A REGIÃO AMAZÔNICA SOB A ÓTICA DA GEOGRAFIA CULTURAL Andrêza Gomes de Souza1 Universidade Federal de Uberlândia [email protected] Kássia Nunes da Silva [email protected] Lidiane Aparecida Alves [email protected] Michelly de Lourdes Lopes [email protected] Renata Rodrigues da Silva [email protected] Resumo A Geografia Cultural constitui-se como importante ramo da ciência geográfica, tendo se tornado mais evidente nas últimas décadas do século XX. Dessa forma, caracteriza-se a Geografia Cultural como a responsável por analisar a distribuição espacial das manifestações vivenciadas pelos indivíduos, fundamentadas sobre uma base espacial específica, apresenta a possibilidade de abarcar as idéias, sentimentos, costumes e hábitos dos povos arraigados no espaço constituídos por sua experiência de vida. Além disso, a Geografia Cultural tem sua relevância pautada na influência das ações humanas sobre o meio ambiente e no lugar, portanto, todo resultado da transformação da natureza e de seus recursos pelo homem é dependente de sua cultura. Nesse sentido, compreende-se por cultura amazônica o conjunto de ações e práticas, enfim, modo de vida, de povos indígenas, tradicionais (caboclo, ribeirinhos), fazendeiros, madeireiros, posseiros, grileiros, garimpeiros. Assim, as ações desses povos contribuem para a configuração cultural da região, bem como para a constituição do território amazônico. Nesse sentido, optou-se por analisar a cultura da região amazônica, tendo em vista a diversidade cultural, não apenas em relação às manifestações artísticas e folclóricas, como também em relação ao modo de vida, incluindo a religiosidade, mitos e lendas, gastronomia, artesanato, festas populares, dentre outros. Para tanto realizou-se um levantamento do referencial teórico, seguido de um trabalho de campo na cidade de Belém (PA), que possibilitaram as análises contidas no presente trabalho. Palavras-chave: Geografia Cultural, Amazônia, Região. ABSTRACT The Cultural Geography is itself as important branch of geographical science, and become more evident in recent decades of the twentieth century. Thus, it is characterized the Cultural Geography as responsible for analyzing the spatial distribution of events experienced by individuals, based on a specific space, has the ability to embrace the ideas, feelings, customs and habits of the people rooted in space made of their experience of life. In addition, the Cultural Geography has its relevance guided the influence of human actions on the environment and in place, so any result of the transformation of nature and its resources by humans is dependent on their culture. In that sense, it is understood by the whole culture of Amazonian actions and practices, finally, way of life of indigenous peoples, traditional (caboclo, riparian), farmers, loggers, posseiros, grileiros, prospectors. Thus, the actions of 1 Acadêmicos do curso de Geografia. these people contribute to the cultural setting of the region and for the formation of the Amazon territory. In that sense it was decided to examine the culture of the Amazon region in view of cultural diversity, not just for artistic events and folklore, but also in relation to the way of life, including religion, myths and legends, food, crafts, carnival, among others. For this was a lifting of the theoretical reference, followed by a working camp in the town of Bethlehem (PA), which enabled the analyses contained in this work. Keywords: Cultural Geography, Amazon, Region. Introdução A Geografia Cultural incumbida de analisar a distribuição espacial das manifestações vivenciadas pelos indivíduos, fundamentadas sobre uma base espacial específica, apresenta a possibilidade de abarcar as idéias, sentimentos, costumes e hábitos dos povos arraigados no espaço constituídos por sua experiência de vida. Além disso, a Geografia Cultural tem sua relevância pautada na influência das ações humanas sobre o meio ambiente e no lugar. Todo resultado da transformação da natureza e de seus recursos pelo homem é dependente de sua cultura. Nesse sentido, optou-se por analisar a cultura da região amazônica, tendo em vista a diversidade cultural, não apenas em relação às manifestações artísticas e folclóricas, como também em relação ao modo de vida, incluindo a religiosidade, mitos e lendas, gastronomia, artesanato, festas populares, dentre outros. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil é dividido em cinco macro-regiões, sendo elas: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Porém, ainda de acordo com o IBGE, existe outra divisão regional, que leva em consideração não apenas as características físicas, sociais, político-administrativas, mas que considera principalmente as condições geográficas e econômicas para a divisão regional. Nessa nova regionalização, denominadas por Regiões Geoeconômicas, o país encontra-se dividido em três grandes áreas a Amazônia, o Nordeste e o CentroSul. Nesse sentido, a região amazônica é formada pelos estados do Amazonas, do Pará, do Acre, do Amapá, de Rondônia, de Roraima e por parte dos estados do Tocantins, do Mato Grosso e do Maranhão. A ocupação da Amazônia, assim como de outras regiões do Brasil, foi dificultada, principalmente, pela ausência tanto de recursos econômicos quanto de população, tendo em vista a grande extensão do território que compõe essa região. Porém, de acordo com Becker (2005, p. 71) “Portugal consegui manter a Amazônia e expandi-la para além dos limites previstos no tratado de Tordesilhas, graças a estratégias de controle do território.” Sendo que, desde seu povoamento até a atualidade, a região amazônica apresentou períodos áureos, como por exemplo, com os ciclos da borracha, e também períodos de estagnação econômica e demográfica. Porém, a partir da década de 1960, com a abertura de algumas rodovias, que interligaram a região amazônica com o restante do país, a sua dinâmica interna foi alterada, como por exemplo, com a ocupação da região por migrantes, oriundos de regiões como o Nordeste e o Sul do país. Nas últimas décadas do século XX a região amazônica passa a ser pensada de outra forma, segundo Théry (2005, p. 37) tal região “... passa subitamente de periferia do Brasil a centro do continente”, tal fato deve-se, dentre outros fatores, a instalação de rodovias que ligam diferentes lugares do continente. Entretanto, é importante destacar também que a Amazônia constitui-se com sendo a região menos povoada do Brasil e com a menor participação em relação a fatores econômicos, ainda de acordo com Théry (2005, p. 37) a contribuição da região no Produto Interno Bruto (PIB) nacional não ultrapassa a 5%. Assim como a nova dinâmica econômica vivenciada na Amazônia provocou mudanças profundas na organização urbana, no território, com o surgimento não apenas de rodovias, mas também com todo o aporte de telecomunicações, transformações também podem ser observadas em relação à cultura, ao modo de vida, da população amazônica. Mudam-se as relações ocorridas no espaço, relações entre sociedade e natureza são transformadas, tendo em vista que, anteriormente, a organização urbana da Amazônia se dava em função da rede fluvial, sendo que, com a construção de rodovias, as cidades, que se desenvolviam ao longo dos rios, passam a surgirem e a se desenvolverem as margens das rodovias. Mudanças na economia da Amazônia também ocasionam em transformações no modo de vida da população local, como o caso da industrialização, substituindo a antiga base econômica da região, ou seja, o extrativismo. São fatores como estes aqui apresentados, que resultam no crescimento urbano da Amazônia, com destaque para a Região Metropolitana de Belém, a maior da região Norte, seguida por Manaus; nesse sentido, segundo Becker (2005, p. 73) “No ano de 2000, 70% da população da região Norte estavam localizados em núcleos urbanos, embora carentes dos serviços básicos…”. Compreende-se por cultura amazônica o conjunto de ações e práticas, enfim, modo de vida, de povos indígenas, tradicionais (caboclo, ribeirinhos), fazendeiros, madeireiros, posseiros, grileiros, garimpeiros. Assim, as ações desses povos contribuem para a configuração cultural da região, bem como para a constituição do território amazônico. Não se pode negar que a região amazônica é bastante diversa, tanto em relação à biodiversidade quanto em relação à população, as comunidades encontradas na região. Nesse sentido, avaliando o impacto ambiental que a ocupação de comunidade local gera na Amazônia Lima e Pozzobon (2005, p. 47) identificaram: “[…] nove categorias socioambientais de produtores rurais: povos indígenas de comércio esporádico, povos indígenas de comércio recorrente, povos indígenas dependentes da produção mercantil, pequenos produtores ‘tradicionais’, latifúndios ‘tradicionais’, latifúndios recentes, migrantes/fronteiram, grandes projetos e exploradores itinerantes. Porém, tais categorias são passíveis de contestação, visto que constituem como uma simplificação do real encontrado no espaço presente, dessa forma, nada garante que categorias sempre ocorreram ou que no futuro as mesmas ainda ocorram. Entretanto, no momento presente as nove categorias socioambientais aqui citadas representam a realidade. É importante ressaltar que, embora há a formação da região amazônica aparentemente homogênea, destacam-se na mesma, diferenças culturais, uma vez que, cada estado possui determinadas peculiaridades que os caracterizam de maneira distinta, como por exemplo, mitos e lendas, crenças religiosa, culinária e outros. Dessa forma, o presente trabalho fundamenta-se no intuito de promover a compreensão acerca dos aspectos culturais referentes à região da Amazônia Legal, os quais refletem o modo de vida das populações residentes neste lugar, e ainda são influenciados pela simbologia do cenário natural. Portanto, para a realização do presente artigo, inicialmente, fez-se o levantamento teórico dos temas aqui abordados. Em seguida, realizou-se um trabalho de campo para a cidade de Belém (PA), no qual pôde-se constatar alguns aspectos observados durante a leitura do material levantado. Finalmente, elaborou-se a redação final desta pesquisa, onde buscou-se relacionar o arcabouço teórico levantado às experiências adquiridas durante a realização do trabalho de campo. Aspectos Culturais da Amazônia Legal Entende-se por cultura o conjunto de práticas e ações que determinam e são determinadas pelo tempo e pelo espaço, bem como a união de aspectos relacionados ao modo de vida, as artes, a religião, culinária e outros. Além disso, consiste na principal responsável pela formação da identidade própria de um grupo humano. Segundo Claval (1999), cultura é definida pela criação renovada e em conjunto dos seres humanos, moldando os sujeitos e delimitando a vida social, constituindo como meios de estruturação do território e do tempo, sendo responsável pela formação individual e coletiva concomitantemente. Em relação à cultura amazônica, destacam-se alguns elementos essenciais para sua caracterização, de forma geral, e ao mesmo tempo demonstram as diferenciações da cultura amazônica em relação as diferentes regiões do Brasil e também inseridas no contexto intra-regional. Sendo que, destacam-se como principais elementos: as manifestações folclóricas, os mitos e lendas, a religiosidade, as festas populares, a gastronomia, o artesanato. A Amazônia possui uma das ricas expressões do folclore, sendo que as lendas e mitos fazem parte não apenas do cotidiano da população local, mas também na concepção imagética dos visitantes. As lendas e mitos possuem uma função substancial no modo de vida, nos diálogos, nos hábitos das populações tradicionais, de modo que já estão inseridas no imaginário da população. Nesse sentido, são comuns na região amazônica histórias como, o mito da Vitória-régia, o mito da cobra-grande, a lenda do curupira, da Iara, e do boto. Assim os seres mitológicos presentes nessas histórias da Amazônia estão muito relacionados às vivencias da população, visto que traduzem a realidade vivida na região, como por exemplo, as menções feitas ao povo indígena. Além dos mitos e lendas, as manifestações artísticas da região também abrangem a formação de grupos folclóricos com cantigas, danças, vestimentas próprias, como o caso da festa do Boi-Bumbá. A comemoração do Boi-Bumbá é mais expressiva no estado do Amazonas, principalmente no município de Parintins, onde a organização da festa assemelha-se as comemorações carnavalescas, atraindo quantidade significativa de turistas, que pretendem prestigiar a apresentação das lendas da região amazônica; entretanto a comemoração não se restringe apenas à cidade de Parintins, ocorrendo em outros municípios com outras denominações. Associada ao misticismo encontra-se também na Amazônia grande tendência à religiosidade, expressa pela devoção ao Círio de Nazaré, entendida como uma das principais manifestações religiosas do país. Na região metropolitana de Belém, no arquipélago de Mosqueio, a devoção direciona-se a figura de Nossa Senhora do Ó. Ainda, há de se considerar a dimensão das festas de São João, que também são atrativos para visitantes, com a presença de comidas típicas e danças. Logo, há uma relação íntima entre religiosidade e festas populares. A gastronomia da Amazônia identificada pela sua excentricidade tanto na composição dos pratos quanto nos nomes dos mesmos, também caracteriza-se por sua autenticidade, uma vez que, ao contrário das outras regiões do Brasil, é pouco influenciada pela culinária africana e européia, sofrendo maior influencia da cultura indígena. No que se refere aos pratos típicos da culinária amazônica, observa-se à utilização predominante de produtos naturais em seu preparo, devido, dentre outras razões, a localização geográfica. Destacam-se dentre esses pratos típicos: tucupi, tacacá, maniçoba, pirarucu, açaí, cupuaçu, bacuri. Assim como, a culinária beneficia-se dos alimentos naturais devido à localização geográfica, ou seja, a proximidade com a floresta tropical, que oferece frutos, sementes, peixes, o artesanato também é favorecido pela floresta, que oferece matéria-prima necessária a sua produção, como argila, madeireira, fibras vegetais e raízes. De modo similar à culinária o artesanato também é influenciado pelas tradições indígenas, que imprimem marcas que são facilmente identificados diferenciando esses produtos dos demais, servindo também como modo de preservar a identidade e cultura indígena. Os elementos mencionados trazem em si características que compõem a cultura amazônica, entretanto essa diversidade cultural também é influenciada por diferente sujeitos, com diferentes modos de vida. As características indígenas constituem-se como as mais expressivas na formação do território amazônico, uma vez que as mesmas estão presentes, com maior ou menor intensidade, em todos os elementos que compõe a cultura da região, devido a questões históricas. As populações indígenas tradicionais carregam princípios de sustentabilidade, tanto na forma de cultivar alimentos quanto nas práticas de lazer, na confecção de utensílios, de artesanato, uma vez que não se inserem na lógica de mercado, que visa à acumulação e produção em larga, tendo em vista o lucro. Embora os costumes indígenas destacam-se na formação da cultura amazônica, encontram-se também, como agentes formadores, da mesma, grupos humanos característicos da região como, por exemplo, comunidades tradicionais (caboclo, ribeirinhos), sendo que esses grupos atuam de forma distinta, constituindo a identidade da região. Cabe ressaltar que, as comunidades ribeirinhas são responsáveis pela representação mais expressiva dos mitos e lendas características da Amazônia. Dentre esses sujeitos responsáveis pela identidade regional destaca-se também a atuação de outros grupos humanos que, recentemente, ajudam a compor o cenário amazônico, sendo os mesmos: fazendeiros, madeireiros, posseiros, grileiros, garimpeiros. Contudo, esses grupos modificam a realidade não apenas cultural como também socioeconômicas da Amazônia, introduzindo outros métodos de exploração dos recursos naturais, os quais ferem os princípios da sustentabilidade. Considerações finais Embora, existam semelhanças que induzam a criação da região amazônica deve-se ressaltar que há particularidades a serem consideradas dentro dessa totalidade, tendo em vista a extensão territorial da região, bem como os diferentes sujeitos constituintes da cultura amazônica. Os elementos formadores da cultura, assim como os sujeitos aqui mencionados, representam a realidade atual da Amazônia, o que não exclui o fato de que essa realidade possa ser modificada em decorrência do processo histórico. A fim de que as culturas sejam preservadas, faz-se necessário que a sustentabilidade seja difundida como um provável elemento cultural, a ser pensado, praticado e mantido, conciliando a preservação da floresta com a manutenção da vida. Referências BECKER, B. K. Geopolítica da Amazônia. In: Estudos Avançados. 19 (53). São Paulo: EDUSP, 2005, p.71-86. CORRÊA, R. L. A Organização Urbana. In: Geografia do Brasil – Região Norte. Rio de Janeiro: IBGE, 1989. p. 255-271. CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. Introdução a Geografia Cultural. Editora Bertrand, Rio de Janeiro, 2003. CLAVAL, Paul. O território na transição da pós - modernidade. In. GEOGRAPHIA, Revista da PósGraduação em Geografia da Universidade Federal de Fluminense. Ano 1-nº2. Niterói, Rio de Janeiro,1999. Geografia cultural e construção do individual liberal. Disponível http://br.monografias.com/trabalhos/geografia-cultural >. Acesso em 14 de julho de 2008. em:< Isto é Amazônia. Disponível em: < http://www.istoeamazonia.com.br>. Acesso em 14 de julho de 2008. LIMA, D. e POZZOBON, J. Amazônia socioambiental. Sustentabilidade ecológica e diversidade social. In: Estudos Avançados. 19 (54). São Paulo: EDUSP, 2005, p.45-76. MEGGERS, B. Amazônia: a ilusão de um paraíso. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1987. MELLO, N. Políticas públicas territoriais na Amazônia Brasileira: conflitos entre conservação ambiental e desenvolvimento, 1970 a 2000. São Paulo/ Nanterre, Departamento de Geografia, FFLCH-USP/ Université de Paris X, 2002. Pará – cultura, fauna e flora. Disponível em: <www.cdpara.pa.gov.br>. Acesso em 14 de julho de 2008. THÉRY, H. Situação da Amazônia no Brasil e no continente. In: Estudos Avançados. 19 (53). São Paulo: EDUSP, 2005, p. 37-49.