O CONTEXTO HISTÓRICO E A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS NO ENSINO DE BOTÂNICA Roque Ismael da Costa Güllich; Biólogo, Mestre em Educação nas Ciências – UNIJUÍ, Doutorando em Botânica – ENBT/Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Professor Titular do Instituto Superior de Educação da Faculdade Três de Maio – SETREM; [email protected]. Maria Cristina Pansera de Araújo; Professora Doutora em Genética; Professora Titular Departamento de Biologia e Química, Professora do Curso de Mestrado em Educação nas Ciências - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI; [email protected]. RESUMO A análise da história-episteme da Biologia e das formas de ensinar e aprender botânica levaram-me a discorrer sobre a sua história, o seu currículo formador dos licenciados e os seus processos de ensino aprendizagem. A compreensão da taxonomia conhecida e dada pela Ciência é parte indispensável ao Conhecimento Botânico e à Ciência Biológica, mas temos de entender a trajetória que construiu este sistema e como se dá sua aprendizagem na escola. Com essa hipótese, construo, ao longo do texto, o pensamento de que a Botânica e seu ensino necessitam entender sua história e as múltiplas vozes que a constituíram. Assim sendo, o estudo que este texto apresenta visa apontar como a trajetória da Botânica e da Biologia modificaram suas concepções de Ciência através dos diferentes espaços e tempos no contexto histórico. A Botânica, enquanto estudo das plantas e área da Biologia, ao longo de sua história concebeu teorias, gerou pensadores e sustentou formas de pensamento. Em especial a sistemática, que trata da identificação dos vegetais assumiu modelos e perspectivas, com isso, difundiu concepções de Ciência, de Ensino, e de Currículo. Nesta perspectiva, em que a Botânica através de seu percurso histórico fez opções, tomou caminhos e constituiu uma trajetória que influenciou e influencia diretamente a pesquisa-ciência e o ensino, penso ser importante compreender a hierarquia biológica desde as vertentes à contemporaneidade da taxonomia das plantas, tecendo uma leitura dos nomes que fizeram parte desta história. O ensino da Botânica tem raízes recentes dentro desta Ciência, constitui-se como pesquisa, no Brasil, em 1982, com a criação da uma Sessão de Ensino dentro da Sociedade Botânica do Brasil – SBB, mas o pensamento biológico e o conhecimento botânico que o sustentam estão presentes na humanidade desde seus primórdios. Acredito que o início da relação homem-planta pode ser datado de 720.000 a. C., a partir da análise de inscrições em cavernas Sírias, Arcádias e Egípcias. Daí em diante, o surgimento do fogo, o cozimento dos alimentos, a construção de utensílios e a agricultura foram algumas das realizações da humanidade, utilizando as plantas. Enquanto o Homo sapiens sapiens descobria o mundo das plantas, acontecia também o registro escrito destes saberes, garantindo, assim, que a cultura preservasse esta história. Com o desenvolvimento da Ciência Moderna, o conhecimento botânico passou a ser privilégio da Medicina e da Farmácia (plantas para cura de doenças) e da Agronomia (cultivo econômico das plantas), somente mais tarde é que a Biologia recebeu o reconhecimento da Botânica enquanto saber específico. A relação homem-planta na sociedade moderna passa pela concepção de que a humanidade modifica o mundo a sua volta para a sobrevivência, esquecendo com isso, que a garantia da vida no Planeta depende da Luz Solar e das Plantas (produção de alimento). A sociedade moderna industrializa, ocupa e extermina florestas inteiras com o discurso enganoso da sobrevivência. O Homo sapiens sapiens muda o ritmo biológico do Planeta e coloca a Vida de todos os seres vivos em perigo, ou seja, em ameaça de extinção. A pós-modernidade/discurso pós-moderno faz com que nasça uma outra concepção/paradigma para relação homem-planta, o entendimento da Condição Humana (que depende de todos os outros seres vivos e do ecossistema Terra para sobrevivência) e da Consciência Cosmológica (pensamento complexo que expressa a necessidade de entendermos o todo do Universo como parte de nossas vidas) numa época chamada Era Planetária (de nos apegarmos as questões biológicas para entender os processos vitais do mundo). A taxonomia é o princípio que deu origem à Botânica e sustentou sua expansão por toda a modernidade, conforme mostra a história. No sentido de entender desde as vertentes da Botânica até a concepção contemporânea do estudo das plantas pela humanidade, é necessário investir esforços na produção de estudos sobre a epistemologia da Botânica, como ciência e como disciplina ensinada. As crescentes discussões sobre como melhorar os Sistemas de Classificação e tornar a Botânica Sistemática acessível aos cientistas e à população em geral faz com que se inicie, em meados do século XX, uma preocupação dessa Ciência em se fazer entender. Com isso, aponta-se uma discussão nova e emergente na academia e na sociedade: o “paradigma das plantas”. Esse paradigma não é a saída e, sim, o constructo histórico que surgiu da análise das diferentes e fracassadas formas de relação homem-planta já enunciadas, neste texto. Assim, entender esta história é parte indispensável para o estudo e compreensão do currículo de Botânica que reflete esta trajetória. A conceituação do Paradigma das Plantas, a discussão de onde ele emerge, no que se fundamenta e no que interfere, bem como os apontamentos sobre as incursões deste no ensino de Botânica, além de apresentar a relação entre o paradigma das plantas com os “movimentos da sociedade” como modificadores das concepções pelas quais passam o aprender e o ensinar, mostram o conhecimento desta outra perspectiva/paradigma como parte do currículo de botânica que vem sofrendo intensas modificações ao longo da história da humanidade. Segundo Pelt (2001), a emergência da vida vegetal na sociedade decorre de cinco pilares: 1) Não se sentir envergonhado por falar das plantas; 2)Insistir sobre a noção de evolução; 3)Introduzir a noção de ecologia; 4)O lugar das plantas na alimentação e na saúde; 5) As plantas no alcance da mão. E, penso ser necessário acrescer mais um pilar: 6) A nutrição (fotossíntese) das plantas e a relação com a sobrevivência da Sociedade Humana. A discussão de Pelt (2001) promove o entendimento de quão importante é a interação entre homem-planta e como se pode pensar a condição humana a partir dessa relação. Assim, o autor, ao defender essa concepção “nova” de ensino e de Botânica produz uma teoria que busca relações interpessoais associadas à linguagem e à interlocução dos saberes, ao mesmo tempo em que procura dar ênfase às compreensões biológicas sobre a vida. Brosse (1993) é outro autor que, em seu livro “As plantas e sua magia”, discute a relação homem-planta, a partir do entendimento de que o pilar mestre da condição humana na Terra depende em primeira instância e diretamente, “do milagre da clorofila” (p. 13) e da relação de dependência nutricional dos animais pelas plantas. Esse novo paradigma mexe nas formas de pensar não só as plantas no mundo em que vivemos, mas na botânica enquanto saber que pode e deve nos ajudar a compreender a vida. Segundo Mayr (1998) a história da Ciência pode e deve ser estudada, pois, do tratamento adequado dado a compreensão desta história depende seu resgate autêntico, sua preservação e sua continuidade. Na história encontramos os “princípios que formam a matriz conceitual da Ciência” (MAYR, 1998, p.15). A historicidade de uma ciência nos permite vislumbrar que a taxonomia, enquanto saber botânico e conhecimento biológico, não são invenções fechadas e sim um constructo de uma representação (des)contínua, produzida por pessoas que registram os conhecimentos adquiridos e permitirão a sua progressão. REFERÊNCIAS BERNAL, John D. Historia social de la ciencia 7.ed. v. 1. Barcelona: Península, 1997. 540p. BROSSE, Jacques. As plantas e sua magia. Tradução de Pina Bastos. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. 253p. CHASSOT, Attico. A ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna, 1994.191p. FRANCO, [S.N]. Idade das Luzes. São Paulo: [s. e.], 1997. GÜLLICH, Roque Ismael da Costa. A Botânica e seu ensino: história, concepções e currículo.Dissertação de Mestrado. Ijuí: UNIJUÍ, 2003. GÜLLICH; PANSERA-DE-ARAÚJO; TISSOT-SQUALI. A evolução do ensino de Botânica nos congressos da SBB. Resumos do 53° Congresso Nacional de Botânica. Recife: SBB, 2002. p.304 KRASILCHIK, Miriam. O professor e o currículo das ciências. São Paulo: EPU, 1994. 80p. MAYR, Ernst. O desenvolvimento do pensamento biológico: diversidade, evolução e herança. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. 1107p. MIRANDA, Alberto. A descoberta do mundo vegetal. Lisboa: Edições Cosmos, 1944.138p. MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 583p. PAPAVERO, Nelson. Introdução histórica à biologia comparada, com especial referência à biogeografia. Rio de Janeiro: EDUR, 1999. 189p. PELT, Jean-Marie. Emergência da vida vegetal. In: MORIN, Edgar. A religação dos saberes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. (p. 113-7).