos mesmos. Verificou-se que no início do século XXI, a segurança se tornou uma condição indispensável do Estado, havendo, no entanto necessidade de partilha da mesma para se assegurar a sua consecução em pleno. Segundo Paulo Rangel “a impotência da actuação individual dos Estados e a necessidade premente da concertação a nível global vêm a ser, mesmo no domínio económico-financeiro, um sinal distintivo da excruciante debilidade da forma política Estado (…) O velho Estado enfrenta agora novos actores políticos com pretensões parcelares e fragmentadas de concorrência” (Rangel, 2009:12). Surgiram, neste contexto, um conjunto de organizações internacionais de segurança cujo objectivo é promover e garantir a segurança e paz mundiais, sendo que a ONU é o fórum de maior representatividade mundial, o Conselho de Segurança, tem-se apresentado como um órgão com vocação policial e os Estados continuam a ser os principais protagonistas da cena internacional. A política internacional europeia contemporânea, hodiernamente, tem por objectivo promover a governação em Estados fracos, melhorar a legitimidade democrática e fortalecer instituições autónomas. No entanto, a existência de um Estado depende também da sua autoridade e simultaneamente capacidade de fazer cumprir as suas regras. Este só existe efectivamente quando se impõe através de normas que são cumpridas por todos os membros do grupo. Verificou-se então da necessidade de o Estado usar a força, concluindo-se que esta continua, nos dias de hoje, a ser um 185 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” instrumento imprescindível e actual, exigindo um forte sentido de responsabilidade a quem dele se socorra, até porque a força pode ser o último recurso para se repor a ordem e sem ordem não existem Direitos que sobrevivam. Este instrumento, em última análise, dentro da nova ordem internacional poderá ser o único meio disponível para garantia dos direitos humanos. Nesse sentido, ao longo deste trabalho, verificou-se que o Estado institui na Polícia, poderes típicos da sua soberania e num quadro de acções possíveis do Estado, aquela faz um uso legítimo da força, verificando-se que a força coactiva do Estado está presente na missão das Forças Armadas e das Forças de Segurança Pública, sendo que a primeira se vincula mais à sustentação dos valores mais consensuais, integridade Nacional e defesa Militar do país, enquanto as Forças de Segurança se ocupam mais da ordem pública preventiva e repressiva. Concluiu-se ainda que a necessidade do uso da força moderada e dos meios coercivos assenta no respeito por inúmeros normativos no plano internacional e no plano nacional. Trata-se de princípios e normas que enformam esta específica, melindrosa e ao mesmo tempo necessária vertente da actuação da polícia, pois o uso da força, que legitimamente é conferido aos diferentes níveis da actuação policial, pode consubstanciar-se de diferentes formas e modelos de actuação. Concomitantemente, verificou-se que a actuação das Forças de Segurança se pauta pela utilização de inúmeros parâmetros jurídicos. Após análise dos vários diplomas legais, quer ao nível constitucional, quer ao nível orgânico e estatutário das Forças de Segurança, verificou-se existir um vasto enquadramento jurídico, no que respeita ao uso da força. Concluiu-se também que, numa actuação concreta, com recurso aos meios de coerção em geral, os princípios legais enunciados estabelecem um importantíssimo filtro de aferição da legalidade, assumindo estes especial significado, quando o meio coercivo utilizado se encontra no topo da hierarquia, como é o caso da arma de fogo. No que diz respeito ao uso da força em missões de Apoio à Paz, salientou-se a importância da componente policial e do uso da força que se revelaram fundamentais no processo de transição de uma situação de conflito para uma paz duradoura, dentro de um quadro de respeito pelos direitos humanos. Estas operações de apoio à paz não são operações militares convencionais, nem missões de polícia convencional. No sentido de se dar resposta a estes ambientes atípicos a Stabilization Force da NATO criou a Multinacional Specialized Unit (MSU), uma força caracterizada pela capacidade de 186 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” resposta a conflitos relacionados com o controlo da ordem pública, composta por forças policiais com estatuto militar. Assim, neste contexto das missões de apoio à paz, destacámos a missão levada a cabo em Timor-leste pelas forças internacionais onde Portugal se transformou, efectivamente, num parceiro fundamental neste processo de construção do Estado embrionário que é Timor-leste. Neste projecto de construção que durará diversas gerações, através de depoimentos reais dos Comandantes dos contingentes que têm estado em Timor-leste, verificámos que de facto existiu uso da força no sentido de manter a ordem pública e promover a segurança do Estado, indispensável para a estabilização do território. Segundo os depoimentos dos Comandantes dos contingentes portugueses foram diversos os cenários em que os militares da GNR tiveram de recorrer ao uso da força e que estiveram relacionados com momento de grande instabilidade que foram surgindo durante a permanência da missão portuguesa em território timorense. Verificou-se ainda que os limites de actuação da força estão definidos na ROE, e que são os meios através dos quais as NU fornecem a direcção e orientação políticas aos Comandantes a todos os níveis com interferência na decisão do uso da força, ou seja, são as linhas directivas pelas quais os Comandantes das OAP se regem no que concerne aos limites de uso da força no decorrer da operação. A missão da GNR, em Timor-Leste surge para dar resposta à solicitação do governo timorense à comunidade internacional com o objectivo de estabilizar a ordem pública no território, provocada pela instabilidade política e social vivida no território, e constituindo-se como força de segurança de natureza militar cujo desempenho tem por base doutrina, treino, equipamento e cultura militares, a GNR pôde integrar uma missão que evolui de uma situação de imposição da paz (PE) para uma situação de manutenção da paz (PK). Concluiu-se que a Guarda Nacional Republicana tem tido indiscutivelmente um papel incontornável, em território timorense, e sob a égide das Nações Unidas, tem vindo a desenvolver uma missão profícua, para a qual contribuíram indubitavelmente as suas características de força gendármica, tendo-se concluído que a condição militar da GNR é uma mais-valia que lhe permite cumprir todo o espectro das missões de apoio à paz. Verificou-se então que em Timor-Leste a componente policial é chamada a jogar um papel predominante no processo de transição de uma situação de conflito para 187 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” uma paz duradoura dentro de um quadro de respeito pelos direitos humanos. Neste sentido, a GNR, como força de natureza gendármica, mostrou-se altamente treinada e capacitada para responder com rapidez, eficiência e extrema eficácia a qualquer tipo de acção que afectasse o território timorense. As questões relacionadas com o sector da Segurança, transformaram-se, em Timor-leste, como um factor crítico de toda a missão, já que o sucesso da retirada das forças internacionais de um país, e o correspondente términos da missão, está largamente relacionado com a capacidade das suas Instituições e das estruturas de segurança funcionarem adequadamente, funcionamento esse amplamente dependente do papel desempenhado pela componente policial das Missões de Apoio à Paz. O fortalecimento de um Estado frágil, como é o caso de Timor-Leste, faz-se através do incremento de políticas de segurança interna, de defesa contra as ameaças externas que acabam por promover o aparecimento de sociedades civis livres e organizadas, e a afirmação do novo paradigma de segurança, a segurança humana. De forma a poder alcançar-se um Estado de direito, uma paz duradoura, e uma estabilidade social, é necessário investir em áreas como a justiça, a ordem e a lei. A ONU, em Timor-Leste apercebeu-se da importância desta situação, e em todo o processo de transição para a paz, privilegiou os assuntos de segurança interna – lei e ordem – e justiça, e dentro destes ao funcionamento das respectivas instituições pensadas de forma adaptada às peculiaridades da zona de operações, e observando a legislação internacional sobre os Direitos Humanos. Surgiu então a necessidade de privilegiar, o restabelecimento das instituições nacionais de segurança interna, as relativas à administração da justiça e aos direitos humanos. Pelo que, depois de terminadas as hostilidades e como já aconteceu em alguns conflitos, reconhece-se que os corpos de polícia e o sistema de justiça devem ser das primeiras instituições da administração a ser reorganizadas, de forma a assegurar uma transição pacífica para a estabilidade. Assim, as instituições de Polícia da comunidade internacional desempenham um papel fundamental na reforma das instituições policiais em territórios devastados por conflitos cabendo-lhe fortalecer a capacidade das polícias locais, no cumprimento mais eficaz das suas obrigações, através de processos de formação ou de reforma e da reestruturação destes corpos policiais. Neste sentido, o relatório Brahimi lançou um novo desafio aos Estados membros recomendando que as lacunas institucionais, de capacitação e de actuação mais relevantes para as operações de Polícia, fossem superadas através de reformas 188 _________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste” estruturais, nomeadamente pelo estabelecimento de listas nacionais com especialistas de polícia previamente seleccionados, adequadamente treinados e em estado de prontidão permanente, susceptíveis de deslocação imediata para Missões de Paz. Recomendou ainda uma viragem doutrinal no emprego da polícia nas Operações de Apoio à Paz, atribuindo-lhe como principal papel e função a edificação ou reestruturação das capacidades da polícia local. Para concluirmos, e no que concerne à questão de Timor-Leste, Nuno Canas Mendes refere que “o tempo não permite tirar ilações sobre a existência de uma identidade nacional Timorense estável ou real, no sentido em que possa ser sentida como menos discursiva e como objectivo nacionalista. Tal dependerá em larga medida, de uma participação consciente dos Timorenses (a sociedade civil) na empresa que é um novo país e de uma construção equilibrada e funcional do Estado, com uma liderança eficaz, como expressão de um processo de identificação supra-local ou supra-étnico capaz de gerar e mobilizar um destino comum (que mais do que uma “comunidade imaginada”, seja vivenciada” (Mendes, 2008:106). 189 BIBLIOGRAFIA: AAVV, A Crise da União Europeia. Implicações para Portugal, Centro de Estudos EuroDefense – Portugal, Sínteses EuroDefense – 5, Lisboa, 2005. AAVV, Associação Portuguesa de Ciência Política (Org.), Actas do II Congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política, 1ªed., Editorial Bizâncio, Lisboa, 2006. AAVV, Associação Portuguesa de Ciência Política (Org.), Reforma do Estado em Portugal – Problemas e Perspectivas. Actas do I Encontro Nacional de Ciência Política, 1ªed., Editorial Bizâncio, Lisboa, 2001. AAVV, Associação Portuguesa de Ciência Política (Org.), Resumos do III Congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 30 e 31 de Março de 2006. ALMEIDA, João Marques de, A ordem política internacional e União Europeia, Vol. I, Nº 9, 1994. ALMEIDA, José V. Gomes de, ―A Policia e o Cidadão”, In: Seminário Internacional, Direitos Humanos e Eficácia Policial – Sistemas de Controlo da actividade Policial, Vol. I, Lisboa, 1998. ALMEIDA, Maria Cândida, ―A Acção Penal Catapulta da Segurança Interna?‖ In: Valente, Manuel Monteiro Guedes (org.), I Colóquio de segurança interna, Almedina, Coimbra, 2005. ALMEIDA, Simões de, In: Semana “Polícia e Direitos do Homem”, Iniciativa do conselho da Europa, Lisboa, 2000. ALVES, Armando Carlos, ―Segurança!!!... O que é???‖, In Revista Pela Lei e Pela Grei. Lisboa: Comando-Geral da GNR, 1995. AMARAL, Diogo Freitas do, 15 Meses no Ministério dos Negócios Estrangeiros, Almedina, Coimbra, 2006. AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 1996. ANES, José Manuel, Segurança e Defesa, Loures, Novembro 2006. ANGELO, Victor, ―Questões de Manutenção da Paz‖, In: Branco, Carlos; Garcia, Francisco (Coord.), Os Portugueses nas Nações Unidas, Lisboa, Prefácio, 2005. ANTUNES, M. A. Ferreira, Elementos de deontologia policial, Lisboa, Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais, 1996. 190 BAPTISTA, Eduardo Correia, O Poder Público Bélico em Direito Internacional: O Uso da Força pelas Nações Unidas em Especial, Almedina, Coimbra, 2003. BATTISTELA, Dario, Théories des Relations Internationales, 2.ª ed., Sciences Po, Paris, 2006. BERTRAND, Badie et alii, Qui a peur du XXI Siècle?, La Découverte, Paris, 2006. BESSA, António Marques & PINTO, Jaime Nogueira, Introdução à Ciência Politica, Vol. II, Verbo, 2003. BESSA, António Marques, & DIAS, Carlos Manuel Mendes, O Salto do Tigre. Geopolítica Aplicada, Prefácio, Lisboa, 2007. BESSA, António Marques, O Olhar de Leviathan, ISCSP, Lisboa, 2001. BOBBIO, Norberto & MATTEUCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco, Dicionário de Ciência Politica, 2 Vol, Dinalivro, 12ªed, Brasilia, 2004. BOBBIO, Norberto, Estado, Governo, Sociedade. Para uma Teoria Geral da Política, 12.ª ed., Paz e Terra, São Paulo, 2005. BOBBIO, Norberto, Teoria Geral da Política, Rio de Janeiro, Editora Campus, 2000. BONIFACE, Pascal, Guerras do Amanhã, Editorial Inquérito, Mem-Martins, 2003. BONIFACE, Pascoal (Dir.), Les fondements des politiques étrangères des pays européens, La Reveu Internationale et Stratégique, N.º 61, Printemps 2006. BOUDOUIN, Jean, Introdução à Sociologia Política, Editorial Estampa, 1ª ed, 2000. BRAILLARD, Philippe, & DJALILI, Mohammed-Reza, Les Relations Internationales, 7º ed., PUF, Paris, 1998. BRANCO, Carlos Martins, & GARCIA, Francisco Proença (Coord.), Os portugueses nas Nações Unidas, Prefácio, Lisboa, 2005. BRANDÃO, Ana Paula, ―Segurança: um conceito contestado em debate‖, In Moreira, Adriano (coord.), Estudos em Honra do General Pedro Cardoso, Lisboa, 2004. BRAUD, Philippe, Penser L’Étatl, Éditions du Seuil, Paris, 2004. BURDEAU, Georges, O Estado, Mem Martins, Publicações Europa América, s.d. CAETANO, Marcello, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 6ª ed., Tomo I, Almedina, Coimbra, 1996. CALHEIROS, Maria Clara, ―Do Estado: história e conceitos‖ In: Cunha, Paulo Ferreira (Org). Teoria do Estado Contemporâneo, Verbo, 2003. CAMBIER, Alain, Qu’est-ce que l’État ?, Librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 2004. 191 CANAS, Vitalino, ―A Actividade de Polícia e a Proibição do Excesso: As Forças e Serviços de Segurança em Particular‖ In Gouveia, Jorge Bacelar; Pereira, Rui (coord.), Estudos de Direito e Segurança, Almedina, Coimbra, 2007. CANAS, Vitalino, Actividade policial e limitação de direitos, Curso de pós-graduação e Mestrado em Direito e Segurança, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2007. CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição da República Anotada. 4ª. Ed., Vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 2007. CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, VitaL, Constituição da República Portuguesa. 3ª. Ed., Almedina, Coimbra, 1993. CASTELLS, Manuel e SERRA, Narcis (coord.), Guerra e Paz no Século XXI, Uma Perspectiva Europeia, Fim de Século, 2007. CASTRO, Catarina Sarmento, Segurança e Legalidade Democrática, Revista da Guarda Nacional Republicana Pela Lei e Pela Grei, Outubro-Dezembro, 2000. CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 7ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2003. CAVACO, Paulo D. P. A polícia no Direito Português, Estudos de direito de Polícia: seminário de Direito Administrativo de 2001/2002, Associação Académica da Faculdade de Direito, Lisboa, 2003. CHARILLON, Frédéric (dir.), Politique Etrangère: Nouveaux Regards, Sciences Po, Paris, 2004. CLEMENTE, José Pedro, Da Polícia de Ordem Pública, Dissertação de Mestrado em Estratégia, Governo Civil, Lisboa, 1998. Colóquios e Conferências Parlamentares, Política Europeia de Segurança e Defesa: Presente e Futuro, Divisão de Edições da Assembleia da República, Lisboa, 2007. COOPER, Robert, Ordem e Caos no Século XXI, 1.ª ed., Editorial Presença, Lisboa, 2006. COSTA, Francisco Seixas, Uma Segunda Opinião – Notas de Política Externa e Diplomacia, 1.ª ed., Dom Quixote, Lisboa, 2006. COUTO, Abel Cabral, Elementos de Estratégia, vol. I, IAEM, Lisboa, 1987. COVAS, António, A União Europeia e os Estados Nacionais: Em Busca do Paradigma do Estado Pós-nacional, Celta, Oeiras, 2002. COVAS, António, Portugal e a Constituição Europeia: A Caminho da 4.ª República, Edições Colibri, Lisboa, 2003. 192 CRAVINHO, João Gomes, Visões do Mundo. As Relações Internacionais e o Mundo Contemporâneo, 2.ª ed., ICS, Lisboa, 2006. CRUZ, Marco A.F., ―A Participação da GNR nas Missões de Paz‖, In: Branco, Carlos; Garcia, Proença (Coord.), Os Portugueses nas Missões de Paz, Lisboa, 2007. CUNHA, Paulo Ferreira da, Politica Mínima, Almedina, 2003 CUNHA, Paulo Ferreira da, Teoria do Estado Contemporâneo, Verbo, Lisboa/São Paulo, 2003. DEVIN, Guillaume, Sociologie des Relations Internationales, La Découverte, Paris, 2007. DIAS, Manuel Domingos Antunes, Liberdade, cidadania e segurança, Almedina Editora, Coimbra, 2001. DIAS, Mário Gomes, ―Segurança Interna‖, In Valente, Manuel Monteiro Guedes (coord.), II Colóquio de segurança interna, Almedina, Coimbra, 2006. DIAS, Mário Gomes, Limites da Actuação das Forças e Serviços de Segurança, Direitos Humanos e Eficácia Policial, Sistemas de Controlo da Actividade Policial, IGAI, Lisboa, Nov. 98. DIAS, Mário Gomes, Seminário sobre Relações Públicas – A Polícia face à Sociedade, Revista da Polícia Portuguesa, nº 90, Nov./Dez, Ed. CG/PSP, Lisboa, 1994. DINH, Nguyen Q., DAILIER, Patrick, PELLET, Alain, Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. ELIAS, Luís, A formação das Polícias nos Estados pós-conflito. O caso de TimorLeste, MNE/Instituto Diplomático, Colecção Biblioteca Diplomática, Série D, n.º 3, Lisboa, 2006. FEITEIRA, Alice, ―A Segurança e defesa: um domínio único‖. In Revista Segurança e Defesa. Loures: Diário de Bordo, 2006. FERNANDES, António José, ―Poder Político e Segurança Interna‖ In: Valente, Manuel Monteiro Guedes (coord.), Actas do I Colóquio de Segurança Interna, Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, Almedina Editora, Coimbra, 2005. FERNANDES, António José, Introdução à Ciência Política, Porto Editora, Porto, 1995. FERNANDES, José Pedro de S. e C. Teixeira, A Segurança da Europa Ocidental: Uma Arquitectura Euro-Atlântica Multidimensional, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e Tecnologia, Coimbra, 2002. FERNANDES, José Pedro Teixeira, Teorias das Relações Internacionais – Da abordagem clássica ao debate pós-positivista, Almedina, Coimbra, 2004. 193 FERRO, Mónica, Construção de Estados – As Administrações Internacionais das Nações Unidas, ISCSP, Lisboa, 2006. FUKUYAMA, Francis, A Construção de Estados – Governação e Ordem Mundial no Século XXI, 1.ªed., Gradiva, Lisboa, 2006. GARCIA, Francisco Proença, As ameaças Transnacionais e a Segurança dos Estados. Subsídios para o seu Estudo, M. Negócios Estrangeiros, Lisboa, 2004. GIOVANNI Truglio, ―Forças Militares versus Forças Policiais do Tipo da Gendarmerie‖ in Ciclo de Conferências Estratégicas sobre Segurança e Defesa, Lisboa, 2009. GOUVEIA, Bacelar, Estado de guerra, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 2º suplemento, Lisboa, 2001. GOUVEIA, Bacelar, Manual de Direito Constitucional, Lisboa, 2005. GOUVEIA, Jorge Bacelar, Direitos fundamentais, Curso de pós-graduação e Mestrado em Direito e Segurança, Universidade Nova de Lisboa, 2007, Lisboa. GOUVEIA, Jorge Bacelar; PEREIRA, Rui, (coord.). Estudos de Direito e Segurança, Coimbra, Almedina, 2007. GUEDES, Armando Marques, & MENDES, Nuno Canas (eds.) Ensaios sobre nacionalismos em Timor-Leste, MNE/Instituto Diplomático, Colecção Biblioteca Diplomática, Série A, n.º 4, Lisboa, 2005. GUEDES, Armando Marques, Estudos sobre Relações Internacionais, MNE/Instituto Diplomático, Colecção Biblioteca Diplomática, Série A, n.º 2, Lisboa, 2005. GUEDES, Armando Marques, Ligações perigosas. Conectividade, Coordenação e Aprendizagem em Redes Terroristas, Almedina, Coimbra, 2007. HASBI, Aziz, Théories des Relations Internationales, L’Harmattan, Paris, 2004. HERMENEGILDO, Reinaldo Saraiva, ―O Contributo da GNR na Construção do Estado e da Segurança em Timor-Leste‖, In conferência Understanding Timor-Leste: Díli, 2009. HERMENEGILDO, Reinaldo Saraiva, O papel da GNR em Timor-Leste: um contributo para a política externa nacional, Revista Militar n.º 2477, Lisboa Junho/Julho de 2008. HERNÁNDEZ, Jesús María Casal), Derecho a La Libertad Personal y Diligencias Policiales de Identificación, Centro de Estudios Políticos e Constitucionales, Madrid,2003. HOMEM, António Pedro Barbas, O Espírito das Instituições – Um Estudo de História do Estado, Almedina, Coimbra, 2006. 194 HUIDOBRO, Joaquín Garcia, ―Depois da Soberania‖ In Cunha, Paulo ferreira da (org.), Teoria do Estado Contemporâneo, Lisboa, 2003. INNERARITY, Daniel, A transformação da política, Teorema, Lisboa, 2005. LARA, António de Sousa, Ciências Políticas. O Estudo da Ordem e da Subversão, (ISCSP), Lisboa, 2003. LASCOUMES, Pierre et LE GALÉS, Patrick, Gouverner par les instruments, Sciences Po, Paris, 2004. LOPES, Antero, ―Esforços de Polícia no Apoio à Paz Mundial‖, In: Branco, Carlos; Garcia, Francisco (Coord.), Os Portugueses nas Nações Unidas, Lisboa, 2005. MAGALHÃES, José Calvet, A Diplomacia Pura, 1.ªed., Editorial Bizâncio, Lisboa, 2005. MAGOGNE, José M., The Developing Place of Portugal in the European Union, Transaction Publishers, New Brunswick (USA) 2004. MARTIN, Ian, Autodeterminação em Timor-Leste: As Nações Unidas, o Voto e a Intervenção Internacional, Quetzal Editores, Lisboa, 2001. MARTINS, Manuela Gonçalves, Relações e Desafios Internacionais na Era da Globalização, Pedro Ferreira, Sintra, 2003. MATIAS, Nuno Gonçalo Vieira, ―O Paradigma Estratégico Militar da Segurança Interna‖, In Valente, Manuel Monteiro Guedes (org.), II Colóquio de segurança interna, Almedina, Coimbra, 2006. MAXIMIANO, António Henrique Rodrigues, Os Parâmetros Jurídicos do Uso da Força, cadernos de cidadania, Edição da Câmara Municipal de Lisboa-cultura, Lisboa, 1996. MELO, A. Barbosa, Soberania e União Europeia, Temas de Integração, N.º 7, 4.º Vol, 1.º Semestre, 1999. MENDES, Nuno, História e Conjuntura nas Relações Internacionais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Politica, Lisboa, 2008. MIRANDA, Jorge, Curso de Direito Internacional Público, Princípia ed., Estoril, 2006. MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 7ª ed., Coimbra Editora, 2003. MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editores, Coimbra, 2005. MORAIS, Carlos Blanco de, Alinhamentos sobre o Regime Jurídico da Organização e Funcionamento da Defesa Nacional e das Forças Armadas, O Direito da Defesa 195 Nacional e das Forças Armadas, Edições Cosmos, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa, 2000. MOREIRA, Adriano (coord), Estudos em Honra do General Pedro Cardoso, Lisboa, 2004. MOREIRA, Adriano, Ciência Politica, 7ªed, Almedina, Coimbra, 2003. MOREIRA, Adriano, Ciência Politica, Almedina, Coimbra, 1997. MOREIRA, Adriano, Teoria das Relações Internacionais, 2ªed, Almedina, Coimbra, 1997. MORRIS, Christopher W., Um Ensaio sobre o Estado Moderno, Landy Editora, São Paulo, 2005. NETO, Vítor (Coord.), ―O Estado‖, Revista História das Ideias, Instituto de História e Teoria das Ideias, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Vol. 26, 2005. NOGUEIRA, José, Pensar a segurança e defesa, Instituto da Defesa Nacional, edição Cosmos, 2005. NUNES, Hugo J. G. O recurso a armas de fogo como forma de coacção administrativa, Estudos de direito de Polícia: seminário de Direito Administrativo de 2001/2002, Associação Académica da Faculdade de Direito, Lisboa, 2003. OLIVEIRA, José Ferreira de, As Políticas de Segurança e os Modelos de Policiamento, Almedina, Coimbra, 2006. PASQUINO, Gianfranco, Curso de Ciência Politica, Principia, Cascais, 2002. PEREIRA, António Celso Alves, A soberania no Estado Contemporâneo, Carta Mensal, Nº 575, Vol. 48, Rio de Janeiro, Fevereiro, 2003. PEREIRA, Rui, Intervenção do Ministro da Administração Interna, na sessão de abertura da Conferência ―Liberdade e Segurança‖, no Centro Cultural de Belém, no dia 11 de Maio de 2009. PIMENTEL, Luís Manuel de Oliveira, O regime estatutário das Forças de Segurança, Estudos de direito de Polícia: seminário de Direito Administrativo de 2001/2002, Associação Académica da Faculdade de Direito, Lisboa, 2003. PINTO, António Costa (Coord), Portugal Contemporâneo, Dom Quixote, 1ª Ed., Lisboa, 2005. PINTO, Maria do Céu, Novos paradigmas do peacekeeping: as operações de segunda geração, Revista Trimestral de Grande Informação, Lisboa, 2007. RAMONET, Ignacio, Guerras do Século XXI, novos medos, novas ameaças, 1ª ed., Campo de Letras, Porto, 2002. 196 RANGEL, Paulo, O Estado do Estado, Dom Quixote, Lisboa, 2009. RAPOSO, João, Direito Policial I, Almedina, Coimbra, 2006. REBELO, Marta, Constituição e Legitimidade Social da União Europeia, Almedina, Coimbra, 2005. RIBEIRO, Manuel A., FERRO, Mónica, A Organização Das Nações Unidas, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003. RODRIGUES, Francisco, A Guarda Nacional Republicana nas missões de paz, Revista Trimestral de Grande Informação, Lisboa, 2007. RUDOLPH, Luc, & SOULLEZ, Christophe, Soullez, Les Stratégies de la Sécurité 2002-2007, PUF, Paris, 2007. SÁ, Alexandre Franco de, Metamorfoses do Poder, Ariadne Editora, Coimbra, 2004. SÁ, Luís, A Crise das Fronteiras – Estado, Administração Publica e União Europeia, 1.ªed., Edições Cosmos, Lisboa, 1997. SÁ, Luís, Introdução á Ciência Politica, Universidade Aberta, Lisboa, 1999. SANDE, Paulo de Almeida - O ―Estado nu‖ In: Actas do I Encontro Nacional de Ciência Política, Lisboa, 2001. SANTOS, A. P. Ribeiro dos, As Metamorfoses do Estado – Rumo à MegaConfederação Europeia?, Almedina, Coimbra, 2005. SANTOS, Loureiro dos, Reflexões sobre Estratégia, Temas de segurança e Defesa, Publicações Europa América, Mem Martins, 2000. SARAIVA, Francisca, Conselho de Segurança das Nações Unidas, Modelos de Reforma Institucional, Instituto de Defesa Nacional, Lisboa, 2008. SARMENTO, Cristina Montalvão & CLUNY, Isabel (Coord.), Cultura – Revista de História e Teoria das Ideias (Ciência Politica), UNL, Vol.XVI-XVII/2003, II ª Série. SARMENTO, Cristina Montalvão, ―Poder e Identidade Desafios de Segurança‖, In Valente, Manuel Monteiro Guedes (org.), II Colóquio de segurança interna, Almedina, Coimbra, 2006. SARMENTO, Cristina Montalvão, ―Novas Arquitecturas Políticas, Redes, Interdependência e Violência‖, In Moreira, Adriano (Coord), A Globalização da Sociedade Civil, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Lisboa, 2004. Segurança e Defesa, Política Internacional e Segurança – Revista Lusíadas, Série I, 2008. 197 SEQUEIRA, Jorge Manuel; Segurança Interna e Externa Face às Novas Realidades, Trabalho de Investigação Individual realizado pelo autor no âmbito da Disciplina de Estratégia, do Curso de Estado-Maior no IAM, 2002/04. SILVA, Germano M. da, In: Semana “ Policia e Direitos do Homem‖, Iniciativa do conselho da Europa, Lisboa, 2000. SILVA, Germano Marques da, Ética Policial e Sociedade Democrática, ISCPSI, Lisboa, 2001. SILVA, Nuno M.P.D. P, As Operações de apoio à Paz no âmbito da EU, Revista Militar, Lisboa, Junho-Julho de 2008. SKONICK, Jerome & FYFE, James, Above the law: Police and the Excessive Use of force, The Free Press, New York , 1993. SOUSA, Fernando (Dir.), Dicionário de Relações Internacionais, Edições Afrontamento/CEPESE, Santa Maria da Feira, 2005. TEIXEIRA, Nuno Severiano, (Coord.). Estudo para a Reforma do Modelo de Organização do Sistema de Segurança Interna. Relatório Preliminar, Instituto Português de Relações Internacionais, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2006. TEIXEIRA, Nuno Severiano, Contributos para a Política de Segurança Interna, MAI, Lisboa, 2002. TELO, António, Um mundo mudou, revista 120 Nação e defesa, Lisboa, 2008. Texto Editores; Novo Grande Dicionário Da Língua Portuguesa Conforme Acordo Ortográfico, Vol. II, Lisboa, Texto Editores, 2007. VALENTE, Manuel Monteiro Guedes (org.), I Colóquio de segurança interna, Almedina, Coimbra, 2005. VALENTE, Manuel Monteiro Guedes (org.), II Colóquio de segurança interna, Almedina, Coimbra, 2006. VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Teoria Geral do Direito Policial, Tomo I, Almedina, Lisboa, 2005. VIANA, Vítor, Segurança Colectiva – A ONU e as Operações de Apoio à Paz, Ed. Cosmos – Instituto de Defesa Nacional, Lisboa, 2002. VIEGAS, José M. da Silva, ―Os Direitos Fundamentais e o Direito dos cidadãos à Segurança‖. In: Seminário Internacional, Direitos Humanos e Eficácia Policial – Sistemas de Controlo da actividade Policial, Vol. I, Lisboa, 1998. WALTZ, Kenneth N., Teoria das Relações Internacionais, 1.ª ed., Gradiva, Lisboa, 2002. 198 WEBER, Max, Economia e Sociedade, Universidade Brasília, Brasília, 1991. ZIPPELIUS, Reinhold, Teoria Geral do Estado, Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª edição, 1997. 199 LEGISLAÇÃO UTILIZADA Lei n.º 31-A/2009 de 7 de Julho – Aprova a lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas; Lei n.º 53/2008 de 29 de Agosto - Aprova a Lei de Segurança Interna; Lei n.º 63/2007 de 06 de Novembro - Aprova a orgânica da Guarda Nacional Republicana; Lei n.º 53/2007 de 31 de Agosto - Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública; Lei n.º 61/2007 de 10 de Setembro - Lei de Programação de Instalações e Equipamentos das Forças de Segurança; Lei n.º 104/99 de 26 de Julho – Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de utilização de armas de fogo e explosivos pelas forças e serviços de segurança; Decreto-lei n.º 457/99, de 5 de Novembro – Recurso a arma de fogo em acção policial; Decreto-Lei nº 233/96, de 7 de Dezembro – Aprova o estatuto dos militares das Forças Armadas envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território nacional; Decreto-Lei nº 17/2000 de 29 de Fevereiro – Conjunto de medidas aplicáveis aos elementos dos serviços e das forças e segurança dependentes do Ministério da Administração interna envolvidos em missões humanitárias de paz fora do território nacional; Decreto-Lei nº 292/94 de 16 de Novembro – Aprova a criação do Gabinete Nacional SIRENE; Decreto-Lei nº 297/2009 de 14 de Outubro - Aprova o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana; Portaria n.º 722/85, de 25 de Setembro – Aprova o Regulamento Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana; Portaria n.º 340-A/2007 de 30 de Março – Redefinição das situações de sobreposição ou de descontinuidade dos dispositivos territoriais entre a GNR e a PSP; Portaria n.º 1450/2008 de 16 de Dezembro - Define a organização interna das unidades territoriais, especializadas, de representação e de intervenção e reserva, bem como as respectivas subunidades da GNR; Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/2003 de 20 Janeiro – Aprova o Conceito Estratégico de Defesa Nacional; Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro – Aprova o Código Deontológico do Serviço Policial; 200 Resolução do Conselho de Ministros nº 44/2007 de 19 de Março - Desencadeia o processo de reforma da GNR e da PSP; Resolução do Conselho de Ministros nº 39/2008 de 28 de Fevereiro - Estabelece as orientações para a reestruturação da estrutura superior da Defesa Nacional e das Forças Armadas; Resolução do Conselho de Ministros nº 45/2007 de 19 de Março – Estabelece linhas orientadoras da reforma do Sistema de Segurança Interna; Resolução do Conselho de Ministros nº 68-A/2006 de 25 de Maio – Aprova o envio de Forças da GNR para Timor-Leste; Resolução do Conselho de Ministros nº 47/2007 de 1 de Março – Protocolo de acordo entre o Governo Português e Timor-Leste sobre o envio e permanência de um contingente em Timor-Leste; Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 147/2001 de 9 de Novembro - Possibilita o empenhamento das FA na segurança interna desde que seja externa a ameaça; SITES UTILIZADOS http://www.mai.gov.pt/ - Grandes Opções do Plano 2005-2009, consultado em 04Set09. http://www.academianilitar.pt/.../segurança-interna-e-externa-face-as-novasrealidade.html. -, Conceito de Segurança externa, consultado em 26Ago09. http:/www.mdn.gov.pt/mdn/pt/dfesa/, consultado em 25 de Setembro de 2009. Conceito de Defesa Nacional, consultado em 25Set09 www.un.org/ Deps. A construção de Timor-Leste, consultado em 15Set09. https://www.defesa.gov.br/pdn/index.php?page=estado_seguranca_defesa. Conceito de Segurança, consultado em 25Set09. http://pbpu.unlb.org/PBPS/Library/Capstone_Doctrine_ENG.pdf, United Nations Peacekeeping Operations - Principles and guidelines, DPKO, UN, New York, consultado em 06Abr09. http://smallwarsjournal.com/documents/useofforceunpko.pdf, The Use Of Force In UN Peace Operations, New York University School of Law, consultada em 04Abr09. http:// www.un.org/Depts/dpko/missions/unmit - Missão UNMIT, consultado em 01Ago08. 201 http://europa.eu/legislation_summaries/human_rights/fundamental_rights_within_europ ean_union/l33501_pt.htm. Carta de direitos fundamentais da União Europeia, consultado em 21Nov09. 202 Apêndice 1 - Entrevistas realizadas aos comandantes dos oito contingentes da GNR em Timor-Leste desde 2006. Comandante do 1º contingente – Cap. Gonçalo Carvalho 1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais, humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força? Na missão de 2006, ao abrigo do acordo bilateral, a rápida projecção da força, em 8 dias, não permitiu dotar o Subagrupamento com os meios materiais necessários, especialmente viaturas. Esta situação deveu-se à limitação do transporte da carga no avião Antonov e condicionou a actuação da GNR no terreno. A intervenção da Guarda foi imediatamente a seguir a uma crise entre polícias e militares, o que provocou o colapso da PNTL, obrigando um esforço acrescido, em termos de empenhamento operacional. Nos primeiros 4 meses a Guarda ocorreu a mais de 300 incidentes graves. Relativamente aos meios legais, o Sistema Judicial funcionou com algumas dificuldades, no entanto, de todas as forças presentes no TO, a GNR foi a força que melhor cumpriu as formalidades legais, devido ao facto do CPP ser uma cópia do português. A actuação da Guarda foi sempre pautada pela estrita observância das ROE que foram estabelecidas pelo Governo português, em condições semelhantes às praticadas em Portugal e pela legislação timorense, em vigor na altura. 2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis? As ROE actuais estão adequadas ao TO, à grande diversidade de forças policiais que compõem a missão das NU e ao Sistema Judicial vigente no território. As mesmas devem ser corrigidas à medida que a situação evolua no país. 3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a importância das ROE? As ROE são fundamentais na actuação de uma força, numa missão internacional, visto que são a grande orientação no planeamento das operações, a desenvolver no TO, e no modo como a força actua em todos os incidentes que possam ocorrer durante a missão. É de vital importância o conhecimento das mesmas, por todos os militares, visto que uma única actuação isolada que viole as ROE pode comprometer o desempenho de toda a força. 4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a adequação das mesmas às diversas actuações práticas? Em primeiro lugar, é muito importante instruir todos os militares do conteúdo das ROE, dado que as mesmas regulam a sua actuação. Subsequentemente, em 203 cada operação devemos relembrar os condicionalismos das mesmas, não só no seu planeamento, mas também durante o decorrer das mesmas. Como comandante, as ROe devem estar presentes em todas as decisões que tomamos, no que concerne ao escalonamento do uso da força, sempre adequado a cada incidente, em concreto. 5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente. Durante todo o mês de Junho de 2006 é muito difícil referir um momento mais complexo, visto que, todos os dias fomos chamados a intervir em incidentes graves, por vezes várias vezes ao dia ou vários em simultâneo. Estes incidentes caracterizavam-se por ataques de gangs aos vários bairros da cidade de Díli, recorrendo à violência extrema para ofender corporalmente os habitantes dos mesmos e com o objectivo de infligir o máximo de danos na sua propriedade imóvel e móvel. No entanto, posso “eleger” como um dos mais complexos, o ataque a uma patrulha nossa, durante a noite, num bairro quase sem iluminação e com grande vegetação. O ataque foi efectuado por jovens protegidos atrás de várias barricadas de pneus a arder, atingindo a força da Guarda com pedras, dardos de ferro, flechas e tendo efectuado alguns disparos de armas de fogo na nossa direcção, provocando danos materiais nas nossas viaturas e ferimentos em alguns militares, o que obrigou ao empenhamento de todo o efectivo, numa situação de elevado risco. 6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao nível operacional? Na passagem do regime de acordo bilateral para a missão das NU, as ROE mudaram tornando-se mais restritivas, no uso das armas de fogo, letais e não letais. Esta mudança dificultou a actuação operacional nos casos dos distúrbios de maior gravidade, devido à proibição do uso de munições de borracha. 7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características ―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos? Na disciplina e coesão da força, sem dúvida. Num incidente complexo e violento só é possível a correcta aplicação dos meios coercivos se os elementos da força forem disciplinados e coesos. Esta característica é uma grande vantagem das forças “gendármicas”. 8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança (interna) de Timor-Leste? Na missão de 2006, durante as primeiras 5 semanas, a nossa actuação foi essencial no restabelecimento da ordem pública, visto que não existia PNTL nem qualquer outra força policial. Neste período, ficou provado a ineficácia das forças armadas internacionais no controlo de tumultos. Sem actuação da 204 Guarda no TO, a situação poderia atingir níveis de violência e destruição inimagináveis. 9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no que se refere à projecção de Forças? A grande vantagem da GNR é ter as forças de intervenção concentradas na mesma unidade, o que permite a mobilização e aprontamento da força, num espaço de tempo muito curto. As grandes desvantagens são a falta de capacidade logística da Guarda em transportar pessoal e material para o TO e o reduzido número de efectivo. 205 Comandante do 2º contingente – Cap. Barradas 1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais, humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força? Sim, a GNR (Subagrupamento Bravo/FPU), dispunha de todas as valências necessárias para o cumprimento da missão, desde os humanos aos materiais, incluindo blindados, armas menos letais (taser), negociadores de reféns (em inglês), Inactivação de engenhos explosivos improvisados e força tipo Swat, sendo a única Formed Police Unit, com essas capacidades, inclusive durante as eleições Parlamentares e Presidenciais de 2007, as Nações Unidas preferiram o nosso reforço de 2 Pelotões e alguns elementos de apoio, no lugar de outra FPU completa de outro país (havia 9 ofertas). Fomos reforçados com mais 80 militares (FPU 2), passando esse a ser até hoje o maior efectivo da Guarda em missões internacionais (220 militares + 3 INEM). 2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis? Estão, existem um conjunto de definições sobre os patamares do uso da força, a nível internacional, que são mais ou menos consensuais, o que diferencia (para além de pequenas questões relacionadas com alguns países asiáticos – direitos humanos), é a experiência profissional dos executantes e a forma como são recrutados. É diferente o conhecimento de elementos do GIOP, que são especialistas e fazem isso todos os dias, de alguns polícias/militares, a quem é dado equipamento, algumas noções e depois mandam-nos para missões internacionais. Quando passam à prática, perante o stress da situação, se não houver experiência de terreno, ultrapassam patamares e são menos criteriosos na utilização dos meios disponíveis. 3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a importância das ROE? As ROE servem de base de trabalho para uniformizar a integração das diversas nacionalidades, equipamentos e experiências, definindo condições mínimas de exigibilidade. No entanto, importa em cada missão (todas têm a sua particularidade), a definição de um conjunto de directivas adicionais, com o intuito de pormenorizar alguns aspectos onde as ROE permitem interpretação extensiva. Ex: a política de transporte da arma pessoal, trajando civilmente, quais as condições em que a pode utilizar e como deve ser transportada. Registaram-se noutras forças alguma negligência quanto a este aspecto, especialmente quando elementos isolados, sem estarem integrados em forças que possuíam arrecadações de material de guerra. 4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a adequação das mesmas às diversas actuações práticas? 206 Não foi necessária adaptação das regras, bastou usar exactamente os mesmos critérios que usamos em Portugal, em função do risco da vida humana (própria ou de terceiros), da relação custo/benefício, relativamente a uma intervenção mais musculada ou à contenção da situação, para futura negociação, podendo os infractores virem a ser responsabilizados posteriormente (intervenções em determinadas alturas poderiam “incendiar” os ânimos e colocar em risco a Força de segurança e terceiros, bastando identificar os infractores). Os nossos recursos diversificados em termos de materiais também permitiam um leque variado de opções, sendo que a dissuasão psicológica sempre ocupou o 1º lugar, resolvendo os problemas em 90% dos casos. Ex: a cor das nossas viaturas era diferente das Nações Unidas (que eram brancas), apenas com inscrições “UN”, bastando aproximarmo-nos dos locais de ocorrências e os ânimos serenavam. 5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente. Em Março de 2007 (entre a noite de 03 e o dia 06), com a falsa notícia da detenção do Major Reinado pela GNR (líder da revolta de Maio de 2006, que deu o massacre entre militares e polícias e que originou o caos, razão da chamada da GNR e posteriormente das Nações Unidas), deu-se uma revolta popular. Com a falta de informação da população (e também de instrução), foi possível direccionar os ânimos de diversos grupos de jovens, associados às artes marciais, que tornaram Díli intransitável em diversas artérias principais, com recurso a carros queimados, troncos de árvores, armadilhas diversas e ameaças de armas de fogo. Nessa altura só a GNR e o Exército Australiano (com Carros de Combate) saiu dos quartéis e mesmos as outras FPU’s, limitaram-se a defender as suas instalações. Na noite inicial, os cidadão portugueses foram ameaçados e 4 embaixadas foram abandonadas, tendo os seus membros recebido acolhimento no quartel da GNR. A intervenção foi musculada, perante ameaças actuais e ilícitas à integridade física dos nossos militares, com o uso frequente de gás lacrimogéneo e dispositivos de dispersão (borracha), durante a neutralização de barricadas. Não se registou nenhum caso de uso de arma de fogo directamente contra a nossa força. Juntam-se fotos. 6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao nível operacional? Não houve alteração às ROE, porque estas são abrangentes, o que houve foi um conjunto de directivas avulsas, com o intuito de clarificar aspectos que as ROE não cobrem. 7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características ―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos? 207 É difícil de dizer se a condição militar, por contraposição a um estrutura civil, constitui uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos. Um facto inegável é que na Acção de Comando, em especial quando estamos perante situações de grande intensidade emocional, a uniformidade de procedimentos e a obediência integral a um comando único, sem vozes dissonantes, é fundamental e isso verifica-se nos militares. Existe ainda uma cultura de “Briefing”, antes das missões e de “debriefing”, posteriormente aos acontecimentos, onde os responsáveis por cada área podem apresentar os aspectos que consideraram mais e menos positivos, no sentido de melhorar aspectos futuros. 8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança (interna) de Timor-Leste? Na fase inicial (logo após os incidentes de Maio06 e em acordo bilateral), devido à reputação criada entre 2000 e 2002, assim como pelo seu desempenho, constituiu um pilar fundamental na reposição da Ordem Pública em Timor Leste, até por contraposição com a intervenção australiana, sempre associada a interesses económicos naquele país. Na fase das Nações Unidas criou alguns constrangimentos internos, pelo facto de estas procurarem não discriminar países, razão pq tivemos que retirar bandeiras e as inscrições “Portugal”, das viaturas, mas inevitavelmente os timorenses solicitavam sempre a intervenção da GNR, fosse pelo respeito que impunham, fosse pela doutrina, atitude cooperativa, etc. Mesmo no caso da formação e no “mentoring”, os timorenses sempre pediram em duplicado, quer às Nações Unidas, quer ao governo de Portugal. Na fase actual, após mais de três anos de presença contínua em Timor, os timorenses já possuem formação na área da Ordem Pública, mas ainda têm alguma dificuldade de afirmação, quando ao lado têm a GNR a servir de termo de comparação e mesmo a população muitas vezes apresenta queixa à GNR, para esta actuar de imediato, no lugar de solicitar aos próprios (alguns conotados com os incidentes de 2006 ou de grupos étnicos diferentes). 9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no que se refere à projecção de Forças? A GNR tem granjeado desde 2000, quer em Portugal, quer no estrangeiro, uma reputação onde, quer nos métodos, quer nos resultados, que a colocou em destaque na cena internacional. A título de exemplo, este ano, numa reunião das Nações Unidas em Nova Iorque, subordinada à doutrina e equipamento das FPU’s, a portuguesa serviu de modelo, mas que foi posteriormente adaptado no material, porque os restantes países consideraram demasiado completa e não tinham capacidade de acompanhar, caso fosse definido como standard. No aspecto logístico demos um grande salto e tal como no Ultramar, em que os americanos investigaram o nosso canal logístico, também agora com a projecção numa semana para Timor, de uma Companhia (meios humanos e materiais), gera admiração nos outros países, atenta a nossa dimensão como país. Tem ainda a vantagem de conferir experiência internacional e profissional aos nossos militares, conhecer novos métodos de trabalho e equipamentos. Abre 208 também as portas a posições de chefia em organismos internacionais, com poder de decisão, como é o caso da Eurogendfor (EGF), em Vicenza, que actualmente é comandada pelo Coronel Esteves ou no caso da IPU da Bósnia, comandada pelo Coronel Oliveira. O Iraque constituiu uma mais valia, porque deu a prova de que uma subunidade musculada deste tipo, pode ser integrada como 3ª força, nos conflitos que já não são puramente bélicos, mas que ainda não são totalmente seguros para ambientes tipicamente policiais. A juntar a esse facto, temos o exemplo profissional demonstrado, onde Portugal teve o privilégio de ser dos poucos (se não o único), que regressou sem vítimas mortais, o que não se deve apenas à sorte. No caso da Bósnia, donde regressei em Março deste ano, após comando de uma Companhia multinacional, demos cartas na doutrina, tendo inclusive elaborado um Manual de Ordem Pública, em Inglês, que agrupava técnicas de diversos países, para servir de doutrina à EGF, pq mais ninguém tem uma força especializada como esta, que só faz ordem pública. As desvantagens são acima de tudo ao nível dos recursos humanos (4 Companhias: 2 e meia em Portugal, uma em Timor e um Pelotão na bósnia) em que a rotatividade dos militares (há um que já tem 8 missões), tem implicações óbvias a título pessoal e familiar. Também as expectativas criadas podem funcionar em desfavor, no caso de envio de pessoal menos preparado ou acontecer como actualmente, quer por razões económicas, quer por falta de efectivos para consumo interno (Oficiais), quer por política actual da Guarda, onde o não preenchimento de lugares internacionais solicitados, gera incompreensão. 209 Comandante do 3º contingente – Ten. Hermenegildo 1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais, humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força? Relativamente aos meios materiais a maior dificuldade foi relativa ao desajustamento dos padrões da ONU e de Portugal /GNR no tocante à alimentação. Tornando-se um problema logístico com implicações na parte operacional e na aplicação da força. 2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis? Por vezes sejam demasiado genéricas e não têm em conta o cenário concreto da missão. 3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a importância das ROE? As ROE são o documento central e fundamental de qualquer missão no que toca ao uso da força. 4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a adequação das mesmas às diversas actuações práticas? Através de diálogo com as autoridades da ONU de forma a adaptar e adequar alguns aspectos particulares das mesmas às situações em concreto no terreno. 5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente. O período das campanhas eleitorais (Presidenciais e Parlamentares), os dias das eleições e os momentos seguintes à divulgação dos resultados. Quer pelo quantidade de horas dedicadas ao patrulhamento e segurança dos acto referidos, quer pela complexidade dos mesmos em alguns casos. 6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao nível operacional? Desconheço. 7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características ―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos? Sim, a possibilidade de passagem de uma situação de um nível de intensidade elevado para um mais baixo é fundamental a condição militar, pois permite que 210 se mude de níveis de actuação diferenciados, mantendo em simultâneo o respeito pelas regras estabelecidas, sem ser necessários grandes explicações. No que toca à condição militar enquanto questão do foro estatutário é uma mais-valia, dada a condição militar em si mesmo e todo o corpo de valores e normas que constituem o mesmo. 8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança (interna) de Timor-Leste? A GNR é a força central e única que é capaz de manter a segurança interna em Timor-Leste. A forma como a mantém resume-se à sua actuação impar no terreno, admiração pela GNR, à imparcialidade, neutralidade, bons equipamentos, disciplina, maturidade e experiência dos militares em missões internacionais e em Timor-Leste especialmente, adequação dos meios usados, compreensão da cultura local, diálogo com as autoridades timorenses e população em geral, respeito pelo outro, ou seja, o cumprimento das regras que uma força policial de um pais democrático respeita mesmo no exterior das suas fronteiras. 9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no que se refere à projecção de Forças? Vantagens: Visibilidade internacional, aumento do prestígio, possibilidade de negociar melhores condições em alguns dossiers, contribui para a segurança do Estado e paralelamente para a segurança internacional, socialização dos militares e aprendizagem de ensinamentos que podem ser usados internamente, etc. Desvantagens: Diminuição do uso da força destacada internamente; problemas do foro pessoal dos militares devido ao afastamento das famílias; custos elevados na aquisição e sustentação da força, etc. 211 Comandante do 4º contingente – Cap. Marco Cruz 1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais, humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força? Sim. Existem regras muito claras de aplicação da força. As nações unidas têm regras/normas muito claras quanto ao uso da força, por vezes até muito restritivas. Quanto aos recursos humanos e materiais, a instituição teve e tem uma grande preocupação neste tipo de missões. Somos das forças mais bem equipadas e treinadas nos cenários internacionais em que estive presente! 2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis? No âmbito das missões internacionais por vezes não. A título de exemplo refiro a proibição da utilização de bagos de borracha em Timor-leste durante os diversos incidentes que assolaram a capital durante o primeiro mês em que estive na missão. Esta proibição causou vários transtornos para a actividade operacional, uma vez que a aplicação desse meio, até àquela altura, revelou-se bastante eficaz para o restabelecimento da OP. Por vezes existe um “aligeiramento” dos meios face à ameaça! 3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a importância das ROE? Um dos documentos mais importantes para quem quer participar numa missão. Documento que todo o elemento policial deve conhecer com profundidade, uma orienta toda a sua actividade operacional, sobretudo para a utilização da força. 4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a adequação das mesmas às diversas actuações práticas? O princípio do uso mínimo da força e da proporcionalidade são, na minha opinião, princípios basilares para a aplicação prática do uso da força. De facto, durante a missão foram registadas situações que, pelo seu enquadramento legal, poderiam ter sido utilizados meios coercivo mais superiores, no entanto, tendo em conta estes dois princípios essas mesmas situações foram resolvidas com recurso a meios de patamares mais reduzidos. 5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente. Jun07 – Durante este mês foram vários os incidentes em que a GNR esteve envolvida. A proibição das NU relativa à utilização de bagos de borracha condicionou as operações de restabelecimento da OP. De destacar que a força foi por diversas vezes atacada com meios letais (setas, dados, cocktail´s molotov etc), sem que tivesse sido feito qualquer disparo com arma letal da nossa parte. 212 6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao nível operacional? Não foi feita qualquer alteração. De referir apenas a restrição anterior (utilização de bagos de borracha), mas que foi apenas divulgada através de code cable das NU (NY) 7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características ―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos? Sim. Na medida em que perante situações de elevado risco os militares, fruto das suas características e preparação, reagiram de forma extremamente profissional, calma e ponderada. 8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança (interna) de Timor-Leste? Demos um pequeno contributo para a segurança do país, nalguns momentos importantíssima para a garantia da liberdade e segurança do povo de Timorleste. 9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no que se refere à projecção de Forças? Vantagens: Contributo para a política externa, afirmação internacional. Desvantagens: dispêndio de recursos humanos e económicos. 213 Comandante do 5º contingente – Cap. Martinho 1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais, humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força? Sim, considero que dispunha do armamento, equipamento, técnicas e tácticas, a par do enquadramento legal, adequados ao cumprimento da missão e da correcta aplicação da força. 2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis? Sim, prevêem antes de mais o direito à legítima defesa própria e de terceiros e permitam o adequado e necessário exercício de autoridade. 3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a importância das ROE? As ROE representam o enquadramento político/jurídico da aplicação da força por parte das forças internacionais. Determinam a forma e o alcance da aplicação da força, assim como, permitem o controlo hierárquico/politico do cumprimento destas regras. 4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a adequação das mesmas às diversas actuações práticas? O uso da força é regulamentado pelas ROE, no âmbito de missões internacionais, em paralelo como os Standard Operational Procedure. De uma forma geral, os primeiros regulamentam “quando” se deve usa a força e os segundos a forma “como” se deve usar. Ou seja, apenas as ROE não são suficientes para o enquadramento do uso da força. A aplicação efectiva da força, observadas as ROE, depende de mais factores, entre as quais os SOP. 5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente. Por ocasião de diversas situações de manutenção da ordem pública, em que se fez uso da força física, das armas contundentes e das armas não letais. 6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao nível operacional? Não houve alterações às ROE. Apenas aos SOP relativos ao uso das munições não letais, e no caso em concreto, que permitiam o uso excepcional em TimorLeste das munições de borracha apesar de estarem proibidas nas restantes missões da UN 214 7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características ―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos? Julgo que a condição militar pouco ou nada tem que ver com a aplicação técnico-táctico dos meios coercivos. A condição militar tem a ver disponibilidade, disciplina e sacrifício de interesses pessoais em prol do cumprimento da missão. Poder-se-á, apenas, supor que uma força mais disciplinada, à partida, dará mais garantias de uma correcta aplicação das leis e regulamentos que outra com menores níveis de enquadramento e/ou disciplina. 8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança (interna) de Timor-Leste? Contribuiu de forma significativa e decisiva para a tranquilidade e paz pública, para a resolução adequada e oportuna de desordens públicas em Díli, e ainda, para um melhoramento qualitativo da actuação da Policia Nacional de TimorLeste, através da cooperação, instrução e treino ministrado. 9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no que se refere à projecção de Forças? As desvantagens e vantagens são inúmeras e impossíveis de quantificar. Apontando apenas algumas, diria que, no caso concreto de Timor-Leste: como principais vantagens, o exercício da política externa portuguesa, o auxílio efectivo e eficaz a um país necessitado e do ponto vista institucional, a oportunidade de utilização, de melhoramento e actualização de uma unidade especial da GNR, justificando a sua existência no contexto policial português. Como principal desvantagem, diria apenas que, em termos de recursos humanos, a participação internacional representa um esforço significativo, já que, no que diz respeito aos recursos financeiros, existe um reembolso considerável a Portugal por parte das Nações Unidas. 215 Comandante do 6º contingente – Cap. Cabrita 1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais, humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força? Enquanto Comandante de uma FPU, e de acordo com as GuedLines das NU, tinha todas as condições humanas, materiais e legais para uma correcta aplicação da força. 2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis? Sim, exceptuando uma, em que a utilização das armas de Ordem Pública e as suas munições (borracha) padeciam mensalmente de uma autorização por parte da UNMIT no que diz respeito à sua utilização, isto por não estarem previstas e ao que sei, nunca ter existido uma força que as utilizasse. 3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a importância das ROE? Trata-se de facto do documento mais importante para o cumprimento da missão. È com base neste documento, que a actuação da força se rege. Em qualquer circunstância pode ocorrer uma intervenção fora do contexto das ROE, sob pena de se colocar em perigo a missão do ponto de vista policial/militar, com repercussões diplomáticas imediatas. 4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a adequação das mesmas às diversas actuações práticas? Sempre com o princípio do uso da força presente. Nunca esquecendo que uma FPU depende do Police Commissioner do ponto de vista operacional, remetendo para este o ónus da decisão, sempre que uma intervenção nossa poderia suscitar dúvidas 5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente. Foi sem dúvida o último dia operacional de missão. Durante a noite, militares trajando à civil, foram abordados e agredidos por dezenas de meliantes, usando catanas e armas de fogo, durante a extracção destes militares, militares de serviço que se deslocaram ao local, foram também agredidos. Os ferimentos causados aos nossos militares foram de alguma gravidade, havendo um deles que sofreu um golpe de catana no pescoço, apenas por sorte não padeceu. Foram efectuadas detenções, sendo duas delas de polícias timorenses, que se encontravam armados. 216 6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao nível operacional? Não. 7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características ―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos? Sim. Através da preparação militar e organização de uma força desta natureza. O facto de um dos pilares da nossa instituição residir na hierarquia, revela-se crucial no desenrolar da missão, pois o respeito pelas ordens e indicações do escalão superior, é visto e encarado pelos militares, de forma absolutamente colegial. 8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança (interna) de Timor-Leste? Contribuiu no sentido em que foi a única força capaz operacionalmente e psicologicamente para resolver uma crise, que assentou unicamente na alteração de ordem pública, em que os meios usados pelos intervenientes e que serviam os seus propósitos, foram basicamente, a contra informação, o boato, falta de objectivos especulação, sempre recorrendo a meios tradicionais e artesanais. 9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no que se refere à projecção de Forças? As vantagens são inevitavelmente a projecção internacional da força e do País, a credibilidade do sistema democrático do nosso País, o reforço na comunidade Internacional, de que Portugal está apostado na construção desta nova Ordem Mundial, na luta contra o terrorismo e contra as ingerências dentro dos estados e inter Estados. 217 Comandante do 7º contingente – Cap. Simões 1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais, humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força? Sim, considero que o Subagrupamento Bravo dispõe dos meios necessários para a correcta aplicação da força. No que diz respeito aos meios legais acrescentaria que o Código Processo Penal em vigor em Timor é semelhante ao nosso (Português), daí que não acarreta nenhuma novidade ao nível de procedimentos do processo penal, no entanto, o código Penal em vigor em Timor-Leste é diferente do nosso e até se “comenta” que teve como ponto de partida para a sua elaboração o Código Penal Indonésio. No que diz respeito aos regulamentos e directivas das Nações Unidas, acrescentaria que no período em que Comandei o Subagrupamento Bravo, foi proibido o uso das munições Cal 12, zagalote de borracha, que foi para nós considerado uma grande redução nas possibilidades de utilização de munições menos letais, nas acções de restabelecimento da ordem pública, ficando essencialmente ao nosso dispor as munições 56mm do Lança Granadas Cougar, isto no que diz respeito a munições de borracha. No que diz respeito aos meios humanos, o grosso do efectivo do Subagrupamento Bravo está direccionado e preparado para acções restabelecimento de ordem pública (com três pelotões operacionais), mas desempenha também missões de segurança física, acções de patrulhamento intensivo em áreas sensíveis, escoltas a pessoas e bens entre outras missões. Tem ainda uma Secção de Operações Especiais que está preparada para desempenhar variadíssimas missões, que se poderão enquadrar em situações de elevado risco, bem como a segurança e protecção de Altas Entidades (SPAE – PR de Timor-leste). Comporta ainda uma equipa de Inactivação de Engenhos Explosivos, que acrescento é a única ao dispor das Nações Unidas no território. Iria concluir que entre meios humanos apresentados e a forma como são treinados e preparados, consegue-se flutuar entre os diversos patamares do uso da força. No tocante aos meios matérias ao dispor dos militares do Subagrupamento e sem estar a fazer uma distinção entre as valências do Subagrupamento no que diz respeito à distribuição de armamento e equipamento, posso adiantar que o nosso Subagrupamento dispõe de equipamentos menos letais entre bastões, taser’s, gás às munições de borracha, no tocante a armas letais, desde do Cal12, 9mm, 5,56mm, 7,62mm, 12,7mm às granadas de 40mm. É facilmente visível que nesta área o Subarupamento Bravo não terá dificuldades ou limitações que dificultem a utilização da força. 2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis? As normas existentes podem fazer face aos diversos cenários possíveis, contudo existem algumas limitações nestas normas que podem criar alguns transtornos sob do ponto de vista da força policia,l que têm ao seu dispor os meios, como é o caso do Subagrupamento Bravo. 218 Uma das limitações, já a referi anteriormente e que foi proibição do Cal 12, zagalote de borracha, no tocante a este assunto, bem poucas são as armas que com a sua ostentação crie o efeito dissuasor como a caçadeira, logo com a proibição da utilização deste tipo de munição, a mesma arma que poderia utilizar munições letais e munições menos letais, ficou reduzida à possibilidade de utilização unicamente de munições letais. Acrescentava ainda que a utilização correcta desta arma com munições de borracha é altamente eficaz nas acções de restabelecimento de ordem pública. A segunda limitação que me apraz comentá-la, diz respeito à utilização do gás nas acções de restabelecimento de ordem pública. Os regulamentos da Missão sustentam a utilização do gás, mas a utilização deste meio requer que estejam reunidas uma série de circunstâncias, designadamente, algumas naturais como é o caso do vento, outras geográficas como é o caso do relevo, outras de localização como é o caso de áreas urbanas ou de elevada densidade habitacional. Mas a utilização do gás não é uma limitação, é antes mais uma opção e outro patamar do uso da força, o problema põe-se quando esta utilização é feita mesmo antes da utilização de munições de borracha. Pois olhando à missão em Timor-Leste e às características do território (designadamente em Díli), se com munições de borracha se pode seleccionar os alvos, com gás estamos sujeitos às condições atmosféricas (ventos), utilizando gás requer que as forças estejam com máscara anti-gás, logo diminui as capacidades individuais dos operacionais e com a utilização do gás quase sempre afecta-se terceiros que nada tem ver as situações de alteração, não esquecendo que muitas vezes estes terceiros são crianças e idosos. Perante o exposto resta dizer que mesmo assim existem forças que fazem esta utilização em detrimento da utilização de munições de borracha. 3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a importância das ROE? As ROE, é um documento fundamental, em que em muito está esbatido noutros regulamentos e regras da missão, dou especial importância a este documento na medida em que é neste documento que está definida a legitimidade do uso da força, onde está definida todas as circunstâncias que legitimará o uso da força por parte da força policial. Posso acrescentar ainda que os nossos militares são devidamente elucidados das ROE e instruídos com base nas mesmas nos aprontamentos de contigente, pois todos terão que ter conhecimento pleno das permissões e limitações das mesmas, pois toda a sua conduta individual é regulada por este documento. Por último aproveito para mencionar que mesmo antes das operações era sempre efectuadas alusões às ROE. 4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a adequação das mesmas às diversas actuações práticas? A adequação das regras que estabelecem uso da força, às situações práticas vividas é diária, desde a utilização das técnicas de defesa pessoal policial passado pelo uso do bastão até ao recurso à arma de fogo. Os militares diariamente flutuam entre os diversos patamares do uso da força, sempre em função dos diversos princípios que regulam o uso da força. Uma forma de manter este assunto em permanente “discussão”, foi através de instrução e 219 sempre antes de acções e operações de maior risco, fazendo menção das regras que regulam o uso da força. 5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente. No que diz respeito à aplicação dos meios coercivos, considerando a situação mais complexa por mim vivida em Timor-Leste, considero a noite de 26JUN para 27JUN09. Situação que foi necessário repor a ordem e tranquilidade pública num determinado local e perante agressões á força, através do arremesso de pedras sobre a uma secção de um Pel de OP, foi necessário aguardar o reforço da 2ª Secção, para restabelecer a situação de alteração e posteriormente o reforço de um 2º pelotão, para conseguir fazer dispersar dos desordeiros, toda esta acção foi efectuada sem recurso a munições de borracha ou gás e muito menos armas letais, contudo quando tudo parecia estar resolvido, um individuo sacou de uma pistola e apontando-a a dois militares a cerca de uma distância de 2/3 metros, os militares sabendo que qualquer acção da sua parte poderia precipitar o pior, mantiveram o sangue frio e tentaram persuadir o individuo, ao que o mesmo colocou-se em fuga e disparou diversos disparos (6/7), não se sabendo em que direcção mas tendo ficado dois impactos na viatura da GNR. 6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao nível operacional? Não, no decurso da minha missão, não foi feita qualquer alteração às ROE. 7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características ―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos? A condição militar poderá ser uma mais-valia no processo de aplicação dos meios considerados coercivos. Mas esta matéria não poderá ser analisada simplesmente no espectro policial comunitário, esta característica é tanto mais valia e tanto mais visível quanto maior a intensidade do confronto ou da alteração da ordem. A hierarquia de uma força da natureza da GNR encaixa na perfeição numa hierarquia estritamente militar e o que parece para muitos uma “banalidade”, é na verdade, no terreno e na missão em análise uma mais valia, pois a história já escreveu o Subagrupamento Bravo a trabalhar lado a lado com as Forças Armadas Australianas, Forças Armadas da Nova –Zelândia e até com as Forças de Defesa de Timor-Leste, quando a intensidade do conflito era bastante elevada, logo a probabilidade da aplicação dos meios considerados coercivos em maior escala é muito mais elevada. Outra realidade que é constatada é os meios (armamento e equipamento) ao dispor deste tipo de forças, constatei que o nosso Subagrupamento Bravo encontrava-se equipado com armamento que vai para além das outras forças do mesmo escalão, sendo esta uma mais valia na mão Comandante e consequentemente das Nações Unidas. 220 8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança (interna) de Timor-Leste? Na minha opinião o desempenho da GNR em Timor-Leste contribuiu decididamente para a segurança interna de Timor-Leste. Desde o seu empenhamento em acordo bilateral entre o Governo de Portugal e de TimorLeste até aos dias de hoje ao serviço das Nações Unidas, a GNR continua a ser um garante da paz, segurança e tranquilidade pública. A presença da GNR em Timor-Leste continua a ser dissuasora para todos aqueles que tenham interesses em desequilíbrios do país. 9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no que se refere à projecção de Forças? As vantagens para Portugal com a projecção destas forças: - Reconhecimento Internacional; - Portugal encontra-se entre os países que mais contribuem com forças para operações de apoio à paz, e isso certamente trás relevância internacional a Portugal; - As forças empenhadas aprendem “lições aprendidas”; - Embora seja forças ao serviço das Nações Unidas, não deixa de ser um instrumento da política externa portuguesa; - A preservação dos laços bilaterais entre países. As desvantagens para Portugal com a projecção destas forças: - A perda de 140 militares em território nacional; - Os custos decorrentes da missão (em grande parte suportados pelas UN – ver MOU); 221