Jornal A Tarde, sábado, 14/06/1975 Assunto: NOSSO PROGRAMA NUCLEAR O acordo nuclear entre Brasil e Alemanha Federal estourou como uma bomba antes que falássemos em produzir uma autêntica bomba atômica. O acordo, a utilização da energia atômica, o eventual fabrico de um artefato nuclear são questões nossas realmente, sobre as quais não importa que proteste quem quiser. Essa fonte de energia nos é necessária para fins industriais e econômicos para gerar eletricidade, abrir canais e romper montanhas, para fundir metais, já que as fontes hidráulicas se aproximam da plena utilização e o nosso petróleo, que deve continuar sendo nosso sem partilhas nem contratos de risco, é escasso, além de que não temos carvão e não existe tecnologia econômica para captar a força das marés, dos ventos do sol. Já devíamos ter pensado no átomo, há mais tempo. Pena é que, à imitação da índia, da Argentina, da China, não houvéssemos planejado uma tecnologia genuinamente nacional que não precisasse ser dividida ou pedida a outros. É melancólico que justamente ao ultimar-se o acordo de agora também se ultime, por falta de visão e de apoio oficial, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, de tão bons começos, e que perdêssemos, por negligência e por razões políticas alguns dos melhores líricos brasileiros, com cuja competência poderíamos estar contando em vez de importar especialistas estrangeiros. Por outro lado, é do desejar que não cedamos à tentação de construir mais uma “força de dissuasão” em forma de bomba. Nem força de dissuasão do caráter militar voltada para fora nem uma força de dissuasão político-econômica, tal o custo de um programa nuclear que não se destine de modo direto e imediato à melhoria real das condições de existência da nossa gente e que sirva para dissuadir a Nação de remediar sem delongas os desníveis que distanciam crescentemente as classes sociais, as regiões, o campo e a cidade. Esse programa será certamente calibrado com precisão para que não venha a ser mais um motivo para retardar a célebre “divisão do bolo” do progresso, do crescimento econômico, da afluência da economia. Ainda há dias o Banco Mundial distribuía um relatório mostrando que de 1960 a 1970, a parcela da renda nacional recebida pelos 40% de brasileiros situados na base da pirâmide de renda, em que se encontram os mais pobres, caiu de 10% para 8% da renda do País, enquanto que a parcela destinada aos 5% da população situada no topo da pirâmide cresceu - e só ela cresceu - de 29 para 38% . Repete-se, assim em escala nacional o que ocorre em termos internacionais na economia de consumo, de tal maneira que os países em desenvolvimento são cada dia mais subdesenvolvidos e dependentes e os desenvolvidos, mais ricos e poderosos. Diz ainda o relatório que “a sociedade brasileira continua a ser dualista: existem uma classe média e alta de retativamente alto poder de compra e de sofisticação de mercado: abaixo, existe um largo substrato de extrema pobreza que partilha de poucos dos bens e vantagens que a economia oferece”. Essas diferenças agravam-se pela circunstância de que há no País regiões muito mais prósperas do que outras, apesar de que também naquelas a distribuição da renda e do bemestar é igualmente injusta. Mesmo em São Paulo, o grande centro industrial e de mais elevados salários, os rendimentos por trabalhador são baixos e decrescentes em poder aquisitivo real. Ali uma família de operários tem hoje um padrão pouco melhor da existência porque trabalha não apenas o chefe da família mas s mulher, os filhos menores. E que dizer do Nordeste o do Norte e do Centro-Oeste? Todos sabemos que são das áreas mais pobres de todo o mundo e que seus problemas se eternizam, obrigando a níveis ínfimos de passadio e à migração em busca de subemprego nos centros mais adiantados. Há também distâncias enormes entre as grandes cidades e as pequenas. Estudo distribuído aos ministros do Tribunal de Contas da União pelo Ministro Waqner Estelita revela que a receita total dos 3.933 municípios brasileiros varia entre 10 cruzeiros por habitantes/ano e 1.500 cruzeiros. Os municípios de mais de 500 mil hab. ocupam apenas 0,2% da superfície do Brasil mas monopolizam 48% das indústrias e a mesma proporção do comércio; produzem, por outro lado, 56.5% da receita municipal. Já os municípios de menos de 30 mil habitantes são mais extensos, ocupando em globo 79,3% do território nacional e 40% da população brasileira; pois nesses estão somente 13.5% da indústria e 20% do comércio, arrecadando 16.5 de toda aquela receita. Como se vê, em termos médios de abstratos índices econômicos que mal dão idéia da efetiva participação no trabalho e na renda, os 19% da população que vivem nos municípios mais populosos usufruem condições que lhes permitem produzir mais da metade da receita municipal total. E os restantes 44% de brasileiras dos municípios médios e pequenos produzem, porque têm padrões de rendimento baixíssimos, menos da metade. Esses algarismos, que aliás não exprimem exatamente a distribuição individual dos rendimentos e da produtividade fiscal, são mais que suficientes para destacar quanto nos resta fazer para que tenhamos um regime sócio-econômico mais justo, mais equânime, mais equilibrado. E isto é tanto mais sério quanto a aplicação de recursos para o desenvolvimento também diminuiu em anos recentes nas regiões mais necessitadas, aquelas sob a jurisdição da Sudene, Nordeste. A concentração da renda em diversas perspectivas prossegue caracterizando o “milagre brasileiro” e o nosso modelo de desenvolvimento. É preciso, pois, que o programa nuclear contribua poderosamente, com a mesma energia que vai libertar do átomo, para a paz internacional e a justiça social com liberdade no País.