E DU C AÇ ÃO , C I ÊN C I A E T EC N O LO G I A : UMA A RT I C U L AÇ ÃO N E C E S S Á R I A PA R A O D E S EN VO LV I M E N T O S U S T EN TÁV E L DA A M A ZÔ N I A 1 A Introdução escolhida para o tema debatido, não se constitui numa análise das estatísticas dos assuntos nele presentes, mas numa provocação que só um fato histórico é capaz de proporcionar. Nesse contexto, o ano de 1876 é simbólico para a região amazônica ou pelo menos para grande parte dela. Nesse ano, o inglês Henry Wickham, desembarcou no porto de Liverpool com uma carga de 70 mil sementes de seringueiras, das quais 2.000 germinaram, e ao germinarem acabaram com o monopólio brasileiro sobre a borracha. Em 1900 o Brasil era responsável por 96% da produção mundial de Borracha, já em 1928 representava apenas 2,3% (JACKSON, 2011). Esse acontecimento, considerado um dos maiores casos de biopirataria do mundo (JACKSON, 2011), foi uma das expedições organizadas pelo Royal Botanic Gardens, uma instituição de pesquisa e desenvolvimento cuja função era dar apoio científico à expansão econômica do império Britânico. A sua consequência foi o colapso da economia da região amazônica, mas não sem antes render 241 milhões de mil-réis em taxas de exportação ao governo federal que também coletou 656 milhões de mil-réis a mais do que gastou na região que possui os piores indicadores sociais e econômicos do País. Os recursos foram gastos na construção de palácios e na manutenção de uma elite política que financiou a formação de uma máquina estatal patrimonialista. A riqueza natural brasileira foi subjulgada pela capacidade técnica e científica do Império Britânico. Uma lição histórica para os incautos que tendem a repetir os mesmos erros do passado e que pode condenar o País a um papel subalterno na política e na economia mundial. Após o ciclo da borracha, presenciou-se uma série de projetos que objetivavam a recuperação econômica da região. Na década de 50 foi criada a 1Professor Dr. Tião Viana –Governador do Estado do Acre Professor Dr. Marcelo Minghelli Secretário Estadual de Ciência e Tecnologia 2 Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, que mais tarde foi chamada de SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) e que deu início aos projetos de construção de rodovias e de usinas hidrelétricas. Já na década de 60 foi criada a SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus) que baseava-se na importação maciça de tecnologia, numa tentativa de reproduzir o sucesso alcançado na década de 50 na região sudeste. (VAL, 2010). Nas décadas de 70 e 80 a região também presenciou a expansão da agropecuária. Nesse período, a proposta de desenvolvimento baseava-se numa concepção de economia de fronteira, ou seja, uma economia de padrão exportador de matérias-primas que leva a uma progressiva depreciação da mão de obra local, a um esgotamento acelerado dos recursos naturais e a uma degradação ambiental contínua (COSTA, 2009). Esse processo desencadeou uma série de tensões sociais, diante das suas características excludentes e predatórias. Assim, o projeto de transformar a região num centro exportador de commodities não incorporava os habitantes da região e ao mesmo tempo causava um impacto ambiental devastador. Essas tensões ainda estão presentes e representam um desafio que só pode ser enfrentado com a criação de uma política estruturante que supere as concepções do passado. Superar a concepção que o desenvolvimento econômico não é um bem em si mesmo (SEN: 2000). Compreender que o desenvolvimento econômico deve estar relacionado com a melhoria da qualidade de vida dos habitantes da Amazônia, ou seja, os frutos do desenvolvimento econômico devem ser democratizados. Superar a abordagem tradicional que considera a região uma economia de fronteira para uma abordagem que a trate como uma fronteira de capital natural, possibilitando um modelo de sustentabilidade social e ambiental. O primeiro passo para a construção dessa política é a criação de um novo establishment técnico-científico para a Amazônia, capaz de atuar em rede para atender as suas diversas regiões e proporcionar a construção de um conhecimento codificado e ao mesmo tempo de um saber que absorva e dialogue com a racionalidade do mundo da vida. Uma tarefa difícil diante da constatação de que a Região Norte concentra o menor número de doutores do Brasil (cerca de 4.000) e o menor número de programas 3 de Doutorado. A região possui apenas 3% dos programas de doutorado, enquanto o sudeste concentra 63%, o que consequentemente deixa um vazio em 23 áreas estratégicas para o desenvolvimento regional e do País. Não se está falando apenas de um crescimento quantitativo, o que é evidentemente necessário para atender os cerca de 25 milhões de habitantes da região, mas também de um crescimento qualitativo já que cerca de 66,2% dos programas apresenta conceito 3, 29,4% apresentam conceito 4, 3,7 apresentam conceito 5 e 0,7 apresentam conceito 6. Existe também a necessidade de redirecionar as políticas de produção do conhecimento científico e tecnológico. Uma necessidade não apenas regional, mas nacional, pois, enquanto o Brasil ocupa a décima segunda posição no ranking internacional da produção científica, ocupa apenas a vigésima oitava posição no ranking mundial de patentes, apresentando apenas 0,1% de registros de patentes internacionais. As consequências são diversas, mas podem-se destacar os aspectos econômicos, pois, em 2010 os produtos de alta intensidade tecnológica foram responsáveis por um déficit de US$12,4 bilhões na balança comercial, o setor de médiaalta intensidade tecnológica tiveram um déficit de US$16,1 bilhões, já o de média-baixa foi responsável por um déficit de US$3,4 bilhões. Vale ressaltar que os segmentos de média e alta intensidade tecnológica são os que apresentam maior crescimento no comércio internacional, 39% e 23%, respectivamente. Enquanto os produtos de baixa intensidade tecnológica apresentam um crescimento de 18%. Destacam-se também os aspectos sociais e ambientais, em face de necessidade de novas tecnologias para o aproveitamento sustentável das riquezas naturais presentes na região amazônica. O que significa que o processo de inovação não pode ficar restrito a centros de excelências concentrados nas capitais da região norte. Eles são importantes e necessários, mas insuficientes para as escalas da região amazônica. O processo de inovação tecnológica deve ser acompanhado de um processo de democratização do conhecimento científico codificado e de novas tecnologias, bem como, pela absorção de saberes não codificados encontrados na região. A academia não pode ficar restrita a uma racionalidade puramente instrumental, dentro de uma relação sujeito-objeto, ela deve incorporar elementos valorativos dos povos da região, através de uma postura intersubjetiva e de uma racionalidade comunicativa, para que o 4 conhecimento técnico e científico seja acompanhado por um saber ético, fundamental para a preservação da floresta e a inclusão social dos seus povos. Assim, as instituições de ensino e pesquisa devem estabelecer um processo de ampliação da sua capilaridade regional, levando políticas de formação de professores, principalmente nas áreas de Ciências Naturais e Matemática. Devem instituir uma política de fortalecimento dos núcleos de inovação tecnológica, dos núcleos de vocação tecnológica e de novas linhas de pesquisa estratégicas. Já o Governo Federal e os governos estaduais devem estabelecer uma nova estrutura legal e de financiamento desburocratizada e adaptada aos desafios regionais. Para mencionar alguns exemplos: verifica-se a Lei 8.112/90 que apresenta dificuldades para a capacitação de servidores recém contratados; verifica-se a necessidade de reestruturação da carreira de EBTT e de magistério superior; verifica-se, também a necessidade de revisão dos critérios e procedimentos da Lei 8.666/93 para a área da educação e inovação e; por fim, a reestruturação e redirecionamento de órgãos como a Capes, o CNPQ e FINEP para o atendimento de demandas da região amazônica. Esses são elementos iniciais e apenas provocativos para o início do debate sobre o tema, em face de sua complexidade e importância para um projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, pois, lembrando, um provérbio chinês: “Se teus projetos forem para um ano, semeia o grão. Se forem para dez anos, planta uma árvore. Se forem para cem anos, eduque o povo”.