O ESPAÇO GEOGRÁFICO: O processo social não se dá em um vácuo

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O ESPAÇO GEOGRÁFICO: O PROCESSO SOCIAL NÃO SE DÁ EM
UM VÁCUO*
**
Leandro Henrique da Silva
RESUMO: O presente trabalho objetiva realizar uma análise entre o espaço
geográfico e a vida social na cidade. Nesse sentido, a posição de cada indivíduo na
periferia das cidades, por exemplo, aponta para fenômenos observados,
preferencialmente, em metrópoles, mas que se relacionam com outros lugares como
resultado das diferentes estratégias de reprodução do processo de acumulação do
capital.
Palavras-chave: Espaço geográfico - natureza da cidade - contradições sociais.
ABSTRACT: The present work aims to carry out an analysis between the
geographical space and the social life in the city. In this sense, people's location in
periphery districts, for instance, points for the phenomena noticed in big metropolis,
but it sets up the other places as result of different reproduction strategies of the
capital accumulation process.
Key-words: Geographic space - nature of the city - social contradictions
*
O presente texto foi produzido a partir da monografia de bacharelado em Geografia intitulada:
Espaço e Trabalho: uma análise geográfica dos trabalhadores em Londrina, defendida no
Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina em dezembro de 2007, sob
orientação do Profº Dr. Cláudio Roberto Bragueto. Cf. Silva (2007)
**
Licenciado e bacharel em Geografia pela Universidade Estadual de Londrina. Professor de
Geografia da Rede Estadual de Ensino em São Bernardo do Campo - SP.
INTRODUÇÃO
O desafio enfrentado nesse trabalho emerge de uma profunda preocupação com o
papel da estruturação urbana e de seu impacto na vida social. As inquietações sobre
o papel do espaço no processo social estão no cerne das discussões da Geografia
como ramo do conhecimento científico, em distintos momentos históricos, a despeito
de abordagens epistemologicamente diversas.
O enriquecimento dos instrumentais analíticos oferecidos pela ciência geográfica no
período atual a qualifica e a autoriza como uma importante área do conhecimento
científico convocada a pensar o espaço do homem em sua inteireza.
O espaço geográfico, nesses termos, é considerado a categoria principal da
Geografia por meio do entendimento da cidade como um modo de vida, a qual
revela sua natureza excludente e contraditória no convívio, por um lado, de áreas
dotadas de melhores infra-estruturas a fim de garantir uma circulação de capital
eficaz, e de outro lado, provoca um paradoxo, pois, ainda há espaços carentes das
condições básicas para a população residente obter uma vida digna.
O ESPAÇO GEOGRÁFICO COMO CATEGORIA PRINCIPAL DA GEOGRAFIA
“O espaço não é apenas um receptáculo da história, mas condição de sua realização qualificada”.
Milton Santos, A Natureza do Espaço, 2004.
As inquietações sobre o papel do espaço no processo social estão no cerne das
discussões da Geografia como ramo do conhecimento científico. O seu
entendimento sofreu diversas mutações na esteira de diversas concepções teóricas
e metodológicas, desde aquelas apoiadas no conceito de gênero de vida, de base
positivista, como às que privilegiaram os modelos de representação baseados em
formulações matemáticas e computacionais. Além da contribuição da renovação
crítica da ciência geográfica alicerçada no materialismo histórico ou nas correntes
humanistas.
Em particular, na chamada Geografia Radical ou Crítica, mesmo que essa corrente
tenha abandonado o projeto de construir uma ciência total através do marxismo,
como avalia Gomes (1996), sua contribuição para a inserção do espaço na teoria
social em geral e nas ciências sociais em particular é inegável.
A despeito de inúmeras divergências entre autores preocupados com a análise
espacial, geógrafos, filósofos, economistas, sociólogos, entre inúmeros outros, há
uma convergência identificada na busca da reafirmação do espaço no devir da
sociedade. E o fato do espaço, suas formas materializadas e sua relação com o
desenvolvimento da sociedade não ser referência, consiste em temática obrigatória
de Santos (1986, p.199), quando o autor escreve que a “[...] sociedade não se pode
tornar objetiva sem as formas geográficas. Por outro lado, os objetos que constituem
a paisagem orientam, depois, a evolução da própria sociedade”.
Neste sentido Corrêa (1995), exprime-se em termos claros ao comentar sobre a
impossibilidade de separação entre sociedade e espaço, uma vez que a
concreticidade da sociedade é dada pelo seu espaço, o qual ela produziu ao mesmo
tempo em que o espaço somente é passível de ser compreendido mediante a
sociedade.
Como se pode observar não se trata de um espaço absoluto, como um conjunto de
pontos interligados entre si, com existência própria, independente de agentes
externos. O referencial também não diz respeito ao espaço relativo, onde o
fundamental torna-se transpor distâncias e as relações entre objetos significam
valorações de prejuízos e ganhos (CORRÊA, 1995).
O entendimento do espaço aparece em Lefebvre (1976) apud Corrêa (1995), como
espaço social, vivido, possuindo estreita ligação com a prática social. O espaço
absoluto, por um lado, é vazio, lugar dos números e das proporções, e o espaço, de
outro lado, somente como produto da sociedade, é funcional por transcorrer a
existência de objetos produzidos e hierarquizados. O autor avança e expõe o espaço
como o local que reproduz as relações sociais de produção.
Da mesma forma Santos (1986, p. 128), sustenta a idéia de o espaço ser encarado,
portanto, “[...] como realidade objetiva, um produto, isto é, resultado da produção,
um objeto social”. Esse espaço social, humano, de que fala o autor, abarca todos os
indivíduos, sendo o espaço de todos.
Nesta perspectiva Soja (1993), figura como outro autor responsável por uma
interpretação crítica ligada a contingência espacial e sua correspondente influência
nas relações sociais. Sua distinção entre o espaço per si e o espaço produzido, fruto
da organização e da produção é de extrema relevância. O primeiro representa a
forma objetiva da matéria, independente de correntes mecanicistas, dialéticas ou
materialistas. Já o espaço socialmente produzido advém das realizações humanas
erigindo estruturas como outras construções sociais. Isso não quer dizer que esse
espaço, como produto social, possua autonomia total com regras e lógicas próprias,
mas sim, uma autonomia relativa, pois, liga-se as demais estruturas de um modo de
produção.
Por isso, como propôs Smith (1988), o espaço geográfico deve ser entendido em
sua totalidade, pois a totalidade das relações espaciais organizadas implica padrões
passíveis de serem identificados, constituindo dessa forma, a expressão da estrutura
e do desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Porém, uma ressalva importante realizada por Santos (1986), merece especial
atenção, pois, uma estrutura espacial, sendo um produto dos processos ocorridos na
sociedade, pertence a totalidade daquilo que se chama de estrutura, contudo,
somente na medida em que essa mesma estrutura interfere nas ações humanas.
É o que pensa Lefebvre (1974) apud Limonad (1999, p.72), ao comentar a
especificidade do espaço, isto é, sua capacidade de condicionar a vida:
As práticas espaciais regulam a vida – não a criam. O espaço não tem
poder em ‘si mesmo’, nem o espaço enquanto tal determina as contradições
espaciais. Estas são contradições da sociedade – contradições entre uma
coisa e outra no interior da sociedade, como por exemplo, entre as forças e
as relações de produção – que simplesmente emergem no espaço, ao nível
do espaço, e assim engendram as contradições do espaço Limonad (1999,
p.72.
Dessa forma, o arcabouço teórico-metodológico da Geografia autoriza uma
compreensão da sociedade, quando esta produz seu espaço, podendo ser
inteligível, a luz da realidade presente, de acordo com um sistema de conceitos
próprios e coerentes relativos a essa categoria analítica.
Essa mesma produção pode ser vista, tal como assinala Harvey (2004, p. 85), como
um “[...] momento constitutivo da dinâmica da acumulação do capital e da luta de
classes”. Verifica-se a rejeição em aceitar a idéia de que as coisas são construídas,
tão somente, a partir do espaço.
O julgamento de Santos (1993, p.82), é bem rigoroso a esse respeito, diz ele: “[...] o
espaço não é uma estrutura de aceitação, de enquadramento ou coisa que o valha,
mas uma estrutura social como as outras”.
O enfoque geográfico do espaço presente em Santos (2004, p.63), parte da lógica
da história passada e da lógica atual. Sendo assim, o autor produz um esforço
teórico consistente para o entendimento do espaço a partir de sistemas, para ele:
[...] o espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também
contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se
dá.
Nesta concepção de espaço os objetos naturais ou construídos pelo homem e suas
ações correspondentes mantêm relação inseparável através da história. Esses
mesmos objetos adquirem diferentes funções sociais, na medida em que são
valorizados, encarados como realidade social e não somente como realidade física.
As ações advêm dos homens sob múltiplas formas, sendo inerente ao:
[...] próprio homem. Só o homem tem ação, porque só ele tem objetivo,
finalidade. A natureza não tem ação porque é cega, não tem futuro. As
ações humanas não se restringem aos indivíduos, incluindo, também, as
empresas, as instituições. [...] As ações resultam de necessidades, naturais
ou criadas. Essas necessidades: materiais, imateriais, econômicas, sociais,
culturais, morais, afetivas, é que conduzem os homens a agir e levam a
funções. Essas funções, de uma forma ou de outra, vão desembocar nos
objetos. Realizadas através de formas sociais, elas próprias conduzem à
criação e ao uso de objetos, formas geográficas (SANTOS, 2004, p. 82-83).
O autor enxerga a relação dos objetos presentes no espaço geográfico, uma casa,
uma
plantação,
uma
indústria,
entre
outros,
devidamente
preenchidos
e
intencionalmente incumbidos a desempenhar funções específicas na sociedade,
mediante ações advindas de decisões de governo ou pelo mercado. Esses objetos
seguem uma lógica e também são utilizados baseados em uma lógica de instalação
das coisas. O espaço assegura a continuidade das realizações dessas ações na
história.
Indubitavelmente, falar em definição do objeto de uma ciência sem expor seu
método de abordá-lo é percorrer campos tortuosos de análises. O caminho
adequado a uma abordagem do espaço geográfico como sistemas de objetos e
sistemas de ações recai sobre a técnica, vista filosoficamente como fenômeno
técnico, isto é, “[...] um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o
homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (SANTOS, 2004,
p.29).
O conjunto de conceitos a fim de tratar a evolução do espaço geográfico presente
em Santos (2004) requer um melhor detalhamento.
Aliás, Santos (2004, p.37), reconhece o fato de que quando os geógrafos analisam a
sociedade atuando no espaço por meio dos sistemas de transportes ou
comunicação, por exemplo, o destaque maior a ser dado deva ser o estabelecimento
da relação entre “[...] espaço e fenômeno técnico, abrangendo [...] todas as
manifestações da técnica, incluídas as técnicas da própria ação”. Caso contrário
corre-se o risco de se contentar em visualizar espaços “industriais”, “agrícolas” ou
mesmo “espaços econômicos”, distanciando do espaço geográfico em sua
amplitude. A Geografia nestes termos volta suas preocupações para todas as
formas de existência.
Outra categoria de análise destacada refere-se ao tempo. Os estudos geográficos,
freqüentemente, reservam ao tempo periodizações elaboradas de maneira
circunscrita à constatação dos fatos. Santos (2004, p. 54-56), procura resolver esta
“frouxidão conceitual” como diz, declarando ser “[...] por intermédio das técnicas que
o homem, no trabalho, realiza essa união entre espaço e tempo”. É “[...] através da
produção, que o ‘espaço’ se torna ‘tempo’ concreto”. E a “[...] noção de trabalho e
instrumentos de trabalho são muito importantes na explicação geográfica”, pois o
“[...] trabalho realizado em cada época supõe um conjunto historicamente
determinado de técnicas”.
Analogamente, os escritos de Marx (1994, p. 299), oferecem alguma vinculação
entre técnica e espaço. Nas diversas análises sobre a temática do trabalho, há
aquela sobre os meios de trabalho responsáveis por diferenciar as épocas
econômicas, visto que, “[...] não é o que se faz, mas como, com que meios de
trabalho que se faz é o que distingue as épocas econômicas”.
Neste raciocínio, as mudanças presentes no espaço geográfico são marcadas pela
evolução dos processos de trabalho, de suas etapas, “[...] tanto morfologicamente,
quanto do ponto de vista das funções e dos processos” (SANTOS, 2004, p.96).
Todavia, a apreensão do movimento do espaço não seria total sem a necessária
revisita, permanente, do movimento que vai do universal ao local e vice-versa. A
divisão do trabalho possui um papel de mediação neste jogo dialético. Interessa “[...]
a ordem que as coisas, elas próprias, têm. A isso se chama de totalidade concreta”
(SANTOS, 2004, p.117).
Soma-se a isso o papel da escala de origem das variáveis que estão envolvidas na
produção dos eventos, bem como a escala de impacto, ou seja, da área de
ocorrência do fenômeno.
O problema da escala obriga ao geógrafo a pensar como Castro (1995, p.123), para
quem “[...] a escala é, na realidade, à medida que confere visibilidade ao fenômeno”.
Essa interpretação remonta a escala geográfica, isto é, segundo a autora, as
representações advindas do relacionamento entre a sociedade e as formas
geométricas, diferentemente da escala cartográfica, a expressão da representação
do espaço como forma geométrica.
Ainda segundo Santos (2004), os eventos, ou seja, o resultado da interação entre os
homens, dos efeitos destes sobre a natureza em um instante do tempo em um ponto
específico do espaço, podem ter origem mundial e ocorrer em nível local, por
interesses das entidades supranacionais e/ou pelo mercado.
A questão volta-se para a análise dos sistemas técnicos utilizados pelas empresas,
pelos indivíduos, pelas instituições etc., e a maneira pela qual este uso diferencial se
manifesta no espaço da sociedade.
A CIDADE COMO MODO DE VIDA URBANO
As configurações territoriais observadas através das paisagens exprimem as
desigualdades existentes em toda a sociedade, fundadas sob relações sociais
desiguais em diferentes contextos, em diferentes épocas ao longo da história. Essas
desigualdades expressam as contradições do processo de produção do espaço
(CARLOS, 1997).
Sendo assim, uma das formas de estudar o espaço humano ou social é analisar
como o trabalho encontra-se materializado, isto é, como as formas geográficas
adquiriram funções distintas no processo de reprodução da sociedade. Além dos
tipos de relações sociais que permitiram aos homens se organizarem de maneira
altamente complexa, como no exemplo das cidades técnica e com densidade
populacional elevada.
Nesta organização complexa em que se vive hoje, a cidade, há inúmeros fatores que
se interagem, quantidades enormes de variáveis possíveis de análises, logo, surgem
à necessidade do estudo das estruturas componentes de nossa sociedade. Essas
estruturas,
por
vezes,
tacitamente
abstraídas
das
relações
cotidianas,
imprescindíveis na obtenção de respostas aos questionamentos do processo de
formação, divisão e manutenção da vida social urbana.
Nestes termos Carlos (1997, p. 38), demonstra de maneira clara o caráter da
paisagem e sua contribuição para a análise geográfica. Para a autora a paisagem
pode ser vista como a ”[...] forma exterior, a aparência ‘caótica’, sob a qual se
descortina a essência articulada e objetiva do espaço geográfico”.
Por outro lado, na chamada urbanização, em linhas gerais, o processo de difusão do
modo de vida urbano, a cidade seria o resultado visível, materializado deste
processo no espaço. O significado dos termos urbano e urbanização para Lefebvre
(1991) apud Limonad (1999, p.71), ultrapassam os limites das cidades. Para o autor,
a urbanização constitui uma condensação dos processos sociais e espaciais
responsáveis por permitir ao sistema capitalista a manutenção e reprodução de suas
relações essenciais de produção em sentido amplo, e “[...] a própria sobrevivência
do capitalismo estaria baseada na criação de um espaço social crescentemente
abrangente, instrumental e mistificado”.
A cidade, segundo Carlos (1994, p.84), concentra meios de produção e pessoas,
sendo também o lugar privilegiado da divisão social do trabalho na sociedade e ligase a divisão espacial englobando a totalidade do espaço.
Neste sentido, o espaço urbano “[...] aparece como concentração através da
cidade”, e o “[...] urbano é mais que um modo de produzir, é também um modo de
consumir, pensar, sentir; enfim, é um modo de vida”.
A autora reconhece este fato quando escreve sobre o espaço produzido pela
sociedade como base para “[...] recriar constantemente as condições gerais a partir
das quais se realiza o processo de reprodução do capital, da vida humana, da
sociedade como um todo” (CARLOS, 1997, p. 30).
A reprodução da sociedade se manifesta no espaço urbano por excelência, espaço
esse “[...] diferentemente ocupado em função das classes em que se divide a
sociedade urbana” (SANTOS, 1993, p. 83). Contudo, qual o significado de se
procurar entender a reprodução da sociedade a partir do espaço urbano? A resposta
oferecida por Carlos (1997, p. 70) é enfática:
Entender o espaço urbano do ponto de vista da reprodução da sociedade
significa pensar o homem enquanto ser individual e social no seu cotidiano,
no seu modo de vida, de agir e de pensar. Significa pensar o processo de
produção do humano num contexto mais amplo, aquele da produção da
história de como os homens produziram as condições materiais de sua
existência e do modo como concebem as possibilidades de mudanças.
Vale ressaltar que na cidade, como um objeto fixo, concreto, circulam diferentes
recursos: força de trabalho, capital, tecnologia, informação etc., regulados pela
lógica do sistema capitalista, o qual modifica, consome, segrega o espaço e,
conseqüentemente, os homens. De acordo com cada momento histórico esses “[...]
recursos são distribuídos de diferentes maneiras e localmente combinados, o que
acarreta uma diferenciação no interior do espaço total e confere a cada região ou
lugar sua especificidade e definição particular” (SANTOS, 2004, p.165).
Sendo a expressão materializada do modo de vida urbano, a cidade refletirá, na
contemporaneidade, a estrutura social baseada no modo de produção capitalista. É
como sustenta Corrêa (1989, p.6), em seu estudo sobre a cidade, ao levantar
reflexões sobre a análise geográfica em diferentes formas, dentre elas, considera o
espaço urbano como forma espacial “[...] em suas conexões com a estrutura social,
processos e funções urbanas”.
O autor ainda oferece quatro momentos para a apreensão do espaço urbano. O
primeiro refere-se à fragmentação, razão pelas quais partes distintas do espaço
mantêm relações com as demais, como fluxos de veículos, de pessoas, mercadorias
etc. O segundo momento diz respeito à articulação, esta, sendo menos visível,
envolve circulação de decisões e investimentos de capital, mais-valia, salários,
dentre outros. O terceiro momento caracteriza o espaço urbano como reflexo da
sociedade, pois, reflete a estrutura social dividida em classes. O quarto momento
coloca o espaço da cidade como condicionante da sociedade, implicando em uma
análise das obras produzidas pelos homens, isto é, formas espaciais encarregadas a
desempenhar um importante papel na reprodução das condições de produção e das
relações de produção (CORRÊA, 1989, p. 7-9).
A cidade pode ser sinônimo de diversidade. É o que apresenta Santos (2004, p.
309), na análise dos “conteúdos técnicos” e “socioeconômicos” diversos presentes
no espaço urbano. Para o autor, as cidades (grandes) possibilitam acolher as mais
variadas atividades, segundo os mais diversos “[...] níveis técnicos, de capital e de
organização. Desse modo, tais cidades abrigam todos os tipos de capital e todos os
tipos de trabalho. É esta, aliás, sua riqueza”.
O mesmo sucede a Singer (1998), quando procura identificar as condições
necessárias sem as quais as cidades não teriam se desenvolvido. O autor parte do
papel das classes sociais na disputa pela inserção diferenciada no processo de
produção e de distribuição. Para o autor a existência das cidades pressupõe a
criação de instituições sociais, de relações de dominação, de exploração a fim de
manter a transferência do mais-produto do campo a um espaço social diferenciado
pela dinâmica da divisão do trabalho e uma sociedade dividida em classes.
A este processo de urbanização Limonad (1999, p. 85), procura estabelecer
conexões entre a distribuição das atividades produtivas e a população. Para a
autora, uma definição de urbanização deve ser capaz de reconhecer a disputa pelo
espaço no capitalismo como estratégias para o capital e o trabalho se reproduzirem.
A intensidade destes processos varia em função da estruturação do território e da
produção.
Diante de um quadro de generalidade, impõe-se a argumentação de Carlos (1997, p.
42), ao trazer uma visão de cidade correspondente a atualidade:
[...] a cidade apresenta-se como um fenômeno concentrado e contraditório,
fundamentado numa complexa divisão espacial do trabalho; uma
aglomeração que tem em vista o processo de produção norteado pelo
trabalho assalariado, pela socialização do trabalho, pela concentração dos
meios de produção e pela apropriação privada.
Com base nessas afirmações nota-se a importância da categoria da divisão do
trabalho para a análise do espaço urbano. A história da distribuição dos homens e
de suas atividades sobre a superfície da terra, bem como a técnica subjacente a
cada momento histórico, criando novos determinantes para a disposição dos objetos
geográficos e conferindo-lhes novos valores, devem-se somar segundo Santos
(1994), ao reconhecimento das formas herdadas do passado, ou seja, o espaço
construído.
A funcionalidade desses objetos e sua presença na organização espacial atual são,
em parte, devido à capacidade de adaptação que essas formas espaciais adquirem
com o passar do tempo. O valor simbólico ou econômico, entre outros aspectos,
justifica sua permanência no espaço urbano. (CORRÊA, 1998).
Nestas condições a proposta de Santos (1994), consiste em identificar os princípios
de diferenciação entre os lugares, mediante a influência das formas geográficas
herdadas tidas como dados locais e os elementos da divisão do trabalho, que
transcendem esses mesmos limites locais.
Tanto a divisão social como territorial do trabalho dependem das decisões políticas
na sociedade e do papel do Estado, no que remete a evolução do espaço urbano.
Eis porque uma análise urbana deva levar em consideração a intervenção do
Estado, em favorecer certas atividades em detrimento de outras; ou mesmo no uso
do solo urbano, criando espaços industriais, por exemplo, mediante a valorização de
certas áreas do espaço urbano pelo poder de determinados agentes.
Além disso, os agentes não-hegemônicos, como as classes trabalhadoras também
participam do desenvolvimento urbano, na medida em que reivindicam melhorias
infra-estruturais em seus lugares. A esse respeito Santos (1994, p. 127), condena
dizer que “[...] as cidades se põem, sobretudo, ao serviço do capital”. Para o autor,
isto não passa de um discurso. Torna-se necessário, portanto, uma classificação dos
capitais presentes na cidade em qualidade e usos possíveis pelos respectivos
capitalistas, aliado ao poder desempenhado por eles no espaço urbano. Da mesma
forma, a população deve ser analisada com relação às características próprias do
espaço em que se encontra.
Singer e Limonad, já citados, trabalham com a chamada economia política da
urbanização. Esta privilegia a análise da repartição dos instrumentos de trabalho,
dos homens, do emprego na superfície de um país.
De outra forma Santos (1994, p.118) propõe uma economia política da cidade, quer
dizer, “[...] a forma como a cidade, ela própria, se organiza, em face da produção e
como os diversos atores da vida urbana encontram seu lugar, em cada momento,
dentro da cidade”. Essas duas economias políticas são inseparáveis, pois a
urbanização constitui um fenômeno espacial, além de social, econômico e político.
A NATUREZA EXCLUDENTE DO ESPAÇO URBANO
Analisar a cidade do ponto de vista do cidadão e do capital não implica
desconsiderar a visão de Souza (2003, p. 28), para quem:
[...] uma cidade é um local onde as pessoas se organizam e interagem com
base em interesses e valores os mais diversos, formando grupos de
afinidade e de interesse, menos ou mais bem definidos territorialmente com
base na identificação entre certos recursos cobiçados e o espaço, ou na
base de identidade territoriais que os indivíduos buscam manter e preservar.
Tais observações quando confrontadas à luz da natureza classista existente na
cidade, tanto em relação à produção como o consumo de bens materiais, por
exemplo, revelam suas contradições. O controle sobre essas relações de
cooperação entre os indivíduos em um mesmo espaço pode ser reafirmado ou não,
dentro daquilo que Corrêa (1995, p. 35), chamou de “práticas espaciais”, ou seja,
“[...] um conjunto de ações espacialmente localizadas que impactam diretamente
sobre o espaço, alterando-o no todo ou em parte ou preservando-o em suas formas
e interações”.
De acordo com o autor, as práticas espaciais são, grosso modo, as seguintes: a)
Seletividade espacial: solos férteis, a proximidade da matéria-prima, de uma força de
trabalho não qualificada e sindicalmente pouco ativa, são alguns atributos que
podem levar às localizações seletivas. b) Antecipação espacial. Significa reserva de
território, garantir para o futuro próximo o controle de uma dada organização
espacial, vislumbrando assim as possibilidades, via ampliação do espaço de
atuação, de reprodução de suas condições de produção. c) Marginalização espacial.
O valor atribuído a um dado lugar pode variar ao longo do tempo por razões de
ordem econômica, política ou cultural e, assim alterar a sua importância, e no limite,
marginalizá-lo da rede de lugares a que se vinculava. d) Reprodução da região
produtora. No processo de valorização produtiva do espaço é necessário que se
viabilize a reprodução das condições de produção. Isto implica em práticas
espacialmente localizadas, via de regra efetivada pelo Estado ou pelas grandes e
complexas corporações (CORRÊA, 1995, p. 36-40).
Em casos como esses, as práticas espaciais encontram na cidade, como meio
material e social condições à privatização das benfeitorias coletivas, e geram, ao
mesmo tempo, sua apropriação seletiva (SANTOS, 1994).
Do ponto de vista do capital, a cidade torna-se o espaço da socialização capitalista,
na idéia de Santos (1994, p. 122), “[...] um processo de transferência de recursos da
população como um todo para algumas pessoas e firmas”.
O mesmo pode-se dizer de Topalov (1974) apud Santos (1994, p. 123), que
desenvolveu está idéia nos seguintes termos:
[...] a cidade constitui uma forma de socialização capitalista das forças
produtivas. Ela mesma é o resultado da divisão social do trabalho e é uma
forma desenvolvida de cooperação entre as unidades de produção. Em
outras palavras, para o capital, o valor de uso da cidade reside no fato de
que é uma força produtiva, porque concentra as condições gerais da
produção capitalista. Essas condições gerais, por sua vez, são condições
da produção e da circulação do capital e da produção da força de trabalho.
Todas essas condições descritas pelo autor se inscrevem sobre uma materialidade
densamente desigual presente nas cidades. A existência de áreas dotadas de
melhores infra-estruturas a fim de garantir uma circulação de capital eficaz provoca
um paradoxo, pois, ainda há espaços carentes das condições básicas para a
população residente obter uma vida digna.
A contribuição de Carlos (1994), sobre a produção do espaço urbano como um
modo de viabilizar o processo de reprodução do capital enriquece a análise do
urbano, pois a autora estabelece a ligação entre as necessidades do capital e das
pessoas, estas últimas não são tratadas como um dado esvaziado de conteúdo.
Neste quadro, as necessidades básicas das pessoas, habitarem em um local, por
exemplo, faz emergir de imediato a situação da classe trabalhadora e seu modo de
vida. À vista disso, o trabalhador para Carlos (1994, p. 95), “[...] não foge ao controle
do capital, nem quando está longe do local de trabalho, pois o espaço da moradia
tende a se subjugar às necessidades e perspectivas da acumulação do capital”.
Os tipos de habitação, seu acesso, os equipamentos de consumo coletivos serão
diferenciados a partir da classe social atendida na cidade. De onde a autora retira
duas características. A primeira diz respeito à segregação espacial válido tanto para
as pessoas de maior poder aquisitivo como àquelas de baixo rendimento financeiro.
Os bairros que possuem infra-estrutura completa, logo terão o valor da terra elevado
e não estarão disponíveis à população carente. Também há os condomínios
fechados, verdadeiras fortalezas, tendo em vista sua exclusividade e localização,
geralmente distantes do centro das cidades, mesmo assim detêm espaços de lazer
como shoppings, além de segurança garantida. A segunda característica refere-se
às opções dos conjuntos habitacionais com suas casas “produzidas em série”,
localizadas distantes do centro das cidades, o que faz aumentar o trajeto entre local
de trabalho e moradia da população, dotados de infra-estrutura irregular, muitas
vezes com ausência de saneamento básico, áreas de lazer e espaços culturais.
Na realidade o que a autora procura desvendar é a questão de como a sociedade
(re)produz o espaço de sua reprodução. E isso será possível mediante a análise
das imbricações entre os modos de vida e os processos de trabalho presentes no
espaço.
Portanto, a ligação entre local habitado pelos cidadãos e o preço da terra
correspondente, revelam seu modo de vida e sua distribuição irregular na cidade
expressando as desigualdades sociais reguladas pela lógica do sistema capitalista.
A partir disso, uma síntese elaborada por Santos (1993, p. 1), resulta em uma
verdadeira teoria geográfica:
[...] a atividade econômica e a herança social distribuem os homens
desigualmente no espaço, fazendo com que certas noções consagradas,
como rede urbana ou do sistema de cidades, não tenham validade para a
maioria das pessoas, pois o seu acesso efetivo aos bens e serviços
distribuídos conforme a hierarquia urbana depende do seu lugar sócioeconômico e também do seu lugar geográfico (SANTOS, 1993, p.1).
Vencer os obstáculos de uma condenação, como se pode inferir das formulações de
Santos (1993), ao lugar que os habitantes, tanto no campo como na cidade ocupam
é parte essencial da reprodução original dessas populações, ou seja, da
manutenção das relações sociais desiguais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O entendimento das implicações espaciais derivadas da capacidade do sistema
capitalista de produção em adaptar-se em diferentes períodos em que seu regime de
acumulação encontrou-se ameaçado, evoca uma análise das transformações
sofridas por este sistema, principalmente no último quartel do século XX, e que
repercute nesta década do século XXI.
Sendo assim, importa reconhecer a ligação em derredor de uma reestruturação e
uma espacialização no mundo contemporâneo, o qual envolve a todos. O sistema
capitalista no momento atual procura ajustar os arranjos espaciais como forma de
continuar sua reprodução. Captar, mesmo em linhas gerais estes processos garante
uma visão de totalidade indispensável à análise geográfica que queira atingir os
lugares e sua dinâmica.
REFERÊNCIAS
CARLOS, A. F. A. A (Re)Produção do Espaço Urbano. São Paulo: Edusp, 1994.
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