O uso de Insulinas Recombinantes Análogas à Humana de Ação Basal (Glargina e Detemir) no tratamento do Diabetes Mellitus Tipo 1 Brasília – DF Fevereiro/2009 MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Ciência e Tecnologia Parecer Técnico-Científico: O uso de Insulinas Recombinantes Análogas à Humana de Ação Basal (Glargina e Detemir) no tratamento do Diabetes Mellitus Tipo 1 Brasília – DF Fevereiro/2009 2009 Ministério da Saúde. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra é da área técnica. Este estudo foi financiado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT/MS) e não expressa decisão formal do Ministério da Saúde para fins de incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS). Informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Ciência e Tecnologia Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Edifício Sede, 8° andar, sala 852 CEP: 70058-900, Brasília – DF Tel.: (61) 3315-3633 E-mail: [email protected] [email protected] Home Page: http://www.saude.gov.br/rebrats Elaboração: Revisão Técnica: Marcela de Andrade Conti (CGATS/DECIT/SCTIE/MS) Luiz Henrique Picolo Furlan (CGATS/DECIT/SCTIE/MS) Fernanda de Oliveira Laranjeira (CGATS/DECIT/SCTIE/MS) Rosa Maria Sampaio Vilanova de Carvalho (CNHD/DAB/SAS/MS) Flávia Tavares Silva Elias (CGATS/DECIT/SCTIE/MS) Declaração de Potenciais Conflitos de Interesse Nenhum dos autores recebe qualquer patrocínio da indústria ou participa de qualquer entidade de especialidade ou de pacientes que possa ser incluído como conflito iii Resumo Intensidade das recomendações: Aa O diabetes mellitus (DM) é uma doença metabólica crônica, caracterizada pela deficiência total (tipo 1) ou parcial (tipo 2) da produção de insulina pelo pâncreas endócrino, ou ainda pela má utilização deste hormônio (tipo 2). Estima-se que 5,3% da população brasileira acima de 18 anos sejam portadores dessa doença. Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem disponível a insulina NPH como insulina de ação intermediária para o tratamento do DM. As insulinas glargina e detemir são análogas à insulina NPH, de ação prolongada, e foram desenvolvidas com o objetivo de estender a duração do efeito da insulina e diminuir a variação intraindividual. Realizou-se ampla busca em bases de dados e selecionou-se uma Avaliação de Tecnologias em Saúde completa com revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados, sendo considerados seus resultados. A revisão sistemática selecionada apresentou métodos de qualidade adequada. Os resultados demonstraram que houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos tratados com insulinas análogas e NPH apenas em relação à incidência de hipoglicemia noturna, sendo favoráveis às insulinas análogas. Assim, até o momento, com intensidade de recomendação “A” , a melhor evidência científica disponível sugere que as insulinas glargina e detemir, análogas à humana, apresentam leve benefício clínico em relação à NPH em indivíduos diabéticos tipo 1 para diminuir eventos de hipoglicemia noturna. Em relação aos dados de segurança, são necessários estudos de longo prazo e de qualidade metodológica adequada para avaliar, principalmente, os efeitos mitogênicos das insulinas análogas. Não está claro se o modesto benefício clínico, com leve redução da hipoglicemia noturna, promovido pelas insulinas análogas glargina e detemir, supera a adição de custos com o seu uso. Sugere-se um estudo de avaliação econômica (análise de custo-efetividade), considerando a disponibilidade de alocação de recursos em tecnologias em saúde no Sistema Único de Saúde. a Representa recomendação baseada em revisão sistemática de ensaios clínicos controlados randomizados, que traduz boa intensidade de recomendação. iv SUMÁRIO Contexto ................................................................................................................................6 Pergunta ................................................................................................................................7 Introdução ............................................................................................................................8 Aspectos epidemiológicos, demográficos e sociais ...........................................................8 Descrição do medicamento avaliado e alternativas terapêuticas ..................................10 Insulinas glargina e detemir .......................................................................................10 Alternativas terapêuticas ............................................................................................11 Bases de dados e estratégia de busca .................................................................................12 Critérios de seleção e exclusão de artigos ..........................................................................13 Avaliação da qualidade da evidência .................................................................................14 Resultados dos estudos selecionados ..................................................................................15 Apresentação dos resultados dos estudos.......................................................................15 Interpretação dos resultados ..........................................................................................17 Recomendações ...................................................................................................................21 Referências bibliográficas ..................................................................................................22 v Contexto Este Parecer Técnico-Científico (PTC) foi elaborado pela Área de Avaliação de Tecnologias em Saúde do DECIT/SCTIE/MS para avaliar as evidências científicas disponíveis atualmente acerca da eficácia e segurança da tecnologia em questão, visando ao bem comum e à eficiência do Sistema Único de Saúde (SUS). Este PTC tem a finalidade de subsidiar a tomada de decisão do Ministério da Saúde e dos demais gestores do SUS, e não expressa a decisão formal do Ministério da Saúde para fins de incorporação. 6 Pergunta O objetivo desse documento é analisar as evidências científicas disponíveis atualmente sobre o uso de insulinas recombinantes análogas à humana de ação basal (glargina e detemir) no tratamento do diabetes mellitus tipo 1. Para sua elaboração, estabeleceu-se a seguinte pergunta, cuja estruturação encontra-se apresentada no Quadro 1: Quadro 1: Pergunta estruturada para elaboração do PTC População Intervenção (tecnologia) Comparação Parâmetros Desfechos (resultados em saúde) Pacientes diabéticos tipo 1 Insulinas recombinantes análogas à humana de ação basal (glargina e detemir) Insulina NPH Eficácia e segurança Controle da glicemia, redução de complicações agudas (cetoacidose e hipoglicemia), redução de complicações crônicas (nefropatia, retinopatia e neuropatia), mortalidade e reações adversas Pergunta: O uso de insulinas recombinantes análogas à humana de ação basal (glargina e detemir) em pacientes diabéticos tipo 1 é eficaz e seguro para controle da glicemia, redução de complicações agudas e crônicas, mortalidade e reações adversas quando comparado ao uso da insulina NPH? 7 Introdução Aspectos epidemiológicos, demográficos e sociais O diabetes mellitus (DM) é, atualmente, um grande desafio para os sistemas de saúde de todo o mundo. Estima-se que 5,3% da população brasileira acima de 18 anos sejam portadores dessa doença1, sendo que a prevalência aumenta exponencialmente conforme a idade, chegando a 11% da população economicamente ativa acima de 40 anos2, o que corresponde a uma prevalência total aproximada de 6,4 milhões de pessoas1. Do total de casos, cerca de 5% são do tipo 1 e, portanto, totalmente dependentes de insulina exógena, representando 320.000 pessoas, aproximadamente. O DM é uma doença metabólica crônica, caracterizada pela deficiência total (tipo 1) ou parcial (tipo 2) da produção de insulina pelo pâncreas endócrino, ou ainda pela má utilização deste hormônio (tipo 2). Para a totalidade dos pacientes com DM tipo 1 e parte daqueles com tipo 2, a única terapia disponível são as injeções de insulina. A literatura internacional aponta que, para o tipo 1, a terapia de múltiplas doses, congregando múltiplas injeções diárias (esquema basal + bolus, com três ou mais injeções por dia) e automonitorização, visando atingir a melhora do controle glicêmico, é o melhor tratamento para o diabetes, no que concerne à redução do risco de complicações. 3,4,5 O controle estrito pode adiar e retardar a progressão das complicações crônicas microvasculares em, aproximadamente, 50% dos casos2, o que torna o tratamento do diabetes mais custoefetivo6. Para o DM tipo 2, que pode ser prevenido com mudança dos hábitos de vida, a terapia medicamentosa envolve hipoglicemiantes orais, tais como metformina e sulfoniluréias, podendo ser administrados como monoterapia ou também em associação entre os diversos tipos e insulina. Além disso, a automonitorização, a educação em diabetes, a dieta e os exercícios também são parte fundamental do tratamento7. Não se tem estimativas do número de indivíduos portadores do tipo 2 que utilizam insulina como parte do tratamento. Entretanto, como a compra da insulina NPH é centralizada em nível federal, projeta-se um consumo médio mensal estimado em 971.400 frascos para a programação 2008/2009. 8 O objetivo do tratamento é manter um controle glicêmico adequado e evitar complicações decorrentes da doença. O diabetes mellitus mal controlado favorece a incidência de complicações crônicas, micro e macrovasculares, que incluem: Neuropatia: maior causa de amputação de membros inferiores8; Nefropatia: causa de 30% das insuficiências renais e diálises do país4; Retinopatia: maior causa de cegueira no Brasil4; Doenças cardiovasculares e acidentes vasculares encefálicos: aumenta de três a quatro vezes o risco de ocorrência de tais eventos3; Angiopatia. Além disso, o diabetes mellitus está em primeiro lugar na lista de alta carga de doença na pesquisa realizada por Shramm, em 19989. Isso significa que, de acordo com o indicador DALY (Disability Adjusted Life Years – Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade), o diabetes é a doença que provoca maior perda de anos de vida devido à morte prematura ou anos vividos com incapacidades. 9 Descrição do medicamento avaliado e alternativas terapêuticas Insulinas glargina e detemir Os análogos de insulina de ação prolongada foram desenvolvidos com o objetivo de estender a duração do efeito da insulina e diminuir a variação intra-individual.10 A insulina glargina está registrada no Brasil11 sob o nome comercial Lantus® na forma farmacêutica solução injetável de concentração 100 UI/mL. É produzida na Alemanha e importada pelo laboratório farmacêutico Aventis Pharma. A glargina foi modificada a partir da insulina humana NPH, tornando-a solúvel em pH ácido (pH 4,0) e precipitando quando injetada no tecido subcutâneo (pH 7,4). A absorção é lenta, gradual e prolongada, sem picos de ação pronunciados. Estudos de farmacodinâmica em indivíduos normais, pacientes com DM tipo 1 ou tipo 2, indicam duração de ação de aproximadamente 24 horas.12 O preço estipulado na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), para 5 frascos de 3mL de Lantus® é de R$ 359,11 e para o frasco de 10mL é de R$ 222,87 (Preço Fábrica 18%) b. A insulina detemir está registrada no Brasil sob o nome comercial Levemir® na forma farmacêutica solução injetável de concentração 100 UI/mL. Estão disponíveis as apresentações flexpen e penfill. É produzida pelo laboratório farmacêutico Novo Nordisk Farmacêutica do Brasil Ltda. Essa insulina é um derivado acetilado da insulina que, ao ser injetado liga-se à albumina, prolongando sua duração. Seu uso está associado à menor variabilidade e menor aumento de peso quando comparado à insulina NPH.13 De acordo com a CMEDd, 5 frascos de 3mL na apresentação flexpen custam aproximadamente R$ 265,29, e na apresentação penfill, custam R$ 250,39 (Preço Fábrica 18%). b Preço Fábrica 18% disponível no ambiente eletrônico da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED): http://www.anvisa.gov.br/monitora/cmed/legis/comunicados/lista_conformidade.pdf 10 Alternativas terapêuticas O tratamento intensivo do DM tipo 1 fundamenta-se na administração de uma ou mais doses de uma insulina de efeito prolongado (basal), procurando cobrir as 24 horas do dia, e de insulina de efeito rápido, antes das refeições e em ocasiões de hiperglicemia, como correção. A insulina NPH tem um efeito prolongado de aproximadamente 16 a 20h e é usualmente utilizada em 2 ou mais doses com o objetivo de se obter um nível plasmático basal de insulina ao longo das 24 horas para evitar as flutuações glicêmicas nos períodos não relacionados com as refeições. Os principais inconvenientes da insulina NPH são a absorção variável e errática, causando variações imprevisíveis na glicemia e um pico de ação mais pronunciado, ao redor de 4 a 6 horas após a administração, que pode estar associado à ocorrência de episódios de hipoglicemia.14 A insulina regular tem uma ação mais curta e é usualmente utilizada antes das refeições ou como correção, mas apresenta uma absorção relativamente lenta de tal forma que a administração antes das refeições causa um aumento exagerado da glicemia pós-prandial e uma diminuição acentuada antes da próxima refeição. Essas características favorecem uma variabilidade do controle glicêmico e a presença de hipoglicemias especialmente no período noturno. Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem disponível a insulina NPH, de ação intermediária, e a insulina Regular, de ação rápida, para o tratamento do DM insulinodependente. Nesse Parecer Técnico-Científico, será utilizada a insulina NPH em comparação às insulinas análogas, glargina e detemir. Nesse sentido, o preço da insulina NPH, na apresentação frasco de 10mL, varia de R$ 22,15 e 26,58, no Banco de Preços em Saúdec (abril/2008). c Banco de Preços em Saúde: http://bpreco.saude.gov.br/bprefd/owa/consulta.inicio. 11 Bases de dados e estratégia de busca Os descritores MeSHd utilizados para realizar a busca por evidências científicas sobre o uso de insulinas recombinantes análogas à humana de ação basal para tratamento de diabetes, em bases de dados eletrônicas, foram “((detemir or levemir) or (glargine or lantus)) and (Human Isophane Insulin or NPH insulin) and (diabetes mellitus or hyperglycemia or glucose intolerance)”. A estratégia utilizada para buscar evidências científicas em bases de dados está apresentada na Tabela 1. Base Tabela 1: Pesquisa em bases de dados eletrônicas realizada em 04/11/2008. Estudos Estudos Termos Resultados selecionados disponíveis The Cochrane Library (via Bireme)15 Centre for Reviews and Dissemination16 Medline (via Pubmed)17 ((detemir or levemir) or (glargine or lantus)) and (Human Isophane Insulin or NPH insulin) and (diabetes mellitus or hyperglycemia or glucose intolerance) ((detemir or levemir) or (glargine or lantus)) and (Human Isophane Insulin or NPH insulin) and (diabetes mellitus or hyperglycemia or glucose intolerance) (((detemir or levemir) or (glargine or lantus)) and (Human Isophane Insulin or NPH insulin) and (diabetes mellitus or hyperglycemia or glucose intolerance)) AND (randomized controlled trial[Publication Type] OR (randomized[Title/Abstract] AND controlled[Title/Abstract] AND trial[Title/Abstract])) Limite: estudos publicados de abril/2007 a novembro/2008 (período posterior à busca realizada na ATS com revisão sistemática publicada em 2008 pela CADTH) 139 1 1 16 2 2 16 0 0 Na The Cochrane Library (via Bireme), dos 139 estudos obtidos, 9 correspondiam a revisões sistemáticas completas, 2 a protocolos de revisão sistemática, 112 a ensaios controlados registrados na base Cochrane, 6 a resumos da Rede Internacional de Agências de Avaliação de Tecnologias em Saúde (INAHTA) e de outras agências de Avaliação de Tecnologias em Saúde, e 10 a avaliações econômicas do National Health Service (NHS). Desses resultados, selecionou-se uma revisão sistemática com acesso ao texto completo. d Medical Subject Headings 12 Na busca realizada no Centre for Reviews and Dissemination (CRD), foram obtidos 16 resultados: 2 informes de avaliações de tecnologia em saúde, 10 avaliações econômicas, 3 revisões sistemáticas e 1 revisão narrativa. Desses, selecionaram-se os dois informes de avaliações de tecnologia em saúde (ATS) para auxiliar na elaboração do texto da introdução e uma revisão sistemática, que coincidiu com o estudo selecionado na biblioteca Cochrane. Por meio do acesso ao sítio eletrônico da Agência Canadense de Avaliação de Tecnologias em Saúde (CADTH) para acesso aos textos de informes de ATS, encontrou-se uma ATS completa, cujos resultados foram considerados nesse documento. Como a revisão sistemática da The Cochrane Library selecionou os mesmos Ensaios Clínicos Randomizados considerados na ATS completa da CADTH, e esta apresentou melhor visualização dos resultados obtidos, desconsiderou-se a apresentação dos resultados da revisão da The Cochrane Library. Critérios de seleção e exclusão de artigos Por se tratar de uma questão sobre a eficácia de um medicamento para determinada condição, as melhores evidências são revisões sistemáticas de ensaios clínicos controlados randomizados, seguidas de ensaios clínicos controlados randomizados. Além disso, as avaliações de tecnologias em saúde compreendem análise das melhores evidências científicas disponíveis até a sua publicação. Assim, o principal critério de seleção para esse parecer é que o desenho do estudo contemple uma dessas classificações. Alguns critérios de exclusão foram determinados, como ensaios controlados em andamento, estudos de fase I ou II, estudos com apenas o resumo disponível ou de baixa qualidade metodológica, estudos sobre o uso dessas insulinas no diabetes mellitus tipo 2, e estudos publicados em outro idioma que não inglês, espanhol ou português. Com base nesses critérios de inclusão e exclusão, para avaliar a eficácia das insulinas glargina e detemir comparadas à insulina NPH para tratamento do DM tipo 1, foram selecionados dois informes de ATS para elaboração do texto da introdução e uma ATS completa (CADTH) para consideração dos resultados. 13 Avaliação da qualidade da evidência Para a avaliação da qualidade das evidências apresentadas pela Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), utilizou-se o modelo para avaliação da qualidade de revisões sistemáticas proposto por Guyatt e colaboradores.18 O resultado dessa avaliação está apresentado na Tabela 2. Tabela 2: Resultado da avaliação da qualidade da revisão sistemática incluída no PTC. Estudo Busca CADTH HTA, 200819 Ampla (MEDLINE, EMBASE, Cochrane Library, bases de registro de ensaios controlados etc.) Número de estudos incluídos Qualidade dos estudos primários 52 ECR Utilizou-se uma escala de Jadad modificada. (7 sobre DM 1 pediátricos, 25 sobre DM 1 adultos e 24 sobre DM 2 adultos), sendo 43 em texto completo Avaliação Dois revisores realizaram a seleção dos estudos, avaliação da qualidade da evidência e extração dos dados. As discordâncias foram resolvidas por um terceiro revisor. Perfil dos participantes Pacientes com DM 1 e DM 2. Intervenção Insulinas detemir, glargina e NPH. Conflito de interesses Os autores da revisão sistemática declararam que não apresentam conflito de interesses. Fonte: Adaptado de Guyatt & Rennie, 2006 A revisão sistemática (ATS) incluiu 52 ensaios clínicos randomizados, sendo classificados como de boa qualidade metodológica por uma escala de Jadad modificada. Além disso, os autores da revisão declararam não haver conflitos de interesses. Diante da qualidade das evidências, este parecer apresenta intensidade “A” para as recomendações apresentadas. 14 Resultados dos estudos selecionados Apresentação dos resultados dos estudos Os resultados dos estudos selecionados estão apresentados na Tabela 3. Tabela 3: Resultados dos estudos selecionados ESTUDOS CADTH HTA, 200819 TIPO DE ESTUDO/ POPULAÇÃO Revisão Sistemática de Ensaios Clínicos Randomizados Número de estudos incluídos sobre DM 1=32. Comparações: - Insulina detemir vs NPH - Insulina glargina vs NPH População: pacientes diabéticos tipo 1 (adultos e pediátricos). PARÂMETROS RESULTADOS (IC 95%) DM 1 em pacientes pediátricos Média ponderada da diferença dos níveis de hemoglobina glicosilada (%) IGlar vs NPH (ambas com IAsp, ILis ou IHR): -0,25 (-0,55 a 0,05) IDet vs NPH (ambas com IAsp): 0,10 (-0,10 a 0,30) Hipoglicemia grave IGlar vs NPH (ambas com ILis ou IHR): RR= 1,18 (0,59 a 2,35) IDet vs NPH (ambas com IAsp): RR= 0,80 (0,50 a 1,28) Hipoglicemia noturna IGlar vs NPH (ambas com IHR): RR= 0,71 (0,43 a 1,18) IDet vs NPH (ambas com IAsp): RR= 0,85 (0,77 a 0,94) Hipoglicemia geral IGlar vs NPH (ambas com ILis ou IHR): RR= 1,03 (0,86 a 1,25) IDet vs NPH (ambas com IAsp): RR= 0,98 (0,94 a 1,01) Diferença média no Índice de Massa Corporal (IMC) IGlar vs NPH (ambas com ILis ou IHR): 0,2 (-0,03 a 0,43) kg/m2 IDet vs NPH (ambas com IAsp): -0,18 (-0,25 a -0,11) (Zscore) Cetoacidose diabética IGlar vs NPH (ambas com ILis ou IHR): RR= 3 (0,12 a 73,13) IDet vs NPH (ambas com IAsp): RR= 0,99 (0,18 a 5,33) Eventos adversos Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos para nenhuma das comparações, apenas para a incidência de hipoglicemia noturna, favorecendo o grupo da IDet comparado a NPH, como demonstrado acima. DM 1 adulto Média ponderada da diferença dos níveis de hemoglobina glicosilada (%) IGlar vs NPH (ambas com IAsp, ILis ou IHR): -0,11 (-0,21 a -0,02) IDet vs NPH (ambas com IAsp ou IHR): -0,06 (-0,13 a 0,02) IDet vs IGlar (ambas com IAsp): -0,03 (-0,26 a 0,20) Hipoglicemia grave IGlar vs NPH (ambas com IAsp, ILis ou IHR): RR= 0,82 (0,52 a 1,29) IDet vs NPH (ambas com IAsp ou IHR): RR= 0,74 (0,58 a 0,96) IDet vs IGlar (ambas com IAsp): RR= 0,25 (0,07 a 0,86) 15 Hipoglicemia noturna IGlar vs NPH (ambas com ILis ou IHR): RR= 0,97 (0,87 a 1,09) IDet vs NPH (ambas com IAsp ou IHR): RR= 0,92 (0,85 a 0,98) IDet vs IGlar (ambas com IAsp): 0,94 (0,75 a 1,17) Hipoglicemia geral IGlar vs NPH (ambas com IAsp, ILis ou IHR): RR= 1,02 (0,98 a 1,07) IDet vs NPH (ambas com IAsp ou IHR): RR= 1,00 (0,96 a 1,04) IDet vs IGlar (ambas com IAsp): 1,05 (0,93 a 1,19) Média ponderada da diferença do peso corporal (Kg) IGlar vs NPH (ambas com IAsp, ILis ou IHR): -0,36 (-0,67 a -0,04) IDet vs NPH (ambas com IAsp ou IHR): -0,73 (-1,42 a -0,03) IDet vs IGlar (ambas com IAsp): -0,50 (-1,21 a 0,21) Diferença média na qualidade de vida IGlar vs NPH: -0,35 (-1,5 a 0,8). Diferença média ponderada da satisfação do indivíduo com o tratamento IGlar vs NPH: 1,83 (0,82 a 2,84). Eventos adversos Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos para nenhuma das comparações, mas houve maior ocorrência de reação no local da injeção de IGlar quando comparada à NPH. Como demonstrado acima, também houve menor hipoglicemia grave no grupo IDet comparada com NPH e no grupo IDet comparada com IGlar. Houve menor hipoglicemia noturna no grupo IDet comparado com NPH. Legenda: IC: intervalo de confiança, IGlar: insulina glargina, IDet: insulina detemir, RR: risco relativo, IAsp: insulina asparte em bolus, IHR: insulina humana regular em bolus, ILis: insulina lispro em bolus, vs: versus. Resultados estatisticamente significativos estão apresentados em negrito. 16 Interpretação dos resultados Os resultados apresentados pela revisão sistemática considerada nesse PTC foram categorizados de acordo com a população envolvida nos ensaios clínicos randomizados (ECRs) incluídos. Os principais desfechos avaliados foram: níveis de hemoglobina glicosilada (%), hipoglicemias grave, noturna e geral, Índice de Massa Corporal (IMC), peso corporal (kg), qualidade de vida, satisfação do paciente com o tratamento, cetoacidose diabética, complicações em longo prazo e eventos adversos. Indivíduos pediátricos com diabetes mellitus tipo 1 Considerando indivíduos pediátricos, foram incluídos sete ECRs, sendo consideradas as comparações de eficácia e segurança: IGlar vs NPH e IDet vs NPH. Níveis de hemoglobina glicosilada Para a comparação IGlar vs NPH (ambas associadas a IAsp, ILis ou IHR), não houve diferença estatisticamente significativa em relação aos níveis de hemoglobina glicosilada entre os grupos. Os resultados referiram-se a quatro ECRs, que apresentaram alta heterogeneidade, considerando que um deles foi realizado em participantes japoneses de até 21 anos de idade. Em relação à comparação IDet vs NPH, apenas um ECR realizou avaliação desse desfecho, não havendo diferença estatisticamente significativa entre essas insulinas para tratamento de crianças e adolescentes diabéticos tipo 1. Hipoglicemia Considerando a comparação entre grupos tratados com IGlar ou NPH (ambos com ILis ou IHR), nenhum dos ECRs apresentou diferença significativa, em termos de risco relativo, para incidência de hipoglicemia. Dos sete ECRs envolvendo participantes pediátricos, quatro relataram resultados sobre hipoglicemia grave, um sobre hipoglicemia noturna e três sobre hipoglicemia geral. Em nenhum deles, relataram-se os dados necessários para calcular a razão de chances (Odds ratio). 17 Já os resultados para a comparação entre grupos tratados com IDet ou NPH (ambos com IAsp) foram apresentados por apenas um ECR. Não houve diferença estatisticamente significativa para a incidência de hipoglicemia grave ou geral. Entretanto, para o risco de hipoglicemia noturna, o ECR sugere resultados estatisticamente significativos favoráveis para o grupo tratado com IDet em relação à NPH, sendo a eficácia apresentada de 15%, variando de 4 a 23%. Índice de Massa Corporal (IMC) Um ECR relatou não haver diferença estatisticamente significativa para a comparação entre IGlar e NPH. Outro ECR, comparando IDet e NPH, apresentou resultados favoráveis ao tratamento de crianças diabéticas tipo 1 com IDet para a redução do IMC. Cetoacidose diabética Dois ECRs relataram não haver diferença significativa entre os grupos IGlar vs NPH, assim como outro ECR para a comparação IDet e NPH. As taxas de evento foram muito baixas e não se pôde observar diferença significativa entre os grupos. Eventos adversos Os eventos adversos foram relatados por 5 dos 7 ECRs que envolviam o tratamento de crianças diabéticas tipo 1. Os eventos mais freqüentes foram reações locais à injeção de gravidade leve à moderada, sendo as únicas relacionadas ao tratamento, além de infecção do trato respiratório superior, cefaléia, faringite e gastroenterite. Indivíduos adultos com diabetes mellitus tipo 1 Considerando indivíduos adultos diabéticos tipo 1, foram incluídos 32 ECRs, sendo consideradas as comparações de eficácia e segurança: IGlar vs NPH, IDet vs NPH e IGlar vs IDet. Níveis de hemoglobina glicosilada Para a comparação IGlar vs NPH (ambas associadas a IAsp, ILis ou IHR), os resultados apresentados por 14 ECRs sugeriram eficácia 0,11% (0,02 a 0,21) maior da IGlar para diminuição dos níveis de hemoglobina glicosilada. Apesar de sugerir diferença significativa entre os grupos, 11 desses estudos apresentaram os dados como uma média ao 18 final do estudo, sendo apenas 4 com resultados estatisticamente favoráveis à IGlar e nenhum favorável à NPH. Após análise de sensibilidade realizada na revisão sistemática, excluindo-se os estudos com menos de três meses de duração e em que houvesse realização de crossover, não houve impacto significativo nos níveis de hemoglobina glicosilada. Em relação à comparação IDet vs NPH (ambas associadas à IAsp ou IHR), sete ECRs realizaram avaliação desse desfecho, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Não houve diferença significativa entre os grupos tratados com IGlar e IDet, ambas associadas à IAsp, para a diminuição dos níveis de hemoglobina de acordo com os dados de um único ECR. Hipoglicemia Houve diferença significativa para a incidência de hipoglicemia grave na comparação IDet vs NPH (ambas com IAsp ou IHR), RR= 0,74 (0,58 a 0,96), sugerindo superioridade da insulina detemir. Na comparação entre os grupos tratados com IDet ou IGlar (ambas com IAsp), a superioridade também foi da insulina detemir, sendo o risco relativo de 0,25 (0,07 a 0,86). No caso da hipoglicemia noturna, na comparação entre IDet vs NPH (ambas com IAsp ou IHR), também foi evidenciada pequena superioridade da insulina detemir, RR= 0,92 (0,85 a 0,98). Para as outras comparações, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Peso Corporal Com relação à variação no peso corporal, houve diferenças significativas para as comparações: IGlar vs NPH (4 ECR) (ambas com IAsp, ILis ou IHR), de -0,36 (-0,67 a 0,04), e IDet vs NPH (6 ECR) (ambas com IAsp ou IHR) de -0,73 (-1,42 a -0,03), favorecendo, em ambos os casos, as insulinas análogas em comparação à NPH. Qualidade de vida De acordo com os resultados de um ECR não houve diferença significativa entre IGlar e NPH em relação a questionário aplicado ao início e final do estudo. Não houve dados para outras comparações. 19 Satisfação do indivíduo com o tratamento Um ECR, por meio da aplicação de questionário para avaliar a satisfação do indivíduo com o tratamento, apresentou resultados ligeiramente favoráveis à IGlar em relação à NPH. Outras comparações não foram avaliadas. Eventos adversos (excluindo hipoglicemia) Os eventos adversos mais comumente relatados em 74% dos estudos foram: reações no local da injeção, infecção do trato respiratório, distúrbios gastrintestinais, edema, rinite e cefaléia. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos, com exceção das reações no local da injeção, mais comuns no grupo tratado com IGlar. 20 Recomendações Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem disponível as insulinas Regular e NPH como insulinas de ação rápida e intermediária, respectivamente, para o tratamento do DM. As insulinas glargina e detemir são análogas à insulina NPH e foram desenvolvidas com o objetivo de estender a duração do efeito da insulina e diminuir a variação intra-individual. Até o momento, com intensidade de recomendação “A”e, a melhor evidência científica disponível sugere que as insulinas glargina e detemir, análogas à humana, apresentam leve benefício clínico em relação à NPH em indivíduos diabéticos tipo 1 para diminuir eventos de hipoglicemia noturna. Em relação aos dados de segurança, são necessários estudos de longo prazo e de qualidade metodológica adequada para avaliar, principalmente, os efeitos mitogênicos das insulinas análogas. Não está claro se o modesto benefício clínico, com leve redução da hipoglicemia noturna, promovido pelas insulinas análogas glargina e detemir, supera a adição de custos com o seu uso. Sugere-se um estudo de avaliação econômica para fazer a análise de custoefetividade, considerando a disponibilidade de alocação de recursos em tecnologias em saúde no Sistema Único de Saúde. e Representa revisão sistemática de ensaios clínicos controlados randomizados, que traduz boa intensidade de recomendação. 21 Referências bibliográficas 1 Ministério da Saúde. Estimativa da Secretaria de Vigilância em Saúde por meio do Sistema de Monitoramento de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas não Transmissíveis por Inquérito Telefônico – VIGITEL em 2007. 2 Barbosa RB, Barceló A, Machado CA. Campanha Nacional de detecção de casos suspeitos de diabetes mellitus no Brasil: relatório preliminar. Rev Panam Salud Publica, 10:324-7, 2001. 3 DCCT Research Group, The Effect of Intensive Treatment of Diabetes on the Development and Progression of Long-Term Complications in Insulin-Dependent Diabetes Mellitus. Diabetes, v.329: 977-986, 1993. 4 Malerbi D. et al. 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