DISCIPLINA: TÓPICOS DE FÍSICA NUCLEAR UNIDADE 2

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DISCIPLINA: TÓPICOS DE FÍSICA NUCLEAR
UNIDADE 2: Propriedades Nucleares Globais e Modelos Nucleares
OBJETIVOS: Ao final desta unidade você deverá:
- conhecer as propriedades como a massa, densidade, spin nuclear e níveis de
energia;
- distinguir entre diferentes modelos usados para descrever o núcleo atômico.
1. PROPRIEDADES NUCLEARES GLOBAIS
Nesta unidade estudaremos características especificas do núcleo atômico. Como já
fizemos na unidade anterior, dependendo da “lente” com que estamos observando o
núcleo, diferentes propriedades serão observadas. Usaremos como “lente” de prova,
diferentes partículas (elétron, próton, píon,...) que vão bater com o núcleo com
comprimentos de onda de Broglie =h/p (onde h é a constante de Planck e p é o
momentum da partícula). Quando estes  forem da ordem de grandeza do tamanho
nuclear, poderemos estudar aspectos globais do núcleo. Quando as partículas que
interagem com o núcleo tiverem comprimentos de onda curto, vamos notar que o
núcleo está composto de Z prótons e N nêutrons, ambos chamados também de
núcleons. De modo tal que temos A=Z+N núcleons compondo o sistema núcleo. Se
usarmos partículas com comprimentos de onda ainda mais curtos, vão aparecer os
graus de liberdade mesônicos*, assim como as excitações dos núcleons. Quando as
energias das partículas incidentes no núcleo forem muito grandes, a estrutura
interna dos núcleons apresentará uma dinâmica de um sistema de quark-gluons
[Hey99].
Aqui estudaremos as características comuns do núcleo, tais como: a massa,
energia de ligadura nuclear, o raio e extensão nuclear, o momento angular nuclear e
os momentos nucleares, ilustrando os aspectos mais importantes destes. Resumindo,
a parte central do átomo é o núcleo atômico com sua carga positiva. Esta é a fonte
da força de Coulomb, que mantém o átomo estável. O próton tem carga positiva
enquanto que os nêutrons são neutros. Aqueles elementos que possuem o mesmo
Z
número de prótons
número de massa
A
numero de nêutrons
se chamam de isótopos, aqueles que possuem o mesmo
se chamam de isóbaros, e aqueles que possuem o mesmo
N se chamam de isótonos.
*Mesônicos: propriedade associada aos mésons, partículas que transportam a força nuclear.
A massa nuclear se expressa em unidades de massa atômica,
u  1.66  1027 kg
que
corresponde aproximadamente à massa de repouso do átomo de hidrogênio no
estado fundamental. As massas do próton e do nêutron tem sido medida pelo
espectrômetro de massa (BOXE 2.1) resultando nos seguintes valores:
Massa do próton mp = 1.672621 x 10-27 kg,
com uma energia equivalente mpc2= 938,271 MeV,
Massa do nêutron mn = 1.674927 x 10-27 kg,
com uma energia equivalente mnc2= 939,565 MeV.
O fato de que a massa de nêutron é maior que a massa do próton, introduz a
possibilidade de que este possa decair (sofrer uma transformação para uma outra
partícula). Ambos núcleons são partículas com spin ½ (h/2), pertencendo a uma
classe de partículas chamadas de férmions [Bet04].
As espécies nucleares (nuclídeos) são identificadas mediante a notação:
onde
massa
é o símbolo químico das espécies. Por exemplo, o isótopo de carbono de
é denotado por
onde o número atômico do carbono
.
Como os núcleos são compostos de prótons e nêutrons temos por explicado algumas
propriedades características dos isótopos associada a carga que eles aprestam. Por
exemplo, todos os isótopos de um mesmo elemento possuem um idêntico
comportamento químico e diferem, fisicamente, apenas na massa [Bei69].
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BOXE 2.1 SAIBA MAIS: Espectrômetro de massa
O espectrômetro de massa é um instrumento usado na medida de massas atômicas. Na Figura
1 mostramos um dos vários modelos inventados para este instrumento. A primeira tarefa
deste aparelho é de criar um jato de íons da substância em estudo. Estes íons emergem da
fonte por uma fenda com uma carga +e, e logo são acelerados por um campo elétrico.
Quando entram no espectrômetro, os íons seguem caminhos diferentes com velocidades
distintas. Antes dos íons atravessarem o seletor de velocidade eles são colimados por par de
fendas. O seletor de velocidade consiste de um campo elétrico e magnético uniformes,
perpendiculares entre si e ao feixe respectivamente. O campo elétrico E exerce a força
sobre os íons, enquanto que o campo magnético B exerce a força
sobre eles num sentido oposto. Para que um íon alcance a fenda localizada na extremidade do
Figura 1. Espectrômetro de massa. Fonte:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/fisica-nuclear/fisica-nuclear-3.php
seletor de velocidade, o mesmo não deve sofrer desvio dentro do seletor, significando que
apenas escapam aquelas partículas onde
.
Agora todos os íons do feixe vão com a mesma velocidade e direção. Depois de atravessar o
seletor de velocidade, penetram num campo magnético uniforme e seguem trajetórias
circulares de raio
que pode ser obtido igualando a força magnética com a força centrípeta
, ou seja,
como
1.1
e
são conhecidos, medida de
proporciona um valor para a massa
do íon.
Tamanho do núcleo.
A carga nuclear está concentrada num pequeno volume. Esta pequena região onde
se encontra o núcleo tem uma ordem de grandeza cinco vezes menor que o
comprimento característico dos átomos (de aproximadamente 1Å) sendo
10 13 cm  10 15 m  1 fm ,
onde 1 fm=1 “fermi” (esta é a unidade preferida pelos físicos nucleares)[Fanca].
Assim, o raio dos prótons e nêutrons que compõem os núcleos é da ordem de 1 fm.
Se pode pensar que os
A núcleons estejam distribuídos
dentro de uma esfera de raio
R, sendo eles como pequenas esferas duras de raio r, assim podemos escrever
ou simplificando esta expressão podemos colocar
onde
esta no lugar de
para representar o modelo de esferas empacotadas e
levar em conta os espaços vazios que existem entre elas e o fato de que o volume
nuclear deve ser maior que a simples soma dos volumes de cada esfera. Assim
esperamos que
seja um tanto maior que 1 fm [Bertu].
Também podemos estimar o raio do núcleo de forma experimental. Os resultados
mais precisos são aqueles que utilizam espalhamento de elétrons. Os elétrons são
acelerados e atingem o núcleo alvo, interagindo eletromagneticamente com os
prótons. Ao saírem, eles trazem informação de como os prótons estão distribuídos
dentro do núcleo, ou seja, informação da distribuição de carga no núcleo. Supondo
que a densidade de prótons e a densidade de nêutrons são muito similares, assim
também podemos dizer que a distribuição de cargas nos núcleos se corresponde com
a densidade de massa. O método experimental de se medir a distribuição de cargas
dentro do núcleo foi desenvolvido por R. Hofstadter e colaboradores [Bertu]. A forma
funcional que podemos expressar o número de cargas (ou massa) por unidade de
volume, a densidade de carga (ou massa), resulta
onde
Fermi.
e
são constantes. Esta função
é conhecida como função de
Figura 2.1: Densidade de núcleons em função da distância ao centro do núcleo,
obedecendo a uma distribuição de Fermi típica [Bertu].
Analisemos um pouco o comportamento desta função:
(i) notamos que a mesma cai à metade no centro
(Figura 2.1);
(ii) a equação (2.3) diz que a distribuição de núcleons em um núcleo não é como o
de uma esfera homogeneamente ocupada com raio bem definido;
(iii) a densidade de carga no interior do núcleo é praticamente constante no seu
interior e cai rapidamente à zero na superfície nuclear;
(iv) o valor de
, que é a densidade de carga no interior do núcleo diminui
lentamente à medida que
aumenta;
(v) supondo que a distribuição de prótons no núcleo é a mesma que a dos nêutrons,
então a densidade de massa
que representa a densidade de todos os núcleons
no núcleo é proporcional à densidade de carga, a menos de um fator proporcional a
, ou seja
As densidades dos núcleos (
) são aproximadamente
ordens
de grandeza superiores às densidades usuais do mundo macroscópico (por exemplo,
para o Fe a densidade é de
). A Figura 2.2 mostra a distribuição de
cargas de vários núcleos usando os resultados experimentais de Hofstadter e
colaboradores [Bertu] para nós dar uma idéia do comportamento desta quantidade
para
várias
massas.
Figura 2.2 Densidade de carga de alguns núcleos [Fanca].
1.2
Energia de ligação
A força nuclear é atrativa e de curto alcance (de aproximadamente 10-13 cm), e
mantém os núcleons unidos no núcleo. Por isso, precisamos realizar trabalho para
separar o núcleo nos seus componentes livres. De outro ponto de vista, quando
formamos um núcleo estável*, a partir de seus componentes livres, vai se libertar
uma determinada quantidade de energia. Assim, a energia de ligação de um núcleo,
teoricamente, é a energia necessária para separar o núcleo em todos os seus
núcleons. Ela pode ser calculada se lembrarmos que ela deve ser igual à massa que
se perde quando o núcleo é formado. Para um núcleo
e número de nêutrons
, com número de prótons
, ela é dada por [Bertu]
onde
é a massa do próton,
núcleo
Essas massas podem ser medidas por meio do espectrógrafo de massa.
é a massa do nêutron e
é a massa do
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Núcleo estável: Um núcleo é estável quando ele não se transforma num outro núcleo através de algum
processo de decaimento. O núcleo instável é aquele que se „„quebra‟‟ espontaneamente (na verdade tem
um tempo finito que pode ser muito pequeno), por processos de decaimento radiativo, resultando na
emissão de radiação, sob a forma de partículas e/ou energia. Estes processos podem ser: decaimento-,
decaimento-, entre outros. Estudaremos estes processos no Capítulo 3.
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A energia de ligação definida por (2.4) é sempre positiva. Na Figura 2.3 mostramos a
energia de ligadura por núcleon
, em função de
para todos os nuclídeos
conhecidos [Bertu].
Figura 2.3 – Energia de ligação por núcleon
[Bertu].
Da Figura 2.3 notamos que o valor médio de
em função do número de massa
cresce rapidamente com
para
núcleos leves, enquanto que decresce suavemente de 8,5 MeV a 7,5 MeV a partir de
, ponto onde se encontra o máximo. Podemos dizer que o crescimento inicial
da curva
indica que a fusão de dois núcleos leves produz um núcleo com uma
maior energia de ligação por núcleon, liberando energia. Essa é a origem da energia
no interior das estrelas [Bertu]. Finalmente, vemos que a energia de ligação por
núcleon é aproximadamente constante para
. Esta característica deve-se ao
fenômeno chamado de saturação das forças nucleares*. Analisando as ligações entre
os núcleons poderíamos estimar que a energia de ligação
a
deveria ser proporcional
. Como esta situação não acontece, temos que as forças núcleon-núcleon
possuem alcance bem menor que o raio nuclear [Bertu].
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SAIBA MAIS: SATURAÇÃO DAS FORÇAS NUCLEARES
Este fenômeno que se manifesta na energia de ligação pode-se entender analisando as ligações existentes
entre os núcleons. Como se menciona na Ref. [Bertu], cada núcleon está ligado a (A-1) outros, de modo
que no total existem A(A-1)/2 ligações entre os núcleons em um núcleo com número de massa A. Assim,
se o alcance das forças núcleon-núcleon fosse maior que as dimensões dos núcleos, a energia de ligação B
deveria ser proporcional ao número de ligações entre eles, ou seja, B deveria ser proporcional a A2, ou
seja, B  A(A-1)/2= (A2-A)/2~ A2 .
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1.3
Momento angular total do núcleo
O núcleo é um sistema quântico composto de
núcleons. Como o núcleon é um
férmion, uma partícula de spin semi-inteiro (partículas de spin inteiro chamam-se de
bósons), e de acordo as leis da Mecânica Quântica de adição de momentos
angulares, (ver mais na frente na seção do modelo de camadas) o momento angular
total, usualmente denominado o spin do núcleo, é um número inteiro vezes
par, e um inteiro mais meio vezes
se
se
é
é ímpar [Bertu]. O valor do spin do núcleo
pode ser determinado experimentalmente, e o esquema acima citado não se cumpre
exatamente. Dos resultados experimentais podemos ter o seguinte esquema:
para núcleos ímpar-ímpar,
para núcleos ímpares (par-ímpar ou ímpar-par),
para núcleos par-par,
sendo
o número quântico do momento angular total e
ou igual a zero.
um número inteiro maior
2. MODELOS NUCLEARES
2.1
Introdução
Uma grande diferença existe entre o estudo teórico dos átomos e o estudo teórico
dos núcleos. As forças eletromagnéticas que agem sobre os elétrons nos átomos
foram conhecidas detalhadamente antes de uma teoria que descrevesse as
propriedades dos átomos tivesse sido desenvolvida. Não aconteceu nada similar
quando as propriedades dos núcleos começaram a ser estudadas e compreendidas.
Muito pouco se sabia sobre as forças nucleares, que atuam sobre os núcleons no
núcleo. Atualmente, dispormos de um conjunto de informações mais completa sobre
as forças nucleares (realmente complicadas), mas ainda não é possível construir
uma teoria ampla dos núcleos a partir de primeiros princípios, ou seja, do estudo das
forças nucleares [Fanca].
Os sistemas nucleares são muito mais complexos do que os sistemas atômicos. No
caso mais simples, o sistema de dois núcleons, tem seu tratamento teórico
dificultado pelo fato de não ser completamente conhecida a forma da força que atua
entre eles. Apesar disso, a teoria quântica (ver o BOXE 2.2) tem sido utilizada com
sucesso nas diversas áreas da física nuclear. O sistema mais simples de dois
núcleons, o dêuteron, composto de um próton e um nêutron possui um grande
conjunto de dados experimentais. Ainda mais, este sistema possui um estado ligado,
o estado fundamental. Assim, as teorias da interação nêutron-próton no dêuteron só
podem ser testadas comparando suas previsões com os valores experimentais da
energia, momento angular, paridade, momento de dipolo magnético e momento de
quadrupolo elétrico do estado fundamental do dêuteron. Um estudo detalhado do
dêuteron não é nosso objetivo, senão simplesmente entender que o estudo do núcleo
atômico, um sistema de muitos núcleons, é muito mais complicado. Nesta situação,
a equação de Schrödinger não é mais exatamente solúvel nem para um sistema de
três núcleons. Ainda mais, estabelecer as propriedades de um núcleo pesado a partir
das interações de todos os seus constituintes é uma tarefa impraticável. O uso de
modelos idealizados que incorporam apenas parte da física envolvida é a maneira de
atacar o problema. Cada um destes modelos explica um conjunto limitado de dados
experimentais.
Esses modelos são de duas naturezas: modelos coletivos, que estudam fenômenos
que envolvem o núcleo como um todo, onde os núcleons interagem fortemente no
interior do núcleo e seu livre caminho médio é pequeno; e modelos de partícula
independente, que sustentam que o Princípio de Pauli restringe as colisões dos
núcleons na matéria nuclear, tendo assim um livre caminho médio grande [Bertu].
BOXE 2.2 SAIBA MAIS: A teoria quântica [Bethe 2004]
Todos aqueles fenômenos das físicas molecular, atômica e nuclear são descritos teoricamente
pela mecânica quântica. Esta teoria foi desenvolvida nos meados do ano vinte do século XX,
pelos físicos: Bohr, Heisenberg, Schrödinger, Jordan, Pauli e muitos outros colaboradores. Foi
em 1900 quando Planck postulou que a energia é uma quantidade física quantizada. Assim, a
correta descrição teórica deveria determinar os estados de energia nesses sistemas. Para este
propósito, Erwin Schrödinger propõe a seguinte equação
onde
, é o operador laplaciano em coordenadas cartesianas (
)
A equação de Schrödinger é uma equação de movimento que associa a energia cinética
) e a energia potencial
(termo
é a constante de Planck dividida por
.
com a energia total do sistema. O termo
O caráter específico desta equação é que ela
somente admite soluções para valores discretos da energia total
Esta equação é chamada
de uma equação de autovalores, onde os autovalores são as energias
as soluções
e as autofunções são
. Devido à estrutura matemática da equação ser similar à equação de
ondas, as soluções
autofunções
são chamadas de funções de onda. Estas funções de onda ou
são funções da posição
e do tempo
. Do ponto de vista matemático,
estas funções são “funções de probabilidade”, significando que todas aquelas quantidades dos
sistemas atômicos e subatômicos que são descritas por esta função, são probabilísticas. Este
conceito aplica-se a distribuição espacial, a distribuição de momentos e as energias. Em outras
palavras, todas estas quantidades são determinadas como valores médios probabilísticos
usando como densidade de probabilidade o produto
. Os estados de
energia são classificados por números, chamados de números quânticos, como uma
conseqüência do modo de resolver a equação. Por exemplo, para resolver esta equação nos
átomos a energia potencial pode se separar no potencial de Coulomb
potencial centrifugo
e um
, o qual é, supondo o movimento eletrônico em orbitas fechadas,
associado ao momento angular dos elétrons num estado específico do autovalor energia. A
descrição teórica de um sistema atômico consiste em calcular os valores das energias, que
tem valores discretos se o sistema é ligado, ou seja, que pode trabalhar como um todo: o
núcleo mais os elétrons em conjunto. Estes estados são ordenados pelos números quânticos
de acordo a energia, o momento angular do sistema e o spin. O spin dos elétrons não está
contido explicitamente na equação de Schrödinger. Contudo, o spin do elétron aparece
naturalmente quando se considera a teoria especial da relatividade numa nova equação que se
chama equação de Dirac. Como mencionamos, os estados dos elétrons atômicos estão
ordenados pelos: o número quântico principal
momento angular
magnético
, começando de
, que pode adotar valores inteiros até
o número quântico
, ou seja
que esta entre os valores
valores possíveis, e o numero quântico de spin
O símbolo
; o número quântico do
que tem simplesmente dois valores
.
refere-se à orientação do spin num campo magnético. Por exemplo, para
temos somente
e
com
e
.
São assim 8 possíveis estados de
energia. Como o spin tem as mesmas propriedades do momento angular, ele pode ser somado
ao momento angular orbital. Esta combinação é chamada de interação spin-órbita. Esta
interação de spin-órbita é muito importante no ordenamento dos níveis de energia no átomo.
___________________________________________________________________
2.2
O modelo da Gota Líquida
O modelo da Gota Líquida foi historicamente (Weiszäcker no 1930) o primeiro
modelo criado para descrever as propriedades nucleares. A propriedade de saturação
das forças nucleares permite criar uma analogia com a mesma propriedade existente
entre os constituintes num líquido. Com essa idéia foi possível desenvolver uma
expressão teórica, ou seja, uma equação para a energia de ligação do núcleo
definida anteriormente pela Eq. (2.4). Temos assim que na sua forma mais simples
essa equação contém a contribuição de cinco termos [Bertu]:
(1) Energia de volume: Constitui a parte principal da energia de ligação. Pensemos
que temos uma gota líquida sem gravidade e sem rotação, assim ela vai tentar
atingir uma forma esférica para minimizar a energia (por ação da tensão superficial).
Ainda mais, se consideramos um líquido incompressível, ou seja, de densidade
constante, o raio da gota vai ser proporcional a
vai ser proporcional a
, e em consequência, o volume
De outro lado, partindo do fato experimental de que a
energia por núcleon é aproximadamente constante (ver Figura 2.3), temos que a
energia de ligação total é proporcional a
(2) Energia de superfície: Como os núcleons que estão na superfície contribuem
menos para a energia de ligação por somente sentirem uma parte da força nuclear, o
termo (2.5) deve se corrigir. Na superfície, o número de núcleons deve ser
proporcional à área da superfície, ou seja,
(2.2) (
, onde usamos a eq.
). A correção pode ser escrita como
(3) Energia colombiana: Esta energia criada pela repulsão colombiana entre os
prótons diminui a energia de ligação. Para uma esfera com distribuição homogênea
de carga, a carga total
.A
, é dada por
contribuição pode-se escrever como
(4) Energia de assimetria: Tem origem puramente quântica sem análogo clássico. Se
o núcleo possui um número diferente de prótons e nêutrons, sua energia de ligação é
menor que a de um núcleo simétrico. Assim, a contribuição deste termo decresce a
energia de ligação total num termo:
(5) Energia de emparelhamento: Experimentalmente mostrou-se que a energia de
ligação é maior quando os números de prótons e nêutrons são pares (núcleos parpar) e é menor quando algum dos números é ímpar (núcleos ímpares), ainda mais
notável quando ambos são ímpares (núcleo ímpar-ímpar). Esse termo escreve-se
(2.9)
Experimentalmente temos que o valor
Agrupando todos os termos obtemos
Substituído este valor de
na equação (2.4), obtemos a expressão conhecida
como fórmula semi-empírica de massa ou fórmula de Weiszäcker [Wei35]:
As constantes que aparecem em (2.11) são calculadas experimentalmente. Um bom
ajuste é obtido com [Bertu,Wa58]
MeV
,
MeV
,
MeV
,
MeV
,
MeV
.
A Figura 2.4 compara as contribuições para a energia de ligação média por núcleon
dos termos de volume, superfície e colombiano.
Figura 2.4 Contribuições à energia de ligação média por núcleon
devido aos termos de volume, superfície, colombiano e de
assimetria.
2.3
O modelo de Camadas Nuclear
Neste modelo vamos admitir que os núcleons se movem de forma mais ou menos
independentes um dos outros dentro do núcleo. Uma idéia similar já foi usada com o
modelo de gota líquida onde os constituintes do núcleo interagem unicamente com
seus vizinhos mais próximos, como as moléculas num líquido. Esta hipótese foi
baseada num forte suporte empírico, entretanto, há também uma vasta experiência
experimental para a hipótese contrária de que os núcleons em um núcleo interagem
com um campo de força geral, do tipo central, ao invés de interagirem diretamente
um com outro. Isto seria semelhante à força colombiana (que vem de um potencial
central) do núcleo que atua sobre os elétrons no átomo. A idéia pode resultar
estranha, pois não se pode como no caso atômico identificar o agente criador de tal
potencial [Bertu]. Essa dificuldade é contornada supondo que cada núcleon se move
num potencial médio criado pelos demais núcleons. Ou seja, esta situação lembra a
dos elétrons num átomo, onde apenas certos estados quânticos são permitidos e não
mais de dois elétrons (partículas de Fermi=férmions) podem ocupar cada estado.
As primeiras propostas sobre o modelo surgiram ao final da década de 20 motivadas
pelas flutuações na abundância relativa e nas massas dos nuclídeos ao longo da
tabela periódica. Com a falta de uma base teórica, a pouca aceitação da idéia de um
movimento independente dos núcleons e fracos resultados iniciais fizeram com que o
modelo levasse muito tempo em ser aceito. Com a introdução de um termo de
acoplamento spin-órbita em 1949, o modelo de camadas se estabeleceu de forma
definitiva como uma importante ferramenta na física nuclear [Bertu].
Deixemos um pouco a história de lado e voltemos para essa rara analogia entre os
elétrons no átomo e os núcleons no núcleo. Os elétrons dentro de um átomo podem
se pensar como se ocupassem posições em „„camadas‟‟ (lembrando um sistema
planetário) designadas pelos diversos números quânticos principais e o grau da
ocupação da camada (ou orbital) mais externa, sendo estas as características que
determinam importantes aspectos do comportamento dos átomos. Sendo mais
especifico, lembrando da química no segundo grau, onde aprendemos que átomos
com 2, 10, 18, 36, 54 e 86 possuem todas suas camadas eletrônicas completamente
cheias. Tais estruturas eletrônicas gozam de estabilidade, o que explica a inércia
química dos gases raros. Uma situação muito similar observa-se nos núcleos;
aqueles núcleos com 2, 8, 20, 28, 50, 82 e 126 nêutrons ou prótons são mais
abundantes que outros núcleos de números de massa similares, sugerindo que suas
estruturas são mais estáveis [Bei69]. Estes números
ficaram conhecidos como os
números mágicos, na estrutura nuclear. Outra evidência experimental que ressalta a
importância
dos
números
mágicos
é
o
padrão
observado
dos
momentos
quadripolares elétricos dos núcleos (ver verbete 2), que são uma medida de quanto
à distribuição de carga no núcleo difere de uma distribuição esférica. Se o núcleo é
esférico, ele não possui um momento quadrupolar elétrico (MQE), ou possui MQE
igual a zero, enquanto que um núcleo com forma de ovo possui um MQE positivo e
um núcleo com forma de abóbora tem MQE negativo. Os núcleos com
e
mágicos
possuem MQE iguais a zero e por isso são esféricos, enquanto outros núcleos são
distorcidos na forma [Bei69].
O modelo de camadas do núcleo é uma tentativa de explicar a presença dos números
mágicos e outras propriedades nucleares usando a interação entre um núcleon
individual e um campo de força produzido por todos os outros núcleons. Uma forma
simples de tratar este problema é de usar uma função de energia potencial que
corresponde a um poço quadrado com cantos arredondados e uma profundidade
aproximada de 50 MeV. Agora devemos resolver a equação de Schrödinger para uma
partícula neste potencial. Encontra-se que os estados estacionários* do sistema são
caracterizados pelos números quânticos
e
, cujos significados são os mesmos
que no caso análogo dos estados estacionários dos elétrons atômicos. Um ponto
importante a considerar é o fato que nêutrons e prótons ocupam conjuntos
separados de estados num núcleo, vale ressaltar que os últimos interagem
eletricamente além da interação puramente nuclear. Em outras palavras, temos dois
poços de potencial, um para prótons e outro para nêutrons e são duas equações de
Schrödinger que serão resolvidas.
Como mencionamos antes, o modelo de camadas começa a se utilizar quando a
interação spin-órbita foi adotada no potencial. A grandeza desta interação deve ser
tal que o desdobramento dos níveis de energia em subníveis é grande para
grande,
ou seja, para momento angular orbital grande. Este acoplamento da interação spinórbita chama se de acoplamento LS. Temos também que o acoplamento LS falha
para os núcleos mais leves, nos quais os valores
são necessariamente pequenos
(ver BOXE 2.3).
____________________________________________________________
Estado estacionário: Na mecânica quântica (MQ), um estado que se denomina estacionário é aquele no
qual a densidade de probabilidade não varia com o tempo. A densidade de probabilidade na MQ está
associada ao módulo quadrado da função de onda, que representa a uma partícula, e se entende como a
possibilidade de encontrar a partícula numa certa região entre x e x+dx, onde dx é um infinitésimo de x.
____________________________________________________________
Assumindo uma energia adequada para a interação spin – órbita, os níveis de
energia para cada classe de núcleon vão aparecer na seqüência determinada pela
Figura 2.5. Aqui, os níveis são designados por um prefixo igual ao número quântico
total
, por uma letra que indica o valor de
o modelo eletrônico usual (
para cada partícula neste nível segundo
correspondendo respectivamente a
) e por um índice inferior igual a (momento angular total da partícula ou
spin nuclear). O efeito da interação spin-órbita é desdobrar cada estado de um dado
em
, já que temos
orientações possíveis de Ji. Da Figura 2.5
notamos que aparecem lacunas e energias no espaçamento dos níveis em intervalos
compatíveis com a noção de camadas separadas. O número de estados nucleares
disponíveis em cada camada nuclear vale, na ordem crescente da energia 2, 6, 12, 8,
22, 32 e 44; portanto as camadas são preenchidas quando há num núcleo 2, 8(2+6),
20(2+6+12),
28(2+6+12+8),
50(2+6+12+8+22),
82(2+6+12+8+22+32)
ou
126(2+6+12+8+22 +32+44) nêutrons ou prótons.
___________________________________________________________________
BOXE 2.3 SAIBA MAIS: Acoplamento de momentos angulares
No esquema LS, os momentos angulares intrínsecos de spin Si das partículas, prótons por um
lado e nêutrons por outro, se acoplam entre si para formar um spin total S, enquanto que os
momentos angulares orbitais Li se acoplam ao momento angular total L, logo S e L
acoplados a um momento angular total J de grandeza
são
. Após uma região de
transição na qual se tem um acoplamento intermediário, os núcleos mais pesados apresentam
um acoplamento jj. Neste tipo de acoplamento, o Si e Li de cada partícula se acopla a um Ji ,
e dali cada Ji vai se acoplar ao momento angular J de grandeza
. O acoplamento jj
vale para a maioria dos núcleos [Bei69].
___________________________________________________________________
Temos outros fenômenos que o modelo de camadas descreve além de reproduzir a
sequência dos números mágicos. Como cada subnível de energia pode conter duas
partículas (spin para cima e spin para baixo), apenas estão presentes subníveis
completos quando temos números pares de nêutrons ou prótons num núcleo (núcleo
“par-par‟‟). Do outro lado, se temos um núcleo com um número ímpar de nêutrons e
prótons (núcleo “ímpar-ímpar‟‟) contém subcamadas não completas de ambos tipos
de partículas. Estas brincadeiras de subcamadas completas conferiram a estabilidade
nos núcleos encontrando na natureza 160 nuclídeos estáveis “par-par‟‟, contra
apenas 4 nuclídeos estáveis “impar-impar‟‟ (2H1, 6Li3,
10
B5 e
14
N7).
Figura 2.5 Esquema de níveis do modelo de camadas mostrando a remoção da
degenerescência em j causada pelo termo de interação spin-órbita e o aparecimento dos
números mágicos no fechamento de camadas. Os valores entre parênteses indicam o número
de núcleons de cada tipo que admite aquele nível e os valores entre colchetes o número total
de núcleons de cada tipo até aquele nível. A ordenação dos níveis não é rígida, podendo haver
inversões quando se muda a forma do potencial [Bertu].
Outro ponto a favor do modelo de camadas nuclear é a capacidade de prever o
momento angular total. Nos núcleos par-par, todos os prótons e nêutrons se pareiam
de modo que os momentos angulares de spin e momento angular se cancelam
mutuamente. Assim, os núcleos par-par possuem momento angular nuclear igual a
zero. Nos núcleos par-ímpar (
par,
ímpar) ou ímpar-par (
ímpar,
par), o spin
semi-inteiro de um único núcleon extra é combinado com o momento angula inteiro
do resto do núcleo para formar um momento angular total semi-inteiro. Os núcleos
ímpar-ímpar possuem cada qual um próton e um nêutron extra, com spins semiinteiros que se acoplam a um momento angular inteiro, como foi confirmado
experimentalmente.
ATIVIDADES
1. Um feixe de íons de 3Li6 com uma única carga e com energias de 400 eV penetra
em um campo magnético uniforme de densidade de fluxo igual a 0,08 weber/m 2. Os
íons se movem perpendicularmente à direção do campo. Determine o raio de sua
trajetória no campo magnético [Bei69].
2. Que energia é necessária para remover um próton de 8O16? [Bei69]
3. Em uma escala na qual uma gota d'água (raio = 1mm) é aumentada até atingir o
tamanho da Terra (raio = 6400 Km), qual seria o raio de um núcleo de
238
U? [Bertu]
4. Calcule a densidade aproximada da matéria nuclear em gm/cm3.[Bertu]
5. Usando a fórmula semi-empírica de massa ou fórmula de Weiszäcker [Wei35] da
equação (2.11), calcule as massas teóricas para os núcleos de
208
12
C,
40
Ca,
56
Fe,
76
Ge e
Pb. Compare os valores obtidos com aqueles valores experimentais da Referência
http://ie.lbl.gov/toimass.html. Discuta as diferenças destes valores.
REFERÊNCIAS
[Abd06] Bohr, O arquiteto do átomo. Maria Cristina B. Abdalla, © 2006 Odysseus
Editora Ltda.
[Bei69] Arthur Beiser, Conceitos de Física Moderna, Ed. Polígono S.A. São Paulo,
1969.
[Hey99] K. Heyde, Basic Ideas and Concepts in Nuclear Physics, An Introductory
Approach, © IOP Publishing Ltd 1994, 1999, UK.
[Bet04] K. Bethge, G. Kraft, P. Kreisler e G. Walter, Medical Applications of Nuclear
Physics, © Springer-Verlag Berlin Heidelberg 2004, Germany.
[Fanca] Ana Rodrigues Fanca, Física Atômica e Nuclear – Capítulo 8. Modelos
Nucleares, http://w3.ualg.pt/~arodrig/Documentos/InfPagina/fancap8a.DOC
[Bertu] Carlos A. Bertulani,
www.tamu-commerce.edu/physics/cab/Lectures/FisicaNuclear.pdf
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