54 | PÚBLICO, SÁB 21 SET 2013 Timor-Leste: consolidação da paz e desenvolvimento Tribuna Timor-Leste e o futuro José Manuel Neto Simões “A verdadeira riqueza de qualquer Nação é a Força do seu Povo” Xanana Gusmão, primeiro-ministro T imor-Leste é um país do Sudeste Asiático entre as regiões ÁsiaPacifico, posicionado no triângulo estratégico entre os dois oceanos – Índico e o Pacífico –, que corresponde à confluência de importantes rotas marítimas. Partilha fronteiras marítimas com Austrália e a Indonésia (única fronteira terrestre). A resistência corajosa e determinada do povo timorense e das Falintil abriu a esperança da independência de TimorLeste que terminou com 24 anos de ocupação Indonésia. O domínio Indonésio e a violência, após o referendo de 1999, tiveram um enorme impacto na sociedade e no desaparecimento do seu capital humano (180 mil pessoas) com a destruição de cerca de 30% das infraestruturas. Como consequência, 70% da população vive ainda em áreas rurais, em economia de subsistência. As Nações Unidas (ONU) apoiaram durante 14 anos a reconstrução do novo Estado (Peacebuilding) numa relação, por vezes, desajustada e de sobranceria no exercício das competências e respeito pela soberania. Das cinco missões da ONU, a UNTAET, que assegurou o período de transição até à restauração da independência (20 de Maio de 2002) foi determinante na estabilização e administração do território. As Forças Armadas portuguesas, GNR e PSP participaram naquelas missões da ONU com 8085 militares e cerca de 120 agentes, reforçando, de forma indelével, as relações históricas e culturais com Timor-Leste, que se deviam consolidar também na dimensão económica. Com a saída da última missão (UNMIT), sem efeitos na segurança, foi iniciado um novo ciclo para o desenvolvimento de um país – com território pequeno (14.874 km2) e população reduzida (1.124.000) –, onde existem estruturas políticas estáveis com recursos significativos e interesses convergentes. Os objectivos a serem alcançados são de natureza socioeconómica e institucional. Depois de estabilizada a situação de segurança, foram introduzidas políticas sociais inovadoras. Estima-se que cerca de 90 mil pessoas deixaram a pobreza (9%). A política orçamental do Governo, liderado por Xanana Gusmão, tem sido o motor do crescimento económico (11%, o 2.º maior da Ásia), com uma agenda reformista e alinhado com políticas fiscais expansionistas numa economia emergente. Contudo, a liderança timorense quer combater a excessiva dependência externa provocada pela exploração petrolífera (sector que representa 76%) diversificando a economia (24% outros sectores) e incrementando a formação de quadros, designadamente o sector da Justiça, Saúde, Educação e formação especializada em geologia e petróleo. Têm sido implementados programas de combate à corrupção (processos judiciais a ministros, com prisão de um deles) e de promoção da transparência, com a criação de um “portal da transparência”, que permite conhecer as despesas e receitas. São sinais da consolidação da democracia. O chefe do Estado considera prioritário o combate à pobreza, a segurança e o bem-estar dos timorenses, tendo definido, na sua articulação institucional com o Governo, as seguintes áreas: resiliência económica, Estado (descentralização e boa governação), coesão social e veteranos. Além da pobreza (49,9%), constituem motivo de preocupação os altos índices de desemprego entre os jovens (acima dos 40%) e uma população que cresce rapidamente (mais de 2%/ano), o que é considerado um factor de insegurança. O Presidente Ruak sinalizou: “Com pobreza não há arma que garanta segurança”. Existe um modelo de desenvolvimento – discutido e consensualizado – no qual a formação de Com este novo ciclo a cooperação portuguesa devia evoluir para parcerias estratégicas recursos humanos e a construção das infraestruturas são vectores prioritários para o crescimento económico, com objectivos e metas estabelecidos no Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED 2011-2030). O PED tem como principal objectivo construir uma nação sustentável, alicerçada num quadro institucional de segurança com cooperação internacional e nacional, apostando num sector privado mais consistente e um sector terciário em crescimento, com três pilares estratégicos: o capital social, as infra-estruturas e o desenvolvimento económico (agricultura, petróleo, turismo e investimento do sector privado). Para diminuir a dependência do petróleo, o Governo deu prioridade ao forte investimento e definiu os sectores da agricultura, turismo e recursos naturais como aqueles que precisam de ser dinamizados com investimento privado robusto, captado através de uma diplomacia económica mais activa. A liderança timorense considera imperativo para a segurança nacional que o país possa contar – além do reforço das suas capacidades militares –, com uma diplomacia de defesa e construção de alianças suportadas em relações bilaterais e multilaterais, que assegurem uma maior autonomia estratégica. O Presidente Ruak, como chefe do EMGFA conseguiu, com sabedoria, a transição bem sucedida conduzida nas F-FDTL, transformando uma força de guerrilha numa força militar convencional ao serviço da sociedade, que assegura a identidade e coesão nacional. Foi decisiva a sua visão estratégica para a implementação do novo paradigma, através do Plano de Desenvolvimento das F-FDTL (PDF 20112017). É uma realidade a participação em missões de cooperação civil-militar e operações de apoio à paz e humanitárias da ONU. A ausência de uma organização de Alguns dados sobre Timor-Leste T imor-Leste tornou-se o 191.º membro da Organização das Nações Unidas (ONU), depois da formalização da restauração (20 de Maio de 2002) da sua independência (28 de Novembro de 1975). Localizado no Sudeste asiático (a 15.315 km de Portugal e 720 da Austrália), o território é constituído pela metade oriental da ilha de Timor, a ilha de Ataúro, a norte, o ilhéu de Jaco, no leste, e o enclave de Oecussi-Ambeno, na parte indonésia da ilha de Timor. Tem uma área total de 14 874 km² (semelhante à do distrito de Beja e Faro) e tem por capital a cidade de Díli. Existem cerca de 1.124.000 habitantes. Timor-Leste é um dos países com população mais jovem pela análise da estrutura etária: 45% têm menos de 15 anos, 63% estão na faixa etária dos 15 a 60 anos e somente 8% têm mais de 60 anos. Quase metade da população (49%) são mulheres. Timor-Leste conservou a posição (134.ª) no Indice de Desenvolvimento Humano (IDH) – subiu 11 lugares desde 2005 – e manteve-se no grupo de desenvolvimento médio, conseguindo avanços importantes em termos de frequência escolar, expectativa de vida e aumento do rendimento per capita. HUGO CORREIA/REUTERS segurança colectiva na região influenciou a aproximação de Timor-Leste ao Fórum regional da ASEAN e ao Fórum das Ilhas do Pacífico-Sul. Timor-Leste é membro da CPLP, que, sendo uma organização intercontinental, confere projecção estratégica – pela língua e maritimidade dos seus países – ainda não explorada, designadamente na Ásia, onde se encontra o centro da economia mundial. Os chineses revelam interesse crescente pela língua portuguesa (potencial de Angola e Brasil). Por outro lado, uma estratégia marítima comum à CPLP contribuiria para a revalorização geostratégica dos seus membros no sistema internacional. Com este novo ciclo – parece existir algum esbatimento de interesses comuns – a cooperação portuguesa devia evoluir para parcerias estratégicas, evitando o “afastamento” da distância com projectos atractivos de interesse mútuo (economia e o mar), que reforcem as relações bilaterais. Na afirmação da identidade nacional é determinante a ancoragem interna nos traços com um passado comum como a história e os valores da resistência, a língua tétum e a cultura. Porém, a consolidação do tétum (contém vocábulos de português) exige reformulação da estratégia de ensino da língua portuguesa. Em Timor-Leste as lideranças políticas reconheceram as fragilidades e erros, analisaram e ultrapassaram as próprias divergências e identificaram os obstáculos respeitando compromissos. E, conseguem manter-se unidos, pelo patriotismo na vontade insuperável de se distanciarem do conflito, acolhendo o desenvolvimento orientado por uma visão estratégica coerente, que fornece o rumo ao país. O heroísmo dos timorenses é inolvidável e têm motivos para se orgulhar do exemplo da jovem democracia e da trajectória vitoriosa, possível pela capacidade de liderança e mobilização. Ainda haverá um longo caminho a percorrer, na realização dos sonhos de um Povo que merece admiração pela coragem e determinação. Capitão-de-fragata SEF (Res)