O ENSINO DA TEORIA DA EVOLUÇÃO NOS MUSEUS DE CIÊNCIA: UM ENCONTRO ENTRE CIÊNCIA E ARTE Viviane Vieira Doutoranda em Educação em Ciências e Saúde NUTES/UFRJ Laboratório de Estudos das Ciências (LEC) [email protected] RESUMO: Este trabalho apresenta algumas reflexões sobre a importância da arte, um aspecto da cultura humana, no ensino da teoria evolutiva. Nesse sentido, foram analisados alguns resultados de pesquisas que mostraram impactos de uma visita ao Museu da Geodivesidade da UFRJ- que objetivou o ensino deste tema, articulado à arte e às características do trabalho científico- nas representações sociais de jovens estudantes de um colégio adventista do Estado do Rio de Janeiro. Foi possível identificar tendências de mudanças nas representações sociais destes estudantes em relação à aceitação da teoria evolutiva. É exatamente neste sentido que a arte no ensino atua como veículo de transformação e um canal para o vislumbre de novas possibilidades e novos horizontes. PALAVRAS- CHAVE: teoria evolutiva; ensino de ciências; representações sociais; criacionismo; evolucionismo; ensino médio. ARTE E TEORIA DA EVOLUÇÃO: UM CAMINHO INTEGRADO NA PROMOÇÃO DO ENSINO A arte é um aspecto da cultura humana que pode ter um valor importante no ensino de ciencias, pois através da experimentação dos sentimentos e das emoções, a arte auxilia no encontro da identidade do sujeito no mundo em que se vive. Durante este processo, o indivíduo não apenas entra em contato com o mundo sensorial, mas simultaneamente desenvolve e educa seus sentimentos através da prática dos símbolos artísticos. A arte pode ter também um valor na transformação social, uma vez que ela permite facilitar a participação no processo de aprendizagem, aumentando a interação entre o sujeito com os conteudos, transformando a sua realidade, por meio de valores, concepções e reflexões sobre sua cultura, o que inclui suas crenças religiosas. De acordo com os PCN – Artes (1997, p.61), “tal aprendizagem (em relação às artes) pode favorecer compreensões Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 mais amplas para que o aluno desenvolva sua sensibilidade, afetividade e seus conceitos e se posicionar criticamente”. Segundo Isaac Roitman (2011), Coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, o objetivo da arte na educação não é formar artistas. A arte é um importante trabalho educativo, pois procura, por meio de tendências individuais, amadurecer a formação do gosto, estimular a inteligência e contribuir para a formação da personalidade do indivíduo. Para ele, “a contemplação e a criatividade nas artes devem transcender o ambiente escolar. Além da expansão dos espaços culturais, é importante que, em cada um deles, haja de forma permanente (...) provido de material visual, ferramentas de interatividade, oficinas de pintura, artesanato, (...).” Por sua vez, a teoria evolutiva apresenta um conjunto de explicações para a diversidade da vida, o que inclui a vida humana. Esta teoria possibilita compreender os avanços da ciência e suas repercussões na sociedade, possibilitando ao estudante compreender a sua realidade, sendo, por isso, parte fundamental na formação cidadã. Esta teoria é fundamental para a compreensão também de fenômenos naturais relacionados às diferentes áreas das ciências biológicas como Genética, Anatomia, Paleontologia, Ecologia, Embriologia, Biologia Molecular e Celular. Além disso, possui um destaque nos documentos oficiais da educação brasileira que reorientam o currículo do ensino médio (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino médio (PCNEM), Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino médio (PCN+) e o Currículo Mínimo do Estado do Rio de Janeiro). Apesar da teoria evolutiva ser um consenso na comunidade científica em geral, algumas pesquisas (Almeida (2012), BouJaoude et al (2011) ,Costa, Melo e Teixeira (2011) e Donnelly, Kazempour & Amirshokoohi (2009)) revelam a associação das interferências das crenças religiosas no ensino da teoria evolutiva às falhas na formação de professores, à falta de estrutura escolar, o que inclui a ausência de laboratórios de ciências e recursos didáticos, e à falta de conhecimento, tanto de estudantes como de professores, da teoria em relação “ao papel do acaso na evolução e de genes nas linhagens de espécies”, “a relação entre a genética e ecologia”, “escalas de tempo”, “evolução”, “adaptação”, “seleção natural” “evolução humana” e “ancestralidade comum”. Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 Considerando alguns aspectos do papel da arte no ensino, a importância da compreensão da teoria evolutiva bem como as dificuldades de seu ensino aqui apontadas, tanto relacionadas aos aspectos cognitivos quanto aos aspectos socioculturais de estudantes, professores e contextos de ensino, uma questão pode ser levantada: como os estudantes poderiam ser motivados, por meio da arte, na aprendizagem dos conteúdos relativos a este tema e, assim, compreender a teoria evolutiva? MUSEUS DE CIÊNCIAS: UM ESPAÇO DE ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA EVOLUTIVA E ARTE Os museus de ciência são importantes espaços tanto de divulgação e ensino do conhecimento científico a um público cada vez mais amplo, como também facilitador de promoção de cidadania1. Nos museus, procura-se comunicar ao visitante como o conhecimento científico é construído, introduzindo-o no trabalho científico e em seus métodos, permitindo-lhe observar, por meio de dispositivos concebidos para este fim, a ciência em ação e, por vezes, até mesmo participar do experimento. Segundo Shall (2002), o conhecimento se constrói, opiniões se formam e a sensibilidade estética é aflorada, num processo aberto de comunicação, que permite a cada pessoa explorar, sentir, pensar e tocar, de modo singular e autônomo. Para o autor, os museus devem ser elaborados como locais prazerosos, lúdicos, onde são valorizadas as emoções em inter-relação com o ambiente, e se possa integrar arte e ciência, conjugando a informação científica com a expressão artística. A arte, como um aspecto da cultura humana, permeia a existência da humanidade, mediando as relações entre seres humanos, a sociedade, os objetos e a natureza. As relações entre a arte e as ciências da vida têm sido objeto de mudanças intermitentes ao longo do tempo e têm operado de forma dinâmica. Diversos são os centros, espaços e/ou Instituições de cultura e ciência que realizam exposições buscando articular conhecimentos científicos e arte. Dentre eles, Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, Museu da Geodiversidade da 1 Nos mais variados países e em diferentes contextos, educação para a cidadania tornou-se uma bandeira muito fácil de ser empunhada, um princípio cuja legitimidade não parece inspirar qualquer dúvida. A não ser a que se refere no próprio significado da expressão “educar para a cidadania” (Machado,N.2002.p.102). Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 UFRJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Exposição de Mendel 3 2 a Venter), 4 Exposição Era T-Rex , Museu de Ciência e Indústria de Oregon , Instituto Smithsoniano nos Estados Unidos5, Museu da Vida, entre outros. Considerando esses museus como espaços essenciais na divulgação e ensino do conhecimento científico, bem como importantes na integração entre arte e ciência envolvendo a educação do publico em geral, este trabalho realiza uma reflexão sobre o papel da integração entre arte e ciência, mais especificamente, os conteúdos relativos à teoria evolutiva, nos museus de ciências. Em recentes pesquisas de nosso grupo de laboratório (VIEIRA & FALCÃO, 2011, 2012a e 2012b), foram investigadas as representações sociais da teoria evolutiva de estudantes do terceiro ano do ensino médio de uma escola adventista do Estado do Rio de Janeiro. A metodologia utilizada foi a análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), proposta por Lefèvre & Lefèvre (2003). Os resultados mostraram que grande parte destes estudantes possuía uma visão criacionista para origem das espécies e recusava as explicações científicas da teoria evolutiva. Alguns fragmentos dos discursos dos estudantes, construídos a partir das respostas deles à questão Você acredita em evolução das espécies?Justifique, exemplificam este enunciado: 2 A exposição apresentou alguns dos acontecimentos históricos da ciência através do DNA, iniciandose em 1865, com os estudos de Mendel. O percurso foi finalizado em 2010, quando Venter e sua equipe tornaram viável uma bactéria a partir de um genoma sintético. Várias atividades interativas, com experimentos, jogos, vídeos e música são realizadas no âmbito da exposição, tornando-a bastante atrativa (http://www.biologiauerj.com.br/noticias/413-exposicao-qde-mendel-a-veterq). 3 A ERA T-REX conta com mais de 20 dinossauros em uma área tematizada de mais de mil metros quadrados, que recria uma floresta com todos seus efeitos visuais e sonoros. O visitante começa sua experiência dentro de uma sala interativa. Lá ele assiste a um filme que mistura educação e diversão e que serve para criar o efeito surpresa. Saindo do cinema, a sensação é de que a pessoa está envolvida na atmosfera jurássica. Esta exposição esteve em cartaz no Rio de Janeiro (http://www.novaamerica.com.br/nova-america/acontece/era-t-rex.htm). 4 O Museu do Oregon de Ciência e Indústria (OMSI) é um dos top ranking hands-on centros de ciência nos Estados Unidos e tem uma reputação internacional para suas exposições inovadoras e programas educacionais. Localizado em Portland, Oregon, OMSI possui cinco salas de exposição e exposições interativas, um OMNIMAX Dome Theatre, um Planetário, e o Blueback USS - o último ativo diesel submarinos de ataque rápido na Marinha. Hoje, o museu atende a mais de um milhão de visitantes e estudantes que participam de programas de educação. (http://pt.shiftplanning.com/ theoregonmuseumofscienceandindustry/). 5 Instituto Smithsoniano (em inglês: Smithsonian Institution) é uma instituição educacional e de pesquisa associada a um complexo de museus, fundada e administrada pelo governo dos Estados Unidos. Com grande parte de seus prédios localizados em Washington, D.C., o instituto compreende 19 museus e sete centros de pesquisa, e tem 142 milhões de itens em suas coleções. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Smi thsonian_Institution) Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 “Eu creio na bíblia, (...) Deus criou (...)todos os seres vivos, (...) os animais, (...) a mulher (...) e o homem separadamente (...). Acredito que a evolução tenha dado início a partir de Adão e Eva e não de um animal. (...) Se isso fosse verdade então porque não existe macaco virando homem? (...) A evolução é só uma teoria criada pela ciência. (...)” (Ideia- central: Criacionista). Tais visões estavam associadas ao projeto escolar norteado por princípios bíblicos cristãos. Nesse sentido, elaboramos uma proposta para o ensino da teoria evolutiva6 para os estudantes do terceiro ano do ensino médio dessa escola. Tal proposta era constituída de um conjunto de atividades de intensa interação com as reflexões e práticas da ciência (observar, descrever, registrar, levantar hipóteses e buscar testá-las ou discuti-las) simultaneamente ao ensino da teoria evolutiva. Dentre essas atividades, foi proporcionada a experiência de vivenciar o próprio campo de produção do conhecimento científico sobre a teoria por meio de uma visita a alguns laboratórios de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ao Museu da Geodiversidade, que trabalhavam com temas próximos àqueles da teoria evolutiva. Este museu era constituído de 7 salas, onde eram observadas, em cada uma, peças de arte que representavam aspectos da Terra primitiva, fenômenos naturais (vulcões, terremotos e tempestades), rochas, cristais e aspectos cronológicos da constituição e transformação da Terra. Além disso, existem exposições de fósseis de dinossauros, de primatas e de fotos de vários meios ambientes exemplares da diversidade humana. É possível identificar que as peças utilizadas nessas exposições conseguem integrar arte e ciência, possibilitando representar estruturas de diferentes espécies de seres vivos, rochas, cristais, fósseis, etc. Nesse museu foram abordados os seguintes aspectos da teoria evolutiva: evidências empíricas da evolução (fósseis e semelhanças anatômicas entre as espécies), fenômenos evolutivos (mutação gênica, migração, seleção natural e deriva gênica) e os aspectos conceituais do tema (parentesco comum, isolamento reprodutivo, acaso e filogenia)-, Resultados de uma investigação (VIEIRA & FALCÃO, 2013) sobre a repercussão da visita ao Museu da Geodiversidade na representação social de estudantes do terceiro ano do ensino médio deste colégio sobre evolução das espécies revelou que eles expressavam tanto referências a dados empíricos da 6 Teoria da evolução ou teoria evolutiva ou evolução ou evolução das espécies ou ainda diversidade das espécies,neste trabalho, são termos intercambiáveis. Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 teoria da evolução como articulações científicas dos fenômenos evolutivos, sugerindo que a visita permitiu tanto a aproximação como a recepção dos estudantes da teoria da evolução. Alguns fragmentos dos discursos desses estudantes, construídos após esta visita ao museu, a partir das respostas deles à questão “Qual a explicação que você daria para a diversidade das espécies existente na Terra?”, exemplificam este enunciado: “(...) Através da evolução das espécies, (...) à genética, (...), meio, adaptação e seleção natural. (...) Na Terra existem vários ambientes e com isto cada ser vivo tem suas características para sobreviver, (...) habitar e se reproduzir (...). Varia a partir do ambiente, evolução (...)” (IdeiaCentral: Evolucionista). A partir da análise desses resultados, considero que o conhecimento científico da teoria evolutiva, quando articulado aos diferentes tipos de arte7 nos museus de ciência e às práticas que caracterizam a atividade científica (observar, descrever, registrar, levantar hipóteses e dúvidas e elaborar explicações plausíveis), pode facilitar tanto a motivação quanto a aprendizagem pelo tema ao ponto de promover tendências de mudanças em certos aspectos das representações sociais dos jovens estudantes. Em outras palavras, quando as explicações científicas deste tema estivessem articuladas com a arte num contexto de alta motivação e sem que as crenças religiosas dos estudantes fossem confrontadas ou provocadas, a adesão ao discurso criacionista teria uma tendência a diminuir. CONSIDERAÇÕES FINAIS Refletindo sobre a importância da arte e dos museus de ciências no ensino de ciências e os resultados de pesquisas no ensino da teoria evolutiva, pode-se considerar que, quando articulada aos conteúdos da teoria evolutiva e às práticas da ciência, bem como quando presente num contexto de alta motivação e sem confrontar crenças religiosas, a arte poderá facilitar o interesse e a aprendizagem da evolução das espécies. As reflexões deste trabalho podem contribuir, portanto, com inovações no ensino de Ciências, por meio de elaboração de estratégias didáticas que visem não apenas melhorar o ensino e a divulgação de conteúdos científicos da teoria evolutiva 7 A arte é tratada neste trabalho como universo artístico em suas diferentes linguagens: arte cênica, cinema, desenho, escultura, pintura, literatura, teatro, dança, música, etc. Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 e de outros temas em Biologia, como também solucionar possíveis conflitos entre ciência e religião que possam surgir em sala de aula. Ressalta-se ainda a importância de discussões sobre a relação entre religião ou crenças religiosas e o ensino de Ciências no contexto escolar público brasileiro, em que, o ensino religioso ganha cada vez mais espaço. Um caso atual é o estado do Rio de Janeiro, onde professores dessa disciplina são remunerados pelo Estado (O Globo, 02/03//2012)8. REFERÊNCIAS ALMEIDA, D.F. Concepções de alunos do ensino médio sobre a origem das espécies Ciência & Educação. v. 18, n. 1, p. 143-154.2012. BOUJAOUDE ET AL. Muslim Egyptian and Lebanese Students’ Conceptions of Biological Evolution. Sci & Educ, v. 20:895–915, 2011. BRASIL. Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte –Brasília, 1997. COSTA, MELO E TEIXEIRA. Reflexões acerca das diferentes visões de alunos do Ensino Médio sobre a origem da diversidade biológica. 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