UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO LIANA PORTO PEREIRA BELEZA E ENVELHECIMENTO: a visão de um grupo de dermatologistas sobre seus pacientes e os produtos anti-idade. RIO DE JANEIRO 2011 2 LIANA PORTO PEREIRA BELEZA E ENVELHECIMENTO: a visão de um grupo de dermatologistas sobre seus pacientes e os produtos anti-idade. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientadora: Letícia Moreira Casotti, D.Sc. RIO DE JANEIRO 2011 3 LIANA PORTO PEREIRA BELEZA E ENVELHECIMENTO: a visão de um grupo de dermatologistas sobre seus pacientes e os produtos anti-idade. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientadora: Letícia Moreira Casotti, D.Sc. Aprovada em _________________________________________ Leticia Moreira Casotti, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) _________________________________________ Maribel Suarez, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) _________________________________________ Claudia Pereira, Dr.Sc. (PUC/RJ) RIO DE JANEIRO 2011 4 AGRADECIMENTOS À Professora Letícia Casotti por sua competente e dedicada orientação, e por me motivar nos momentos mais difíceis dessa pesquisa. À Cátedra L’Oréal de Comportamento do Consumidor e ao CAPES por seu apoio à pesquisa. Às professoras Maribel Suarez, Gisela Taschner e Claudia Pereira por aceitarem o convite de participar da banca examinadora. À Cida e à Lucianita pela ajuda diária na secretária acadêmica durante o período do mestrado. À Eliane por estar sempre disponível ao auxiliar na busca de artigos e livros essenciais para a construção dessa dissertação. Às empresas entrevistadas por cederem seu tempo e por permitirem utilizar os relatos como material de apoio para o roteiro. Aos médicos dermatologistas por disponibilizarem seu valioso tempo, por dividirem comigo suas histórias de profissão e seus sentimentos, e por indicarem outros colegas de profissão para participar desse estudo. Aos meus pais, Sylvia e Albucacis, por apoiarem a minha decisão de cursar um mestrado em tempo integral. À minha mãe, Sylvia, por me auxiliar com os artigos relativos à bioética, por fazer a revisão de ortografia, por solicitar que amigas dermatologistas participassem do estudo e por estar sempre presente me estimulando a escrever essa dissertação. À minha irmã Andréa por estar sempre disponível para ajudar na revisão de literatura e de ortografia e ao meu irmão Bruno, que mesmo de longe, sempre se interessou pelo andamento desse trabalho. Ao Marcio, companheiro sempre presente, pelo carinho diário e por tornar o caminho dessa pesquisa mais leve. 5 Aos meus tios e primos que procuraram compreender minha ausência nas reuniões familiares. Ao meu primo Vinicius, hoje também aluno do COPPEAD, que me incentivou em cada etapa da pesquisa. À turma de 2009, especialmente, às queridas amigas, Bianca Carvalho, Fernanda Rios, Fernanda Romano, Letícia Eboli, Maria Cecília Galli e Marta Abrão, que estiveram sempre presentes em todos os momentos alegres e difíceis do mestrado. 6 RESUMO BELEZA E ENVELHECIMENTO: a visão de um grupo de dermatologistas sobre seus pacientes e os produtos anti-idade. Orientadora: Leticia Moreira Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração). Essa pesquisa de caráter exploratório procurou compreender, através de entrevistas em profundidade, como um grupo de médicos dermatologistas, que são considerados importantes influenciadores no consumo de tratamentos antienvelhecimento, percebem a beleza, o processo de envelhecimento de seus pacientes e sua relação com o consumo de serviços e produtos de beleza, mais especificamente, os cremes anti-idade, produtos escolhidos como representantes da busca do rejuvenescimento. Como base de apoio para a interpretação dos relatos dos entrevistados, a revisão de literatura foi construída dentro dos seguintes temas: identidade, beleza, envelhecimento e a bioética médica. Os relatos sugerem que a beleza do rosto pode ser mais importante que do corpo, principalmente, para as mulheres mais velhas. Parecem haver diferenças entre o modo como os dermatologistas mais jovens e mais velhos tratam a cosmiatria. Assim, observa-se que os mais velhos são mais críticos quanto a busca excessiva pelo rejuvenescimento e pela beleza, embora algumas contradições nos relatos aconteceram independente das diferenças: eles percebem que algumas pacientes sofrem ao almejar ter uma aparência jovem que já não é possível, mas ao mesmo tempo, julgam os tratamentos anti-idade positivos para a auto-estima da mulher. Os entrevistados demonstram que fazem uma distinção de valor entre os produtos que são considerados dermocosméticos e os cosméticos. Os dermatologistas parecem valorizar as marcas de cremes anti-idade que realizam pesquisas científicas constantemente e que entendem que as ações de marketing devem ser direcionadas a eles através dos congressos e visitas e não ao público leigo. Palavras-chave: Envelhecimento. Beleza. Produtos anti-idade. 7 ABSTRACT BEAUTY AND AGING: the vision of a group of dermatologists on their patiens and anti-aging products. Orientadora: Leticia Moreira Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração). This exploratory research sought to understand, through depth interviews, how a group of dermatologists, that are considered an important influencers in the consumption of anti-aging treatments, observe beauty, the aging process of their patients and their relation with the consumption of beauty services and products, more specifically, anti-aging cream, products chosen as representative of the search for rejuvenation. As a support for the interpretation of the interviews, the literature review was built within the following themes: identity, beauty, aging and medical bioethics. The speeches suggest that the beauty face may be more important that of the body, specially, for older women. There appear to be differences between how younger and older dermatologists deal with cosmiatry. Thus, it is observed that the older are more critical towards to the excessive search for rejuvenation and beauty, thought a few contradictions in the speeches occurred regardless of differences: they notice that a few patients suffer when they aim an young appearance that is no longer possible, but, at same time, judge that anti-aging treatments are positive for the self-esteem of women. The interviewees referred that they make a distinction between products that are considered dermocosmetics and cosmetics. The dermatologists seem to value the brands of anti-aging creams that develop scientific researches constantly; and that understand that the marketing actions should be directed to dermatologists, through congress and visits, and not to the lay public. Keywords: Aging. Beauty. Anti-aging products. 8 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Sumário das abordagens Positivista e Interpretativista................ 47 Quadro 2 - Resumo dos entrevistados........................................................... 50 Quadro 3 - Categorias de descrição e categorias de análise......................... 62 Quadro 4 - Valores da cultura carioca............................................................ 74 Quadro 5 - As duas faces do envelhecimento................................................ 83 Quadro 6 - Caminhos dos tratamentos anti-idade.......................................... 86 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 1.1 RELEVÂNCIA DO TEMA.................................................................................... 10 1.2 OS INFLUENCIADORES DE OPINIÃO.............................................................. 12 1.3 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ........................................................................... 14 2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................. 16 2.1 IDENTIDADE....................................................................................................... 16 2.2 BELEZA: UMA BREVE HISTÓRIA .................................................................... 20 2.2.1 O Corpo ............................................................................................................ 25 2.2.2 Cosméticos e cosmocêuticos ........................................................................... 28 2.3 ENVELHECIMENTO ........................................................................................... 32 2.3.1 O consumo e o envelhecimento ....................................................................... 35 2.3.2 As dificuldades do envelhecimento .................................................................. 39 2.4 A BIOÉTICA MÉDICA......................................................................................... 41 3. METODOLOGIA ................................................................................................... 46 3.1 NATUREZA DA PESQUISA ............................................................................... 46 3.2 SELEÇÃO DOS ENTREVISTADOS ................................................................... 49 3.3 COLETA DE DADOS .......................................................................................... 51 3.3.1 Cenário do estudo ............................................................................................ 52 3.3.2 Desenvolvimento do roteiro.............................................................................. 52 3.3.3 Dificuldades do campo ..................................................................................... 58 3.4 ANÁLISE DE DADOS ......................................................................................... 59 3.4.1 Limitações do método ...................................................................................... 60 4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES ....................................... 62 4.1 Motivações para trabalhar com beleza........................................................... 63 4.2 BELEZA .............................................................................................................. 65 4.2.1 Beleza X Saúde Mental .................................................................................... 71 4.2.2 Beleza e ciclo de vida....................................................................................... 72 4.3 RELAÇÃO MÉDICO- PACIENTE ....................................................................... 74 4.3.1 Gerenciando expectativas ................................................................................ 77 4.3.2 Conflitos da bioética na cosmiatria................................................................... 78 4.3.3 A questão do comércio no meio médico .......................................................... 80 4.4 ENVELHECIMENTO ........................................................................................... 81 4.4.1 A idade ............................................................................................................. 84 4.5 PRODUTOS ANTI-IDADE .................................................................................. 87 4.5.1 As marcas pesquisadas ................................................................................... 92 4.6 O NÃO CONSUMO DE PRODUTOS ANTI-IDADE ............................................ 95 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 99 Referências Bibliográficas ................................................................................... 106 ANEXO .................................................................................................................... 111 ANEXO 1- Roteiro semi-estruturado para entrevista com empresa ................. 111 ANEXO 2 - Roteiro semi-estruturado da entrevista com dermatologistas ...... 112 ANEXO 3 – Entrevistas com dermatologistas .................................................... 113 10 1 INTRODUÇÃO Esse estudo tem como principal objetivo compreender a visão de um grupo dermatologistas sobre o processo de envelhecimento de seus pacientes e sua relação com o consumo de serviços e produtos de beleza, mais especificamente, foi dado maior destaque aos cremes anti-idade como produtos que representam a busca do rejuvenescimento ou não envelhecimento. Trata-se de uma pesquisa exploratória que utilizou metodologia qualitativa com uso de entrevistas em profundidade. 1.1 RELEVÂNCIA DO TEMA A Cátedra L’Oréal de Comportamento do Consumidor no Instituto Coppead da UFRJ tem apoiado estudos sobre diferentes temas associados a beleza, como pode ser observado nos trabalhos de Campos (2010) sobre o consumo de cosméticos em gerações de mulheres do subúrbio carioca; de Casotti et al. (2008) sobre os diferentes tempos da beleza; de Borelli (2009) sobre o consumo de cirurgia plástica por mulheres jovens; de Amui (2006) sobre o consumo de cremes cosméticos de luxo; de Rosário (2006) sobre o não consumo das tinturas de cabelo; e de Fontes (2009) sobre o consumo de bens e serviços de beleza pelo ponto de vista masculino, dentre outros. Essas pesquisas e o presente estudo tiveram como importante referencial o campo das Ciências Sociais que aparecem muitas contribuições sobre o tema beleza, e também sobre envelhecimento (GOLDENBERG e RAMOS, 2002; LIPOVETSKY, 2007; GOLDENBERG, 2007, 2009; BOUZÓN, 2008; BEAUVOIR, 1990; dermatologistas como VIGARELLO, 2006). Não foram encontrados estudos relacionando os influenciadores de opinião em relação a produtos cosméticos na literatura de Marketing e Comportamento do Consumidor ou nas Ciências Sociais. Enquanto a moda e a beleza são temas que despertam o interesse dos pesquisadores no contexto do mercado de luxo, dos jovens e do fenômeno social das tribos (LIPOVETSKY e ROUX, 2008; AMUI, 2006; PEREIRA, 2003; PEREIRA, 2008); os estudos do envelhecimento são mais recorrentes quando se referem às questões 11 públicas, como aposentadoria e saúde da terceira idade (DEBERT, 2004; BARROS, 2007; OMS, 2005). A Organização das Nações Unidas (ONU) define que as pessoas passam a ser consideradas idosas após os 60 anos de idade. Contudo, a Organização Mundial da Saúde (2005) propõe que a idade cronológica pode não ser um marcador para definir as mudanças que acompanham o envelhecimento, fatores como o estado de saúde do indivíduo também devem ser considerados. A população com mais de 60 anos de idade é a faixa que mais cresce na população, em relação à outras faixas etárias, em quase todos os países do mundo. Esse fato é resultado do aumento da expectativa de vida, somado ao declínio das taxas de fertilidade em diversos países. Até o ano de 2025, o Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos; sendo que, entre os anos de 1980 e 2000 a população mundial, com mais de 60 anos, cresceu 7,3 milhões, totalizando mais de 14,5 milhões em 2000. Já, nos Estados Unidos, o grupo de pessoas acima de 45 anos tem crescido cerca de três vezes mais que o restante da população, fato que está implicando em um aumento do consumo de produtos anti-idade (OMS, 2005; GENDLER e RIZZO, 2009). Segundo Debert (2004), os indivíduos na meia-idade são, provavelmente, quem mais consome produtos ligados ao rejuvenescimento, uma conseqüência de seu poder aquisitivo. Com a forte demanda por corpos e rostos dentro de padrões estéticos e com crescente aumento dos idosos na população mundial, os temas beleza e envelhecimento passaram a fazer parte do dia-a-dia da sociedade brasileira. O Brasil tem, atualmente, um papel representativo no mercado de beleza mundial, “exportando” modelos brasileiras que atingem reconhecimento internacional, como pode ser observado navegando pelo site models.com1. As brasileiras despontam, principalmente, no ranking das modelos com seis entre as 20 mulheres mais sexy do mundo, com uma brasileira - Adriana Lima no topo da lista e Gisele Bunchen aparece como a modelo mais bem paga do mundo. Nesse contexto, mulheres de meia-idade buscam o consumo de diversos cosméticos onde se incluem os cremes anti-idade, tratamentos estéticos, como a 1 Disponível em: www.models.com . Acessado em: 19 set. 2011. 12 toxina botulínica, os preenchedores e o laser antienvelhecimento, as cirurgias plásticas, ou seja, diferentes tipos de tratamentos que tornem sua aparência mais jovem (GENDLER e RIZZO, 2009; GOLDENBERG e RAMOS, 2002; GOLDENBERG, 2005). Nesse cenário, o fenômeno dos cosmocêuticos influencia a indústria de cosméticos e os consultórios de dermatologia, representando a área da dermatologia que se expande mais rapidamente. Esses produtos estão sendo utilizados pelos dermatologistas como um auxílio aos procedimentos médicos (DRAELOS, 2009). Grande parte dos mitos dos cosmocêuticos são referentes ao processo de envelhecimento. Por exemplo, a melhora da aparência através de tratamentos com cosmocêuticos é percebida como uma questão cosmética e não farmacêutica pela população. Contudo, os produtos farmacêuticos e os cosmocêuticos podem estar convergindo auxiliando assim a prescrição de procedimentos anti-idade (DRAELOS, 2009) 1.2 OS INFLUENCIADORES DE OPINIÃO O desejo de adequação ou de identificação com grupos é a primeira motivação para determinar o consumo. À medida que certos grupos ou pessoas ganham poder, a submissão dos demais participantes do grupo aumenta. Por exemplo, quando alguém demonstra conhecimento de determinado assunto, outros consumidores passam a reconhecer a influência. Esse fatores podem configurar um grupo de referência, que pode ser definido como: “um indivíduo ou um grupo, real ou imaginário, concebido como capaz de ter relevância significativa para avaliações, aspirações ou comportamento de um indivíduo” (Machan, apud Salomon, 2011, p.408) Existem três formas pelas quais os consumidores são influenciados por um grupo de referência: informativa, utilitária e expressiva de valor. A informação sobre um bem de consumo ou uma marca podem ser transmitidas por profissionais que se relacionam com o produto, por associações ou por grupos de especialistas. Já a influência utilitária está relacionada ao desejo de satisfazer a expectativa de terceiros. O consumidor é influenciado ao conhecer a preferência de outros com os quais ele interage socialmente, como amigos ou familiares. Por último, o consumidor busca em um bem de consumo ou em uma marca o valor que deseja associar sua 13 imagem, com a intenção de afetar o modo como outros o vêem. O consumo ocorre, pois a marca possui características que o indivíduo gostaria de ter ou porque se identifica com pessoas que apresentam o produto na publicidade. Contudo, a influência dos grupo de referência é menor em certos tipos de produto, como os considerados de baixo risco percebido. Ainda, diferentes poderes são associados à uma pessoa ou à um grupo de referência. Pode-se notar que os médicos são dotados do poder legítimo, onde a sociedade lhes concede o poder através de um acordo social: sendo o jaleco branco um símbolo indicativo de credibilidade. Além disso, o poder do conhecimento também é conferido aos médico. Cada profissional da medicina detém o conhecimento da especialidade médica a qual dedicou seus estudos. Os dermatologistas possuem o conhecimento necessário para aconselhar sobre as questões associadas à pele, incluindo o conhecimento sobre a estética. Na sociedade de consumo uma figura que desempenha um papel importante são os líderes de opinião: pessoas que se tornam referências no consumo de uma classe de produtos. Esses indivíduos têm a capacidade de influenciar comportamento e atitude de terceiros, podendo ser ou não compradores do produto que indicam. Apesar do fácil acesso às informações, os consumidores tendem a pedir auxílio ao líder de opinião, que é um especialista naquele assunto. Um exemplo, no universo da estética, são os blogs de beleza que recebem milhares de acessos de mulheres que desejam se informar sobre determinadas marcas de maquiagem, cosméticos anti-idade, ou outros produtos que prometem torná-las mais belas. Quem desempenha esse papel tende a ter valores e crenças semelhantes às do consumidor que solicita ajuda. Contudo, os líderes de opinião não recebem recompensa por seu aconselhamento, diferentemente do consumidor substituto. Essa figura está presente em uma classe de intermediários de marketing, orientando a compra dos consumidores comuns. Pode-se notar que o dermatologista se encaixa nessa classificação, ao fornecer uma consulta de estética para as consumidoras de beleza. Logo, esse profissional pode exercer grande influência no consumo de produtos anti-idade. 14 Desse modo, o consumidor pode renunciar às diversas etapas da tomada de decisão do consumo do produto, como a avaliação de alternativas por influência dos dermatologistas. Observa-se que um grande erro de alguns profissionais de marketing é ignorar esse consumidor substituto, pois algumas mensagens são mais eficientes se forem transmitidas diretamente para os substitutos (SALOMON, 2011). Esse estudo procurou conhecer e ouvir o que pensa esse grupo de referencia e também formador de opinião - os dermatologistas - sobre a beleza, seu consumo através de marcas, serviços e produtos como os cremes anti-idade. 1.3 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO Este estudo está dividido em cinco capítulos: introdução, revisão de literatura, metodologia, análise e interpretação dos dados, e considerações finais. O primeiro capítulo, a introdução, aborda brevemente o assunto tratado nessa pesquisa e busca justificar sua relevância. Na revisão bibliográfica, investigou-se temas que contribuíram como base para a pesquisa, auxiliando na definição das questões do roteiro de entrevistas e na interpretação de seus resultados. A construção da revisão de literatura desse estudo apóia-se nas teorias da formação da identidade e sua relação com o consumo, seguindo com noções sobre a beleza, para, então, abordar o envelhecimento. Encerrando o capítulo, optou-se por discorrer sobre a ética na medicina, que é um assunto importante no campo da dermatologia. O capítulo de metodologia propõe um estudo de natureza interpretativista. Nesse capítulo são descritos os métodos utilizados na pesquisa de campo, os procedimentos de coleta e análise de dados; além das dificuldades encontradas no campo e das limitações da abordagem escolhida. O quarto capítulo trata da análise e da interpretação dos dados, ou seja, os resultados da pesquisa de campo. Os resultados são organizados de acordo com seis temas, reunidos a partir das categorias utilizadas para a descrição das entrevistas: motivações para trabalhar com beleza, a beleza, a relação médicopaciente, o envelhecimento e o não consumo de produtos anti-idade. 15 Por fim, o quinto capítulo propõe uma reflexão sobre os principais achados provenientes do capítulo de análise e da interpretação dos dados, trazendo sugestões para pesquisas futuras. 16 2 REVISÃO DE LITERATURA O capítulo de revisão de literatura tem o objetivo de suportar teoricamente a pesquisa desenvolvida. Para isso a autora se apoiou em quatro temas principais: identidade, beleza, envelhecimento e ética. Na primeira parte é discutido o conceito de identidade no mundo contemporâneo, sua relação com o consumo. Em seguida, a história da beleza é apresentada, destacando a valorização da beleza física pela sociedade atual e a noção do corpo como algo gerenciável. Posteriormente, é descrita uma breve evolução da história dos cosméticos: que vai desde a sua função de disfarçar os defeitos do rosto, a função mai recente de alterar a aparência, visando a juventude. Logo, aborda-se a questão do processo de envelhecimento, discutindo as dificuldades da velhice. Por último, trata-se da bioética médica, um tema relevante quando são abordadas questões da relação médico-paciente. 2.1 IDENTIDADE Há milhares de anos o homem busca uma resposta para a pergunta: “Quem sou eu?”. Discutir a identidade e o self é uma tentativa de compreender como os seres humanos se autodefinem (MCCRAKEN, 2003). Existem diferentes correntes de pensamento sobre a formação da identidade: para sociólogos pós-modernos como Bauman (2001) ela é fragmentada, ou seja, o indivíduo possui diferentes identidades, dependendo do contexto em que se encontra. Por outro lado, Campbell (2006) e Mittal (2006), parecem concordar que a identidade é única e há uma busca constante pelo self real. Esses autores estudam a identidade do ponto de vista do comportamento do consumidor. Na tese de Campbell (2006) a constante busca da identidade pode acarretar mudanças de gosto ao longo dos anos. Entretanto, ele acredita que a identidade seja única, e que essas mudanças sejam um caminho necessário para sua aproximação mais fiel do self. Na literatura de comportamento do consumidor, há diversas teorias sobre a formação da identidade, todavia um ponto em comum é a importância dada ao consumo para seu desenvolvimento. De acordo com Campbell (2006), a identidade 17 não é apenas determinada por filiação, classe ou status de grupos, como provavelmente ocorria no começo do século XX, pois a experiência do consumo assumiu papel fundamental na busca pela identidade na sociedade contemporânea (CAMPBELL, 2006; BELK,1988; MITTAL, 2006). Na proposta de Mittal (2006) o termo utilizado para se referir à identidade é o “autoconceito” que, de acordo com o autor, é o modo como o indivíduo se vê e é formado por seis componentes: cinco deles fazem parte do self sem posse e um do eu-estendido. Cada componente varia em importância e em proporção para cada indivíduo. O “self sans possession” é formado por corpo, valores e caráter, sucesso e competência, papéis sociais e traços da personalidade; o eu-estendido é composto por objetos que fazem parte da vida do consumidor. A proposta feita anteriormente por Belk (1988) difere um pouco da de Mittal (2006) quanto aos componentes do euestendido e self central. Belk (1988) também associa ao eu-estendido “itens” como pessoas, lugares e grupos; partes do corpo e órgãos vitais, por exemplo, quando ocorre uma doação de um órgão. Belk (1988) analisa que a busca pela definição da identidade ocorre de diferentes maneiras ao longo da vida. O autor afirma que cada geração tem um jeito próprio de buscar seu self central: enquanto bebês, as pessoas começam a entender que existe um limite físico que é seu corpo, é a primeira vez que percebem que são seres únicos e não uma continuação de sua mãe. Quando crianças, elas passam a se reconhecer a partir das reações de outras crianças, por exemplo, ao perceber que um brinquedo é motivo de inveja. Na adolescência e na idade adulta a identidade é gerenciada pelas posses do indivíduo. Por último, pessoas com idade avançada buscam um senso de continuidade e de preparação da morte, também, através de suas posses. McCracken (2003) também relata que a posse é um elemento importante para a definição da identidade. O autor descreve como os processos dos rituais de posse e de arrumação contribuem para que os significados, que definem o consumidor, sejam extraídos dos bens. Logo, esses objetos passam a “categorizar, cultivar idéias e sustentar estilos de vida, construir noções de si e criar mudanças sociais” (MCCRACKEN, 2003), participando do eu-estendido. 18 No entanto, nem todos os objetos consumidos são parte do eu-estendido (MITTAL, 2006). Apenas se uma pessoa percebe o bem como posse e consegue se definir através dele, esse será parte de seu self. Mittal (2006) sugere o exemplo do uso intenso de um cosmético anti-idade: mesmo que o consumidor o use todos os dias, não é certo que será parte do eu-estendido. Seria preciso que o componente “corpo” fosse importante para esse indivíduo e através do cosmético transmitisse seus desejos, como um estilo se vida. Belk (1988) mostra que os bens que são parte do eu-estendido quando afirma que a perda ou o roubo de um objeto geram um enorme sentimento de vazio. Isso ocorre, pois o bem ausente era uma parte do indivíduo. Ahuvia (2005) concorda com Belk (1988) ao afirmar que quando a relação do ser humano com um bem é de amor, muito tempo e energia são gastos com a sua compra; e mesmo após sua aquisição, eles continuam sendo muito importantes para o self. Já quando a relação com o produto é de paixão o maior envolvimento ocorre durante a espera pela compra do produto, o qual passa a não fazer mais sentido na vida do indivíduo depois que é adquirido (BELK et al., 2003). Na construção da identidade descrita por Campbell (2006), a variedade de produtos e as possibilidades de consumo permitem que o indivíduo teste seus gostos e, desse modo, e assim construa seu autoconceito. De acordo com o autor, a individualidade de cada um é consolidada por sua combinação de gostos. A liberdade de escolha é mais comum nas sociedades mais individualistas e é útil para que o consumidor possa definir seus gostos dentre as diversas categorias culturais e desse modo encontrar sua identidade ideal (MCCRACKEN, 2003). Essas escolhas de consumo apresentadas por Campbell (2006) e McCracken (2003) estão associadas a muitas emoções. Ahuvia (2005) destaca, dentre os sentimentos, que o amor é comumente percebido nas descrições dos consumidores em sua pesquisa. Esse sentimento teve uma atenção especial da autora por acreditar que objetos e pessoas amados influenciam no senso do self. Nos achados de Ahuvia (2005) esses objetos amados estão relacionados a eventos importantes da vida, ajudam a resolver conflitos de identidade e tem uma forte associação simbólica em relação a outras pessoas ou outros tempos. Dessa forma, Ahuvia (2005) e McCracken (2003) concordam sobre a importância dos significados 19 extraídos dos bens sendo utilizados como marcadores de tempo, espaço e ocasião para a construção da identidade. Além disso, os objetos ajudam a definir os gostos em meio às categorias culturais de classe, status, gênero, idade, ocupação e estilo de vida que há na sociedade. No início de sua pesquisa, Ahuvia (2005) acreditava em uma mudança constante da identidade e no vazio gerado por um consumo sem sentido. Entretanto, baseando-se em seus achados, concordou com Belk (1988) que o consumo pode dar sentido a vida. Apesar disso, Ahuvia (2005) sugere que o self, como essência do ser humano, é uma visão romântica de alguns autores. Segundo essa autora, as forças sociais contemporâneas fazem com que uma identidade coerente seja difícil de ser atingida, o que gera os conflitos de identidade. No entanto, ela afirma que os objetos ajudam a resolver esses conflitos já que podem carregar significados importantes do passado e de um estilo de vida desejado no futuro, ao mesmo tempo. Como exemplo, Ahuvia (2005) cita como uma bolsa vintage pode ser relevante por lembrar a mãe ou a avó e ao mesmo tempo fazer um estilo cool. De acordo com sua teoria, os conflitos de identidade podem ser resolvidos de três formas: quando há duas partes da identidade antagônicas, uma pode prevalecer, havendo rejeição da outra; a segunda forma de solução é criar uma identidade intermediária, que seja nula em relação às duas anteriores; e por último, há uma síntese das identidades, onde o melhor é tentar tirar o que há de melhor das duas e criar novas escolhas (AHUVIA, 2005). Mittal (2006) parece concordar com Ahuvia (2005) sobre a existência de conflitos de identidade na sociedade contemporânea. Para o autor, a percepção dos outros é importante para o self e pode levar a uma tensão na identidade a partir da diferença de valores atribuída por cada indivíduo aos componentes que fazem parte do self. Por exemplo, se uma pessoa se reconhece por seus feitos profissionais; ao julgar o outro ela irá fazê-lo por suas realizações na trabalho. Contudo, se esse outro considerar mais importante, em sua escala de valores, as formas de seu corpo, haverá um conflito entre o primeiro indivíduo e aquele que o julga. Desse modo, para solucionar essa questão, Mittal (2006) sugere que a pessoa mude seu grupo de 20 referência; ou que ensine ao outro quem realmente é; ou corrigindo a percepção do outro a partir do consumo de produtos que reflitam o “eu” real. 2.2 BELEZA: UMA BREVE HISTÓRIA Ao longo dos anos cada povo reconheceu a beleza naquilo que considerou agradável contemplar, independentemente da existência de um sentimento de desejo. Apesar de alguns traços da beleza serem igualmente valorizados em qualquer cultura e época, seu conceito sofreu mudanças durante a história (ECO, 2010; WOLF, 1992; LIPOVETSKY, 2007). Em religiões matriarcais que dominaram o Mediterrâneo entre cerca de 25.000 a.C. e 700 a.C, as mulheres mantinham o domínio social a partir do valor dado à beleza masculina. Do mesmo modo, na pré-história e em algumas sociedades selvagens, eram os homens que se preocupavam com a estética. Porém, para esses povos, os adornos eram mais ligados às simbologias e às identidades da tribo do que à beleza (LIPOVETSKY, 2007). Já na antiguidade clássica, os homens detinham tanto o controle da sociedade quanto a soberania da beleza, suas formas eras consideradas perfeitas. Por isso, o sexo masculino era considerado superior, o que era motivo para incentivar o comportamento homossexual nessa cultura. Tanto na Grécia quanto em outras civilizações antigas, a beleza da mulher era um sinal de perigo e sedução. Contudo, os gregos não as percebiam as formas femininas tão belas quanto as formas masculinas. Até a metade do século V, as representações femininas tinham as formas de seu corpo masculinizadas. (LIPOVETSKY, 2007). A associação de beleza feminina à temas negativos continuou no período medieval, quando os artistas retratavam o diabo na figura de uma mulher bonita ou de uma serpente. Apenas nos séculos XV e XVI, com o Renascimento, a superioridade estética do sexo feminino em relação ao masculino foi reconhecida. Esse momento é o marco de uma mudança de conceito, pois a mulher é colocada em um pedestal e sua beleza é comparada a perfeição divina, o que transforma a beleza estética em uma questão nobre e a torna um objeto de estudo. Porém, as mulheres que não faziam parte da aristocracia, nessa época, eram valorizada pela fertilidade, força física e capacidade de trabalho, já que o sustento era oriundo do trabalho de toda a 21 família. Assim, não havia uma divisão do que era belo e o que era bom, esses conceitos acabavam sendo utilizados da mesma forma ao caracterizar essas mulheres menos favorecidas (LIPOVETSKY, 2007; ECO, 2010; WOLF, 1992). Posto isso, pode-se afirmar que a divisão entre classes trabalhadoras e nobres foi uma condição necessária para a estruturação de uma sociedade onde a beleza estética feminina é valorizada. No entanto, em um primeiro momento, apenas a aparência física das mulheres de classes abastadas tinha valor, com isso a fidalguia conseguia se distinguir estabelecendo uma relação de poder perante a sociedade. Nesse contexto, os aristocráticas mantinham suas mulheres ociosas, despendendo seu tempo com práticas de beleza e estética, já que o trabalho era algo para os homens que não precisam se preocupar com a estética (LIPOVETSKY, 2007). Esse quadro social sofreu uma mudança na primeira metade do século XIX, com a Revolução Industrial. A construção da família de classe média baseada em uma unidade de trabalho desmoronou, o que acarretou em conseqüências como: redução no tamanho das famílias, alfabetização das mulheres, consolidação do culto à domesticidade e do código de beleza para uma nova classe de mulheres ociosas. Na sociedade, a aparência ideal tornou-se uma obsessão para as mulheres logo que tiveram acesso à imagem de beldades, o que ocorreu com o advento das tecnologias de produção em massa, como fotografias. Antes da Revolução Industrial a mulher não havia experimentado uma competição de sua aparência com um ideal de beleza difundido (WOLF, 1992). “Desde a Revolução Industrial, as mulheres ocidentais da classe média vêm sendo controladas tanto por ideais e estereótipos quanto por restrições de ordem material.” (WOLF, 1992, p. 18) Posteriormente, o movimento das mulheres no pós-guerra foi responsável por outra reestruturação social. O modelo de dominação masculina mantido através da responsabilidade feminina por tarefas domésticas e de barreiras a educação, por exemplo, foi desestruturado nesse momento. Assim, as mulheres conseguiram um espaço mais justo em diversos áreas da sociedade. Porém, um mundo feminino alternativo de cuidados com a beleza ocupou esse espaço, estabelecendo um conceito de beleza que possui regras próprias tão repressoras quanto os elementos de controle sociais anteriores. Logo, na sociedade ocidental moderna, a beleza 22 tornou-se um conjunto de crenças capaz de manter o domínio masculino a partir de um eficiente controle psicológico (WOLF, 1992). Para Wolf (1992), a beleza é definida por símbolos de comportamentos que uma cultura considera adequados - como foi a virgindade no início do século XX - e não por aspectos físicos, assim cada civilização tem um conceito do que é belo. Desse modo, é incorreta a idéia que o padrão de beleza atual é originário de uma única mulher ideal platônica, como muitos crêem (DION, BERSCHEID e WALSTER, 1972). Uma grande diferença entre a sociedade contemporânea e outras sociedades não é a existência de um padrão de beleza, mas a responsabilidade que é atribuída a uma pessoa por ser ou não bela. Espera-se do indivíduo um domínio sobre os cuidados com seu corpo em relação à saúde, à forma e à aparência, pois o desleixo pode ser considerado uma violação moral. Desse modo, o controle sobre o corpo faz parte da formação da identidade do indivíduo moderno, que passa a se sentir responsável por gerenciá-lo como um objeto. Isso abrange, inclusive, decisões como fazer ou não uma cirurgia cosmética. Contudo, esse controle pode ser perdido quando a pessoa é colocada em uma situação de ansiedade em que questiona sua própria identidade. Logo, alguns transtornos relacionados à aparência, como a anorexia, a bulimia e a depressão, são consequência da insegurança em relação à própria imagem provocada por uma sociedade que valoriza a aparência e que impõe padrões de beleza (DION, BERSCHEID e WALSTER, 1972; ASKEGAARD et al., 2002; LIPOVETSKY 2007; NOVAES, 2008). Pode-se dizer que o exagero das imagens de beleza das revistas e das supermodelos que aparecem constantemente na mídia elevam o ideal de beleza a um padrão tão alto e inalcançável que as mulheres “comuns” sentem-se diminuídas. Assim, não importa o quanto elas busquem melhorar a alimentação e fazer exercícios, elas não são satisfeitas com a própria aparência. Independentemente se é uma mulher considerada bela ou feia, o grau de insatisfação é sempre alto e grande parte considera-se gorda (LIPOVETSKY, 2007). Para Wolf (1992), essa insegurança que Lipovetsky avalia é originada pelo enfraquecimento do psicológico feminino, que favorece a dominação masculina no 23 âmbito social. Contudo, a autoconfiança da mulher não está, unicamente, relacionada à questão da aparência, já que a insatisfação com à estética não diminui a ambição profissional e intelectual. As mulheres modernas buscam cada vez mais igualdade profissional ao sexo masculino, ou seja, seu desejo é ser bela e ao mesmo tempo bem-sucedida profissionalmente (LIPOVETSKY, 2007). Enquanto Wolf (1992) analisa que na cultura ocidental questiona-se que uma única mulher possa possuir beleza e inteligência ao mesmo tempo, duvidando que mulheres belas podem atingir poder profissional; Dion, Berscheid e Walster (1972) acreditam que as pessoas mais atraentes têm melhores oportunidades de serem felizes e bem sucedidas. Já Lipovetsky (2007) observa que a beleza é essencial para que as estrelas de cinema e as manequins se igualem aos homens tanto em notoriedade pública quanto em ganhos financeiros no século XX. Ao contrário de outras épocas, a beleza das manequins é admirada, principalmente, pelas próprias mulheres que se espelham em sua aparência jovem e esbelta. O desejo de ser igual a essas manequins favorece o crescimento econômico das indústrias de dietas, cosméticos e cirurgias estéticas. Assim, nesse novo ciclo histórico que se baseia na profissionalização da beleza, há um incremento no consumo de massa de imagens e de produtos de estética. A exaltação da beleza contemporânea promove as marcas que relacionam seu nome à estética (LIPOVETSKY, 2007; WOLF, 1992). As revistas femininas acompanharam a mudança do papel feminino na sociedade e o processo de massificação da beleza. Desde o século XIX, foram escritos artigos para as mulheres sobre os movimentos de expansão da alfabetização feminina, as mudanças da vida doméstica, a entrada no mercado de trabalho e o aumento do poder aquisitivo das mulheres de diversas classes, além de outros fatores que levaram à democratização da beleza junto com a avanço da tecnologia. Nos dias atuais, as revistas especializadas em saúde e moda apresentam matérias sobre o padrão de corpo ideal e como atingi-lo. As representações femininas de beleza são expostas na publicidade para estimular o consumo de correção da aparência, ao invés de proporcionar prazer pela contemplação da estética. A quantidade de imagens de beleza que aparecem diariamente induzem as leitoras a desejarem consumir produtos que estão cercados de fantasia que os cosméticos são milagrosos trazem beleza e juventude do dia para a noite. Se no princípio o foco das 24 revistas era a indumentária, com o passar dos anos, precisaram escrever sobre o corpo, para recuperar o público que estava se desinteressando pelas revistas femininas. Assim, as mulheres são influenciadas pela mídia que descreve os ideais de beleza (NOVAES, 2008; LIPOVETSKY, 2007; WOLF, 1992). Eco (2010), diferentemente de outros autores, acredita que não se pode definir apenas um ideal estético na contemporaneidade. O autor afirma que o mass media é democrático no século XX, pois diferentes tipos de beleza são apreciados. Wolf (1992) e Novaes (2008) não concordam e sugerem que as revistas apresentam uma comparação de mulheres reais com um ideal de beleza que deve ser seguido. Essas mesmas revistas femininas publicam propagandas e matérias que exaltam os produtos cosméticos. Com a hiperexposição e avanço tecnológico, a beleza livrou-se de diversos limites: a produção de produtos cosméticos que era artesanal passou a ser industrializada, consequentemente, todas as camadas sociais passaram a ser atingidas pelo mercado da beleza; as práticas de beleza e conselhos de beleza também se difundiram para todas as classes da sociedade; a beleza feminina livrouse da associação negativa com o vício e a sedução; os cuidados com a beleza são legítimos cada vez mais cedo e continuam em voga até cada vez mais tarde, não há mais idade para uma mulher bela; a beleza pode ser atingida com recursos artificiais como a cirurgia plástica; a exaltação do belo sexo não é mais apenas dos artistas, mas é também de toda a imprensa, moda e cosméticos (LIPOVETSKY, 2007). A beleza representa valores diferentes para os sexos feminino e masculino. Apesar de o consumo da beleza pelo sexo masculino ter tido uma considerável expansão, a partir dos anos 90, não alterou a hegemonia feminina. Os papéis estéticos continuam indiscutivelmente separados desde o nascimento, os bebês do sexo feminino já são agraciados com elogios relacionados a sua beleza enquanto os do sexo masculino são qualificados como fortes ou ativos. Para uma mulher ser considerada bela, necessariamente, ela precisa ter uma aparência jovem, no entanto há diversos homens grisalhos que continuam charmosos. Mesmo atributos que são mais valorizados no parceiro é diferente para homens e mulheres. Enquanto os homens consideram a beleza física uma das principais características femininas, a mulher valoriza bastante a inteligência masculina (LIPOVETSKY, 2007; WOLF, 1992; GOLDENBERG e RAMOS 2002; GOLDENBERG 2005, 2006, 2009) 25 2.2.1 O Corpo Em cada sociedade o corpo desempenha um papel distinto e é julgado por aspectos diferentes, dependendo da lente cultural de quem o observa. Assim, o padrão de beleza do corpo feminino é uma função dos valores de cada época. Quando a importância da mulher em uma sociedade se limitava a sua capacidade de reprodução, as formas mais redondas eram consideradas belas. Já na sociedade moderna, “a paixão pela magreza pode traduzir, no plano estético, o desejo de emancipação da mulher” (LIPOVETSKY, 2007, p. 139), pois a magreza do corpo representa um rompimento com essa identidade feminina exclusivamente ligada a maternidade. Ao contrário de outros tempos, a mulher contemporânea é independente e tem uma vida profissional ativa (ECO, 2010; LIPOVETSKY, 2007; MCCRAKEN, 2003). A aparência e a identidade sexual são as primeiras interações entre o indivíduo e a sociedade, sendo a roupa o elemento de ligação. Através da vestimenta, a negação ou aceitação das transições de fases da vida podem ser percebidas. Isso ocorre principalmente no universo feminino, onde as mulheres gastam grande parte de seu tempo com assuntos e consumo relacionados à moda. Em algumas sociedades, a indumentária se adéqua ao envelhecimento das mulheres e é utilizada para disfarçar aquilo que incomoda no corpo. No entanto, em locais como o Rio de Janeiro, onde um corpo jovem é desejado em qualquer idade, mães e filhas costumam usar roupas, semelhantes com a intenção de evidenciar o corpo (DION, BERSCHEID, WALSTER 1972; TWIGG, 2007; GOLDENBERG, 2006). Assim, a utilidade das roupas na sociedade carioca é destacar as formas do corpo sexy, jovem, magro e em boa forma (GOLDENBERG, 2009). Desse modo, o corpo torna-se a verdadeira roupa: “(...) além do corpo ser muito mais importante do que a roupa, ele é a verdadeira roupa: é o corpo que deve ser exibido, moldado, manipulado, trabalhado, costurado, enfeitado, escolhido, construído, produzido, imitado. É o corpo que entra e sai da moda. A roupa, neste caso, é apenas um acessório para a valorização e exposição deste corpo da moda.” (GOLDENBERG, 2006, p.118) 26 Esse corpo trabalhado e moldado passa a ser distintivo na sociedade. Ele é o símbolo do esforço feito para atingir o modelo ideal; é uma grife, pelo reconhecimento da superioridade daquele que o possui; e é considerado um premio quando se assemelha ao ideal de perfeição, alcançado através de esforços e artifícios que vão de exercícios físicos a cirurgias (GOLDENBERG, 2009). Desse modo, aquele que trabalha para ter um corpo firme sem celulites e culotes merece o ter o corpo perfeito. Ademais é admirável aqueles que têm o domínio soberano sobre suas próprias formas. (LIPOVETSKY, 2007). Apesar de o corpo ser um componente do self, a importância que ele representa para a identidade varia de acordo com o contexto social e a cultura de cada indivíduo (MITTAL, 2006). Desse modo, a busca pelo rejuvenescimento e pela manutenção das formas é natural em cidades onde o corpo é muito exposto ao ar livre, como o Rio de Janeiro, pois ele é parte central no processo de envelhecimento, em que o tônus muscular e a pele são bastante afetados, por exemplo. Além disso, o processo de envelhecimento é percebido como uma fatalidade ou como uma imperfeição da natureza. Logo, todos os possíveis meios de atingir o corpo ideal e rígido, resistente à ação do tempo são válidos. (ASKEGAARD et al., 2002; LIPOVETSKY, 2007). Para algumas mulheres, o corpo torna-se um objeto gerenciável que é submetido a cirurgias plásticas, tratamentos anti-idade e prática de exercício, na tentativa de evitar o envelhecimento: é o corpo como um capital. Assim, em pesquisa com mulheres jovens que se submeteram à cirurgia plástica, Borelli (2009) observa que há um receio com as “gordurinhas” e celulites que podem aparecer no corpo das entrevistadas. O objetivo de algumas mulheres é manter o corpo como o conhecem, evitando as mudanças causadas pela idade, pois o não reconhecimento do próprio corpo pode levar a um sentimento de perda de um bem, fato que poderia atingir o self (MITTAL, 2006; GOLDENBERG, 2006, 2007, 2009). Assim, o interesse das mulheres por novidades de estética é relacionado com seu desejo de controlar as formas e a idade do corpo. No universo feminino cada novo tratamento cosmético representa mais uma possibilidade de ajustar o corpo ao ideal de beleza difundido na cultura. Ideal que foi sendo construído na mente das mulheres desde crianças, com belas princesas de histórias infantis, mostrando que a 27 beleza é uma característica superior e louvável. Ademais, os concursos de beleza, fotografias de moda, produtos cosméticos continuam exaltando a importância da aparência principalmente na identidade feminina (LIPOVETSKY, 2007). No entanto, Paulson (2008) refere que o consumo de terapias de beleza também traz benefícios para o campo emocional do self, além de melhorar a aparência física. Ele considera que o maior ganho das terapias de beleza é psicológico, independentemente da faixa etária. Já, o estudo de Clarke, Griffin (2007), demonstra que as mulheres pesquisadas com idade próxima dos 70 anos procuram aceitar o envelhecimento e a perda da beleza física. Elas se esforçam para se distanciarem dos valores de beleza que a sociedade dissemina. Já as mulheres que estão em seus 50 anos consideram o envelhecimento sem o uso de produtos estéticos é inaceitável, resistindo ao nãoconsumo da beleza. Algumas mulheres mencionaram que sem as intervenções estéticas a aparência não se adequaria ao modo como se sentem, independentemente da idade cronológica. Desse modo, elas buscam gerenciar o processo de envelhecimento. Wolf (1992) considera que o anseio de aparentar uma imagem idealizada por uma massa feminina é contraditória à idéia de individualidade difundida pela sociedade atual. Contudo, Lipovestky (2007) parece discordar dessa visão, observando que apesar de a homogeneização da beleza feminina parecer contraditória com o valor de individualidade do mundo ocidental moderno, existem muitos e diferentes caminhos para se chegar ao corpo ideal. Desse modo, cada conjunto de escolhas que a mulher faz é personalizada, mesmo que ela seja expostas às novidades do mercado que são lançadas diariamente para optar pelo melhor caminho. Na sociedade contemporânea, cada cidadão tem o direito de escolher, experimentar, questionar e rejeitar os produtos cosméticos apresentados no mercado. O livre acesso às informações propagadas pelos meios de comunicação fazem parte da construção de ideais estéticos e da formação de opinião popular sobre tratamentos estéticos (LIPOVETSKY, 2007; GOLDENBERG, 2006, 2009). Apesar de certa obsessão em massa em torno da magreza, há um fracasso na sociedade em fazer com que todos tenham esse autocontrole: disfunções alimentares, obesidade, exercícios que não são feitos regularmente são todos 28 exemplos da falta de controle sobre o corpo, que pode criar culpa e ansiedade. A exigência da beleza ideal e jovem é mais rigorosa com as mulheres que as antigas amarras ditadas pela a sociedade em relação ao campo sexual, a indumentária e ao dever da maternidade. Assim, o invés de uma sociedade com corpos perfeitos, “o universo do consumo exacerba os desejos e favorece os impulsos e manias passageiras, aumenta a aversão aos esforços regulares e austeros” (LIPOVETSKY, 2007, p. 147). 2.2.2 Cosméticos e cosmocêuticos A preocupação feminina em parecer jovem não é um fenômeno recente, porém os cuidados com a aparência, antigamente, limitavam-se a disfarçar a idade com o uso de maquiagens e penteados. No antigo Egito, a maquiagem era utilizada para marcar bem os olhos, como pode ser observado em algumas representações de mulheres importantes nessa sociedade como Cleópatra e Nefertiti. Sabe-se que grande parte das substâncias coloridas que esse povo usava como maquiagem eram venenosas (LIPOVETSKY, 2007; KURY, 2000). Desde a antiguidade clássica, a arte da maquiagem era vista como uma trapaça desonesta das mulheres e uma arma de sedução, com o uso de certas substâncias para disfarçar seus defeitos. A Renascença foi o período onde a elite européia mais utilizou a maquiagem. A mulher dessa época também costumava enfeitar seu corpo com objetos da ourivesaria, preocupava-se com o cabelo, que frequentemente era pintado de loiro, e utilizava produtos cosméticos. Nesse período, o recato da igreja foi deixado de lado e o clima de luxúria e sedução circulava livremente na aristocracia. Tanto homens quanto mulheres escondiam a pele com pós e pastas brancas, enquanto os tons coloridos eram utilizados na bochecha, lábios e olhos para realçar a brancura (ECO, 2000; LIPOVETSKY, 2007; KURY, 2000). Durante milênios os cosméticos foram exclusivos de uma elite social. Apenas no século XX os produtos de estética deixaram de ser privilégio de classes sociais mais abastadas. A produção em massa possibilitou o acesso da população aos produtos de beleza. Desse modo, o consumo dos cosméticos aumentou nos anos 20 e 30: o batom fez grande sucesso a partir de 1918 e os bronzeadores e esmaltes de unha nos anos 30. Contudo, foi na secunda metade do século XX que o crescimento do 29 mercado dos produtos de beleza teve um grande avanço e passou a fazer parte do consumo diário em razão do aumento do nível de vida e do avanço cientifico dos métodos industriais (LIPOVETSKY, 2007). Por todo o século passado, o ideal da mulher longilínea e esbelta, e a busca por uma aparência jovem nortearam a estética feminina. Na cultura brasileira, particularmente em cidades como o Rio de Janeiro, o corpo e as perfeição das formas são reverenciados no dia-a-dia da população. Um reflexo da valorização da aparência por essa sociedade é o crescimento do mercado de cosméticos, procedimentos estéticos e cirurgias plásticas. De 1996 a 2010 a indústria de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC) cresceu significativamente mais rápido que a economia do país: enquanto o PIB cresceu em média 3,1% a.a., HPPC teve um aumento médio de 10,4% a.a.. Ademais, o Brasil se apresenta como um grande consumidor mundial; em 2010, o país representou o terceiro maior mercado consumidor de HPPC com um faturamento de US$ 37,4 bilhões, representando 15% do faturamento dos 10 maiores países consumidores, e o quarto maior mercado em produtos relacionados a pele. A cada dia aparecem mais produtos e serviços que prometem bem-estar, saúde e beleza (LIPOVETSKY, 2007; ASKEGAARD et al., 2002; ABIHPEC, 2010). Os cosméticos são utilizados em todo o corpo, mas principalmente no rosto, para embelezar, melhorar a aparência e corrigir defeitos superficiais. Assim, os produtos destinados à higiene e à beleza são considerados cosméticos (HOUAISS, 2001). Apenas no século XX os produtos estéticos passaram a ter a função de conservar o corpo, além de disfarçar seus defeitos. Não havia tecnologia, até esse momento, que cumprisse o papel de preservar a aparência. Assim, pode-se notar que o interesse pelo rejuvenescimento do corpo através de práticas que conservam um corpo esbelto e jovem é algo recente. Desde o aparecimento de tecnologias rejuvenescedoras, as revistas femininas foram invadias por matérias que ressaltam a magreza e o culto a beleza. Com a valorização do corpo jovem, as técnicas de prevenção passaram a ser mais importantes que as técnicas de camuflagem (LIPOVETSKY, 2007). Nesse momento, os laboratórios passaram a comercializar uma outra categoria de produtos estéticos: os cosmocêuticos, que são produtos caracterizados pelo 30 “funcionamento de ingredientes biologicamente ativos na barreira cutânea e na saúde da pele” (DRAELOS, 2009, p. 2). A eficácia desses produtos dependem de sua formulação, que deve veicular o ativo para que tenha uma ação biologicamente ativa para a pele. Os cosmocêuticos mais básicos são os limpadores, hidratantes e protetores solar. Entre os mais sofisticados encontram-se os seruns anti-idade, esfoliantes e cremes auto-bronzeadores. Possivelmente, os cosmocêuticos do futuro serão hidratantes moduladores de células, mascaras de regeneração de colágenos e pílulas estimuladoras de melanina (DRAELOS, 2009). No mercado atual, alguns cosmocêuticos são vendidos como cosméticos. Para verificar a eficácia do produto são necessários os testes clínicos, que são uma importante arma para os dermatologistas. De qualquer modo, esses produtos têm uma ação limitada e seu efeito é determinado pela capacidade de melhorar a pele. Nenhum hidratante tem a capacidade de melhorar as rugas profundas da face, eles apenas minimizam sua aparência. Já os clareadores necessitam de, no mínimo, seis semanas para melhorar a pele (DRAELOS, 2009). Os cosmocêuticos já foram considerados produtos de luxo, porém atualmente, são indicados como produtos complementares aos produtos farmacêuticos. Os dermatologista utilizam os cosmocêuticos com a intenção de minimizar efeitos colaterais dos farmacêuticos e de trazer benefícios para a pele. Interessante que muitos consumidores acreditam que o preço dos produtos de estética está diretamente ligado à qualidade do produto, porém, essa afirmativa não é sempre verdadeira. Os componentes mais caros do produto são sua apresentação (embalagem) e sua fragrância. Esses componentes tem relação apenas com a estética do produto e não com sua eficácia (DRAELOS, 2009). Com o avanço da tecnologia no mercado da beleza e a possibilidade da manutenção da juventude por um maior período de tempo, pode-se observar que duas normas passam a dominar o universo feminino na sociedade contemporânea: o antipeso e o antienvelhecimento. Alguns sinais apontam para o contínuo crescimento da valorização da beleza e juventude do corpo: já em 1997, o consumo dos produtos anti-idade e antirrugas ultrapassavam o consumo de maquiagens; e a busca pela cirurgia plástica com a intenção de rejuvenescimento mostra-se cada vez mais frequente (LIPOVETSKY, 2007). 31 Nesse cenário, os produtos antienvelhecimento passaram a fazer parte do euestendido de algumas mulheres. Contudo, apenas quando o corpo representa um componente importante da identidade da mulher e através desses produtos ela consegue expressar um certo estilo de vida os cosméticos fazem parte de sua identidade. Assim, os bens de consumo são utilizados como símbolos que servem para categorizar idéias, conservar um estilo de vida e definir, em parte, o self (MITTAL, 2006 ; MCCRAKEN, 2003). Casotti, Suarez e Campos (2008), a partir de um estudo feito no Rio de Janeiro, com mulheres de classe mais alta, relatam que o modo como a mulher consome os produtos de beleza pode variar com o ciclo de vida. As mudanças de rotina e a percepção do envelhecimento do corpo influenciam no modo como as mulheres se relacionam com os cosméticos. As mais jovens que estão no fim da adolescência e iniciam seu percurso no mercado de trabalho desejam resultados imediatos, pois o momento presente é o importante. Assim, podem valorizar o bronzeado exagerado, mesmo conhecendo a importância do filtro solar. Posteriormente, há o grupo de mulheres que estão no mercado de trabalho, porém não possuem filhos. Essas mulheres percebem que precisam administrar seu tempo no dia-a-dia, que é bastante corrido, pois já estão preocupadas com a ação do tempo em seu corpo e pensam em prevenir contra o envelhecimento. Elas gostam de experimentar, porém não tem o costume de utilizar os cosméticos se não estiverem ao alcance da visão. O terceiro grupo, são as mulheres que são mães e profissionais que sentem que o corpo está mudando pelo envelhecimento. Seu tempo é escasso e por isso não podem perder tempo com diversos produtos, elas escolhem os cosméticos pela praticidade. Por último, as autoras contam que depois de uma certa idade, com os filhos já não tão dependentes, as mulheres passaram a ter mais tempo livre para se cuidarem. Ademais, são mulheres que estão se aposentando ou diminuíram sua jornada de trabalho, o que também libera tempo para se cuidarem. Esse grupo têm mais consciência do seu envelhecimento e se preocupam em utilizar produtos que busquem prevenir a ação do tempo. Essas consumidoras experimentam diversos produtos mas são mais exigentes e sofisticadas que em outros períodos da vida. 32 2.3 ENVELHECIMENTO As primeiras pesquisas feitas sobre o envelhecimento se referiam ao desgaste fisiológico do corpo, com o objetivo de encontrar um meio para retardá-lo. Posteriormente, iniciaram-se estudos do campo das ciências sociais, mostrando que a velhice é, na verdade, uma construção sociocultural. Assim, o entendimento da idade não se faz apenas de uma forma cronológica, mas também é relacionado ao significado cultural de uma idade, à percepção da autoimagem e ao sentimento de cada indivíduo (LOGAN, WARD, SPITZE, 1992; DEBERT, 2004), segundo Baudrillard (2008): “O estatuto do corpo é um fato de cultura. Ora, seja em que cultura for, o modo de organização de relação ao corpo reflete o modo de relação às coisas e das relações sociais.” (p. 168) Além disso, a identidade do indivíduo também é sustentada pelas relações com terceiros, onde o olhar do outro exerce um importante papel: “a velhice parece mais claramente para os outros, do que para o próprio sujeito; ela é um novo estado de equilíbrio biológico: se a adaptação se opera sem choques, o indivíduo que envelhece não a percebe.” (Beauvoir, 1990, p. 348) Goldenberg (2009) narra suas dificuldades e crises ao perceber a própria velhice se aproximando, uma preocupação que teve início no momento em que sua dermatologista percebeu sinais da idade em seu rosto. Assim, a partir da visão de outra pessoa a autora passou a se olhar de modo diferente e enxergar rugas onde nunca tinha notado. O self pode ter sido influenciado no momento em que outra pessoa a percebeu diferente do que ela sempre havia se visto. Na sociedade atual, o comportamento parece definir os marcadores de tempo melhor que a idade cronológica. De acordo com Simone de Beauvoir (1990), não há um acordo quanto ao início da velhice, nem um ritual passagem para essa fase da vida, como um dia foi a aposentadoria. Assim, a velhice passa a ser relacionada à autonomia do indivíduo e a idade cronológica perde um pouco de sua importância em uma sociedade onde a aparência e o comportamento jovem permeiam diversas idades (DEBERT, 1997, 2004). 33 Barak et al. (2008) observam que a idade cognitiva e a idade desejável são inferiores à idade cronológica das mulheres pesquisadas nas culturas da Korea, China e Índia. Apesar de elas fazerem parte de uma cultura que demonstra um grande respeito e admiração pelos mais velhos – o que levaria à aceitação do envelhecimento -, as mulheres orientais também têm o desejo de se manterem jovens. Portanto, o sentimento que essas mulheres têm em relação a sua idade não difere muito das mulheres americanas. Percebe-se, então, que o desejo de ser jovem e manter a aparência jovem parece ser global. Em outro estudo, Logan, Ward e Spitze (1992) perceberam que entre pessoas de mesma idade cronológica podem existir diferenças de percepção em relação à fase da vida que estão passando. Apesar da maioria dos entrevistados de 55 anos entenderem que estão na meia-idade, alguns se intitulam jovens e outros velhos. Isso ocorre pois, as experiências e preocupações acumuladas durante a vida acabam influenciando na percepção da idade. Se foram experiências árduas, a probabilidade de a pessoa se sentir mais velha é maior. O autores concluem que o sentimento em relação à idade é um produto da idade cronológica, do estado de saúde e das experiências da vida. Além disso, a categoria de idade com a qual o entrevistado se identificou está associada à sua auto-estima. Aqueles que tem uma baixa auto-estima sente-se mais velho. Ainda, as pessoas pesquisadas pelos autores, classificados na categoria de idosos, são menos felizes e apresentam uma menor satisfação na vida, sugerindo que a transição da meia-idade para a velhice é uma experiência negativa. Os avanços da medicina, a melhor política de saúde pública e a disseminação dos conceitos de nutrição permitiram o aumento da expectativa de vida no século XX. A longevidade do indivíduo somada ao envelhecimento de uma parcela da população chamada de baby boomers resultaram no crescimento do número de idosos e em mudanças no quadro demográfico (MOSHINS, BERNHARDT, 2003; LEVENTHAL, 1997). Estudos do IBGE (2008) demonstram que os idosos serão uma grande parcela da população brasileira já em 2020 e, em 2050, haverão mais idosos do que crianças no Brasil. Esse fato aponta para a necessidade de maior atenção com o segmento da população mais velha. Mesmo após a primeira década do século XXI, Casotti, 34 Campos e Borelli (2011) reconhecem que empresas ainda valorizam o segmento jovem em detrimento ao segmento de pessoas mais velhas. Nota-se que a mudança da configuração etária da população afeta os governos, os indivíduos e as instituições. Contudo, pensar que o problema da velhice ganhou destaque, exclusivamente, pela maior representatividade do número de idosos na sociedade seria perder a chance de observar “mudanças culturais nas formas de pensar e gerir a experiência cotidiana, o tempo e o espaço, as idades e os gêneros, o trabalho e o lazer [...]” (DEBERT, 2004, p.13). Como consequência dessas mudanças culturais, a velhice deixou de representar apenas uma fase do ciclo vida, desmembrando-se em etapas intermediárias como a meia-idade, terceira idade e aposentadoria ativa; enquanto a juventude parece ter se tornado a etapa mais longa desse ciclo, pois crianças estão virando jovens mais cedo e os jovens tornam-se adultos cada vez mais tarde (CASOTTI, CAMPOS E BORELLI, 2011). Até os anos 80 o mercado de consumo era orientado para o público jovem, mais especificamente, para pessoas com até 50 anos de idade. As empresas acreditavam que as pessoas mais velhas tinham limitações econômicas e, por isso, eram insignificantes. No entanto, ao ser publicado o primeiro artigo, na Harvard Business Review, dimensionando o tamanho do mercado da população madura e demonstrando seu poder de compra, os empresários perceberam que estavam negligenciando um grupo importante de consumidores. Porém, na tentativa de recuperar esse mercado, as empresas cometeram inúmeros erros de marketing pela falta de informações necessárias para tomar decisões, como anúncios para pessoas de 50 e 60 anos com imagens de velhos deprimidos e carentes (MOSHINS, BERNHARDT, 2003). Parece haver uma discordância entre Moshins e Bernhardt (2003) e Leventhal (1997) quanto a importância dada aos consumidores mais velhos pelas empresas, nos anos 1990. Enquanto Moshins e Bernhardt (2003) percebem que houve um movimento de valorização desse público, com mensagens e produtos desenvolvidos especificamente para atingir esse segmento; Leventhal (1997) relata que, para muitas empresas, esses consumidores representavam um grupo de pessoas velhas, vulneráveis, com baixo poder de consumo e solitárias. 35 Contudo Debert (2004) observa que, desde os anos 1990, a mídia parece apoiar a crença de que a velhice é um momento de privilégios, em que os idosos podem realizar sonhos e colocar em prática projetos que foram adiados por causa das obrigações da vida adulta. Nesse cenário, muitos profissionais de marketing já perceberam a complexidade e a diversidade do grupo de consumidores mais velhos (MOSHINS E BERNHARDT, 2003) 2.3.1 O consumo e o envelhecimento A construção da identidade das pessoas que vivem na sociedade atual é baseada em seus hábitos de consumo. Contudo, até a metade do século XX, o trabalho e a ocupação do indivíduo tinham papéis centrais no self e eram determinantes para o status social do indivíduo. Já no mundo contemporâneo, são as posses e o estilo de vida que definem a posição social. Portanto, a identidade e a percepção de terceiros em relação à uma pessoa está mais ligada ao seu consumo que ao seu trabalho (RANSOME, 2005). Como observado por McCraken: “O sistema de consumo supre os indivíduos com materiais culturais necessários à realização de suas variadas e mutantes idéias do que é ser um homem ou uma mulher, uma pessoa de meia-idade ou um idoso (...) Todas essas noções culturais estão concretizadas nos bens, e é através de sua posse e uso que o individuo as assimilas em sua própria vida.” (2003, p. 119) Na sociedade baseada no consumo as pessoas costumam buscar experiências de consumo para satisfazer diferentes prazeres e necessidades (RANSOME, 2005). Como visto na pesquisa de Logan, Ward e Spitze (1992), o consumo hedônico de produtos relacionados a beleza levam a uma sensação de bem-estar, o que faz com que o sentimento de juventude reapareça. Nesse cenário, surge um conflito entre a idade cronológica e a idade sentida, o que Simone de Beauvoir (1990) chamou de “contradição intransponível”. Para o mercado de consumo a idade sentida por uma pessoa é mais importante que a idade cronológica. Assim, a intensidade do envolvimento com o consumo de produtos de beleza tem relação com a percepção do próprio envelhecimento. As celulites, manchas de sol, rugas, dificuldade para emagrecer e fios brancos, são alguns sinais do envelhecimento percebido pelas mulheres. De acordo com Simone de Beauvoir (1990), apenas com os sinais do envelhecimento aparentes o indivíduo reconhece o próprio envelhecimento: 36 “Quando jovens, ou na força da idade, não pensamos, como Buda, que já somos habitados pela nossa futura velhice: ela está separada de nós por um tempo tão longo que, aos nossos olhos, confunde-se com a eternidade; este futuro longínquo nos parece irreal.” (p. 11) Do mesmo modo, Casotti, Campos e Borelli (2011) comentam que ao sentir as primeiras mudanças no corpo, causadas pelo avanço da idade, as jovens tomam consciência do envelhecimento, que até então não parecia ser um fato real, e passam a inserir alguns produtos estéticos em seu dia-a-dia. As conquistas no campo da estética trazem a cada dia novos tratamentos e procedimentos que prometem para mulheres mais velhas a pele de uma jovem de 20 anos de idade. Na tentativa de “enganar” a passagem do tempo, todos os artifício valem o risco para rejuvenescer, mesmo que possa significar o comprometimento da saúde. Assim, o corpo bem torneado e sexy é construído através de muito esforço. Os tratamentos de beleza que vão de cremes à cirurgias plásticas moldam um corpo que é considerado “natural” e superior ao de outros indivíduos que não possuem esse corpo esculpido ou aos que já estão com o corpo envelhecido (GOLDENBERG, 2007, 2009). Debert (2004), assim como Goldenberg (2007, 2009) observou que a responsabilidade pela imagem e pelo envelhecimento é do indivíduo, que tem tratamento cosméticos, ginástica, vitaminas e plásticas para rejuvenescer cada vez mas acessíveis. As autoras observam que o corpo natural é aquele “naturalmente construído”, sem imperfeições que chegam com o avanço da idade. Desse modo, a juventude passa a ser um valor que todos desejam, e não mais uma faixa etária definida cronologicamente. Contudo, Clarke e Griffin (2007) parecem encontrar uma diferença no que é considerado envelhecimento “natural” e “não-natural” no conceito das mulheres pesquisada, entre 50 e 70 anos de idade. Essas mulheres consideram que procedimentos cosméticos mais invasivos levam ao envelhecimento “não natural”; enquanto o envelhecimento “natural” pode englobar o uso de cremes anti-rugas, tingimento de cabelo, ou seja, de tratamentos não invasivos. Para elas, esses tratamentos são utilizados para a manter sua feminilidade e atração física. Apesar de considerarem essencial disfarçar a idade com os tratamentos estéticos, elas analisam que aquelas mulheres que não consomem nenhum tipo de tratamento são 37 puras, autênticas e admiráveis. Ainda, de acordo com os autores, a publicidade, os manuais de auto-ajuda e especialistas em saúde são os primeiros a passar uma imagem de que imperfeições no corpo não são naturais, nem imutáveis, portanto, podem ser corrigidas, é como uma “ditadura da juventude”. Segundo Goldenberg e Ramos (2002) o final do século XX e início do XXI são momentos da história onde o culto e a obsessão pelo corpo passaram a fazer parte da cultura brasileira. Mulheres de grande sucesso como a Gisele Bündchen e algumas atrizes da Globo são exemplos de um padrão beleza social. Mulheres de 50 anos posam nuas na revista Playboy demonstrando a possibilidade de manter perfeição e juventude na meia-idade. Esse comportamento pode ser um reflexo do aprisionamento da liberdade, onde, teoricamente, as pessoas têm livre escolha sobre o corpo, porém há uma constante pressão para seguir o padrão de beleza e juventude estipulado pela sociedade (BAUMAN, 2001). Na sociedade de consumo o corpo se tornou o objeto de salvação, ocupando o lugar da alma na função moral e ideológica. Ser bela é uma qualidade fundamental para aquelas que cuidam do rosto como da alma (BAUDRILLARD, 2008) em uma sociedade em que a beleza está diretamente ligada à juventude. Por exemplo, Bayer (2005) avalia que apenas mulheres com menos de 40 anos são modelo de beleza e sucesso. Assim, marcas como Lacôme e Helena Hubstein prometem uma aparência jovem conferindo imagens manipuladas de peles perfeitas às embalagens dos seus produtos. No entanto, Wolf (1992) considera absurdo tratar as imagens que aparecem na mídia, visando apagar os sinais de idade das mulheres, pois isso significaria apagar a identidade e a história das mulheres. Do mesmo modo, tentar apagar os sinais da idade com tratamentos e procedimentos estéticos, e cirurgias plásticas pode ser compreendido como uma violência contra a mulher. A manipulação de imagens em meios de comunicação leva as consumidoras a se iludirem, ao acreditar que mulheres de 60 ou 70 anos que aparecem na mídia não possuem rugas. Com isso, para algumas mulheres, a expectativa do rejuvenescimento passa a ser algo inalcançável. Em outros casos, os produtos de estética servem como pontes para as esperanças. Nesse processo, os objetos são 38 utilizados para recobrar o significado que foi, em algum momento, deslocado em tempo ou espaço. Desse modo, os produtos rejuvenescedores servem como um meio de renovar a expectativa consumistas de certas mulheres (WOLF,1992; MCCRACKEN, 2003). Como um instrumento de transmissão dos significados da imagem ideal e de juventude, as empresas de cosméticos passam a explorar de forma efetiva a publicidade. Assim, muitas revistas mantêm uma coluna sobre os novos produtos de beleza, onde são encontradas promessas de juventude eterna. Por exemplo, a revista Vogue apresenta constantes lançamentos: o novo extrato Vitamina C para a pele continuar lisa (VOGUE 357, 2008); os ativos extraídos de aranhas coreanas, o peeling desenvolvido em Bagdá e o laser indolor (VOGUE 326, 2005); a maçã suíça que possui células-tronco extremamente resistentes, com poder regenerador (VOGUE 376, 2009) Quando a equivalência simbólica é bem sucedida, o consumidor que lê a mensagem atribui àquele bem de consumo as propriedades que lhe foram transferidas (MACCRAKEN, 2003). O movimento de significados pode ser visualizado na figura abaixo: Figura 1. Fonte: MCCRAKEN, 2003 Assim, os meios de comunicação transmitem em suas mensagens não só mulheres jovens, magras e belas, mas também meios de rejuvenescer ou de prevenir os sinais da idade cada vez mais cedo. Como resultado, muitas consumidoras 39 começam os tratamentos ainda na juventude, através de cremes e procedimentos cosméticos (DEBERT, 2004; WOLF, 1992), ou se submetem à cirurgias plásticas (BORELLI, 2009) Geriatras e cientistas sociais especialistas em envelhecimento afirmam que a juventude é um bem que todos podem conquistar através de medidas preventivas. Eles reforçam o discurso de que a falta de beleza e de saúde é uma conseqüência da falta de cuidados durante a vida (DEBERT, 2004). Nesse universo, Debert (2004) comenta sobre a importância de três atores sociais para um envelhecimento saudável: os gerontólogos, que são experts no assunto, a mídia e as pessoas mais velhas. O primeiro grupo estuda de perto o processo envelhecimento. A mídia, ao debater amplamente o assunto, tem um papel fundamental para abertura de novos mercado de consumo para esse segmento. Por último, as pessoas de mais idade estão tomando consciência que precisam aprender a lidar com o envelhecimento no contexto social atual. 2.3.2 As dificuldades do envelhecimento Para Debert (2004), não é possível afirmar que a velhice já teve sua idade de Ouro, já que não há provas conclusivas de que houve uma época em que os mais velhos eram valorizados na sociedade. Na segunda metade do século XX, a velhice era considerada decadente e havia a ausência de um papel social para o idoso. Desde essa época, o envelhecimento passou a ser percebido e tratado como um processo de perdas que levam a decadência do indivíduo; os mais velhos eram esquecidos ou tratados como um fardo. Contudo, o indivíduo não inicia o processo de envelhecimento no momento em que nasce; enquanto as falhas do organismo forem insignificantes para a vida do sujeito ou compensadas pelo organismo de algum modo, não se poderá falar em envelhecimento. Apenas quando se apresenta um declínio real da parte física ou psicológica, o ser humano começa a envelhecer. Nos tempos atuais, os indivíduos são responsabilizados pela própria aparência e saúde; e as situações de abandono e dependência são consideradas conseqüência de uma falta de estilo de vida adequado (DEBERT, 2004; BEAUVOIR, 1990). 40 Tanto no trabalho quanto na vida social é notado um preconceito contra aqueles que envelhecem, como exemplo, muitas empresas incentivam a aposentadoria antes do tempo, oferecendo benefícios e cortando os altos salários dos funcionários antigos. Nesse sentido, a aparência rejuvenescida pode fazer com que os profissionais consigam manter seu valor por mais tempo (DEBERT, 2004; BEAUVOIR, 1990). Logan, Ward, Spitze (1992) perceberam por seu estudo que pessoas que se classificam na categoria de idosos são menos felizes e apresentam uma menor satisfação com a vida, sugerindo que a transição no ciclo de vida para a velhice é uma experiência negativa. Já a meia-idade é percebida como uma fase que as pessoas se sentem mais influentes, embora a associação com o declínio físico e o sentimento negativo em relação ao envelhecimento seja evidente. Apesar do medo do envelhecimento por grande parte da população, a velhice não está ligada apenas a símbolos negativos. Cada vez mais os indivíduos parecem compactuar com a idéia de que a velhice pode ser uma fase de realização das atividades que foram adiadas ao longo da vida por causa das responsabilidades da fase adulta. Aqueles que se enquadram na meia-idade ou que já têm uma idade avançada podem libertar-se de obrigações com a família para se dedicar à novas realizações, que, de certa forma, reforçam a própria identidade. Algumas pessoas demonstram um desejo de viver bem, mantendo uma boa aparência. (LOGAN, WARD, SPITZE, 1992; BAYER, 2005). Para Goffman (apud JENKINS, 2008) o individuo é representado por sua presença física no mundo. Segundo esse autor, o corpo, mais particularmente o rosto, representa a interação do eu com o mundo, podendo tanto interagir no meio público quanto no privado. Logo, não é simples aceitar a mudança na aparência que ocorre com o processo de envelhecimento. McCraken (2003) sugere que as idéias e valores de sociedade estão repletos de significados culturais. “De acordo com os quais vão sendo organizados, avaliados e construídos” (p. 105) os fenômenos sociais que são substanciados nos objetos de consumo. Tal idéia é bem descrita nas pesquisas de Goldenberg (2009), onde a autora traça um paralelo entre as idéias e os valores relacionados ao envelhecimento das mulheres alemãs e brasileiras. A partir de cultura de cada país, 41 ficam claras as diferenças de pensamento e modo de vida, esse fenômeno passa a ser evidenciado na forma como essas mulheres lidam com certos bens de consumo, como a vestimenta. Goldenberg (2008) analisa o discursos das mulheres de 50 anos do Brasil e da Alemanha e percebe algumas diferenças em seus discursos. As idéias de falta, invisibilidade e aposentadoria foram comentadas apenas pelas brasileiras. As alemãs parecem perceber o lado positivo da idade em termos profissionais, intelectuais e culturais. Essas mulheres não tem uma preocupação em parecer jovem ou com o corpo, sua atenção é com a qualidade de vida e consideram uma imaturidade a busca pelo rejuvenescimento e a não aceitação e valorização da idade. Entre as mulheres brasileiras pesquisadas foram percebidos três discursos: o da “falta”, pela falta de homens interessantes de sua idade que tenham um comportamento compatível com sua idade. Elas relatam que, normalmente, os homens de 50 anos, agem como garotões e procuram mulheres mais novas. O discurso da “invisibilidade”, quando chegam aos 50 anos e não tem mais o corpo jovem, magro e sexy, elas percebem que não são mais paqueradas e não recebem elogios e por isso se sentem invisíveis. Por último, a autora classificou o discurso de “aposentaria” aquelas mulheres que, apesar de continuarem interessante aos olhos masculinos, preferem deixar de praticar sua sexualidade por não se sentirem bem com seu corpo. Segundo a autora são discursos que representam os medos e inseguranças provenientes do envelhecimento, onde essas mulheres sentem-se vítimas. Entretanto, há um outro grupo de brasileiras que sente que ganhou liberdade, tolerância, sentem-se mais maduras. Elas passaram a cuidar mais de si mesmas e buscam o que há de melhor em si mesmas. Desse modo, apesar de as brasileiras serem aparentemente mais jovens e estarem em melhor forma que as alemãs, elas são psicologicamente mais afetadas pelo processo de envelhecimento, sentindo-se desvalorizadas (GOLDENBERG, 2009). 2.4 A BIOÉTICA MÉDICA No capítulo de revisão de literatura buscou-se conhecimentos relativos à identidade dos consumidores ou pacientes, como no caso dessa pesquisa, ao mesmo tempo em que se procurou refletir sobre temas complexos como beleza e envelhecimento, 42 tanto para os consumidores quanto para a especialidade médica denominada dermatologia. Os dermatologistas parecem sentir dificuldades em distinguir aspectos da cosmética e da prática médica, podendo surgir conflitos de interesse no dia-a-dia da profissão e uma crença da população de que a dermatologia tornou-se mais uma especialidade cosmética do que médica. A constatação dessas dificuldades levou a uma busca de melhor entendimento de questões éticas relativas às praticas médicas (GENDLER E RIZZO, 2009). Segundo Kottow (1995), a bioética é o conjunto de conceitos, argumentos e normas que valorizam e justificam eticamente os atos humanos que podem determinar a morte de um ser humano. Já para Schramm (2002), a bioética, também chamada de “ética prática”, visa “dar conta” dos conflitos e controvérsias morais implicados pelas práticas no âmbito das Ciências da Vida e da Saúde. Tais conflitos surgem das interações humanas e devem encontrar soluções para os conflitos de interesses e de valores, recorrendo apenas a negociação entre agentes morais considerados cognitiva e eticamente competentes. Pode-se dizer que a bioética tem três função principais: descritiva, que descreve e analisa os conflitos; normativa com relação a tais conflitos, tanto no sentido de proscrever os comportamentos que podem ser considerados reprováveis quanto de prescrever aqueles considerados corretos; e protetora, no sentido bastante intuitivo, de amparar, quando possível, todos os envolvidos em alguma disputa de interesses e valores, priorizando, quando necessário, os mais “fracos” (SCHRAMM, 2002). Sgreccia (1996) discorre sobre os quatro princípios intrínsecos à bioética: o princípio da Não Maleficência, da Beneficência, de Respeito à Autonomia e de Justiça. De acordo com o princípio de Não Maleficência, o profissional de saúde tem o dever de, intencionalmente, não causar mal e/ou danos a seu paciente. Considerado por muitos como o princípio fundamental da tradição hipocrática da ética médica. Tratase, portanto, de um mínimo ético, um dever profissional, que, se não cumprido, coloca o profissional de saúde numa situação de má-prática ou prática negligente da medicina. A Não Maleficência tem importância porque, muitas vezes, o risco de causar danos é inseparável de uma ação ou procedimento que está moralmente indicado. No exercício da medicina este é um fato muito comum, pois quase toda 43 intervenção diagnóstica ou terapêutica envolve um risco de dano. Do ponto de vista ético, este dano pode estar justificado se o benefício esperado com o resultado de um exame for maior que seu risco. Quanto maior o risco de causar dano, maior e mais justificado deve ser o objetivo do procedimento para que este possa ser considerado um ato eticamente correto. O princípio da Beneficência significa que temos a obrigação moral de agir para o benefício do outro. Este conceito, quando é utilizado na área de cuidados com a saúde, significa fazer o que é melhor para o paciente, não só do ponto de vista técnico-assistencial, mas também do ponto de vista ético. É usar todos os conhecimentos e habilidades profissionais a serviço do paciente, considerando, na tomada de decisão, a minimização dos riscos e a maximização dos benefícios do procedimento a realizar. O princípio da Beneficência obriga o profissional de saúde a ir além da Não Maleficência (não causar danos intencionalmente) e exige que ele contribua para o bem estar dos pacientes, promovendo ações: para prevenir e remover o mal ou dano que, neste caso, é a doença e a incapacidade; e para fazer o bem, entendido aqui como a saúde física, emocional e mental. É preciso avaliar a utilidade do ato, pesando benefícios versus riscos e/ou custos. A Autonomia é a capacidade de uma pessoa decidir fazer ou buscar aquilo que ela julga ser o melhor para si mesma. Para que isso ocorra são necessárias duas condições fundamentais: a capacidade para agir intencionalmente, o que pressupõe compreensão, razão e deliberação para decidir coerentemente entre as alternativas apresentadas e liberdade, no sentido de estar livre de qualquer influência controladora para esta tomada de posição. Já o respeito à Autonomia significa ter consciência do direito da pessoa possuir um projeto de vida próprio, de ter seus pontos de vista e opiniões, de fazer escolhas autônomas, de agir segundo seus valores e convicções. Respeitar a autonomia é, em última análise, preservar os direitos fundamentais do homem, aceitando o pluralismo ético-social que existe na atualidade. A aliança terapêutica entre o profissional de saúde e seu paciente e o consentimento para a realização de diagnósticos, procedimentos e tratamentos se baseiam no respeito ao princípio de Autonomia. Este princípio obriga o profissional de saúde a dar ao paciente a mais completa informação possível, indicando as opções, seus benefícios, seus riscos e seus custos para que a pessoa compreenda de forma adequada o problema. 44 O princípio da Justiça está associado, especificamente, com as relações entre grupos sociais, diferentemente dos princípios da beneficência, da não maleficência e da autonomia, que pressupõe uma relação interpessoal entre o profissional de saúde e seu paciente. Por esse princípio entende-se que é um direito do cidadão igualdade nas oportunidades de acesso aos bens comuns. Com a crescente socialização dos cuidados com a saúde, as dificuldades de acesso e o alto custo dos serviços de saúde, as questões relativas à justiça social são cada dia mais relevantes para que o direito à saúde seja respeitado. Neste contexto, o conceito de justiça deve fundamentar-se na premissa que as pessoas têm direito a um mínimo decente de cuidados com sua saúde (SGRECCIA, 1996). De acordo com Dawnie et al. (2000) as ‘humanidades médicas’ deveriam ser inseridas à formação universitária e à educação continuada. Essa abordagem prevê a incorporação de elementos das ciências humanas (filosofia, psicologia, antropologia, literatura) na formação e na prática dos profissionais de saúde. As humanidades médicas possibilitam aperfeiçoar a comunicação médico-paciente ao levar os médicos a repensarem a qualidade da assistência, a personalização dessa relação, humanizando as atividades médicas. Os atores envolvidos na relação médico-paciente têm um papel ativo nessa interação composta por componentes pertencentes à diversas dimensões, as ações de observar, mudar e reorganizar padrões. A dimensão dialética dessa relação é influenciada tanto por seus membros, como também pelo contexto onde ocorrem (CAPRARA et al., 2006). Desse modo, a narrativa encoraja e melhora o julgamento clínico. A narrativa de caso médico vai além da história clínica convencional, supre temas que não seriam possíveis conhecer apenas com o prontuário, nem o relato de caso publicado. Por exemplo, na dermatologia Gendler e Rizzo (2009) afirmam que a comunicação e a educação são os fatores mais importantes da relação com o paciente, para ajudá-lo a optar pelo melhor tratamento, entre as diversas possibilidades apresentadas pelo mercado. São questões complexas e subjetivas, como a percepção do adoecimento e do envelhecimento, as repostas à doença ou às práticas da cosmiatria, as dificuldades e esperanças depositadas na relação médico-paciente, aceitação ou rejeição do tratamento indicado e os significados da enfermidade ou questões estéticas na vida do paciente. Essas questões, associadas à avaliação clínica, auxilia o médico a compreender que o significado que ele dá à 45 doença e à outros problemas do paciente, como profissional, não é igual ao que tem na vida do paciente (GROSSMAN e CARDOSO, 2006). 46 3. METODOLOGIA O capítulo de metodologia tem o objetivo de esclarecer a decisão do paradigma utilizado para orientar a pesquisa, além de descrever as etapas do estudo, desde contato com o fenômeno social à metodologia utilizada para a análise das entrevistas e suas limitações. Para que a pesquisa tenha importância científica, ao escolher o tema, o pesquisador deve pensar no motivo pelo qual a questão deve ser estudada. Assim, as perguntas corretas no início do projeto são definitivas para determinar a relevância da pesquisa (WITKOWSKI, JONE, 2006). O estudo procurou responder questões referentes aos temas de beleza, envelhecimento e produtos anti-idade, a seguinte pergunta foi central no desenvolvimento da pesquisa: Qual a visão de um grupo de dermatologistas sobre o conceito de beleza, sobre o processo de envelhecimento e sobre o uso de procedimentos e produtos antiidade? Para apoiar essa pergunta principal foram elaboradas algumas perguntas secundárias: • Como os dermatologistas vêem a beleza? • Como os dermatologistas percebem o processo de envelhecimento em suas pacientes de diferentes faixas de idade? • Como os dermatologistas avaliam o uso de cremes anti-idade? • Como dermatologistas avaliam diferentes marcas de produtos anti-idade disponíveis no mercado? 3.1 NATUREZA DA PESQUISA Uma pesquisa científica é guiada por um paradigma que melhor se adéqua ao estudo proposto. No campo do marketing dois paradigmas têm papel de destaque: o positivista e o interpretativista (HUDSON, OZANNE, 1988). Muitos estudiosos costumam comparar essas duas abordagens elegendo a priori a que consideram mais coerente para orientar seu estudo (BAHL, MILNE, 2006; BAUER et al., 2002). 47 No entanto, Cova e Elliott (2008) observam que é mais importante entender o problema primeiro, e posteriormente escolher a abordagem mais indicada para guiar a pesquisa. Esses autores incentivam que esses dois paradigmas sejam utilizados de modo colaborativo, para que possam ser alcançados resultados de maior qualidade. Com o objetivo de compreender melhor a filosofia que permeia a abordagem positivista e a interpretativista, Hudson e Ozanne (1988) analisam suas diferenças quanto às crenças sobre a natureza da realidade e dos seres sociais, e o modo como buscam o conhecimento (Quadro 1). Contudo, esses autores não tem a intenção de escolher qual é a melhor, apenas desejam pontuar as características de cada paradigma. Quadro 1 - Sumário das abordagens Positivista e Interpretativista Premissas Positivista Interpretativista Ontológica Natureza da realidade • Objetiva, tangível • Socialmente Construída Múltipla • Única • Holística • Fragmentável • Contextual • Divisível Natureza dos seres sociais • Determinística • Voluntarista • Reativa • Proativa Axiológica Objetivo principal • Explicação • Compreensão • Predição Epistemológica Conhecimento Gerado Visão de Casualidade • Generalista • Independe de data e de contexto • Existência de causa real • Específico • Datado • Depende do contexto • Múltipla • Simultânea • Interativo • Dualista Relação do pesquisador • Separação • Ponto de observação privilegiado Fonte: HUDSON, OZANNE, 1988 • Cooperativo • Ponto de observação não privilegiado 48 No paradigma interpretativista a realidade é socialmente construída, tanto no âmbito do indivíduo quanto do grupo. Assim, cada pessoa ou grupo percebe e interage com a realidade de modo diferente, fazendo com que o ser humano seja um agente modificador do meio. O modo de enxergar a realidade é diferente para cada pessoa ou grupo, tornando-a múltipla e podendo sofrer constantes mudanças. Já na abordagem positivista, a realidade é única para todos, independentemente de momento e lugar. Ainda, pode ser fragmentada, ou seja, pode ser dividida em componentes que poderão ser estudados separadamente. Nesse paradigma, as modificações ocorrem primeiro no meio e os indivíduos sofrem influência como agentes passivos (HUDSON, OZANNE, 1988). De acordo com Hudson e Ozanne (1988), na abordagem interpretativista busca-se a compreensão das relações humanas. Não há conceitos certos ou errados, mas uma interpretação do fenômeno em diversas dimensões que será discutida posteriormente entre pesquisadores, podendo coexistir múltiplas interpretações, sem que seja necessário escolher apenas uma. Dessa forma, uma pesquisa, apenas abre uma discussão para diferentes interpretações de um fenômeno, é o início do exercício de interpretação de uma realidade que é extremamente complexa. Apesar de haver grande liberdade na execução da pesquisa, já que a pesquisa pode sofrer alteração conforme a necessidade do pesquisador, seus resultados gerados estão limitados àquele contexto e tempo onde foi feita (HUDSON, OZANNE, 1988). O método de condução da pesquisa e o tipo de conhecimento gerado devem estar de acordo com os princípios do paradigma escolhido para o estudo. De modo geral, os métodos qualitativos são os mais escolhidos para a coleta de dados e a análise quando guiados pelo paradigma interpretativista. Já os pesquisadores que defendem o positivismo, utilizam constantemente, métodos quantitativos em seus trabalhos (BAHL e MILNE, 2006). No entanto, Bahl e Milne (2006) concordam com Hudson e Ozanne (1988) ao afirmarem que o paradigma escolhido para conduzir um estudo não pode ser deduzido apenas pelo método utilizado. Portanto, tanto os métodos qualitativos podem ser usados em estudos positivistas quanto quantitativos em estudos interpretativistas desde que as características da filosofia da pesquisa sejam respeitadas. 49 Este estudo encontra no paradigma interpretativista e na pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, as características adequadas para o desenvolvimento de um estudo que busca compreender como médicos dermatologistas vêem a beleza, o envelhecimento, os produtos anti-idade e seus pacientes. Segundo Malhotra (2006) a pesquisa exploratória também contempla, como características, a versatilidade e a flexibilidade durante seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, foram encontrados poucos trabalhos que tratassem tanto de beleza quanto de envelhecimento, sendo aconselhável utilizar a pesquisa exploratória, considerando o pouco conhecimento construído sobre o assunto (MALHOTRA, 2006). 3.2 SELEÇÃO DOS ENTREVISTADOS Os sujeitos desse estudo são 16 médicos (Quadro 2) para os quais foram adotados os seguintes critérios de inclusão: que se especializaram em dermatologia; que fazem atendimento em cosmiatria; que atuam em hospitais e consultórios da cidade do Rio de Janeiro e Niterói. As primeiras cinco entrevistas foram realizadas com dermatologistas que tive acesso por indicação de parentes e amigos. Posteriormente, os próprios dermatologistas indicaram colegas da mesma área, até que se chegou ao número de 16 dermatologistas entrevistados. O processo, desde conseguir o contato telefônico com os dermatologistas, marcar um horário em suas agendas, até efetivar essas 16 entrevistas ocorreu em um período de quatro meses. Solicitei aos médicos que indicassem o melhor horário e o dia para a entrevista, com a intenção de interferir minimamente em suas rotinas. Num estudo qualitativo, o critério para a definição dos sujeitos que irão compor a amostra a ser estudada não é numérico. De acordo com Bauer e Aarts (2002) e Gaskell (2002), em um estudo qualitativo devem-se realizar entrevistas em número suficiente até que se observe a reincidência dos dados, a denominada saturação. Quando chega-se a esse ponto, novas entrevistas não melhoram a qualidade do estudo, porém podem fazer com que o pesquisador deixe escapar algum detalhe pelo tamanho do corpus da pesquisa, em que depoimentos escritos se perdem e o autor necessita recorrer à sua memória. Por essas razões, o número dos sujeitos 50 entrevistados foi definido com o decorrer da pesquisa, enquanto apareceram novos elementos relevantes para o estudo. A idéia inicial do projeto era pesquisar a relação das consumidoras de meia-idade com produtos que prometessem o rejuvenescimento. Os temas beleza e envelhecimento seriam tratados através do consumo de um produto que faz parte do dia-a-dia da mulher e representa tanto a promessa do rejuvenescimento quanto o desejo de ficar bonita: os cosméticos anti-idade. A pesquisadora tinha interesse em conhecer melhor os motivos que levam as mulheres a “lutar” contra o envelhecimento e compreender os sentimentos que teriam com durante esse processo. No entanto, na primeira entrevista com uma dermatologista, onde se desejava obter informações que auxiliassem o roteiro final, surgiram informações muito interessantes sobre os cremes anti-idade e sobre a conduta médica durante a consulta. Somado a esse fato, não foram encontrados artigos que analisassem a ligação de dermatologistas com o comportamento do consumo de beleza e envelhecimento. Assim, optou-se por mudar o sujeito do estudo e ao invés da consumidoras finais a pesquisa foi feita com os influenciadores de opinião no consumo de produtos anti-idade. Como se pode observar no quadro abaixo, obteve-se um grupo de entrevistados caracterizados pela diversidade em relação às fases da carreira, à formação e ao sexo: Quadro 2 – Resumo dos entrevistados Nome Idade Local da entrevista Formação Cidade/Bairro da entrevista Ana 40 Inst. de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira Especialização Fundão Bianca 51 Consultório Médico Especialização/ Mestrado Ipanema Carla 56 Consultório Médico Especialização/ Doutorado Botafogo Elaine 40 Consultório Médico Especialização/ Mestrado Botafogo 51 Local da entrevista Formação Cidade/Bairro da entrevista 26 Hospital Universitário Antonio Pedro Especialização (cursando) Niterói (Centro) Gabriela 27 Consultório Médico Helena 26 Hospital Universitário Antonio Pedro Especialização (cursando) Niterói (Centro) Isis 26 Hospital Universitário Antonio Pedro Especialização (cursando) Niterói (Centro) Joana 28 Consultório Médico (Hospital) Especialização Barra da Tijuca Hospital Universitário Clementino Fraga Filho Especialização/ Pós-doutorado Fundão Nome Idade Flávia Kátia Especialização (cursando) Urca Lucia 52 Hospital Universitário Clementino Fraga Filho Especialização/ Doutorado Fundão Mario 29 Consultório Médico Especialização Copacabana Nadia 32 Consultório Médico Especialização Botafogo Olga 32 Centro de Estética Especialização Barra da Tijuca Paulo 45 Consultório Médico Especialização/ Mestrado Centro Rafael 41 Policlínica Ronaldo Gazolla Especialização/ Mestrado Lapa 3.3 COLETA DE DADOS Os estudiosos de pesquisa do consumidor têm utilizado por anos os dados provenientes de entrevistas em seus estudos. As entrevistas podem variar desde não-estruturadas, onde são esperadas respostas abertas, a um questionário bem estruturado. O modo de abordagem em entrevistas também pode ser variado. Na abordagem direta objetivo é rapidamente exposto, sendo diretamente declarado ou percebido pelas questões abordadas. Além disso, entrevistas orais especialmente úteis para que o consumidor possa contar sobre sua vida de forma detalhada, lembrando-se de experiências ordinárias do cotidiano (WITKOWSKI, JONES, 2006; MALHOTRA, 2006). A pesquisa desse estudo foi realizada através de entrevistas em profundidade, de abordagem aberta e com roteiro semi-estruturado. O tema do estudo é de natureza 52 exploratória, sendo que as respostas podem ser complexas e contraditórias, em muitas situações. Nesse tipo de entrevista, o estudioso procura compreender as motivações, atitudes e sentimentos que afloram relacionados a um tópico. As conversas são realizadas individualmente, podendo se estender de 30 minutos a mais de 1 hora (MALHOTRA, 2006). 3.3.1 Cenário do estudo A pesquisa foi realizada na cidade do Rio de Janeiro, de onde sou moradora. Esta informação torna-se importante, pois a cidade é uma referência mundial de culto ao corpo, como descrito na musica de Toni Garrido sobre a população carioca: “corpos malhados, sorrisos talhados...”. Nessa cidade, a estética é muito valorizada e o corpo é um instrumento importante na construção da identidade de seus habitantes, como retrata Goldenberg (2007) em suas pesquisas sobre a população carioca. Assim, o Rio de Janeiro é um local onde o estudo da beleza e do envelhecimento é importante para o entendimento do comportamento de seus moradores. Solicitei aos médicos que os encontros fossem realizados nos locais onde consultam os pacientes que os procuram para fins estéticos, contudo alguns profissionais preferiram agendar a entrevista em hospitais públicos, em que atendem a população com menor poder aquisitivo. Desse modo, os locais das entrevistas foram ou consultórios médicos, ou clínicas de estética, ou hospitais públicos onde esses profissionais trabalham. Nos dois primeiros espaços, algumas entrevistas foram feitas no horário de almoço, outras em horário vago entre duas consultas ou no final do dia de trabalho. No terceiro, as entrevistas ocorreram durante o plantão, entre os atendimentos. É importante mencionar que alguns residentes não possuem consultório particular e, por isso, trabalham com a cosmiatria no próprio hospital em que cursam sua especialização. 3.3.2 Desenvolvimento do roteiro O roteiro da pesquisa semi-estruturado (ANEXO 1) foi construído com base em dois temas principais: envelhecimento e beleza, seguidos de questões sobre os produtos anti-idade, um bem de consumo que reúne tanto os significados do envelhecimento quanto os da beleza. 53 Inicialmente, com a intenção de compreender melhor o tema envelhecimento, assisti os filmes “Chega de Saudade” e “Conduzindo Miss Dayse”. O primeiro se passa na cidade Rio de Janeiro, em um baile de terceira idade em que são retratados temas como o desejo sexual e a percepção de ter tornado-se invisível, termo que Goldenberg (2008) descreve como um dos sentimentos originados pelo envelhecimento. O segundo filme retrata a transformação de uma senhora que sentia-se amargurada e considerava que sua vida estava acabada, por causa de sua idade avançada, até que descobre as alegrias da vida na terceira idade ao conhecer um novo amigo, seu motorista. Esses textos culturais (HISHMAN, SCOTT e WELLS, 1998) possibilitaram minhas primeiras notas para a elaboração de um roteiro, pois a atenção maior foi dada aos aspectos conceituais que incluíram beleza e envelhecimento. Também foram importantes para a elaboração do roteiro dissertações de mestrado e teses de doutorado que apresentam a beleza e os sentimentos presentes em seu consumo como assunto principal, realizadas com o apoio da Cátedra L’Oreal de comportamento do consumidor dentro do centro de estudos de consumo do COPPEAD/UFRJ (BORELLI, 2009; FONTES, 2009; SILVA, 2006; AMUI, 2006; ROSÁRIO, 2006; CAMPOS, 2010). Além desses trabalhos, artigos que tratam da beleza, do envelhecimento e do consumo hedônico (MCCRAKEN, 2003; CAMPBELL, 2006; DAHAR e WERTENBROCH, 2000; HIRSCHMAN e HOLBROOK, 1982) e livros como de “A reinvenção da velhice” (DEBERT, 2004) e “Coroas” (GOLDENBERG, 2008) foram essenciais para a elaboração das questões do roteiro. De forma que fosse possível uma aproximação com os produtos anti-idade, foram realizadas duas entrevistas com empresas do mercado de beleza: a primeira com profissionais que gerenciam a marca La Roche-Posay e a segunda com uma diretora da marca Mary Key, ambas com atuação no Brasil. Nessas entrevistas, utilizou-se um roteiro (ANEXO 2) bem abrangente que serviu como base para o roteiro final. Contudo, após a decisão de realizar a pesquisa com os dermatologistas, o roteiro sofreu pequenas alterações após as primeiras entrevistas com a finalidade de adequá-lo aos interesses do estudo e à compreensão dos demais dermatologistas a serem entrevistadas. Algumas questões também foram ignoradas em algumas 54 entrevistas por considerar que o entrevistado havia abordado o assunto em outro momento, evitando o desgaste do entrevistado. Por exemplo, a pergunta sobre as pacientes de meia-idade foi ignorada em algumas entrevistas, pois ao questionar sobre a mulher de 50, muitos profissionais já explanavam o que pensam sobre as pacientes de meia idade. Outra pergunta que foi modificada durante a entrevista foi a questão das marcas que os dermatologistas tinham preferência em prescrever: alguns dermatologistas pareciam ter receio em apontá-las, logo falam das substâncias que consideravam eficazes. Nesse sentido as figuras apresentadas foram bastante úteis, pois acabavam revelando quais marcas preferiam e o por quê. Além disso, a primeira entrevistada sugeriu inserir no estudo a avaliação das farmácias de manipulação, que desempenham um papel importante nesse mercado. De fato, essa recomendação foi de grande valia para a coleta de dados e capítulo de análise da pesquisa. Ainda, como se desejava estudar idades marcantes para o envelhecimento no ciclo de vida, foram selecionadas as idades de 30 anos, em que os primeiros sinais do envelhecimento surgem, e de 50 anos, onde se inicia a famosa crise da meia-idade para muitas mulheres. 3.3.2.1 Imagens dos produtos selecionados Ao ler e assistir a defesa de dissertação de Fontes (2009), a pesquisadora percebeu o benefício do uso de técnicas projetivas (BODDY, 2005). Fontes (2009) utilizou fotos de modelos para que seus entrevistados falassem sobre beleza mais a vontade. Desse modo, escolheu-se fazer um exercício projetivo ao final do roteiro semi-estruturado, mostrando imagens de embalagens de alguns de cosméticos antiidade. Objetivou-se incentivar os dermatologista a falarem mais abertamente o que pensam sobre cada marca de produtos anti-idade a partir das imagens: cosméticos, dermocosméticos e nutri-concentrado de beleza. As marcas foram escolhidas com a intenção de se obter uma diversidade de posicionamentos, por serem reconhecidas no mercado e serem consideradas inovadoras pelo senso comum. Desse modo, foram selecionadas as seguintes marcas: 55 a) Avon – A empresa está presente no mercado de cosméticos há 125 anos, com uma receita anual de mais de 10 bilhões. Há 53 anos a Avon chegou no Brasil com seu canal de vendas porta-a-porta. Seus produtos atingem diversas camadas sociais e estão presentes em mais de 100 países. Figura 2. cosmético anti-idade Avon Renew b) Dermage – A empresa começou suas atividades em 1978, porém apenas em 1990 a marcar Dermage foi lançada. No início trabalhavam apenas com fórmulas manipuladas, e, recentemente, passaram a comercializar uma seus produtos cosméticos através de uma linha industrializada, por meio de venda direta. A marca é voltada para a classe médica e seus pacientes. Figura 3. dermocosmético anti-idade industrializado Dermage c) Innéov - Essa marca é fruto de uma união entre L’Oréal e Nestlé, desde 2002. Seu produto é um “nutri-concentrado de beleza” com ingredientes ativos que melhoram a condição da pele, cabelo e unhas, em formato de pílula. A marca é considerada inovadora nos tratamentos de beleza; no Brasil são comercializados os nutracêuticos: Fermeté (antirrugas), Nutri-care (contra a 56 queda capilar) e Solar (contra o fotoenvelhecimento). Contudo, em outros países, como a França, há produtos para nove diferentes finalidades. Figura 4. nutracêutico anti-idade Innéov d) La Roche-Posay – É uma marca da L’Oréal, pertencendo à linha de cosmética ativa dessa empresa. Na produção de seus dermocosméticos é utilizada uma água termal proveniente da cidade La Roche Posay, na França. Sua estratégia promocional é direcionada, principalmente, aos dermatologistas, porém também comercializam diretamente nos pontos de venda. Figura 5. dermocosmético anti-idade La Roche-Posay e) Lancôme – A marca também é parte do portfólio da L’Oréal, porém faz parte da linha de cosmético de luxo e, portanto, direcionada para as classes econômicas mais altas. Está no mercado mundial há 75 anos, e há 20 anos está presente no Brasil. Como estratégia, procura proporcionar experiências ligadas às emoções e às sensações. 57 Figura 6. cosmético anti-idade Lancôme f) Natura – A Natura é uma marca brasileira presente em sete países da América Latina e na França. A empresa atinge à diversas camadas sociais, distribuindo seus produtos através de suas revendedoras. O prazer e o bem-estar são presentes na promoção de seus cosméticos, inclusive dos cosméticos antiidade da linha Chronos. Figura 7. cosmético anti-idade Natura Chonos g) Vichy – A Vichy foi criada em 1931 na França. Atualmente, a marca pertence à L’Oréal e sua estratégia promocional é direcionada aos dermatologistas. Seus dermocosméticos possuem água termal de Vichy em sua fórmula e a marca está em um movimento de as texturas dos produtos estão sendo adaptadas às peles brasileiras. 58 Figura 8. dermocosmético anti-idade Vichy As marcas não foram, necessariamente, apresentadas na mesma ordem para todos os dermatologistas da pesquisa. Estudos indicam que os indivíduos são incapazes de receber ilimitadas informações em um período de tempo. Após um determinado número elementos armazenados na mente, o cérebro passa a não funcionar normalmente, como afirma o psicólogo Dr. George A. Miller de Harvard (apud RIES e TROUT, 1986). Desse modo, descobriu-se que o número sete é o máximo com que as pessoas conseguem lidar. Por isso, é um número popular nas listas de coisas que não se deve esquecer, como as sete maravilhas do mundo. Logo, a partir dessa afirmativa foram, selecionadas sete marcas para o roteiro, evitando criar dificuldades durante a entrevista (RIES e TROUT, 1986). 3.3.3 Dificuldades do campo Algumas variáveis do estudo que não puderam ser controlados pela pesquisadora podem ter dificuldade seu andamento. As entrevistas estavam planejadas para acontecer no ambiente onde o objeto do estudo é, cotidianamente, abordado pelos entrevistado, ou seja, nos consultórios médicos. Desse modo, o entrevistado “entraria no clima” da pesquisa mais naturalmente, facilitando o acesso à memórias de histórias e à sensações referentes ao tema de estudo. Por uma limitação de tempo, no entanto, algumas as entrevistas aconteceram em hospitais públicos, onde eles também trabalham. Nesses locais, o ambiente não parece ser propicio para falar sobre estética, pois dificilmente os dermatologistas 59 tratam dessa questão com pacientes de mais baixa-renda além do ambiente ser precário, em termos de conforto e tranquilidade para abordar o tema. Outra dificuldade que surgiu na pesquisa de campo foram as constantes interrupções de telefones, secretárias e mesmo de outros médicos, em algumas entrevistas. O dermatologista pesquisado acabava perdendo o foco no assunto e era necessário reintroduzir a mesma pergunta de diversas maneiras, para que a conversa voltasse a fluir. Além disso, a entrevista acontecia em um espaço na agenda do dermatologista, que tinha, em geral, pacientes para atender depois. Desse modo, havia uma limitação do tempo que o dermatologia podia ceder para a conversa. Uma das entrevistas precisou ser feita em duas etapas, com uma interrupção para duas consultas. A primeira parte estava correndo um ritmo bom e o entrevistado estava mais relaxado para responder as perguntas e após a interrupção já não foi possível restabelecer o mesmo clima. Por último, os dermatologistas que foram entrevistados no final do dia de trabalho pareciam cansados e abatidos. 3.4 ANÁLISE DE DADOS A análise do discurso apresenta quatro características principais: a preocupação da análise refere-se ao conteúdo do texto e da fala e no modo como o conteúdo é organizado; a linguagem do discurso é construída socialmente e sua elaboração é escolhida entre diversas possibilidades; o discurso é uma prática social inserida em um contexto interpretativo e tem uma determinada função; por último, o discurso é um modo de persuadir outros a compartilharem uma visão semelhante do mundo (GILL, 2002). A análise dos dados coletados através das entrevistas em profundidade ocorreu em quatro etapas: transcrição, descrição de cada entrevista por categorias, revisão das categorias para análise do discurso e reunião dos discursos dos entrevistados por categorias de análise para sua interpretação. As 16 entrevistas foram transcritas na íntegra, sendo bem detalhadas para que as características centrais da fala não fossem perdidas, resultando em 382 páginas de transcrição dos dermatologistas somado a 28 páginas referentes a entrevista com uma empresa de cosméticos. A pesquisadora precisou ler as transcrições diversas 60 vezes, “mergulhando no material estudado”, para definir quais categorias deveriam ser descritas para que, então, os dados fossem interpretados (GILL, 2002). A análise da pesquisa foi realizada através da interpretação dos dados sociais coletados, os quais foram construídos no processo de comunicação. A pesquisadora procurou perceber padrões nas entrevistas tanto suas diferenças quanto as consistências. Além de preocupar-se com a função das falas dos entrevistados (BAUER et al., 2002; GILL, 2002). “A análise do discurso exige rigor, a fim de produzir um sentido analítico dos textos a partir de sua confusão fragmentada e contraditória” (GILL, 2002, p.255) Na coleta dos dados, a pesquisadora procurou ter atenção com as falas falsas, isto é, quando o entrevistado não fala o que pensa, mas o que acha que o entrevistador gostaria de escutar. Quando as falas falsas passam despercebidas podem acarretar em erros de interpretação dos dados sociais. Ainda, a pesquisadora deve perceber e analisar os silêncios como parte do conteúdo a ser interpretado (BAUER et al., 2002; GILL, 2002). Para facilitar a leitura do trabalho, alguns trechos das entrevistas sofreram uma revisão, a fim de torná-los mais inteligíveis, uma vez que a passagem da linguagem oral para a escrita envolve mecanismos de transcrição, que, muitas vezes, tornam as sentenças difíceis de compreender. 3.4.1 Limitações do método Por último, é necessário comentar algumas limitações do método proposto nesse estudo. O número de entrevistados nesse estudo exploratório não pretendeu ser representativo, portanto, as achados do trabalho não podem ser generalizado para outros grupos (AAKER et al., 2004; MALHOTRA, 2006). Além disso, outras limitações do método decorrem do fato de o entrevistado relatar histórias e trazer informações que ocorreram em outro contexto, em tempo e espaço; de uma possível distorção da realidade pelo entrevistado; e do entrevistado descrever seu relato baseado nos valores pertencentes ao seu self. Esses fatores podem levar o pesquisador a realizar interpretações equivocadas da realidade estudada. Além disso, em entrevistas em profundidade o pesquisador pode 61 interpretar de forma enviesada o discurso dos entrevistados, analisando os dados sob seu ponto de vista (AAKER et al., 2004; GASKELL, 2002). 62 4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES O capítulo investiga os discursos dos 16 dermatologistas provenientes da pesquisa de campo, de natureza exploratória. Para a interpretação dos resultados a autora buscou um embasamento teórico na revisão de literatura. A organização da análise será feita baseada nas categorias já identificadas na descrição das entrevistas. Contudo, algumas categorias foram reunidas por guardarem uma relação próxima, como pode ser visto no quadro a seguir: Quadro 3 – Categorias de descrição e categorias de análise Categorias de descrição Categorias de análise • A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem • Motivações para trabalhar com beleza trabalha • Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita • Beleza • Como percebem o comportamento em relação a beleza na sociedade carioca • A relação entre médico e paciente • A relação entre médico e paciente • O processo de envelhecimento • Mulher de 30, mulher de 50: como são • O envelhecimento suas pacientes em cada estágio da vida • Os cremes anti-idade: o que pensam sobre sua funcionalidade • Industrializado X Manipulado: qual preferem e quais são seus prós e contras • Os produtos anti-idade • As Marcas: o que pensam das marcas apresentadas – Avon (Renew), Dermage Innéov, La Roche-Posay, Lancôme, Natura (Chronos) e Vichy • O não consumo de cosmético anti-idade • O não consumo de cosmético anti-idade 63 4.1 MOTIVAÇÕES PARA TRABALHAR COM BELEZA Embora alguns entrevistados do grupo do estudo possam ter utilizado mais de um critério de escolha ao decidir seguir a dermatologia, foi possível observar, a partir de seus relatos sobre a carreira, que a questão financeira foi um critério mais enfatizado por aqueles que terminaram o curso de medicina mais recentemente. Mudanças de uma sociedade centrada no trabalho para uma sociedade onde o consumo da beleza assume um papel de destaque (RANSOME, 2005) parecem ter movido dermatologistas e seus pacientes na direção da especialização da beleza. No discurso dos dermatologistas mais jovens, o papel social desempenhado pelo trabalho de médico dá lugar a motivações como a qualidade de vida e a questão financeira como explicam os entrevistados: “Olha só, com dermatologia na verdade não foi muito motivação não, foi meio que por uma escolha de qualidade de vida... era uma coisa que me irritava um pouco assim, porque eu queria fazer terapia intensiva, mas parte de medicina aqui era um pouco mais pesada em termos de plantão, eu sabia que eu ia ter que viajar [...]. E aí o meu marido atualmente veio fazer residência em cirurgia geral que era o que eu queria fazer, porque uma das minhas opções também era fazer plástica [...] porque eu não gostava exatamente da cirurgia, gostava do procedimento, não é só consulta [...]. E aí quando eu fui fazer dermatologia - porque aí eu comecei a pensar realmente em qualidade de vida, em plantão e tal - porque como ele já é médico, ele começou a falar isso para mim, ‘Bruna, dois médicos dando plantão, a gente vai ter dificuldade com as crianças, se a gente quiser ter filho e tal’ [...]”. (NADIA) “Se eu falar para você que eu vou fazer só dermatologia clínica eu estou ferrada, não tem outro jeito.” (OLGA) “Estética entrou como uma opção até certo ponto financeira. Sem dúvida nenhuma hoje o dermatologista que não faz a parte estética perde o melhor campo financeiro que ele tem.” (MARIO) “[...] eu dou aula na Estácio [...] e a procura lá é muito grande por dermatologia e a maioria dos alunos que procuram...já procuram visando estética. Existe uma crença que estética dá muito dinheiro [...]” (PAULO) “Eu vejo que hoje em dia os colegas não estão muito preocupados, pelo contrário, estão preocupados com o retorno financeiro [...] Aí quando você começa a entrar nisso é uma avalanche e cada vez você vai botando seu limite para mais longe e quando você abre o olho você já está absolutamente prostituído profissionalmente.” (LUCIA) Outros critérios que aparecem no discurso do grupo pesquisado são a história de vida do próprio dermatologista, que teve problemas relacionados a doenças dermatológicas, e a influência de professores. 64 Eu sempre tive problema de pele. Eu comecei a faculdade tendendo a fazer dermatologia. [...] Eu sou quase um atlas de dermatologia. Desde pequeno eu sempre tive muitos problemas com acne [...]. (MARIO) “Na verdade eu ia fazer endocrinologia e aí eu comecei a conversar com um professor meu no posto de saúde que eu trabalhava e eu fiquei apaixonada por dermatologia clínica foi quando eu resolvi fazer dermatologia mesmo, a parte de doença.” (OLGA) No entanto, observa-se que, embora essas motivações iniciais estejam ligadas a dermatologia clínica (tratamento de doenças), é a cosmiatria que parece prevalecer no dia-a-dia do consultório de um dermatologista recém formado pela demanda do mercado. Apesar dos entrevistados concordarem que existem vantagens financeiras em trabalhar com a estética como subespecialidade, os mais velhos parecem ter mais dificuldade em falar nessas vantagens financeiras abertamente: “A gente pensa que a clínica de dermatologia hoje [...] é voltada para o paciente de convênio... que não paga no consultório [...]. Vem ao consultório para tratar verruga, para tratar acne e desperta (interesse) para aqueles métodos (de estética). Eu tenho dificuldade para vender produto estético, né?! Produto estético que eu digo é tratamento estético, eu prefiro que os paciente me questionem [...]” (PAULO) “[...] minha consulta é relativamente cara, é um tipo de paciente diferenciado, que pode fazer esses tratamentos, porque todos são tratamentos caros porque os produtos bons são muito caros. [...] Paciente de cosmética vem procurando o médico pelo nome, aqui no consultório. Às vezes ele vai num médico de convenio que nunca ouviu falar e vê que o médico faz, às vezes dá certo e às vezes não dá. É esse tipo de doente que atendo aqui para a parte de cosmética.” (CARLA) Bianca recupera um pouco da história da especialidade e relata que o estudo da cosmiatria foi inicialmente rejeitado no campo acadêmico e Lucia faz críticas ao caminho trilhado por pacientes e se declara da “linha antiga”. Elas confirmam assim as mudanças ou motivações recentes da especialidade: “Na verdade a formação do dermatologista, eu sou mais da linha antiga, não visava muito isso, cuidar da pele e tal. Mais ou menos nos anos 90 lentamente essa coisa veio mudando. Não sei se antecede a isso. Acho que foi nos anos 90 que isso começou a mudar. Me lembro de congressos iniciais onde se falava muito nisso, deu um grande salto qualitativo com relação a esse conhecimento estético [...] quando comecei a ingressar a gente começou a ter informação pelos congressos, colegas e por leitura da parte estética. Dentro da universidade era visto como uma coisa não muito boa [...] [...] Estética ficaria até mais envolvido no início com a acne, a acne acaba deixando uma cicatriz e acaba dando um dano. A pontinha do trabalho 65 maior que se tinha era fazer um peeling, mesmo assim a gente fazia escondido porque o serviço não podia fazer.” (Bianca) “Eles procuram pedindo estética e eu não faço estética para todo mundo. [...] Assim, aos 30 anos de profissão me reservo o direito de me selecionar o direito do que eu não quero fazer em estética. Então, estética, a parte supérflua eu não gosto, eu gosto da estética que está dentro do envelhecimento, que está dentro de você melhorar a qualidade de vida, mas não aquela coisa da busca alucinada pelos anos de vida perdida, a pessoa tem 60 anos e quer aparentar 20. Isso não.” (Lucia) Logo, pode-se pensar que o significado cultural intrínseco ao conceito de dermatologia foi “culturalmente” reconstruído ao longo dos anos (MCCRAKEN, 2003). Mais recentemente, a questão da beleza e do rejuvenescimento passaram a fazer parte da caracterização dessa especialidade médica. Possivelmente, os dermatologistas mais velhos do grupo foram formados em uma época em que a cosmiatria não era valorizada no meio médico, o que pode ter como conseqüência uma menor identificação com os tratamentos estéticos. Percebe-se, talvez pela resistência em trabalhar com a cosmiatria e pela consciência da mudança que vem ocorrendo na dermatologia, que há uma maior crítica dos médicos mais velhos entrevistados em relação a “banalização” do tratamento estético. Há relatos de pacientes que sofreram iatrogenias pela busca incessante da beleza: “[...] comecei a ter as pacientes voltando para eu consertar os problemas. Eles comentavam que acabavam procurando pessoas que não estavam habilitadas, não sabiam fazer e voltavam para eu consertar. Então comecei a ficar expert em complicação nas minhas próprias pacientes. Resolvi no meu consultório ter, eu faço um pouco da parte cosmética e tenho pessoas, dermatologistas altamente qualificados em procedimentos específicos e que eu indico, mas elas é que fazem.” (CARLA) “Porque houve uma invasão no território da estética por outras especialidades. Têm cursos de pós-graduação em medicina estética que são feitos, geralmente, aos sábados. Então, o médico está na sua especialidade durante a semana, faz este curso aos sábado, e depois de um tempo se sente apto a fazer os procedimentos estéticos. [...] Tem pediatra, tem anestesista, tem cirurgião; as especialidades cirúrgicas são de mais fácil adaptação, porque há a formação cirúrgica quando ele vai fazer um procedimento estético. Agora aquelas especialidades clínicas sem nenhuma experiência cirúrgica... ai, às vezes vê-se algumas aberrações.” (PAULO) 4.2 BELEZA Quando foi pedido para que conceituassem beleza, o grupo mostrou certo desconforto, o que já havia sido percebido em outros trabalhos de pesquisa 66 (BORELLI, 2009; FONTES, 2009; CASOTTI, SUAREZ e CAMPOS, 2006). Os entrevistados iniciavam os relatos com conceituações que se distanciavam das características estéticas, apesar de serem profissionais treinados para analisar questões físicas na pele. Talvez, o receio dos dermatologistas em parecerem fúteis, por pensar que a beleza tem um forte relação com a aparência física, os levassem a falar sobre beleza através das questões emocionais. Logo, a aparência exterior e o lado interior (qualidades) do indivíduo passaram a coexistir na definição de beleza e “o bem-estar se tornou princípio do embelezamento” (VIGARELLO, 2006, p. 184). Em concordância com Vigarello (2006), notou-se que os termos “bem-estar”, “conforto com sua aparência”, “harmonia”, “combinação das coisas”, “um movimento que vem de dentro” e “saúde mental” foram utilizados repetidamente pelos dermatologistas do grupo como o conceito de beleza: “Para mim beleza é uma coisa muito complexa, é um conjunto de coisas, é uma saúde física, porque tem que ser uma saúde por dentro e por fora para ser a beleza; e uma saúde mental também, você tem que ter uma saúde mental, emocional, um equilíbrio. Aí entra todas aquelas coisas que todo mundo fala e que é verdade; ter uma alimentação saudável, ter atitudes saudáveis, ser alegre, ser feliz, ser agradável. Então tudo isso completa a beleza. [...] Então é isso, é uma pessoa que você goste de falar, goste de conversar, goste de ver, goste de ouvir.” (KÁTIA) “Meu conceito de beleza, por isso até que...eu acho que tenho dificuldade de entender produtos estéticos. Porque beleza pra mim engloba a saúde mental principalmente...então, beleza é o bem-estar físico, social, mental.” (PAULO) “Têm pessoas que se você analisar friamente, você vai achar que são feias, no entanto a pessoa está transparecendo uma coisa de beleza. [...] Tem uma frase em inglês que a gente usou até num congresso que eu organizei, foi um congresso mundial de dermatologia cosmética, em 2000, diz assim: Looking good, feeling good, quer dizer, se você está se sentindo aparentemente bem você está se sentindo bem e o oposto também, se você está feeling good você acaba looking good.” (CARLA) Esse conceito é bem definido no comentário de Carla sobre o slogan do congresso internacional de dermatologia cosmética, Looking good, feeling good, e está de acordo com o texto cultural encontrado em diversas propagandas de cosméticos nas revistas femininas como a da Natura, “Desperta a calma, desperta o silêncio”; L’Oreal Paris, “Porque você vale muito”; Nívea, “Beleza é aproveitar a vida”; Clarins, 67 “Clarins torna a vida mais bela” 2. Contudo, Borelli (2009), em sua pesquisa, questiona essa definição que não se enquadra à realidade das mulheres pesquisadas que se submetem a cirurgia plástica, pois elas não se sentem confortáveis com sua aparência, mesmo sentido bem-estar. Outras formas de contornar a dificuldade de descrição de atributos estéticos foi, por exemplo, trazer o tema para a realidade médica, definindo beleza pelas características de uma pele saudável, ou mesmo utilizar as artistas como um exemplo de padrão de beleza: “Tem os corpos esculturais, eu não gosto da beleza dos manequins, acho que as pessoas são magras esquálidas, parecem Biafra, a beleza da mulher brasileira que é um pouco mais roliça, tipo Luiza Brunet, acho muito mais interessante do que da Gisele Bundchen.” (BIANCA) Interessante que um dos entrevistados (RAFAEL) mostrou seu conflito quando perguntado sobre o conceito de beleza. Inicialmente, ele relata que a harmonia das formas é a beleza “como um todo”, nesse sentido o dermatologista considera que existem “pessoas idosas bonitas”. No entanto, ao falar de sua percepção de beleza incluindo em seu discurso, de forma espontânea, a atração sexual, ele consegue descrever de forma objetiva os atributos de uma mulher que lhe interessa: “de cabelos longos, lisos, bonitos” e afirma que ela precisa ter mais sex appeal do que formas perfeitas. Assim, o entrevistado sugere as dificuldades na conceituação da beleza. Se o pedido para que conceituassem beleza parece ter trazido certas inseguranças, a pergunta que se seguia buscava a descrição de uma mulher bonita, o que possibilitou depoimentos mais diretos e concretos sobre a valorização da beleza: “ [...] todo mundo vai dizer que a pessoa tem que ser alta para ser bonita, é verdade, tem que ser magra para ser bonita, é verdade, tem que ter uma pele bonita para ser bonita, é verdade, tem que ter um olho brilhante para ser bonita, é verdade, tem que ter um cabelo também com brilho, isso é verdade. Então essas coisas são um padrão que você não tem como fugir, isso é um padrão que existe mesmo de beleza. (KÁTIA) “O cabelo bonito, bem cuidado. Os olhos, é... os olhos bonitos, a simetria da face, o corpo sem excesso... muito magra, muito gorda. [...] Uma nádega um pouco eminente no meu caso. Eu acho os seios fartos. Eu acho bonito. É o rosto afinado, o nariz não tão grande.” (RAFAEl) 2 Propagandas das revistas Vogue (maio, 2011; agosto, 2010; outubro 2008) e Marie Claire (outubro, 2008; março, 2009) 68 “Então vamos tentar descrever um padrão que eu acho bonito. Eu acho muito bonito cabelo assim claro, ou loiro escuro, como preferir. Pouco mais para o cacheado do que para o liso, um liso ondulado, né?! Um olho mel. O rosto, eu acho que um rosto fino é um rosto bonito, com traços finos. Alta e que tenha uma proporção boa: mama, quadril, glúteos, essas coisas assim, uma proporção boa e nada exagerado.” (HELENA) Já Bianca acredita que uma mulher bonita na sociedade atual não se encaixaria no padrão de beleza de quando era jovem. Apesar de alguns traços da beleza serem igualmente valorizados em qualquer cultura e época, o conceito de beleza sofreu mudanças durante a história (ECO, 2010; LIPOVETSKY, 2007). A entrevistada se considera “filha da época da Leila Diniz” quando as mulheres mais cheinhas e com mais contornos, sem exageros, eram consideradas belas. Porém, Eco (2010) afirma que não se pode definir apenas um ideal estético. Os depoimentos, quando os entrevistados pareciam mais relaxados, sugerem que eles admitem os padrões estéticos. Anotou-se expressões como “ser magra”, “olhos brilhantes”, “cabelo bem cuidado”, “simetria”, “rosto afinado”. Alguns dermatologistas pesquisados demonstraram concordar com o autor, já que creem na existência de mais de um padrão de beleza e atribuem as diferenças de padrão à cultura de cada local. Ademais, parece haver uma crítica de alguns entrevistado aos concursos de beleza e às marcas que procuram eleger apenas um padrão de beleza: “[...] beleza é uma coisa cultural.... eu acho triste você ver que o mundo, a sociedade em geral, tende a uniformizar esse aspecto. Eu adoro concurso de miss Brasil e miss universo, eu sempre assisto; mas ao mesmo tempo eu não concordo tanto, porque é uma mulher no Brasil tem curvas, tem aquele aspecto do mulherão, tem uma perna mais grossa, um bumbum maior e nos Estados Unidos é uma mulher mais reta, mais magra, com um peito maior, que é mais branca. Então, como você considerar quem é a mais bonita no mundo.” (GABRIELA) “Eu acho que a beleza é subjetiva porque tem muita mulher bonita loira, muita mulher bonita morena, muita mulher bonita baixa, não existe um protótipo, mas aquela pessoa que anda com o peito aberto, que ela fala com segurança. [...] Um desfile em Nova Iorque ou um desfile da Victoria Secrets no Japão, você pode ver aqui. Então acaba uniformizando a beleza. (FLÁVIA) Novamente a existência de padrões estéticos e sua importância parecem se confirmar quando os dermatologistas da pesquisa comentam que a mídia interfere diretamente em seu dia-a-dia. Eles afirmam que precisam estar atentos a tudo o que aparece em revistas e programas de televisão sobre cosméticos, pois, certamente, as pacientes irão questioná-los ou chegar ao consultório pedindo certo produto e 69 procedimento. Alguns estudiosos já haviam escrito sobre essa influência, observando que as revistas especializadas em saúde e moda publicam regularmente matérias exibindo o padrão de corpo ideal e apresentando exercícios físicos e tratamentos estéticos para atingi-lo. As mídias costumam estimular o consumo de correção da aparência pelo consumo de produtos que estão cercados de fantasia e prometem a juventude (LIPOVETSKY, 2007; WOLF, 1992). “A gente brinca que a Veja é revista de dermatologia, sempre sai coisa de dermato, em 3 ou 4 edições de intervalo sai uma coisa de dermato. A gente fala que dermatologista tem que ler a Veja e quando sai a Veja, elas (as pacientes) vêm: ‘viu aquela reportagem? Quero fazer’, normalmente são coisas super caras e não acessíveis a todo mundo, às vezes não tem nem efeito comprovado.” (ANA) “Acho que beleza hoje é uma imposição externa, são modelos que vem de fora e você tenta se enquadrar. Ao longo da vida você eventualmente, se você tiver muito auto estima, estiver bem e tal, você pode até tentar mudar esses conceitos e usar conceitos próprios seus, mas na verdade acho que você passa a vida toda indo atrás de modelos de beleza que são fabricados lá de fora e não obrigatoriamente estão certos. São aqueles que são “gente do momento”. Acho que a gente está refém desses conceitos que a mídia faz, são conceitos que vem já fabricados nas revistas, o que a Globo está botando no ar, como são as pessoas. São coisas que vão mudando com o tempo, muda muito com o tempo.” (LUCIA) “A mídia é absurdamente forte. Estas revista são voltadas para o público feminino e para o público masculino também, mas principalmente para o feminino... para a estética e beira a irresponsabilidade, né?! [...] na maioria das vezes sem qualquer tipo de comprovação científica vendem uma idéia que basta você passar o creme anti-celulite que acabou a celulite, ou basta passar o creme antirrugas que acabaram as rugas. E é uma indústria que cresce absurdamente e as pessoas acreditam e compram mesmo. Às vezes deixam de comprar um remédio, mas compram o cosmético.” (PAULO) Na propaganda do creme Lancôme Génifique, é possível perceber que certas marcas de cosmético chegam a atribuir a responsabilidade de manter o corpo jovem para as consumidoras: “A juventude está em seus genes. Reative-a”. Desse modo, para algumas mulheres, o corpo torna-se um objeto gerenciável que é submetido a cirurgias plásticas, tratamentos anti-idade e prática de exercício, na tentativa de evitar o envelhecimento (LIPOVETSKY, 2007). Essa obrigação que o indivíduo tem sobre aparência do corpo pode explicar o relato dos entrevistados quando afirmam que as pacientes gastam muito dinheiro com cosméticos, preferindo comprar produtos e serviços relacionados à beleza do que à manutenção da saúde (BAUDRILLARD, 2008). Já, Bianca acredita que as pessoas 70 tendem a priorizar o consumo hedônico (DHAR e WERTENBROCH, 2000) e por isso não se importam com valores financeiros ao adquirir produtos cosméticos. Em seu depoimento abaixo ela coloca o prazer dos cuidados com a beleza junto com outros consumos hedônicos como viajar e Elaine associa diretamente os gastos hedônicos da estética com a felicidade: “As pessoas são mais preocupadas, hoje em dia, com essa coisa cosmética do que doenças, impressionante! A pessoa é capaz de gastar um dinheirão para resolver cosmética e não quer gastar para fazer uma cirurgia e tirar um sinal com cara de câncer. Acho que tem que chegar num equilíbrio.” (CARLA) “Nesse nicho (beleza) as pessoas pagam qualquer preço, mas não querem pagar médico para doença [...] Vale qualquer dinheiro. É interessante isso. Acho bem fácil de explicar. Acho que ninguém quer gastar dinheiro com coisas que são perdas... você ficar doente é uma perda e precisa pagar médico para ficar bom. Para você ficar bonito, viajar, ter prazer, vale tudo, as pessoas são capazes de passar muitos apertos; para ter o prazer de comprar uma bolsa, fazer uma viagem, fazer um procedimento, uma plástica, qualquer coisa...” (BIANCA) “Não sei se é o Brasil que lida muito com essa estética muito mais do que outros países, mas enfim... não sei te dizer o porque mas infelizmente hoje as pessoas estão ligadas muito na estética. E aí ela gasta nisso porque ela acha que vai ficar mais feliz.” (ELAINE) A avaliação de terceiros sobre o corpo e a beleza parece ser uma questão especialmente importante para as mulheres na sociedade carioca, já que “o corpo é um componente central do self nessa cultura”, como observa Goldenberg (2007, 2009). Desse modo, o julgamento de um indivíduo sobre outro é, possivelmente, baseado na aparência física no Rio de Janeiro, onde o corpo é percebido como um capital. Essa constatação está de acordo com o modelo proposto por Mittal (2006), onde o corpo é parte do self central. A dimensão social do corpo é evidenciada pela importância dos outros na avaliação estética como sugerem os relatos abaixo: “O problema é que quando o outro fala da sua imagem, do seu cartão de visita, eu acho que isso te machuca mais. [...] o outro falando de você, eu acho que pesa mais. A estética é pior ainda, porque você está falando de uma coisa que a pessoa... já percebeu que não estava tão bom assim.” (HELENA) “Quando o outro fala que ela está melhor. ‘O que você tem feito? Você melhorou, você está mais bonita, sua pele está mais lisa, seu cabelo, seu corpo’. Elas ficam mais felizes quando tem o reconhecimento de outras pessoas.” (NADIA) Outros fatores, encontrados no discurso dos entrevistados, que levam à obsessão pela aparência e pela juventude estão ligados ao mercado de trabalho ou às 71 questões sentimentais e emocionais. Segundo Dion, Berscheid e Walster (1972), pessoas bonitas tendem a ser mais bem sucedidas na vida pessoal e profissional. “A pessoa quer ficar mais bonita, inclusive profissionalmente. É emocionalmente e profissionalmente. Pessoas mais jovens e com uma aparência melhor têm uma possibilidade de se manter no emprego melhor. Acho que isso também é comprovado.” (RAFAEL) “ajuda na sua autoestima, para arrumar um namoro, sair se sentir bem. Sentir-se bem profissionalmente, principalmente no meu caso que mexo com a pele. Eu tenho que está com a pele boa, isso faz diferença. [...] Infelizmente hoje em dia você vê empregos onde só contratam pessoas que são mais bonitas.” (ISIS) “Hoje em dia, não sei se é pelo visual... não sei se porque, infelizmente, até para você conseguir um emprego você tem que estar bonita, entendeu?! Para você conseguir um namorado, né?!” (ELAINE) As pacientes com problemas emocionais e amorosos. Que terminaram, se separaram e eu não sei, eu acho que eu acabo, com o meu jeito de falar, como eu falo muito, eu sempre acabou ouvindo os segredos: ‘Terminei com meu namorado e quero ficar com a aparência melhor, quero ficar mais bonita, tem muito disso’. (GABRIELA) 4.2.1 Beleza X Saúde Mental Os entrevistados notam que suas pacientes tendem a deslocar o significado de beleza propositadamente a um artista/celebridade distante de sua vida cotidiana ou para o passado, através de recordações e fotografias, já que memória serve como uma segura fonte de imagens. Nesse contexto, os tratamentos cosméticos parecem utilizados como uma ligação entre o consumidor e seus ideais, ou seja, o indivíduo procura resgatar significados que foram deslocados (MCCRACKEN, 2003) em algum momento através do consumo de estética. Como relata Elaine abaixo: “É esse o problema que a mídia traz para a gente. Ela chega com uma coisa utópica: "quero ficar com essa cara, com esse peito, com esse nariz, com essa sobrancelha, com essa testa" e que é impossível. [...] Elas sempre vêm baseadas numa imagem ou a auto imagem dela mais nova ou a imagem da amiga. Isso é muito difícil de você combater.” Porém, ao alimentar a fantasia de parecer-se com uma celebridade ou o desejo de voltar a ter o rosto de 20 anos, algumas pacientes podem fugir da realidade (MCCRACKEN, 2003). De acordo com Lipovetsky (2007), os transtornos relacionados à aparência são resultantes da insegurança que as mulheres têm da própria imagem. A mídia contribui com essa insegurança ao expor fotos supermodelos, cujos defeitos foram muitas vezes corrigidos por programas de computação gráfica. Sendo assim, as mulheres utilizam os artifícios possíveis para 72 possuir uma beleza praticamente inatingível; consequentemente nunca estão satisfeitas com a própria aparência. Esse cenário é observado no discurso dos dermatologistas pesquisados quando relatam que algumas pacientes buscam incessantemente a beleza e a juventude, e atribuem esse comportamento a problemas psicológicos: “[...] um cirurgião plástico me falou que tinha uma paciente - só para você ver como é uma maluquice - ela fez, ficou legal e falou: "poxa, mas não fiquei parecida com a Vera Fisher". As pessoas tem uma expectativa de uma transformação. Por isso que falo que são almas vazias, querem fazer várias coisas... (BIANCA) “Têm pessoas...e ai varia inclusive com o patológico [...] É a dedicação a beleza. Vira uma neurose, né?! Então faz botox de três em três meses, aplica tudo... Começa haver distorções.” (PAULO) “ [...] já tive algumas assim: ‘eu quero’, eu falo: ‘eu não faço porque vai ficar pior’. A face não suporta mais fazer nada. [...] Ela queria porque queria que fizesse preenchimento. Nós dissemos que não, que não dava para fazer porque era uma área muito perto dos olhos. Essa paciente acabou indo fazer com outro (dermatologista), injetaram um preenchedor e ela ficou cega de 1 olho. [...] Por mais que você faça, que você melhora, elas nunca estão satisfeitas, não digo todo mundo... É o que a gente chama de dismorfofobia, uma fobia da sua aparência, por mais que você faça [...] É uma insatisfação interior que acaba levando a essa insatisfação do visual, eu acho.” (CARLA) 4.2.2 Beleza e ciclo de vida De acordo com o relato de alguns entrevistados, as principais queixas em relação ao rosto são referentes à aparência envelhecida. Sendo assim, as rugas, o melasma e a flacidez incomodam quando alteram o semblante da paciente, deixando-a com um aspecto mais envelhecido. A exceção são as marcas deixadas pelas acnes que incomodam em qualquer idade: “No rosto a queixa mais comum é acne, isso em qualquer consultório de dermatologia [...] mas como eu atendo, realmente, um público focado para embelezamento de pele, o fotoenvelhecimento, a ruga, a mancha e a flacidez são as maiores queixas.” (NADIA) No rosto, eu acho que são [...] são as rugas assim, [...] porque ruga realmente é uma coisa que as mulheres... elas querem ser mais jovens. Então dar um ar mais jovial ao rosto, eu acho que é a maior preocupação. Mancha essas coisas, se isso estiver trazendo uma idéia de envelhecimento, mas se ela tiver uma manchinha que ela acha que não incomode tanto, ela não vai ligar muito, ela vai preferir tratar a ruga, do que a mancha. (GABRIELA) Para Goffman (apud JENKINS, 2008) o rosto representa a interação do self com o mundo; o que o torna um importante componente para a composição da identidade. Desse modo, as doenças dermatológicas e o envelhecimento que levam a uma 73 mudança na aparência, por causa das sequelas aparentes na pele, podem até causar a perda de parte da identidade do indivíduo (MCCRAKEN, 2003): “Eu acho que a (psoríase) mostrou isso para mim, de uma forma muito gritante, a pele é a forma de apresentação do indivíduo. Então todo mundo quer ter uma pele bonita, todo mundo quer ter uma pele jovem. [...] Então a pele é de extrema importância para o ser humano.” (KÁTIA) “O que elas mais valorizam é a pele. Se está manchada, se está envelhecida, se está flácida, se não está. [...] e principalmente a pele do rosto, porque está mais amostra. Então, é a pele do rosto que é onde a gente vê o envelhecimento de forma mais evidente.” (HELENA) “Sempre o rosto, né?! Porque é nossa...apresentação digamos assim. É manchas no rosto, acho que são as queixas maiores. [...] Pensando esteticamente: acne, melasma, que agente vê muito, que são aquelas manchas escuras que ajuda mulher tem na gravidez e tem também relacionado a tomar sol.” (ISIS) No entanto, a entrevistada Carla comenta que cada faixa etária apresenta uma reclamação diferente. Ela relata que entre os adolescente e jovens adultos as queixas são mais ligadas ao corpo, e conforme as pacientes vão envelhecendo o foco dos problemas muda para o rosto. Do mesmo modo, Casotti, Suarez e Campos (2008) já haviam observado que o modo como a mulher consome os produtos de beleza varia conforme as fases da vida. As autoras analisam que mudanças de rotina e a percepção do envelhecimento do corpo influenciam no modo como as mulheres se relacionam com os cosméticos. “Tenho muita paciente, especialmente meninas novas, na faixa entre 18 e 25, nessa faixa é mais estria e celulite. Na faixa de 40, 50 é o rosto, rugas, manchas. Muda conforme a faixa etária. Quer dizer, a menina nova está tirando a roupa para ir a praia, botando biquíni, não quer ter um furinho no bumbum e nem na lateral, nenhuma estria. A mulher mais velha já não está mais dando muita bola, não está indo tanto a praia ou se vai não está dando bola, o problema é mais o rosto, até porque a menina nova não tem problema nenhum no rosto, a não ser acne.” (Carla) Os entrevistados entendem que “a carioca quer ser bronzeada” (ELAINE) e, por isso, não aceita deixar de tomar sol para fazer um tratamento de pele. No entanto, Elaine acredita que essa é uma particularidade do Rio de Janeiro ao conversar com colegas de outros estados. Assim, mesmo conhecendo a importância do filtro solar, as mulheres jovens querem resultados imediatos, pois o momento presente é o importante (CASOTTI, SUAREZ e CAMPOS, 2006) “Isso é muito difícil de você mudar, é o que eu falei as pessoas são imediatistas, elas veem o bronzeado agora e se sentem bonitas agora, ela não está pensando nas consequências, é difícil. [...] Quando eu vou passar 74 o tratamento para alguém, eu tento passar o mais prático possível, se tiver alguma coisa que possa usar que já seja sabonete e alguma outra coisa junto, ou um filtro solar que já tem base, o que eu puder trazer de prático para a pessoa eu faço, porque eu sei, eu também passo (GABRIELA). Por último, Casotti, Suarez e Campos (2008) contam que depois de uma certa idade, com os filhos independentes e menos trabalho, as mulheres voltam a ter tempo disponível. Logo, essas consumidoras voltam a ter o hábito de experimentar diversos produtos, porém são mais exigentes e sofisticadas que na juventude (CASOTTI, SUAREZ E CAMPOS, 2006). O que é verificado nos relatos quando Ana sugere que as mulheres maduras têm consciência do seu envelhecimento e se preocupam em cuidar de seu corpo e seu bem-estar. “ ‘agora que meus filhos cresceram vou cuidar de mim’, é uma fala que tem muito. Vêm mulheres de todas as idades com essa fala de ‘agora vou cuidar de mim’, até os 70 e poucos, acha que já passou da hora mas elas vêm.” (ANA) “Eu tenho uma paciente no consultório que ela é muito engraçada. Ela tem uma artrose coxofemural, com todos os seus comemorativos, ela tem dificuldade para andar, mas a coisa que mais a preocupa é a mancha da pele e ela agora está tão feliz que a pele ficou sem mancha, está luminosa, está brilhosa” (KÁTIA) Quadro 4 – Valores da cultura carioca Rosto • Rugas; • Linhas de expressão: “sulco nasogeniano” (próximo ao nariz), “bigode chinês” (próximo à boca e com a glabela, entre as sobrancelhas); • Melasma (manchas na pele); • Flacidez: diminuição da estrutura do rosto. Corpo Partes do corpo Queixas encontradas • Glúteos e quadril; • Gordura localizada: relação com o desejo • Abdômen; de ser magra; • Seios. • Celulite; • Estrias. 4.3 RELAÇÃO MÉDICO- PACIENTE Alguns entrevistados consideram que a reputação de um dermatologista é importante para a formação de sua clientela em um sistema onde, muitas vezes, as pacientes mais antigas indicam outras pacientes. Ainda, certos médicos 75 pesquisados acreditam que a rápida resposta aos tratamentos cosméticos é outro fator que contribui para “ganhar o paciente” (HELENA). Todavia, não há um consenso entre os entrevistados sobre a fidelidade das pacientes que os procuram por questões estéticas. No entanto, a pesquisa de Amui (2006) que entrevistou as consumidoras sugere que “ter um dermatologista” é quase como ter uma “marca”. “Acham que é lindo falar: ‘meu dermatologista mandou usar isso’. É chique, faz parte falar que você tem um dermatologista e ele receitou tal coisa.” (LUCIA) Alguns acreditam que a confiança no médico é um fator que influencia a escolha das pacientes ao decidirem realizar um tratamento estético: “se você conseguir reunir uma boa relação médico paciente e resultado, o paciente é seu” (HELENA). Outros observam que elas trocam de dermatologista de acordo com sua conveniência, buscando um médico que realize exatamente o procedimento que desejam. “O paciente de estética, a gente o chama de promíscuo. Todos os dermatologistas falam “ah o paciente de estética é promíscuo”, todo mundo sabe disso. Então, ele chega aqui, ele já foi na fulana, fulana e fulana, ele sai rodando.” (ELAINE) Ao questionar os dermatologistas do grupo sobre a porcentagem de pacientes que eles costumam atender por problemas de saúde e por questões estética pôde-se notar que: primeiramente, alguns médicos pesquisados responderam pensando apenas naqueles pacientes que chegam ao seu consultório exclusivamente pela estética; depois, esses dermatologistas comentaram que, apesar de a maioria de seus pacientes apresentarem a doença como questão inicial, quase sempre tinham questionamentos sobre a estética, também. Como é possível observar no relato abaixo: “No consultório é 40% estética e 60% doenças, até pela minha formação na universidade, acho que isso acaba pesando mais, acaba vendo muito paciente ainda com doença. 40, 45% estética. Na verdade, hoje as consultas são muito misturadas.” (BIANCA) Alguns médicos pesquisados consideram a relação com as pacientes de estética é mais fácil do que com as pacientes clínicas. As pacientes que estão doentes chegam na consulta “chateadas, machucadas por outros médicos e desenganadas” (HELENA); enquanto no tratamento estético não há uma preocupação com a saúde, 76 o objetivo é melhorar a aparência. Nota-se que esses dermatologistas preferem lidar com aspectos positivos da vida. Porém, eles relatam que as pacientes de cosmética têm uma exigência maior do resultado. Alguns dermatologistas do grupo do estudo percebem uma diferença na relação com a estética das pacientes mulheres e dos pacientes homens. Segundo eles, as mulheres dizem abertamente que precisam de um tratamento estético, como uma ruga. Já os homens, em geral, primeiro mencionam que estão envelhecendo e, só após se sentirem seguros, revelam que querem algo para melhorar a pele. Porém, Nadia nota um comportamento interessante entre os homens que são metrossexuais e frequentam seu consultório: “Eu tenho pacientes assim também, que são até mais vaidosos do que as próprias mulheres [...] São os metrossexuais. Homens completamente vaidosos, e eles estimulam as mulheres a virem, a se tratarem porque eles querem estar aqui sempre e querem ficar fazendo os tratamentos que são de última tecnologia, são os tops de linha. O que tem de mais novo, que ele leu na revista, que ele viu na novela.” Os entrevistados também parecem concordar que é mais difícil que as mulheres mais jovens sigam o tratamento estético corretamente do que aquelas que já apresentam algum sinal de envelhecimento. Como lembrou com Beauvoir (1990), ao não enxergar os sinais da idade, as pessoas sentem que a velhice está muito distante, um fato irreal em suas vidas: “muito do envelhecimento vem do sol. Você tem que criar, naquela paciente mais nova, o hábito de se prevenir, porque, normalmente, as pessoas são imediatistas. Quando são jovens não vêem as rugas, não vêem as manchas... então para ela tomar uma atitude preventiva, é muito difícil. [...] Isso para mim é um grande desafio. Para a paciente que já tem ruga é muito mais fácil, porque ela já está vendo o defeito. Então, ela quer corrigir aquilo que ela vê, já é uma abordagem muito mais simples, até se o tratamento é mais complicado a paciente tende a fazer. (GABRIELA) “Acho que as mulheres mais velhas meio que se convencem mais a usar protetor direto, abre mão do jeito que pega sol, não é abrir mão do sol, não ir para a praia meio dia, diminuir as horas de exposição.” (ANA) “Geralmente as manchas vêm nas mulheres mais velhas, as rugas vêm mais cedo. Aí é um desvio que a carioca tem. A carioca quer ser bronzeada. Ou então elas viram para mim: "porque vou mexer na mancha, você vai mandar eu parar de tomar sol e eu não estou a fim". (ELAINE) Muitas vezes, a barreira lingüística também parece atrapalhar a relação entre médicos e pacientes. Talvez seja por isso que alguns dermatologistas achem mais simples cuidar de pacientes que são “iguais aos dermatologistas” (MARIO), isto é, 77 do mesmo grau intelectual (BOLTANSKI,1989; SILVA, 2002). Contudo, a exigência das mulheres que possuem um grau de instrução superior é maior do que as pessoas que tem menor instrução, como observado nos discursos abaixo: “Ninguém aceita de primeira, você tem que explicar. Diria que a mulher mais velha consegue compreender e a mulher mais jovem não consegue compreender tanto isso ou pelo menos não quer aceitar, não aceita. [...] essa queixa não muda muito com o poder financeiro não, mas a compreensão é diferente. Por exemplo, a mulher que tem um grau de instrução superior, ela compreende. Ao contrário da pessoa que tem um grau de instrução inferior, mas que tem dinheiro. Por exemplo, a mulher do comerciante, do dono do bar, ela não consegue compreender porque que a mulher da novela é linda e ela não pode ser. Ela acha que é uma questão financeira e ponto.” (ELAINE) “A gente acaba comparando uma coisa com a outra, teria um nível universitário (em Copacabana) contra, talvez, nem a escolaridade completa lá em São Cristovão. [...] Até nas consultas eu acho que o atendimento é diferente. Lá na clínica, tem vezes, que você tem que desenhar. Você fala: ‘Repete pra mim, por favor’. Aí repete tudo errado. [...] Nessa parte mais baixa que eu te falei, a expectativa da estética é muito menor. [...] Com relação à cobrança de respostas eu acho que vem mais do nível superior sem dúvida nenhuma. É normal que o paciente no nível superior tenha um grau de tratamento acima.” (MARIO) 4.3.1 Gerenciando expectativas Como ficar mais jovem ou prevenir o envelhecimento? Para os entrevistados, a idéia de “ficar mais jovem” parece ser muito abstrata, o que dificulta a avaliação da expectativa pelo médico do paciente em relação ao tratamento. Dessa forma, podem ocorrer ruídos na comunicação quanto aos objetivos do tratamento, propostos inicialmente pelos dermatologistas. Nesse sentido, nota-se que a narrativa é especialmente importante no campo da cosmiatria, já que suas questões parecem ter forte relação com o emocional ao interferir na auto-estima. Sendo assim, a narrativa é um instrumento que o dermatologista tem para ajustar suas expectativas às das pacientes (GROSSMAN e CARDOSO, 2006; STONE, 1991). Alguns dermatologistas da pesquisa parecem compreender que uma queixa pode ter uma importância diferente para o médico e para a paciente. O relato de Kátia sugere a importância da sensibilidade do médico para ouvir a paciente: “[...] por exemplo, você chega com uma mancha no rosto, mas você está preocupada com a mancha que tem no seu nariz, se ela não faz mal para a saúde eu não vou ficar chamando a sua atenção para aquela mancha e dizendo que você tem que tratar, eu vou partir para resolver o problema que 78 está te incomodando. A visão do paciente tem que ser respeitada pelo médico [...]” Contudo, nota-se, por outros relatos, que a preocupação em informar o tratamento e seus possíveis resultados é maior do que em escutar os sentimentos das pacientes. A intenção de alguns dermatologistas em adequar as expectativas das mulheres à realidade e em orientá-las, esclarecendo as limitações dos procedimentos, parece ter uma relação com o medo de sofrer futuras reclamações ou processos. “Eu explico muito o que o creme vai fazer para que a cliente não fique com falsas expectativas do produto. [...] A minha consulta demora um pouquinho mais, então tenho essa preocupação de explicar até o que vai acontecer. Na conversa eu explico, [...] que não é aquilo que ela está achando, que vai ficar com a pele igual quando tinha 20 anos. Você na conversa tem que introduzir isso pra explicar qual a expectativa real do creme.” (CARLA) “Porque o que a melhora para mim não é a mesma coisa que para você. [...] Eu explico isso para o paciente, mas sei que as vezes ele não consegue compreender. Isso gera a insatisfação, quando você faz e a pessoa fica chateada: ‘não era isso o que eu queria’, isso é problema e isso dá processo.” (ELAINE) “O método promete...tem capacidade de uma melhora X. Ela espera uma melhora 10 X. [...] Existem aborrecimentos, processos, coisa que eu nunca tive. Até porque eu mostro muitas vezes o que vou fazer. E mostro a expectativa inadequada, às vezes desestimulo a fazer justamente tentando evitar isso.” (PAULO) Através dos discursos, também pôde-se observar uma preocupação dos dermatologistas em não deixar transparecer o procedimento que foi feito na paciente, a intenção é que o resultado seja “naturalmente construído” (GOLDENBERG, 2009). Uma entrevistada comenta que insiste com sua equipe que “as pessoas da rua não devem ver que seus pacientes se submeteram a um procedimento” (CARLA), ela deseja que os conhecidos de suas pacientes percebam como a mulher está bem, mas não descubram exatamente o que ela fez. Desse modo, nota-se a importância do médico definir o objetivo do tratamento, e não deixar que o paciente o faça. 4.3.2 Conflitos da bioética na cosmiatria Os conflitos da bioética, entre médico e paciente, parecem ser recorrentes no consultório do dermatologista que realiza tratamentos estéticos (SCHRAMM, 2002). Enquanto alguns entrevistados parecem ter uma dificuldade maior em estipular os limites de procedimentos cosmético, outros afirmam que é necessário manter a 79 conduta que consideram correta, independentemente da vontade da paciente. Uma hipótese é que alguns dermatologistas formados recentemente tenham receio em perder seus paciente como Olga que diz que “se o paciente não alcançar o resultado, vai querer outro”. Já os dermatologistas mais antigos do grupo são mais seguros ao afirmar para a paciente que não concorda em prosseguir com certos procedimentos estéticos. Alguns entrevistados chegam a comentar que usam seu bom senso e critério pessoal de beleza para tomar decisões. “Se a pessoa pedir para eu fazer um pouco mais... se eu achar que não vai ser uma coisa, que na minha opinião, vai destoar totalmente eu até faço, mas sempre preservando o meu sentido de estética. [...] Já aconteceu de eu fazer o retoque e a paciente voltar e eu achar que dá para preencher um pouco mais. Nesse caso, eu uso meu bom senso e meu critério de beleza, mas isso é muito subjetivo, é difícil. Eu acho que na hora também você tem que sentir, se aquele paciente vai te dar problema. [...] É o cliente que você sabe que sempre vai querer fazer alguma coisa, teve paciente que eu me recusei a fazer, porque eu sabia que estaria sempre achando ruim.” (GABRIELA) “Muitas ficam aborrecidas, mas eu coloco muito seriamente para elas dizendo: ‘não tenho nada para te oferecer, não tenho nenhuma tecnologia miraculosa, milagrosa, nenhum equipamento, não tenho nada para te oferecer; acho que não é isso o que você está precisando’ [...] Às vezes o paciente entra numa viagem e a culpa talvez não seja dele, acho que cabe ao médico colocar para ele: ‘você está querendo chegar no 10º andar mas pode no máximo chegar no 5º’.” (LUCIA) Dessa forma, pode ser difícil definir quando um procedimento estético é moralmente indicado na cosmiatria por sua subjetividade, como observado nos relatos acima. Logo, como se deve julgar se o principio da “Não Maleficência” (SGRECCIA, 1996) está sendo respeitado nessa área da medicina? Alguns dermatologistas da pesquisa mencionaram que o campo estético não é como a doença que possui um exame concreto para guiar o tratamento que deve ser seguido. Sendo assim, até onde o procedimento cosmético, que pode apresentar um risco real, deve ser indicado? Ainda, nos relatos, foi observado que apesar de alguns entrevistados reforçarem sua posição contrária ao procedimento estético em mulheres que possuem algum distúrbio psicológico, dificilmente encaminham essas pacientes para o tratamento psiquiátrico. Desse modo, alguns profissionais pesquisados parecem violar outro princípio da bioética, o princípio da “Beneficência” (SGRECCIA, 1996), onde o dermatologista também deve contribuir para o bem-estar dos pacientes. Dificuldades 80 podem ter origem na excessiva especialização da medicina ou na complexidade da saúde mental. Lucia observa o fenômeno da “compartimentalização do conhecimento”, um exemplo são os dermatologistas que sabem trabalhar apenas com cosméticos, como se a doença não fizesse parte da especialidade. Alguns autores já mencionam a necessidade da introdução das “humanidades médicas” na formação universitária, incorporando elementos das ciências humanas (filosofia, psicologia, antropologia, literatura) na formação e na prática dos profissionais de saúde. Bianca lembra que a postura antiética de alguns médicos recém-formados pode ser conseqüência da falta de disciplinas que discutam a ética médica, resultando na formação de profissionais menos comprometidos. (DAWNIE et al., 2000; GRUPPO CPR, 1996). 4.3.3 A questão do comércio no meio médico Questões éticas pouco discutidas podem dar origem à conflitos internos referentes ao tratamento comercial dado à estética. Alguns entrevistados admitem que se sentem incomodados com o consumo do corpo como um objeto (ASKEGAARD et al., 2002), sendo colocados em uma posição de instrumento do paciente, que deseja atingir uma aparência ideal. Assim, eles parecem perceber um distanciamento dos ensinamentos da Universidade sobre a relação médico-paciente. Para eles, a relação entre o médico e o paciente torna-se fútil e sem confiança. De acordo com Baudrillard (2008), apesar de ser superficial considerar que o médico “dessacralizou”, a figura do “médico-sacerdote” da medicina tradicional não mais existe. Na sociedade contemporânea, o médico e o medicamento possuem uma virtude cultural mais do que uma função terapêutica. No campo da cosmiatria eles servem à ética moderna, em que o individuo é responsável por seu próprio corpo (LIPOVETSKY, 2007; WOLF, 1992; DION, BERSCHEID e WALSTER, 1972; NOVAES, 2008). O médico desempenha um papel prático sobre o corpo privatizado, é ele o dispensador de bens e signos materiais. “Às vezes na estética, parece que ele está comprando aquilo de você e a relação comercial é um pouco [...] a pessoa compra o nariz, compra a boca e eu não gosto muito disso [...] e você não tem como garantir que vai ficar uma boca perfeita, porque você é humana, você não é uma máquina que tem uma forma que vai lá botar a boca. Vai sair um pouquinho diferente, isso é natural, mas o paciente não está preocupado com isso, ele quer que seja perfeito, porque ele está comprando. Então esse lado comercial me incomoda um pouco.” (GABRIELA) 81 “A verdade é que eu considero um comércio... então você tem lá um pacote de sessões de laser para celulite [...] você vai vender esse pacote, se está indicado ou não, se vai beneficiar ou não, isso é outra história. É um tipo de comércio, você apresenta e a pessoa quer ou não comprar, pode ou não comprar sem, na grande maioria das vezes, se preocupar.” (PAULO) Desse modo, alguns entrevistados parecem tentar manter uma relação médica e não comercial com suas pacientes, preferindo trabalhar com o tratamento estético de modo devagar, construindo “aos poucos a relação médico-paciente”. Talvez essa conduta seja uma tentativa de resgate do papel do médico tradicional. Também parece haver uma preocupação de alguns dermatologistas pesquisados em deixar que a paciente mencione o interesse em tratamentos estéticos, pois não consideram adequado oferecer o tratamento à paciente. Paulo conta que apresenta os tratamentos que realiza para as pacientes, sem os oferecer diretamente. Ele possui, em seu consultório, um quadro com todos os procedimentos e tratamentos na sala de espera das pacientes. Ele conta que foi um colega mais jovem com quem divide o consultório, que teve essa ideia. Desse modo, são as pacientes que o abordam sobre os tratamentos. Gabriela, ainda, percebe que cada dermatologista atrai um certo padrão de pacientes, de acordo com seu comportamento: “se você é muito invasiva, muito agressiva nos tratamentos, você atrai pacientes mais agressivos. Quando você é mais calma, você atrai pacientes mais calmos e o que eu já vi é que eu prefiro ser menos agressiva”. Rafael fez um relato interessante sobre sua experiência com pacientes cosméticos. Ele percebeu que ao atender os pacientes particulares e do convênio no mesmo consultório, passou a dar descontos com muita freqüência. Assim, ele decidiu atender em dois consultórios diferentes, pois o entrevistado acredita que a sofisticação do ambiente em que realiza tratamentos de cosmética é importante para atrair mais clientes. Também foi percebido, pela observação em campo, que alguns consultórios, onde o foco é estética, eram bem sofisticados e localizados em prédios exclusivamente médicos. 4.4 ENVELHECIMENTO Os dermatologistas pesquisados demonstraram desconforto em definir tanto beleza quanto envelhecimento. Alguns entrevistados preferiram iniciar o relato recorrendo 82 às características mais gerais do envelhecimento. Falaram de tipologias, classificações e origens do envelhecimento sem que chegassem mais próximos da realidade do dia-a-dia trazido em seus consultórios por suas clientes: “[...] na dermatologia a gente tem dois tipos de envelhecimento: o fotoenvelhecimento. Na realidade o envelhecimento intrínseco, de etnia, não depende de você, é genético. Então, assim, a pessoa asiática ela envelhece menos. A pessoa negra ela envelhece menos. E tem o envelhecimento extrínseco tem a ver com a dieta, tabaco e principalmente pelo sol. Você tem que saber aproveitar ao máximo esses dois, a gente tem como vilão sempre o sol e o cigarro.” (FLÁVIA) “Tem dois tipos de envelhecimento na pele: o envelhecimento cronológico e o envelhecimento por exposição ao sol, que a gente chama de fotoenvelhecimento. O envelhecimento cronológico acontece na pele toda e o fotoenvelhecimento são mas as áreas expostas ao sol e que é bem mais rápido. Envelhecer é um negócio que não tem jeito.” (CARLA) “Envelhecimento a gente tem o envelhecimento intrínseco que é o envelhecimento das células, é aquela pele que vai ficando mais delicada, os músculos levam á rugas de expressão, é natural do ser humano. E tem o envelhecimento extrínseco que é tudo o que sol causa, poluição, cigarro. Então junta os dois e a gente tem os resultados de todos os anos.” (JOANA) Quando os relatos se aproximam da realidade do envelhecimento, os entrevistados trazem observações com contradições em relação aos aspectos positivos dos tratamentos estéticos existentes, principalmente, informações e tipos de prevenção e o inevitável caminho para o envelhecimento como sugerem alguns depoimentos abaixo sintetizados no quadro 5. “O quanto antes a gente pensar que isso vai acontecer com a gente, isso vai ser tratado da melhor maneira possível. Tratar a pele com uma proteção do sol eu acho que é fundamental. Hoje a gente tem a medicina cada dia mais como uma medicina preventiva de tratamento então eu acho que no que tange assim o envelhecimento de modo geral é a prevenção. O “X” da questão é a prevenção.” (MARIO) “Envelhece tudo. Envelhece o coração, músculo, o cabelo, a pele e para mim é irreversível, que você apenas tem coisas paliativas e que a medicina para mim, o melhor da medicina é investir nessa coisa da prevenção, de dentro para fora.” (ELAINE) “eu acho que hoje com toda essa modernidade, com todos esses tratamentos novos têm como a gente retardar o envelhecimento. [...] Hoje também, a sociedade brasileira de dermatologia enfatiza bastante o uso do protetor para prevenir câncer de pele. [...] É muito difícil hoje na praia ver alguém que não leva protetor solar, eu acho que melhorou muito.” (OLGA) Flavia lembra que nas gerações anteriores as pessoas viviam sem incomodar-se com a prevenção contra envelhecimento. Exauriam o corpo quando jovens, não se preocupando com o futuro. 83 Para os dermatologistas do grupo pesquisado, o envelhecimento é ruim, porém é inevitável. Eles utilizam termos como “a idade é um limite implacável”, “o envelhecimento é inexorável”, “as pessoas não aceitam bem (o envelhecimento)” e “envelhecer é muito dolorido” em seus discursos para demonstrar o sentimento de suas pacientes em relação esse processo. De acordo com Debert (2004) as pessoas tendem a associar diretamente velhice e doença, assim, o envelhecimento é visto como algo negativo, como pode ser observado nos discursos abaixo: “Eu acho que faz parte, é inexorável, não tem como fugir dele, mas as pessoas não aceitam isso muito bem. Às vezes você tem que ensinar para as pessoas que envelhecer faz parte, que não tem jeito. As pessoas querem banir isso do cronograma mas não pode, tem que ter.” (LUCIA) “O envelhecimento, como que a gente fala, é uma coisa que não é boa, não é bom envelhecer, em nenhum sentido é bom envelhecer, mas é uma coisa que acontece e eu acho que todos nós temos que nos preparar emocionalmente, psicologicamente para isso. Porque você envelhece e tudo em você envelhece, a emoção, o pensamento, a memória, a pele, o cabelo, todos os órgãos internos. Não envelhece uma coisa só, e como diz o meu marido, seria muita injustiça se você envelhecesse o físico e não envelhecesse a emoção, se você envelhecesse a pele e não envelhecesse o coração, entendeu? Tudo envelhece ao mesmo tempo, mas envelhecer não é uma coisa boa, a gente chega a uma fase da vida que dá menos valor a algumas coisas e mais em outra, mas em geral não é bom envelhecer.” (KÁTIA) “Tem algumas (pacientes) que não gostam não. Não tem solução... como diz Irene Ravache ‘só não envelhece quem morre cedo’. Mário Quintana diz que ‘envelhecer é ótimo porque a outra opção é péssima, é horrível’.” (CARLA) “40 é uma marca muito dolorosa pra a mulher porque ela começa a ser ameaçada pela menopausa, realmente cai mesmo, acho que muitas coisas caem, a cor da pele, a unha, o cabelo, tudo modifica, é uma coisa que você vê na textura da pele, a pele fica mais ressecada. Lógico que vai depender, mas dos 20 para os 30 tem uma quedinha, dos 30 para os 40 é maior, dos 40 para os 50 é um negócio arrasador, agora 60 já foi e você teve que se acomodar, isso não quer dizer que você não vai ficar bonita.” (BIANCA) Quadro 5 - As duas faces do envelhecimento O lado positivo O amadurecimento emocional acompanha o envelhecimento As pessoas passam a dar valor às coisas que realmente importam As pessoas passam a cuidar mais de si mesmas, ficam mais vaidosas O avanço tecnológico ajuda as pessoas à envelhecer de forma prazerosa O lado negativo O envelhecimento é irreversível É notável o envelhecimento físico Há diversas envelhecimento doenças associadas ao Há maior possibilidade de câncer Não reconhecimento da própria aparência pelas mudanças provocadas pelo envelhecimento 84 4.4.1 A idade Alguns dermatologistas consideram que o fato de alguém parecer velho, assim como parecer belo é consequência de um estado emocional, é um processo que começa “de dentro para fora” (MARIO). Logo, as pessoas que se sentem velhas, terão uma aparência mais envelhecida e isso ocorre em qualquer idade. Culturalmente o entendimento da idade é também uma construção social e um entendimento de cada um sobre sua identidade (LOGAN, WARD, SPITZE, 1992). Para alguns entrevistados, cuidar de si próprio é um maneira de não se deixar envelhecer. O comportamento é quem define os marcadores de tempo (DEBERT, 2004). “Envelhecimento também começa de dentro para fora. A pessoa que se sente velha, fatalmente vai se portar como mais velha, agir como uma velha, se vestir como uma velha e se cuidar como uma velha. [...] Ela vai fazer tudo como se fosse uma velha. A primeira coisa é ela se achar velha, o envelhecimento é você se achar velha.” (HELENA) “[...] até essa coisa mesmo da questão da sexualidade, as mulheres tem essa situação. Antigamente a mulher depois dos 40, 50 era avó, acabou. [...] Ninguém olhava para a avó, hoje em dia as avós namoram, estão bonitas, elegantes, se pintam. A mulher saindo de casa, isso mudou muito para a mulher e acabam mudando, ela quer retardar o máximo possível isso e acho que é bem legal isso. Acho que é uma coisa saudável.” (BIANCA) “Eu acho que primeiro lugar da história tem que se aposentar pegar o pijama e ficar na cadeira de balanço em casa. Vai envelhecer. E vai mais rápido, sem dúvida.” (RAFAEL) Essas mudanças de comportamento na sociedade contemporânea e o avanço tecnológico na medicina estética, resultaram em alterações no ciclo e na qualidade de vida da mulher (EPHRON, N. apud ROSÁRIO E CASOTTI, 2008). Nesse cenário, os tratamentos estéticos passaram a ser utilizados para que a mulher aparente ter a idade que sente e não sua idade real. As mulheres não querem que as pessoas saibam sua real idade. No estudo de Barak et al. (2008), os autores observam que mesmo em países orientais a idade cognitiva e a desejável são inferiores à idade cronológica das mulheres. “Hoje a velhice mudou de faixa etária, você está ficando mais velha com 60, 70 anos, por causa dos recursos todos que se tem e as mulheres não querem envelhecer.” (BIANCA) “Você não quer chegar aos cinqüenta anos com cara de cinqüenta. Se fosse assim, ninguém recorreria a tratamento estético. O tratamento estético é isso, a pessoa quer tentar retardar um pouco o envelhecimento. Ninguém vai falar, ‘ahh vou ficar em casa esperando o tempo passar sem fazer nada’, 85 isso não vai acontecer, porque ninguém está preparado psicologicamente pra isso. Você sabe que você vai envelhecer, mas você não quer que sua pele acompanhe a cronologia da idade.” (OLGA) Na cultura brasileira, o envelhecimento é associado a perda de “um importante capital, o corpo” (GOLDENBERG, 2007, 2009). Assim, os indivíduos sofrem conseqüências da sociedade pela perda da aparência jovem. Como Bouzón comenta “não basta ser bonito e saudável é preciso aparentar ser jovem” (p.234). Logo, as mulheres cariocas sentem-se psicologicamente afetadas pelo envelhecimento, e por isso, sentem desvalorizadas perante a percepção de seu envelhecimento pelo outro, segundo o discurso de alguns entrevistados. Do mesmo modo, em seu livro Coroas, Goldenberg (2009) comenta que a visão de si mesma sofreu alteração por causa do comentário de uma dermatologista. “Eu acho que o envelhecimento é uma coisa que faz parte da vida e todo mundo tem que envelhecer, né?! Só que a marca do envelhecimento, a estética, você vai perdendo a atração física que você pode proporcionar. Isso tanto para os outros como para você mesma. A satisfação de se ver. Eu acho que quando você perde isso, você perde uma coisa importante né?! Você baixa a sua auto-estima, que não é só da sua pessoa, como você é, do indivíduo, mas obviamente com a parte física.” (NADIA) “você tem uma expectativa de viver mais. E você quer é não parecer mais velha até o final da sua vida isso [...] É até mesmo por que é a atividade laborativa também ela está mais estendida [...] Então ela se mantiver mais bonita mais tempo, ela vai ter um companheiro/companheira por mais tempo com atração por ela e vice-versa por mais tempo e vai se manter no seu trabalho/emprego.” (RAFAEL) Uma das dermatologistas pesquisada, Ana, relata que a beleza na juventude é um instrumento de poder de certas mulheres, e por isso, elas têm uma grande dificuldade em aceitar o envelhecimento, fazendo tudo o que podem para se manterem jovens. Já as mulheres que trabalham, não sentem tanto a perda da juventude, pois não se apoiaram na beleza quando mais novas. Segundo alguns dermatologistas pesquisados, a vaidade é importante para que a mulher viva melhor, é o incentivo das pessoas para continuar vivendo. Outros entrevistados relacionam o fato de envelhecer bem, através de tratamentos estéticos, à uma sensação de prazer. “A vaidade é uma coisa que te mantém vivo. Eu tenho essa opinião. Então vejo velhinhas...aquelas velhinhas mais bonitinhas... que chegam no consultório [...] Pessoas mais vaidosas gostam mais da vida. Querem se parecer melhor para o mundo. [...] Quer que essas pessoas vivam mais e adoeçam menos. Tenho essa...é uma interpretação do valor da minha profissão...” (RAFAEL) 86 “eu sou completamente clara em relação a achar que todo mundo pode envelhecer bem, que você pode usar da tecnologia, de tudo que a medicina e a tecnologia te oferece hoje em dia para ficar melhor. [...] Representa o aumento da auto-estima, a satisfação pessoal, prazer em ser quem ela é. Prazer em estar com outras pessoas e demonstrar quem ela é, não ter vergonha de ser como ela é, não ter vergonha de envelhecer, prazer mesmo.” (NADIA) Quando perguntados sobre o que pensam das mulheres que se encontram na faixa dos 30 anos e das mulheres na faixa dos 50 anos, os entrevistados trazem informações organizadas a partir de sua experiência: Quadro 6 – Caminhos dos tratamentos anti-idade Mulher de 30 anos Queixas O corpo começa a modificar; Rugas leves: sulco nasogeniano, linhas de expressão; Manchas na pele: pelo sol (cultura carioca) ou por causa de hormônios; Falta de viço na pele; Cabelo não está bonito e está caindo. Possíveis Tratamentos Tratamentos relacionados à prevenção: profilaxia do processo de envelhecimento; Botox: Não há um consenso sobre sua indicação. Alguns entrevistados consideram que é a melhor idade para iniciar esse tratamento, outros pensam ser muito cedo; Cremes anti-idade, incluindo o filtro solar. Características do comportamento Deseja parar no tempo; Quer adiar o envelhecimento; Os sinais de envelhecimento não são tão evidentes; É bem resolvida, independente, esclarecida e bem sucedida profissionalmente; Quer tempo para cuidar de si mesma, equilibrando a vida profissional e pessoal; Preocupa-se com a alimentação e com a saúde; Sofre forte influencia da sociedade: mídia e amigas; É bem informada e consciente das novidades; Para alguns entrevistados ela é tranquila, outros a consideram exagerada e ansiosa; Quer estar linda sem ter trabalho ou gastar dinheiro; Não está disposta a cuidar das manchas, adora sol. Mulher de 50 anos Queixas Possíveis Tratamentos Alterações hormonais causadas pela menopausa; Os cremes, isoladamente, não solucionam os problemas; Rugas acentuadas: na fronte, nos olhos, entre sobrancelhas e no sulco nasogeniano; Preenchimento; Flacidez acentuada: “bigode chinês” e “bolsas de buldogue”; Lifting; Características do comportamento Deseja voltar no tempo e buscar o que já perdeu; Incomoda-se com o descompasso entre a cabeça e o corpo: a cabeça continua jovem, enquanto o corpo envelhece; Quer melhorar a aparência e se sentir mais jovem; Cirurgia; Gostaria de ter tido informações sobre saúde e envelhecimento quando tinha 30 anos; Peeling com ácido ou de cristal; É bem resolvida profissionalmente e em sua vida afetiva familiar; Botox. Aceita melhor o envelhecimento; Sabe que um bom resultado requer esforço; 87 Envelhecimento das mãos; Alguns entrevistados pensam que as questões dessa mulher são visíveis e têm fundamento; outros notam que é uma mulher complicada, com queixas e demandas mais exacerbadas; Cabelos brancos; Manchas: pele alterada pelo sol; Pode haver uma preocupação maior com as manchas por causa do câncer de pele. Não consegue emagrecer. 4.5 PRODUTOS ANTI-IDADE De acordo com os relatos da pesquisa, nota-se que os entrevistados avaliam os produtos anti-idade por sua função real, sua utilidade. Assim, esses dermatologistas procuram realizar tratamentos estéticos que melhoram fisiologicamente a pele da paciente. Consequentemente, essas mulheres tendem a retornar a um estado de equilíbrio, com uma aparência rejuvenescida (MCCRAKEN, 2003). Com a intenção de confirmar a comprovação da funcionalidade de um produto, os entrevistados referem que as marcas devem apresentar pesquisas com exame histológico; informar aos dermatologistas as substâncias que a fórmula contém; além de manterem um bom controle de qualidade. De acordo com os dermatologistas pesquisados, as marcas Eucerin, La Roche-Posay, Vichy, Avene, Galderma, Theraskin, Neutrogena, Roc, Stiefel e Melora possuem produtos confiáveis. “Porque, na verdade, o que eu acredito que aconteça é que na indústria a fiscalização é mais forte. Então a qualidade do produto é mais garantida, eles têm que te garantir isso.” (NADIA) “Para mim os cremes anti-idade são assim, existe no mercado uns 2 ou 3 ativos que realmente melhoram. Que tem estudo cientifico comprovado, inclusive com biópsia de pele dizendo que melhorou e melhoram mesmo... e são ótimos! Melhoram horrores. A grande maioria é baseada neles ou são subprodutos deles.” (ELAINE) “Uma marca que tenha um embasamento científico, isso com certeza, que se preocupe em mostrar para o médico porque ele pode confiar na marca, ou no produto. Eles chegam e dizem: ‘Olha esse produto aqui a gente lançou e ele foi bom porque ele tem esse e esse componente’ Ou então: ‘Ele é bom, porque a gente fez um estudo e mostrou a eficiência dele’, e tudo bem.” (GABRIELA) “[...] consagrado é o ácido retinóico que é realmente o grande creme antiidade; a vitamina C que acho que também ajuda; e agora recente, não teve tempo para se sedimentar, são os cremes com ácido hialurônico. Os outros, não sei... Acho que tem muita novidade, a gente tem até dificuldade de dar conta de tanto detalhe, de tanta molécula e ter experiência para resolver. O cara vem aqui e me apresenta trabalho com meia dúzia de paciente. Eu me lembro de uma apresentação para produtos masculinos, o trabalho era com oito pacientes!” (BIANCA) 88 Contudo, fatores como o cheiro agradável e a cosmética3 adequada para a paciente, que proporcionam uma experiência sensorial prazerosa na pele (MCCRAKEN, 2003), também são considerados fatores importantes de um produto para alguns dermatologistas da pesquisa. Assim, pode-se pensar que o consumo hedônico não está presente apenas nos relatos das consumidoras, como explorado na pesquisa de Amui (2006), mas também no discurso de alguns dermatologistas: “Não é muito assim não, nossa, um produto que irrita o paciente, que tem uma cosmética... por exemplo, você passa um remédio de estética fedido, com cheiro ruim, que tem uma cor que mancha, isso depõe muito contra o produto de estética. Você tem que conhecer o sensorial do produto, a pessoa que tem pele oleosa não pode usar creme, tem que usar loção, gel” (LUCIA) “Uma boa cosmética, ou um creme que tenha um cheiro ruim, uma coloração ruim, isso não vai ser agradável para paciente, na sua rotina.” (ISIS) Além da experiência sensorial, também foi lembrada a experiência emocional. De acordo com a entrevistada Lucia, as experiências prazerosas podem ser vivenciadas pelo ritual de arrumação, através do qual o indivíduo transfere o significado do bem para sua vida, resultando no aumento de sua autoestima e de seu bem-estar (MCCRAKEN, 2003): “Melhora a autoestima da pessoa [...] Tem muita gente que só de começar a passar um creminho, começar a passar um filtro solar já se sente super bem. [...] Assim, além do conteúdo do pote em si, a coisa do ritual, de você estar doando um pouquinho do seu tempo pra você, [...] Quando você está passando um creme anti-idade... isso na cabeça da mulher entra como se ela estivesse se cuidando. Tudo o que diz respeito a ela estar se cuidando eu acho bacana, pode ser com creme anti-idade, pode ser tomar banho com sabonete diferenciado uma vez por semana [...] Tem momentos da vida da pessoa em que isso não é uma prioridade, a pessoa está com uma doença grave ou outra coisa. Aí a pessoa começa a se recuperar e isso é uma coisa que ajuda no processo de recuperação, isso é muito legal. [...] Quando você vê uma pessoa que está vivendo algum tipo de doença e começa a ter cabeça, saco e paciência de se cuidar, isso é um bom sinal de recuperação.” (LUCIA) Percebe-se que os entrevistados crêem na eficiência dos produtos anti-idade que são dermocosméticos ou remédios - aqueles que necessitam de receita médica - no tratamento do fotoenvelhecimento, rugas finas, textura da pele e algumas manchas. Já a pele mais envelhecida com rugas profundas, por exemplo, pode ser recuperada apenas com tratamentos mais invasivos. 3 Os entrevistados mencionaram que o termo cosmética significa o modo como o produto é veiculado: creme, loção, e gel, entre outras possibilidades. Também se refere ao odor e textura do produto. 89 “A pele, a textura, para atenuar manchas, porque muitos (cremes) associam despigmentantes também, algumas rugas finas, alguma cicatrizes bem superficiais, uma renovação que também ajuda, mas é basicamente isso.” (JOANA) “Ruga, fotoenvelhecimento da pele, ruga fina, textura da pele, melhora um pouco a textura. Melhora muita coisa o creme anti-idade.” (OLGA) “Ruga leve, mancha, ressecamento e... textura da pele que... e aí traz uma pele com mais brilho, uma pele mais macia, uma pele mais clara, mais uniforme. E depois de muito tempo de determinados remédios, uma pele mais firme. [...] Os cosméticos não, eles prometem muito e cumprem muito pouco. Mas os remédios, sim. Eu consigo isso tudo que eu te falei com remédio. Ele (dermocosmético) mantém o que eu consegui. Então ele mantém a pele hidratada, ele mantém a pele clara porque ele ajuda a não escurecer mais. Ele mantém a pele hidratada, macia, depois que eu já consegui isso com os remédios.” (NADIA) Contudo, alguns entrevistados apresentam um discurso confuso ao diferenciar as marcas que prescrevem e as marcas que não são indicadas por desvalorizar a profissão. Primeiramente, eles comentam que receitar produtos que são vendidos livremente, sem a necessidade de prescrição médica, afeta a imagem do dermatologista negativamente. Porém, posteriormente, eles deixam claro que prescrevem as marcas La Roche-Posay e Vichy que são marcas vendidas em farmácias sem o controle da receita médica. Pode ser que a principal questão dos dermatologistas pesquisados seja para quem a propaganda da marca está sendo direcionada, médicos ou público leigo, e a comprovação científica da substância. Esse conflito fica claro nos discursos abaixo: “É cosmecêutico, cosmético com terapêutico. O que é considerado tratamento é uma terra meio esquisita. O que eu preciso de receita médica para comprar é só o ácido retinóico [...] Quando a pessoa vai lá querendo tratar as rugas estou considerando que ela está indo no médico então vou prescrever remédio. [...] Existe um trabalho que mostra que a vitamina C corrige rugas? Sim, existe um trabalho, que a pessoa fez biópsias na pele de quem usou e de quem não usou, comparou um lado e outro da pele, isso é um trabalho científico. Isso aqui não me dá, a Lancôme; o da La Roche me dá. Posso até usar o Lancôme em algum momento, mas não estou usando meus conhecimentos médicos quando estou usando Lancôme, isso me incomoda porque não tenho comprovação.” (ANA) “É diferente de eu chegar ali no balcão - talvez a moça do balcão pudesse falar: ‘compra esse que é uma linha muito boa’, [...] pronto, não preciso ir no dermatologista, eu compro com o balconista, vou no free shopping e compro.” (LUCIA) Possivelmente, as dimensões encontradas no estudo de Amui (2006) referentes aos produtos de luxo - qualidade, exclusividade e preço alto - são o motivo pelo qual alguns dermatologistas pesquisados se mostraram favoráveis ao consumo do 90 cosmético anti-idade da marca Lacôme, embora não o prescrevam. Já que, através dos relatos, nota-se que a marca não se dirige ao dermatologista e não apresenta estudos com validade científica. Pode-se pensar que no momento em que fazem uma boa avaliação da marca Lancôme esses entrevistados podem estar se colocando na posição de consumidores e não de médicos (AMUI, 2006). “Lancôme, é muito bom, mas é muito caro. Então, é aquela paciente que busca... isso para mim já está ligado aos cosméticos de luxo, que são cosméticos que funcionam, são muito bons, mas que estão atrás das marcas super caras e famosas.” (GABRIELA) “É uma marca muito boa, mas a gente não receita. A gente sabe que é boa, que as mulheres todas usam e a gente também quando vai comprar a gente também compra Lancôme, quando eu ganho um creme da Lancôme, todo mundo fica contente porque é bom, é uma boa marca. A gente não usa por que? Porque como ele tem propaganda para o leigo, você não sabe as concentrações das substâncias.” (KÁTIA) “eu não tenho números de pacientes significativos para te falar o resultado. Mas assim, minha mãe usa Lancôme, eu tenho tias que usam e eu sei que o resultado é muito bom, mas eu não posso te falar números significativos de Lancôme. É uma irmã, minha mãe, uma minha tia que eu acompanho, mas não tenho paciente pra te falar número significativo de resultado.” (OLGA) Alguns dermatologistas pesquisados demonstraram preferir prescrever os produtos industrializados aos manipulados. Para eles, são poucas as farmácias de manipulação confiáveis e não se pode impor que a paciente manipule a fórmula em uma determinada farmácia. Ademais, o prazo de validade dos produtos manipulados é menor que do industrializado, alguns precisam ser mantidos refrigerados e a cosmética pode não ser agradável. Desse modo, os dermatologistas relatam que prescrevem os cosméticos manipulados quando não há a fórmula desejada no mercado e quando a paciente não tem condições de pagar pelos produtos industrializados, como mencionado nos discursos: “Depende da farmácia. Eu só peço às vezes para manipular em algumas condições. Por exemplo, às vezes manipulado o produto sai um pouco mais barato pra quem não tem um poder aquisitivo... que não consegue comprar. Por exemplo, um Tri-Luma custa cento e quatro reais, você manipula a mesma fórmula por trinta. Eu até acredito em farmácia de manipulação, mas farmácia grande e confiável assim que você já teve resultado, você já sabe como que é o laboratório.” (OLGA) “Eu trato com grade produto já pronto sempre que possível. Por que são laboratórios mais confiáveis. É a produção, ela é mais controlada. O tempo de validade do produto é mais longa. [...] Farmácia de manipulação tem trezentas. Então você não consegue confiar em todas. Algumas eu confio outras não. É...estabilidade do produto acaba sendo melhor em média. O 91 produto de um laboratório grande vai sofrer um controle maior. Acaba tendo mais confiança no produto do que sendo manipulado.” (RAFAEL) “O problema da manipulação é onde você vai manipular, têm farmácias muito boas e farmácias não tão boas, a única diferença. Se for manipular em uma farmácia de credibilidade é a mesma coisa. O paciente particular não quer passar duas vezes na farmácia, o paciente mais humilde que não tem tanto dinheiro. Não quer esperar sete dias.” (FLÁVIA) As entrevistadas Lucia e Gabriela, diferentemente de outros dermatologistas pesquisados, acreditam que o creme manipulado valoriza o médico, por ser um processo artesanal, em que se personaliza uma fórmula para cada paciente. Ao contrário, os produtos industrializados são limitados a um número determinado de constantes (BAUDRILLARD, 2008). “Acho que a manipulação valoriza o médico, porque você tem que saber lidar com os elementos do creme, os elementos do shampoo, os elementos da loção e você botar do seu conhecimento em relação a isso, uma fórmula que é pessoal, isso é demais, eu acho que realmente valoriza o que o médico realmente entende.” (GABRIELA) “Tem o paciente que acha o máximo você mandar fazer um produto manipulado porque ele entende que aquilo ali está personalizada para ele. Eu não uso computador, faço tudo na mão, minha receita é na mão, eu uso ficha. Não tenho aqui uma receita pronta daquele creme, eu faço, manipulo na hora, faço as concentrações na hora e acho que a pessoa acha aquilo legal, que estou fazendo uma coisa artesanal e absolutamente direcionada para ela.” (LUCIA) Pode-se observar que alguns entrevistados relataram que suas pacientes, frequentemente, desejam novidades cosméticas. Talvez, enquanto para algumas pacientes o anseio por essas novidades esteja relacionado com o consumo hedônico, onde os novos tratamentos são importantes para que o ser humano possa reagir, repetidamente, aos estímulos gerados pela experiência prazerosa de utilizar os produto anti-idade; para outras mulheres as novidades podem significar outras possibilidades de controlar o corpo e moldá-lo conforme o padrão social (MCCRAKEN, 2003; LIPOVETSKY, 2007) Um comportamento interessante entre os dermatologistas pesquisados é o habito de testarem o produto, primeiramente, em si mesmos ou em familiares para, então, receitá-lo para suas pacientes. Como observado nos discursos abaixo: “Hoje em dia eu acho que melhorou muito, mas você tem os clássicos, coisas assim que vão sempre te trazer aspectos positivos, o paciente sempre vai ficar feliz. E tem as novidades, sempre quando eu vou a um congresso, eu sempre pego para minha família, entrego para minhas cunhadas, minhas tias, minha mãe, cada um fica com um e usa por 02 ou 92 03 meses e no final a gente fala: - Esse funcionou, esse não funcionou.” (GABRIELA) “Se chegar um protetor novo, você não vai me ver passar um creme para o paciente sem antes testar. Eu sempre testo a textura do creme. Sempre”. (OLGA) 4.5.1 As marcas pesquisadas As marcas, através discurso publicitário, são capazes de despertar o desejo por um produto que foi carregado de significados. Desse modo, ao serem questionados sobre os produtos anti-idade de cada marca, alguns dermatologistas não responderam pensando não apenas em um produto, mas em toda a linha de produtos da marca. Assim, parece ser a marca que resume os significado que serão atribuídos aos cosméticos e, posteriormente, transferidos para aos pacientes (BAUDRILLARD, 2008; MCCRAKEN, 2007). Buscou-se reunir os comentários dos entrevistados após a apresentação das figuras correspondentes aos produtos anti-idade das diversas marcas. Cabe observar que as tabelas abaixo não seguem um único padrão de apresentação, já que foram encontradas, inclusive, algumas divergências de opiniões. Avon (Renew) Aspectos Positivos Aspectos Negativos Outros Aspectos Possui substâncias como ácido Não há estudos científicos retinóico, que os dermatologistas dessa marca; consideram eficaz. A concentração é muito baixa; Muito difundido na população com poder aquisitivo mais baixo; Não tem acesso à informações da fórmula; Os médicos não se opõe ao seu uso, desde que não prejudique a pele; Não é um produto médico, não necessita de receituário; Produzem apenas um produto para todos os tipos de pele; Não prescrevem o Renew; A marca faz anúncios na televisão, em revistas e possui um modo de venda “porta-aporta”. A marca é focada em um público leigo; Seu preço é similar ao de alguns produtos prescritos pelos dermatologistas. 93 Dermage Aspectos Positivos A marca é confiável; A formula dos produtos industrializados é acessível; A marca possui uma boa linha de produtos industrializados; A marca é próxima dos dermatologistas: fazem visitas aos médicos, mantêm uma farmacêutica disponível para auxilio e realizam estudos constantemente; Está sempre presente em congressos; Preocupam-se com as embalagens e com as novidades do mercado; Investem em pesquisa; Têm um excelente custo-benefício; Produzem os produtos pensando na pele das brasileiras; O médico e o paciente se sentem exclusivos. Innéov Aspectos Positivos É um bom produto; Aspectos Negativos Pode não ser eficaz; Pode ser positivo para as O produto é caro; pessoas que não têm tempo de Os resultados das pesquisas se alimentarem bem; não são confiáveis; Tem um bom preço; Não atingiram muitos os É feito por duas marcas muito dermatologistas; conhecidas e confiáveis; A propaganda é exagerada. Realizam pesquisas sobre seu efeito. Aspectos Neutros O produto é considerado complemento nutricional, cosmecêutico e nutracêuticos; É uma tendência no mercado de cosméticos; Existe uma discussão grande entre os dermatologistas sobre os resultados. 94 La Roche-Posay Aspectos Positivos Aspectos Negativos Outros Aspectos A marca é séria, confiável e O preço dos produtos é alto; possui bons produtos; A propaganda tem sido feita A estratégia de marketing é diretamente para o consumidor direcionado ao dermatologista; final. O público que consome a marca é de classe média alta. A marca cumpre o que propõe; As informações dos produtos são acessíveis; Investem em novas pesquisa, apresentam artigos aos dermatologistas e estão presente em congressos; Os dermatologistas são visitados por representantes e têm uma boa comunicação com seus farmacêuticos; O laboratório avalia o efeito dos produtos e a satisfação dos pacientes; A marca está pensando no tipo de pele dos brasileiros; Os dermatologistas prescrevem produtos da marca; A marca é tradicional, com nome internacional. Lancôme Aspectos Positivos Os produtos considerados “cosmético puro”, como a maquiagem, são bons; Aspectos Negativos Outros Aspectos As marcas Lancôme e a Avon parecem oferecer o mesmo efeito, porém são consumidos por níveis sociais diferentes; Há uma percepção no mercado que é “chique” passar o creme da Lancôme; É um laboratório grande, de tradição; As concentrações das substâncias presentes na A marca é confiável; fórmula não são divulgadas; O anti-idade é eficiente; Não há comprovação científica A consistência dos produtos dos resultados do creme antiproporciona uma sensação idade; agradável; Os produtos da Lancôme são Há bastante inovação dos considerados muito caros; produtos da Lancôme; O laboratório não se aproxima dos dermatologistas; Os cremes anti-idade não são prescritos pelos dermatologistas; Não há divulgação produtos no Brasil. dos 95 Natura (Chronos) Aspectos Positivos Tem um preço acessível; Sempre apresenta novidades; Sua apresentação é bonita; A Natura é preferida à Avon; Há boas substâncias na fórmula. Aspectos Negativos Aspectos Neutros O produto anti-idade funciona A marca atinge mulheres de apenas como um creme baixa renda e de classe média hidratante; baixa; Indicar Natura pode A Natura e desmerecer a profissão do consideradas dermatologista; equivalentes; a Avon são marcas A concentração das Seu modo de venda facilita a substâncias não é suficiente compra sem receita; para fazer efeito anti-idade; Parece haver um forte trabalho A empresa não têm contato de marketing. com os médicos; Não são científicos; feitos A fórmula do desconhecida; trabalhos produto Dermatologistas prescrevem Natura; é não Existe apenas um creme para todos os tipo de pele. Vichy Aspectos Positivos Aspectos Negativos A marca está se voltando para o A propaganda é direcionada meio médico; para o consumidor final, o que pode denegrir a imagem do A marca é confiável e tradicional médico; no mercado; Há um exagero na propaganda Os produtos são acessíveis; de alguns produtos; A linha de produtos é bem Não tem uma presença avaliada; expressiva no Brasil; Sempre lançam novos produtos Os produtos são caros; e tendências no mercado; Algumas pesquisas não são Estão presentes nos congressos; representativas. A Vichy tem um laboratório respeitável, com departamento de pesquisa; Preocupam-se pesquisas. em Aspectos Neutros A marca foi muito comparada a La Roche-Posay; Alguns entrevistados acham a marca é eficiente em visitar os dermatologistas, enquanto outros afirmaram o contrário. mostrar 4.6 O NÃO CONSUMO DE PRODUTOS ANTI-IDADE Os dermatologistas pesquisados parecem concordar que são poucas pacientes adeptas do “envelhecimento natural” (NADIA). Contudo, eles fazem diferentes 96 observações quanto à motivação pela qual algumas mulheres escolhem não utilizar produtos anti-idade: O primeiro aspecto considerado é a maior aceitação da aparência envelhecida quando a idade da mulher já é avançada. Alguns médicos da pesquisa parecem perceber que suas pacientes que escolhem não utilizar produtos antienvelhecimento são mulheres “de 70 anos para cima” (ISIS), que têm uma boa aceitação da vida que tiveram. “homem mais velho, mulher com setenta anos aí já não liga muito para essa parte de estética não. [...] Eu acho que é bem resolvida. [...] Depois que passa dos sessenta eu acho que a pessoa já aceitou assim. Eu acho que é muito por aceitação.” (OLGA) Outro aspecto refere-se à crença de que não se deve intervir no envelhecimento do corpo, pois as rugas fazem parte da história pessoal. Essas pacientes concordam com Wolf (1992) ao considerar uma violência contra a mulher a tentativa de “apagar” as rugas do rosto. Além disso, os entrevistados consideram que essas mulheres felizes com sua autoimagem e que pertencem à uma geração que considera que “tomar remédio é agressão” (BIANCA). Eles, ainda, observam que a felicidade das pacientes e a sensação de bem-estar são conceitos que se misturam. “As vezes o que eu estou vendo não está incomodando o paciente. Existe o que eu falei que o paciente vem com uma queixa de unha e para ele o rosto dele está bonito. [...] Eu nem proponho tratamento porque, as vezes, você até ofende a pessoa. Às vezes, a pessoa está se sentindo linda com o rosto, mas na verdade não está.” (Olga) “São perfil completamente... envelhecimento natural, que nada você faça para intervir a forma como o seu corpo deve envelhecer. [...] dizem que fazem isso por uma opção e querem que as rugas marcam alguma coisa que elas passaram e tal, elas tem toda uma filosofia do envelhecimento natural.” (Nadia) “Então a pessoa que... não se importa com a mancha, está bem com isso mesmo. Vou dar um exemplo: outro dia... eu vi Evandro Mesquita, é um cara que é feliz com a vida dele, que é todo largadão. É surfista, continua surfando. Está feliz da vida.” (Rafael) O medo que algumas pacientes têm em se submeter a procedimentos muito agressivos é outra motivação presente nos relatos, porém utilizam os cremes que é um tratamento menos invasivo, parece fazer parte do que consideram um “envelhecimento natural” (CLARKE, GRIFFIN, 2007). Do mesmo modo, na pesquisa de Rosário (2006), as mulheres entrevistadas também parecem ter uma aversão ao risco de alterar a aparência ou de ter sua saúde afetada ao tingir os cabelos. 97 Alguns entrevistados notam que as mulheres que não têm interesse em utilizar produtos anti-idade trabalharam a vida inteira, mantendo-se ocupadas, por isso não teriam tempo para se preocupar com a aparência. Contudo, essa afirmação é contraditória com ao de que as mulheres bonitas e jovens tendem a ser mais bem sucedidas (DION, BERSCHEID e WALSTER, 1972). “São mulheres que trabalharam a vida inteira, sempre se ocuparam e tem outras cosias para fazer do que ficar passando creme. [...] Tem umas que não tem paciência ou: ‘não me passa essa coisa de passar um de manhã, um de tarde e um de noite. Me dá só um produto. Melhor um sabonete’.” (CARLA) Já Elaine e Gabriela lembram que as mulheres que não consomem produtos de beleza não têm cuidado com sua aparência, nem vaidade (ROSÁRIO e CASOTTI, 2008). Elas atribuem esse comportamento à preguiça. “É descuidada com tudo, ela não está penteada, não tem nada no rosto, nem uma maquiagem, tem unha mal feita no sentido de que... não é que ela foi a manicure, ser uma pessoa bem cuidada não é uma questão de dinheiro, é uma questão de detalhes. A unha dela pode estar cheia de cutícula ou quebrada ou roída, mas basta você cortar e lixar, é uma coisa barata. Pentear o cabelo é uma coisa barata. Escovar o dente é uma coisa barata. [...] Por exemplo, três dedos de raiz branca... pelo amor de Deus, ninguém merece isso!” (ELAINE) Bianca ainda reflete que o não consumo dos produtos anti-idade pode ser uma reação contra os custos dos tratamentos, ou pode ser que as mulheres esperam o milagre de manter a pele jovem sem precisar cuidar-se. Também parece ser um pensamento comum entre os dermatologistas que pacientes com doenças mais graves preferem, primeiro, solucionar a questão da saúde e posteriormente pensar na estética. Mario relata que mesmo sem mencionar algo relacionado à estética, as pacientes falam espontaneamente que irão “deixar para depois o creme”: “Agora eu vou ser muito sincero eu não sei se não optam ou se eu não coloco dessa forma. Então é a abordagem do paciente com a sua abordagem. Já aconteceu de eu falar para o paciente deixar a parte estética mais para frente, vamos ver primeiro essa parte da doença e tal.” Novamente o olhar do outro é importante quando o assunto é estética (MITTAL, 2006). Alguns dermatologistas pesquisados notam que certas pacientes passam a aceitar o tratamento estético quando “alguma amiga elogia” e percebe a melhora na aparência. Talvez os entrevistados comentem esse comportamento por não 98 aceitarem que possam existir pessoas que, realmente, prefiram não tentar se enquadrar em algum padrão de beleza. “Geralmente, aos pouquinhos, aí tem alguma melhora, quando alguma amiga elogia, aí que ela se empolgam mais ainda. Geralmente a paciente gosta, acaba tendo o retorno. Eu acho que quando o outro percebe é muito importante, eu acho que é bem legal, ela se sente bem segura.” (JOANA) “Não, tem pessoas que não tem realmente paciência para isso, é o jeito, todas as pessoas acabam se disciplinando a usar e acabam ficando mais satisfeitas” (KÁTIA) 99 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A idéia de inicialmente de entrevistar consumidores foi modificada quando em um dos trabalhos anteriores (AMUI, 2006) dessa linha de pesquisa da Cátedra L’Oréal de Comportamento do Consumidor, e que entrevistou mulheres de classe mais alta, sugeriu a importância dos dermatologistas consultados por elas como influenciadores na compra e uso de produtos e serviços de beleza. Assim, decidiuse falar com um grupo de dermatologistas não só para compreender o que pensam sobre beleza e envelhecimento e os produtos, serviços e marcas associados, mas também entender como esse grupo de referência e com poder de influenciar os seus pacientes e suas demandas em relação às possibilidades cosméticas. Sempre tive interesse em temas relacionados à moda e à beleza. Logo, parte dos programas que costumo assistir na televisão e alguns sites que visito na internet são relacionados aos assuntos: são blogs e canais do Youtube que se tornaram referências; reality shows como o “Esquadrão da moda”, “Project Runway” e “Superbonita”; além das revistas Vogue e Marie Claire, que possuem colunas específicas sobre cosméticos que sempre prometem beleza e rejuvenescimento. Assim, mesmo antes de ter acesso aos artigos acadêmicos nos cursos de marketing e comportamento do consumidor e na elaboração desse estudo, fui “bombardeada” por muitas informações sobre o tema através dos diferentes meios de comunicação de massa. Contudo, apenas ao iniciar essa dissertação, tornei-me mais sensível as mídias que exageram quanto aos padrões de beleza, propondo artifícios que podem ser associados a uma verdadeira “guerra” contra o envelhecimento. “Envelhecer bem”? Boa parte das mensagens sugere serviços, procedimentos e produtos para rejuvenescer sem mencionar, adequadamente, os possíveis riscos à saúde física e mental. Mesmo que a beleza seja considerada por muitos uma indústria supérflua, a venda dos produtos de beleza não parece se alterar significantemente em períodos de crises mundiais e de retração no poder de compra4. Esse fato também pode ser percebido nos consultórios dos dermatologistas entrevistados onde a demanda por 4 Fonte: Relatório L’Oreal 2008 100 procedimentos cosméticos faz com que a cosmiatria esteja muito presente na rotina desses médicos. A força midiática e de construção de marcas parece ter me contaminado quanto ao tema, mas parece ter contaminado também esses profissionais entrevistados que em alguns momentos confessam o quanto valorizam a atenção das empresas e suas marcas nos congressos ou na construção de relacionamentos personalizados quando declaram não gostar das marcas que falam direto com os pacientes e não falam com eles. O estudo exploratório pode destacar o fato de que esse grupo de dermatologistas entende que a realização de procedimentos estéticos pode afetar positivamente e/ou negativamente, psicologicamente e/ou fisicamente o paciente. Assim, os profissionais da área da cosmiatria entrevistados procuram orientar seus paciente sobre a indicação de tratamento estético. A crítica sobre a “promiscuidade” de alguns profissionais que trabalham com a estética e realizam esses procedimentos sem julgar, adequadamente, sua necessidade, visando principalmente o ganho financeiro e não na bioética médica apareceu nas entrevistas feitas com profissionais mais velhos. Os entrevistados mais jovens parecem ser críticos em relação aos seus pacientes ou talvez mais fáceis de serem seduzidos pelas mídias ou marcas? Alguns relataram que as pacientes pedem para que eles indiquem certos produtos e/ou realizem procedimentos estéticos descritos em propagandas e matérias que aparecem na mídia sem uma previa avaliação médica. Assim, alguns dermatologistas da pesquisa comentaram que se sentem obrigados à buscar essas informações para manteremse atualizados, embora não “obedeçam” às vontades dessas pacientes. Temas como a beleza e o envelhecimento não foram simples de serem definidos pelos médicos entrevistados. Assim, os dermatologistas da pesquisa utilizavam palavras como “bem-estar” e “harmonia” em seu discurso para caracterizar a beleza, evitando descrevê-la com termos mais tangíveis; ou buscavam termos técnicos da medicina para falar sobre o assunto, talvez, por ser um tema que não fornece localizações sólidas no ambiente efêmero da moda e da mídia de massa 101 (LIPOVETSKY, 2007) ou mesmo por ter uma associação com futilidade o que se opõe à tradição de um médico. Já, ao comentar sobre o envelhecimento, os entrevistados procuravam relatar as mudanças físicas que ocorrem no corpo. Embora utilizassem termos como “a idade é um limite implacável” e “o envelhecimento é inexorável”, eles também buscavam apontar aspectos positivos do envelhecimento, apresentando um discurso confuso que hora parecia ser voltado para as suas convicções pessoais e hora parecia se lembrar de seus lugares como grupo de referência influenciador da beleza e que parece produzir e conversar com o coletivo ou social. A união dos temas beleza e envelhecimento pareceu complicada, mesmo para esse grupo de profissionais diretamente ligados aos dois temas. Foi possível notar que apesar de os hábitos de consumo relacionados aos cosméticos serem associados muitas vezes a um consumo superficial e não fundamental à vida dos consumidores, em um primeiro momento; alguns dermatologistas mencionaram que consideram a vaidade essencial no processo de envelhecimento das mulheres, agindo como um motivador para uma vida saudável e melhorando a auto-estima do paciente. Esse novo posicionamento da dermatologia ou até o que poderia ser chamado a “assinatura’” de um dermatologista, como se fala de um estilista da moda parece ter sido culturalmente bem construído ao longo dos anos. Enquanto em outros tempos a cosmiatria podia ser alvo de certo preconceito entre os dermatologistas, mais recentemente, as questões da beleza e do rejuvenescimento passaram a fazer parte da caracterização dessa especialidade da medicina. No entanto, alguns entrevistados se mostram ao mesmo tempo críticos e confusos. Falam que a cosmiatria vem sendo tratada como um negócio em nossa sociedade junto com a banalização do uso de procedimentos cosméticos. Essa relação comercial parece desagradar os entrevistados, que não concordam com o consumo do corpo como um objeto (ASKEGAARD et al., 2002). Segundo os entrevistados, o resultado de um tratamento de rejuvenescimento é algo abstrato, podendo surgir divergências na comunicação entre médicos e pacientes sobre quais melhoras na aparência são possíveis de atingir. Além disso, a percepção do que é importante tratar esteticamente para o médico e para o paciente 102 pode diferir. Assim, a narrativa é essencial para que os resultados correspondam as expectativas tanto das pacientes quanto dos dermatologistas (GROSSMAN e CARDOSO, 2006). Quanto a como percebem seus clientes, foi possível encontrar algumas diferenças em seus relatos originadas de suas experiências: - Como agem com os que buscam diretamente tratamento estético versus e os que chegam ao consultório por questões de doenças; - A timidez masculina versus o desembaraço feminino; - As questões estéticas das mulheres jovens versus o desafio das mulheres mais velhas frente às rugas; - Pacientes com o elevado grau de instrução, como dos entrevistados versus os pacientes de baixo nível de instrução e/ou intelectual. Em alguns momentos das entrevistas foi mencionada a importância da percepção do outro ou dos outros sobre a aparência ou mais especificamente sobre o envelhecimento do corpo no Rio de Janeiro, uma sociedade que dá extrema importância ao corpo que é tratado como “um capital” (GOLDENBERG, 2007, 2009). Logo, torna-se mais difícil atingir a aparência ideal definida pela sociedade. Nesse contexto, o uso dos tratamentos e produtos cosméticos passam a ser uma esperança de chegar ao padrão de beleza que foi deslocado (MCCRACKEN, 2003). Seria o rosto a interação do self com o mundo como falou Goffman (1987)? Alguns dermatologistas contam que o rosto assume uma importância maior para as mulheres mais velhas, ou seja, esse grupo é o que parece se preocupar mais com a face/self como interagindo com o mundo. Os dermatologistas da pesquisa contam que as principais questões trazidas pelas pacientes em seus consultórios estão relacionadas ao envelhecimento e ao rosto: rugas e linhas de expressão. Já, as pacientes mais jovens, por ainda exibirem mais o corpo, tendem a dividir suas atenções entre o rosto e o corpo. Casotti, Suarez e Campos (2006) também haviam observado que o envelhecimento ou a passagem do tempo faz com que as mulheres tenham preocupações diferentes em relação às questões estéticas consequentemente consumos de serviços e produtos de beleza também diferentes. e 103 Além disso, os entrevistados notam que há um grande dilema de algumas pacientes cariocas entre ficar com o corpo bronzeado e cuidar da pele para evitar o aparecimento de manchas que são comuns em lugares onde há sol quase o ano inteiro e a praia. Quanto às marcas de produtos anti-idade que foram usadas para o exercício projetivo, o grupo de dermatologistas entrevistados falou de aspectos que julgam importantes nesses produtos desde fatores ligados à testes com os produtos, comunicação do produto ou aspectos mais associados à funcionalidade do produto a outros relacionados a características mais hedônicas associadas às marcas: - constante produção de estudos científicos, principalmente aqueles que apresentam estudos histológicos; - divulgação da fórmula do produto; - presença em congressos da área; - proximidade da marca com os dermatologistas; A questão do controle de qualidade foi lembrada em relação a farmácias de manipulação onde parece haver certa desconfiança dos médicos que em alguns casos preferem utilizar os produtos industrializados. Cabe observar, no entanto, que alguns demonstraram preferência por produtos manipulados em seus relatos o que se liga ao estudo de Amui (2006) onde mulheres entrevistadas disseram gostar das fórmulas manipuladas, pois acham que é algo customizado para elas. Os aspectos relacionados ao consumo hedônico tais como o aroma diferenciado, a cosmética, a embalagem e a comunicação prazerosa em termos de imagens do produto foram também considerados importantes pelos entrevistados, mas podem ser deixados de lado se a paciente não tem condições financeiras para pagar por essas características hedônicas. Uma observação interessante feita por mais de um entrevistado foi em relação a marcas de luxo como a Lancôme que não possuem ou divulgam pesquisas científicas, nem divulgam também os componentes de sua fórmula, por isso não prescrevem esse tipo de marca. 104 Outras questões que levam os dermatologistas do grupo à rejeitarem uma marca anti-idade parece ser um certo preconceito em relação ao fácil acesso aos produtos através do canal de venda porta a porta de marcas como Natura e Avon. Um dos entrevistados verbaliza com clareza que a acessibilidade ao produto “desvaloriza a profissão do médico” o que por outro lado pode levar justamente a uma valorização das fórmulas manipuladas prescritas. Foram também mencionadas as estratégias promocionais da marca feitas diretamente para os consumidores como algo que também não gostam, pois consideram que são apelos feitos a um público leigo. Por último, ao serem questionados sobre o não consumo de tratamentos anti-idade, alguns dermatologistas do grupo comentaram sobre diferentes fatores que podem levar as mulheres a terem esse comportamento. Apenas a preguiça foi lembrada como um comportamento negativo para o não consumo. Os outros aspectos lembrados parecem sinalizar algo positivo não só pelo que falaram, mas por suas expressões de aprovação em relação às mulheres que aceitam melhor sua aparência envelhecida principalmente quando já tem uma idade avançada. Falam então de mulheres “que têm uma boa aceitação de suas vidas”, que “acreditam que não se deve intervir no envelhecimento do corpo” ou mulheres que trabalharam a vida inteira e que preferem se ocupar de outras coisas e não têm tempo para se preocupar com a aparência. Essas considerações feitas parecem indicar um certo alívio dos entrevistados em relação às mulheres com esse perfil já que em outros momentos da entrevista trouxeram relatos em que parecem sentir certa pressão ou cobrança de suas pacientes que quando entram em seus consultórios estão em busca de padrões inalcançáveis de beleza e rejuvenescimento construído pela mídia e prometidos pelas marcas. 5.1 SUGESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS Com o andamento dessa pesquisa, surgiram algumas questões que podem ser interessantes para alguns estudos: • Investigar a relação de mulheres que dependem de hospitais públicos com os dermatologistas e seu desejo de cuidarem da aparência. • Verificar como as consumidoras de tratamentos estéticos percebem sua relação com os dermatologistas. 105 • Compreender quais são os fatores influenciadores do consumo de cremes anti-idade e avaliar qual a importância de cada um deles na tomada de decisão na escolha do produto. • Compreender o comportamento das mulheres que não consomem cosméticos anti-idade. • Compreender o comportamento de mulheres de classes econômicas mais baixas. 106 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMUI, I. 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E o padrão das brasileiras? • Se houver discrepância. O que pensa sobre essa diferença? • Imagine uma pessoa descuidada. Poderia descrevê-la? E uma pessoa bem cuidada? Consumo: • Quais cosméticos são os mais procurados pelas mulheres brasileiras? • Quais são os cosméticos que considera da rotina? • Quais são os que considera de luxo? • Fale-me sobre o creme anti-idade da empresa (falar sobre as diferentes marcas, se houver). • Quem é a mulher que consome a marca? • Você sabe o que mais vende dessa marca? • Como são dadas as orientações/sugestões para venda ou uso desses cremes? • Existe uma idade a partir da qual as marcas passam a recomendar esses cremes? • O que você acha dos dermatologistas em geral? Explique-me como vocês lidam com os dermatologistas. • É possível diferenciar esses profissionais, os dermatologistas? (Se a empresa tiver relação direta com os profissionais) • O que é mais difícil na relação com os dermatologistas? (Se a empresa tiver relação direta com os profissionais) • Vocês costumam fazer algum tipo de pesquisa com eles? Se sim me explique de que tipo, com que periodicidade? (Se a empresa tiver relação direta com os profissionais) • Você vê diferenças entre os dermatologistas do Rio em relação a outras regiões brasileiras? • E os dermatologistas de outros países? • Você se lembra de algum acontecimento curioso que relacione algum dermatologistas com os cremes anti-idade? (Se a empresa tiver relação direta com os profissionais) Nosso estudo tem como público alvo os dermatologistas. A sua entrevista, como uma especialista está nos auxiliando a construir o roteiro principal. Muito obrigada por esta entrevista e pela generosidade de nos conceder seu tempo. 112 ANEXO 2 - Roteiro semi-estruturado da entrevista com dermatologistas Podemos gravar a entrevista? Quando formos usar as informações, você não será identificada. • Nome: • Idade: • Estado Civil: • Formação: • Há quanto tempo trabalha com dermatologia e com dermatologia estética (cosmiatria)? • Poderia me contar por que escolheu trabalhar com essa área? • Se você dividir suas clientes entre as pacientes que o(a) procuram por consultas por motivos estéticos e por consultas por doenças dermatológicas, quantos por cento estariam em cada grupo? • O que é beleza para você? • Como descreveria uma mulher bonita? • Pensando na sua experiência profissional, que aspectos acredita são mais valorizados pela mulher em seu corpo? • E no seu rosto? • É possível diferenciar os tipos de pacientes que você tem? • O que você me diria sobre envelhecimento. • Agora vamos imaginar a mulher de mais de 30 anos entrando no seu consultório pela primeira vez. O que você diria sobre ela. • Agora vamos imaginar a mulher de 50 anos entrando no seu consultório pela primeira vez. O que você diria sobre ela. • O que você diria sobre cremes anti-idade? • Quais fatores estéticos podem ser resolvidos com cosméticos anti-idade? Cumprem as expectativas das pacientes? • Você possui alguma preferência na sua indicação dos cremes anti-idade existentes? Por que? • O que faz você confiar em uma marca de cremes anti-idade? • O que você acha dos produtos anti-idade feitos em farmácia de manipulação? • E das grandes marcas? (Mostrar as imagens) • Você tem pacientes que preferem não utilizar os cosméticos anti-idade? Fale-me um pouco delas. Muito obrigada por esta entrevista e pela generosidade de nos conceder seu tempo. 113 ANEXO 3 – Entrevistas com dermatologistas Bianca Bianca tem 51 anos, é casada e graduou-se pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde também cursou residência médica em pediatria, curso de especialização e de mestrado em dermatologia. Trabalha com dermatologia infantil no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira e em consultório em Ipanema. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. A entrevistada fez residência em pediatria, área onde atuou por alguns anos, antes de especializar-se em dermatologia há “mais ou menos 12 anos”. Ela explica que sua formação em dermatologia seguiu uma “linha antiga” em que não havia a preocupação em “cuidar da pele, esteticamente”; ela conta que essa visão começou, lentamente, a mudar nos anos 90. Nessa época, ocorreram os primeiros congressos “onde se falava muito em estética”. Contudo, ela esclarece que, na universidade, a importância que começava a ser dada ao campo não era vista como algo positivo. Ela reflete que há “um lado justo”, pois, primeiro, o médico deve conhecer a pele, fisiologicamente, depois, conhecer as doenças para, então, cuidar da parte estética. Bianca explica que, ao início, a cicatriz deixada pela acne era praticamente a única relação do dermatologista com a estética: “o trabalho que se fazia era com um peeling, e, mesmo assim, fazia-se escondido, porque, se o chefe do serviço soubesse, era a maior confusão”. A dermatologista relata que, em seu consultório, 60% dos pacientes a procuram por doenças e 40% por estética, talvez por sua formação sólida na universidade. No entanto, a maioria das consultas são por queixas associadas, “o paciente vem com uma doença, mas, no final da consulta, ele pergunta assim: ‘o que posso fazer para melhorar?’, isso, em qualquer faixa etária”. Ela explica que os 40% dos pacientes a procuram por procedimentos estéticos mais pesados, como preenchimento, botox e laser. Em relação às categorias de pacientes que chegam ao consultório em Ipanema, há aquelas que “são dondocas da classe AAA” e querem fazer todos os tratamentos. No entanto, este grupo não é a maioria, por sua postura mais conservadora; há pessoas mais velhas que teriam indicação de cirurgia plástica, mas, por medo da intervenção, solicitam informações sobre o preenchimento; há alguns artistas “globais” que têm muita preocupação com sua imagem, pois a aparência é uma exigência de seu trabalho e tem impacto direto em sua profissão; e há os adolescentes que vão à consulta ou porque suas mães não se conformam com suas espinhas, ou porque estão desesperados com sua única espinha e querem tratá-la. No primeiro caso, Bianca acha interessante tratar o conflito, satisfazer a mãe e o filho, além de mostrar para a mãe que seu filho deve ter espaço para decidir se cuidar, no momento em que sentir vontade. Ela comenta que o adolescente sempre acha que tem um defeito e que dizem: “a gente não é perfeito mesmo, não tem saída”. b. Conceito de beleza: como define a beleza e como descreve uma mulher bonita. 114 Bianca considera difícil expor sua opinião sobre beleza. Ela afirma que é um conceito estético que envolve questões culturais. Por exemplo, há algumas características da beleza negra que nem todos gostam. Já, na sociedade brasileira, ao contrário de outras partes do mundo, a mulher bela é pouco mais roliça que o padrão magérrimo das modelos, como a Luiza Brunet - mulher que ela acha muito mais interessante do que a Gisele Bündchen. Além das diferenças culturais, a dermatologista relata que “existem belezas que fazem parte do consciente coletivo, como as mulheres gregas e os olhos azuis” e que, tecnicamente, uma mulher bonita tem estatura alta e distribuição dos traços do rosto. quase perfeita. Todavia, em sua opinião, a beleza não é composta apenas pelo lado estético: “se eu começar a travar um diálogo com uma pessoa que acho linda, talvez a beleza dela se esmoreça se faltar conteúdo na conversa”. A entrevistada, ainda, declara ser “filha da época da Leila Diniz”, esclarecendo que era uma geração que via a beleza de um modo “completamente diferente”. Ela lembra que as mulheres eram mais “cheinhas” e tinham contornos, sem muito exagero. Ela se considera da “velha guarda” e afirma que assiste pouca televisão, e, talvez por isso, suas principais referências do belo sejam mulheres de antigamente, que “tinham um rosto mais quadrado, diferente”. Ela declara que a beleza de antigamente é mais interessante e acredita que a homogeneidade do que é considerado bonito “é o caos”. Ela cita a Sophia Loren e a Grace Kelly como mulheres “lindas”, e a Angelina Jolie, a Michelle Pfeiffer e a Carla Bruni, as mulheres belas da geração atual c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. Bianca acredita que a mídia desempenhe um papel fundamental na percepção de beleza da população. Ela comenta que as manequins têm um tipo de “beleza gay”, “são todas esquálidas”, assim como “os estilistas” que ditam a moda das passarelas: “não têm bunda, não têm quadril, não têm coxa”. Desse modo, algumas mulheres tentam seguir esse padrão e “ficam enlouquecidas porque têm cintura demais, porque têm quadril demais”. A dermatologista também comenta que as propagandas que aparecem nos meios de comunicação são mais um fator que contribui para o aumento da demanda pelos tratamentos estéticos. Ela lembra adolescentes que vão a seu consultório para manter pele bonita, “tudo bem, odiar espinha e cravo, mas a demanda de cremes hidratantes é uma coisa da mídia”. Ela relata o caso de uma paciente que foi à consulta com sua filha de 11 anos; nessa família, a pressão para cuidar da pele vinha da criança, enquanto a mãe dizia que “não ia abandonar o sol”, quando deveria ser o contrário. Bianca comenta que, em geral, o nível de cuidado das mulheres consigo mesmas tem relação com sua fase de vida. Ela afirma que, nessa sociedade, o dia-a-dia é muito corrido e não há tempo para se cuidar. No entanto, quando os filhos “vão embora” essa mulher muda seu referencial e, só assim, consegue voltar seu olhar para si. Desse modo, ela fica contente quando os outros notam essa mudança e alguém comenta como está mais jovial; a paciente conta para a entrevistada que "todo mundo está reparando" e ela fica muito feliz por isso. 115 A dermatologista afirma que as maiores reclamações, em seu consultório, estão relacionadas a celulite, a estria e ao envelhecimento facial. Segundo Bianca, as mulheres não querem ter celulite, ela conta que acha “divertido” elas se queixarem disso, mas não fazerem nenhum exercício físico para mudar a situação, “o que é uma contradição”. Ela acredita que todas procuram por “um milagre”, “uma vida fácil”, o que ela considera uma característica da natureza humana. Já o envelhecimento facial é percebido por ela quando suas pacientes se incomodam com o “sulco nasogeniano”, próximo ao nariz, com o “bigode chinês”, próximo à boca e com a glabela, entre as sobrancelhas. No entanto, a entrevistada esclarece que as rugas mais acentuadas são queixas de pessoas com 60 anos, “algo que incomoda muito”. Bianca explica outro fato recorrente do processo de envelhecimento: o desaparecimento labial. Logo, muitas pacientes querem fazer o preenchimento para resgatar sua boca, pois existe uma “expectativa de transformação”. Do mesmo modo, um ídolo serve como inspiração para mudanças no corpo. Assim, a entrevistada relata a história de uma mulher que foi ao consultório de um cirurgião plástico e, apesar de essa paciente ter gostado do resultado da cirurgia, ela fez o seguinte comentário: "poxa, mas não fiquei parecida com a Vera Fisher". Por isso, ela afirma que cuidar da saúde mental é essencial, “senão ficam aquelas almas vazias em busca da felicidade através de uma beleza que não chega nunca.” A dermatologista acredita que o avanço das pesquisas e das tecnologias que possibilitam o rejuvenescimento somado à dificuldade em aceitar o envelhecimento faz com que as pessoas “paguem qualquer preço pelos tratamentos estéticos”. Logo, ela reflete sobre a diferença entre o que significa gastar dinheiro com medicamentos e consultas médicas por problemas de saúde e o que significa despender valores financeiros por questões estéticas. “Ninguém quer gastar dinheiro com o que é perda: ficar doente já é ruim e ainda precisa perder dinheiro, precisa pagar um médico para ficar bom. Já, para ficar bonito, para viajar e ter prazer vale tudo. Assim, as pessoas são capazes de passar muitos apertos para comprar uma bolsa que desejam, fazer uma viagem, fazer um procedimento ou uma plástica”. Além disso, ela afirma que certas crenças oriundas de um histórico social contribuem para que, no inconsciente coletivo, os indivíduos não concordem com a prática da cobrança financeira por cuidados com a saúde: “tem toda a coisa da religiosidade”. d. A relação entre médico e paciente. Segundo Bianca, os dermatologistas devem estar atentos ao que está “circulando” no mercado, pois “podem sair coisas mirabolantes dali”. Ela escuta, frequentemente, as mulheres falarem que leram matérias sobre tratamentos estéticos em revistas de salão de beleza, com na “Boa Forma e na Corpo & Saúde”. Algumas dessas pacientes apresentam um problema que a dermatologista percebe que está aumentando na sociedade, que é a busca por uma aparência que não existe. Ela acredita que, “no fundo”, seja uma questão psiquiátrica de deformidade do seu self e preocupa-se, pois ela acredita que os dermatologistas não estão preparados para cuidar desse tipo de paciente. Ela relata que, além dessa falta de educação médica, há a questão do ganho financeiro com os tratamentos 116 estéticos e da ética profissional, envolvidas no assunto. Ela, ainda, esclarece que essa questão é tema cada vez mais recorrente nos congressos de dermatologia. A dermatologista afirma que sua postura em relação à essa paciente “doente” é conversar com ela, esclarecendo que há um problema psiquiátrico envolvido. Ela conta que o médico deve tomar cuidado para não entrar “nessa maluquice” e, para isso, ela aborda quais são as expectativas do tratamento, mostrando a realidade e as dificuldades da solução. Durante a consulta, ela também questiona quais outras questões (psicológicas) que levaram o paciente àquele tratamento, “senão ele vai ficar frustrado com o resultado”. Ainda assim, ela afirma que alguns pacientes acabam procurando outro profissional para fazer o que desejam: “Têm alguns que atingem o meu limite e eu não atinjo o limite deles, então irão procurar outro médico”. Bianca comenta que não se frustra com essa atitude, ela considera que isso faça parte da relação médico-paciente. A entrevistada atribui à sua idade e à sua experiência a tranquilidade para lidar com suas pacientes, inclusive com aquelas que retornam ao seu consultório para “consertar” algum procedimento que ela havia se recusado a fazer, por não concordar que o resultado ficaria satisfatório. Todavia, ela acha que essa paciente não deve reclamar do médico que realizou o procedimento, pois “buscou um profissional que concordou com seu ponto de vista” e o tratamento não atendeu as expectativas esperadas. Bianca também comenta a dificuldade em conseguir que seus pacientes mais novos “deixem de ir à praia ao meio-dia e usem o filtro solar adequadamente, para prevenir o envelhecimento”. e. O processo de envelhecimento. Bianca entende que o ser humano tem dificuldade em lidar com limites e a idade é um “limite implacável”. Assim, ela afirma que envelhecer é algo muito dolorido, principalmente em uma sociedade que cultua a juventude. Segundo ela, isso acaba gerando uma competitividade entre as mulheres mais velhas e mais novas. A dermatologista reflete que o fato da mulher “sair de casa” fez com que ela quisesse retardar seu envelhecimento e uma conseqüência foi a “mudança da faixa etária da velhice”. Ela reconhece uma modificação de comportamento no modo de vestir-se das mulheres de meia-idade, por exemplo. No entanto, ela considera que identificar qual idade representa a meia-idade é algo complexo. Para ela, seria após os 50 anos, mas pela exigência social, algumas mulheres acham que estão na meia-idade com 40 anos. A entrevistada atribui isso ao descompasso entre a mente, que ainda está muito ativa, e o corpo, que já apresenta, por exemplo, dor ciática, tendinite e dificuldade em realizar certos movimentos. Ela, ainda, explica que, antigamente, a mulher de 40, 50 anos era avó e, mesmo que ela tivesse sexualidade ativa, isso não era reconhecido. Já, na sociedade contemporânea, as mulheres dessa idade são bonitas, namoram, passeiam e também podem ser avós. Em sua escala de “quedas”, Bianca declara que a mulher dos 20 para os 30 anos “tem uma quedinha”, dos 30 para os 40 anos a queda “é maior”, dos 40 para os 50 é um “negócio arrasador” e 117 “gera muita crise”, “com 60 anos, você tem que se acomodar, mas isso não quer dizer que você não vá ficar bonita”. Já, a maioria dos homens estão bem com 40 anos e, se, “antigamente, o cara tinha uma amante, agora ele sai de casa ou nem se casa”. Ela relata que essa diferença mexe muito com a mulher. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: A entrevistada relata que o discurso dessas pacientes é: "cheguei aos 30 e preciso começar a me cuidar". Ela se lembra que muitas mulheres perguntam o que deveriam fazer em relação ao cabelo, aos lábios. Segundo a dermatologista, aos 30 anos já aparece alguma “ruguinha no sulco nasogeniano” e o corpo começa a modificar. Ela também menciona que, dependendo da constituição física da mulher, já há queixa em relação aos lábios. Ela esclarece que, com essa idade, algumas mulheres querem aplicar o botox para congelar totalmente a testa ou para mexê-la discretamente, para prevenir algumas rugas, “assim, esse sulco vai se formar muito lentamente”. Ela se lembra que, quando tinha “30 e poucos anos”, reparou na primeira “preguinha do pescoço”, entrou em desespero e sua minha mãe lhe disse: "minha filha, não tem saída". Mulher de 50 anos: Ela relata que essas pacientes reclamam das rugas da fronte, dos olhos, entre as sobrancelhas e do sulco nasogeniano. Ela afirma que as mulheres se queixam que suas rugas estão mais proeminentes. A entrevistada conta que, nessa idade, as rugas e a flacidez se acentuam, fazendo o “bigode chinês” e “as bolsas de buldogue” que começam aos 40 anos, muito suavemente. Ela declara que o sol ajuda a aumentar a flacidez da pele - “ele quebra as fibras elásticas” – e, em uma cidade como o Rio de Janeiro, as mulheres são muito afetadas por seu efeito. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. A entrevistada afirma que o rosto responde muito bem às tecnologias anti-idade, mas o corpo não, logo é necessário malhar e se alimentar bem para ter algum resultado. Ela assume que, com alguns cremes anti-idade é possível melhorar a textura da pele, clarear e tornar a pele menos irregular. Segundo ela, uma pessoa que usa ácido retinóico e se protege do sol ficará com a pele bonita e com o viço, mesmo envelhecendo. Ela afirma que esse ácido é a substância consagrada como “o grande creme anti-idade”. “A vitamina C também ajuda” e, recentemente, apareceu o ácido hialurônico. Contudo, é necessário mais tempo para confirmar a eficácia desse último. Ela diz que não pode opinar sobre outras substâncias e afirma que, com tanta novidade no mercado, tem dificuldade em “dar conta de tanto detalhe, de tanta molécula”. Ela também comenta que muitas pesquisas sobre novas substâncias não são representativas. h. Industrializado x Manipulado Bianca considera que há pouca concorrência na indústria de cremes prontos, já que quase todas as marcas pertencem a L´Oréal. Por isso, ela acredita que, quando um creme novo é lançado, muitas vezes, a fórmula muda pouco e como é composto por “350 mil itens” é complexo analisar e difícil 118 conhecer todas as moléculas do cosmético. Já os produtos manipulados, ela gosta de utilizá-los quando quer uma fórmula mais restrita, com substâncias mais antigas e conhecidas. A dermatologista comenta que os alemães pesquisam muito e trabalham com coisas muito “esquisitas”. Ela sempre recebe informações da indústria de cosméticos desse país. Ela gosta muito da marca Eucerin, pois apresenta estudos científicos. Ela pensa que é importante o médico buscar embasamento em pesquisas e cobrar isso da indústria: “Já que eu tenho que prescrever um creme que tem um custo muito alto, eu quero uma resposta boa dos produtos”. A entrevistada também prescreve alguns produtos da marca La Roche-Posay e da Vichy. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos) e Lancôme e Innèov La Roche-Posay: Bianca acha que o produto desta marca contribue para melhorar a pele, mas não se trata do ácido retinóico. Avon (Renew): Ela não conhece seus estudos científicos, logo, não prescreve os produtos desta marca. Todavia, quando uma paciente lhe diz que adora algum de seus cosméticos, ela não se opõe ao uso, pois não faz mal. Dermage: A entrevistada afirma que gosta dos produtos desta marca. Ela conta que a fórmula é mais restrita, então, é mais fácil de analisar. Innéov: Ela acha o produto desta marca muito interessante, mas precisa de mais tempo no mercado. Ela declara que já leu sobre os estudos, mas não sabe “até que ponto funciona, até que ponto é uma substância que está sendo ingerida e até que ponto pode ocorrer uma reação”. Vichy: Ela afirma que são cosmecêuticos, “pode ter palmitato de retinol ou vitamina C”. Natura (Chronos): Sua opinião sobre a Natura e a Avon são a mesma. Lancôme: A dermatologista lembra como ficou feliz quando a revista Veja fez uma reportagem sobre os cosmecêuticos, afirmando que nenhum deles têm a dose necessária para provocar uma mudança. Ela considera todos umectantes, mas acha que a Lancôme é quase como a Avon. j. O não consumo de produtos anti-idade. A dermatologista conta que há mulheres que acham os procedimentos anti-idade muito agressivos e preferem continuar com as rugas mais acentuadas. Ela afirma que não costuma perguntar diretamente sobre um problema de pele que está visível, prefere uma abordagem mais sutil, questionando se ainda há outra queixa: “Se o paciente fala: ‘não, só queria resolver isso’, para mim acabou a consulta”. 119 Bianca comenta que as mulheres que preferem não utilizar nada são pessoas que trabalham bastante, são da geração "podes crer" e acham que tudo é agressão, “tomar remédio é agressão”. Ela reflete se isso pode ser uma defesa pelos custos dos tratamentos ou a crença que irá ocorrer um milagre e a paciente ficará com a pele jovem sem precisar se cuidar. Lucia Lucia tem 52 anos, graduou-se em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1981. Fez pós-graduação, mestrado e doutorado em dermatologia pela UFRJ e trabalha na área desde sua formação. A entrevista foi realizada no Hospital Universitário a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. Lucia conta que é uma dermatologista referenciada em dermatologia clínica, doenças. No entanto, ela argumenta que faz parte do trabalho do dermatologista tratar, tanto, de problemas clínicos quanto estéticos, “não existe você não fazer alguma coisa de estética quando você está no mercado de trabalho”. No consultório de Lucia, muitos pacientes a procuram por questões estéticas, a maioria, mas a dermatologista diz que “aos 30 anos de profissão reservo-me o direito de selecionar o que eu não quero fazer em estética”. Por isso, apesar do número elevado de pacientes que buscam estética, trabalha mais com pacientes clínicos: “eu faço efetivamente talvez 70% de dermatologia clínica e 30% de dermatologia estética”. A entrevistada explica que não gosta de trabalhar com “a parte supérflua” da estética. Ela se interessa pela estética que envolve o envelhecimento, a possibilidade de “melhorar a qualidade de vida” do paciente, mas “não aquela busca alucinada pelos anos de vida perdida, a pessoa tem 60 anos e quer aparentar 20”. Como ela trabalha tanto em uma instituição pública quanto em consultório particular, percebe uma nítida diferença entre seus pacientes. No serviço público, o poder aquisitivo das pessoas é bem menor e não há muita demanda “de estética por estética”. Já, no consultório particular, recebe muitas pessoas “alucinadas”, em busca da beleza. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Lucia considera que a beleza é um movimento “que vem de dentro” e acredita que o bem-estar e a harmonia são fundamentais em sua definição. A dermatologista afirma que, “mesmo com rugas” e “com cabelo branco”, é possível “ter a beleza”. Então, pondera que a “combinação das coisas” é o importante, o que não significa “tudo estar lisinho, esticadinho”. A entrevistada utiliza o termo harmonia para descrever uma mulher bonita. Ela explica que a boca deve harmonizar com os olhos, com o nariz e com o cabelo. Segundo Lucia, “o conjunto deve funcionar bem”, pois “não adianta ter uma boca linda e um olho feio”. 120 c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. Lucia reflete que a sociedade exerce um grande peso no que é considerado belo. Comenta que existe uma “imposição externa” de padrões em que as pessoas tentam se enquadrar. A dermatologista relata que é necessário ter uma elevada autoestima e sentir-se bem para, “ao longo da vida”, deixar os modelos sociais e passar a “usar seus próprios conceitos”. Ela acredita que a maioria das pessoas “passa a vida toda indo atrás de modelos de beleza que são fabricados lá de fora e que, não obrigatoriamente, estão certos”. A entrevistada considera que a mídia “fabrica” o que é belo, com fotos em revistas ou pelo que a “rede Globo expõe na televisão”. Afirma que esses padrões sempre mudam com os anos, “beleza é uma coisa absolutamente etérea”. Ela cita o exemplo do pêlo no corpo do homem, que sempre foi um “marcador de masculinidade” e, atualmente, “homem não pode ter pelo no tronco”. Essa influência da mídia também afeta o cotidiano dos consultórios dos dermatologistas, já que muitas pacientes telefonam para o consultório pedindo determinado tratamento, mesmo antes da consulta. Segundo Lucia, as pessoas recebem tanta informação que ficam perdidas e, na maioria das vezes, o que pedem não é o tratamento que precisam. Ela conta que as paciente lêem sobre determinado assunto “na revista do salão de beleza”. Lucia explica que, no consultório de dermatologia, o rosto aparece como a parte mais valorizada do corpo. No entanto, sabe que, no Rio de Janeiro, as mamas, o peito, a barriga e a bunda têm muito apelo. Em relação ao rosto, ela diz que as mulheres reclamam bastante das rugas e das manchas e imagina que essa queixa se deva à associação da ruga com o envelhecimento. d. A relação entre médico e paciente. Lucia pensa que é muito interessante poder ser uma “agente de cosmética” em um contexto que visa o bem-estar e sente-se satisfeita quando suas pacientes comentam “agora, não fico sem namorar nem um mês”. Ela acredita que melhorar a qualidade de vida dos pacientes, sem colocar suas vidas em risco, pode fazer o papel de outras terapias. Todavia, a dermatologista percebe um exagero da sociedade na busca pela beleza e pelo rejuvenescimento. Para ela, cabe ao médico explicar para o paciente quais são suas possibilidades e diminuir suas expectativas que, muitas vezes, são irreais. Segundo Lucia, essa é uma situação bastante complicada, já que não há como mensurar a melhora conseqüente a um procedimento, ao contrário da avaliação da melhora clínica, em que existe um “documento, que é o exame,” mais concreto. Entre aqueles que trabalham com estética, a entrevistada percebe que “seus colegas” estão muito preocupados com o retorno financeiro e acabam “prostituíndo-se profissionalmente”, sem impor os limites necessários ao tratamento do paciente. Ela conta que, ao fazer entrevistas com candidatos para a residência em dermatologia, se depara-se com médicos recém-formados que escolheram a 121 especialidade, por acharem que a remuneração é alta e fácil e que é um meio glamouroso, onde “o consultório fica cheio de artistas”. Ao falar sobre a postura antiética de alguns médicos recém-formados, a dermatologista questiona a grade curricular do curso de medicina. Para ela, faltam disciplinas que discutam a ética médica e uma conseqüência disso é a formação de profissionais menos comprometidos. Lucia também comenta que alguns médicos estão “compartimentalizando o conhecimento”. Como exemplo, quando um outro colega dermatologista lhe encaminha pacientes com doenças, pois só sabem trabalhar com cosméticos, como se não tivessem tido sua formação em medicina. Então, a dermatologista reflete que “os médicos têm muita informação, mas não têm formação” e lembra que muitos dermatologistas jovens prescrevem substâncias recém lançadas, fazendo testes nos próprios pacientes. A entrevistada condena essa postura e explica ser “uma pessoa muito quadradinha na formação”. Ela afirma que “lugar de pesquisa clínica é dentro da universidade”, sem comprometer a saúde do paciente. Para a dermatologista, parte dos pacientes com questões de estética sofrem de “dismorfofobia, tem um distúrbio da percepção”, e deveriam ser tratados por psicólogos e psiquiatras. Ela comenta que, após “muito tempo de profissão”, consegue reconhecer aqueles pacientes que sofrem dessa patologia. Lucia sabe que essa pessoa irá trazer problemas posteriormente, pois “achou que ia sair tudo, mas ainda ficaram algumas ruguinhas”. Essa paciente já usou todos os cremes e ainda traz um “punhado de potes”, que trouxe do free shopping, para sua médica avaliar. A entrevistada acredita que a mulher mais jovem é a mais alucinada, e que, sua questão é psicológica. Nesses casos, ela conta que a paciente fica “aborrecida” e que diz, seriamente, que não pode prometer uma “tecnologia miraculosa”, mas que “está livre para procurar alguém que prometa”. e. O processo de envelhecimento. Lucia explica que o envelhecimento é “inexorável”, mas “as pessoas não o aceitam bem”. Ela conta que tem que “ensinar” a algumas pacientes que é um processo que faz parte da vida, “as pessoas querem banir isso do cronograma, mas não pode”. A dermatologista percebe, entre suas pacientes, que há uma facilidade maior em aceitar o envelhecimento de outra pessoa do que o próprio. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30: A paciente dessa idade vai à consulta, normalmente, por uma questão de saúde e aproveita para pedir informação e um “creminho”, pois acha que está na hora de começar a usar algo. Para Lucia, a mulher de 30 anos é muito influenciada pela sociedade, logo, mostra interesse pelo que “as amigas” estão fazendo: preenchimento e botox, entre outros. Ela acredita que, nem sempre, elas irão usar o creme recomendado, mas "acham lindo falar que o dermatologista mandou usar isso", afinal, “faz parte do glamour”. 122 Mulher de 50: A mulher de 50 “já se informou e vem com a demanda concreta”, que pode ser uma queixa que o rosto está envelhecido, quer manter o viço da pele, está com muitas manchas e quer melhorar. Sua questão é saber qual o melhor tratamento a seguir. Lucia explica que, se concordar que a solicitação é algo relevante, aceita tratar a paciente, esteticamente. No entanto, há mulheres que perguntam por telefone, antes de marcar a consulta, se já podem deixar marcado um peeling. Então, a dermatologista orienta sua secretária informar essa paciente que, "se precisar, a médica faz, mas quem resolve se vai fazer ou não é ela" g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. Lucia explica que os cosméticos não possuem apenas a função que está descrita na embalagem, de efetivamente melhorar a pele. Ela acredita que os cremes fazem parte de um ritual de cuidado consigo mesma que pode melhorar a autoestima e fazer com que a pessoa se sinta melhor. Ela explica que é um processo importante para a “melhora global” de pacientes que estão saindo de quadros como depressão ou se recuperando de alguma doença infecciosa. A dermatologista esclarece que quando alguém, “que está vivendo algum tipo de doença” e começa a pensar em se cuidar, já é um “bom sinal de recuperação”. Ela conta que alguns pacientes têm vergonha de sair na rua, por causa da pele manchada ou pelo cabelo que caiu muito, e se animam quando vêem alguma melhora em sua aparência, “é importante no processo de recuperação”. A entrevistada também estimula mulheres idosas a se cuidarem. Ela lembra que, aos poucos, com elogios e melhora efetiva da pele, essas pacientes adotam os cremes anti-idade em sua rotina e começam a gostar de usá-los. Ela explica que não precisa ser um creme, mas algo estimule um cuidado consigo mesma, como um banho com essências, é “bacana”. h. Industrializado x Manipulado Lucia prescreve tanto os cosméticos manipulados quanto os industrializados, dependendo da paciente que está tratando. Ela acredita que algumas pacientes entendem que o creme manipulado é “especialmente direcionado” para sua pele e valorizam o processo artesanal. Outras, não têm paciência de ir à farmácia duas vezes, já que o produto manipulado não fica pronto no mesmo dia em que a pessoa o encomenda. Essas pessoas acham mais prático comprar algo industrializado. Em outras situações, a entrevistada “mistura” os produtos. Por exemplo, um sabonete manipulado e o produto da noite, industrializado. Para Lucia, muitas vezes, a prescrição de cosméticos industrializados é um fator de desvalorização a profissão do dermatologista, pois há alguém no “balcão” que indica toda uma linha de determinada marca. A paciente diz: “eu compro com o balconista, vou no freeshopping”. Outra questão que ela nota, é a facilidade do acesso aos farmacêuticos das farmácias de manipulação. Já nos laboratórios que industrializam os cremes, a paciente passa por várias pessoas, ao telefone, até conseguir resolver seu problema. 123 A dermatologista afirma que há “farmácias muito boas e farmácias que não prestam”. Ela explica que uma farmácia boa tem que saber trabalhar com cosméticos, pois são insumos mais caros, diferenciados e devem ter uma boa apresentação. Ela comenta que o médico deve conhecer o “sensorial do produto”, um creme não funciona em pele oleosa, deve-se usar loção ou gel, por exemplo. Também, deve-se ter atenção se o remédio tem um cheiro ruim ou se mancha a roupa, porque “isso depõe muito contra o produto de estética”. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos), Lancôme e Innèov. La Roche-Posay: Ela considera uma “marca séria” e “boa”. Além disso, “investe em pesquisa”, o que Lucia acha importante. Ela comenta que é “bacana” ter “patentes”, “moléculas novas”. Lancôme: A dermatologista acha que os produtos são muito bons, “de ponta”. Ela acha a “apresentação bonita” e gosta do “sensorial”, mas relata que os cremes são caros e não têm “acesso” os representantes da marca. Dermage: Para Lucia, a Dermage é uma das “farmácias mais sérias”. Ela gosta tanto de seus produtos industrializados quanto de manipulação. Ela conta que “eles se preocupam com suas embalagens” e com as novidades do mercado, investem em pesquisa e são muito solícitos com os dermatologistas. Também menciona que a farmácia está investindo em uma “estrutura de marketing e de venda”. Innéov: Lucia gosta do produto e considera seu preço competitivo. Ela conta que, antes do Innéov, já existia um cosmético em cápsulas chamado Imedeen, mas era muito caro. Para ela, esse tipo de cosmético é uma tendência no mercado. Avon (Renew): A dermatologista acredita que a marca melhorou bastante e possui produtos interessantes com bons preços. No entanto, ela afirma que não se pode prescrever um produto que “está na vitrine”. Lucia conta que a Avon tentou se aproximar da dermatologia, mas não durou mais do que dois congressos. Atualmente, não tem nenhum contato e o que conhece é através de pacientes que usam os produtos por conta própria. Vichy: A entrevistada gosta muito da marca e a considera “muito respeitável”. Ela já usava algumas linhas antes de chegarem no Brasil e comenta que, ainda hoje, existe, apenas, uma pequena parcela de seus produtos no país. Para ela, é uma marca reconhecida e tradicional no mercado, por isso, mesmo que o negócio seja ruim no Brasil, “já estoura a boca do balão, em outros lugares”. Natura (Chronos): Lucia admira a empresa por, investir em sustentabilidade. Ela analisa que ter uma indústria nacional preocupada com o meioambiente é “bárbaro”. Em sua opinião, a Natura “não tem a pretensão de substituir a Avon e nem de concorrer com a La Roche-Posay”, tem um posicionamento particular, algo mais “clean”. Ela chegou a pensar em votar, nas eleições para Presidência da República, na Marina Silva, por causa de seu vice, que é o dono da Natura. 124 A entrevistada costuma dar os produtos da Natura de presente para estrangeiros, como os sabonetes, mas nunca prescreve cremes anti-idade, pelo mesmo motivo por que não prescreve cosméticos da Avon. Ela explica que a empresa tem ativos patenteados anti-idade, que são ótimos. No entanto, cremes com concentrações eficazes inviabilizariam seu modelo de negócio, já que seria necessário ter uma receita médica para comprá-los. Assim, vendem os ativos em concentrações maiores para outros laboratórios. j. O não consumo de produtos anti-idade. Lucia acredita que não é absolutamente necessário usar cosméticos anti-idade, afinal “tem tanta vovozinha que passou a vida sem usar creme”. De qualquer forma, a dermatologista “explica para a paciente o que o mundo moderno tem para oferecer” e mostra que é interessante usar hidratante, um sabonete que hidrata ou um óleo, quando a pele está seca. Se o paciente não gosta do creme porque “mela”, existem outros recursos que podem agradá-lo. O dermatologista deve saber utilizar esses veículos e indicar o que melhor se adéqua àquela pessoa. Ela afirma que se deve fazer uso do que a “modernidade” trouxe de positivo e respeitar o paciente, sempre. Helena Helena tem 28 anos, é solteira e graduou-se em medicina há três anos. Ela faz residência em dermatologia no hospital universitário Antônio Pedro há um ano, mesmo tempo em que trabalha com dermatologia. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. A entrevistada escolheu dermatologia no período de internato da faculdade. Ela narra que, nessa área, o aluno é direcionado para aprender sobre doenças, como “manifestações na pele”. Ela, então, passou a gostar muito de trabalhar com clínica médica e acredita que a dermatologia “mexe com todas as clínicas juntas”. Em sua pós-graduação, Helena está aprendendo a cosmiatria, o que a fez ter vontade de trabalhar com os dois campos: clínica e estética. Ela considera estética uma “medicina mais limpa e mais tranquila”, onde o médico consegue um resultado quase instantâneo. A entrevistada explica que essa “medicina limpa” significa ter pouquíssimo sangue nos procedimentos e poucos aborrecimentos no dia-a-dia, pois “seguindo a técnica você não vai errar muito”. Ela, ainda, pensa que sua qualidade de vida pode ser melhor, trabalhando nessa área da dermatologia. A dermatologista trabalha em um hospital público onde a maioria dos pacientes chega no ambulatório por doenças. Dessas pessoas cerca de 30% têm alguma queixa relacionada à estética. Ela explica que há “uma parte do ambulatório” que atende apenas os servidores. Desse público, 90% marca a consulta por questões estéticas e a grande maioria é do sexo feminino. Ela, ainda, afirma que o tratamento com remédios manipulados são mais caros. Por isso, quem procura o ambulatório, tem 125 um poder aquisitivo um pouquinho melhor, mas não alto, “porque não tem uma população com poder aquisitivo alto”, no hospital. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Helena tem dificuldade em conceituar beleza. Ela sugere que a mulher bonita deve se cuidar e estar bem consigo mesma. Contudo, diferencia o que é ter bondade e ter beleza. Ela acredita que a maioria das pessoas diz que o importante é estar bem com o próximo, mas ela enfatiza que “uma pessoa pode ser maravilhosa do ponto de vista humano e também ser muito bonita”, “uma coisa não anula a outra”. No entanto, a dermatologista reflete que, para a mulher transparecer beleza, deve primeiro “se sentir bem e bela”. Assim, ela pensa que, primeiro, vem o bem-estar, que “começa de dentro para fora”. Já, a beleza externa, ela considera que é um gosto individual, pois o que é belo para um pode não ser para o outro. Ela exemplifica com as pintas do rosto, enquanto alguém reclama que “a sardinha incomoda, uma outra pessoa acha a sardinha muito bonitinha”. Logo, ela nota vários tipos de beleza na sociedade, mas “não existe um padrão”. Ela comenta que, por isso, “não funciona querer ter a beleza do outro”. Ao pedir para descrever uma mulher bonita, a entrevistada inicia falando que acha bonito um cabelo claro ou loiro escuro, mais para o cacheado, do que para o liso. O rosto seria fino, assim como os traços e a cor dos olhos seria mel. Helena afirma que a mulher deve ser alta e ter “uma proporção boa: mama, quadril, glúteos e nada exagerado”. Logo, essa mulher seria “magra, alta e com a tonalidade da pele morena”. c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. A dermatologista percebe que as mulheres que se preocupam com estética, não têm uma preocupação maior, como uma doença. Ela também conta que muitas pacientes querem um “tratamento instantâneo” e não conseguem aguardar alguns meses (quatro ou seis) para ter uma melhora significativa na pele. A entrevistada lembra que, depois de uma certa idade, o tratamento deve ser continuado por toda a vida. Helena conta que muitas mulheres da classe social mais baixa que atende no hospital sabem que o sol envelhece, mas só percebem as conseqüências, depois de muitos anos. Ela lembra que, em geral, as pacientes chegam arrependidas, “sabendo que não precisavam ter pego tanto sol, e que é algo que não dá para voltar atrás”. Por isso, é comum essas mulheres tentarem passar as orientações que aprendem com os médicos para os filhos e os netos, mas não há como mensurar o resultado desse discurso, em suas casas. A entrevistada narra que as mulheres que buscam estética no hospital valorizam muito sua pele, principalmente a pele do rosto com “manchas e rugas”. Ela comenta que, mesmo quando a pele de outras partes do corpo está muito manchada, elas dão importância maior ao rosto. Assim, a 126 dermatologista reflete que o rosto é a primeira parte do corpo que as pessoas olham, “depois podem até olhar o resto”. Ela afirma que é no rosto que o envelhecimento fica mais evidente. Logo, ela nota que “machuca” quando outra pessoa “fala do seu cartão de visita”. Além disso, ela acredita que o envelhecimento da face incomoda as mulheres, pois, cada vez que se olham no espelho “para pentear o cabelo, escovar os dentes ou se maquiar” se deparam com sua imagem. No entanto, ela percebe que o “outro falando, pesa muito” para as mulheres, pois “a visão do outro é muito cruel”, principalmente, “se percebeu o defeito que elas já perceberam antes, o que significa que está chamando muita atenção”. Entretanto, ela imagina que, em um salão de beleza, o cabelo será o mais comentado; se for a uma clínica, diversas mulheres irão querer “colocar peito”. d. A relação entre médico e paciente. A dermatologista considera a relação com os pacientes de estética mais fácil do que com os pacientes com doenças clínicas. Ela relata as pacientes que estão doentes chegam à consulta “chateados, machucados por outros médicos e desenganados”. Já, quando buscam tratamento estético, elas querem melhorar sua aparência e não há preocupação com a saúde, mas elas têm uma exigência maior quanto ao resultado. Como seu trabalho é em um serviço público, não são todos os procedimentos que estão disponíveis para os pacientes de cosmiatria. A pessoa que chega ao ambulatório pode pagar um creme manipulado que a médica prescreve, mas não “consegue fazer um botox”. Helena narra a dificuldade de fazer esse tipo de procedimento no hospital e afirma que o paciente “sabe disso, então é melhor se conformar em fazer só o creme” e o peeling, tratamento que “as mulheres gostam muito”. Desse modo, ela esclarece que é difícil recuperar uma pele muito fotoenvelhecida, mas “recupera um pouquinho e vai sempre orientando a usar filtro solar, beber bastante água e a ter paciência”. A entrevistada costuma explicar para a paciente qual a expectativa que ela pode ter quanto à aparência de sua pele e nota que o grau de satisfação, em geral, é muito bom. Ela menciona que há algumas pacientes que chegam deprimidas por não gostarem de sua imagem estando com o lado psicológico afetado. Helena declara que essas mulheres se “agarram” ao resultado proporcionado pelo tratamento e, com isso, acreditam que podem melhorar . Helena afirma que as pessoas ficam surpresas quando descobrem que “existe laboratório de cosmiatria” no serviço público. Talvez, por isso, as pacientes usuárias destes serviços sejam “muito agradecidas”. Ela acredita que orientar a paciente e esclarecer as limitações dos procedimentos é essencial para uma boa relação médico-paciente. A médica também considera que, mesmo esclarecendo que a melhora não será tão boa, “não se pode tirar todas as esperanças que a paciente tem”. Ela observa que, a cada consulta, as mulheres se conscientizam das limitações dos métodos dermatológicos e ajustam suas expectativas. Para a usuária, qualquer “resultadozinho” é muito bom. Ela também conta que, seguindo a técnica, o padrão do procedimento, dificilmente o dermatologista vai errar, “então você vai ter resultados bons”. 127 Helena ressalta que é preciso ter paciência, pois sabe que o resultado final não será “tão maravilhoso” e seu papel é investir em algo que, sabe, é difícil de atingir e muitas vezes não é possível. Por exemplo, a “manchinha do sol” é “tranqüila de clarear”, ao contrário da “mancha de acne, de machucado, de inflamação” que são muito difíceis. A entrevistada expõe para o paciente que “a deposição do pigmento é difícil de tirar, mas, com o tempo, vai clarear muito, o filtro solar vai clarear muito. Mesmo assim, a gente não deixa de passar as medicações despigmentantes”. Após três meses, “ela volta e fala que clareou um pouquinho, mas...” e, então, Helena repete a mesma explicação. A entrevistada declara que os médicos vivem de resultados, logo, não adianta ter uma boa relação, “rir para todo mundo” e “ser uma pessoa apresentável”, se não consegue resolver os problemas do paciente. Além disso, a rapidez com que se atinge o objetivo também é importante, “você ganhou o paciente”. Para ela, o médico que é capaz de reunir “uma boa relação médico-paciente e resultados” consegue a fidelidade do paciente. e. O processo de envelhecimento. Helena define o envelhecimento como um processo que começa “de dentro para fora”, assim como a beleza. “A pessoa que se sente velha, vai se portar como mais velha, agir como uma velha, se vestir como uma velha e se cuidar como uma velha”. Ela pensa que uma “velhinha” não se cuida tão bem como “uma mulher de 30, de 40, de 50 anos”. Desse modo, ela considera que o primeiro passo para o envelhecimento é se sentir velho. Todavia, ela esclarece que existe o envelhecimento biológico que pode ser retardado com o uso do filtro solar, evitando o sol e utilizando bons produtos na pele. Além disso, ela aponta outros fatores que contribuem para o avanço ou retardo do envelhecimento, como a alimentação adequada, o tempo de descanso e o exercício físico. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30: A dermatologista reflete que a mulher de 30 anos é “mais preventiva”, pois não tem sinais de envelhecimento tão evidentes. Ela afirma que muitas começam a colocar botox com essa idade, “porque sabem que é a melhor idade para iniciar esse tratamento”. Essas mulheres querem “melhorar alguma coisa, para não deixar a pele ficar tão ruim”, por exemplo, para a pele não ficar muito manchada. Helena comenta que essas pacientes são mais tranquilas, pois têm consciência de que não há muita coisa para resolver, apenas para prevenir. Mulher de 50: A entrevistada afirma que as de mulheres 50 são mais complicadas, “primeiro porque algumas começam a se tratar só aos 50 anos”. Assim já têm muitos sinais de envelhecimento. Essas mulheres “pegaram muito sol, algumas fumam, outras não se alimentam bem ou não dormem bem”. Ela explica que precisa orientar a paciente, esclarecendo que sua pele vai melhorar, mas que, “por causa de um passado prejudicial”, não vai ter um resultado expressivo. Ela percebe que algumas 128 mulheres chegam à consulta conscientes do estrago que fizeram na pele e que o tratamento não irá recuperar totalmente sua pele. “Outras acreditam que terão uma pele muito boa novamente”. A dermatologista afirma que essas mulheres são as mais complicadas. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. Helena acredita que os cremes anti-idade têm um resultado positivo, se a paciente for disciplinada e usar o produto por um tempo prolongado. Segundo a dermatologista, esses cremes começam a hidratar a pele com três meses de uso, mas, para diminuir a flacidez, as rugas e dar mais resistência à pele é necessário o tratamento mais longo. Ela explica que as substâncias utilizadas na fórmula dos cosméticos renovam as células e combatem os radicais livres. Ela cita alguns requisitos importantes para que se confie em uma marca de cosmético: “primeiro o creme tem que atingir o objetivo esperado”; “segundo, é importante saber quais são seus efeitos colaterais, alguns cremes irritam a pele”; e “terceiro, sua cosmética deve ser aceitável”. A entrevistada conta que “uma cosmética boa” são produtos que possuem o cheiro bom, a textura agradável e adequada para o clima. Alguns produtos para o dia são oleosos, quando deveriam ter o “toque seco”, para não aumentar a oleosidade. Ela também sugere que a marca deve ter diferentes opções de apresentação, como gel e creme, para que o dermatologista possa ter escolhas em seu trabalho. h. Industrializado x Manipulado Helena gosta de trabalhar com o produto manipulado, pois consegue fazer a fórmula com a concentração e as substâncias que preferir. Além disso, ela consegue pedir que a apresentação do produto seja em “base creme, base gel, loção ou espuma”, adequando o produto ao paciente. No entanto, ela ressalta que a farmácia de manipulação deve ser de confiança e ter experiência em cosméticos. Nesse caso, a “marca” importa muito. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Dermage, Natura (Chronos), Lancôme e Innéov. Avon (Renew): Helena não conhece bem o creme anti-idade. Ela lembra que esse creme é muito difundido na população com poder aquisitivo mais baixo e já ouviu que “o produto é testado dermatologicamente, alguns têm vitamina C e ácido retinóico”. Ela afirma que se isso for verdadeiro, seu uso é bom para esse público. Assim, é possível “atingir, pelo menos parte do objetivo, de hidratar a pele e de combater radicais livres”. Vichy: Ela já recebeu “amostras” do produto e gostou do resultado. Ela percebeu que, logo na primeira vez que usou, ela própria, sentiu que hidratou sua pele. 129 La Roche-Posay: Helena exclama que essa marca é “hors-concours para tudo”. Ela declara que o creme não tem concorrentes em preço, por ser muito caro, nem em resultado, “é o melhor”. Se ela tivesse “dinheiro”, compraria apenas produtos La Roche-Posay. Innèov: A dermatologista não conhece esse produto. Natura (Chronos): A dermatologista pensa que “essas marcas ganham muito no preço”. Os consumidores compram por ser mais acessível e pela facilidade da compra, “não precisa de ninguém e só ver o catálogo e escolher”. O produto é como um “creme hidratante” e, nessa função, melhora muito, é “um produto bom”. Dermage: Helena confia nesta farmácia e a utiliza na prescrição de seus cremes “não estou querendo fazer propaganda, mas é algo de experiência própria”. Quanto aos produtos prontos, ela afirma que o resultado é bom: “tem essa coisa do toque seco e ela controla a oleosidade da pele”. Ela declara que, se fosse indicar um produto, seria algo da Dermage, pois a farmácia apresenta um excelente custobenefício. Lancôme: A entrevistada não conhece o creme anti-idade da marca, apenas as maquiagens e o filtro solar. Ela relata que, com esses produtos, há uma grande preocupação quanto a sua textura. Apesar de não conhecer o cosmético anti-idade, gosto da marca. j. O não consumo de produtos anti-idade. Helena pensa que as mulheres que preferem não usar cosméticos anti-idade estão satisfeitas com a pele. Ela comenta que é uma escolha pessoal e, se essa paciente se sente bem dessa forma, “está tudo certo”. Elaine Elaine tem 40 anos de idade e é casada. Fez sua pós-graduação e mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e trabalha com dermatologia desde sua formação na faculdade. Seu consultório fica no bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. Elaine decidiu fazer dermatologia, primeiro, pois considera que a especialidade permite “meter a mão 5 na massa”, ou seja, fazer procedimentos , ao invés de passar o dia “apenas” com consultas. Além disso, a entrevistada explica que gosta de perceber a satisfação imediata do paciente “Quando você faz um botox a pessoa vem sorrindo e fica muito feliz”. Por último, considera que sua especialidade proporciona um bom retorno financeiro. Elaine conta que é muito difícil separar a dermatologia estética da dermatologia clínica, e que, portanto, iniciou a estética ao mesmo tempo que a clínica. 5 Aplicação de substâncias e/ou pequenas cirurgias 130 Afirma que a pele é um órgão visível a todos, logo, torna-se complicado fazer a distinção entre o que é tratamento clínico e o que é tratamento estético. A entrevistada trabalha em dois consultórios. O primeiro, é privado, onde outra dermatologista encaminha seus pacientes para que Elaine faça os procedimentos estéticos. Nesse consultório, atende nove entre 10 pacientes, por questões estéticas. Ela comenta que o perfil dos pacientes “é de um particular mais caro”. No segundo consultório, trabalha “basicamente com convênios”, que foram “encolhendo”, e ela passou a atuar com Unimed e Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), apenas. O número de pacientes do convênio, que a procuram por estética é menor, cerca de 70%. Ela explica que a maioria “não vem por um problema só. Ele vem pela micose de unha, mas “vira para mim e fala assim: ‘essa manchinha tem jeito?’, entra na estética também”. A médica define suas pacientes, em geral, como mulheres de mais de 30 anos que estão tentando recuperar o que perderam, em relação à aparência. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Para Elaine, beleza é “harmonia do conjunto”, “desde o falar, conversar, os traços, e de como ela se arruma”. Argumenta que, “às vezes, você vê uma pessoa linda e você vai olhar o olho dela, é torto, é vesga, o nariz é grande”. Sugere, ainda, que uma mulher bonita sabe utilizar o que tem de positivo e esconder o que não a valoriza “ ‘ahh essa mulher é linda’, eu olho e sei que a mulher é horrorosa...” Para descrever uma mulher bonita, ela utiliza exemplos de pessoas famosas, diferenciando-as por padrões: uma brasileira, seria a Juliana Paes “acho uma típica beleza brasileira, é morena, bunduda, ela é simpática”. Aponta a Gisele Bündchen como um padrão de beleza europeu e considera a Mônica Bellucci uma beleza clássica “pra mim ela é uma pessoa estonteante! (...) ela, velha, é muito melhor que muita mulher de 20”. Já, um padrão de beleza negra típica, para ela é a Thais de Araújo. c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. Para Elaine, as brasileiras têm uma forte ligação com a estética, mais do que em outros países. Em seu consultório, percebe uma supervalorização da beleza. “Infelizmente, o visual, a estética, hoje em dia se gasta mais do que você gasta com saúde, a verdade é essa, hoje em dia, minha percepção é essa”. Acredita nessa cultura, “até para você conseguir um emprego, você tem que estar bonita, entendeu?! Para você conseguir um namorado, né?!” Outra questão que relata em sua entrevista é a importância da marca e do custo dos cremes no mercado de cosméticos. Para isso, ela lembra de um diálogo que teve com uma paciente: Paciente - "O médico passou esse creme que custou uns 20 reais. Com certeza, não deve funcionar tanto como esse aqui, que é francês e custou uns 120. Aí, eu sai daquela médica, doutora, e vim aqui porque, pra minha amiga, você passou um creme de 100 reais”, Elaine - “Você acha que eu vou discutir! Quando eu comecei a trabalhar eu discutia... Hoje, não, ‘eu acho que ele é perfeito pra você’ e o prescrevo. Eu sei que as substâncias que ele tem são iguais aos desse aqui, eu sei que não estou fazendo mal a ela”. 131 Elaine também destaca a necessidade de inovação de suas pacientes “Ela quer uma coisa nova. Mesmo eu sabendo que o velho é ótimo.”. Com vontade de consumir novidades, suas pacientes compram diversos cremes no exterior “Todas as mulheres que viajam, todas compram cremes, de monte. Não sabem nem pra que funciona, mas acham lindo e compram.” Ao falar sobre o que as cariocas mais valorizam no corpo, apontou que “99,9% das mulheres querem ser magras” e nota essa insatisfação através da queixa sobre a celulite “elas querem ser magras e isso vem misturado com a celulite” ou “Elas vêm: ‘tive filho, estou com uma gordurinha aqui (...) mas eu acho que tudo foca a magreza”. Já, no rosto, “a dermatologista, de um modo geral, se incomoda pelas manchas mas tem paciente que vem aqui, toda pintada: ‘gosto das minhas manchas, eu quero ver é essa ruga aqui’”. Ela entende que “a carioca quer ser bronzeada” e não quer parar de tomar sol. No entanto, afirma que essa é uma particularidade do Rio de Janeiro, pois, ao conversar com colegas de outros estados, em congressos, percebe que as paulistas e as sulistas não se importam diante da sugestão de que evitem o sol. d. A relação entre médico e paciente. Elaine narra que o resultado do tratamento estético é “abstrato”, o que torna difícil adequá-lo a expectativa da paciente “Porque o que é melhor para mim não é a mesma coisa do que para você”. Quando o paciente “não consegue compreender, isso gera a insatisfação”, e o pior, é que “isso é problema e isso dá processo” e pode fazer “com que ela mude de médico”. Comenta que tenta explicar bem quais resultados irão alcançar “para eu não me aborrecer com processo, honestamente...”. Mas assume que a maioria dos dermatologistas não tem essa postura. A entrevistada procura adequar o tratamento à realidade da paciente. Por exemplo, se há alguma questão financeira ou de saúde, quando o mais indicado é uma plástica para flacidez, indica outro tratamento, explicando que o resultado não será o melhor possível. Porém, esse relacionamento é complicado quando a paciente chega ao consultório “avisando” qual tratamento quer fazer, por exemplo: “quero fazer botox”, “você vai ficar horrível com botox” "ahh! mas quero fazer", ignorando o julgamento do médico. Relata que, muitas vezes, as pacientes “vêm baseadas numa imagem ou a auto imagem dela mesma mais jovem ou a imagem da amiga” ou levam uma revista dizendo: "quero ficar com essa cara, com esse peito, com esse nariz, com essa sobrancelha, com essa testa" e a médica sabe que isso é inalcançável “É uma coisa infernal”. Ainda, afirma que há um consenso no meio médico quanto à infidelidade do paciente de estética. Em geral, essa mulher “roda” vários dermatologistas, pois nunca está satisfeita. Já, a paciente com problemas clínicos pode permanecer com o mesmo médico por muito tempo. Elaine fala de dois fatores que influenciam a relação médico-paciente: a idade e o grau de instrução do paciente. Conta que a mulher jovem, com menos de 20 anos não costuma acreditar na dermatologista, “se essa mulher é jovem ela não vai me entender porque não está a fim de me entender” e troca de médico. Já a mulher “dos 35 para cima, ela consegue me compreender (...) e a gente chega num denominador comum: ‘você vai ter que fazer isso para melhorar, mas...’”. A mulher que possui “grau de instrução superior, ela compreende”, mas sua exigência com o tratamento é maior. “A pessoa que tem um grau de instrução inferior, mas que tem dinheiro (...) não consegue 132 compreender porque que a mulher da novela é linda e ela não pode ser”, mas sua satisfação com o tratamento é maior, mostra-se mais grata e feliz. e. O processo de envelhecimento. Elaine define o envelhecimento como “um processo natural e irreversível”. Comenta que a pessoa envelhece “global! Envelhece o coração, os músculos, o cabelo, a pele (...) o melhor da medicina é investir nessa coisa da prevenção”, pois entende que “é a única forma da gente enganar o tempo. Trabalhar a favor de manter aquelas células do corpo inteiro mais tempo estáveis, prolonga o seu relógio”. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30: A entrevistada assinala que uma “típica” mulher de 30 anos chega em seu consultório com queixas de ruga, manchas, “geralmente por sol ou por hormônio” e a falta de “viço na pele “. No entanto, não está disposta a cuidar das manchas, pois “adora sol, geralmente é esse o problema”. Para Elaine, o ideal seria que suas pacientes fossem ainda mais cedo, com mais ou menos 26 anos procurar tratamento para manchas. Assim, conseguiria prevenir seu aparecimento. Essas mulheres reclamam que o cabelo não está bonito ou está caindo, o que piora “na era das progressivas” segundo a dermatologista. Algumas se queixam da flacidez da pele, mas a entrevistada afirma que, salvo aquelas que têm maior flacidez por sua genética, as pacientes parecem sempre exageradas em suas reclamações. Normalmente, a mulher de 30 anos é muito ansiosa e quer que, “em um mês, ela esteja linda”, que “não custe caro” e que “não precise fazer nada em casa... Uma coisa utópica”. Segundo a dermatologista, o mais difícil é aceitar o envelhecimento, “até porque envelhecer é difícil”, e que o tratamento tem limites, tanto para a saúde quanto para a prevenção do envelhecimento. Mulher de 50: A mulher de 50 anos enfrenta as questões da menopausa, que pioram a saúde da pele e afetam o organismo de modo geral. Assim, Elaine relata que essa paciente reclama que “a pele está horrível”, que “não consegue emagrecer” e que “o cabelo já caiu a metade”. Todavia, ela “tem uma queixa muito real, com mais fundamento”. Além disso, “a mulher de 50 sabe que um tratamento, com um bom resultado, requer esforço. Ela já vem a fim de fazer esse esforço para ter esse resultado”, pois já utilizou diversos artifícios e “tomou tanto na cabeça que já percebeu que a vida é outra”. Elaine comenta que fica satisfeita com essa atitude da paciente porque sabe que “vai ter uma boa resposta”. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. Elaine divide os cremes anti-idade em dois grupos: aqueles cujos ativos possuem estudo científico comprovando sua eficácia “inclusive com biópsia de pele dizendo que melhorou... e são ótimos!” O segundo grupo, “até melhoram, mas não o que eles prometem (...), a propaganda é muito maior.” Acredita esses cosméticos são úteis para “A qualidade da pele, as manchas da pele, é... o viço da pele”, “Tem paciente que você fala, ‘vamos passar um creme e talvez a gente faça um peeling para 133 tirar o resto da mancha’. Ela volta com a cara limpa, feliz da vida, acabou o problema dela, tchau, dou alta.” Elaine diz que “99% das dermatologistas usam o creme cosmético para conhecê-lo saber, se auto aplicam, ou nelas mesmas ou no marido, no filho, no papagaio e periquito” e que uma boa marca tem “preocupação com a qualidade da embalagem em não estragar o produto, a conservação, quer dizer, todo um estudo dela que você confia, que foi apresentado a você”, além de “você vê que ele tem um tempo no mercado. Você vê que tem pouco efeito colateral”, no entanto “às vezes, se ele vier preencher uma lacuna que eu não tenho, infelizmente eu não espero trabalho, tenho que lançar mão dele porque ele é tão assim... que vale a pena você começar a testar”. Além disso, a dermatologista explica que “o envelhecimento se separa em dois grupos, o intrínseco, que é determinado geneticamente e não há como modificar isso (...) e o envelhecimento extrínseco, que pode ser modificado, melhorado e muito melhorado pelos cremes. O envelhecimento externo, que é esse extrínseco, ele basicamente, principalmente no Brasil, 99% dele é dado pelo sol.” A entrevistada afirma que “Se você foto proteger a menina e a adolescente, você tem um adulto que vai envelhecer mais velho. O filtro protetor solar e a proteção solar também não deixam de ser uma arma, diria que a arma mais poderosa contra o envelhecer.” h. Industrializado x Manipulado Elaine conta que, “no Brasil, um creme que realmente tira mancha composto com ácido despigmentante prestam uns três. Já nos Estados Unidos devem ter, facilmente uns 300, é uma coisa absurda”. Contudo, de acordo com a entrevistada, houve uma mudança nos últimos 15 anos no Brasil. Antes “manipulava-se muito porque você não tinha o produto pronto na prateleira, que atendesse às necessidades do médico. Hoje, há no mercado, produtos que atendem as suas necessidades. Quando isso ocorre, eu não formulo.”. Para ela, “a fiscalização no Brasil não é uma “Brastemp” (...) Tenho pacientes que fizeram o creme numa farmácia e ficou ótimo, pegou a mesma fórmula, a mesma receita, foi em outra farmácia e queimou a cara dela. Existe uma variação grande entre elas. Eu não posso mandar o paciente: ‘vai nessa’, o paciente fala: ‘por que? Você está lucrando?’”. Desse modo, a entrevistada explica que prescreve creme manipulado em duas situações: “Primeiro, quando não tem o que me atende. Segundo, quando o paciente vira para mim e pede, dizendo que o manipulado sai mais barato”. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos), Lancôme e Innèov Innèov: A entrevistada sabe que, fora do Brasil, a variedade de produtos da marca é maior. Quanto a sua qualidade: “É um bom produto mas a propaganda que ele faz é muito além do resultado e a paciente vem com uma expectativa muito além do resultado.” A médica já escutou as mesmas expectativas das pacientes, em relação a “gelatina, cartilagem de tubarão, não agüento mais ouvir isso... É uma ilusão...” 134 Avon (Renew): “Eu odeio o Renew da Avon. Odeio com todas as minhas forças” diz a medica. A entrevistada afirma que “talvez o produto não seja ruim, mas a forma como ele é veiculado, vendido e apresentado é um absurdo”, “Primeiro, ele não esclarece direito a paciente (...). Essa paciente não tem dinheiro e compra o da noite somente, aí não passa o do dia. O da noite, geralmente, tem um princípio ativo de um ácido. Se você usar aquilo e for pra praia no dia seguinte, sua cara vai manchar”. Também faz uma crítica às pacientes que reclamam do preço dos produtos que prescreve e, no entanto, compram o Renew, que tem o preço igual ou mais caro. Vichy: “Gosto dos produtos da Vichy e gosto deles, mas não prescrevo muito Vichy porque a forma como ele é veiculado me irrita. Ele é feito para ser vendido sem a interferência do médico (...) Não posso prescrever uma coisa que está tão popularizada. Fica feio pra o médico prescrever isso, denigre. ‘Paguei a consulta para ela me vender uma coisa que eu chego lá e compro?’, não posso” La Roche-Posay: “Amo, eu amo a La Roche-Posay”. A médica afirma que a qualidade dos produtos é boa, mas o preço é alto e ainda que “cumpre o que se propõe”. Natura: Para Elaine, é similar ao Renew, “especificamente o Chronos, eu odeio, tanto quanto odeio Avon, pelos mesmos motivos”. Contudo, acredita que “existe uma preocupação um pouquinho maior da vendedora em passar as coisas direito”. Dermage: A entrevistada acha que a manipulação tem uma boa qualidade. Em sua opinião, a linha de produtos prontos “Atende à necessidade da lacuna porque é um produto pronto, que não tenho na prateleira e, ao mesmo tempo, ele foca no Brasil. Então, os produtos dela são muito gel... tem um veículo, uma qualidade apropriada para o problema que eu tenho aqui, que não é lá de fora”. Lancôme: “Gosto deles. Aqui, é muito difícil você passar pelo problema que eu falei, ele atende a pele européia, de creme europeu. Diria que a Lancôme atende, geralmente, a mulher de meia idade com bom poder aquisitivo, ponto”. j. O não consumo de produtos anti-idade. Para Elaine, as mulheres que não consomem cremes anti-idade, são mulheres que não se cuidam em nada “É descuidada com tudo, ela não está penteada, não tem nada no rosto, nem uma maquiagem, tem unha mal feita (...). Ser uma pessoa bem cuidada não é uma questão de dinheiro, é uma questão de detalhes.”. Propõe, às vezes “‘você quer mexer em alguma outra coisa?’, sempre vou tomar cuidado para não ofender, porque tem gente que fica ofendida: ‘alguma mancha que você queira, cabelo, unha’, às vezes vejo aquela unha toda nojenta, com micose e a mulher não está nem aí com a hora do Brasil. "Não tem jeito, vai demorar muito para melhorar, deixa para lá", ou então "eu não ligo pra isso". Não falo mais nada, acabou.” Mario Mario tem 29 anos, é casado e fez sua pós-graduação em dermatologia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Há sete anos é formado em medicina e há quatro anos é especialista em dermatologia. Ele tem consultório no bairro de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, onde foi realizada a entrevista, e em São Cristovão, zona norte da cidade. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. 135 Mario conta que foi uma criança com muitos problemas de pele, “sou quase um atlas de dermatologia”, e precisava ir frequentemente em consultas médicas. Assim, antes de entrar na universidade de medicina, ele já sabia que iria escolher essa especialidade. O dermatologista trabalha com a parte clínica, cirúrgica e estética da dermatologia. Ele iniciou seu trabalho com cosmiatria por uma questão financeira. No entanto, tem uma forte relação com o tratamento da acne, “são os resultados que me satisfazem como profissional”. Mario relata que durante sua pós-graduação não “olhava com tanto calor para a parte de estética”, mas quando, “entra no mercado, não há como escapar desses pacientes. Ele afirma que não faz “propaganda” de seu trabalho com estética e considera o tratamento da acne se “carro-chefe”. Talvez por isso, apenas 5% dos seus pacientes o procuraram exclusivamente para tratamentos que buscam a beleza. Porém, quase 50% das pessoas que atende, têm alguma questão de estética envolvida. O entrevistado esclarece que quer parar de trabalhar em São Cristovão, onde sua “clientela” é de uma classe social mais baixa e possui um nível mais baixo de escolaridade. Nesse bairro, sua consulta é, praticamente, apenas por doença. Já, em Copacabana, a maioria da clientela tem nível universitário e pertence à classe média. Muitas clientes acabam tendo alguma questão relacionada à estética. Ele pretende formar uma clientela que o procure por problemas clínicos, e, nesta clientela entrar, naturalmente, no campo de estética. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. O dermatologista acredita que beleza é um bem-estar pessoal. Ele declara que, em dermatologia estética, “olhar-se no espelho e estar satisfeito com sua aparência é fundamental”. Em seu trabalho, ele procura orientar o paciente “a chegar nesse ponto” de satisfação. Para ele, submeter-se a procedimentos, incessantemente, faz com que o “paciente sempre almeje algo que nunca conseguirá alcançar”. Segundo Mario, uma mulher bonita deve ser simétrica e natural, “eu acho que é o mais importante na beleza”. Ele pensa que a harmonia facial é muito importante e acredita que a “simetria, dentro da normalidade, traz um equilíbrio no corpo”. No entanto, ele considera o conceito de beleza algo muito pessoal. c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. Mario reconhece problemas psicológicos em algumas mulheres que buscam tratamento de beleza. Essas pacientes pensam que seria necessário mudar tudo em sua aparência. Contudo, a maioria das mulheres possui uma elevada auto-estima. O dermatologista nota que todas elas têm uma preocupação com o rejuvenescimento, em diferentes graus. Algumas citam que querem rejuvenescer, outras “melhorar a aparência” ou querem ter “um rostinho de criança, de 15 anos, de 20 anos...”. 136 Mario comenta que não consegue perceber qual parte do corpo as mulheres valorizam mais. Ele acredita que isso é mais claro em um consultório de cirurgia plástica. Todavia, as paciente que vão ao consultório médico se incomodam muito com a textura da pele e com as estrias do corpo, que aparecem nos seios e no culote, normalmente. No rosto, as queixas por causa das manchas estão presentes no seu dia a dia. De modo geral, ele escuta bastante as pacientes reclamarem do envelhecimento, das manchas e das rugas. O entrevistado percebe que suas pacientes ficam felizes com o tratamento estético quando são abordadas por um amigo ou colega que comenta a melhora em sua aparência sem saber, ao certo, o que melhorou. d. A relação entre médico e paciente. Muitas vezes, os pacientes pedem a Mario um determinado remédio, como o Roacutan para acne, que ele considera “excelente droga, quando bem indicada”. Entretanto, o dermatologista não aceita essa imposição do paciente, ele fala que prescreve a terapêutica de acordo com o que considera necessário. Ele explica que sua abordagem é um tratamento mais devagar, construindo “aos poucos, a relação médico-paciente”. Ele conta que já perdeu muitos pacientes por causa disso, mas “não abre mão” de agir de acordo com o que acredita. Ele analisa que essa postura gera “tanto a satisfação médica, não financeira, quanto a satisfação do seu paciente”. Assim, ele diz que pode chegar a fazer um botox ou um preenchimento, mas primeiro tentará algo menos radical. O entrevistado entende que a ideia de “ficar mais jovem” é muito subjetiva. Assim, é difícil avaliar qual a expectativa real do paciente. Se o desejo da mulher é ficar com “rostinho de 15 anos”, ele pensa que não é o médico adequado para ela. Por isso, ele afirma que, ou ela vai mudar seu conceito de rejuvenescimento, durante a consulta, ou ela vai procurar outro profissional. Ele aponta que existem tratamentos mais agressivos, com tecnologia avançada, mas “não há como abraçar o mundo”. Contudo, ele concorda que seria interessante ter máquinas a laser, como alguns outros dermatologistas, pois facilitaria alcançar resultados em curto prazo. De qualquer modo, ele declara que não mudaria sua conduta de “ir devagar” e de utilizar esses procedimentos, apenas, quando o tratamento é indicado. Mario percebe diferenças no relacionamento com pessoas de classes sociais distintas. Ele se lembra que o público com menos condições financeiras, que atende em São Cristóvão, tem uma compreensão mais limitada de como o sol acelera o processo de envelhecimento: “você fala: ‘Repete pra mim, por favor’. Aí, repete tudo errado.” Essa população, provavelmente, “tem um nível de escolaridade mais baixo” e espera um resultado mais imediatista, sem entender que o processo para atingir uma melhora é demorado. Ao contrário, a população com melhor poder aquisitivo compreende melhor o que o médico explica. Ele também avalia que o relacionamento com esse público é mais próximo, talvez por “ser igual a você”. No entanto, a cobrança às respostas do tratamento são mais altas, já que consegue comprar produtos melhores, “é normal que o paciente no nível superior tenha um grau de tratamento acima”. e. O processo de envelhecimento. 137 Mario afirma que não há como interromper o processo de envelhecimento, ele acontece diariamente. Ele explica que, para cuidar da pele, é fundamental a proteção do sol e, o quanto antes se conscientizar disso, melhor será o tratamento. O dermatologista esclarece que o fotoenvelhecimento é decorrente dos primeiros anos de vida, até os 20, 25 anos. Ele, ainda, elucida que a medicina está cada vez mais preventiva, tanto para estética, quanto para doenças. Assim, é importante “se cuidar e fazer exames periódicos”. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30: As pacientes que o dermatologista atende, dessa faixa etária, possuem nível superior e trabalham. Ele narra que, de uma maneira geral, elas querem se cuidar, “pode ser que não tenham vindo por isso, mas vão sair daqui com alguma coisa pincelada”. Ele define uma frase que seria o símbolo dessas mulheres: “Não quero ficar”. Mulher de 50: Mario relata que as mulheres de 50 anos têm queixas mais “exacerbadas” e “exigem um tratamento contra o fotoenvelhecimento. Ele acredita que elas buscam melhorar e “enxergar no espelho uma imagem de dez ou quinze anos atrás”, o que, “sem dúvida, é possível em termos de texturas de pele, de manchas...”. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. O dermatologista acredita na eficácia de substâncias que são reconhecidamente fotorrejuvenescedoras e que “fazem parte do receituário todos os dias”, como o ácido retinóico. Ele afirma que alguns produtos que possuem essa substância na fórmula atingem sua expectativa, mas comenta que “não é um milagre” e não há como alcançar a pele de cinqüenta anos atrás. Mario considera essencial receber informações científicas, seja pelos representantes ou pelos congressos ou pelas reuniões da Sociedade de Dermatologia. Ele lembra que, normalmente, as empresas de cosmético enviam a literatura científica junto com um novo produto. No entanto, a Avon e a Natura utilizam “comercial” para vender o creme: “use 10 dias e fique com a cara de cinco”, o que não é informação suficiente para o dermatologista. h. Industrializado x Manipulado Em sua opinião, é preciso que o dermatologista seja “maleável”. Mario utiliza a farmácia de manipulação quando o paciente não possui recursos financeiros e precisa “baratear” o produto ou quando “precisa de algo um pouco diferente, que não tem pronto no mercado”. Ele considera uma ferramenta positiva, mas acredita que consegue um resultado melhor no tratamento anti-idade com produtos prontos de laboratórios reconhecidos. O entrevistado afirma que não indica uma farmácia de manipulação aos pacientes, mas percebe diferenças entre os resultados de cosméticos manipulados em farmácias distintas. Entre os laboratórios que produzem cremes industrializados, há aqueles em que ele confia “de olhos 138 fechados”, pois sempre lançam produtos bons, com poucos efeitos colaterais e com boa cosmética. Nesses casos, “preço do creme funciona como um viés ou uma confirmação” da qualidade do produto. E há outros laboratórios que nem sempre lançam bons produtos. Logo, é necessário aguardar uma resposta do mercado quanto ao resultado. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos) Lancôme e Inneòv Natura (Chronos): O dermatologista conta que não conhece a fórmula, logo, é difícil avaliar o produto. Ele declara que o produto não faz parte de seu receituário e, mesmo que a paciente ache, o creme bom, ele não pode garantir que os benefícios sejam provenientes desse cosmético. La Roche-Posay: Mario afirma que são produtos, constantemente, prescritos por ele. Ele confia nos cosméticos que a marca lança e tem acesso a todas as informações que precisa. Seu primeiro contato com o produto é através do representante que lhe explica o que esperar do produto, qual a cosmética e a fragrância. “Se o cara da Natura chega aqui e fala: ‘Esse Chronos é o acido retinóico, ele faz isso’, pelo menos eu sei onde eu posso usar e o que eu espero dele”. Avon (Renew): O entrevistado tem a mesma opinião dos cremes anti-idade da Avon e da Natura, não pode afirmar se é bom ou ruim. Ele comenta que, se prescrevesse esse creme, iria se sentir como um “vendedor de cosmético, como escolher um perfume ou um xampu”. Demarge: O dermatologista afirma que é uma marca “super conhecida e bem conceituada”. Innéov: Mario relata que já recebeu “alguma coisa”, talvez um prospecto do produto, mas não faz parte do seu receituário “por falta de conhecimento do produto”. Ele diz não se lembrar se não o achou “tão interessante” ou se esqueceu da existência dessa pílula. Vichy: Ele declara que é uma “ótima marca, na parte da estética”, “na verdade, acho que é uma das melhores”. Acho que é do mesmo grupo da La Roche. Sem dúvida, excelentes produtos, com excelentes resultados. Lancôme: O dermatologista não percebe uma divulgação “intensa” dos produtos no Brasil. Ele assume que indicaria algum produto para um conhecido e acredita que, se a marca fosse mais bem disseminada no Brasil, teria uma parcela maior no mercado de cosméticos. Ele conclui afirmando que a Vichy, a La Roche-Posay, a Dermage e alguns produtos da Lancôme fazem parte de seu receituário. A Natura e a Avon “com certeza não fazem”. j. O não consumo de produtos anti-idade. Mario não sabe se algumas pacientes, realmente, não tem interesse em utilizar cremes anti-idade ou se não os usam porque ele não aborda o assunto. Contudo, ele conta que as pacientes com doença querem, primeiro, cuidar de seu problema, para, posteriormente, pensar em estética. Ele relata que 139 elas falam, para “deixar para depois o creme”, mesmo sem ele questionar isso. Ele acredita que elas já têm uma grande preocupação com a doença e, por isso, não querem pensar em outra coisa. Outro ponto é o custo com o tratamento da doença, que pode ser alto. Assim, não sobraria dinheiro para comprar o creme. O dermatologista também menciona que, para algumas pacientes, as marcas do envelhecimento podem não incomodar e, quando perguntam sobre os possíveis tratamentos, provavelmente, é por curiosidade. De qualquer modo, ele sempre indica o uso do filtro solar. Gabriela Gabriela tem 27 anos, é solteira, graduou-se em medicina pela Faculdade Souza Marques e está cursando a pós-graduação em dermatologia na Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Seu consultório fica na Urca, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, onde atua há dois anos com cosmiatria. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. Gabriela escolheu ser médica como seu irmão mais velho, a quem admira. Ela escolheu essa especialidade por ter sido uma criança que tinha dermatite atópica, uma doença crônica que a fez ir regularmente ao dermatologista. Além disso, ela explica que a dermatologia permite que o profissional consiga ter um horário flexível, uma boa qualidade de vida, ser “um pouco dona de casa” e ainda ter um bom retorno financeiro, por causa dos procedimentos estéticos e pequenas cirurgias, conseguindo não se prender ao plano de saúde. A dermatologista afirma que há uma diferença entre trabalhar no consultório e no hospital. No primeiro, seu nome está diretamente em risco e precisa fazer seu melhor. No segundo, há professores que a auxiliam e uma instituição por trás de si. Apesar de ela preferir trabalhar tratando doenças, ela esclarece que não há como o dermatologista fugir da estética, situação diferente da de antigamente. Ela declara que 60% dos pacientes vão a seu consultório porque têm uma mancha, porque querem tirar rugas, porque querem fazer um botox e ela não pode negar. Ela conta que a maioria das mulheres chegam por algum problema de saúde, mas acabam perguntando sobre uma questão estética. Já, os homens, vão à consulta por doença, acne ou calvície. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Para Gabriela, o conceito de beleza é cultural e ela discorda quando a sociedade tentar uniformizar seu conceito. Apesar de ela adorar os concursos de miss Brasil e miss Universo, ela acha incoerente escolher uma mulher como “a mais linda do mundo” dentre pessoas tão distintas e com valores tão diferentes. Além disso, ainda há a percepção pessoal: “o que eu acho bonito, não necessariamente é o que você acha”. A entrevistada declara que uma mulher bonita é confiante e valoriza seus pontos fortes. Ela acredita que não adianta ser simétrica, ter pernas grossas, lábios grossos e olhos claro se não souber usar 140 isso a seu favor. Isso é o que torna uma mulher charmosa, “às vezes uma pessoa é linda, mas não se dá conta disso e passa despercebida”. Ela, ainda, percebe como todo mundo tem algo bonito que merece ser valorizado e “tudo tem relação com a atitude da pessoa”. c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. A dermatologista declara que as mulheres mais novas são imediatistas e não enxergam a ruga, nem a mancha. Assim, é difícil conseguir que elas criem o hábito de se prevenir (passar o filtro solar). Ela relata que essas mulheres veem o bronzeado naquele momento, sentem-se bonitas e não pensam nas conseqüências futuras, por exemplo. Ao contrário, ela revela que as pacientes que já têm ruga estão vendo o defeito, logo, a abordagem é muito mais simples, mesmo se o tratamento for mais complicado. De qualquer modo, ela considera mais difícil manter um tratamento estético da pele no Rio de Janeiro do que em outras cidades, por causa da cultura que envolve as cidades de praia, como o “bronzeado”. No entanto, ela acha que isso está mudando, pois já não é tão legal ficar “esturricado” com marca de biquíni como era antigamente. Ela reflete que ter um “bronzeado mais saudável”, “a pessoa ficar corada” é importante, mas nada que seja exagerado. Gabriela lembra que suas pacientes reclamam das estrias no bumbum e nos seios, e das celulites. Ela comenta que, no rosto, as reclamações estão diretamente ligadas aos sinais do envelhecimento. Por isso, ela pensa que as rugas são as grandes vilãs e ela afirma que as mulheres querem fazer botox e preenchimento para evitá-las ou para diminuí-las. Algumas vezes, ela tenta “frear” esses tratamentos invasivos, direcionando para o peeling. Já, as mancha são uma preocupação para as mulheres apenas quando remetem ao envelhecimento, do contrário elas não se incomodam. Ela conta que uma mancha considerada pequena pelo médico pode ser um grande trauma para a mulher. Assim ela não acha que deve julgá-la. Porém, ela pondera que há um limite, e se for alguém com um distúrbio de imagem, é mais complexo lidar com a situação. A entrevistada conta que algumas mulheres são do tipo “alucinado obsessivo”. Segundo ela, essa é aquela que já fez “milhões de tratamentos” e quer ter certeza que está fazendo o correto e não há nenhuma novidade no mercado que a torne mais bonitas. Ela pensa que essas mulheres passam por diversos dermatologistas para “ver se algum fala algo diferente”. Outras vão ao consultório, porque suas amigas já estão fazendo algum tipo de tratamento e elas não querem “ficar para trás”. A dermatologista também conta que algumas mulheres dessa sociedade decidem ir ao dermatologista quando têm algum problema emocional e amoroso. Ela explica que essas mulheres terminaram um relacionamento e querem preencher um vazio. Elas acham que irão se auto afirmar: “terminei com meu namorado e quero ficar mais bonita”. Ela não gosta de fazer algo “muito drástico” com essas pacientes, pois irão perceber que o tratamento não preencheu seu vazio e podem se arrepender. d. A relação entre médico e paciente. Gabriela percebe que cada dermatologista atrai um certo padrão de pacientes, de acordo com seu comportamento: “se você é muito invasiva, muito agressiva nos tratamentos, você atrai pacientes 141 mais agressivos. Quando você é mais calma, você atrai pacientes mais calmos e, o que eu já percebi é que eu prefiro ser menos agressiva”. Ela acredita que o caminho para o resultado de um tratamento é o que importa. A dermatologista explica que, em sua consulta, quando uma paciente pergunta o que poderia melhorar, ela “volta a pergunta querendo saber o que a incomoda”. Ela não se sente no direito de falar para uma paciente que ela deveria mudar o lábio, por exemplo. Quando ela acha que a paciente exagerou em um tratamento com outro dermatologista e essa paciente chega a seu consultório pedindo ainda mais daquele tratamento, sua conduta é pedir que espere atenuar o efeito do que foi feito para, então, avaliar seu pedido. Ela afirma que prefere ser conhecida por fazer “menos do que mais”, por ser mais cuidadosa. Gabriela diz que, em relação ao paciente estético, a culpa de um problema sempre vai ser do dermatologista. Ela explica que relação médico-paciente, muitas vezes, é comercial e ela não gosta disso, “as partes do corpo viram produtos e não há como garantir que a boca vai ficar perfeita, pois o médico é humano”. Assim, ela entende que a relação torna-se fútil e sem confiança. A entrevistada relata que não pode escolher recusar um paciente, pois ainda está no começo de sua carreira. Contudo, ela declara que seu limite de tratamento é quando sente que chegou em um ponto que considera bom e bonito. Ela conta que usa seu bom senso e critério de beleza para tomar decisões, o que considera difícil, já que acredita que esse campo é muito subjetivo. Ela também avalia se o paciente tem um comportamento que lhe pode gerar futuros problemas, há alguns “que sempre irão querer fazer alguma coisa nova” E se lembra de ter influenciado pacientes a desistirem do tratamento por achar que nunca ficariam felizes. Ela reflete que, em geral, são pessoas que já fizeram muitas coisas e mudaram de dermatologista, talvez, porque o anterior tenha se recusado a continuar os tratamentos. A dermatologista procura passar os tratamentos da forma mais prática possível para seus pacientes, principalmente, quando esses são jovens. Isso, porque há uma certa dificuldade em aderir aos cuidados diários que a dermatologista recomenda. Ela relata que também passa creme à noite e sabe como “é chato” e como “dá preguiça”. Desse modo, tenta adaptar os tratamentos à vida de cada um, facilitando o trabalho de seus pacientes. Ela se incomoda com o fato de ter que ser “antenada” para ser uma boa médica de estética. Ela conta que isso faz parte do seu marketing pessoal. A médica afirma que, se sair uma matéria no Fantástico ou na revista Veja, o paciente vem imediatamente ao consultório do dermatologista e este precisa ter conhecimento do assunto. e. O processo de envelhecimento. A dermatologista relata que o mais importantes no processo de envelhecimento é a saúde. Ela acredita que é essencial ter saúde, ter uma boa qualidade de vida e manter-se ativo para envelhecer bem. Ela lembra que muitos pacientes de idade que chegam a seu consultório com doenças provenientes do sol, como câncer de pele, são pessoas que tomaram muito sol quando eram jovens. Para ela, o rejuvenescimento, a estética, ficam “em segundo plano”. Ela considera válido mulheres jovens e de meia-idade prevenirem o aparecimento de rugas e manchas, mas ela acha muito artificial 142 mulheres mais velhas fazendo tratamento agressivos com a intenção de ter uma aparência mais jovem. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: Ela a descreve como uma pessoa que começou a se preocupar nesse momento com o envelhecimento, pois se deu conta que existem as rugas e as manchas. Ela relata que, em geral, essa paciente nunca utilizou creme, salvo aquela que já teve acne ou faz uso do filtro solar na praia, no verão. A dermatologista refere que, quando essa mulher chega ao consultório, já passou em alguma farmácia para comprar o creme da L´Oréal ou comprar Avon e Natura. Como médica, ela afirma que não pode avaliar essas marcas por não ter conhecimento sobre suas fórmulas, mas ela explica que se a paciente sente-se bem com o creme, não pede para ela parar de usá-lo. De qualquer modo, normalmente, a entrevistada indica cremes para dar mais viço, brilho e hidratar a pele, e, também, para prevenir as rugas e, ainda, o filtro solar. Ela conta que é isso que essa paciente procura, pois “é muito difícil você ter uma pessoa que já tenha um fotoenvelhecimento” com essa idade. Ela esclarece que a vontade dessa mulher é parar no tempo, “não é melhorar, nem voltar, o que ela quer é parar ali” e, realmente, é possível retardar o processo do envelhecimento, mas não congelar no tempo. Assim, a medica utiliza o botox, que paralisa os músculos, apenas em pacientes que já apresentam uma ruga mais acentuada, que não é o comum. Mulher de 50 anos: Gabriela conta que essa mulher quer voltar no tempo e rejuvenescer: “ela mostra até fotos antigas e pede a boca como era antigamente”. Ela reflete que há muita nostalgia nessa idade. A médica comenta que é uma paciente que quer reverter o envelhecimento com preenchimento, pois “o canto de sua boca, suas bochechas, tudo caiu”. A dermatologista explica que se preocupa em passar expectativas realistas do que é possível fazer com tratamentos dermatológicos. Ela afirma que, mesmo com muita tecnologia, nada substitui a cirurgia plástica. Sendo assim, às vezes, ela conversa com a paciente, que o indicado seria uma plástica ou ela considera que é crível retardar a cirurgia mais 10 anos, usando laser, peeling mais profundo ou preenchimento. Ela lembra que alguma mulheres têm medo de cirurgia e, por isso, procuram um dermatologista que pode melhorar o aspecto de sua pele, mas, dependendo da aparência, não resolverá o problema. Contudo, ela se preocupa com a banalização que o procedimento cirúrgico tem sofrido na sociedade. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. Gabriela relata que os cremes anti-idade já melhoraram muito e continuam em desenvolvimento. Ela comenta que existem os cremes clássicos, “que vão sempre trazer aspectos positivos”, e as novidades que podem funcionar ou não. Ela ganha esses lançamentos quando vai a um congresso e os testa nela mesma e nas mulheres de sua família, por dois ou três meses, antes de prescrevê-los. Porém, ela explica que quando o produto é de um laboratório confiável, ela o testa em pacientes com 143 quem têm uma relação próxima, assumindo para eles que se trata de um produto novo. Ela, ainda, explana que não gosta de pedir amostra no estande da marca em congressos, ela prefere que o representante vá ao seu consultório, pois ela acredita que, se eles querem que os dermatologistas usem seus produtos, então, eles que os busquem. A entrevistada gosta dos cremes anti-idade para prevenção de rugas e manchas, para melhorar o viço e o brilho da pele e para os usar, associados aos tratamentos mais agressivos. Contudo, ela avalia que a área dos olhos (olheiras) e as áreas onde há as celulites são difíceis de tratar. Ela afirma que alguns dermatologistas acreditam no tratamento desses problemas com os cremes e outros não percebem resultado, o que é o seu caso. Ela também acredita que são necessários tratamentos mais “fortes” quando o paciente tem muitas rugas, flacidez de face, perda de volume ou sulcos muito fundos e melasma. Nestes casos que é comum associar um ácido para peeling ou um laser. Segundo a dermatologista, as empresas têm cada vez mais cuidado ao lançar seus produtos, pois os pacientes e os médicos têm acesso a qualquer informação pela internet. Ela refere que isso faz com que as marcas se preocupem em embasar as fórmulas que produzem e seus componentes, além de incentivar as pesquisas. Ela afirma que confia em marcas que têm embasamento científico e que se preocupam em mostrar para o médico o porquê ele pode confiar na marca ou no produto. Ela prescreve muito La Roche-Posay, Avène, Neutrogena, que são as marcas mais conceituadas. h. Industrializado x Manipulado Gabriela considera que utilizar a farmácia de manipulação valoriza o trabalho do dermatologista, porque ele mostra que sabe lidar com os elementos do creme, do shampoo e da loção para desenvolver fórmulas personalizadas para seus pacientes. Ela acredita que ainda não possui conhecimento suficiente para fazer suas fórmulas, por isso ela copia algumas que já existem e que são conceituadas. Desse modo, ela afirma que o paciente se beneficia do custo mais baixo do produto e fica mais satisfeito, incentivando-o a manter o tratamento. No entanto, ela pondera que é essencial que o produto seja feito em uma farmácia de confiança, onde o médico sabe que o cosmético será bem feito. Além disso, ela reflete que alguns itens dermatológicos possuem uma composição muito instável, como o filtro solar. Nestes casos, ela prefere utilizar alguns produtos industrializados. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Dermage, Natura (Chronos), Lancôme e Innéov Avon (Renew): A entrevistada declara que a marca é bastante popular e não busca a classe médica. Ela nunca recebeu um representante para explicar “porque o produto funciona”, nem bulas informando os princípios ativos. Por isso, ela conta que não pode prescrever cremes desta marca para o paciente. 144 Vichy: A dermatologista gosta bastante da marca, acha-a confiável e com preço mais acessível, mas ela acredita é pouco conhecida no mercado brasileiro. Logo, deveria “correr atrás do paciente” que fica “muito preso à marca La Roche-Posay”. Também não tem muito contato com representantes. La Roche-Posay: Ela acha a marca “ótima, muito boa” e a prescreve bastante. A médica percebe bons resultados e uma cosmética muito boa. Lembra que lançaram uma linha para a pele brasileira, facilitando o uso dos produtos, “têm problemas que só têm aqui”. Ela considera o preço alto, acha que é uma estratégia para tornar a marca mais chique. Innéov: Ela relata que foram feitos estudos científicos e que foram apresentados para os médicos. No entanto, há uma pequena desconfiança, pelo trabalho ter sido encomendado pelo próprio laboratório. Ela conta que confia mais na pílula para proteção solar do que a pílula contra o envelhecimento e afirma que o custo do produto é alto. Dermage: A entrevistada assume que é sempre muito bem tratada pela empresa. Ela comenta que seus funcionários são atenciosos e esse investimento faz com que os médicos confiem em sua marca. Ela lembra que são feitas muitas pesquisas e que tem uma linha pronta bem moderna, além de serem manipuladas bem as fórmulas que os dermatologistas prescrevem. Natura (Chronos): Ela não prescreve Natura e considera a mesma “história da Avon”. Lancôme: Para ela, os cosméticos de luxo funcionam e são muito bons, mas estão atrás de marcas “super caras e famosas”. Ela conta que adquiriu conhecimento sobre esses produtos através de congressos internacionais, aulas sobre cosméticos de luxo e cremes que comprou “lá fora” e experimentou em si própria e em sua mãe. Em seu consultório, poucos pacientes têm recursos financeiros para usá-los e, por isso, não os prescreve em seu dia a dia. Contudo, ela sugere a sua compra, quando viajam para o exterior. j. O não consumo de produtos anti-idade. Gabriela relata que são mulheres mais preguiçosas e sabem que não vão usar os cremes e, por isso, optam pelo mais simples,Ω que é o filtro solar. Ela lembra que há algumas pacientes que só irão utilizar algo quando as rugas aparecerem e outras que não estão “muito preocupadas com estética, estão bem consigo e acham que estão envelhecendo bem”. Flávia Flávia tem 26 anos, é solteira e graduada em medicina há dois anos. Ela faz pós-graduação em dermatologia no Hospital Universitário Antonio Pedro, onde trabalha com cosmiatria há um ano. Seu consultório fica na Urca, zona sul do Rio de Janeiro. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. 145 A entrevistada considera a parte clínica da dermatologia mais interessante do que a estética, porém, seu trabalho seria limitado à consulta, que é mal remunerada. Ela afirma que é pelos procedimentos estéticos que os dermatologistas têm lucro. Em seu consultório, Flávia conta que 60% de seus pacientes que procuram é para tratar de cosmiatria. Contudo, ela argumenta que, se for considerar que a acne envolve uma questão estética, então, esse percentual se eleva para 80% dos pacientes. Já, no hospital, os pacientes clínicos procuram o serviço de dermatologia “por doenças maiores, como psoríase e câncer de pele” e “o resto procura porque tem uma pintinha que incomoda, então é clínico e, também, estético”. Ela lembra que tem muita gente que vai ao hospital para melhorar a pele. Ela relata que isso independe do nível social e a diferença é o creme que será prescrito. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Para Flávia, beleza é a pessoa se sentir bem. Ela reforça a ideia de que, para transparecer a beleza, é importante não estar preocupada com o porquê outras pessoas estão olhando para você: “tem gente que tem acne, então, qualquer pessoa que olha: ‘Ah não! Está olhando para a minha acne’”. A dermatologista descreve uma mulher bonita como alguém que é segura, “que anda com o peito aberto”. Ela comenta que, quem se acha bonita acaba vendendo beleza. Além disso, ela reflete que a beleza é subjetiva porque tem “muita mulher bonita loira, muita mulher bonita morena, muita mulher bonita baixa, não existe um protótipo”. Ela avalia que houve uma mudança no que é considerado belo, o que acabou sendo uniformizado no mundo, talvez, por causa da globalização. Ela se lembra que, do Rio de Janeiro, pode assistir desfiles de moda que acontecem em Nova Iorque ou o desfile da Victoria Secrets, no Japão. c. Como percebe o comportamento, em relação à beleza, na sociedade carioca. A entrevistada considera que os dermatologistas e os amigos são os maiores influenciadores do uso do creme anti-idade. Ela refere que algumas mulheres perguntam para as amigas o que estão usando e elas acabam usando também. Além disso, as viagens e os farmacêuticos são os canais por onde circulam informações sobre as novidades do mercado de cosméticos. Flávia analisa que a visão dos outros é fundamental para que a mulher passe a ir ao dermatologista: “toda mulher que vai ao consultório em busca da estética está incomodada com o que os outros pensam dela”. Ela afirma que a crítica de terceiros também é importante após o tratamento. Suas pacientes lhe contam, felizes, quando outras pessoas comentam que estão mais descansadas e quando perguntam se fizeram cirurgia plástica. Se ninguém faz um comentário, ela relata que a paciente volta, frustrada, para a consulta, “mesmo que ela tenha achado o resultado bom”, o que para Flávia é o ideal, pois “é muito feio alguém perceber que a testa está paralisada por causa de um botox”. 146 A dermatologista nota que suas pacientes preferem começar o tratamento com um creme do que com algo via oral, pois têm medo que ocorra alguma alteração no fígado, “sempre é o fígado”. Ela avalia que a percepção é de que um creme é algo mais leve e é, de fato, menos invasivo. Assim, a primeira opção do médico nunca é o remédio pela boca. Em sua percepção, a mulher brasileira tem bastante celulite e se incomoda com isso, mas não é algo específico. Ela afirma que, no rosto, a mulher reclama de qualquer manchinha, cicatriz de acne, melasma e olheiras, “tem gente que tem muita”. No entanto, ela é muito procurada por causa da acne. Ela declara que muitas pessoas confundem dermatologia com cirurgia plástica. Então, ela atende pacientes que se queixam tanto de deformidade no nariz quanto de preenchimento de lábios. Ela conta que, se fosse dividir, cronologicamente, suas pacientes por doenças, a acne seria “mais na adolescência”; o fotoenvelhecimento e as rugas seriam nas pacientes de 35 a 40 anos. d. A relação entre médico e paciente. A entrevistada ressalta que suas pacientes chegam à consulta reclamando que querem dar uma melhorada na pele, porque está muito manchada e muito caída. A dermatologista então, analisa e traça a conduta, à sua maneira. No entanto, o botox está muito disseminado e “na moda”. Logo, muitas mulheres chegam ao consultório pedindo esse procedimento, independente da indicação. Ela comenta que chega a ser um pouco frustrante para as pacientes, quando o correto é um peeling ou um preenchimento. Ela se lembra que já teve que lidar com mulheres que “estavam sonhando muito” com o resultado, queriam ter uma aparência que seria inviável. Nesses casos, ela, primeiro, deixa bem claro que não há como mudar totalmente a aparência e, quando percebe que terá problemas, ela aumenta muito o preço do procedimento ou conduz o tratamento à sua maneira e não como a paciente lhe “manda”. Assim, essa mulher desiste da dermatologista. Todavia, ela explica que algumas pacientes que acabaram mudando de médico, retornaram para reparar algum problema causado por procedimentos mal-feitos: “pacientes com vasinhos muito pequenos não têm indicação, por isso tem que aumentar muito a potência do aparelho e acaba queimando. Aí, ela volta dizendo que não devia ter feito e o que pode fazer com aquela parte que queimou”. Flávia esclarece que o eticamente correto é tentar fazer com que a paciente retorne ao médico que fez o procedimento, mas isso é “quase impossível”, pois sua credibilidade já foi perdida. Segundo Flávia, os pacientes pobres são mais limitados em entender que o fotoenvelhecimento é um processo evolutivo. Ela conta que eles ficam tostando no sol e, apenas com 40 anos de idade, passam a se preocupar. Ela acredita que, às vezes, eles não fazem perguntas sobre o assunto porque não têm capacidade e fingem que entendem o que foi explicado. “Já, o paciente rico tem mais instrução e começa com fotoproteção, desde cedo”. Ela afirma que a noção de que a pele é o produto de uma soma de coisas, só uma pessoa mais orientada é que tem. Ela também nota que as pacientes, depois de orientadas, ficam mais calmas e passam a usar protetor solar e boné. 147 e. O processo de envelhecimento. Flávia explica que existem dois tipos de envelhecimento: o envelhecimento intrínseco, que é relacionado à etnia e à genética e o envelhecimento extrínseco, que é ligado à dieta, ao tabaco e, principalmente, ao sol. Ela esclarece que a melhor forma de envelhecer bem é manter o hábito saudável de vida, evitar o sol e o cigarro. Assim, a dermatologista considera que viver bem é cuidar de tudo o que pode fazer falta no futuro. Logo, deve-se cuidar da coluna, cuidar do joelho, cuidar da pele e da alimentação. A entrevistada percebe que ocorreu uma mudança de pensamento, com o passar dos anos, em relação ao processo de envelhecimento. Ela acredita que houve uma conscientização de que se envelhece, pois, antigamente, as pessoas achavam que deveriam viver intensamente porque a juventude não acabava. Ela observa que mesmo os mais humildes têm acesso à ginástica na praia e fazem uma dieta mais balanceada, “está todo mundo preocupado com a pele e isso torna a velhice mais saudável e o envelhecimento menos sofrível”. Ela nota que as mulheres não querem correr contra o tempo, “elas querem ficar bem no tempo”. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: A dermatologista afirma que essa mulher é linda e mesmo que fume e tome sol, ainda não sentiu o efeito destes fatores. Ela nota que, geralmente, essa paciente está se cuidando e, por isso, não está muito gorda, ou teve um filho e está começando uma família com a qual se preocupa. Ela considera que esse é o tempo ideal para começar a se tratar porque ainda está começando a criar rugas, melasma e manchas de sol. Ela conta que essa mulher está preocupada com a prevenção. Mulher de 50 anos: Flávia comenta que a mulher de 50 anos quer voltar no tempo, “ela quer botar botox porque está com rugas, ela quer botar preenchimento porque o sulco está pronunciado, ela quer fazer o peeling porque ela está com manchas”. Ela percebe que seu sentimento é de querer melhorar. A dermatologista acredita que essas questões incomodam muito, pois mostram a idade da mulher e, por mais que elas aceitem envelhecer, elas não querem que outras pessoas saibam quantos anos elas têm. Ela reflete, ainda, que, mesmo quando alguém descobre sua idade, essa mulher quer escutar: “ você está tão bem”. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. A dermatologista acredita que há cremes bons e que funcionam, pois existe muito trabalho, muito dinheiro e muito estudo nesse mercado. Ela considera que o médico deve saber aplicar o produto e saber seu mecanismo de ação para que o creme atenda suas expectativas e as dos pacientes. Contudo, ela afirma que também existe muita venda de ilusão, “principalmente dessas marcas mais baratas que não têm nenhum estudo por trás”. Ela avalia que não há como um cosmético anti-idade ser barato, já que é muito caro fazer todo o processo, desde a formulação até a fabricação. Ela conta 148 que muitos estudos sobre os cremes são feitos em hospitais universitários ou em grandes centros. Quando não há conflito de interesse relacionado ao trabalho, ela refere que é possível confiar nos resultados e muitos são publicados em revistas de dermatologia. Flávia considera que o uso dos cremes para olheiras, inchaço dos olhos, sulco aprofundado e manchas uniformiza bastante a pele. Porém, ela explica que, quando está “tudo muito caído”, tem que intervir com algum procedimento mais agressivo. Ela esclarece que prescreve o cosmético antienvelhecimento, de acordo com a necessidade do paciente: “têm uns, que o colágeno é mais importante, então, é um creme; outros, que o preenchimento da ruga é mais importante e, aí, é outro creme; têm outros, que o clareamento é mais importante, então, é outro creme”. A dermatologista afirma que, para confiar em um produto, o mais importante é saber a marca a qual ele pertence: “têm marcas que você sabe que têm estudos e a gente está em contato com isso, direto”. Para ela, as marcas que têm estudos são as mais confiáveis. h. Industrializado x Manipulado Para a entrevistada, o problema da farmácia de manipulação é que não há um padrão de qualidade. Assim, existem farmácias muito boas e farmácias não tão boas. Por isso, quando um paciente precisa enviar uma fórmula para manipulação, ela indica qual a farmácia, garantindo que o produto será bem feito. A dermatologista comenta que o paciente particular não gosta de passar duas vezes na farmácia, nem esperar setes dias para sua fórmula ficar pronta. Logo, ela costuma indicar produtos industrializados, para esses pacientes. Ela declara que há um imediatismo em relação a tudo. Assim, mesmo os cremes que atuam a longo prazo têm algum efeito imediato, senão o paciente pára o tratamento. Ela afirma que é um efeito motivador para o paciente. Já, o paciente mais “humilde, que não tem tanto dinheiro”, assim, são prescritas fórmulas para manipulação. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos), Lancôme e Innèov Lancôme: Flávia considera uma marca confiável e cara, utilizada só com pacientes selecionados. Ela comenta que há muitos estudos, mostrando que seus produtos realmente melhoram os quadros. Ela também argumenta que é uma marca que tem muita renovação e não faz muita propaganda e nem fala que irão acontecer milagres. Ela relata que “ela não corre atrás de você”, mas sempre está atrás do melhor produto do mercado. La Roche-Posay: Essa marca é uma das preferidas da dermatologista. Ela relata que existe uma troca muito boa entre os dermatologistas e seus farmacêuticos e “a La Roche responde exatamente àquilo que a gente quer”. Ela afirma que, mesmo não sendo uma marca nacional, é muito próxima do dermatologista e dos professores universitários. Ela comenta que os dermatologistas sempre recebem seus trabalhos. 149 Vichy: Ela acredita ser o mesmo conceito da “La Roche”. Ela também afirma que são marcas mais baratas e seus produtos têm uma resposta muito positiva. Ela avalia que essas duas marcas têm destaque no Brasil. Dermage: Ela declara que é a farmácia de manipulação em que confia. Ela conta que é uma empresa nacional, que tem muitos produtos bons, tanto os já prontos quanto os que manipula. Ela considera que é uma farmácia de confiança, se tiver algum problema com a fórmula “ela liga e corre atrás do dermatologista”. Ela comenta que isso traz um conforto, ao fazer uma prescrição para o paciente. Avon (Renew): Ela relata que não tem muito conhecimento sobre a Avon, pois nunca recebeu um estudo e não prescreve essa marca. Innèov: A entrevistada conta que esse produto é um cosmecêutico, algo muito novo e que o prescreve a seus pacientes, porque já saíram alguns resultados positivos sobre o mesmo. Porém, ela ainda não sabe qual a resposta a longo prazo. A dermatologista esclarece que utiliza esse produto, pois não há produtos que resolvam algumas manifestações que incomodam os pacientes. Assim, ela explica que, somando um pouco de cada produto, o resultado pode ser bom. A médica acredita que as pílulas para celulite e para que gordura localizada têm um efeito razoável. Porém, ela ainda tem dúvidas se o tratamento faz efeito, ou porque o paciente está disposto a mudar de vida e muda seu comportamento ou se é efeito do Innéov. Natura (Chronos): A dermatologista comenta que os usuários do hospital, às vezes, fazem um “esforcinho” e compram o Renew. Contudo, ela afirma que não é possível fazer um acompanhamento. Já, no consultório particular, seus pacientes são resistentes a comprar os cremes da Natura e da Avon. Ela relata que a Natura e a Avon não têm contato com os médicos: “parece que elas preferem ensinar para as consultoras como vender, a falar pra gente como o creme age”. Flávia considera que estas marcas fazem parte de uma área “bem obscura” e ela declara que nunca viu um trabalho comparativo realizado pelas mesmas. j. O não consumo de produtos anti-idade. Flávia conta que alguns pacientes vão à consulta apenas por questões de saúde. Ela afirma que, mesmo que a paciente tenha uma ruga, ela não questiona a pessoa, se isso não a incomodar. Ela nota que são mulheres que se sentem bem e bonitas. Carla Carla tem 56 anos, é solteira e graduou-se em medicina há 32 anos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela tem mestrado e doutorado em dermatologia e trabalha com cosmiatria há 20 anos. Seu consultório fica na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Botafogo. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. 150 Carla demorou a ingressar no trabalho com a cosmiatria. Sua principal motivação foi precisar “consertar os problemas” que ocorriam quando suas pacientes procuravam outro médico, para cuidar da parte estética. Ela conta que se tornou “expert” em complicações em suas próprias pacientes. Assim, a médica resolveu contratar dermatologistas altamente qualificados em procedimentos específicos, para trabalhar em seu consultório, com sua supervisão. Ela afirma que, desse modo, resolveu seu problema, pois utiliza o produto correto, com a técnica correta, nas mulheres que a procuram. A entrevistada sugere que, todos que são atendidos em seu consultório, cerca de 50% dos pacientes sejam direcionados para a área médica e 50% para a área estética. Contudo, se forem considerados seus pacientes, ela afirma que 70% a procuram por problemas de saúde e 30%, por estética. Carla relata que muitas pessoas a procuram por seu nome, que é bastante conceituado no mercado. Ela conta que sua consulta é “relativamente mais cara” do que a de outros dermatologistas. A médica também aponta que seus pacientes estão dispostos a pagar um valor alto pela consulta e pelos tratamentos, tendo a confiança de que será feito um trabalho de qualidade. Além disso, ela não possui convênio, atende apenas “doente particular”. A médica lembra que os “doentes novos”, em geral, são complicados, pois já passaram por diversos dermatologistas que não conseguiram fazer um diagnóstico ou chegam a ela porque estão com alguma complicação de procedimentos estéticos realizados por outros médicos. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Para Carla, o conceito de beleza é um estado de bem estar. Ela acredita que o belo é uma sensação de “conforto com sua aparência”. A dermatologista considera que a beleza está relacionada à percepção e não à visão, “é algo interior, de felicidade, o brilhar do olho”. Ela não concorda com a busca incessante das pessoas de quererem parecer mais novas. A entrevistada se lembra que organizou um congresso mundial de dermatologia cosmética com a seguinte frase: "looking good, feeling good". Ela conta que quis dizer que “se você está se sentindo aparentemente bem, você está se sentindo bem” e a médica acredita que o oposto também deva ser verdadeiro, “se você está feeling good você acaba looking good”. c. Como percebe o comportamento, em relação à beleza, na sociedade carioca. Carla percebe que muitas pessoas estão mais preocupadas com a cosmética do que com as doenças. Ela observa que algumas mulheres são capazes de gastar “um dinheirão para resolver estética”, mas não querem despender de dinheiro para fazer uma cirurgia para retirada de um sinal com suspeita de câncer. A médica comenta que essas pacientes nunca estão satisfeitas e, provavelmente, apresentam definir dismorfofobia. Ela acredita que seja uma insatisfação interior que acaba levando a essa insatisfação com o visual. A entrevistada refere que atende algumas mulheres que buscam incessantemente a juventude, mas não há solução. 151 A dermatologista credita parte da supervalorização da estética à propaganda e ao número quantidade de pessoas da mesma faixa etária que são submetidos a procedimentos cosméticos. Ela comenta que há muitas pacientes que chegam ao consultório com um “saco cheio de cosméticos” que compraram na Europa e nos Estados Unidos e que não sabem para que servem. A entrevistada lembra que algumas pacientes fazem o tratamento estético escondido de seus maridos, por isso precisa ser algo discreto. Ela explica que, apesar dos maridos as acharem belas, elas não se sentem bem. Logo, elas guardam dinheiro para que eles não percebam que foram ao dermatologista. Carla comenta que as reclamações diferem, de acordo com a faixa etária da paciente. Ela lembra que muitas são jovens, entre 18 e 25 anos, e, nessa idade, a maior queixa são as estrias e as celulites. Ela observa que a menina nova vai “muito à praia” e não quer ter um “furinho no bumbum e nem estria”, seu rosto ainda está “lisinho”. Já, as mulheres na “faixa de 40, 50 anos” reclamam do rosto, por causa das rugas e das manchas. Ela percebe que as primeiras críticas são em relação ao canto dos olhos, depois, em volta da boca, e a flacidez, “despenca tudo”. Ela esclarece que a flacidez está muito ligada aos fatores genéticos. A médica, ainda, elucida que a mulher mais velha já não vai “tanto à praia ou não liga para a celulite”, seu problema é no rosto, onde “chama mais a atenção”. d. A relação entre médico e paciente. Quando a dermatologista começou a fazer cosmiatria, poucos pacientes souberam. Ela conta que não é uma médica que costuma oferecer o tratamento, ela prefere esperar que o paciente pergunte se é possível fazer algo para melhorar sua aparência. Carla afirma que não se preocupa em atender “milhões de clientes no mesmo dia” e prefere demorar mais tempo em cada consulta, para explicar à paciente qual a expectativa real que ela deve ter, em relação a um procedimento ou a um creme. Ela comenta que, algumas vezes, elas chegam ao consultório com expectativas maiores do que o real e ela conversa que a pele irá melhorar, mas não será a mesma de 20 anos de idade. Carla acredita que o médico deve explicar, exatamente, como funcionam os tratamentos dermatológicos e conhecer os hábitos de vida de seus pacientes. Ela percebe que não adianta fazer o laser em uma mulher que “ama o sol” e é muito queimada de praia, pois ela não vai parar de “pegar sol”. Ela lembra que, no Rio de Janeiro, as pessoas estão se expondo ao sol todos os dias e, talvez, se fizer o laser, irá piorar a pele. A genética também influência nas questões da pele. Uma mulher, cuja mãe e avó tiveram flacidez de pele cedo, provavelmente, também terá. A entrevistada considera que é importante esclarecer para a pessoa que a pele não ficará melhor “de uma hora para a outra”. Ela explica para a paciente que as amigas irão começar a elogiar sua fisionomia, “isso é importante”. A médica conta que insiste com sua equipe que seu objetivo não é que “as pessoas da rua vejam que seus pacientes se submeteram a um procedimento”, ela quer que os conhecidos percebam como a mulher está bem, mas não descubram exatamente o que ela fez. Carla comenta que algumas pacientes querem fazer diversos procedimentos, buscando o rejuvenescimento. Nesses casos, ela conversa com essas mulheres, argumentando que não pode 152 fazer mais nenhum tratamento, porque sua face “não suporta mais nada”. A dermatologista relata que, às vezes, elas procuram outros médicos e retornam com complicações, como “a paciente que teve queimaduras por laser e o tratamento durou um ano, até ela ficar com uma face apresentável para sair à rua”. Ela conta que, em geral, essas pessoas param de buscar tratamentos quando ocorrem essas complicações. e. O processo de envelhecimento. Carla explica que existem dois tipos de envelhecimento na pele: o envelhecimento cronológico e o envelhecimento por exposição ao sol (fotoenvelhecimento). Ela esclarece que o envelhecimento cronológico acontece na pele toda e o fotoenvelhecimento nas áreas mais expostas ao sol. A médica avalia que não tem solução para o envelhecimento. Ela cita Irene Ravache, “só não envelhece quem morre cedo”; e Mário Quintana, “envelhecer é ótimo, porque a outra opção é horrível”. A dermatologista acredita que o mais importante é envelhecer bem, tanto em relação à pele, quanto em relação aos outros órgãos. A médica relata uma aula que deu em Manaus sobre fotoproteção, falando da “questão do sol”. Ela explica que posiciona duas pacientes, lado a lado, uma com 64 anos e a outra com 74 anos. Carla conta que a mais nova “pegou sol a vida inteira” e a de 74 anos sempre se protegeu e, apesar de terem cores semelhantes, tipo de pele semelhante, a qualidade do cabelo e da pele são completamente diferentes. Logo, ela declara que não adianta, apenas, fazer procedimentos, é necessário cuidar da exposição solar, usar hidratante, “são várias coisas”. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: A dermatologista conta que, nessa faixa etária, o tratamento é preventivo, pois “não se está precisando de nada para a face”. Ela orienta em como adiar o envelhecimento, como fazer com que a pessoa chegue com uma pele boa aos 40, 50 e 60 anos de idade. Ela refere que há pacientes que, antes dessa idade, chegam ao consultório tendo feito botox, preenchimento labial, mas Carla não acredita que seja indicado. Ela afirma que, se a mulher começar a fazer esse procedimento muito cedo, “mais para frente, será complicado continuar fazendo”. Mulher de 50 anos: A entrevistada percebe que a indicação do tratamento para essa mulher depende de sua situação: pode ser que ela tenha rugas na testa, sulcos próximos ao nariz ou a pele alterada pelo sol. Para melhorar essa situação, a dermatologista pode fazer um peeling com ácido ou com cristal, que é mais suave, por exemplo. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. Carla considera que há produtos “bastante bons” no mercado, mas ela afirma que a maior parte “não serve para nada”. Ela explica que o médico deve saber a diferença entre as substâncias usadas nos cremes e qual a concentração necessária para melhorar cada pele. A dermatologista acredita que os 153 cremes servem para tirar manchas, melhorar rugas finas, melhorar a textura da pele e as asperezas da pele e, às vezes, até a elasticidade. A dermatologista afirma que, para começar a utilizar um produto, o laboratório precisa provar que é bom, precisa publicar trabalhos sobre esse produto e utilizar bons ingredientes na fórmula. A médica avalia que é importante ter acesso às amostras para testá-las em alguém da família ou nela mesma. Ela gosta de perceber a textura dos cremes, pois ela precisa saber se é adequado para uma pele seca ou oleosa. A entrevistada está usando um creme anti-idade da Avène que está tirando todas as suas “manchinhas”. Ela considera essa marca muito boa. h. Industrializado x Manipulado Carla, normalmente, prefere os cremes prontos aos manipulados, pois ela acredita que o controle de qualidade da indústria é melhor. Ela conta que gosta bastante de alguns laboratórios e afirma que existe “uma gama” enorme de produtos no mercado. A médica comenta que há poucas farmácias dermatológicas confiáveis e que precisa indicar a farmácia, para garantir que o produto será bem feito. Ela avalia que já teve graves problemas com produtos de farmácias de manipulação. A dermatologista conta o caso de uma paciente que pediu um remédio a uma farmácia de manipulação que, provavelmente, incluiu um perfume na fórmula, sem avisá-la. Como a paciente era “extremamente” alérgica, esse produto estragou o tratamento. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos), Lancôme e Innèov Lancôme: A dermatologista não prescreve essa marca, pois ela afirma que eles não apresentam as fórmulas dos cosméticos e ela gosta de saber, ao menos, os ingredientes utilizados. Ela conta que, quando lançam um produto, “vem um ou dois doentes que usaram, dizendo que funciona” e ela não pode acreditar nisso. A entrevistada não acredita no que diz a embalagem do produto “reconstituinte profundo”. No entanto, considera as consistências maravilhosas. Dermage: Carla comenta que os produtos da Dermage são muito bons e as substâncias de cada item estão descritas na embalagem. La Roche Posay: A médica “gosta muito” da marca, ela a considera “número um em termos de hidratante”. Natura (Chronos): Ela não prescreve Natura, mas percebe que o Chronos tem uma substância chamada elastinol 4, que é muito boa. Avon (Renew): Assim como a Natura, ela não prescreve a Avon. No entanto, a médica gosta do ingrediente ácido retinóico, um dos primeiros do mercado contra o envelhecimento, porém não conhece as concentrações. 154 Innéov: Carla afirma que esse produto é uma pílula que surgiu como se fosse algo inovador. A médica chegou a testar em si mesma, por seis meses, e não percebeu nenhuma diferença. Como é muito caro e teria que comprar o produto, ela achou que “não valeria a pena continuar usando”. Contudo, ela afirma que, se houver trabalhos com um numero grande de pacientes, comprovando a eficácia do produto, ela pode passar a prescrevê-lo. Vichy: A entrevistada considera a Vichy uma excelente marca e faz parte de uma banca de pesquisadores do laboratório. Contudo, ela comenta que há “algumas coisas que eles não liberam”. A entrevistada analisa que a marca é “fantástica” e gosto muito dos produtos, mas, produtos como o anticelulite, não adiantam muito. j. O não consumo de produtos anti-idade. Carla considera que são mulheres que estão ótimas, se sentindo bem e não querem usar nenhum produto. Ela pensa que são pessoas que trabalharam a vida inteira, sempre se ocuparam e têm outras preocupações. A médica comenta que sempre orienta a usar, ao menos, alguma coisa: “se está com a pele seca, um hidratante; se tem a pele oleosa ,alguma coisa para retirar o excesso de óleo”. No entanto, ela relata que algumas mulheres não têm paciência e pedem para prescrever apenas um sabonete, o que é mais prático. Joana Joana tem 28 anos, graduou-se em medicina em 2006 pela Universidade Federal Fluminense e especializou-se em dermatologia na Santa Casa da Misericórdia, no Rio de Janeiro. Seu consultório fica na zona oeste do Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. Joana conta que trabalhou no consultório de sua tia, dermatologista, digitando as prescrições médicas, durante sua adolescência. Ela também lembra que “sofreu” bastante com acne na puberdade, fatos que fizeram com que se aproximasse da dermatologia. A médica afirma que é “muito difícil” não trabalhar com estética. Nessa especialidade, a demanda é muito grande. Ela considera “uma delícia” discutir os casos de clínica, mas também é “muito gostoso trabalhar com estética”. A dermatologista relata que, no segundo ano da residência, passou a atender pacientes de cosmiatria, por um “preço mais acessível” na Santa Casa, tratando acne, fazendo laser e outros procedimentos. No seu consultório, ela comenta que “apenas não faz o laser”. Ela faz procedimentos como botox e preenchedores. A entrevistada observa que, de cada 10 consultas que atende, por dia, na Barra da Tijuca, cerca seis a sete são direcionadas para estética. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. 155 A dermatologista avalia que beleza é harmonia, equilíbrio e “estar feliz”. Ela acredita que a beleza está em manter os traços e o conjunto de suas pacientes e não desfigurá-las. Para a médica, cada paciente tem o seu estilo, mas, uma mulher que ela considera bonita, é a modelo Gisele Bündchen, que tem um cabelo “maravilhoso” e uma pele “maravilhosa”. Ela conta que os dermatologistas buscam o “perfeito e maravilhoso para o paciente”, de acordo com sua realidade. c. Como percebe o comportamento, em relação à beleza, na sociedade carioca. Joana assume que a rotina de passar creme e filtro solar diariamente é cansativa, por isso a mulher precisa estar disposta a se cuidar. A médica comenta que a paciente se cuida mais quando está feliz e “de bem com a vida”, dedicando mais tempo a ela mesma, assim como quando recebe elogios do marido e das amigas. A entrevistada também comenta que as revistas e o rádio influenciam a decisão de iniciar um tratamento cosmético. A médica afirma que, no corpo, as mulheres reclamam da gordura localizada, estrias e hidratação da pele, e sempre pedem depilação com laser. Na face, ela conta que suas pacientes se queixam das rugas de expressão, manchas provocadas pela exposição solar, cicatrizes pós-inflamatórias ou após uma acne, e sulcos. A entrevistada refere que essas reclamações variam de acordo com idade da paciente e o quanto se expôs ao sol durante sua vida. d. A relação entre médico e paciente. Joana relata que procura adequar os tratamentos estéticos ao estilo de vida de suas pacientes, mesmo sendo difícil. Ela conta que pode fazer uma “receita linda e maravilhosa”, mas a pessoa só irá segui-la se for ajustada à sua rotina e se estiver “sentindo-se segura”. Por exemplo, se a mulher está acostumada com alguma marca e em sua linha há um creme que atinge as expectativas da dermatologista, ela irá sugerir esse produto para o tratamento. A entrevistada também procura verificar o quanto a paciente se dispõe a gastar, ao indicar um produto, porém, ela comenta que essa é uma questão difícil de abordar. A dermatologista refere que a paciente lhe conta o que a está incomodando naquele momento. Pode ser que “aquela ruga nem seja tão expressiva” e que ela tenha outras prioridades. Assim, a médica sugere um tratamento para “melhorar de uma forma geral”, somando o que ela considera importante e o que a paciente deseja. Ela afirma que conversa com a pessoa sobre suas possibilidades de melhora a cada consulta. A entrevistada relata que, em alguns procedimentos, é possível perceber o resultado, instantaneamente. Em outros, é preciso aguardar alguns dias para observar o efeito, como o botox, que “leva mais ou menos 15 dias para agir”. Joana costuma utilizar máquinas fotográficas para comparar como a mulher estava antes de iniciar os procedimentos, durante e após sua conclusão. Ela mostra os limites do tratamento e suas expectativas, pois há “coisas que não irão melhorar”. A entrevistada comenta que, muitas vezes, a pessoa nota que melhorou e fica satisfeita, mas “não tem noção do quanto melhorou”. Logo, a foto é 156 um registro importante para mostrar essa realidade e motivar essa mulher a continuar se cuidando, “ela vai se empolgando”. e. O processo de envelhecimento. A entrevistada explica que cada indivíduo sofre o envelhecimento intrínseco, que é o envelhecimento das células - “natural do ser humano” - e o envelhecimento extrínseco, que é causado pelo sol, poluição e cigarro, entre outros. Ela esclarece que a soma desses dois processos resulta na aparência de cada pessoa, ao longo dos anos. A médica reflete que o fotoenvelhecimento deixou de ser apenas um problema estético, pois uma pele “cheia de lesões” causadas por anos de exposição ao sol é uma questão de saúde. Ela também percebe que está ocorrendo uma mudança de comportamento, pois as paciente mais antigas reclamam de terem que passar filtro solar, diariamente. Ela conta que o conhecimento de que o filtro solar é um item importante para a saúde e que deve ser usado, mesmo em dias nublados, ainda está sendo assimilado pela sociedade. Joana acredita que o processo de envelhecimento gera muita ansiedade. Ela percebe que algumas pessoas o aceitam e buscam “envelhecer com dignidade”. Outras não aceitam bem as conseqüências e não deixam de se cuidar. A dermatologista considera entre 25 e 30 anos uma boa faixa etária para começar a se cuidar e conseguir que se torne algo “tão cumulativo”, “porque, depois, pode ficar difícil de tratar”. Ela afirma que, antes de estudar dermatologia, não se preocupava muito. Conforme ela foi conhecendo os detalhes desse envelhecimento, passou a pensar: “estou envelhecendo e não vou deixar isso acelerar, vou me cuidar!”. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: A entrevistada conta que essa paciente possui algumas rugas de expressão ou algumas manchas de sol na pele e quer começar a se tratar. Ela refere que é uma mulher que vai à consulta “direcionada” por alguma matéria que leu em revistas ou por alguma amiga que indicou o tratamento, pois gostou do resultado. Assim, ela afirma que é uma paciente mais informada e consciente das novidades do mercado. Mulher de 50 anos: A entrevistada relata que essa mulher já tem rugas mais acentuadas e o tratamento seria o preenchimento. Ela lembra que, nessa idade, ela busca “tentar atenuar aquilo que está a incomodando”. A dermatologista considera que a paciente brasileira, certamente, tem um “alto grau de fotoenvelhecimento”, pela incidência solar que há no país. Além disso, ela afirma que essa mulher sofre com alterações hormonais causadas pela menopausa: manchas, uma pele mais seca e queda de cabelo. Ela acredita que algumas mulheres têm conhecimento dos danos causados à pele, pela menopausa, “mas surgem algumas dúvidas” como: “eu passo creme, passo creme e não hidrata!”. Joana comenta que é importante ela entender que não é tarde para começar a se cuidar, “vamos correr atrás e vamos buscar, juntas alguma melhora”. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. 157 A dermatologista afirma que os cremes anti-idade são “fundamentais”, são “ótimos”, mas há um limite no resultado proporcionado por eles. Assim, dependendo da pele da paciente é necessário associar outros procedimentos, até chegar a “um ponto ótimo”. A médica afirma que os melhores ativos antienvelhecimento são os retinóides - ácido retinóico - que ajudam na renovação celular e na remoção de manchas. Ela utiliza os cremes anti-idade, principalmente, para melhorar a textura da pele, para atenuar manchas, para suavizar rugas finas e cicatrizes “bem superficiais” e para ajudar na renovação celular. Joana refere que os dermatologista recebem informações sobre novos produtos por diversos canais. Alguns estudos científicos chegam pelos congressos, outros, por encontros internacionais ou por colegas que já trabalharam com o cosmético. Ela acredita que os grupos de discussões são “super importantes”, onde um profissional mostra sua experiência com um determinado produto. Os colegas criticam e decidem se deve ser adotado na prática ou não. h. Industrializado x Manipulado A entrevistada conta que, em sua formação como dermatologista, teve bastante experiência com produtos de manipulação. Ela pode visitar algumas farmácias de manipulação e ver como funciona sua linha de produção. A dermatologista afirma que pede para a paciente procurar farmácias que confia e está acostumada, “que saiba, teoricamente, como é seu processo”. Ela comenta que se sente mais segura quando a farmácia tem uma pessoa disponível para tirar suas dúvidas, pois, às vezes, os princípios ativos não são compatíveis. A médica considera que o mais importante para formulação de um produto, é conhecer o princípio ativo da medicação, sua qualidade e saber o que pretende alcançar com aquele princípio ativo, o que “quer oferecer a sua paciente”. Ao analisar as marcas industrializadas, ela relata que expor a formulação na embalagem do creme, ter uma boa cosmética, ter tolerabilidade, penetrar bem na pele e ter “um tempo de ação legal” são fatores que mostram que o laboratório é confiável. A entrevistada explica que, quando o creme tem o cheiro ou a coloração ruim, não é agradável para paciente e, consequentemente, mais difícil de entrar na sua rotina. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos), Lancôme e Innèov Lancôme: Joana considera uma marca “muito boa”, “excelente”, com uma base cosmética que, geralmente, as pessoas gostam. A médica comenta que procura saber quais os princípios ativos e ela afirma que seus produtos podem trazer benefícios, mas ela conta que não são milagrosos e é preciso associá-los a alguns procedimentos, por vezes. A dermatologista observa que existe uma tradição dos cosméticos da marca, geralmente, “o paciente fantasia e acha chiquérrimo passar creme da Lancome”. Assim, algumas pacientes utilizam o creme pela marca, sem saber se aquela cosmética e aquele ativo é indicado para sua pele. Por isso, a entrevistada relata que, em casos em que a indicação está incorreta, precisa esclarecer para essa mulher que o produto é “ótimo”, mas não deve 158 ser usado naquele momento, e sugere que ela dê o creme para a mãe ou alguém que irá fazer um melhor uso do cosmético. Avon (Renew): A dermatologista não tem experiência com o Renew, não sabe qual o princípio ativo e não é uma marca que esteve presente em sua formação, mas ela afirma muitas pacientes o usam. Ela declara que algumas pacientes percebem um benefício inicial, mas, após um determinado tempo de uso, elas observam que há um limite na melhora e procuraram um médico. Joana comenta que, “de certa forma”, esse creme é uma “automedicação”. La Roche-Posay: A entrevistada gosta muito da marca e ela refere que o laboratório está presente no dia a dia do dermatologista: “nos eventos, eles estão presentes, sempre trazem novidades, temos uma boa comunicação”. Vichy: Joana a considera uma boa marca. Ela relata que a comunicação com os dermatologistas é boa e afirma que eles estão presentes nos eventos. A entrevistada conta que não é um laboratório tão comentado nas reuniões semanais que participa com seus professores de dermatologia na Santa Casa da Misericórdia, mas ela observa que eles estão sempre presentes nos congressos. A médica comenta que costuma indicar a maquiagem corretiva da Vichy, pois é um item muito importante para pacientes que possuem alguma cicatriz ou doenças como o vitiligo. Innéov: A entrevistada afirma que não possui experiência com esse produto. Ela explica que é uma novidade, que está presente em congressos, mas que o laboratório ainda não apresentou experiências que ela possa julgar ou criticar, para iniciar o uso da Innéov em suas pacientes. Natura (Chrono): A médica não tem contato com a Natura. No entanto, ela conta que muitas pacientes de baixa renda e classe média baixa usam seus cremes. Ela analisa que as mulheres que estão “desesperadas” por beleza “sempre encontram uma amiga que vende os produtos da Natura”, facilitando o acesso ao cosmético. No entanto, a dermatologista declara que não tem contato profissional com a marca, para saber que benefícios estão buscando para suas clientes. Dermage: Joana refere que a farmácia é “super presente”. Ela conta que tem contato semanal com a fornecedora, por telefone. A dermatologista lembra que, na pós-graduação, foi visitar o laboratório e achou “super legal” a iniciativa da marca levar “o universo deles” para perto do médico. Ela declara que gosta muito de seus produtos. j. O não consumo de produtos anti-idade. Joana comenta que não é comum pacientes que preferirem não utilizar cosméticos. Ela acredita que são mulheres que não têm paciência para se cuidar. A dermatologista relata que, às vezes, as mulheres a procuram por outra causa, uma lesão, uma unha encravada ou uma verruga e a médica percebe que a pele está fotoenvelhecida e, então, aborda o assunto de modo sutil. Ela conta que procura colocar essa questão perguntando como está a pele, questionando a oleosidade, se há 159 algum tratamento que pode ser feito, adequado à realidade dela, pela pele que ela tem, a sua profissão. A médica observa que, geralmente, quando essa mulher aceita começar a se cuidar e tem alguma melhora, “alguma amiga elogia”, a paciente “se empolga mais ainda” e acaba retornando ao consultório para continuar o tratamento. Ela percebe que é muito importante para as mulheres, quando o outro comenta que elas estão mais bonitas, elas se sentem “seguras”. Para a dermatologista, é “gratificante saber que, naquele momento, elas estão conseguindo ficar melhor”. Paulo Paulo é médico, graduado pela Universidade Gama Filho há 22 anos e professor de dermatologia. Ele cursou sua pós-graduação e mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e trabalha com consultório particular há 16 anos. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. Ao final da faculdade de medicina, o entrevistado pensou em seguir a especialidade de cirurgia geral. Contudo, ele foi convocado para servir o Exército onde trabalhou por 2 anos. Durante esse período, o dermatologista presenciou a vida de seu irmão como cirurgião, o que o fez repensar sua decisão inicial. Logo, Paulo conta que procurou um professor, que o convidou para conhecer o serviço de dermatologia. Assim, ele decidiu seguir essa especialidade e teve a oportunidade de trabalhar no consultório desse professor por alguns anos, “que era radicalmente contra a estética”. Ele comenta que, talvez por isso, teve dificuldade em começar a trabalhar com a estética. Todavia, o médico afirma que o mercado demanda que os dermatologistas trabalhem com tratamentos cosméticos, diferentemente de quando era estudante. Desse modo, ele relata que tem investindo em cosmiatria nos últimos oito anos. Em seu consultório, ele acredita que 90% de seus pacientes o procuram por consulta clínica e 10% por estética. Paulo observa que os alunos com interesse em dermatologia, na universidade onde leciona, acreditam que estética é uma área da especialidade muito bem paga. Ele considera que houve uma invasão na atividade estética por outras especialidades, logo a alta remuneração desses profissionais está cada vez mais difícil. Ele, ainda, critica a entrada de médicos de outras especialidades em cursos de pós-graduação em medicina estética. Ele comenta que, quando o médico tem uma formação cirúrgica, é mais fácil fazer um procedimento estético. Porém algumas especialidades clínicas não englobam experiência cirúrgica e os profissionais dessas áreas cometem erros graves, ao realizar os procedimento estéticos. Quando as “aberrações chegam a seu consultório” ele procura corrigi-las, mas ele conta que são incorrigíveis, na maioria das vezes. Ele também refere que alguns médicos ganham bem. Contudo o risco de trabalhar com tratamento estético é grande. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. 160 Para Paulo, beleza significa, primeiramente, a saúde mental do indivíduo, que compreende o bemestar físico, social e mental. Segundo o dermatologista, uma pessoa que está bem socialmente, com seu marido e com seus amigos reflete esse estado em sua aparência. Portanto, ele acredita que a mulher deve cuidar da saúde mental e, posteriormente, buscar beleza física, como um complemento. O entrevistado considera que uma bela mulher “madura” é aquela que soube se preservar e conseguiu prevenir o envelhecimento, evitando a exposição ao sol e mantendo a pele hidratada, por exemplo. Contudo, ele afirma que a beleza não é manter o corpo e o rosto bonitos, apenas. O dermatologista reforça seu pensamento de que se deve estar bem socialmente e afetivamente para atingir a beleza: “uma mulher pode ser bonita, independente de ela ter olhos azuis e um rosto perfeito”. c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. O entrevistado considera que a mídia é “absurdamente forte” no conteúdo e no volume de matérias sobre estética voltadas para os públicos feminino e masculino, principalmente, para o feminino. Ele afirma que algumas dessas matérias “beiram” a irresponsabilidade, pois, na maioria das vezes, apresentam tratamentos sem comprovação científica e relatam resultados “milagrosos”. Desse modo, o médico acredita que algumas reportagens são pagas para exibir uma imagem positiva do produto, o que ele chama de imprensa direcionada. Por exemplo, ele comenta que os aparelhos importados, que são novidades no mercado, têm um custo altíssimo e por isso não podem ficar parados. Logo, ele observa notícias em que uma repórter faz o tratamento e emite um bom comentário sobre o aparelho. Para o entrevistado, essa conduta teria um valor positivo se a repórter escrevesse sobre sua verdadeira opinião. O dermatologista afirma que a indústria da beleza cresceu muito e, às vezes, as pessoas deixam de comprar um remédio para consumir um cosmético, o que é preocupante. Em outras situações, os tratamentos de beleza e rejuvenescimento são oferecidos sem que haja indicação. Ele conta a história de uma paciente que foi a uma clínica de estética para fazer um tratamento na barriga, que havia lido em uma revista. A clínica de estética se propôs a fazer esse tratamento e ainda ofereceu outro tratamento, para o rosto, sem que fosse feita uma avaliação da necessidade de se realizar esses procedimentos. Nesse caso, a paciente tinha quase 70 anos de idade e o tratamento era um laser para reduzir gordura na barriga, o que Paulo classificou como uma “piada de mau gosto”. O entrevistado relata que possui pouca experiência em tratamentos corporais, mas ele analisa que o rosto incomoda mais as mulheres que seus corpos, apesar de estar situado em uma cidade onde “o corpo tem um grande peso”. O dermatologista conta que as manchas que aparecem no rosto incomodam muito suas pacientes, seguido das reclamações da flacidez da pele. Ele relata que essas são as duas principais queixas, sendo que, na queixa de flacidez, entra também a questão das rugas. d. A relação entre médico e paciente. 161 Na sala de espera do consultório do dermatologista há uma placa com uma relação de tratamentos estéticos, fixada à parede. O entrevistado, após refletir por um momento, explica que a ideia de colocá-la naquele local foi de um colega mais jovem, que ele convidou para trabalhar em seu consultório e que possui uma visão diferente da sua, em relação à estética. O médico conta que o outro dermatologista realiza a maioria dos procedimentos estéticos, assim como as consultas clínicas dos pacientes com convênio. Ele ainda refere que prefere despertar o interesse do público que atende, com consulta clínica, pela placa na sala de espera, pois tem dificuldade em “vender o tratamento estético”. Ele se sente mais confortável quando os pacientes o questionam sobre esse assunto. O entrevistado acredita que sua clientela foi construída pelo “boca-a-boca” e avalia que os pacientes procuram os médicos de sua especialidade pela confiança, quando a questão é estética. Paulo considera que ser honesto sobre as reais possibilidades de melhora de cada tratamento de estética é a maneira correta de se trabalhar com cosmiatria. Além disso, ele comenta que é complicado para um médico prometer o quanto a paciente irá responder ao tratamento. Assim, ele pondera que a margem entre o ético e o antiético na estética é muito estreita. O dermatologista conta que explica às pacientes quais os tratamentos ele acredita que são eficazes e as avisa quais são os procedimentos possíveis de serem realizados em seu consultório, já que existem máquinas de laser com “custos elevadíssimos” que ele não possui em sua clínica. Para as pacientes que não aceitam seu envelhecimento e as que resistem a mudar os hábitos diários, o entrevistado relata que procura criar inconvenientes que as façam desistir do tratamento. Ele observa que algumas mulheres desejam uma “pílula do milagre” e comenta que essas pacientes esperam que o resultado seja muito superior ao que é realmente possível. Outras pessoas apresentam resistência em mudar seus hábitos, principalmente, em uma cidade de sol como o Rio de Janeiro. Ele afirma que é inútil fazer um tratamento com o laser para manchas, queixa recorrente, durante meses e “torrar no sol no verão seguinte, isso seria rasgar dinheiro”. Desse modo, o médico reforça a importância da prevenção no processo de envelhecimento, especialmente em um cidade onde o sol é forte durante todo o ano. Assim, ele afirma que insiste com sua família e com seus pacientes a utilizar o protetor solar corretamente e não se expor ao sol entre os horários de 10 horas e 16 horas. O dermatologista afirma que o benefício dessas pequenas ações é “incalculável” e melhor do que o uso dos cremes anti-idade, do laser, do preenchimento e do botox. Ele acredita que a prevenção deveria ser divulgada como benefício para o câncer de pele e como cuidado para o envelhecimento cutâneo, que é percebido, primeiramente, pela quantidade de manchas e, posteriormente, pela diminuição da elasticidade da pele. O dermatologista analisa que a cosmiatria é, muitas vezes, tratada como um comércio: “a pessoa chega ao consultório ou clínica e o profissional vai vender um pacote de sessões de laser para celulite, independentemente de ser indicado para aquela paciente”. Para ele, as pessoas que trabalham muito com estética perdem o pudor de “vender” os procedimentos, distanciando-se da relação médico-paciente ensinada nas universidades. Além disso, algumas pacientes chegam ao 162 consultório com a intenção que o dermatologista ofereça o produto que está na moda. Ele conta que elas já conhecem os métodos existentes e os respectivos preços, por reportagens sobre estética. e. O processo de envelhecimento. O dermatologista afirma que, aproximadamente, em 2030, o país terá uma população envelhecida. Portanto, ele acredita que as pessoas devam pensar, investir e trabalhar na prevenção do processo de envelhecimento que ocorre em todas as partes do corpo. Segundo o médico, as pessoas envelhecem por inteiro: tonos muscular, articulações etc. Paulo percebe que a questão da prevenção do envelhecimento está sendo trabalhada em relação ao câncer. Ademais, ele conta que foi, recentemente, a um congresso onde havia uma forte campanha de prevenção de envelhecimento cutâneo. Ele comenta que os encontros são boas oportunidade para se conversar sobre o assunto. Ele afirma que há avanços nos métodos que buscam reverter o envelhecimento. Porém, o melhor é prevenir, em qualquer área da medicina. O dermatologista refere que as mulheres percebem o envelhecimento pelas diferenças em seus corpos, dos 30 anos para os 40 anos, para os 50 anos etc. Ele relata que existem as alterações hormonais que auxiliam esse processo, mudando seu humor e suas características, por exemplo. Desse modo, a mulher necessita cuidar de sua saúde, globalmente, sendo a beleza da pele apenas uma pequena parte. Ele explica que a abordagem deve ser “multifatorial”. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: O dermatologista relata que as maiores reclamações dessas mulheres são as manchas, “porque, se uma mulher pega sol desde menina, com trinta anos, ela já está com manchas”. Contudo, ele conta que as pacientes desejam continuar praticando esses mesmos hábitos, resolvendo suas questões com um creme “milagroso”. Paulo conta que, muitas vezes, desestimula a paciente de 30 anos a se submeter a procedimentos estéticos. Ele considera que a prevenção e a mudança de hábito em relação ao lazer de exposição ao sol, são mais benéficos. O entrevistado também indica o uso de cremes com princípios ativos que possuam comprovação científica. Mulher de 50 anos: O médico refere que existe um grupo de mulheres dessa idade que estão bem resolvidas, profissionalmente, e em sua vida afetiva familiar. Ele relata que essas pacientes têm uma aceitação muito melhor do envelhecimento. Por isso, o médico comenta que elas possuem uma expectativa adequada dos resultados dos tratamentos e seu desejo é apenas de melhorar a pele, o que afeta positivamente o tratamento. Ao contrário, a pessoa que está mal resolvida profissionalmente e emocionalmente espera que os problemas de sua vida sejam resolvidos pelo tratamento, o que é inviável. 163 O entrevistado comenta que as expectativas exageradas acontecem em qualquer idade, porém, são mais evidente na mulher madura, pois nessa faixa etária o dano solar já é muito grande e aparente, logo, mais difícil de tratar. Ele afirma que as tecnologias auxiliam muito nos resultados. Assim, é possível tentar reverter as manchas utilizando métodos como ácido retinóico, ácido glicólico e, principalmente, laser. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. O dermatologista considera que é possível resolver algumas questões de estética, como manchas e rugas menores, com o uso do creme anti-idade e do peeling químico, a um custo “baixíssimo”. Já para ter um bom resultado contra a flacidez, ele avalia que é necessário utilizar o laser, especialmente os lasers fracionados. O médico também comenta que alguns cremes antiflacidez têm um efeito chamado de “efeito cinderela”. Ele explica que o cosmético cria uma película que segura a pele, porém ao tomar banho, essa película acaba. Paulo relata que o mercado apresenta, constantemente, diversos cremes anti-idade com valores econômicos altíssimos e sem comprovação científica. Ele considera que o preço do creme é uma estratégia de marketing das empresas, pois, há uma crença coletiva de que o valor alto qualifica o produto no mercado de beleza. O entrevistado também relata que algumas mulheres sempre buscam essas novidades, os “modismos”, que aparecem a cada verão. Ele, ainda, refere que há influencia de terceiros, ao escolher que produto consumir, como “o último creme da Lancôme que a amiga comprou em Paris”. O médico concorda que é importante ter inovação dos cremes de rejuvenescimento, contudo, deve haver comprovação científica. O dermatologista afirma que prescreve apenas as substâncias que estão consagradas na literatura. Ele relata que essas substâncias, que possuem comprovação científica, restringem-se ao ácido retinol e ao ácido glicólico, praticamente. O médico alerta que existem muitos trabalhos sem controle, em estética. Por exemplo, 1.000 mulheres com características de pele semelhantes são divididas em dois grupos iguais, a primeira metade usa o creme pesquisado e a outra metade, o placebo. Após um determinado período, o resultado é aferido segundo a percepção de melhora dessas mulheres, não há um exame histológico mostrando se houve regeneração da pele. Portanto, ele considera que os estudos são “totalmente subjetivos” e acredita que as resposta podem ser enviesadas por causa do custo financeiro que as mulheres despenderam. O entrevistado refere que, para confiar em um creme anti-idade e passar a prescrevê-lo, esse produto tem que ser cientificamente eficaz. Além disso, ele comenta que gostaria de conhecer um cosmético que não irritasse a pele dos pacientes, pois, a maioria dos produtos confiáveis são fortes sensibilizantes e deixam a pele sensível ao sol. O médico também explica que não prescreveria um produto anunciado em revistas e com vendas de porta em porta. Ele acredita que seria uma “burrice enorme” prescrever um remédio com propaganda, pois ele considera que estaria “desqualificando” seu trabalho. No entanto, o dermatologista percebe que prescreve mais cremes de algumas marcas 164 especificas, que têm, tradicionalmente, estudos científicos, por causa do trabalho de marketing dos laboratórios. h. Industrializado x Manipulado Paulo afirma que prefere a indústria farmacêutica às farmácias de manipulação, pois ele não acredita no controle de qualidade de um pequeno laboratório de manipulação. Ele afirma que é importante saber como o produto foi estocado e como foi preparado. Ele avalia que o controle de todo o processo é importante. Além disso, o médico considera complicado confiar na fiscalização brasileira a qual essas farmácias são obrigadas a se submeter. Desse modo, o entrevistado relata que utiliza a farmácia de manipulação apenas quando necessita de drogas que não consegue na indústria comum. O dermatologista ainda relata que existe uma relação “promíscua” entre alguns médicos e alguns laboratórios de manipulação. Ele explica que as farmácias costumam oferecem dinheiro ou vantagens, como a locação de uma diária de um aparelho de laser, aos médicos, proporcionalmente, à quantidade de receitas de seus produtos que são prescritas. Ele conta que já recebeu diversas propostas, mas nunca aceitou, por considerar antiético. Segundo o entrevistado, os dois laboratórios que ele confia e que ele considera que são éticos são Dermage e Dermatos. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos), Lancôme e Innèov Vichy: O dermatologista considera uma ótima marca. Ele relata que é um laboratório multinacional com departamento de pesquisa e com uma estrutura industrial enorme, o que considera importante. O entrevistado analisa que o laboratório faz muitas pesquisas que não se enquadram no perfil ideal, porém, eles se preocupam em apresentar resultados. Ele, ainda, comenta que é a única marca que apresenta tendências. Natura (Chronos): O médico refere que a Natura sempre têm novidades. Contudo, ele nunca leu um trabalho científico da marca. Ele considera que os produtos das marcas que popularizam seus produtos possuem algumas substancias que têm efeito comprovado. No entanto, são vendidos em uma concentração muito baixa, pois, na concentração maior, correm o risco de irritação da pele e seria necessário um acompanhamento médico. Lancôme: Paulo não prescreve os cremes dessa marca. Ele observa que é um laboratório que sempre lança produtos de última geração, prometendo um milagre, sem comprovação científica. Ele afirma que a marca não apresenta estudos. La Roche Posay: O entrevistado refere que é um laboratório sério e bem avaliado no mercado. Ele afirma que a marca busca um contato muito forte com os dermatologistas, sempre mostrando seus estudos científicos. Ele considera essa estratégia importantíssima, pois o médico se lembra da marca, sem o perceber. 165 Innéov: O entrevistado lembra que o produto é uma pílula e afirma que não há “a menor possibilidade de ele acreditar nisso”. Ele reflete que a marca promete uma juventude eterna, de forma milagrosa, com esse produto. O dermatologista afirma que nunca lhe mostraram qualquer trabalho científico, o que ele considera praticamente impossível de ser feito. Ele comenta que a carga genética de cada um é que é diferente e seria preciso um grupo homogêneo para realizar um trabalho científico. Dermage: O dermatologista conta que não indica farmácias de manipulação, mas quando o paciente insiste muito ele cita a Dermage e a Dermatos. Ele relata que essa farmácia (Dermage) faz um bom trabalho e tem bastante contato com os médicos. Avon (Renew): Ele assume que tem preconceito com a marca por causa dos anúncios que veiculam na televisão e em revistas, e pelo seu modo de venda “porta-a-porta”. Logo, ele não prescreveria esse produto, mesmo se acreditasse em seus resultados. Ele afirma que esse produto não é eficaz, apesar de ter em sua fórmula substâncias como o ácido glicólico, pois a concentração é muito baixa. j. O não consumo de produtos anti-idade. Paulo afirma que existem pacientes que preferem não consumir tratamentos cosméticos. Ele considera que são mulheres “totalmente” bem resolvidas, que irradiam felicidade, na maioria das vezes, e não estão preocupadas com a estética. Porém, o dermatologista reflete que é positivo para a mulher se cuidar, estar apresentável. Ele analisa que o equilíbrio é saudável. Isis Isis é uma profissional de 26 anos, que se graduou há três anos em medicina. Ela está se especializando em dermatologia pela residência do hospital Universitário Antônio Pedro, em Niterói. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. A entrevistada trabalha com dermatologia apenas no ambiente do hospital, onde a maior parte dos pacientes apresenta problemas clínicos. Isis relata que há dois grupos de pacientes, os próprios servidores e aqueles que chegam encaminhados. Ela conta que o primeiro grupo não necessita de uma avaliação prévia para marcar a consulta. Já o segundo grupo, para ser atendido na dermatologia, deve ser encaminhado por um medico do posto de saúde ou por outro médico do hospital. A dermatologista faz uma breve reflexão sobre as classes sociais que atende no hospital. Ela conta que a maioria das pessoas é de “classe mais baixa”, porém, dentre o grupo dos servidores, alguns pertencem à classe média. Além desses, há alguns poucos pacientes que pertencem à classe média alta e chegam ao hospital universitário, pois é um lugar capaz de tratar de doenças graves. Isis pondera que, para a formação de um dermatologista, não seria positivo ter um contato mais estreito com cosmiatria durante a residência, pois, quando estiver atuando no mercado, a demanda principal é pela estética. 166 A dermatologista percebe que muitas pacientes têm interesse em tratamento estético, pois, após a fase aguda da doença algumas pacientes solicitam algo para suavizar as marcas causadas pela doença: “fiquei com esta marquinha (...) eu não gosto, como é que eu faço para corrigir esta mancha?”. Contudo, ela afirma que a maioria das mulheres sabe que, no hospital público, os tratamentos são limitados e esclarece que a prioridade em um hospital universitário são as doenças de maior gravidade. Porém, a entrevistada observa que muitas mulheres do grupo dos servidores “chegam queixando-se somente de estética”, ela acredita que isso aconteça, pois essas pacientes podem marcar uma consulta com os dermatologistas sem encaminhamento. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Para Isis, beleza não é um padrão, mas uma sensação de bem-estar consigo que “ajuda em todos os aspectos da vida”: na saúde, na prática de exercício físico, ao olhar-se ao espelho e sentir-se bem. Ela também ressalta a importância da mulher saber lidar com o que ela não tem, já que “ninguém vai atingir a perfeição”. A dermatologista reflete que a beleza ocorre quando o lado “interno” (emocional) e externo (aparência) andam em harmonia. Ela explica que, se a mulher não se sente bem externamente, emocionalmente ficará abalada. Logo, a médica se lembra de uma prima que é “super gordinha” e os familiares a criticam pelo excesso de peso. No entanto, essa prima fala abertamente que se olha no espelho e se percebe linda. A entrevistada esclarece que esse exemplo reflete o que é a beleza, independentemente se ela, Isis, considera essa mulher bela, fisicamente. c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. Isis é crítica quanto à valorização excessiva da sociedade, em relação à beleza. Ela comenta que muitos empregadores contratam apenas pessoas “mais bonitas”, o que afeta “o emocional”. Assim, ela afirma que há mulheres deprimidas e que não aceitam a própria beleza porque não se enquadram no padrão que a sociedade impôs. Ela afirma que essa supervalorização também influencia na vida pessoal. Por exemplo, quando há uma competição entre as mulheres, mesmo entre amigas, a pessoa que é menos bonita se sente inferiorizada e isso atrapalha diversos aspectos da convivência. A dermatologista acredita que há uma diferença entre o padrão de beleza brasileiro e o internacional. Ela enfatiza que, no Brasil, há preferência por mulheres com “corpão”, “coxa grossa”, “quadril largo”, “bunda grande” e “peitão”. Além disso, a pele deve ser bronzeada e os cabelos loiros são mais valorizados. Ao contrário, o padrão de beleza internacional considerada bela a mulher que é “mais esguia”, “mais clara” e “mais alta”, segundo a entrevistada. Porém, ela acredita que as mulheres “bem peitudas” e loiras são as favoritas, como no Brasil. A entrevistada considera que existe uma cultura nacional que privilegia o corpo esculpido. Ela argumenta que o Brasil é um país tropical, o que remete à praia, sol e carnaval. A entrevistada observa que, nesse contexto, a “marquinha de biquíni” vira um fetiche, “uma mulher que posa numa revista sempre tem uma marquinha de biquíni”. 167 Dentre os atributos mais valorizados pelas mulheres, Isis percebe que há uma preocupação com os cabelos e, principalmente, com o rosto. Ela considera que o rosto é importante para suas pacientes, pois é sua apresentação. A entrevistada afirma que as manchas no rosto representam as maiores queixas. Contudo, suas causas são diversas: há uma forte relação com a acne, com o período da gravidez e com a exposição ao sol. Ela pondera que pode haver um viés nessas reclamações, já que os dermatologistas não podem auxiliar em outras patologias e no hospital em que trabalha, as pacientes têm consciência desse fato. A médica alerta que para o tratamento contra manchas (melasma) ser eficaz é preciso que seja contínuo e o uso do filtro solar é essencial, contudo, não há uma cura. Além dessas questões, a dermatologista escuta as pacientes reclamarem das estrias nas mamas, nos glúteos e no abdômen. Muitas mulheres passam a ter estrias pela gravidez ou pelo uso de alguns medicamentos, como o corticóide. d. A relação entre médico e paciente. Para Isis, os cuidados com a estética fazem parte da saúde, aumentam a auto estima, por exemplo. Segundo a dermatologista, não é uma prioridade, mas todos querem ficar mais bonitos. Ela também acredita que, sentindo-se melhor, a mulher trabalhará mais bem disposta e, ainda, a ajudará a “arrumar um namoro”. A entrevistada afirma que é essencial manter sua pele “boa”, já que escolheu trabalhar com dermatologia. A dermatologista considera que os bons medicamentos usados para fins estéticos são caros e, por isso, as mulheres das classes mais altas conseguem atingir melhores resultados nos tratamentos. Ela comenta que não consegue prescrever determinados remédios para as pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), maioria no hospital, pela condição financeira. Desse modo, a entrevistada observa que essas mulheres de “classes menos favorecidas” aceitam “um resultado não tão bom quanto as pacientes que têm um poder aquisitivo melhor”. A médica relata que há uma maior expectativa pelas mulheres que conseguem comprar produtos mais caros e eficazes, mas considera que todos esperam “algum grau de melhora”. Ela, ainda, avalia que há uma diferença entre a persistência no tratamento, e entre os dois grupos de mulheres. Enquanto a paciente do SUS se acomoda, “ahh...eu tentei e não consegui”, a mulher com uma melhor condição financeira insiste até chegar a uma melhora. e. O processo de envelhecimento. Ao ser questionada sobre o envelhecimento, Isis, primeiro, comenta sobre as conseqüências físicas e, posteriormente, sobre as questões emocionais envolvidas nesse processo. Ela relata que as pacientes leigas têm dificuldade em entender que os sinais do envelhecimento são consequência do seu modo vida. A dermatologista conta que muitas mulheres não aceitam que as marcas do sol são resultado da exposição ao longo dos anos ao sol, e não da semana anterior, e que é normal aparecerem hematomas, freqüentemente. Ela percebe que as pacientes demoram a aceitar lesões da pele que foram causadas pelo descuido em uma época que não tinham consciência. Ela se lembra de 168 algumas mulheres que deixam de usar blusas de manga curta, por causa das manchas no braço, por exemplo. A entrevistada acredita que algumas marcas podem gerar complexos: “as pessoas estão olhando para as minhas manchas, para as minhas unhas...”. Isis considera fundamental envelhecer bem, mentalmente, pois as transformações no corpo são parte de um processo natural. Ela conta que algumas limitações são características do organismo e outras ocorrem por falta de acesso à informação. Para a entrevistada, é importante aceitar as limitações que chegam com a idade e aprender a conviver com elas: problemas cardíacos e pulmonares, entre outros. A médica relata a mulher pode “otimizar” o que tem de positivo com algumas “atividades” e deve compreender que as manchas são sinais daquilo que foi vivido, “aceitando-as como uma característica”. Ela argumenta que ninguém pode fugir do processo de envelhecimento, não adianta usar botox, nem fazer cirurgia plástica. Para a médica, quem abusa desses tratamentos estéticos acaba com uma aparência artificial. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: Segundo Isis, as mulheres de 30 anos apresentam queixas ligadas à estética, frequentemente. Ela reflete que o melasma é uma questão recorrente nas reclamações, talvez, porque com 30 anos, a mulher esteja mais propensa à fertilidade. A dermatologista percebe que os cabelos e as unhas também são partes do corpo com que as pacientes dessa idade se preocupam. Mulher de 50 anos: Após pensar um pouco, Isis conclui que o melasma é a principal reclamação em todas as idades. No entanto, ela relata que a preocupação com a estética é secundária para as pacientes dessa idade, pois existe o medo que a mancha seja um câncer de pele. A médica acredita a que grande divulgação dessa doença tenha conscientizado muitas pessoas a procurarem um dermatologista. Assim, em qualquer classe social, há um sentimento de medo quando aparece uma nova mancha na pele. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. A entrevistada considera difícil avaliar os cremes anti-idade por ter pouca experiência com eles, já que iniciou, há apenas seis meses, seu trabalho com cosmética. Ela comenta que, ainda, não acompanha muitas pacientes na área de cosmiatria e, normalmente, tem a orientação de um professor ao utilizar esses produtos. Porém, a médica observa os resultados em pessoas que lhe são próximas ou familiares, comparando-as com mulheres que nunca utilizaram os cremes anti-idade. Ela observa a redução da flacidez da pele e um aspecto mais jovem, proveniente do uso desses cosméticos. A dermatologista acredita na funcionalidade dos cosméticos que possuem uma comprovação científica, pois apresentam fundamentos estatísticos. Contudo, ela relata que os bons resultados dependem do uso adequado desses produtos. Ademais, a médica considera dois fatores que também influenciam na decisão de escolha da prescrição de um produto: o poder aquisitivo da paciente, pois, 169 “não adianta indicar um remédio caro, se a paciente não pode comprar”, e a experiência de um colega. Isis não confia nas marcas que costumam fazer propagandas, como Avon e Natura, ela argumenta que faltam trabalhos científicos que comprovem a eficácia desses cosméticos antienvelhecimento. A entrevistada refere que o respaldo científico é uma segurança para os dermatologistas, pois há muitos processos contra as pessoas que trabalham com estética. Além disso, a entrevistada conta que os cremes não devem ser utilizados sem indicação médica, pois existem especificidades para cada tipo de pele e de idade. Ela afirma que o resultado do uso dos cosméticos é melhor nas mulheres que os usam desde jovens, acompanhando o processo de envelhecimento. Para Isis, o uso diário de o filtro solar, que não é propriamente um cosmético, é mais importante que o uso dos cremes anti-idade. Ela afirma que o protetor solar previne melhor o envelhecimento do que qualquer cosmético anti-idade. Porém, a médica conta que são poucas as pacientes que chegam ao hospital com o hábito de usá-lo todos os dias. Ela analisa que as pacientes com 40, 50 anos de idade, que sempre usaram protetor ou que não tomaram muito sol quando jovens têm a pele melhor que algumas mulheres mais novas. A entrevistada relata que o acesso à informação relativa ao uso apropriado do protetor solar é recente: “usar protetor para todas as finalidades, como ir à padaria, ir à farmácia, caminhar e ir à praia”. h. Industrializado x Manipulado A entrevistada afirma que prescreve muitas fórmulas manipuladas, no hospital, pois são mais baratas do que os cosméticos industrializados. Isis refere que prefere o resultado do creme “pronto”, mas não tem opção ao prescrever um produto, pois os pacientes do SUS não possuem uma boa condição financeira. Ela se lembra de uma paciente que utilizava o remédio manipulado, para melasma, e ao alterar por um produto industrializado, a resposta foi melhor. A dermatologista considera que existem remédios que, por orientação de professores, não oferecem problemas em serem manipulados. Outros, há uma indicação de prescrever o creme industrializado. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay , Natura (Chronos), Lancôme e Innèov. Avon (Renew): Isis conta que não gosta da marca, pois não há um respaldo... Não tem nada científico. Ela afirma que já apareceram pacientes que sofreram de pequenas “espinhazinhas”, acne, por causa dos produtos desta marca, já que esta não oferece um creme para cada tipo de pele. Vichy: A dermatologista considera uma linha de cremes muitos boa e afirma que é bastante conhecida. Ela refere que os produtos desta apresentam bons resultados, contudo, é uma marca mais cara. 170 La Roche-Posay: Segundo a médica, essa marca “é a mãe da cosmiatria”. Ela comenta que os produtos dessa empresa são os mais usados. Além disso, essa marca é cara, mas seus resultados são bons. Innéov: Ela afirma que ouviu comentários sobre essa pílula, mas não a conhece. A dermatologista relata que nenhum paciente que atende já utilizou esse produto, mas, alguns professores comentaram que seu resultado é positivo. Ela analisa que é um produto muito recente e, como médica, não trabalha com esses produtos tão novos. Seus professores a incentivam a prescrever esse tipo de “cosmético”: “a experiência é boa, vamos tentar com este paciente”. Dermage: A entrevistada conta que é uma marca muito boa, “existem ótimos resultados com seus produtos. Natura: Isis considera Natura e Avon, marcas com características similares. No entanto, ela prefere Natura, pois já percebeu que os produtos da outra marca apresentam mais problemas. Lancôme: A médica não conhece essa marca. j. O não consumo de produtos anti-idade. A entrevistada observa que as mulheres que preferem não utilizar os cremes anti-idade são mais velhas, “de 70 anos para cima” e têm uma boa aceitação daquilo que viveram. Ela conta que essas pacientes não se importam com as conseqüências, estéticas, do que viveram, desde que isto não seja prejudicial a sua saúde, como um câncer. Rafael Rafael graduou-se em medicina no ano de 1992. Ele estudou da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde também fez sua residência, que concluiu em 1996. Após essa especialização, o médico cursou o mestrado, defendendo a dissertação em 1999 e, desde então, é professor de uma universidade particular no Rio de Janeiro. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. O entrevistado ingressou na residência de dermatologia logo que terminou o curso de medicina. Ele relata que atendeu pacientes da dermatologia no Hospital Federal em seu segundo e terceiro anos de residência. Assim que encerrou sua especialização, o médico conta que abriu um consultório e, paralelamente, dedicou-se à dissertação de mestrado. Ele explica que sua especialidade é a parte cirúrgica da dermatologia e é conhecido no mercado por fazer procedimentos cirúrgicos mais complexos, trabalhando bastante com tumores. Na universidade em que leciona, o dermatologista dedica grande parte de seu tempo à dermatologia cirúrgica, enquanto outro colega dedica-se à parte clínica. 171 Contudo, o dermatologista também trabalha com pacientes interessados em estética, desde quando abriu seu consultório. Ele explica que a demanda para esses procedimentos é grande e há um retorno financeiro interessante. Desse modo, ele acredita que é prejudicial para a área clínica, optar trabalhar exclusivamente com uma especificação de tratamento, dentro da dermatologia, pois o médico perde pacientes que irão procurar alguém que fará os dois tipos de tratamento, o clínico e o estético. Assim, o entrevistado refere que trabalha com cosmética paralelamente, fazendo aplicações de toxina botulínica e preenchedores de braço, de rugas e de sulcos, por exemplo. Além disso, ele conta que faz aplicação de laser, que é um procedimento cosmético. Rafael comenta que a maior parte do seu atendimento primário envolve clínica e cirurgia. Porém, os mesmos pacientes solicitam tratamento cosmético, ao final da consulta. Ele acredita que sua rede de relacionamentos com outros médicos propicia que as pessoas que o procuram no consultório sejam pacientes clínicos. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. O entrevistado considera complicado falar sobre beleza e difícil defini-la. Primeiro, ele afirma que é uma opinião pessoal, mas, posteriormente, relata que há um padrão de beleza definido pela sociedade. O médico analisa que existe uma diferença em definir a beleza harmônica e a beleza percebida, ao, sentir uma atração sexual. Ele pondera que a primeira tem relação com o bem-estar e nesse caso, as pessoas idosas também transmitem beleza. Além disso, o dermatologista acredita que formas harmônicas são um conjunto de pequenas informações aprendidas na formação do caráter de uma pessoa, sendo que os meios de comunicação participam na constituição do padrão de beleza. Ele acredita que, por causa da sociedade, tende-se a considerar a raça negra menos bonita e as pessoas de origem européia mais bonitas. Assim, cabelos lisos, olhos claros, pele alva são características de uma mulher bonita. Rafael refere que a Luiza Brunet e a Xuxa são dois exemplos de mulheres bonitas que se encaixam no padrão de beleza ditado da sociedade. Apesar de o dermatologista considerar impossível separar beleza de atração sexual, essa beleza não precisa ser tradicional. Para ele, uma mulher bela possui o rosto afinado, cabelo bonito e bem cuidado, olhos bonitos, corpo sem excessos, nádegas um pouco eminente e os seios fartos. O entrevistado refere que uma atriz que não tem o rosto perfeito, mas desperta uma grande atração sexual é a Scarlett Johansson. Ele esclarece que existem mulheres muito mais belas, mas ela transmite desejo. c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. O dermatologista afirma que em todas as classes sociais há pessoas que não se importam com estética, que há mulheres que gostam de se cuidar e há aquelas que são neuróticas. Ele observa que há mulheres que começam a distorcer sua imagem, logo, se torna uma questão patológica. Ele relata que são pessoas que se aplicam tudo o que aparece no mercado e fazem botox de três em três 172 meses, por exemplo. Em relação às classes menos favorecidas, o entrevistado comenta que é possível formular medicamentos mais baratos. Contudo os tratamentos como o pelling requerem um maior esforço pelo aspecto econômico ou pela busca a lugares que oferecem o tratamento gratuito. Rafael observa que há uma necessidade de ficar bonita por mais tempo por questões profissionais e emocionais, na sociedade brasileira. Ele esclarece que pessoas mais jovens e mais belas têm a possibilidade de se manterem em cargos melhores por mais tempo. Ele acredita que é um fato comprovado: “pessoas mais bonitas conseguem cargos melhores do que pessoas mais feias; pessoas mais altas conseguem cargos melhores do que pessoas mais baixas...”. Segundo o médico, as pessoas mais desprendidas dos padrões estéticos são artistas, como Ancelmo Góis, que considera “as mulatas muito bonitas, e sempre as mostra em sua coluna diária, nuas e com bundas grandes”. Ele também comenta que os europeus se encantam com padrões de beleza que são muito diferentes daquilo que sempre vêem. Assim eles se interessam pela beleza de outros continentes. O entrevistado afirma que as mulheres não se queixam muito de seus corpos para os dermatologistas. Ele explica que elas procuram os cirurgiões plásticos para esse propósito. Todavia, o médico esclarece que estão começando a surgir aparelhos para tratamento corporal em sua especialidade, que são basicamente aparelhos de diminuição de medidas. Assim, o entrevistado comenta que, algumas vezes, as pacientes reclamam do volume abdominal, da gordura localizada na barriga. Porém, ele enfatiza que a pele do rosto, do colo e do dorso das mãos é o foco principal do dermatologista. Ele comenta que o corpo é importante quando há a presença de manchas na pele. Rafael observa que as mulheres que vão a seu consultório valorizam, principalmente, a firmeza do rosto. Ele relata que suas pacientes se queixam muito quando começam a perceber a diminuição da estrutura do rosto, pela flacidez: “minha bochecha era mais alta, agora, está mais baixa”. O médico acredita que uma pele firme, com manchas incomoda menos do que a pele flácida. Ele, ainda, conta que elas reclamam da qualidade da pele e do envelhecimento que traz as manchas e as rugas. d. A relação entre médico e paciente. Rafael relata que muitas pacientes solicitam tratamentos cosméticos, enquanto estão cuidando de problemas de saúde, “como faço para melhorar essa ruga depois que o câncer estiver resolvido”, quando descobrem que ele trabalha com cosmiatria. Além disso, ele acredita que a forte abordagem à cosmética e ao rejuvenescimento pelo meio jornalístico influencia a conduta de certas pacientes, que algumas vezes chegam à consulta indagando por algum tratamento específico e, outras vezes, questionam se o procedimento/creme exposto na mídia tem valor. O entrevistado analisa que os dermatologistas devem ter bom-senso ao realizar procedimentos. Para ele, outras pessoas não devem perceber qual método de tratamento foi utilizado na paciente, pois seria um motivo de “chacota”. Desse modo, o médico refere que conversa com suas pacientes sobre todos os tratamentos e expectativas de melhora, evitando “ultrapassar limites”. Ele comenta que tenta convencer essas mulheres que este ou aquele tratamento é contra-indicado. O dermatologista ainda relata que as pacientes neuróticas acabam procurando outro médico. Ele explica que essa percepção distorcida é uma doença, como a anorexia, que é percebida na anamnese. 173 O médico relata que atende em quatro lugares diferentes. O primeiro grupo são pacientes atendidos na universidade, onde ele comenta que são mais idosos, geralmente, e as queixas são relacionadas à idade, à pele ressecada e ao câncer de pele. O segundo grupo, são seus pacientes do hospital Copa D’Or e, normalmente, são enfermos em situação mais grave. Ele conta que continua o acompanhando no consultório, após a alta do hospital. Por último, o entrevistado afirma que atende os pacientes de convênio e particular, em dois consultórios diferentes. Ele esclarece que o atendimento no consultório de convênio é um pouco mais ágil do que no particular e atinge um volume grande de pessoas. Nesse local, ele recebe desde casos simples a até queixas de câncer de pele. O dermatologista refere que o outro consultório é mais sofisticado, onde ele possui um equipamento de laser. Ele explica que o convênio não cobre os tratamentos cosméticos, e, assim, ele encaminha, para o consultório particular, aqueles que desejam realizar esse tipo de procedimento. O dermatologista esclarece que abriu dois consultórios, em lugares diferentes, por ser confuso misturar os pacientes do convênio e os particulares. Ele percebe que, ao atender os dois grupos de pacientes no mesmo consultório, o médico passa a dar descontos com muita freqüência ou acaba cobrando o valor do convênio para o paciente particular. Além disso, o entrevistado acredita que a sofisticação do ambiente em que trabalha com cosmética e com pacientes particulares é importante para atrair mais clientes. O médico afirma que comprovou, por experiência própria, o efeito de um consultório mais bonito e confortável, já que teve um consultório em Copacabana mais simples, antes de mudar seu consultório particular para um prédio mais elegante, com mármore e garagem. Rafael conta que as pacientes do convênio preferem usar seu plano de saúde em casos de doenças. Contudo, elas não se incomodam em pagar a consulta particular quando o tratamento é estético. Ele acredita que as pessoas estão pré-dispostas a pagar pelas despesas cosméticas, já que o contrato com o plano não inclui esses procedimentos. e. O processo de envelhecimento. O dermatologista tem um pouco de dificuldade de começar a falar sobre o assunto, logo ele inicia discursando sobre o envelhecimento clínico. Ele comenta que, pela visão da dermatologia, o envelhecimento trata, basicamente, de alterações da pele relacionadas ao ganho da idade. A perda de estrutura da pele, que ele se referiu anteriormente, é um exemplo. O dermatologista observa que algumas pessoas envelhecem mais cedo por pré-disposição e outros porque pegaram mais sol durante a vida ou tiveram influencia de outros fatores externos. Rafael reflete que o valor de sua profissão, ao tratar uma paciente por cosmética, está em ajudar as pessoas a se sentirem melhor e adoecerem menos. Ele acredita que, desse modo, é possível ajudar a melhorar o mundo, pois pessoas mais vaidosas querem aparecer melhor para ele. O entrevistado afirma que a manutenção da beleza faz parte da saúde também. O entrevistado percebe que as pessoas que perdem a vaidade costumam envelhecer mais rapidamente. Ele conta que há “velhinhas arrumadinhas, distintas” que chegam ao consultório e são “super vaidosas”. O dermatologista entende que a vaidade é “o motor da vida dessas mulheres”. Ele avalia que as pessoas sem vaidade têm tendência a tornarem-se mais deprimidas. Há algumas 174 que...que enfrentam melhor o problema de envelhecer e outras o enfrentam de uma forma pior. O médico comenta que a perspectiva de vida vem aumentando e as pessoas desejam ter uma pele mais jovem, por mais tempo. Ele considera que é a essência do ser humano. Se a pessoa tem uma expectativa de viver mais, ela quer parecer mais velha, apenas no final da vida. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: Rafael refere que essa mulher deixou de ser jovem e ela começa a se aproximar dos 40. Ele afirma que sua pele ainda é estruturalmente bonita, porém é uma paciente que já tem um temor do futuro e que “evitar ficar feia”. Logo, ele explica que o tratamento é uma profilaxia do processo de envelhecimento. O dermatologista afirma que sua pele ainda está clara, boa e estruturada. Contudo, ele observa que a pessoa que pega sol desde muito jovem começa a ter pequenas alterações de pele perto dos 30 anos. O médico conta que, às vezes, atende uma paciente com câncer de pele da forma mais precoce, o que assusta a pessoa. Ele relata que muitas pacientes não compreendem que essa mancha é proveniente do acumulo dos anos de sol, independentemente dos cuidados que ela tem, naquele momento. Mulher de 50 anos: O médico refere que essa mulher quer se apresentar melhor para o mundo, ela quer se sentir mais jovem. Ele explica que, nessa idade já aparecem alterações mais significativas e, consequentemente, mais indicações de tratamentos que ajudam a cumprir o objetivo dessas pacientes. O entrevistado também relata que a paciente já chega à consulta sabendo um pouco o que quer fazer e algumas questões são resolvidas apenas com a plástica. Ele comenta que algumas pacientes compreendem as limitações dos procedimentos pela dermatologia, outras têm medo e preferem uma forma menos agressiva de tratamento. Contudo, o médico esclarece que já existem procedimentos dermatológicos com laser, menos agressivos, para flacidez com “algum resultado”. O entrevistado, ainda, lembra que já é preciso retirar certas manchas que representam um pequeno câncer de pele, em algumas pessoas de 50 anos. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. Rafael acredita que existem poucas substâncias que têm fundamento cientifico e funcionam no tratamento anti-idade. Ele relata que confia apenas no ácido retinóico para o tratamento de rejuvenescimento, pois há embasamento científico. O médico ainda comenta que é uma substância barata, que já está no mercado há mais de vinte anos. Ele também refere que a vitamina C apresenta algum efeito antienvelhecimento. Para o entrevistado, os bons produtos conseguem melhorar um pouco a cor e a espessura da pele, além de aumentar em um pouco o depósito de colágeno. Porém, ele explica que a paciente só consegue um bom resultado se mantiver o uso, regularmente. Ele também comenta que ao começa a fazer um tratamento com substâncias ácidas, que produzem irritação na pele, as pacientes mudam o seu comportamento, afastando-se um pouco do sol e protegendo-se melhor. 175 O dermatologista avalia que há muitos cremes e produtos que são lançados, por objetivo comercial, sem apresentar qualquer comprovação científica de seu efeito. Ele se lembra de certa substância que provou promover “o tal efeito cinderela”, que melhora momentaneamente e superficialmente a flacidez, porém, não é um resultado sustentado. Em contrapartida, o ácido retinóico continua no receituário médico. O entrevistado afirma que confiaria em um novo produto que mostrasse resultados sérios: “se houver um trabalho científico em revista de alto impacto e com dados estatísticos fortes”. Ele argumenta que muitos trabalhos são feitos apenas considerando a diferença por fotografia, o que para ele não é válido cientificamente. O entrevistado relata que costuma prescrever produtos que ele acredita que tenham resultado. Ele comenta que, diferentemente, muitos profissionais fazem receitas com 30 itens, cuja soma dos valores chega a 2.000,00 reais, em produtos. h. Industrializado x Manipulado O entrevistado comenta que procura adequar as prescrições médicas às possibilidades financeiras de cada paciente. Ele relata que formula um creme ou utiliza um produto de farmácia de valor mais baixo para as pessoas que têm menor poder aquisitivo. Contudo, ele conta que prefere trabalhar com uma grade de produto prontos, pois ele considera os laboratórios industrializados, mais confiáveis. O médico explica que a produção é mais controlada e o tempo de validade é mais longo para os produtos industrializados. Ele também refere que o relacionamento dos laboratórios com as sociedades médicas, mostrando os estudos científicos, é muito importante. Rafael comenta que há muitas farmácias de manipulação e, por isso, é difícil conhecer e confiar em todas. Ele conta que algumas farmácias oferecem dinheiro aos médicos para que as indiquem em sua prescrição, o que é ilícito. O dermatologista considera essa prática desonesta, porém, ele afirma que alguns profissionais aceitam essa “comissão”. Ele relata que duas farmácias de manipulação no Rio de Janeiro são confiáveis, tanto pela sua honestidade, quanto pela qualidade dos produtos: a Dermage e a Dermatos. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos), Lancôme e Innèov Avon (Renew): Rafael refere que a empresa tem vontade de estreitar as relações com os dermatologistas. Ele relata que seu modo de venda “porta-a-porta” dificulta a utilização de qualquer produto, por causa da necessidade do controle do receituário e afirma que não trabalhar com produtos médicos, pois pode-se comprar o produto sem receita médica. O entrevistado conta que a marca precisa englobar produtos que não causem reações no organismo, por serem vendidos para uma mulher que não tem, necessariamente, um acompanhamento médico. Por isso, a concentração de princípios ativos é menor e não produz um efeito de rejuvenescimento. Ele acredita que os médicos não irão prescrever a marca, por não ser vendida em uma rede de farmácias. Natura: O dermatologista afirma que ele não prescreve Natura pelos mesmos motivos da Avon. Ele considera que, ao indicar esses produtos, está desmerecendo sua profissão, pois o médico estuda na 176 faculdade de medicina para prescrever uma medicação, que é vendida por um farmacêutico responsável. Todavia, ele comenta que é uma boa marca e seus produtos são confiáveis. Dermage: Rafael afirma que prescreve os produtos dessa marca e gosta dessa farmácia para formulação. Ele relata que a qualidade dos produtos é bastante alta, e o médico e o paciente se sentem exclusivos. O entrevistado comenta que é uma farmácia de manipulação que está se tornando uma empresa de cosméticos. Ele refere que o desejo da propretária da Dermage é ser a marca brasileira de dermocosméticos. Assim, ela aprimora cada vez mais, a apresentação de seus produtos. Innéov: O médico explica que é uma pílula, porém, ele não acredita no resultado de nutracêuticos em forma de pílulas. Ele refere que, embora tenham sido feitos alguns estudos científicos, ele não confia nos resultados. La Roche-Posay: O dermatologista conta que os produtos anti-idade, desta marca, têm um pouco de ácido retinóico. Ele relata que é um creme mais caro, com efeito um pouco menor, mas que funciona. O médico comenta que já teve graves problemas com o laboratório, em congressos, porém ele afirma que é extremamente confiável. Ele refere que utiliza bastante seu protetor solar e os produtos para tratamento anti-acne. Lancôme: O médico considera a marca “quase como a Avon”. Ele relata que são produtos cosméticos que não precisam de receita, e não os prescreve. O entrevistado conta que a sensação de utilizar esse creme é agradável e seu uso não é prejudicial. Assim, ele pede para suas pacientes, que já o compraram, para usarem como hidratante. Vichy: Rafael compara essa marca à La Roche Posay. Ele afirma que são os mesmos proprietários: a L’Oreal. Porém, o dermatologista prefere La Roche Posay, pois está há mais tempo no mercado e seus produtos são mais fáceis de utilizar. Além disso, ele explica que a Vichy produz cosméticos “mais finos”, logo, a marca está entre a Lancôme e a La Roche Posay. O médico ainda esclarece que não é necessário receita para comprar seus produtos. j. O não consumo de produtos anti-idade. Rafael relata que há pessoas que não ligam para estética e não acham “tão importante” gastar tempo e dinheiro com a manutenção da beleza. Ele acredita que a aparência não incomoda essa mulher e não traz modificação para a vida dela. O médico refere que há algumas pessoas com esse perfil que são mais deprimidas e outras que continuam contentes e vivem bem com uma mancha e com a flacidez. Ele se lembra de um artista, o Evandro Mesquita, que não se importa com as manchas e é um cara que é feliz com seu estilo de vida, todo “largadão”. Ana Ana tem 43 anos e é casada. Quando se graduou em medicina, optou por especializar-se em pediatria. Apenas dez anos depois, em 2001, fez sua pós-graduação em dermatologia. Ela atende suas pacientes em seu consultório no bairro de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro. 177 a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. A entrevistada escolheu trabalhar com dermatologia, pois gosta de entender como as doenças se desenvolvem, porém, não lhe agrada cuidar de pacientes graves. Sendo assim, ela encontrou, nessa especialidade, uma forma de fazer a “medicina boa”. Ela também assume que gosta de estética e beleza, mas a médica afirma que não é seu foco principal. Ana relata que atende duas vezes por semana no consultório, mas pretende aumentar seu horário de trabalho pela demanda que está ocorrendo. Ela percebe que metade de suas pacientes a procuram apenas por questões estéticas e, às vezes, há busca para o tratamento de doenças. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Para a entrevistada, beleza é um estado de “bem estar”, é a “felicidade com sua aparência”, é sentirse bem, sem mudar seu jeito. Ela comenta que já viu mulheres bonitas de diversas maneiras, “mulher gorda bonita”, “mulher magra bonita” e ela considera que “a mulher deve estar combinando com ela mesma, deve estar harmônica”. Ana acredita que uma mulher bonita é agradável de olhar, independente a cor do olhos e da forma do nariz. Ela a descreve como uma pessoa que, mesmo tendo rugas, gosta e tem vontade de se arrumar. A dermatologista observa que a mulher brasileira se aceita bem com o biótipo que possui, “mais cheia de curvas, e até acha bom”. Ela relata que sua pele é morena e os cabelos louros não são naturais. Ana conta que é raro ver uma brasileira com olhos claros. c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. A dermatologista observa que a relação das mulheres com a questão da estética varia de acordo com a faixa-etária. Ela relata que a pessoa que a procurar por estética aos 20 anos, em geral, irá se cuidar a vida inteira. A médica conta que há pacientes de sua idade que também são bem cuidadosas e querem prevenir o envelhecimento, mas é “mais inconstante” porque elas não criaram o hábito desde cedo. E há as mulheres de meia-idade que “passam a se tratar, dependendo da sua personalidade”. Ana acredita que algumas mulheres dessa faixa-etária chegam à consulta por questões que não têm relação com a estética, nem com doenças. Ela observa que a motivação pode ser uma separação, por exemplo, e elas querem “dar outro rumo na vida”; outras comentam que seus filhos cresceram e querem cuidar de si. Ana relata que algumas pacientes estão sempre insatisfeitas com o resultado, “estão sempre infelizes”. No entanto, ela acredita que o motivo dessa infelicidade é outro. Ela avalia que essas mulheres estão insatisfeitas com a pele e com a cabeça, sendo difícil de agradá-las, “sempre dizem: ‘vou fazer uma cirurgia plástica’, estão sempre procurando alguma coisa a mais”. Ela também observa que algumas pessoas fazem procedimentos “invasivérrimos” para o corpo, mas querem uma 178 prescrição de um creme que dê resultado para o rosto. Ela reflete que a mídia pode fazer com que as mulheres acreditem que existe “uma fórmula mágica” para a face. A entrevistada percebe que as mulheres valorizam o cabelo liso. Ela conta que existem algumas pacientes que têm o “cabelo étnico”, um termo que conheceu no consultório. Elas valorizam seus cachos bonitos, bem tratados, mas ela admite que é uma minoria. Em relação ao corpo, a dermatologista comenta que suas pacientes reclamam do peso, das estrias e da celulite. Todavia, ela afirma que as adolescentes, suas mães e as puérperas, todas se queixam por causa das estrias. Ana, ainda, comenta que, mesmo não sendo sua área de atuação, as mulheres falam bastante do peso e do desejo de fazer “lipo” e “aumento de mama”. Ela lembra que suas pacientes costumam pedir indicação de cirurgiões. No rosto, Ana observa que suas pacientes valorizam a textura da pele, sem rugas e sem manchas. Ela lembra que, no Brasil, há muitas pessoas com a pele manchada por causa do sol e essa mancha ajuda a transparecer o envelhecimento, além de ser esteticamente feio. A médica considera que esse problema perturba as mulheres de todas as faixas etárias. Contudo, as mais novas ficam apavoradas e até “meio deprimidas”, pois, para tratar as manchas é necessário “mudar o hábito de pegar sol”, “elas ficam sem saber o que irão escolher”. Ela acredita que essa dificuldade em optar pelo sol ou pelas manchas tem relação com a cultura do país, pois o lazer é “na praia, ao ar livre”. Variavelmente, ela percebe que as mulheres mais velhas se convencem mais facilmente a usar o protetor solar todos os dias e elas também abrem mão de ir à praia ao meio-dia. d. A relação entre médico e paciente. A dermatologista brinca que a revista Veja é feita para a dermatologia, pois “a cada três ou quatro edições sai uma matéria” que suas pacientes lêem e procuram a médica querendo fazer o tratamento indicado pela revista. Ela comenta que, normalmente, são procedimentos ou cosméticos “super caros e não acessíveis a todos”, sendo que, nem sempre, seu efeito foi comprovado. Então, a entrevistada afirma que conversa com sua paciente para diminuir sua expectativa e tentar algo mais viável. Ela acredita que muitas mulheres não têm ideia do custo de bons produtos de estética e, às vezes, chegam com “muito desejo de tratar, mas não realizar isso”. Assim, a entrevistada relata que costuma “sondar pela profissão, pelo tipo de vida, pelas histórias que elas contam o quanto elas poderão disponibilizar”, para passar um creme adequado. Ana conta que, além das revistas, há muito acesso às informações de estética pela internet. Ela chama um site de buscas de Dr. Google, pois, através de pesquisas feitas neste site, algumas pacientes se autoexaminam e chegam ao consultório pedindo apenas a receita para o medicamento pesquisado na internet. A médica lembra-se de uma pessoa que lhe pediu uma prescrição para um creme feito com uma planta da África que servia para enrijecer a pele da mama, “ela chegou com toda a pesquisa pronta, mas era tudo não cientifico, e não prescrevi”. 179 Ana relata que uma pergunta de rotina é: “o que incomoda?”. Ela conta que, geralmente, as pacientes chegam com uma lista de questões puramente estéticas. A entrevistada avalia que, às vezes, as mulheres têm tanta expectativa no resultado que não percebem “uma melhora menor”. Ela conta que sempre precisa falar para a paciente que o tratamento é lento e depende de vários fatores, “se expor ao sol, se ela vai usar um protetor”. Contudo, se uma amiga nota a mudança na pele, se outras pessoas comentam, a paciente fica satisfeita, independente de ela ter percebido alguma diferença. e. O processo de envelhecimento. A dermatologista acredita que a aceitação das mulheres quanto ao processo de envelhecimento está muito ligada a história de vida daquela pessoa e não com seu sentimento daquele momento. Ela conta que mulheres que foram muito bonitas e que foram reconhecidas por sua beleza reclamam de tudo e estão dispostas a tudo. As mulheres que sempre trabalharam e tiveram outros assuntos para pensar, não ficam tão arrasadas com o envelhecimento. A médica avalia que são pessoas que cuidam do básico, mas não se desesperam. A dermatologista, ainda, se lembra que, quando foi ao consultório de uma amiga, uma senhora de 90 anos estava fazendo um laser e comentou: “não tenho herdeiro, não tenho para quem deixar meu dinheiro, vou me cuidar". f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: Ana afirma que as pessoas mais novas se incomodam “demais com defeitos”. Ela conta que chegam “meninas de 20, 30 anos” que querem perfeição e são super exigentes, “elas chegam a ficar em depressão”. A dermatologista acredita que são mulheres super ligadas em beleza, que conhecem os cremes e os princípios ativos. Ela comenta que as pacientes mais vaidosas a procuram aos 20 anos com essa questão: "está na hora de eu me cuidar". Mulher de 50 anos: A entrevistada conta que é uma paciente tranquila que quer começar a se cuidar. Ela avalia que, quando a mulher chega na meia-idade com essa questão (pela primeira vez) é porque não deu muita importância a isso durante sua vida, “são pessoas que não estão muito neuróticas com esse assunto”. A dermatologista afirma a queixa principal é a falta de tônus, a “bochecha que está caindo” e o “famoso bigode chinês”. Além disso, ela refere que essa mulher se queixa de manchas e rugas ao redor dos olhos também. Todavia, Ana relata que, nesse momento, os cremes não resolvem o problema, é necessário algo mais invasivo, como um preenchimento e um lifting, talvez, cirúrgico. A dermatologista observa que o maior problema dessa fase da vida é que “as cabeças estão envelhecendo muito pouco e o corpo não acompanha”. Ela explica que uma mulher que trabalha é independente e tem uma cabeça muito jovem . g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. A entrevistada considera que os cremes podem melhorar a hidratação da pele, sua textura, as manchas, as rugas finas, a luminosidade e podem corrigir oleosidade ou ressecamento da pele. Ela comenta que, a longo prazo, os cremes antienvelhecimento também podem diminuir rugas ao redor 180 dos olhos. Ana relata que, ao analisar uma pesquisa, observa como o princípio ativo faz com que o colágeno se prolifere ou como ele combate os radicais livres. Ela questiona se o ingrediente realmente funciona e em que evidências o resultado foi baseado. A dermatologista confia nos laboratórios que apresentam controle de qualidade, certificado ISO e que estão se atualizando e desenvolvendo pesquisas constantemente, às vezes, até na universidade. A dermatologista esclarece que a diferença entre remédio e cosmético é a concentração do ácido retinóico no produto que, sendo alta, só pode ser vendido com receita médica. Ela afirma que não prescreve um creme como Nívea ou L’Oreal Age Perfect, pois “qualquer um pode chegar em uma farmácia e pegar”. A entrevistada explica que poderia indicar esse tipo de cosmético em seu receituário associado a outros remédios, mas, ela considera que são marcas “tão popularizadas” que sua prescrição como médica. Ela, ainda, comenta que os produtos antienvelhecimento são considerados cosmecêuticos, cosméticos com terapêuticos. h. Industrializado x Manipulado Ana relata que há duas farmácias de manipulação nas quais acredita muito, a Dermatos e a Dermage. Ela conta que elas fazem controle de qualidade, fazem pesquisas, promovem cursos sobre assuntos de dermatologia e fazem lançamentos para explicar os resultados de suas pesquisas. A médica afirma que existem farmácias de segunda linha que são “mais simples” e não investem no relacionamento com os médicos. Todavia, ela sabe que existe controle de qualidade, utilizam um bom principio ativo e seu valor é mais acessível, apesar da fragrância e da embalagem serem inferiores. Ela, ainda, cita um terceiro grupo de farmácias de manipulação “que não dá nem para passar, é muito ruim”. Ela comenta que, quando a paciente tem condições, ela pede para fazer a fórmula nas farmácias do primeiro grupo que são as melhores farmácias, “disparado”. A dermatologista comenta que o ácido retinóico é um ativo que apresenta um bom resultado em qualquer produto, mas há uma diferença no preço do creme manipulado e no industrializado. Ela explica que, quando o creme é manipulado em uma farmácia boa, como a Dermatos, seu resultado será melhor, pois o creme virá com um veículo hidratante e um anti-inflamatório que ajudará no tratamento. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos), Lancôme e Innèov. Innéov: Ana afirma que é um produto feito por duas marcas muito conhecidas e confiáveis. Ela leu sua fórmula e analisou que tem sentido em termos biológicos. Assim, a médica relata que tomou essa pílula por seis meses e notou alguma mudança. Contudo, alterou outros hábitos, no mesmo período. Por isso ela não tem certeza se o mérito de sua melhora é do Innéov. La Roche-Posay: Ana refere que o representante da marca vai ao consultório explicar o ativo, a concentração dos produtos e tirar as dúvidas. Além disso, ela conta que há um retorno para avaliar 181 como foi o efeito e a satisfação dos pacientes em relação a um determinado produto. A médica afirma que é uma marca que costuma publicar trabalhos e está presente nos congressos de dermatologia e nas reuniões da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Ela, ainda, refere que o marketing desse laboratório faz a propaganda direta para os dermatologistas. A entrevistada explica que essa marca não utiliza o ácido retinóico, pois é um ativo que não poderia ser vendido em concentrações altas, sem prescrição médica. Assim, o laboratório trabalha com outros princípios ativos e expõe as fórmulas para os dermatologistas saberem o que estão indicando. Natura (Chronos): A entrevistada declara que não utiliza essa marca. Ela afirma que esse produto contém retinóico, mas em uma concentração que vai fazer o efeito de hidratação, apenas. Ela comenta que a paciente poderia estar investindo em um creme que contém esse princípio ativo em uma concentração que faz efeito e “custa metade do preço”, mas precisa de receita médica. Ana considera que existe muito marketing em cima do produto, “as embalagens são lindas, parece que vai fazer muito efeito. Acho que é propaganda enganosa”. Lancôme: A médica conta que a marca não faz propaganda para o médico, mas a essência dos cremes e a embalagem são de “primeirésima”. Ela afirma que não usa como tratamento, porque não sabe o que tem na fórmula. No entanto, ela indica bastante o removedor de maquiagem, a linha de maquiagem. A dermatologista comenta que procura saber o conteúdo, até do hidratante e do sabonete e que, apesar de não serem remédios, são produtos “coadjuvantes” no tratamento da pele. Vichy: A dermatologista relata que essa marca tem o mesmo nível da La Roche. Contudo, ela não tem tanto contato com o laboratório, que tem uma presença menor no Brasil. Ana conta que a marca se preocupa com pesquisa, em dizer ao médico porque usar o ingrediente, quais os benefícios e em “dar retorno”. j. O não consumo de produtos anti-idade. Ana reflete que o não consumo dos cosméticos pode estar relacionado à atitude do dermatologista, se ele não tem iniciativa de questionar se o paciente está tendo cuidados mínimos como tirar a maquiagem, usar o filtro, usar um hidratante e limpar o rosto adequadamente. Ela observa que, algumas vezes, elas começam a usar e se sentem bem, outras não têm “esse estímulo” e, então, começam a usar e, depois, param. “É uma coisa que vem de dentro mesmo”. Kátia Kátia é médica, casada e formou-se em 1975. Ela é especialista em dermatologia e reumatologia, além de ter feito mestrado, doutorado e pós-doutorado. Atualmente, ela leciona na Universidade Federal do Rio de Janeiro. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. 182 A médica fez sua primeira pós-graduação em reumatologia, pois teve a oportunidade de trabalhar com um professor durante a faculdade que a “seduziu” para seguir a especialidade. Ela conta que esse mesmo “mentor intelectual”, posteriormente, a direcionou para estudar uma doença chamada psoríase. Contudo, para ter um melhor conhecimento da enfermidade, ela escolheu fazer uma segunda pós-graduação em dermatologia, em 1985, obtendo seu título de especialista em 1994. Desde então, a médica faz atendimento em dermatologia também. Kátia relata que apenas 10% de suas pacientes a procuram, puramente por estética. No entanto, as pacientes com problemas clínicos também solicitam, constantemente, algo cosmético. Ela comenta que pessoas com lúpus ou psoríase também se preocupam com sua pele, com seus cabelos, com suas unhas. A dermatologista refere que trabalha com estética e com clínica no consultório, mas não com os procedimentos cirúrgicos da cosmiatria. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Kátia considera beleza algo “muito complexo”. Para ela, “a saúde física e mental, o estado emocional e o equilíbrio” são parte do significado do belo. A médica, ainda, afirma que uma alimentação saudável é importante para alcançar a beleza. Além disso, ela avalia que uma mulher alegre, feliz e agradável é mais bela. A entrevistada analisa que a pessoa precisa ter um aspecto físico bom, para parecer bela. Ela também percebe que alguém que é agradável de conversar, ver e ouvir transparece beleza. A médica acredita que esse tipo de pessoa faz com que outros tenham vontade de estar por perto. No entanto, ela admite que, pelos padrões de beleza, uma mulher bela deve ser alta e magra, deve possuir uma pele bonita, olhos brilhantes e cabelos com brilho, “isso é verdade”. c. Como percebe o comportamento em relação à beleza, na sociedade carioca. A dermatologista observa que o ser humano gosta de ficar bonito, de se olhar ao espelho e dedicar alguns momentos à beleza, ela entende que “isso é saudável”. Contudo, ela analisa que, quando a paciente tem alguma doença séria e seu foco continua voltado para a estética, seu comportamento se torna um problema. A médica acredita que algumas pessoas “vivem em uma realidade diferente”, pois ela não compreende como alguém pode pensar incessantemente em tratamentos de beleza. A entrevistada, então, reflete que essas mulheres tem “uma distorção da realidade da vida e do que significam as coisas” e, talvez por isso, sejam pessoas “estereotipadas” na sociedade. Ela conta que são mulheres que querem saber quais são os últimos lançamentos a “toda a hora”. A dermatologista afirma que o cabelo enfeita o rosto, porém, ela considera que as pessoas têm uma preocupação maior do que deveriam com essa área do corpo. Ela observa que as pessoas “gastam horas” no salão de beleza, para arrumar o cabelo e comenta que as mulheres fazem “vários alisamentos” e “mudam sua cor toda hora”. Kátia analisa que as mulheres querem ter o cabelo esticado, independentemente se esse formato liso e comprido combina com seus rostos. Ela relata 183 que é o padrão considerado bonito, pela sociedade. Todavia, ela percebe que existem outros tipos de cabelo interessantes, o que o deixa feio é a falta de hidratação e o descuido. A entrevistada conta que percebeu a importância da pele para o ser humano ao estudar a psoríase. Ela analisa que esse órgão é o primeiro contato do indivíduo com o meio ambiente, “com o seu semelhante”, “é a forma de apresentação da pessoa”. Assim, todos querem ter uma pele bonita e jovem. Logo, a médica observa que a referência ideal é a pele do bebê: “bonita, brilhosa, coradinha, macia e hidratada”. Ela comenta que todos, independente da cor da pele, nascem com uma pele sem mancha e sem espinha e as pessoas gostariam de ter essa uniformidade novamente. Ela conta que a maquiagem é um modo de tentar “camuflar” as marcas, mas é trabalhoso fazer isso diariamente. Kátia, então, se lembra de uma paciente que tem uma doença chamada artrose de coxofemoral “com todos os seus comemorativos”. A médica conta que essa mulher tem dificuldade para andar, mas, a coisa que mais a preocupa é a mancha da pele, possivelmente por ser a primeira parte do seu corpo que outras pessoas notam. “Agora, essa paciente está feliz porque sua pele ficou sem mancha, está luminosa, está brilhosa”. d. A relação entre médico e paciente. Kátia acredita que pessoas que exageram na questão estética não costumam frequentar seu consultório, pois ela não possui aparelhos de laser e não faz peeling nesse local de trabalho. Sendo assim, essas mulheres buscam médicos que têm um foco maior em estética, com mais opções de tratamentos. Ela comenta que sua relação com cosmética é limitada aos cremes de beleza para melhorar a pele e o cabelo. Todavia, a médica acredita que as pacientes que a procuram por doenças dermatológicas ou sistêmicas também têm direito de tratar algo que as incomodam, esteticamente. A entrevistada refere que a visão da paciente tem que ser respeitada pelo médico. Por isso, ela afirma que aborda apenas as questões estéticas que incomodam a pessoa. Por exemplo, se uma mulher chegar ao consultório com uma mancha e um problema na ponta do nariz, e, somente a incomoda o segundo problema, apenas aquele deverá ser tratado. Contudo, ela relata que a abordagem para doenças graves é diferente. Se uma paciente chega ao consultório com uma lesão grave e não a valoriza, o dermatologista deve “chamar a atenção” da pessoa para se preocupar com aquele problema. A dermatologista relata que há vários pacientes com 60, 70, 80 anos que se preocupam com uma mancha na pele. Ela explica que as melanoses vão aparecendo com o tempo e o efeito do sol, “as agressões na pele”. A médica avalia que essas mulheres também ficam preocupadas com as manchas, “a gente pensa que a pessoa já tem 80 anos e não vai se importar com isso, mas se importa”. e. O processo de envelhecimento. 184 Kátia afirma que o envelhecimento não é algo bom, mas acontece e todos precisam se preparar “emocionalmente” e “psicologicamente”, pois tudo no indivíduo envelhece: “a emoção, o pensamento, a memória, a pele, o cabelo, todos os órgãos internos”. Ela lembra que seu marido reflete que seria muita injustiça envelhecer o físico e não envelhecer a emoção, “se você envelhecer a pele e não envelhecer o coração”. A médica lembra que, nesse processo, a visão piora, o olho perde o brilho, o paladar vai se alterando, as rugas aparecem na pele e o cabelo fica branco. Ela considera que o cabelo branco é uma das piores conseqüências, “no ponto de vista de beleza”, pois não adianta pintálo que, logo, aparece, novamente. Além disso, a pessoa mais velha fica mais suscetível às doenças e sua imagem está mais ligada às mais enfermidades do que a juventude. A entrevistada também argumenta que envelhecer também é difícil no campo profissional. Ela pensa que a aposentadoria irá deixá-la fora de acontecimentos da ciência, pois sua época como médica terá passado, “mesmo que não esteja morta”. Ela se lembra que desde que se formou em medicina, essa ciência já “evoluiu muito, em todos os sentidos”. Kátia relata que todos falam sobre a prevenção do envelhecimento, mas não valorizam as ações concretas que podem ser uma alimentação saudável, não fumar, evitar o excesso de bebida, o excesso de sol, excesso de vento e excesso de frio, porque agridem a pele. Atividade física, porque a atividade física ajuda melhorar também a vitalidade de todos os tecidos e aí podem usar cremes que podem prevenir o envelhecimento da pele. Há pessoas que querem colocar botox muito cedo, pessoas com 30 anos querem fazer botox. Eu acho que isso não é uma coisa boa, vai diminuir a atividade muscular localizada, o tempo todo, e, não sei se isso vai fazer com que esse músculo fique mais flácido. No futuro quando elas estiverem com 70 anos, acho que vão ficar com as rugas muito mais intensas. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: Kátia acredita que a mulher, aos 30 anos, já começa a se preocupar com “alguma ruguinha”, “pezinhos de galinha” e “alguma mancha na pele””. Ela afirma que essa paciente já quer se prevenir, pois ela é “bombardeada o tempo todo” com a ideia da beleza eterna, e não quer envelhecer. Mulher de 50 anos: A dermatologista comenta que essa paciente “quer tirar as rugas mesmo” e está preocupada com a aparência de suas mãos, pois ela afirma que essa parte do corpo envelhece mais rápido. Além disso, a entrevistada relata que os cabelos brancos já são outra fonte de preocupação. Por fim, Kátia sugere que as questões da mulher de 50 anos são mais palpáveis e visíveis, “são mais reais”. g. Os cremes anti-idade: o que pensa sobre sua funcionalidade. A dermatologista acredita que os cremes anti-idades cumprem a expectativa das pacientes que querem melhorar a pele, tornando-a mais hidratada. No entanto, não cumprem as expectativas das 185 mulheres que fazem os tratamentos pensando em ter a mesma pele de 20 ou 30 anos atrás. Assim, ela ressalta que se a pessoa usa bons cremes, religiosamente, e de maneira adequada, e um protetor solar, sua pele poderá melhorar, apesar dos anos. Kátia conta que a cosmética evoluiu muito ao trabalhar com substâncias que possuem um potencial maior de hidratação, como a vitamina A e a vitamina C. Ela afirma que, hoje, há um entendimento maior sobre as alterações da pele e do envelhecimento. Segundo a médica, as melhores marcas no mercado são da L´Oreal, como a La Roche-Posay, além das marcas Roc, Galderma, Stiefel e Eucerin. Para a entrevistada, fatores como o tempo de mercado e seu conhecimento sobre o creme são essenciais para ela indicá-lo a uma paciente. Ela conta que pessoas com dermatite atópica necessitam de produtos que sejam hipoalergênicos, assim o médico precisa saber, exatamente, seus efeitos colaterais. Kátia, ainda, afirma que já existem diversos cremes para esse grupo especial de pessoas: antienvelhecimento, protetor solar, entre outros. A dermatologista reflete que as tecnologias novas são uma realidade. Ela comenta que passa a utilizar novos produtos quando “são melhores do que os que existem e quando podem atingir um novo mercado”. A médica também explica que é importante conhecer as substâncias e saber se são melhores do que aquelas que ela já conhece. h. Industrializado x Manipulado A dermatologista afirma que existem boas farmácias de manipulação. Ela comenta que não tem nenhum reparo a fazer às farmácia de manipulação que são mais próximas, que ela mantém mais contato. Kátia esclarece que as boas farmácias têm controle de qualidade e enfatiza a importância de esse controle de qualidade “ser mantido”, ou seja, a empresa deve verificar constantemente o padrão de qualidade de seus produtos. A entrevistada lembra de empresas que tinham controle de qualidade no começo, mas falharam após um período: “você vê manchas em roupa e pensa que sempre comprou ali, aquela roupa era tão boa (...)”. i. As Marcas: o que pensa das marcas apresentadas – Avon (Renew), Vichy, La Roche-Posay, Natura (Chronos), Lancôme e Innèov Lancôme: Kátia acredita que é uma boa marca e sabe que muitas mulheres usam, seus produtos. Contudo, não os receita, ela afirma que tem um viés para leigos. Além disso, a dermatologista comenta que não conhece as concentrações das substâncias presentes nas fórmulas. Natura: Para a entrevistada é a mesma situação da Lancôme, ela pode fazer uso pessoal, mas não receita, por não conhecer a fórmula do creme. 186 Vichy: A médica conta que essa marca entrou no receituário dos médicos, pois participa de congressos internacionais e passou a fazer uma abordagem direta com os dermatologistas. Ela refere que os últimos cremes lançados possuem dados suficientes para serem receitados. Innéov: A entrevistada afirma que conhece essa marca desde seu lançamento, pois frequenta, anualmente, congressos internacionais. Ela explica que há produtos antienvelhecimento, para queda de cabelo e para queda de unha, mas ela não sabe se funcionam, já que não tem experiência com eles. A médica afirma que a propaganda é boa e são substancias muito concentradas nas pílulas, “como se fossem de nanotecnologia”. Dermage: Kátia observa que a Dermage é muito próxima do dermatologista, desde seu início. Ela relata que viu “a primeira vez que botaram um creminho na praça e foram crescendo”. Ela considera que as duas profissionais que criaram a farmácia são muito íntegras como profissionais e muito interessadas também. “Elas vão a congressos, elas aprendem, elas estudam, todas as duas. Depois, separaram-se, mas as duas têm o mesmo perfil, o mesmo profissionalismo”. Avon (Renew): A dermatologista refere que as substâncias presentes no Renew são as mesmas utilizadas pelos médicos. No entanto, não há informações sobre as concentrações da fórmula. Logo, a entrevistada afirma que tem não nada a dizer sobre o produto. Ela ainda comenta que as pessoas leigas o consideram um excelente creme. La Roche-Posay: Kátia conta que é uma das marcas que mais usa com suas pacientes. Ela gosta dos cremes, indica xampus para pacientes com psoríase e creme hidratante para aquelas que têm dermatite atópica, “O pessoal gosta muito do Revenine que melhora, realmente, a textura da pele”. A dermatologista considera que essa marca e a Vichy são laboratórios que respondem à expectativa, eles têm tradição e nome internacional. Ela pondera que é importante conhecer a história. j. O não consumo de produtos anti-idade. Kátia afirma que existem pacientes que não gostam de usar creme, não querem se cuidar e não têm paciência. Ela explica que, mesmo avisando à suas pacientes com pele seca que a hidratação na pele ajuda a ter uma aparência mais jovem, essas mulheres continuam sem se tratar. Contudo, a entrevistada comenta que todas as pessoas que “acabam se disciplinando” ficam mais satisfeitas. Ela relata o caso de uma senhora de mais de 60 anos, que era muito simples e não tinha condições de comprar um creme. A dermatologista conta que observava a pele dessa mulher, que era mais jovem que a média de sua idade; foi quando ela descobriu que a senhora passava óleo de cozinha, todo dia, na pele. Ela explica que o óleo não é bom, mas é melhor do que nada. Olga Olga tem 32 anos, é casada e estudou medicina na Centro Universitário Serra dos Órgãos (faculdade de medicina de Teresópolis). Fez a pós-graduação em dermatologia no hospital Mario Kroeff e 187 dermatologia infantil no hospital Municipal Menino Jesus, posteriormente estudou medicina estética. Trabalha em dois centros de estética nos bairros Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, ambos na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. a. A decisão de trabalhar com dermatologia (cosmiatria) e o público com quem trabalha. Olga iniciou seu trabalho com dermatologia há quatro anos e cosmiatria há dois anos. Escolheu essa especialidade ao trabalhar em um posto de saúde durante a faculdade: “fiquei apaixonada por dermatologia clínica”. Tudo em tratamento de doenças a atrai, enquanto considera estética um campo mais “complicado”, já que o “culto” excessivo à beleza é empecilho para atingir o objetivo esperado pela paciente. Ela relata que resolveu fazer estética ao longo da pós-graduação. Além disso, a entrevistada afirma que hoje não há como ser dermatologista e não atender estética. Ela afirma que, se atuasse apenas na área clínica (doenças) estaria “ferrada”, pois não conseguiria retorno financeiro significativo. A entrevistada trabalha tanto em lugares onde a principal demanda é o tratamento de doenças quanto em clínicas de estética. Olga conta que, no primeiro local, “90% do atendimento é de dermatologia clínica”, dirigido a uma clientela da classe média baixa. Ela também lembra que essa classe social tem interesse em se cuidar esteticamente, mas possui “menos oportunidade” financeira, sendo que, “o máximo que podem pagar é um clareamento ou um rejuvenescimento leve”. No segundo local, , seu público é formado por uma camada social mais elevada. Na clínica da Barra da Tijuca realiza tratamentos para emagrecimento e para gordura localizada e na clínica do Recreio dos Bandeirantes trabalha com procedimentos para rejuvenescimento. Olga reconhece a mesma atitude nos pacientes desses dois locais: estão sempre em busca do rejuvenescimento e da beleza. Para ela, a vantagem em trabalhar em clínicas de estética, é o acesso a aparelhos de última geração que são muito caros para ter-se em um consultório. Olga comenta que “todo mundo quer fazer dermatologia por causa da estética” e que a maioria dos dermatologistas recém-formados não atende pacientes com o objetivo de tratar por enfermidade. Além disso, médicos de especialidades que não são ligadas a estética procuram aprender medicina estética. Conta, ainda, que apenas 4% dos alunos de sua turma do curso de medicina estética eram dermatologistas ou cirurgiões plásticos. De acordo com a entrevistada este é um mercado que cresce continuamente, tanto pela demanda dos pacientes quanto pela oferta de médicos e “fica esse ciclo vicioso”. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Em princípio, a dermatologista teve grande dificuldade em definir beleza e diversas vezes comentou “agora você me pegou, eu não sei te falar”. A seguir, Olga falou sobre beleza a partir de sua visão como dermatologista: “beleza física..... a primeira coisa que eu olho é a pele, não tem jeito isso, já é automático”. De acordo com a entrevistada, um médico de outra especialidade terá, provavelmente, outro olhar sobre a beleza. Para ela, dermatologista, “beleza é uma pele tratada”, “ um cabelo bem 188 tratado” e “estar sempre de bem com a vida”. Considera, ainda, que uma pessoa “alto astral, fica com um ar mais jovial”, o que é importante em uma sociedade onde o “bonito é ser novo”. c. Como os dermatologistas percebem o valor da beleza na sociedade carioca. Olga percebe excesso de zelo com a beleza quando suas pacientes deixam de “comprar uma roupa” ou “sair para jantar” para fazer o tratamento estético. A dermatologista pontua diversos motivos para esse comportamento: “as vezes, é por causa do marido, por causa das amiga ou porque não está bem consigo mesma”. No entanto, imagina que o motivo mais forte seja enxergar, em uma foto antiga, o quanto mudou, envelheceu, a comparação consigo mesmo. Lembra, então, que nunca escutou uma mulher assumir que sua pele envelhecida é algo natural. A entrevistada relata que suas paciente preferem tratar uma ruga a tratar de uma doença simples de pele, como “um pano branco”. Entretanto, se há uma doença mais grave a pessoa “fica mais focada no problema”. A beleza também prevalece em relação ao valor que a paciente está disposta a pagar por um produto. Por exemplo, ao prescrever “um esmalte para tratar uma micose, que custa oitenta reais, a paciente vai reclamar, mas se você passar um creme de oitenta reais para o rosto, ela vai comprar feliz da vida”. A dermatologista também comenta que a mídia é grande influenciadora do comportamento dos pacientes. Se sair uma determinada matéria sobre um tratamento estético no “Fantástico” será motivo de conversas para a semana inteira. Isso ocorre tanto com novos tratamentos quanto com algum escândalo que envolva um elemento da indústria de beleza, como um laboratório. Segundo Olga, as três áreas que as mulheres mais reclamam no corpo são os glúteos, o abdômen e os seios. A médica comenta que cerca de 80% do tratamento com aplicação de gás carbônico, a denominada carboxiterapia, são realizados no abdômen e nos glúteos, considerado uma “preferência nacional”. Já, quanto à a valorização dos seios grandes, ela acredita que é um sinal de mudança na cultura da sociedade: “antigamente, pelo contrário, as pessoas faziam redução de mama”. No rosto, o “sonho” de suas paciente é não ter espinhas, manchas, ou rugas. Olga explica que “a acne na mulher adulta pode ser tratada com rapidez"; a ruga, depende do “grau” em que se encontra e o melasma, “é o tratamento mais demorado”, já que depende da paciente se proteger do sol, “o que é mais difícil”. d. A relação entre médico e paciente. Olga relata a importância de informar o tratamento e seus possíveis resultados, claramente, para não “criar uma expectativa muito grande” na paciente. Ela conta que “a maioria de suas pacientes são tranqüilas e entendem”, cerca de 80% fica satisfeita com o resultado. Contudo, “às vezes, o paciente é bem envelhecido e acha que vai sair daqui com o rosto lindo e maravilhoso”. A dermatologista comenta, ainda, que sempre precisa “arrumar uma solução para a cliente, tem que melhorar alguma coisa” ou ela ficará insatisfeita, “aí é briga, é confusão” e “ela sai reclamando”. A entrevistada relata que suas pacientes costumam trazer fotos antigas para comparar com sua aparência atual. Algumas das fotos são para mostrar como o volume dos cabelos diminuiu “Olha 189 aqui, quando eu tinha 40 anos. Olha agora, com 60, quase não tenho cabelo.” Então, Olga explica para elas que não há como voltar à aparência de 10 anos atrás, e que, em mais 10 anos, sua aparência estará diferente de como é hoje, “a pele muda”, “o cabelo é diferente”. Em outra situação do cotidiano, ela conta que suas pacientes acreditam que o “Dr. Google vai fazer mais do que você”, e essas mulheres chegam exigindo um determinado tratamento, no início da consulta. A entrevistada afirma que, na maioria das vezes, após a explicação, essas pacientes aceitam e seguem o tratamento recomendado. No entanto, se houver insistência, ou a médica faz o tratamento, deixando claro que não é o ideal, ou a paciente procura outro dermatologista. Para se manter atualizada com as novidades, a dermatologista costuma ir a congressos internacionais. Ela relata que “todo mundo só quer coisa nova” e a médica deve estar informada. Comenta que, se uma paciente chegar na clínica e não tiver o aparelho mais recente, ela irá procurar outra clínica de estética. e. O processo de envelhecimento. Olga define o envelhecimento como uma conseqüência da vida. Segundo a dermatologista, “quanto mais a gente envelhece menos colágeno a gente tem” e “as pessoas têm que se acostumar com isso”. Ela afirma, por sua experiência profissional, que as mulheres têm uma grande dificuldade em aceitar esse processo, “você não quer chegar aos 50 anos com cara de 50” e conta que, apesar de existirem maneiras de “retardar esse envelhecimento” com recursos da dermatologia, o envelhecimento é inevitável. Em sua percepção “tudo é voltado para estética”, ao contrário de “antigamente”, quando “não havia culto à beleza do corpo, como existe em nossa geração”. Contudo, lembra que, há alguns anos atrás, “todo mundo passava na pele óleo, urucum, coca-cola e folha de figo, para ficar bronzeado”. Nesse sentido, de prevenção, a entrevistada afirma que essa nova geração possui mais informação que as anteriores. Por isso, já começa a utilizar o filtro solar desde jovem, evitando “o efeito acumulativo do sol”. Além disso, Olga ressalta como “trabalho da Sociedade Brasileira de Dermatologia a ênfase no uso do protetor solar para prevenir câncer de pele”, o que tem ajudado a conscientizar as pessoas. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. Mulher de 30 anos: Olga relata que 30 anos é um “marco na vida de uma mulher”. É a idade que ela começa a se “assustar” com o processo do envelhecimento. Ela explica que essas pacientes “não buscam rejuvenescimento de pele”, mas melhorar algo no rosto que as deixem mais bonitas. A dermatologista acha que são mulheres bem resolvidas com “uma pele muito boa para a idade”. Mulher de 50 anos: Para a entrevistada, essa paciente “é mais complicada”, pois apresenta “um monte de queixas” e quer utilizar todos os tratamentos possíveis para rejuvenescer, tais como “botox, preenchimento, além de outros”. Suas reclamações estão relacionadas, principalmente, à pele e ao cabelo. A paciente diz que “não tem tanto pelo ”, “o cabelo não está bom”, a “sobrancelha era mais grossa”, “apareceram novas rugas”, “os olhos não estão bons” e “a papada está caindo”. g. Os cremes anti-idade: o que os dermatologistas pensam sobre sua funcionalidade. 190 Olga considera que os cremes anti-idade são bons, e estão cada vez “mais eficazes, por causa do avanço tecnológico”. A dermatologista acredita que funcionam bem para o tratamento do “fotoenvelhecimento da pele”, de “rugas finas” e para “melhorar a textura da pele”. Na maioria das vezes, Olga assume que esses cosméticos cumprem aquilo que prometem na propaganda. Todavia, conversa com a paciente que uma “ruga muito profunda só vai melhorar com a intervenção da cirurgia plástica”. Nesse caso, ela afirma que “nem o próprio laboratório vai prometer que sua pele ficará sem rugas”. A dermatologista conta que os “laboratórios grandes” fazem “estudos científicos” com uma boa “revisão bibliográfica” e apresentam “artigos que realmente mostram a eficácia do tratamento”. Ela pontua que são “muito corretos e não fazem propaganda enganosa”. A entrevistada fala do exemplo da Galderma que “garante a redução de 79% das manchas em dois meses com o creme Tri-Luma”, e diz que, “possivelmente, esse laboratório devolve o dinheiro se a paciente não atingir o resultado”. Além de ler artigos científicos, a entrevistada costuma “testar a textura do creme” nela mesma. Isso, porque ela prefere sentir e saber melhor sobre determinado creme, antes de indicá-lo para suas pacientes. Segundo a entrevistada, os laboratórios têm mais interesse em investir no avanço dos cosméticos que na área da “clínica médica”. Ela reflete que “o laboratório, não pensa na integridade física do paciente, ele está pensando na parte financeira”. Enquanto há sempre novidades envolvendo cremes anti-idade, não há muitas pesquisas em tratamentos para a “psoríase, que é uma doença autoimune”, por exemplo. No entanto, admite que é muito importante lançar novos produtos, “é sempre bom”. Ainda declara que, nesse mercado, a novidade é uma necessidade, “o melhor aparelho de estética é um hoje, e amanhã, vai ser um outro”. Sendo assim, Olga prefere indicar os laboratórios que investem muito na dermatologia e apresentam, constantemente, trabalhos científicos. Considera que a Vichy, a La Roche-Posay, a Theraskin e a Galderma merecem sua confiança. h. Industrializado X Manipulado: qual preferem e quais são seus prós e contras. Para Olga, existem dois tipos de farmácias de manipulação: as “farmácias grandes” e as “farmácias de manipulação de fundo de quintal”. Ela confia no primeiro grupo, pois o resultado é bom, sempre apresentam “revisão bibliográfica” sobre novos produtos e, “uma vez por mês enviam pela internet ou por panfleto impresso, artigos científicos e a opinião de outras pessoas sobre uma fórmula”. Além disso, sempre há um farmacêutico de plantão para tirar dúvidas. Já, o segundo grupo, não passa credibilidade, “não tem farmacêutico de plantão todos os dias da semana” e os pacientes conseguem solicitar, “quatro vezes seguidas, um mesmo ácido” com a mesma receita, que deveria ficar presa na farmácia à primeira solicitação de compra. A dermatologista relata que um produto manipulado “não é muito estável”, o tempo de “duração é mais curto ”, e, “as vezes, precisa ser mantido em geladeira” para não perder suas propriedades. Assim, a médica prefere indicar o cosmético industrializado, que é “mais prático e mais seguro”, por causa da estabilidade. Contudo, solicita a sua paciente para manipular a fórmula em algumas 191 situações específicas: 1. quando o paciente não tem dinheiro para comprar o creme industrializado, que é mais caro. “Por exemplo, um Tri-Luma custa cento e quatro reais, e a mesma fórmula manipulada custa trinta reais”. 2. quando reconhece que “a paciente vai seguir a orientação de deixar na geladeira”. 3. quando o “produto não tem como ser industrializado, pela concentração das substâncias de uma composição”, como a “uréia com óleo de amêndoa”. Olga comenta que, ao decidir entre um creme industrializado ou de manipulação, também considera a opinião do paciente, pois alguns têm preconceito com o laboratório e outros com a farmácia de manipulação, por achar que o médico “ganha um dinheiro por fora”, segundo refere. i. As Marcas: o que pensam das marcas apresentadas – Avon (Renew), Dermage, Innéov, La Roche-Posay, Lancôme, Natura (Chronos) e Vichy. Avon (Renew): Olga diz que não prescreve o produto, por falta de informações da fórmula, “se o paciente tiver reação àquele uso você não sabe nem qual produto foi”. Não acredita, também, que o creme tenha bons resultados, mesmo porque é um cosmético para vários tipos de pele e a entrevistada prefere “fazer um tratamento mais individualizado”: “vou avaliar o tipo de pele, a idade que ela tem, o grau da mancha, o grau do foto-envelhecimento”, relata a médica Dermage: A entrevistada gosta de todos os produtos da marca. Conta que recebe visitas e artigos científicos pela internet sobre os novos produtos. Ela tem acesso às formulas da linha industrializada e também tem contato com a farmacêutica que, muitas vezes a ajuda ao formular um produto manipulado. Innéov: Considera que ainda é uma marca muito questionada, pois “ninguém tem certeza se funciona bem”. Segundo Olga, é como fazer uso de colágeno, “nem todo mundo acha que isso funciona” e por isso há uma discussão grande entre os dermatologistas. A médica relata que os fabricantes não apresentaram trabalhos científicos sobre o produto. La Roche-Posay: A dermatologista afirma que “só tem produto bom”, mas seu custo é alto. Valoriza sua presença em congressos, onde mostram novos artigos científicos e podem tirar dúvidas. Olga define o público que utiliza a marca como “classe média alta”. Lancôme: Olga conta que os produtos dessa marca são muito caros e por isso o público com quem trabalha não tem condições de utilizá-los. No entanto, acredita que os produtos funcionam bem, pois sua mãe e tia os usam e a dermatologista percebe resultado positivo. Assume que o laboratório “não é próximo” aos dermatologistas, mas que um laboratório grande, com um nome forte, com este, faz com que se confie no produto. Natura (Chronos): Para Olga, o Chronos da Natura é “a mesma coisa que o Renew da Avon”. Ela não tem acesso à fórmula e a marca trabalha com um só tipo de creme para todas as mulheres. Ressalta que, se prescrever essa marca, as pacientes da Barra e do Recreio irão falar “nunca mais volto naquela dermatologista!”. Ao contrário, na zona leste ninguém saberá quem é Vichy ou La Roche-Posay, “não têm muito essa cultura”. 192 Vichy: A entrevistada afirma que as melhores marcas de cremes anti-idade são Vichy e La RochePosay. Gosta da marca por lançar produtos novos e por estar presente nos congressos. j. O não consumo de cosmético anti-idade. Olga não se lembra de um paciente que tenha preferido não utilizar cosméticos anti-idade. Descreve seus pacientes que não têm queixas relacionadas a estética como “homem mais velho” ou “mulher com setenta anos” que são bem resolvidos com a própria idade. Nádia Nádia tem 32 anos, é casada, graduou-se pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) em 2002. Pós-graduação em Dermatologia no Instituto Prof. Dr. Rubem David Azulay, Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, obtendo o título de especialista em 2005. Trabalha em Dermatologia desde 2003, quando entrou na pós-graduação, e em Cosmiatria a partir de 2004 em consultório localizado no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Atua como docente no Instituto Azulay. a. A decisão de trabalhar em Dermatologia (Cosmiatria) e o público com quem trabalha. No princípio, Nádia pensou em trabalhar em Terapia Intensiva ou Cirurgia Geral, com especialização em Cirurgia Plástica, pois gostava de realizar “procedimentos”, “pequenas cirurgias”. Segundo a entrevistada, essas especialidades exigem que o médico trabalhe em regime de plantão, o que é mais “pesado”. Logo, na época em que estava escolhendo sua especialização seu marido, que cursava Residência Médica em Cirurgia Geral sugeriu que Nádia trabalhasse numa especialidade que a permitisse ficar mais tempo em casa, pois teriam “dificuldades com as (futuras) crianças” se os dois dessem plantão, idéia que ela não aceitava muito bem no início. No entanto, inscreveu-se à seleção para a Pós-Graduação em Dermatologia, que era uma opção dentre as especialidades que não precisaria “dar tanto plantão”, e foi aceita. Assim, resolveu cursar essa especialidade “só para ver como era” e “apaixonou-se” por Dermatologia, “tanto a parte de doença quanto a parte de beleza”. Ela comenta que, mesmo não trabalhando em regime de plantão, sua rotina é longa, de 8 às 21h. Apesar do horário de trabalho ser mais intenso do que esperava, ela consegue estar com seus filhos todas as noites. A entrevistada afirma que prefere trabalhar em Cosmiatria, sub-área da Dermatologia em que se especializou, do que com a área da clínica. Ela avalia que é cansativo conversar sobre problemas referentes a doenças durante todo o dia, pois isso desgasta muito. O mesmo não ocorre quando as pacientes a procuram por questões de estética, pois não há uma grande preocupação de saúde, como há com os pacientes com doenças. Ela considera sua especialização “a parte boa da medicina” e comenta que algumas pacientes tornaram-se “grandes amigas”. A dermatologista também menciona que gosta de perceber que fez um bom trabalho e, algumas vezes, fica mais feliz do que o próprio paciente, com o resultado final. Ela gosta de constatar que a paciente está mais “feliz, mais bonita”. 193 Em seu consultório particular, em Botafogo, 80% dos pacientes a procuram por questões de estética e 20% vão ao consultório apresentando alguma doença. Ela acredita que esta proporção se deva à especialização em Cosmiatria. A médica percebe um comportamento diferente entre homens e mulheres quando o assunto é estética. As mulheres, a grande maioria, dizem abertamente que precisam tratar de algo estético, como uma ruga. Já os homens, em geral, primeiro mencionam que estão envelhecendo e, só após se sentirem seguros revelam que querem um tratamento estético. Entretanto, ela lembra que os homens metrossexuais são diretos no assunto e mais vaidosos do que as mulheres. b. Conceito de beleza: como define a beleza e descreve uma mulher bonita. Nádia reflete que existem diferentes padrões de beleza ditados “pelo mercado, com a moda e com o comércio” em “qualquer lugar do mundo”. Contudo, ela afirma que não adianta estar dentro dos padrões estipulados e não gostar de sua imagem. A dermatologista explica que, para transparecer a beleza, é importante gostar de sua imagem no espelho, “uma mulher bonita é feliz com o que ela vê”. Ao descrever a mulher bonita, a entrevistada utiliza conceito que vem de sua experiência com as mulheres que atende em seu consultório. Ela conta que há pacientes fora do padrão considerado para a época, mas que se sentem bem e bonitas, enquanto outras não conseguem se olhar no espelho, o que considera muito ruim. Ela comenta que, proporcionar beleza às pacientes que têm pele saudável, ajuda a aumentar sua auto-estima. Em seu trabalho ela “tenta, harmonizar o corpo e o rosto da pessoa e busca a proporcionalidade do corpo” c. Como os dermatologistas percebem o valor da beleza na sociedade carioca. Nádia lembra que são poucas as pacientes “que percebem sua imagem destorcida”. Ela conta que essas mulheres “tem uma auto-estima muito baixa” e independente do que se faça, sempre irão querer mais. A dermatologista comenta que, em geral, suas pacientes ficam satisfeitas quando percebem alguma melhora, “são coisas discretas, é bem saudável no meu ponto de vista". No decorrer do tratamento, “elas percebem que estão mais rejuvenescidas, menos cansadas, com a pele mais clara, mais bonita. Elas conseguem reconhecer isso, e, então, ficam mais felizes”. A entrevistada ainda relata como é importante que as mulheres “tenham um tempo para elas mesmas”, ir ao consultório do dermatologia, à ginástica, à nutricionista ou ao cabeleireiro. Segundo Nádia, “elas sentem que estão se cuidando” e sentem-se bem por isso. Dentre as mulheres, Nádia percebe que há maior satisfação com o tratamento quando uma amiga ou conhecida observa que estão diferentes, mais bonitas. A dermatologista nota um comportamento interessante entre os homens metrossexuais que frequentam seu consultório. Ela conta que alguns deles são extremamente vaidosos. Ela revela que eles querem “os tratamentos mais novos e de última tecnologia que leram na revista ou viram na novela”. A entrevistada afirma que as mulheres também chegam às consultas com informações sobre 194 algo que leram na mídia e descrevem o tratamento “de forma leiga”. Ela desabafa que os meios de comunicação são “maçantes” quando o assunto é dermatologia estética. Em seu consultório, suas pacientes costumam “reclamar do bumbum e da barriga”. A entrevistada afirma que essas queixas têm relação com a gordura localizada, ou seja, celulite e flacidez que tendem a aparecer mais no abdome e no quadril. Em relação ao rosto, a reclamação mais comum, nos consultórios de dermatologia, é a acne. Contudo, o público-alvo, que trabalha, vai à dermatologista para “embelezar a pele”. Assim, as reclamações recorrentes, em seu consultório são as rugas e a flacidez causadas pelo “foto envelhecimento”. As pacientes relatam “que estão com a pele ressecada, manchada e com rugas” e, de acordo com Nádia, “existem rugas de várias formas, flacidez de papada, manchas pelo corpo e manchas, também na face, que pioram com o ciclo hormonal”. d. A relação entre médico e paciente. Nádia relata que, às vezes, fica mais feliz do que suas pacientes, com os resultados, “eu fico eufórica”, segundo suas palavras. Ela declara que faz uma “crítica (técnica) muito forte” ao seu trabalho e assume que é prazeroso atingir o objetivo que propôs para a paciente. Posteriormente, o reconhecimento mais importante é o da própria paciente. A dermatologista não consegue finalizar um tratamento “enquanto o paciente não está satisfeito”, isso, quando é se trata de um paciente que não tem a visão de si mesmo distorcida. A entrevistada alega que, além da “satisfação pessoal”, um trabalho bem feito favorece “a parte comercial”. Segundo Nádia “um paciente satisfeito traz vários outros pacientes, um paciente insatisfeito não traz ninguém”. Assim, afirma que a procura por sua consulta deve-se, primeiro lugar, à busca espontânea pelo “boca-a-boca” e, em segundo lugar, por alguma divulgação da mídia sobre novos tratamentos. Ela comenta que, após explicar como é realizado aquele procedimento, conversa com o paciente se há indicação para ele ou não. e. O processo de envelhecimento. Nádia pondera que o envelhecimento é parte da vida e todos envelhecem. Ela reflete que “a marca do envelhecimento”, em termos de estética é a perda da atração que o indivíduo “pode proporcionar”, “tanto para os outros, como para si mesmo”. Ela acredita que perder a “satisfação de se ver” implica em baixar a auto-estima, o que pode ser contornado quando a pessoa “cuida de si mesma com gestos simples no dia-a-dia até ser submetido a uma cirurgia”. “Se a tecnologia existe para deixar alguém bem, em qualquer momento esteticamente bonita, tanto para os outros, como para você mesma, não tem porque não utilizá-la!”. Nádia considera que seus pacientes não devem ter vergonha de envelhecer e devem ter, sim, prazer. No entanto, ela deixa claro que o não envelhecimento não pode tornar-se uma “obsessão”, isso ela considera ruim. f. Mulher de 30, mulher de 50: como são suas pacientes em cada estágio da vida. 195 Mulheres de 30 anos: A maioria das pacientes de Nádia fazem parte desse grupo. Ela comenta que “são mulheres esclarecidas e a grande maioria, independente”. Essas mulheres “possuem sucesso profissional e procuram se sentir melhor, cuidar um pouco mais delas mesmas”. A entrevistada lembra que estas pacientes despendem muito tempo para serem “mulheres bem sucedidas e querem um pouquinho do tempo para cuidar delas também”. “Então, quando elas percebes isso ela querem equilibrar os dois lados”. Nádia conta que, em geral, são pessoas que se preocupam com sua alimentação e com sua saúde. Mulheres de 50 anos: Nádia afirma que essas pacientes gostariam de ter tido “as oportunidades que as mulheres de 30 anos têm hoje”, como: informações sobre como “cuidar da pele, o que evitar, como se alimentar”. Ela esclarece que essas mulheres também “tinham menos independência financeira e menos autonomia”. Assim, elas buscam o que já perderam, “educação e instrução, tanto sobre a doença como quanto sobre a beleza, como o uso do filtro solar para retardar o envelhecimento”. g. Os cremes anti-idade: o que pensam sobre sua funcionalidade. Segundo Nádia, existem os remédios, os cosmético e os dermocosméticos anti-idade que são uma mistura dos remédios com os cosméticos. Entretanto, a dermatologista revela que, quando se fala na “grande revolução” da estética, os remédios são os protagonistas. Apenas os remédios conseguem regenerar a pele, enquanto os dermocosméticos “funcionam como mantenedores daquilo foi transformado pelo remédio”. Assim, ela lembra que a prescrição é a combinação dos dois. A médica explica que, quando atinge seu objetivo quanto ao tratamento, e uma pele bem saudável, passa a mantê-la hidratada e sem manchas com os dermocosméticos e cosméticos. Para ela, os dermocosméticos anti-idade são capazes de resolver apenas rugas leves, ressecamento e a uniformidade da pele. Já os remédios conseguem, “depois de muito tempo”, uma pele fique mais firme. Desse modo, a dermatologista considera que os cremes anti-idade “prometem muito e cumprem muito pouco” do que propõe. A entrevistada declara que sua experiência no consultório com seus pacientes é fundamental para conhecer e confiar em uma marca de tratamento anti-idade. Além disso, é necessária a apresentação de trabalhos científicos que Nádia possa ler e criticar, o que é importante para passar a prescrever um creme novo. Assim, ela comenta que uma marca séria, cujos representantes que lhe apresentem estudos sobre o cosmético, é “um bom começo”. Existem algumas marcas que ela prefere utilizar, como a Melora e a Avène. h. Industrializado X Manipulado: qual preferem e quais são seus prós e contras. Há duas razões principais para a dermatologista manipular um produto. Primeiro, se não há um determinado creme pronto no mercado e, segundo, se o paciente não tem condições financeiras para pagar pelo industrializado, o que é comum no hospital público que trabalha. Para ela, a cosmética do creme, o cheiro, o prazo de validade e a apresentação da embalagem são “algumas coisas fazem 196 pensar em comprar o produto pronto”. A facilidade da compra e a manutenção fora da geladeira também são fatores que favorecem o consumo do cosmético industrializado. Os motivos expostos pelas pacientes para justificar a preferência pelos produtos industrializados são: “ter que esperar o remédio ficar pronto” e a “dúvida em relação a qualidade do produto manipulado”. Nádia acredita que, na indústria, a fiscalização seja mais forte, enquanto, dentre as farmácias de manipulação existem as que “apresentam para você essa fiscalização, essa garantia do produto” e outras que não. Assim, pacientes que já utilizaram os serviços das farmácias de manipulação e tiveram algum problema, não confiam na qualidade do que é manipulado. i. As Marcas: o que pensam das marcas apresentadas – Avon (Renew), Dermage, Innéov, La Roche-Posay, Lancôme, Natura (Chronos) e Vichy. Avon (Renew): Nádia afirma que é cosmético e, portanto, não cumpre o que anuncia. Por isso, nunca prescreve este pruto e não incentiva seus pacientes a comprarem-no. Ela fala refere que a marca é focada em um público leigo, “que não tem respaldo médico”. Desse modo, ela pede para que as pacientes não usem este creme, mesmo que já o tenham comprado. Contudo, se a pele da mulher está ótima ela permite usá-lo, pois “mal não vai fazer”. A médica relata que suas pacientes reagem com “um pouco de surpresa”, porque achavam que o produto era bom. Dermage: Ela confia muito na Dermage e enfatiza que “trabalha diretamente com o médico”. De acordo com a entrevistada, se há “algum problema na prescrição, eles dão respaldo”. Eles também visitam os dermatologistas, apresentando estudos realizados sobre seus produtos, e, estão sempre atualizados. Innéov: Nádia explica que o Innéov é um complemento nutricional, um “antioxidante”. “Então, se você já tem uma boa alimentação, regrada e equilibrada você não precisa fazer uso deste complexo, é como se fosse um reforço nutricional”. Entretanto, ela prescreve o produto, quando sua paciente “tem um dia-a-dia complicado” e precisa complementar a alimentação. Mesmo assim, considera “o impacto muito baixo”. La Roche-Posay: A dermatologista lembra que “nos últimos tempos” essa marca têm feito “muita divulgação direta para o público” e reclama que isso atrapalha a prescrição médica. Ela afirma que 80% das causas da acne na mulher adulta é pelo uso errado do creme desta marca. A médica declara que, para proporcionar algumas mudanças, prescreve os dermocosméticos, e, para isso é importante que o paciente seja “avaliado por um médico que conheça sua pele”. Assim, ela comenta que, apesar das vendas serem boas, as indicações por pessoas leigas são erradas, o que é ruim para a marca, porque, ao final, haverá um cliente insatisfeito. Desse modo, Nádia declara que não percebe muita credibilidade na marca, por sua estratégia de marketing. Lancôme: A dermatologista diz que a marca é “fantástica”, quando o produto é usado como cosmético puro: para maquiagem, filtro solar e hidratante. Já o creme “anti-idade é fraco”, “não tem como um hidratante ter um efeito anti-idade, retardar o envelhecimento”. Ela revela que as pacientes 197 que compram produtos Lancôme e as que compram produtos Avon têm a mesma falta de instrução, com níveis sociais são diferentes. Segundo Nádia, é trata-se de uma compra espontânea, em que “a cliente entra na loja de cosméticos e escolhe o que vai comprar, orientada por uma vendedora”. Natura: A entrevistada reforça que a Natura é como a Avon, mas com focos diferentes. Ela afirma que as duas marcas são concorrentes, “então tem o mesmo preço e atingem a mesma camada social”. Vichy: A dermatologista narra que a Vichy percorreu o caminho inverso da marca La Roche-Posay. Primeiramente, a marca trabalhava com “venda direta para o público em geral” e, agora, “está fazendo visitação médica”. Ela conta que passou a prescrever produtos Vichy após ter sido visitada por um representante. Nádia costuma prescrever produtos Vichy, assim como os cosméticos da La Roche-Posay, pois acredita na qualidade dos dermocosméticos da L’Oréal. No entanto, ela não acredita na funcionalidade do creme anti-idade e afirma que os estudos científicos “demonstram uma melhora subjetiva e, quando é objetiva não é invasiva”. Além disso “não há muitos estudos histopatológicos”. Assim, são cremes que “melhoram alguma coisa”, mas sua proposta não é cumprida e há “exagero no marketing”. j. O não consumo de cosmético anti-idade. Nádia comenta que atende poucas pacientes que preferem não utilizar produtos anti-idade. De todo modo, ela percebe que essas mulheres, em sua maioria, são adeptas do “envelhecimento natural” e acreditam que não se deve “intervir na forma como o seu corpo deve envelhecer”. A dermatologista narra que elas “fazem isso por uma opção e consideram que suas rugas são marcas de alguma coisa que passaram na vida” e estão “satisfeitas com sua imagem”.