Artigo - A posição do estagiário na clínica

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A posição do estagiário na clínica-escola de psicologia da Unijui
Ubirajara Cardoso de Cardoso
A questão é, e deve ser, recorrente: sobre o estatuto do estagiário de psicologia
clínica quando, ainda em situação de atividade universitária, cumprindo percurso curricular, começa a lhe ser
exigida uma postura que a configuração acadêmica, por si só, não pode mais dar conta. Com isso fazemos
menção a uma prática clínica de definição psicanalítica, já que a Clínica de Psicologia da Unijui se pauta
pelas vicissitudes de ter feito a escolha dessa teoria para realizar seu trabalho. Essa prática não se habilita em
aplicação de conhecimento, daquele que até então cada aluno terá adquirido, com mais ou menos sucesso, na
sua disciplina estudantil.
A solução do problema tem a relevância da interrogação da ética que
subjaz a prática clínica que é realizada, e deve-se partir que essa prática é válida e viável
para justificar a sua proposição.
Tal validade e viabilidade se sustentam numa experiência clínica que é
constantemente explicitada em seus resultados, mas esse empirismo não basta para
esclarecer sua propriedade. Essa experiência clínica deve ser sempre questionada nos seus
princípios, precisa sempre ser refundada, e inventada.
A clínica-escola de psicologia da Unijui se fundamenta por oferecer
estágio de psicologia clínica ao estudante universitário de psicologia. Essa função se
carateriza por propiciar o encontro do estudante, que passa a ser definido como terapeuta,
com o paciente que vem para tratamento. Tal tratamento não é considerado como ensaio,
mas sim como encontro real de uma demanda por se formular com uma escuta que a acolha
e conduza por seus desdobramentos transferenciais, portanto está presente uma escuta do
inconsciente. Qual é a posição do estagiário nesse procedimento?
Remeto o leitor ao seminário de Lacan (1988) dedicado ao tema da
ética da psicanálise. Lá, encontraremos o autor entretido em comentar a posição do desejo
de Antígona, formulando uma ética que consiste em não abrir mão do próprio desejo. Todo
o comentário de Lacan baseia-se em interrogar o infortúnio, a Até, de Antígona. Ektos Atas,
ele retira (p.318) do texto sofocleano, para definir esse limite além do qual a vida humana
não pode suportar muito tempo, mas que é o lugar onde Antígona se afirma diante da lei de
Creonte. Recorde-se sua tragédia: para cuidar dos restos mortais de seu irmão Polinices, o
traidor de Tebas, cujos rituais funerários foram proibidos por lei da cidade, Antígona aceita
seu destino de se contar entre os mortos, o castigo previsto para quem não observasse a
determinação da lei. Para Lacan (p.342), o desejo de Antígona é um desejo puro de morte.
Mas como pode ser um puro desejo de morte?
Segundo Didier-Weil (1997): “o desejo de morte de Antígona não é,
como o de seu pai, um desejo suicidário d“a” morte, mas um desejo orientado pela
tendência a reencontrar a Coisa que, para ela, é simbolizada por esse significante
enigmático que é a sepultura de Polinices.”(p.96). Para esse psicanalista, é necessário
perguntar-se se Antígona “não será aquela que, tendo sido testemunha silenciosa da
maldição proferida pelo seu pai sobre o seu irmão, será levada a se levantar contra tal
maldição que condena Polinices a morrer sem túmulo?”(p.101, grifo meu)
Postulamos aqui que a posição do estagiário no seu afazer é um desejo
puro. Em relação ao paciente que recebe, está como Antígona para os restos mortais de seu
irmão Polinices, lidando com uma maldição, com algo que precisará poder ser bem dito.
Essa é uma posição ética impossível de ser cumprida pelo estagiário, a não ser a custa do
seu próprio martírio. Mas se foi dito antes que é viável?
Será somente em 1964 que Lacan afirmará que o desejo do analista
não é um desejo puro, mas um desejo advertido, certamente advertido pela própria análise
que o formou psicanalista. Eis onde é preciso chegar para advertir também sobre a posição
do jovem terapeuta que é o estagiário: o que faz a torção de sua particularidade acadêmica
para clínico iniciante é o fato de que lidar com os restos da transferência que ele provoca
não é um fato de pura idiossincrasia pessoal. Se até então seu desejo e seu sintoma podiam
ser deixados de lado, podiam não interessar nem a si mesmo, a partir do momento que a
prática clínica lhe confronta com um desejo puro, e sublinhe-se que essa prática é
supervisionada, a advertência de sua resistência, ou seja, quando o limite suportável do
infortúnio de seu paciente lhe remete ao seu próprio infortúnio, determina o instante em que
ele precisa lidar com o que até então fora apenas vicissitude subjetiva que não precisava ser
contada para o apenas percurso acadêmico. Caberá a ele a procura de sua análise pessoal.
Creio que seja essa a formação que a clínica-escola de psicologia pode
proporcionar ao seu aluno: com suas atividades de atendimento, supervisão, apresentação
de casos, discussões clínicas, advertir algo de seu desejo.
Bibliografia
DIDIER-WEILL, A. Os três tempos da lei. Jorge Zahar Editor. Rio de
Janeiro. 1997
LACAN, J. A ética da Psicanálise. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro.
1988
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