Lipossomas e as suas aplicações na actualidade

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Universidade de Évora – Departamento de Química
Célia Antunes
Lipossomas e as suas aplicações na actualidade
Os lipossomas foram descobertos em 1960 pelo cientista inglês Alec Bangham. No entanto,
somente 20 anos mais tarde as pesquisas em torno dessa estrutura foram intensificadas,
alcançando, na actualidade, presença constante na indústria cosmética e farmacêutica.
Hoje em dia é vulgar falar-se de lipossomas em especial no que respeita à sua utilização em
produtos de cosmética, particularmente, na composição de cremes hidratantes ou pomadas
de aplicação cutânea.
Na área da cosmética, os lipossomas têm vindo a ser utilizados, tanto para aumentar a
incorporação de substâncias activas nas células, como enquanto veículo de libertação
controlada de princípios activos. Aqueles têm sido empregados na prevenção da queda de
cabelos, promoção do crescimento capilar, desaceleração do processo de envelhecimento
da pele, clareamento da pigmentação cutânea e prevenção e tratamento da lipodistrofia
ginóide (vulgarmente conhecida por celulite).
São-lhes igualmente atribuídas elevadas capacidades de hidratação e de nutrição da pele,
para além de poderem servir de veículos a outras substâncias, nomeadamente, vitaminas e
fármacos de acção tópica como anti-inflamatórios e antifúngicos.
Para além da sua aplicação mais generalizada em produtos cosméticos, nas últimas 3
décadas, tem sido investigada a possibilidade de utilizar os lipossomas fármacos com
elevado grau de toxicidade, como é o caso dos fármacos utilizados em oncologia e de
alguns antibióticos. Neste caso, os lipossomas apresentam a grande vantagem de
permitirem veicular o princípio activo ao local a tratar e promover a libertação controlada e
localizada do fármaco, tornando possível administrar doses superiores de medicamento e
evitando os efeitos secundários observados nas terapêuticas convencionais.
Então qual será o segredo destes agentes?
Os lipossomas são uma espécie de “bolinhas” microscópicas de
gordura que, graças à porção hidrofílica dos seus constituintes,
retêm água na sua estrutura podendo encapsular substâncias de
naturezas diversas (Figura 1). São partículas esféricas de lipídos
com tamanhos que de algumas dezenas de nanómetros (1
milhão de vezes menor que 1 milímetro) a alguns micrómetros
Figura 1: Estrutura de
(1000 menor que 1 milímetro), apenas visíveis em microscópios
lipossomas unilamelar.
de alta resolução.
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Os lipossomas são constituídos por compostos anfifílicos. Os compostos anfifílicos
caracterizam-se por possuir em sua estrutura uma região polar (iónica ou não) capaz de
interagir com a água e uma região apolar que tende a proteger-se do contacto com a água.
Esta última pode ser constituída por uma ou duas cadeias carbonadas com mais de 8
átomos de carbono (Figura 2).
Várias moléculas com características
anfifílicas, contendo duas cadeias
carbonadas,
incluindo
desde
fosfolipídios naturais até compostos
totalmente
sintéticos,
utilizados
como
podem
ser
elementos
estruturais de lipossomas (Figura 2).
Estes, em meio aquoso organizamse espontaneamente para formar as
referidas “bolinhas” microscópicas,
Figura 2: Estrutura química da Dimiristoilfosfatidilcolina (DMPC),
que podem ser constituídas por uma
anfifílico estrutural de lipossomas.
bicamada apenas (Figura 1) ou mais
bicamadas concêntricas, separadas por fases aquosas, e englobando um compartimento
aquoso interno (Figura 3). O tamanho e a morfologia destes agregados podem ser
controlados durante o processo de preparação.
A grande vantagem da utilização dos lipossomas prende-se com o facto de se
assemelharem à membrana das células. Por isso, estas partículas interagem mais
intimamente e com maior eficiência com as células e
tecidos do organismo.
De facto, devido à sua estrutura em bicamada,
semelhante à estrutura das membranas celulares,
eles são capazes de interagir profundamente com as
células do organismo. Esta propriedade permite
ainda que se possam incorporar nos lipossomas
substâncias
hidro-solúveis
(no
substâncias
lipofílicas
anfifílicas
e
seu
interior)
nas
e
suas
Figura
3:
Estrutura
de
lipossomas
multilamelar.
membranas, onde as substâncias activas ficam retidas para serem transferidas para outras
membranas, como as das células da pele.
Para além disso, os lipossomas são atóxicos, biodegradáveis e podem ser preparados em
grande quantidade. Finalmente, por se tratar de partículas minúsculas, podem ser
administradas por via oral, intravenosa, ocular ou pulmonar, ou dérmica.
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De um modo geral, a encapsulação e a retenção de substâncias activas incorporadas em
lipossomas dependem essencialmente, entre outros factores, da natureza e da
concentração do fosfolípido e da concentração da substância em causa e das condições de
obtenção dos lipossomas. A localização da substância activa na estrutura do lipossoma
depende do seu coeficiente de partição entre as fases aquosa e lipídica, sendo que a
quantidade máxima da substância a ser incorporada é dependente da solubilidade total em
ambas as fases e do tipo de estrutura
do lipossoma (Figura 4).
Por se assemelharem às membranas
das células, são vários os mecanismos
pelos
quais
transferência
pode
ou
constituintes.
membrana
Figura 4:(A): Lipossoma unilamelar contendo substâncias activas
solubilizadas na fase aquosa e na bicamada lipídica; (B) Corte
transversal de lipossoma unilamelar.
troca
Por
transferência
de
do
ocorrer
dos
a
seus
exemplo,
a
fosfolípidos
da
lipossoma
para
a
membrana das células é possível e
tem um efeito especial em aplicações
cosméticas, visto que os lipossomas podem alterar as propriedades da pele (rigidez,
elasticidade) por fornecimento de fosfolipídios requeridos e outros componentes de
membranas da pele.
As principais vantagens do emprego de lipossomas para a administração de agentes
cosméticos de aplicação cutânea são, portanto, a capacidade de poderem transportar
substâncias hidro- e lipossolúveis, bem como o facto quer de apresentarem alta afinidade
pelas membranas biológicas e de serem constituídos por compostos anfifílicos naturais
biocompatíveis e biodegradáveis.
(Figuras retiradas de Chorilli et al., 2004, Infarma 16 (7-8): 75).
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