Filosofia da Educação

Propaganda
Filosofia da Educação – volume 1
1
Filosofia da Educação
Volume 1
IBETEL
Site: www.ibetel.com.br
E-mail: [email protected]
Telefax: (11) 4743.1964 - Fone: (11) 4743.1826
2
Filosofia da Educação – volume 1
(Org.) Prof. Pr. VICENTE LEITE
Filosofia da Educação
Volume 1
3
4
Filosofia da Educação – volume 1
5
Apresentação
Estávamos em um culto de doutrina, numa sexta-feira destas quentes do
verão daqui de São Paulo e a congregação lotada até pelos corredores
externos. Ouvíamos atentamente o ensino doutrinário ministrado pelo Pastor
Vicente Paula Leite, quando do céu me veio uma mensagem profética e o
Espírito me disse “fale com o pastor Vicente no final do culto”. Falei: - Jesus
te chama para uma grande obra de ensino teológico para revolucionar a
apresentação e metodologia empregada no desenvolvimento da Educação
Cristã.
Hoje com imensurável alegria, vejo esta profecia cumprida e o IBETEL
transbordando como uma fonte que aciona apressuradamente com eficácia o
processo da educação teológico-cristã.
A experiência acumulada do IBETEL nessa década de ensino teológico
transforma hoje suas apostilas, produtos de intensas pesquisas e eloqüente
redação, em noites não dormidas, em livros didáticos da literatura cristã com
uma preciosíssima contribuição ao pensamento cristão hodierno e aplicação
didática produtiva. Esta correção didática usando uma metodologia eficaz que
aponta as veredas que leva ao único caminho, a saber, o SENHOR e
Salvador Jesus Cristo, chega as nossas mãos com os aromas do nardo, da
mirra, dos aloés, da qual você pode fazer uso de irrefutável valor pedagógicoprático para a revolução proposta na gênese de todo trabalho.
E com certeza debaixo das mãos poderosas do SENHOR ser um motor
propulsor permanentemente do mandamento bíblico: “Conheçamos e
prossigamos em conhecer ao Senhor...”. Por certo esta semente frutificará na
terra boa do seu coração para alcançar preciosas almas compradas pelo
Senhor Jesus.
Dr. Messias José da Silva
In memorian
6
Filosofia da Educação – volume 1
7
Prefácio
Este Livro de Filosofia da Educação, parte de uma série que compõe a grade
curricular do curso em Teologia do IBETEL, se propõe a ser um instrumento
de pesquisa e estudo. Embora de forma concisa, objetiva fornecer
informações introdutórias acerca dos seguintes pontos: A Filosofia no Mundo
Pragmático, Para que Filosofia da Educação? e A filosofia no campo da
educação; Filosofia Analítica e Filosofia da Educação; A Filosofia da
Educação e os Conceitos de Ensino e Aprendizagem; Educação Formal e
Informal e a Questão dos Objetivos da Educação; Educação e Doutrinação; A
Doutrinação Infanto Juvenil; Conceituando a educação; A Filosofia da Escola
Tradicional; A Filosofia da Escola Nova; Teorias antiautoritárias da Escola
Tradicional e da Escola Nova.
Esta obra teológica destina-se a pastores, evangelistas, pregadores,
professores da escola bíblica dominical, obreiros, cristãos em geral e aos
alunos do Curso em Teologia do IBETEL, podendo, outrossim, ser utilizado
com grande préstimo por pessoas interessadas numa introdução a Filosofia
da Educação.
Finalmente, exprimo meu reconhecimento e gratidão aos professores que
participaram de minha formação, que me expuseram a teologia bíblica
enquanto discípulo e aos meus alunos que contribuíram estimulando debates
e pesquisas. Não posso deixar de agradecer também àqueles que
executaram serviços de digitação e tarefas congêneres, colaborando, assim,
para a concretização desta obra.
Prof. Pr. Vicente Leite
Diretor Presidente IBETEL
8
Filosofia da Educação – volume 1
9
Declaração de fé
A expressão “credo” vem da palavra latina, que apresenta a mesma grafia e
cujo significado é “eu creio”, expressão inicial do credo apostólico -,
provavelmente, o mais conhecido de todos os credos: “Creio em Deus Pai
todo-poderoso...”. Esta expressão veio a significar uma referência à
declaração de fé, que sintetiza os principais pontos da fé cristã, os quais são
compartilhados por todos os cristãos. Por esse motivo, o termo “credo” jamais
é empregado em relação a declarações de fé que sejam associadas a
denominações específicas. Estas são geralmente chamadas de “confissões”
(como a Confissão Luterana de Augsburg ou a Confissão da Fé Reformada
de Westminster). A “confissão” pertence a uma denominação e inclui dogmas
e ênfases especificamente relacionados a ela; o “credo” pertence a toda a
igreja cristã e inclui nada mais, nada menos do que uma declaração de
crenças, as quais todo cristão deveria ser capaz de aceitar e observar. O
“credo” veio a ser considerado como uma declaração concisa, formal,
universalmente aceita e autorizada dos principais pontos da fé cristã.
O Credo tem como objetivo sintetizar as doutrinas essenciais do cristianismo
para facilitar as confissões públicas, conservar a doutrina contra as heresias
e manter a unidade doutrinária. Encontramos no Novo Testamento algumas
declarações rudimentares de confissões fé: A confissão de Natanael (Jo
1.50); a confissão de Pedro (Mt 16.16; Jo 6.68); a confissão de Tomé (Jo
20.28); a confissão do Eunuco (At 8.37); e artigos elementares de fé (Hb 6.12).
A Faculdade Teológica IBETEL professa o seguinte Credo alicerçado
fundamentalmente no que se segue:
(a) Crê em um só Deus eternamente subsistente em três pessoas: o Pai,
o Filho e o Espírito Santo (Dt 6.4; Mt 28.19; Mc 12.29).
(b) Na inspiração verbal da Bíblia Sagrada, única regra infalível de fé
normativa para a vida e o caráter cristão (2Tm 3.14-17).
(c) No nascimento virginal de Jesus, em sua morte vicária e expiatória,
em sua ressurreição corporal dentre os mortos e sua ascensão
vitoriosa aos céus (Is 7.14; Rm 8.34; At 1.9).
(d) Na pecaminosidade do homem que o destituiu da glória de Deus, e
que somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora
de Jesus Cristo é que o pode restaurar a Deus (Rm 3.23; At 3.19).
(e) Na necessidade absoluta no novo nascimento pela fé em Cristo e pelo
10
poder atuante do Espírito Santo e da Palavra de Deus, para tornar o
homem digno do reino dos céus (Jo 3.3-8).
(f) No perdão dos pecados, na salvação presente e perfeita e na eterna
justificação da alma recebidos gratuitamente na fé no sacrifício
efetuado por Jesus Cristo em nosso favor (At 10.43; Rm 10.13; 3.2426; Hb 7.25; 5.9).
(g) No batismo bíblico efetuado por imersão do corpo inteiro uma só vez
em águas, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, conforme
determinou o Senhor Jesus Cristo (Mt 28.19; Rm 6.1-6; Cl 2.12).
(h) Na necessidade e na possibilidade que temos de viver vida santa
mediante a obra expiatória e redentora de Jesus no Calvário, através
do poder regenerador, inspirador e santificador do Espírito Santo, que
nos capacita a viver como fiéis testemunhas do poder de Jesus Cristo
(Hb 9.14; 1Pe 1.15).
(i) No batismo bíblico com o Espírito Santo que nos é dado por Deus
mediante a intercessão de Cristo, com a evidência inicial de falar em
outras línguas, conforme a sua vontade (At 1.5; 2.4; 10.44-46; 19.1-7).
(j) Na atualidade dos dons espirituais distribuídos pelo Espírito Santo à
Igreja para sua edificação conforme a sua soberana vontade (1Co
12.1-12).
(k) Na segunda vinda premilenar de Cristo em duas fases distintas.
Primeira - invisível ao mundo, para arrebatar a sua Igreja fiel da terra,
antes da grande tribulação; Segunda - visível e corporal, com sua
Igreja glorificada, para reinar sobre o mundo durante mil anos (1Ts
4.16.17; 1Co 15.51-54; Ap 20.4; Zc 14.5; Jd 14).
(l) Que todos os cristãos comparecerão ante ao tribunal de Cristo para
receber a recompensa dos seus feitos em favor da causa de Cristo,
na terra (2Co 5.10).
(m) No juízo vindouro que recompensará os fiéis e condenará os infiéis,
(Ap 20.11-15).
(n) E na vida eterna de gozo e felicidade para os fiéis e de tristeza e
tormento eterno para os infiéis (Mt 25.46).
Filosofia da Educação – volume 1
11
Sumário
Apresentação
Prefácio
Declaração de fé
5
7
9
INTRODUÇÃO
A Filosofia no Mundo Pragmático
Para que Filosofia da Educação?
A filosofia no campo da educação
13
15
16
CAPÍTULO 1
Filosofia Analítica e Filosofia da Educação
1.1. Filosofia analítica
1.2. Filosofia da educação
19
20
22
CAPÍTULO 2
A Filosofia da Educação e os Conceitos de Ensino e Aprendizagem
2.1. Pode haver ensino sem que haja aprendizagem?
2.2. A questão da intenção
2.3. O conceito de ensino
2.4. Pode haver aprendizagem sem que haja ensino?
2.5. Educação, Ensino e Aprendizagem
2.6. O Conceito de educação
2.7. Pode haver ensino e aprendizagem sem que haja educação?
2.8. Um parêntese
2.9. Pode haver educação sem que haja ensino e aprendizagem?
25
25
28
30
32
35
36
38
40
41
CAPÍTULO 3
Educação Formal e Informal e a Questão dos Objetivos da Educação
3.1. Educação formal e educação informal
3.2. A questão dos objetivos educacionais
3.3. Educação humanística e educação técnico-profissionalizante
3.4. Educação e democracia
3.5. Educação e sociedade
3.6. Educação e a chamada “classe dominante”
3.7. A educação que é e a que deve ser
3.8. O grande dilema da educação
3.9. Educação e o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo
43
43
45
45
47
47
48
49
49
50
CAPÍTULO 4
Educação e Doutrinação
4.1. Considerações gerais
4.2. Conteúdos intelectuais e cognitivos
4.3. O ensino e aprendizagem de conteúdos
4.4. O conceito de doutrinação
51
51
52
52
53
12
4.5. Os conteúdos como critério de doutrinação
4.6. A Intenção como critério de doutrinação
4.7. Os métodos como critério de doutrinação
4.8. As conseqüências como critério de doutrinação
4.9. Observações específicas
54
54
55
56
57
CAPÍTULO 5
A Doutrinação Infanto Juvenil
5.1. Doutrinação e o dilema da educação
5.2. Porque a doutrinação é censurável e indesejável
5.3. Filosofia da educação e teoria educacional
59
59
60
61
CAPÍTULO 6
Conceituando a educação
6.1. O ato de educar
6.2. Fins da educação
6.3. Educação e política
65
65
66
68
CAPÍTULO 7
A Filosofia da Escola Tradicional
7.1. Origem da escola tradicional
7.2. Características gerais dessa escola
7.3. As muitas faces da escola tradicional
7.4. Críticas
69
69
70
71
77
CAPÍTULO 8
A Filosofia da Escola Nova
8.1. Aprender a aprender
8.2. Características gerais da escola nova
79
79
80
CAPÍTULO 9
Teorias antiautoritárias da Escola Tradicional e da Escola Nova
9.1. Contra a autoridade
9.2. Características gerais
83
83
84
Conclusão
87
Referências
91
Filosofia da Educação – volume 1
13
Introdução
A Filosofia no Mundo Pragmático
“No mundo pragmático em que vivemos, a filosofia parece não servir para
absolutamente nada. Ela não consta das rubricas orçamentárias, não tem
dotação, não recebe verbas específicas... Mal consta dos currículos
escolares e os filósofos são, em sua maioria, uns ilustres desempregados...”.
No entanto, ela serve, ou melhor, comanda tudo. Está presente em qualquer
decisão séria que tomamos, em qualquer estratégia que implantamos. Podese dizer que ela é onipresente. Conforme Jaspers (1977. p. 13) “a filosofia é
imprescindível ao homem. Está sempre presente e manifesta nos provérbios
tradicionais, em máximas filosóficas correntes, em condições dominantes,
quais sejam, por exemplo, a linguagem e as crenças políticas”.
É interessante notar que as grandes crises históricas foram férteis em
pensamento filosófico. Após a grande crise européia conseqüente à invasão
dos bárbaros, surgiram as grandes sínteses da Idade Média. A revolução
copernicana que deu origem ao mundo moderno fez aparecerem as filosofias
racionalistas. À Segunda Guerra Mundial seguiu-se o existencialismo...Nosso
mundo, nosso país estão certamente em crise. Estamos sentados sobre um
vulcão que ameaça explodir. E já se esboçam linhas novas de concepção
filosófica.
Haverá uma relação necessária entre crise e filosofia? De certo. A crise
produz o que os gregos denominavam “thaumásia”, ou seja, admiração,
pasmo, espanto que eles apontavam como sendo a origem do pensar
filosófico. Jaspers (ib) acrescenta que a consciência do que ele chama
“situações-limite” – ter de morrer, ter de sofrer, ter de lutar, estar sujeito ao
acaso e incorrer inelutavelmente em culpa - também nos leva a filosofar. Não
será porque esta consciência nos põe também ela em crise, causando
espanto ou pasmo, a thaumásia dos gregos?
Poderíamos, talvez, dizer que a crise gerando o espanto ou pasmo nos torna
conscientes de nossa fragilidade física, intelectual, social ou moral, levandonos a encarar a realidade como um problema na acepção que lhe dá Julián
Marías (apud Saviani, l980. p. 20) de situação dramática em que se está e
não se pode mais continuar, exigindo, assim , uma solução. Ou seja, a crise,
transformada em problema, desperta a reflexão ou “ato de retomar,
reconsiderar os dados disponíveis, vasculhar numa busca constante de
significado” (Saviani, 1980. p. 23). Quando esta reflexão se torna, acrescenta
Saviani (ib) radical, rigorosa e global ou de conjunto nasce a filosofia.
14
Ao dizermos reflexão radical, devemos entender a expressão em seu sentido
literal: trata-se de uma reflexão que vá à raiz dos problemas, buscando atingir
suas últimas e mais profunda ramificações. Quando dizemos que a reflexão
deve ser rigorosa, entendemo-la como sistemática e metódica. A reflexão
deve ser ainda global ou de conjunto, isto é, realizada de modo a abarcar
todos os dados, de modo a não deixar escapar nenhum fio condutor no difícil
trabalho de discernir no emaranhado das raízes as imbricações
fundamentais.
Resumindo, podemos com Saviani (1980. p. 27) afirmar que “a filosofia é uma
reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas que a realidade
apresenta”.
Já se vê que a filosofia é, antes de mais nada, uma atitude e uma tarefa das
quais resultam “filosofias” como produto. Atitude ou disposição de amor à
verdade, que supõe, sobretudo, muita humildade e nenhuma arrogância de
espírito, como afirma Jaspers (1977. p. 14), ao explicar o significado, a um
tempo etimológico e histórico, do termo: “A palavra grega ‘philósophos’ foi
formada em oposição a ‘sophós’ e significa “o que ama o saber”, em
contraposição a ao possuidor de conhecimentos (dono da verdade) que se
designava por sábio. Este sentido da palavra manteve-se até hoje: é a
demanda da verdade e não a sua posse que constitui a essência da
filosofia...”
Das crises, portanto, surge a filosofia como fruto da necessidade humana de
compreender a realidade e de fundamentar a ação que visa a transformá-la.
Será a filosofia algo de intermitente, que apenas de vez em quando
desponta ao longo da história? Não, pois a história é - e cada vez mais - uma
longa e funda crise na qual há, certamente, períodos mais dolorosos e
enfáticos, mas que por sua contínua e surpreendente novidade está sempre a
nos chocar, suscitando-nos, em conseqüência, uma atitude constante de
reflexão e de busca. A filosofia é, assim, onipresente, pois, se ninguém
escapa ao mundo e à história, ninguém, a não ser por demência, escapa à
crise: “Não se pode fugir à filosofia. Pode-se perguntar apenas se ela é
consciente ou inconsciente, boa ou má, confusa ou clara. Quem recusa a
filosofia está realizando um ato filosófico de que não tem consciência”
(Jaspers, 1977. p. 13).
A afirmação final de Jaspers não faz mais que atualizar o velho argumento
aristotélico: “Ou se deve filosofar, ou não se deve filosofar. Se não se deve
filosofar, isto só em nome de uma filosofia. Portanto, mesmo que não se deva
filosofar, deve-se filosofar” (cf. Bochenski, 1973. p. 23).
3
Filosofia da Educação – volume 1
15
‘Me philosophetéon, philosophetéon’, declarava Aristóteles: mesmo que não
se deva filosofar, deve-se filosofar. Não há como fugir à filosofia. É verdade
que nem todos têm condições de estabelecer uma reflexão que vá até as
raízes, que siga com rigor um método, que possua todos os dados
necessários a uma visão de conjunto da realidade, sobretudo se
considerarmos que esses dados se avolumam e complexificam, à medida
que avançam as ciências. Todos tentam, entretanto, consciente ou
inconscientemente, com os recursos de que dispõem, com as informações
que têm à mão, dar uma resposta aos problemas fundamentais, explicar as
“situações-limite”, dar um sentido à vida e à realidade: todos, de algum modo,
filosofam.
Uma observação final deve ser ainda acrescentada: “Filosofar significa estar
a caminho. As interrogações são mais importantes que as respostas e cada
resposta se transforma em nova interrogação” (Jaspers, 1977. p 14). A
filosofia é aberta, por mais que o filósofo pretenda dar respostas definitivas. A
realidade é rebelde e não se deixa apanhar com facilidade em nossas redes
de compreensão. É por demais complexa e dinâmica para que possamos
emitir sobre ela uma palavra definitiva. Nem sempre – e isso ocorre com
freqüência – consideramos todos os dados disponíveis ou escolhemos as
informações capazes de nos conduzirem à raiz mestra dos problemas ou das
crises. Ou, então, quando parece que a atingimos, damo-nos conta de que
ainda estamos na superfície e de que é necessário cavar mais fundo: “cada
resposta se transforma em nova interrogação”. Não importa o esforço! É
melhor seguir que estagnar. Além disso, não caminhamos sozinhos. O que
não descobrimos, outros descobrem ou descobrirão e nossas chamas juntas
tornarão o mundo, se não transparente, pelo menos mais claro!
A filosofia é, pois, imprescindível. Não serve para nada e serve para tudo.
Não há como negá-la: ela se impõe por si mesma! Refugá-la, só deixando de
ser o que somos: consciências que refletem num mundo em permanente
crise, num constante devir.
Para que Filosofia da Educação?
Talvez seja mais pertinente perguntar: para que filosofia na educação? A
resposta é simples: porque educação é, afinal de contas, o próprio “tornar-se
homem” de cada homem num mundo em crise.
Não há como educar fora do mundo. Nenhum educador, nenhuma instituição
educacional pode colocar-se à margem do mundo, encarapitando-se numa
torre de marfim. A educação, de qualquer modo que a entendamos, sofrerá
necessariamente o impacto dos problemas da realidade em que acontece,
sob pena de não ser educação. Em função dos problemas existentes na
16
realidade é que surgem os problemas educacionais, tanto mais complexos
quanto mais incidem na educação todas as variáveis que determinam uma
situação. Deste modo, a “Filosofia na educação” transforma-se em “Filosofia
da Educação” enquanto reflexão rigorosa, radical e global ou de conjunto
sobre os problemas educacionais. De fato, os problemas educacionais
envolvem sempre os problemas da própria realidade. A Filosofia da
Educação apenas não os considera em si mesmos, mas enquanto imbricados
no contexto educativo.
Penso que disto decorrem duas conseqüências muito simples, óbvias até! A
primeira é que todo educador deve filosofar. Melhor ainda, filosofa sempre,
queira ou não, tenha ou não consciência do fato. Só que nem sempre filosofa
bem. A este respeito afirma Kneller (1972. p. 146): “se um professor ou líder
educacional não tiver uma filosofia da educação, dificilmente chegará a algum
lugar. Um educador superficial pode ser bom ou mau. Se for bom, é menos
bom do que poderia ser e, se for mau, será pior do que precisava ser”. Que
problemas no campo da educação exigem de nós uma reflexão filosófica,
nos termos acima explicitados? São muitos. Permitam-me apontar apenas
alguns.
Já que a educação é o processo de tornar-se homem de cada homem, é
necessário refletir sobre o homem para que se possa saber o “para onde” se
deve orientar a educação. É necessário, porém, que esta reflexão não seja
unicamente teórica, abstrata, desencarnada. É preciso levar em conta a
situação espácio-temporal em que ocorre o processo. Com efeito, não
importa apenas o “tornar-se homem”, mas o “tornar-se homem hoje no
Brasil”. Só desta forma podemos estabelecer com clareza o que, por
exemplo, se tem convencionalmente chamado de “marco referencial”, a partir
do qual, numa instituição educativa, currículo, planejamento e atividades
podem atingir um mínimo de coerência e de eficiência.
Que teoria de aprendizagem adotar? Que métodos e técnicas utilizar? Já
afirmavam Binet e Simon correr “o risco de um cego empirismo quem se
conforma em aplicar um método pedagógico sem investigar a doutrina que
lhe serve de alma”. Não há métodos neutros. Não há técnicas neutras. No
bojo de qualquer teoria, de qualquer método, de qualquer técnica está
implícita uma visão de homem e de mundo, uma filosofia.
A filosofia no campo da educação
A filosofia é, assim, norteadora de todo o processo educativo. O maior
problema educacional brasileiro sempre foi e ainda é, a meu ver, o
denunciado por Anísio Teixeira no título de uma de suas obras principais:
“Valores proclamados e valores reais na educação brasileira”. Quer em
Filosofia da Educação – volume 1
17
nível de sistema, quer em nível de escola, proclamamos belíssimos princípios
filosófico-educacionais. Na prática, entretanto, caminhamos ao sabor das
ideologias e das novidades e - o que é pior - sem nos darmos conta da
incoerência existente entre nossas palavras e nossos atos.
A segunda conseqüência a ser tirada do que antes dissemos é que também o
educando deve filosofar, ou seja, deve refletir sistematicamente, buscando as
raízes dos problemas - seus e de seu tempo - de modo a formar uma “visão
de mundo” e adquirir criticamente princípios e valores que lhe orientem a
vida. Só assim serão homens e não robôs. É preciso, pois, municiá-lo de
instrumentos racionais e afetivos para que se habitue a ser crítico, a não se
contentar com qualquer resposta, a colocar sempre e em tudo uma pitada
razoável de dúvida, a cavar fundo e não se intimidar perante a tarefa ingrata
de estar sempre questionando e se questionando.
A partir de minha já longa experiência de magistério, posso afirmar que há
sempre fome de filosofia. Basta levantar um problema nos termos acima
descritos para que se alcem as antenas, sobretudo as juvenis! Talvez
porque, tendo uma percepção não muito nítida, mas agudamente sentida da
crise, faltem aos jovens o instrumental necessário para explicitá-la, analisá-la
e julgá-la, em razão do banimento a que assistimos da filosofia, até mesmo
de nossos currículos escolares.
Não há, portanto, como fugir à filosofia no campo da educação. Ela se
relaciona intimamente com a função nem sempre levada a sério e, não
obstante, fundamental, de avaliar. De fato, a avaliação resume, de certo
modo, ou acompanha, como um vetor ou como um eixo orientador, todo o
processo educacional. Ela se faz presente no início do processo, ao
estabelecermos as metas; no seu decurso, quando traçamos e executamos
as estratégias; no final, quando julgamos o que e quanto foi cumprido. Ora,
avaliar é emitir juízos de valor e estes implicam sempre, queiramos ou não,
consciente ou inconscientemente uma posição filosófica, uma filosofia.
Uma palavra, talvez, resuma tudo o que tentamos dizer: a filosofia é o aval da
educação! (Prof. José J. F. Lara).
18
Filosofia da Educação – volume 1
19
Capítulo 1
Filosofia Analítica e Filosofia da
Educação
Em que consiste a filosofia da educação? A resposta a esta pergunta pode
variar, dependendo do que se entende por filosofia (e, naturalmente, também
do que se entende por educação, mas a própria conceituação de educação já
envolve um certo filosofar sobre a educação). Ao leigo pode parecer incrível
que filósofos profissionais não tenham conseguido chegar a um acordo a
respeito do que seja a filosofia, isto é, acerca de seu próprio objeto de estudo,
mas esta é a pura verdade. A questão da natureza e da tarefa da filosofia já
é, ela própria, um problema filosófico, e, como tal, comporta uma variedade
de respostas. A muitos pode parecer que esta proliferação de respostas seja
indicativa do próprio fracasso da filosofia. Outros vêem nesta situação a
grande riqueza do pensamento humano, que, para cada problema que lhe é
proposto, é capaz de imaginar uma variedade de soluções, todas elas, em
maior ou menor grau, razoáveis e dignas de consideração, e todas elas
contribuindo, de uma maneira ou de outra, para uma compreensão mais
ampla e profunda dos problemas com que se depara o ser humano”.
Concordamos com estes últimos, e somos da opinião de que, embora muitos
problemas filosóficos milenares não tenham (ainda?) sido solucionados,
nossa compreensão deles, hoje, não é idêntica à dos filósofos que os
formularam pela primeira vez, sendo muito mais profunda e ampla em virtude
das várias respostas que já lhes foram sugeridas. Isto significa que há
progresso na filosofia, apesar de este progresso não poder ser medido
quantitativamente, em referência ao número de problemas solucionados,
podendo somente ser constatado através de uma visão qualitativa, que leva
em conta o aprofundamento e a ampliação de nossa compreensão desses
problemas.
Não cremos, portanto, ser impróprio oferecer uma tentativa de “definição” da
filosofia, se se mantém em mente que esta sugestão de definição não é feita
dogmaticamente, como se fosse a única possível, ou mesmo a única
razoável. Outras propostas de definição da filosofia existem que são
plausíveis e razoáveis, e que, possivelmente, ao invés de se contraporem
àquela que vamos sugerir, como alternativas, justapõem-se a ela como
maneiras complementares de ver a filosofia.
20
1.1 Filosofia analítica
A filosofia, do ponto de vista pólo analítico, é aquela atividade reflexiva,
realizada, através de análise e de crítica, pelo ser pensante, no exame do
significado e dos fundamentos de conceitos, crenças, convicções e
pressuposições básicas, mantidos por ele próprio ou por outros seres
pensantes. Essa caracterização geral da filosofia deixa entrever que a
atividade filosófica é uma atividade reflexiva de segunda ordem. O que se
quer dizer por isto? Quer-se dizer que a filosofia pressupõe outros tipos de
atividade, na verdade outros tipos de atividade reflexiva, como a ciência, a
história, a religião, a política, etc., e mesmo o chamado senso comum. Por
exemplo: o objeto de reflexão do cientista natural é, em linhas gerais, a
natureza; o do historiador é a história; e assim por diante. Essas atividades
de reflexão são ‘de primeira ordem’: concentram-se em diferentes aspectos
da realidade, ou do ‘ser’. Elas partem, naturalmente, de certas
pressuposições (por exemplo, de que os fenômenos do mundo natural estão
causalmente relacionados, de que é possível ter conhecimento de eventos
que não são mais objetos de nossa possível percepção, como é o caso de
eventos históricos, etc.), e resultam em certas crenças e convicções (como,
por exemplo, acerca da natureza da matéria, ou a respeito de uma certa
seqüência de eventos históricos). O filósofo analítico não reflete sobre as
mesmas coisas que são objeto de reflexão por parte do cientista natural e do
historiador - se o fizesse, estaria deixando de ser filósofo e passando a ser
cientista natural ou historiador (algo, por sinal, perfeitamente possível). Ele
reflete sobre as reflexões do cientista natural e do historiador, buscando
trazer à tona (se necessário for), elucidar, e criticamente examinar os
conceitos e as pressuposições básicas destes últimos, procurando, no
processo, entender seus modos de argumentação e inferência, etc. Em
poucas palavras, a filosofia analítica é reflexão (de um certo tipo) sobre a
reflexão, é o pensamento pensando sobre si próprio. Para dar um tom mais
contemporâneo a essa caracterização, poderíamos dizer que, desde que a
reflexão e o pensamento se expressam através de linguagem, através do
discurso humano, em suas várias manifestações, a filosofia analítica é
discurso sobre o discurso: o filósofo reflete, não sobre a natureza e a
história (para continuar com nossos exemplos anteriores), mas sim sobre o
que cientistas naturais e historiadores dizem acerca da natureza e da história.
Por isso é que chamamos a atividade filosófica de uma atividade reflexiva de
segunda ordem: ela se exerce sobre outras atividades reflexivas, que se
constituem, portanto, no objeto da filosofia.
É desnecessário enfatizar que o próprio cientista natural (ou o historiador) pode
refletir sobre aquilo que está dizendo acerca da natureza (ou da história). Quando
assim reflete, porém, está realizando atividade reflexiva de segunda ordem está, portanto, nessas ocasiões, provavelmente, filosofando, e não fazendo
ciência (ou história).
Filosofia da Educação – volume 1
21
Parece desnecessário, também, acrescentar que a filosofia não se preocupa
somente com o discurso científico e histórico, como poderiam sugerir nossos
exemplos. O filósofo reflete sobre qualquer tipo de reflexão de primeira
ordem: reflexão moral, reflexão religiosa, reflexão artística, etc., e também
sobre as reflexões do senso comum. Por isso, há muitas “filosofias de...”:
filosofia da ciência (que pode ser ainda mais especializada, havendo a
filosofia das ciências naturais, das ciências biológicas, das ciências
humanas), filosofia da história, filosofia da religião, filosofia da arte, filosofia
do direito, e assim por diante, incluindo-se aí, naturalmente, também a
filosofia da educação.
É necessário, porém, ressaltar que nem toda atividade reflexiva de segunda
ordem é, necessariamente, filosófica. O sociólogo, por exemplo, ou o
psicólogo, pode refletir sobre a atividade do cientista, e sobre ela fazer e
responder perguntas que sejam estritamente sociológicas, ou psicológicas, e
não filosóficas. A sociologia da ciência não faz as mesmas perguntas sobre a
atividade do cientista que são feitas pela filosofia da ciência. Se, porém, há
outros tipos de atividade reflexiva de segunda ordem, além da filosófica, o
que é que caracteriza as perguntas distintamente filosóficas? A resposta já
esta contida no que foi dito acima: a filosofia busca elucidar e examinar
criticamente os conceitos, as convicções e pressuposições básicas, os
modos de argumentação e inferência, etc; existentes dentro de uma dada
área de atividade intelectual.
Assim sendo, um psicólogo pode fazer vários tipos de pergunta acerca da
atividade científica: Como é que, do ponto de vista psicológico, alguém
chega a descobrir ou formular uma lei ou uma teoria? Quais os
mecanismos psicológicos que estão envolvidos na criatividade e
inventividade científicas? É a criatividade científica diferente, do ponto de
vista psicológico, da criatividade artística? Da mesma maneira, um sociólogo
pode perguntar sobre a relação existente entre ciência e sociedade, acerca
da medida em que teorias científicas são condicionadas pelo meio-ambiente
em que aparecem, a respeito do papel da ciência e do cientista na sociedade,
etc. As perguntas que o filósofo que reflete sobre a ciência faz, porém, são do
seguinte tipo: O que se entende por ciência? Quais são os critérios de
cientificidade? O que diferencia teorias científicas de outros tipos de teoria
(digamos, teorias metafísicas e especulativas)? O que leva cientistas a
considerar uma teoria melhor do que a outra, quando ambas se propõem a
explicar os mesmos fenômenos? Qual a relação entre teoria e observação?
Existe verdade na ciência, ou apenas probabilidade? O alvo da ciência é
produzir teorias altamente prováveis ou pouco prováveis, mas de alto poder
explicativo e preditivo? Existe objetividade e racionalidade na ciência? Se
não, por quê? Se sim, em que sentido e em que medida? E assim por diante.
22
Pode-se ver, imediatamente, que virtualmente todas essas perguntas
filosóficas poderiam ser resumidas na seguinte questão: em que sentido e em
que medida se pode falar em conhecimento científico? Essas perguntas são
todas epistêmicas (episteme é o termo grego que se traduz por
“conhecimento”): buscam analisar e elucidar a noção de conhecimento
científico e os conceitos e premissas que constituem os fundamentos desse
conhecimento. Perguntas semelhantes podem ser feitas em relação a
qualquer atividade intelectual. É isto que faz com que a epistemologia, a
teoria do conhecimento, ou seja, aquela área da filosofia que investiga a
natureza, o escopo (ou a abrangência) e os limites do conhecimento humano,
em geral, seja de suma importância no estudo da filosofia.
1.2 Filosofia da educação
Mas falemos agora em filosofia da educação. A filosofia analítica da educação,
seguindo a caracterização apresentada nos parágrafos anteriores, não discorre
sobre o fenômeno da educação, como tal, mas sim sobre o que tem sido dito
acerca desse fenômeno (por exemplo, por sociólogos da educação, psicólogos
da educação, ou por qualquer pessoa que reflita sobre a educação). Não resta a
menor dúvida de que uma das primeiras e mais importantes tarefas da filosofia
da educação, a partir da caracterização da tarefa da filosofia sugerida acima, é
a análise e clarificação do conceito de “educação”. Fala-se muito em educação.
“Educação é direito de todos”, “educação é investimento”, “a educação é o
caminho do desenvolvimento”, etc. Mas o que realmente será essa educação, em
que tanto se fala? Será que todos os que falam sobre a educação usam o termo
no mesmo sentido, com idêntico significado? Dificilmente. É a educação
transmissão de conhecimentos? É a educação preparação para a cidadania
democrática responsável? É a educação o desenvolvimento das potencialidades
do indivíduo? É a educação adestramento para o exercício de uma profissão? As
várias respostas, em sua maioria conflitantes, dadas a essas perguntas são
indicativas da adoção de conceitos de educação diferentes, muitas vezes
incompatíveis, por parte dos que se preocupam em responder a elas. Este fato,
por si só, já aponta para a necessidade de uma reflexão sistemática e profunda
sobre o que seja a educação, isto é, sobre o conceito de educação.
Assim que se começa a fazer isso, porém, percebe-se que a tarefa de
clarificação e elucidação do conceito de educação é extremamente complexa e
difícil. Ela envolve não só o esclarecimento das relações existentes ou não entre
educação e conhecimento, educação e democracia, educação e as chamadas
potencialidades do indivíduo, educação e profissionalização, etc. Envolve,
também, o esclarecimento das relações que porventura possam existir entre o
processo educacional e outros processos que, à primeira vista, parecem ser seus
parentes chegados: doutrinação, socialização, aculturação, treinamento,
condicionamento, etc. Uma análise que tenha por objetivo o esclarecimento do
sentido dessas noções, dos critérios de sua aplicação, das suas implicações, e
da sua relação entre si e com outros conceitos educacionais é tarefa da filosofia
Filosofia da Educação – volume 1
23
da educação e é condição necessária para a elucidação do conceito de
educação.
Mas há ainda uma outra família de conceitos que se relaciona estreitamente com
a educação: a dos conceitos de ensino e aprendizagem. Qual a relação existente
entre educação e ensino, entre educação e aprendizagem, e entre ensino e
aprendizagem? Façamos uma lista de possíveis perguntas a serem feitas acerca
do relacionamento dessas noções:
•
•
•
•
•
•
Pode haver educação sem que haja ensino?
Pode haver educação sem que haja aprendizagem?
Pode haver ensino sem que haja educação?
Pode haver aprendizagem sem que haja educação?
Pode haver aprendizagem sem que haja ensino?
Pode haver ensino sem que haja aprendizagem?
Tem se criticado muito uma visão da educação que coloca muita ênfase no
ensino (e, conseqüentemente, no professor). O importante, afirma-se, não é o
ensino, e sim a aprendizagem. Os mais exagerados chegam quase a afirmar:
“Morte ao ensino! Viva a aprendizagem!” Outros fazem uso de certos slogans
meio obscuros: “Toda aprendizagem é auto-aprendizagem”. Incidentalmente, fazse muito uso, em livros e discursos sobre a educação, de slogans cujo sentido
nem sempre é muito claro. Um outro slogan muito usado, nesse contexto, é o
seguinte: “Não há ensino sem aprendizagem”. Parece claro que, para poder
julgar quanto à verdade ou à falsidade dessas afirmações, é indispensável que
os conceitos de ensino e aprendizagem tenham sentidos claros e específicos - o
que, infelizmente, não acontece com muita freqüência. É necessário, portanto,
que o sentido desses conceitos seja esclarecido e que sua relação com o
conceito de educação seja elucidada, e a filosofia da educação pode ser de
grande valia nessa tarefa.
Para terminar essa primeira parte, que tem por finalidade caracterizar a filosofia
da educação, dentro da perspectiva mais geral de uma visão da filosofia que foi
explicitada nos primeiros parágrafos, deve-se fazer menção de um outro conjunto
de problemas relacionado, de alguma forma, com os já mencionados, mas que,
por razão de espaço, não será explicitamente discutido: a questão da relação
entre educação e valores. Este problema tem vários aspectos. Um deles é o
seguinte: é tarefa da educação transmitir valores? Muitos já observaram que,
seja ou não tarefa da educação transmitir valores, ela de fato os transmite, pelo
menos de maneira implícita. Outros afirmam que, embora seja tarefa da
educação transmitir valores, a educação moral, como às vezes é chamada a
transmissão de valores através da educação, não é tarefa da educação escolar,
isto é, da educação que se realiza no âmbito de uma instituição chamada escola,
e sim da educação que tem lugar no contexto da família, ou talvez, se for o caso,
da igreja. Esta resposta levanta, em um contexto específico, o problema mais
amplo da relação entre educação e escola. Para muitos, quando alguém está
24
falando em educação está, automaticamente, falando em escolas, e vice-versa.
Mas a educação certamente parece ser algo que transcende os limites da escola,
e hoje em dia fala-se muito em “educação sem escolas”. Os proponentes do
ponto de vista que mencionamos acima acreditam que pelo menos uma parte da
educação, aquela que diz respeito à transmissão de valores, deve ser levada a
efeito fora da escola. Todos esses problemas são complexos, e embora a
filosofia da educação não tenha respostas prontas para eles, ela pode contribuir
muito para sua solução satisfatória, ajudando na elucidação e clarificação dos
principais conceitos envolvidos nesse conjunto de problemas.
Antes de avançarmos neste trabalho, faremos duas pequenas observações. A
primeira é um lembrete de que os problemas aqui mencionados como sendo do
âmbito da filosofia da educação de maneira alguma esgotam as questões a que
um filósofo da educação, como tal, pode se dirigir, mesmo que ele seja partidário
da conceituação de filosofia e filosofia da educação aqui proposta. Há uma série
de outros problemas, a que não se fez referência, que estão, legitimamente,
dentro da província da filosofia da educação como aqui conceituada. No que foi
esboçado acima e no que será discutido abaixo temos apenas uma amostra de
como alguns conceitos educacionais podem ser analisados filosoficamente.
Em segundo lugar, não se pode esquecer que a caracterização da filosofia da
educação aqui apresentada é uma caracterização possível, que é sugerida a
partir de uma conceituação analítica da filosofia, a qual não é, de maneira
alguma, a única possível. Muitos filósofos discordam da orientação sugerida aqui
e apresentam, conseqüentemente, uma visão diferente da natureza e tarefa da
filosofia da educação. Em muitos dos casos a visão por eles sugerida apenas
complementa (e não substitui) a apresentada no presente trabalho. Em outros
casos é bem possível que as concepções sejam mutuamente exclusivas. Nos
últimos parágrafos faremos menção do nosso ponto de vista acerca da relação
entre a filosofia da educação e a teoria da educação, segundo o qual muita coisa
que foi e é apresentada como filosofia da educação deve ser colocada no âmbito
da teoria da educação. Contudo, é apenas no contexto de discussões
acadêmicas acerca do conceito de filosofia da educação que faz alguma
diferença designar posições acerca da educação como pertencentes à teoria, e
não à filosofia da educação.
‘
Embora a lógica talvez pudesse recomendar que começássemos com o conceito
de educação, quer nos parecer que, do ponto de vista didático, seja mais
recomendável que a discussão desses conceitos educacionais básicos seja
iniciada pelos conceitos de ensino e aprendizagem, pois o leitor, provavelmente,
estará mais familiarizado com eles do que com o mais difuso e abstrato conceito
de educação.
Filosofia da Educação – volume 1
25
Capítulo 2
A Filosofia da Educação e os
Conceitos de Ensino e
Aprendizagem
Comecemos nossa discussão dos conceitos de ensino e aprendizagem
fazendo a seguinte pergunta: pode haver ensino sem que haja
aprendizagem?
2.1 Pode haver ensino sem que haja aprendizagem?
Suponhamos uma situação em que um professor universitário apresente, em
detalhes, os aspectos mais difíceis e complicados da teoria da relatividade de
Einstein a grupo de crianças de sete anos. Suponhamos que o professor em
questão seja profundo conhecedor do assunto e faça uma brilhante
exposição, utilizando meios audiovisuais ou quaisquer outros recursos que a
didática moderna possa recomendar. Apesar de tudo isso, as crianças nada
aprendem daquilo que ele apresentou. Podemos-nos dizer que, embora as
crianças nada tenham aprendido acerca da teoria da relatividade de Einstein,
o professor esteve ensinando durante sua apresentação? A resposta
afirmativa, neste caso claramente extremo e exagerado, parece pouco
plausível. Mas suponhamos - uma suposição, agora, não tão absurda - que a
audiência desse professor fosse composta, não de crianças de sete anos,
mas de universitários no último ano do curso de física, e que o resultado
fosse o mesmo: os alunos nada aprenderam acerca da teoria da relatividade
de Einstein através da exposição. Podemos-nos dizer que, embora o
professor tivesse estado a ensinar a teoria da relatividade, os alunos não a
aprenderam? A resposta afirmativa, aqui, parece bem mais plausível. Mas
qual é, realmente, a diferença entre a primeira e a segunda situação?
Vamos colocar esta questão, por enquanto, entre parênteses, para analisar
algumas respostas que têm sido dadas à pergunta com que iniciamos este
parágrafo: pode haver ensino sem que haja aprendizagem?
Muitas pessoas dão uma resposta negativa a esta pergunta, afirmando que
não há ensino sem aprendizagem. Este é um dos slogans que
freqüentemente aparecem na literatura educacional. Correndo o risco de
caracterizar algumas posições altamente complexas de uma maneira um
26
pouco simplista, poderíamos dizer que, em relação às duas situações que
imaginamos no parágrafo anterior, os que afirmam que não há ensino sem
aprendizagem podem se dividir em dois grupos: de um lado estariam os que
afirmam que naquelas situações não houve ensino, visto não ter havido
aprendizagem. Do outro lado, porém, estariam aqueles que, quando
confrontados com situações desse tipo, levantam a seguinte questão: Será
que não houve mesmo aprendizagem? Ainda supondo que os alunos, tanto
em um como no outro caso, nada tenham aprendido acerca da teoria da
relatividade de Einstein, argumentam, será que eles não aprenderam alguma
coisa através da exposição do professor? Eles poderão ter aprendido, por
exemplo, no caso das crianças de sete anos, que, embora o professor
estivesse falando o tempo todo, ninguém estava entendendo nada, que as
aulas com a professora regular são muito mais divertidas, que o retro-projetor
utilizado pelo professor é um “negócio bacana”, etc. No caso dos
universitários, eles poderão ter aprendido que o professor devia desconhecer
o nível da classe para dar uma aula dessas, que o curso que eles fizeram não
deve ter sido muito bom, se não os capacitou a entender uma apresentação
sobre a teoria da relatividade de Einstein, etc. Em poucas palavras: os
alunos, em um como no outro caso, devem ter aprendido alguma coisa, e,
conseqüentemente, houve ensino nas situações imaginadas - este é o
argumento.
A dificuldade com essa sugestão é óbvia: embora possa ter havido
aprendizagem nas situações imaginadas, o que os alunos aprenderam não
foi aquilo que o professor lhes estava expondo! Poderiam, talvez, ter
aprendido as mesmas coisas, se a exposição houvesse sido sobre a química
de Lavoisier, ou sobre as peças de Sheakespeare, ou sobre a filosofia de
Kant. Isto, por si só, já indica que algo não está muito certo e que há
necessidade de que algumas coisas sejam esclarecidas e colocadas em seus
devidos lugares. Vamos, de uma maneira muito simples e elementar, tentar
esclarecer alguns desses problemas.
Se prestarmos atenção a algo muito simples, como a regência do verbo
ensinar, poderemos começar a esclarecer a situação. Quem ensina, ensina
alguma coisa a alguém. A situação de ensino é uma situação que envolve
três componentes básicos: alguém que ensina (digamos, o professor),
alguém que é ensinado (digamos, o aluno), e algo que o primeiro ensina ao
segundo (digamos, o conteúdo). Não faz sentido dizer que fulano esteve
ensinando sicrano a tarde toda sem mencionar (ou sugerir) o que estava
sendo ensinado (se frações ordinárias, andar de bicicleta, amarrar os
sapatos, atitude de tolerância, etc.). Também não faz sentido dizer que
beltrano esteve ensinando História do Brasil nas duas últimas horas, sem
mencionar (ou indicar) a quem ele estava ensinando História do Brasil (se a
seus filhos, se aos alunos da quarta série, etc.).
Filosofia da Educação – volume 1
27
Nos dois casos que imaginamos, o professor universitário estava expondo a
um grupo de alunos um certo conteúdo, a saber, a teoria de relatividade de
Einstein. Este conteúdo os alunos, por hipótese, não aprenderam. Que eles
tenham aprendido outras coisas, as quais ele, claramente, por hipótese, não
estava interessado em transmitir-lhes, parece irrelevante à questão: pode
haver ensino sem que haja aprendizagem? Por isso, vamos deixar de lado o
“segundo grupo” dos que afirmam que não há ensino sem aprendizagem e
discutir a posição do “primeiro grupo”, ou seja, daqueles que afirmam que,
visto não ter havido aprendizagem (da teoria da relatividade, naturalmente)
nos casos em questão, não houve ensino.
Será que esta afirmação é verdadeira? Cremos que não. É importante notar
que a afirmação cuja veracidade aqui vai ser colocada em dúvida é uma
afirmação composta, que diz (pelo menos) duas coisas: em primeiro lugar,
afirma que não houve ensino; em segundo lugar, afirma que não houve
ensino porque não houve aprendizagem. Afirmar simplesmente “não
houve ensino” é constatar algo; afirmar, porém, “não houve ensino porque
não houve aprendizagem” é, além de constatar algo, oferecer uma
explicação: é indicar a razão (ou a causa) em virtude da qual não houve
ensino. A afirmação cuja veracidade vamos questionar é a composta, que
inclui a explicação da constatação. Isto pode parecer meio complicado, mas
no fundo é simples, como, esperamos, se vai ver.
Se é verdade que não há ensino sem aprendizagem, então não existe uma
distinção entre ensino bem sucedido e ensino mal sucedido. Todo ensino é,
por definição, bem sucedido, isto é, resulta, necessariamente, em
aprendizagem. Dizer, portanto, que fulano ensinou raiz quadrada a sicrano e
sicrano aprendeu raiz quadrada é ser redundante, é incorrer em pleonasmo,
é dizer a mesma coisa duas vezes. Dizer, por outro lado, que fulano ensinou
raiz quadrada a sicrano e sicrano não aprendeu raiz quadrada é incorrer em
autocontradição, é afirmar e negar a mesma coisa, ao mesmo tempo, porque
se fulano ensinou, então sicrano (necessariamente) aprendeu, e se sicrano
não aprendeu, então fulano (necessariamente) não ensinou. Ora, tudo isso
nos parece absurdo. Parece-nos perfeitamente possível afirmar que, embora
fulano tivesse ensinado raiz quadrada a sicrano durante a tarde toda, sicrano
não aprendeu raiz quadrada. Em outras palavras, a distinção entre ensino
bem sucedido (que resulta em aprendizagem) e ensino mal sucedido (que
não resulta em aprendizagem) parece inteiramente legitima. Ora, se esta
distinção é legítima, então não é verdade que não há ensino sem
aprendizagem (ou que todo ensino resulta em aprendizagem).
Mas parece haver um certo vínculo conceitual entre ensino e aprendizagem.
Dificilmente diríamos que uma pessoa está ensinando algo a alguém se esta
pessoa não tem a menor intenção de que este alguém aprenda o que está
sendo ensinado. Talvez o que o slogan esteja querendo dizer é que se não
28
houver, por parte de quem apresenta um certo conteúdo, a intenção de que
alguém aprenda aquilo que ele está expondo, então não há ensino. Esta
afirmação parece ser aceitável. Ela apresenta uma dificuldade, porém: a
noção de intenção. Como é que se determina que uma pessoa tem, ou não
tem, a intenção de que alguém aprenda o que ela está expondo? Esta é uma
dificuldade séria, porque esta questão é virtualmente equivalente à seguinte
pergunta: Como é que se determina que uma pessoa está, ou não está,
ensinando?
2.2 A questão da intenção
Imaginemos que alguém esteja levando aos lábios um copo contendo um
liquido vermelho. O que é que esta pessoa está fazendo? A esta pergunta
pode-se responder, obviamente, com uma descrição dos movimentos físicos
da pessoa em questão: ela está levando aos lábios um copo que contém um
liquido vermelho. Mas esta resposta é pouco informativa. Para se oferecer
uma resposta que seja mais informativa, porém, é necessário que se faça
menção da intenção (ou do propósito) que a pessoa tem a levar aos lábios o
copo com o liquido. A pessoa pode estar meramente saciando a sua sede
com um bom vinho. Ou pode estar se embebedando. Ou pode estar se
suicidando com um liquido venenoso. Ou pode estar comungando. Ou, ainda,
pode estar fazendo um número de coisas que não vem ao caso enumerar.
Sua intenção ao tomar o líquido é que vai determinar o que esta pessoa esta
realmente fazendo. É bom ressaltar que a questão da intenção é sumamente
importante. Se se descobre que a pessoa em pauta tinha meramente a
intenção de saciar sua sede, mas que alguém (sem ela saber) despejou
veneno no liquido, causando sua morte, nós não diríamos que ela se
suicidou, e sim que foi assassinada. Se sua intenção era saciar a sede, mas,
por puro engano, bebeu um liquido venenoso ao invés do vinho que pensava
estar bebendo, nós não diríamos que houve suicídio, e sim um lamentável
acidente, que veio a ser fatal, se, naturalmente, em conseqüência disso, a
pessoa veio a falecer. Estas distinções são importantes, principalmente em
contextos jurídicos. Em nosso caso, porém, elas não parecem nos ajudar
muito na determinação da intenção da pessoa que levou aos lábios o copo
com o liquido vermelho. De que maneira poderíamos determinar sua
intenção?
Deve ser dito claramente que não há maneiras seguras e infalíveis de
determinar a intenção de alguém. Intenções não são coisas direta e
imediatamente observáveis, como o são movimentos físicos - pelo menos
no caso de outras pessoas. (A situação parece bastante diferente quando se
trata de nossas próprias intenções: a elas temos acesso direto e imediato, se
bem que não através da observação.) Contudo, uma intenção pode, muitas
vezes, ser indiretamente determinada através do contexto em que certos
movimentos físicos são realizados, com ajuda do nosso conhecimento
Filosofia da Educação – volume 1
29
(mesmo que elementar) acerca do desenvolvimento e comportamento das
pessoas. Se, no nosso caso, a pessoa estava levando o copo aos lábios
dentro de uma igreja, na presença de um sacerdote, etc., é bastante plausível
que sua intenção era comungar - pelo que sabemos do comportamento
“normal” das pessoas, dificilmente ela estaria tentando se embebedar ou
cometer suicídio ali. Se a pessoa, porém, estava levando o copo aos lábios
em um clube noturno, onde esteve a dançar, tem o semblante alegre e
descontraído, é bem possível que sua intenção fosse meramente saciar a
sede - dificilmente estaria comungando ali, por exemplo. E assim por diante.
Quando estamos na posição de observadores, procurando descobrir a
intenção de alguém, precisamos analisar o contexto e, com base em nosso
conhecimento acerca do comportamento “normal” das pessoas, aventar uma
hipótese, que terá maior ou menor probabilidade de ser correta, dependendo
das circunstâncias. Em alguns casos pode ser impossível determinar a
intenção de alguém. Em outros pode ser até razoavelmente fácil (o que
não exclui a possibilidade de erro). No nosso caso, não há dados que
permitam determinar qual das hipóteses é mais provável, ou mesmo se
alguma delas tem certa possibilidade, pois só oferecemos a descrição de um
movimento físico: o de levar aos lábios um copo com liquido vermelho - não
descrevemos o contexto. Mas em grande parte dos casos há uma indicação
do contexto, da situação, que nos permite inferir qual a intenção do agente ao
realizar certos movimentos.
Voltemos agora à afirmação que fizemos acima de que se não houver, por
parte de quem apresenta um certo conteúdo, a intenção de que alguém
aprenda aquilo que está se expondo, então não há ensino. O problema que
esta afirmação enfrenta, dissemos, está relacionado com a dificuldade em
determinar a intenção de alguém, a partir dos movimentos físicos que realiza.
Esta dificuldade, contudo, não é intransponível, como acabamos de ver, e
é compartilhada por todas as situações em que atribuímos intenções a
outras pessoas, algo que fazemos em grande freqüência. Constantemente
atribuímos intenções aos outros e, embora muitas vezes erremos ao fazê-lo,
com surpreendente freqüência acertamos.
Estamos agora em condições de responder à pergunta que formulamos no
primeiro parágrafo desta segunda parte: Qual é realmente a diferença entre a
primeira e a segunda situação que imaginamos naquele parágrafo? Por que é
que no primeiro caso parece plausível dizer que o professor não estava
ensinando, e que no segundo parece bem mais plausível dizer que o
professor estava ensinando, embora em ambos os casos os alunos nada
hajam aprendido? No primeiro caso, os fatos da situação - o contexto - mais
nosso conhecimento de que crianças “normais” de sete anos têm condições
de aprender nos indicam que o professor dificilmente poderia ter a intenção
de que as crianças aprendessem os aspectos mais complicados da teoria da
relatividade de Einstein. Por bizarro que possa parecer, é bem mais plausível
30
imaginar que o professor estivesse ensaiando uma aula ou conferência, e
que a presença das crianças fosse puramente acidental ou ornamental. No
segundo caso, porém, a situação é alterada. A audiência é composta de
alunos no último ano do Curso de Física. Baseados nesse fato, e em nosso
conhecimento (ou na suposição razoável) de que alunos no último ano do
Curso de Física têm, em geral, condições de entender a teoria da relatividade
de Einstein, torna-se bem mais plausível atribuir ao professor a intenção de
que os alunos aprendessem o que ele estava expondo, ou seja, a intenção
de ensinar. Em um caso, portanto, é plausível afirmar que o professor não
estava ensinando, e no outro é plausível afirmar que estava. Em nenhum dos
dois casos, porém, houve aprendizagem. A plausibilidade das afirmações
acima não se deve, portanto, ao fato de os alunos não haverem ou haverem
aprendido o que lhes era exposto. Deve-se, isto sim, ao fato de que em um
caso não faz sentido atribuir ao professor a intenção de que seus alunos
viessem a aprender o que expunha, e no outro faz.
Foi por isso que ressaltamos acima que não iríamos discutir a afirmação
simples de que não houve ensino naquelas situações e sim a afirmação
composta de que não houve ensino porque não houve aprendizagem.
Embora as situações sejam, exceto pela audiência, idênticas, estamos
propensos a acreditar que no primeiro não houve ensino e que no segundo
pode ter havido. Mas não estamos propensos a acreditar que este seja o
caso porque na primeira situação não tenha havido e na segunda tenha
havido aprendizagem, pois, por hipótese, não houve aprendizagem em
nenhuma delas. Baseamo-nos no fato de que no primeiro não é plausível
atribuir ao professor a intenção de causar (ou produzir, ou ocasionar, ou
ensejar) a aprendizagem dos alunos, enquanto no segundo é.
2.3 O conceito de ensino
Em relação ao conceito de ensino, podemos resumir as nossas conclusões e
sugerir algumas de suas implicações:
2.3.1 Primeira
O conceito de ensino faz referência a uma situação ou atividade triádica, isto
é, de três componentes, quais sejam, aquele que ensina, aquele a quem se
ensina, e aquilo que se ensina. Esta conclusão sugere que não é muito
apropriado dizer que alguém ensinou a si próprio alguma coisa, sendo,
portanto, um auto-didata (o termo “didata” provém do verbo grego didaskein,
que quer dizer, exatamente, “ensinar”). Quando dizemos que uma pessoa
esta ensinando algo a uma outra pessoa, pressupomos que a primeira saiba
(ou domine) o que está ensinando e que a segunda não saiba (ou domine) o
que está sendo ensinado. Se há, porém, apenas uma pessoa em jogo, mais
um certo conteúdo, ou esta pessoa já sabe (ou domina) este conteúdo, em
Filosofia da Educação – volume 1
31
cujo caso não precisa ensiná-lo a si própria, ou esta pessoa não sabe (ou
domina) o conteúdo em questão, em cujo caso não tem condições de ensinálo a si própria. Designar certas pessoas como auto-didatas parece, portanto,
bastante descabido. Isso não quer dizer, porém, que alguém não possa
aprender por si próprio um certo conteúdo, sem que alguma outra pessoa
necessariamente lhe ensine. Neste caso, porém, a pessoa que vem aprender
um dado conteúdo por si própria não é um autodidata, mas sim um autoaprendiz.
2.3.2 Segunda
Para que uma atividade se caracterize como uma atividade de ensino não é
necessária que aquele a quem se ensina aprenda o que está sendo
ensinado; basta que o que ensina tenha a intenção de que aquele a quem ele
ensina aprenda o que está sendo ensinado. Esta segunda conclusão é rica
em implicações. Em primeiro lugar, ela implica a existência de ensino sem
aprendizagem (o que poderíamos chamar de ensino mal sucedido). Em
segundo lugar, ela sugere que coisas realmente não ensinam, porque não
podem ter a intenção de produzir a aprendizagem. Isto, por sua vez, significa
que não é muito correto dizer: “A natureza me ensinou”, ou “a vida me
ensinou”, etc. Significa, também, que é só com muito cuidado que podemos
falar em ensino através de máquinas (máquinas de ensinar, computadores,
por exemplo), ou mesmo através de livros. Um computador (ou um livro) só
ensina na medida em que a pessoa que o programou (ou escreveu) teve a
intenção de que alguém aprendesse através dele.
2.3.3 Terceira
A intenção de produzir a aprendizagem, isto é, a intenção de ensinar, só pode
ser constatada mediante análise do contexto em que certas atividades são
desenvolvidas. Se esta análise tornar razoável a atribuição da intenção em
pauta, podemos concluir que pode estar havendo ensino; caso contrário,
seremos forçados a admitir que não esteja. Esse exame do contexto é,
portanto, extremamente importante. A presente conclusão, quando vista à luz
das precedentes, tem pelo menos três implicações bastante significativas. Em
primeiro lugar, desde que ensinar é sempre ensinar alguma coisa, algum
conteúdo, a alguém, quem quer que seja que pretenda estar ensinando tem a
obrigação de indicar, de maneira clara e inequívoca, exatamente o que é que
ele tenciona que seus alunos aprendam. Se o conteúdo a ser aprendido não
é claramente indicado, a pessoa que o expõe pode estar fazendo uma
variedade de coisas (um discurso, uma pregação, etc.), mas dificilmente
estará ensinando, pois se torna bastante problemático atribuir-lhe a intenção
de que os alunos aprendam algo que não é especificado. Em segundo lugar,
é necessário que as atividades desenvolvidas por quem pretende estar
ensinando estejam relacionadas, de alguma maneira, com o conteúdo a ser
32
aprendido. Isto significa que, embora as atividades que possam ser
consideradas atividades de ensino, em geral, sejam virtualmente ilimitadas,
as atividades que podem ser consideradas de ensino de um conteúdo
específico são limitadas pela natureza do conteúdo em questão. Se as
atividades desenvolvidas não têm relação com esse conteúdo, torna-se difícil
atribuir ao suposto ensinante a intenção de que seus alunos aprendam o
conteúdo que lhes está sendo proposto. Em terceiro lugar, desde que ensinar
é sempre ensinar alguma coisa a alguém, é necessário que quem pretende
estar ensinando conheça e leve em consideração a condição de seus alunos
(sua idade, seu desenvolvimento, seu nível intelectual, etc.) para não
apresentar-lhes conteúdos para os quais não estão preparados e que não
têm condições de aprender e para não desenvolver atividades inadequadas à
condição desses alunos. Torna-se bastante problemático atribuir a alguém a
intenção de que seus alunos aprendam um certo conteúdo se esse conteúdo,
por exemplo, está acima da capacidade desses, ou se as atividades
escolhidas como meios para alcançar esse objetivo não podem ser
desenvolvidas ou acompanhadas pelos alunos.
Com essas conclusões chegamos, porém, ao segundo tópico a ser discutido
nesta parte do trabalho. Até agora discutimos a possibilidade de haver ensino
sem aprendizagem. Discutamos agora a questão inversa: pode haver
aprendizagem sem ensino?
2.4 Pode haver aprendizagem sem que haja ensino?
A resposta a essa pergunta parece ser bem mais fácil do que a resposta à
questão anterior. Parece óbvio que pode haver aprendizagem sem ensino.
Atrás já aludimos ao fato de que é possível que, durante uma aula ou
exposição, alguém aprenda coisas que o professor não está querendo lhe
ensinar (isto é, coisas que o professor não tem a intenção de que ele venha a
aprender), como, por exemplo, que o assunto da exposição é terrivelmente
maçante. Este seria um exemplo de aprendizagem sem ensino. Acabamos de
sugerir que o chamado autodidata é, na realidade, um auto-aprendiz, alguém
que aprende um certo conteúdo sozinho, e não alguém que o ensina a si
mesmo. Sugerimos, também, que não é muito correto dizer que a natureza e
a vida ensinam. Nestes casos, também, parece ser muito mais correto dizer
que certas pessoas aprendem determinadas coisas por si próprias. Estes
seriam exemplos de aprendizagem sem ensino. Parece claro, portanto, que
pode haver aprendizagem sem ensino.
Mas consideremos a posição de alguém que argumente da seguinte maneira.
Concordo não ser muito correto dizer que a natureza e a vida ensinem coisas
às pessoas; é muito mais correto dizer que as pessoas aprendem sozinhas se bem que através de seu contato com a natureza ou através de sua
experiência da vida. Mas - continua o argumento - esta situação não é
Filosofia da Educação – volume 1
33
diferente da do aluno na sala de aula: o aluno, na sala de aula, também
aprende, na realidade, sozinho - se bem que, muitas vezes, através de seu
contacto com o professor. A sua aprendizagem prossegue o argumentante,
não é o produto, ou o resultado, ou a conseqüência do ensino do professor:
há muitos fatores que incidem sobre ela, como, por exemplo, a motivação do
aluno, suas condições de saúde e alimentação, o clima sócio-emocional na
sala de aula, as condições do meio ambiente (a temperatura da sala, etc.), e
assim por diante. Um dos fatores mais importantes a incidir sobre a
aprendizagem é a experiência anterior do aluno com conteúdos semelhantes
aos que agora se pretende que ele aprenda, a bagagem de experiência e
conhecimento que ele traz consigo. É somente na medida em que estes
fatores incidem de maneira favorável sobre o aluno que ele vem a aprender,
continua o argumentante, e conclui: A aprendizagem do aluno é sempre uma
auto-aprendizagem: se ele está doente, ou sub-nutrido, ou não tem
motivação, ele não aprende, por melhor que seja o professor. Ao professor
cabe, portanto, simplesmente facilitar a aprendizagem, remover os obstáculos
a ela criar-lhe condições propícias. A aprendizagem, porém, é sempre um ato
do aluno e nunca a conseqüência de um ato do professor, a saber, do ato de
ensinar. Toda aprendizagem, portanto, diz o slogan, é auto-aprendizagem.
Aqui termina o argumento.
Várias observações podem ser feitas aos que assim argumentam. Em
primeiro lugar, os que assumem essa posição respondem afirmativamente à
pergunta: Pode haver aprendizagem sem que haja ensino? É verdade que
vão mais longe, afirmando que a aprendizagem, em hipótese alguma, pode
ser entendida como uma conseqüência do ensino. Em segundo lugar, precisa
ser dito que grande parte das afirmações feitas pelos que defendem essa
posição é perfeitamente aceitável - por exemplo, o que se diz acerca dos
vários fatores que incidem sobre a aprendizagem. É este fato que faz com
que a posição em pauta pareça ter uma certa plausibilidade inicial. O que
precisa ser esclarecido - e esta é uma terceira observação - é o papel do
ensino, e, conseqüentemente, do professor, no processo de aprendizagem.
Estamos entrando, aqui, porém, em uma área perigosa para o filósofo, pois
esta última questão parece levantar um problema de natureza empírica
acerca do qual somente um psicólogo poderia nos dar informações. Um
filósofo que se preocupa essencialmente com questões conceituais faria bem,
poderia parecer, em não se intrometer nesta área. Para esclarecer nosso
objetivo, portanto, é necessário que indiquemos claramente em que sentido
um filósofo pode contribuir para a solução desse problema. Vimos atrás que o
conceito de ensino inclui uma referência ao conceito de aprendizagem (mais
precisamente, faz referência à intenção de produzir a aprendizagem). O que
queremos examinar aqui é se o conceito de aprendizagem exclui a
possibilidade de que a aprendizagem seja vista como o produto, o resultado,
ou a conseqüência do ensino, pelo menos em alguns casos. Já admitimos a
34
possibilidade de que a aprendizagem ocorra sem ensino. Queremos, agora,
examinar a suposta impossibilidade de que ela aconteça em decorrência do
ensino, como efeito ou conseqüência deste. Se esta impossibilidade for real,
isto é, se o conceito de aprendizagem logicamente exclui a possibilidade de
que a aprendizagem seja vista como (em alguns casos) uma decorrência do
ensino, então o ensino, como uma atividade que é desenvolvida com a
intenção de que dela resulta a aprendizagem, é um empreendimento fútil.
Não caberá mais ao professor ensinar - restar-lhe-á apenas a tarefa de
detectar obstáculos e empecilhos à aprendizagem (como falta de motivação,
desnutrição, etc.) e de procurar encontrar maneiras de remover esses
obstáculos e empecilhos, tornando-se, portanto, caso venha a ser bem
sucedido, um facilitador da aprendizagem. Diga-se de passagem, que essa
tarefa não é pequena, nem fácil, e muito menos indigna. Todo professor
sensível se dedica a ela. Acontece, porém, que muitos professores acreditam
que, além da tarefa de detectar obstáculos e empecilhos à aprendizagem e
de procurar encontrar maneiras de removê-los, cabe-lhes a tarefa de ensinar,
ou seja, de desenvolver certos tipos de atividade que deverão resultar na
aprendizagem, por parte dos alunos, de certos conteúdos. Ora, essa tarefa só
é realizável se a impossibilidade a que nos referimos não for real.
Para elucidar essas questões que, embora conceituais, têm muitas
implicações práticas, é necessário levar em conta o que psicólogos afirmam
acerca da natureza da aprendizagem. Mas nossa investigação não é
equivalente a uma investigação psicológica, de natureza empírica.
Há um certo sentido em que é verdade que toda aprendizagem a autoaprendizagem, que é o seguinte: ninguém pode aprender por mim. Se eu
quero vir, a saber, (ou dominar) um certo conteúdo, sou eu e ninguém mais
que tenho que aprender esse conteúdo. Alguém pode me explicar em detalhe
o conteúdo a ser aprendido, pode discuti-lo comigo, esclarecer minhas
dúvidas, estabelecer paralelos entre esse conteúdo e outros que já conheço
(ou domino), etc., mas a aprendizagem, em última instância, é minha. Sou eu
que tenho que assimilar, compreender, dominar o que deve ser aprendido. Se
é só isso que se quer dizer quando se afirma que toda aprendizagem é autoaprendizagem, então o slogan é perfeitamente aceitável.
Mas muita gente quer dizer mais com o slogan. Quer dizer que o professor
não deve interferir no processo de aprendizagem do aluno (a não ser para
remover obstáculos a essa aprendizagem) e que este deve descobrir por si
só aquilo que deve aprender. O melhor que o professor pode fazer, em uma
linha de ação positiva, talvez seja criar condições propícias para que o aluno
descubra, ele próprio, o conteúdo a ser aprendido. Interpretado dessa
maneira, o slogan já não nos parece tão aceitável. Em primeiro lugar, essa
aprendizagem por descoberta parece inteiramente apropriada em contextos
nos quais a pessoa está aprendendo sozinha, sem o auxílio do professor, ou
Filosofia da Educação – volume 1
35
em contextos nos quais aquilo que deve ser aprendido ainda não foi
descoberto por ninguém, sendo, portanto, desconhecido. Em segundo lugar,
não nos parece que jamais tenha sido provado que, no que diz respeito a
conteúdos já conhecidos, já descobertos por alguém, a melhor maneira de
aprender esses conteúdos seja trilhar o caminho seguido por quem
originalmente os descobriu. Em outras palavras, parece ser bem possível, por
exemplo, que a melhor maneira de aprender um dado conteúdo já conhecido
seja seguir o caminho inverso daquele percorrido por quem descobriu esse
conteúdo (reverse engineering). Ou algum outro caminho, talvez. Essas
questões precisam ser investigadas empiricamente. Não há garantias
conceituais para a suposição de que no caso de verdades já conhecidas estamos falando agora de conteúdos cognitivos - a melhor maneira de
aprendê-los seja redescobri-las. Por um lado, o processo de descobrimento
(ou redescobrimento) é altamente demorado, e muitas vezes não é bem
sucedido. Por outro lado, não há a menor garantia de que, se cada geração
precisar redescobrir as verdades já descobertas por prévias gerações, se vá
chegar muito além do ponto ao qual as gerações prévias chegaram. Isto nos
mostra que, em relação a certos conteúdos, é bem possível que a melhor
maneira de ocasionar uma aprendizagem rápida e fácil seja através do
ensino.
Ora, se isto é possível - note-se que não estamos dizendo que seja o caso então não é (logicamente) impossível que a aprendizagem aconteça em
decorrência do ensino, como efeito ou conseqüência do ato de ensinar.
2.5 Educação, Ensino e Aprendizagem
Pode haver ensino sem que haja educação? Pode haver aprendizagem sem
que haja educação? Para respondermos a essas perguntas é necessário que
investiguemos o conceito de educação.
Uma investigação exaustiva, que descreva e analise os vários conceitos de
educação existentes em nossa cultura, ou em outras culturas, distantes de
nós no tempo ou no espaço, não é possível dentro do escopo do presente
trabalho. Os conceitos são tantos, e tão variados, que somente poderíamos
discuti-los com algum proveito dentro de um livro dedicado especialmente ao
assunto. A alternativa que nos resta é a de propor uma caracterização do
conceito de educação que seja suficientemente ampla, que faça sentido e
seja justificável. A partir dessa caracterização tentaremos responder às
perguntas formuladas no parágrafo anterior, bem como às suas correlatas:
Pode haver educação sem que haja ensino? Pode haver educação sem que
haja aprendizagem?
36
2.6 O Conceito de educação
Entendemos por “educação” o processo através do qual indivíduos adquirem
domínio e compreensão de certos conteúdos considerados valiosos.
Vamos esclarecer o sentido dos principais termos dessa proposta de
definição, pois sem esse esclarecimento a proposta fica muito vaga.
2.6.1 Conteúdos
Como vimos na seção anterior, o termo “conteúdo” tem sentido bastante
amplo, podendo designar coisas as mais variadas. Quando falamos em
conteúdos, no contexto educacional, temos em mente não só conteúdos
estritamente intelectuais ou cognitivos, mas todo e qualquer tipo de
habilidade, cognitiva ou não, atitudes, etc. Note-se, porém, que na nossa
proposta de definição o termo “conteúdos” está qualificado (falamos em
“certos conteúdos considerados valiosos”), fato que já é indicativo de uma
certa restrição no tocante aos conteúdos que podem ser objeto do processo
educacional. Mas falaremos sobre isto mais adiante. Aqui é suficiente indicar
que quando falamos de conteúdos estamos nos referindo a coisas tão
diferentes umas das outras como geometria euclideana, teoria da
relatividade, habilidade de extrair a raiz quadrada ou calcular a área do
círculo, habilidade de amarrar os sapatos, de mexer as orelhas sem mover
outros músculos da face, atitude positiva para com a vida, a morte, para com
os outros, etc.
2.6.2 Adquirir domínio
Estamos usando a expressão “adquirir domínio” como basicamente
equivalente ao termo “aprender”. Adquirir domínio de um dado conteúdo é,
portanto, aprendê-lo, no sentido mais amplo do termo. Neste sentido, alguém
adquiriu domínio da habilidade de calcular a área de um círculo quando
aprendeu e é capaz de “sabe” calcular a área de qualquer círculo que lhe seja
apresentado.
2.6.3 Adquirir compreensão
Em nossa proposta de definição dissemos que a educação é o processo
através do qual indivíduos adquirem domínio e compreensão de certos
conteúdos considerados valiosos. Nossa intenção ao acrescentar “e
compreensão” não foi a de simplesmente dar maior ênfase. Cremos que algo
diferente e muito importante foi acrescentado à definição com a inclusão
dessas duas palavras. Para que um processo seja caracterizado como
educacional não basta que através dele indivíduos venham a dominar certos
conteúdos: é necessário que esse domínio envolva uma compreensão dos
conteúdos em questão. Uma coisa é saber que a fórmula para calcular a área
Filosofia da Educação – volume 1
37
de um círculo é P r2 e mesmo ser capaz de aplicá-la. Outra coisa é
compreender porque é que se utiliza essa fórmula para calcular a área
de um círculo. Uma coisa é saber que não se deve tirar a vida de uma outra
pessoa. Outra coisa é compreender porque é que não se deve fazer isso.
Uma coisa é assimilar, pura e simplesmente, os valores de uma dada cultura.
Outra coisa é aceitá-los, criteriosamente, após exame que leve à
compreensão de sua razão de ser.
Quando falamos em educação não estamos falando simplesmente em
socialização ou aculturação, por exemplo. O processo de assimilação de
normas sociais e de valores culturais pode ou não ser educacional: se essas
normas e esses valores são simplesmente incorporados pelo indivíduo, ou
inculcados nele, sem que ele compreenda sua razão de ser, o processo é de
mera socialização ou aculturação, não havendo educação. Para que haja
educação é necessário que o indivíduo, além de dominar certos conteúdos,
que no caso são normas sociais e valores culturais, venha a compreendêlos, venha a entender sua razão de ser, venha a aceitá-los somente após
investigação criteriosa que abranja não só as normas e os valores em
questão, mas também possíveis alternativas.
2.6.4 Conteúdos considerados valiosos
Esta expressão talvez seja a mais problemática na proposta de definição feita
por nós. O domínio, mesmo com compreensão, de certos conteúdos não é
parte integrante de um processo educacional se os conteúdos em questão
são considerados perniciosos ou sem valor algum. O domínio da habilidade
de mexer as orelhas sem mover outros músculos da face não é, em nossa
cultura, parte integrante do processo de educação dos indivíduos. O valor
dessa habilidade é considerado virtualmente nulo. O desenvolvimento de
uma atitude positiva, de aceitação, de relações sexuais entre irmãos também
não é, em nossa cultura, parte integrante do processo de educação dos
indivíduos, pois essa atitude é vista como perniciosa.
Há, portanto, uma importante restrição no tocante aos conteúdos que podem
ser objeto do processo educacional, como mencionamos atrás, e essa
restrição diz respeito ao valor que se atribui a esses conteúdos, em
determinados contextos. Essa introdução de um elemento valorativo na
definição de educação limita os conteúdos que podem ser parte integrante do
processo educacional. Ao mesmo tempo em que faz isso, essa referência ao
valor dos conteúdos coloca a educação dentro da problemática maior do
chamado relativismo, pois o que é tido como valioso em uma dada cultura
pode não ser assim considerado em outra, e vice-versa. Foi por isso que
tivemos o cuidado de dizer “conteúdos considerados valiosos”, e não
simplesmente “conteúdos valiosos”, pois ao optar pela segunda possibilidade
estaríamos nos comprometendo com um dos lados de uma controvérsia que
38
está longe de ser resolvida. É perfeitamente concebível que a habilidade de
mexer as orelhas sem mover outros músculos da face seja considerada
valiosa em algumas culturas, como é claramente possível que o
desenvolvimento de uma atitude positiva para com o incesto entre irmãos
seja considerado valioso em outras culturas. Se isso é verdade, então o
domínio daquela habilidade e o desenvolvimento desta atitude seriam parte
integrante do processo educacional nessas culturas, do mesmo modo que
não o são na nossa.
É possível, para citar outro exemplo, que o desenvolvimento de uma atitude
crítica para com as opiniões de outras pessoas, incluindo-se aí os mais
velhos, ou aqueles em posição de autoridade, seja considerado algo
indesejável em algumas culturas e algo altamente valioso em outras. Se este
for o caso, o desenvolvimento dessa atitude não será parte integrante do
processo educacional nas primeiras culturas e o será nas outras. E assim por
diante. Não nos compete aqui discutir a questão da objetividade ou não dos
valores, embora este seja um tópico fascinante. Também não entraremos na
complicada questão que é colocada pela coexistência de valores conflitantes
dentro de uma mesma cultura (concebendo-se o termo “cultura” aqui em um
sentido bastante amplo): em caso de conflito, deverão ter prioridade e
prevalecer os valores de quem? Os dos pais do educando? Os dos
professores? Os dos governantes? Os da igreja? Ou os do próprio
educando?
Tendo em mente essa caracterização do conceito de educação, retomemos
as perguntas formuladas no início desta seção: Pode haver ensino sem que
haja educação? Pode haver aprendizagem sem que haja educação?
2.7 Pode haver ensino e aprendizagem sem que haja educação?
Parece óbvio que, se a educação é o processo através do qual indivíduos
adquirem domínio e compreensão de certos conteúdos considerados
valiosos, naturalmente pode haver ensino e aprendizagem sem que haja
educação, ou seja, ensino e aprendizagem não-educacionais. Basta que as
condições estipuladas na caracterização do conceito de educação não sejam
cumpridas, para que o ensino e a aprendizagem deixem de cumprir função
educacional.
Já observamos atrás que o domínio de habilidades às quais não se atribui
valor, ou o desenvolvimento de atitudes consideradas perniciosas, em um
dado contexto, não são partes integrantes do processo educacional, dentro
daquele contexto. Em uma cultura semelhante à nossa, por exemplo, o fato
de um indivíduo aprender a mexer as orelhas sem mover outros músculos da
face, ou de desenvolver uma atitude de aceitação ou tolerância para com
relações sexuais entre irmãos, não é visto como uma contribuição para o seu
Filosofia da Educação – volume 1
39
processo educacional. Conseqüentemente, se alguém ensina a uma outra
pessoa aquela habilidade ou esta atitude, esse ensino estará se realizando
fora do contexto educacional, pois esses conteúdos não são considerados
valiosos em nossa cultura. Igualmente, ensinar a alguém a arte (ou técnica)
de arrombar cofres fortes, ou de bater carteiras, ou de mentir com perfeição,
não é contribuir para sua educação, em um contexto cultural em que esses
conteúdos não são considerados valiosos, como, queremos crer, seja aquele
em que vivemos.
Pode haver, portanto, ensino e aprendizagem sem que haja educação,
quando os conteúdos ensinados e aprendidos não são considerados
valiosos. Contudo, mesmo o ensino e a aprendizagem de conteúdos
considerados valiosos podem ser não-educacionais se, por exemplo, levam
ao domínio sem compreensão (no sentido ilustrado) desses conteúdos.
Alguém que aceita normas sociais e valores culturais sem examinar e
compreender sua razão de ser, sem dúvida aprendeu um certo conteúdo
(possivelmente até através do ensino), mas o fez sem compreensão: a
aprendizagem, neste caso, foi não-educacional, e se a aprendizagem foi
decorrência de um ensino que estava interessado apenas na aceitação das
normas e dos valores, e não na sua compreensão, o ensino também foi nãoeducacional (tendo sido, possivelmente, doutrinacional). O chamado
condicionamento, na medida em que produz um certo tipo de comportamento
que não é acompanhado de compreensão, não pode ter lugar dentro de um
processo educacional.
Quer nos parecer, pois, que não resta a menor dúvida de que o ensino e a
aprendizagem podem ser não-educacionais, ou porque os conteúdos
ensinados e/ou aprendidos não são considerados valiosos ou porque levam
ao domínio sem compreensão. É por isso que se pode criticar o ensino
que insiste na mera memorização ou a aprendizagem puramente
mecânica, automática, não-significativa. O ensino e a aprendizagem, nesses
casos, não estão contribuindo para a educação do indivíduo, mesmo que os
conteúdos ensinados e aprendidos sejam considerados valiosos, porque não
estão levando o indivíduo a compreender esses conteúdos.
Da mesma maneira, parece-nos bastante impróprio falar em educação de
animais, por exemplo, embora não reste dúvida de que animais possam
aprender, freqüentemente em decorrência de atividades de ensino. Muitos
animais são perfeitamente capazes de dominar habilidades às vezes
bastante complexas. É difícil imaginar, porém, que esse domínio seja
acompanhado de compreensão (no sentido visto). Não o sendo, é impróprio
afirmar que foram educados: parece ser bem mais correto dizer que foram
meramente treinados, ou talvez, condicionados.
40
De igual maneira, o ensino e a aprendizagem de conteúdos que consistam de
enunciados falsos, ou de enunciados que a melhor evidência disponível
indique terem pouca probabilidade de serem verdadeiros (e,
conseqüentemente, grande probabilidade de serem falsos), ou, talvez, de
enunciados acerca dos quais a evidência, favorável ou contrária, seja
inconclusiva, não devem ser parte integrante do processo educacional, pois
quer nos parecer que em nossa cultura não seja considerado valioso um
conteúdo que consista de enunciados falsos, ou contrários à melhor
evidência disponível, ou acerca dos quais a evidência seja inconclusiva. O
ensino de conteúdos deste tipo parece bem mais próximo da doutrinação do
que da educação. Devemos ressaltar, para evitar mal-entendidos, que
ensinar que um dado enunciado, ou conjunto de enunciados é falso ou nãoevidenciado é afirmar algo verdadeiro, se os enunciados em questão forem
realmente falsos ou não-evidenciados, e se constitui, portanto, em uma
atividade que pode, legitimamente, ser parte integrante do processo
educacional. O que não pode ser visto como educacional é o ensino (e a
aprendizagem) de enunciados falsos ou não-evidenciados como sendo
verdadeiros ou evidenciados.
2.8 Um parêntese
A esta altura vários problemas muito interessantes poderiam ser levantados,
como elemento para futuras reflexões.
Primeiro: Ensinar (em geral, incluindo-se ensinar em contextos nãoeducacionais) é desenvolver certas atividades com a intenção de que os
alunos aprendam um dado conteúdo x. Ensinar (em contextos, agora,
estritamente educacionais) é desenvolver certas atividades com a intenção
de que os alunos aprendam e compreendam um dado conteúdo x. Não há
garantias de que as atividades desenvolvidas no ensino não-educacional e no
ensino educacional de um mesmo conteúdo x sejam, necessariamente, as
mesmas - muito pelo contrário.
Segundo: Ensinar, como visto, é sempre ensinar um certo conteúdo. Mas é
perfeitamente possível que o conteúdo a ser ensinado, em um dado
momento, seja o próprio ato de ensinar, ou a própria arte (ou habilidade) de
ensinar. Neste caso, o próprio ensino seria o conteúdo do ensino.
Terceiro: O ensino que leva à aprendizagem sem compreensão e a
aprendizagem não acompanhada de compreensão são, como acabamos de
ver, não-educacionais. O elemento que os torna educacionais é a
compreensão. A seguinte pergunta, portanto, é bastante importante e
pertinente: É possível ensinar a compreensão como conteúdo, isto é, ensinar
aos alunos a arte ou habilidade de compreender qualquer conteúdo que
estejam aprendendo, ou tenham aprendido, ou que venham a aprender?
Filosofia da Educação – volume 1
41
Queremos crer que sim, embora este não seja o lugar de justificar esta
resposta. Quer nos parecer, porém, que aqueles que afirmam que a função
primordial da educação é fazer com que indivíduos aprendam a pensar
estejam, na realidade, querendo dizer que a função primordial da educação é
fazer com que indivíduos aprendam certos conteúdos com compreensão, de
maneira crítica, etc., e não de modo puramente mecânico, não significativo.
Quarto: Quando o conteúdo do ensino é o próprio ensino (a arte ou
habilidade de ensinar), também este conteúdo pode ser ensinado de maneira
não-educacional e de maneira educacional, isto é, com a intenção de que os
alunos meramente o dominem ou com a intenção de que os alunos o
dominem e compreendam. Quer nos parecer que quem aprende ou domina
com compreensão este conteúdo (a arte ou habilidade de ensinar) terá
melhores condições, caso venha, eventualmente, a ensinar outros conteúdos,
de fazê-lo de maneira educacional, isto é, de modo que seus alunos venham
a aprender e compreender esses outros conteúdos.
Quinto: Quem aprende com compreensão um conteúdo qualquer (diferente
do ato ou da habilidade de ensinar) geralmente tem melhores condições de
ensinar aquele conteúdo, ou mesmo de ensinar a ensinar aquele conteúdo,
do que alguém que só se preocupa com ensinar o ato ou a habilidade de
ensinar (em geral).
Todas essas questões são altamente complexas, mas muito interessantes,
merecendo estudo e reflexão. Dadas as limitações de tempo e espaço, não
podemos investigá-las mais detalhadamente no presente trabalho. Somos da
opinião de que o esquema conceitual aqui apresentado, além de permitir que
essas questões sejam levantadas, sugere algumas maneiras de abordá-las,
que poderão ser desenvolvidas em outros trabalhos.
2.9 Pode haver educação sem que haja ensino e aprendizagem?
Acabamos de ver, pois, que pode haver ensino e aprendizagem que não são
educacionais. Pode haver educação, porém, sem que haja ensino e sem que
haja aprendizagem? Vamos discutir esta questão em partes, examinando,
primeiro, se pode haver educação sem que haja aprendizagem, e, segundo,
se pode haver educação sem que haja ensino.
Nossa proposta de definição de educação e nossa caracterização do termo
“aprendizagem” nos mostram que há um vínculo conceitual entre educação e
aprendizagem. Todo processo educacional implica, por definição, a
aprendizagem de algum conteúdo, ou seja, envolve, necessariamente,
alguma forma de aprendizagem. Habilidades que decorrem de processos
puramente fisiológicos ou de amadurecimento não podem ser parte
integrante do processo educacional porque não envolvem domínio,
aprendizagem. A capacidade de fazer com que os intestinos funcionem, por
42
exemplo, e a capacidades de gerar filhos, não são aprendidas: são
decorrentes de processos puramente fisiológicos e de amadurecimento.
Conseqüentemente, o seu desenvolvimento não pode ser visto como parte
integrante do processo de educação de uma criança ou de um jovem. A
habilidade de controlar os intestinos e de manter sob controle a capacidade
reprodutora, de modo a permitir que esta se manifeste apenas em certas
situações e sob certas condições, é, porém, decorrente de um processo de
aprendizagem, e, conseqüentemente, o seu desenvolvimento pode se
constituir em um dos objetivos específicos do processo de educação de
indivíduos.
Não nos parece fazer o menor sentido dizer que um certo tipo de atividade
contribui para a educação de um indivíduo se, em decorrência dessa
atividade, o indivíduo nada vai aprender. A educação é o processo através do
qual indivíduos aprendem e compreendem certos conteúdos considerados
valiosos. Não é possível, pois, que haja educação sem que haja
aprendizagem.
A situação é diferente no que diz respeito à relação entre ensino e educação.
Vimos, atrás, que pode haver aprendizagem sem que haja ensino. A
educação está conceitualmente vinculada à aprendizagem, e esta pode
ocorrer sem que haja ensino. Deste argumento não decorre, porém,
aparências ao contrário, que a educação possa ocorrer sem que haja ensino,
pois não é o caso que, necessariamente, toda aprendizagem seja
conceitualmente ligada à educação, sendo possível que apenas seja ligada à
educação a aprendizagem decorrente do ensino. Contudo, prima facie não há
razão para negar que esteja se educando o indivíduo que aprende por si
próprio (o auto-aprendiz), e vem a compreender (no sentido dado ao termo
por nós), conteúdos considerados valiosos. A menos, portanto, que se
apresente um argumento convincente para mostrar que a educação não pode
ocorrer sem o ensino, devemos concluir que possa.
É bem possível, porém, como ressaltamos na seção anterior, que a
aprendizagem de certos tipos de conteúdo se realize mais fácil e
rapidamente através do ensino. Se este realmente for o caso - e, como
dissemos, não nos parece que o contrário tenha sido jamais provado - então
a educação pode e deve se utilizar do ensino. Mas não há, neste caso, um
vínculo conceitual entre educação e ensino, como acontece no caso de
educação e aprendizagem. No caso de educação e ensino o vínculo é
puramente acidental. Desde que o ensino pode ser uma das maneiras de
alguém chegar à aprendizagem de certos conteúdos, podendo mesmo ser,
no caso de alguns conteúdos, a maneira mais eficiente, a educação pode se
utilizar do ensino. Mas não é necessário, do ponto de vista lógico, que o faça.
Conseqüentemente, pode haver educação sem que haja ensino.
Filosofia da Educação – volume 1
43
Capítulo 3
Educação Formal e Informal e a
Questão dos Objetivos da
Educação
Antes de passarmos à discussão do conceito de doutrinação, parece-nos
oportuno acrescentar alguns comentários adicionais sobre o conceito de
educação.
3.1 Educação formal e educação informal
O primeiro comentário diz respeito à distinção entre educação formal e
educação informal. Há, pelo menos, duas maneiras de entender essa
distinção. De um lado, pode-se afirmar que educação formal é aquela
ministrada em instituições especialmente criadas e organizadas com o
objetivo de educar, a saber, escolas, e que educação informal é aquela que
se realiza através de outras instituições, cuja finalidade precípua e principal
talvez não seja a de educar, a saber, o lar, a igreja, a empresa, centros
comunitários, etc. Não resta a menor dúvida de que pessoas educam-se, e
são educadas, sem jamais freqüentar uma escola. Neste sentido, a chamada
“educação sem escolas” não só sempre foi possível como sempre ocorreu e
ainda ocorre em larga escala, e o apelo no sentido de que a educação, hoje
em dia, se torne mais informal seria uma convocação de outras instituições
(além da escola) a um maior envolvimento com o processo educacional,
muitas vezes relegado, nos dias atuais, por razões várias, quase que
exclusivamente à escola.
Acontece, porém, que a educação informal, neste sentido do termo,
freqüentemente é bastante “formal” (em um sentido um pouco diferente do
termo), ocorrendo de maneira bastante semelhante à utilizada nas escolas.
Igrejas criam “Escolas Dominicais”, “Classes de Catecismo”, etc., as
empresas e centros comunitários oferecem e ministram “Cursos”, etc., onde
há professores, alunos, ensino, salas de aula, em uma réplica quase perfeita
do que acontece na escola propriamente dita. Nesses casos, a aprendizagem
é promovida principalmente através do ensino, o qual, muitas vezes, assume
feições altamente tradicionais. Neste sentido dos termos, portanto, não há
muito que distinga educação formal de educação informal, além do fato de
44
que a primeira ocorre em instituições criadas com a finalidade quase única de
educar e a segunda em instituições que têm outros objetivos além do objetivo
de educar, objetivos esses que se sobrepõem às suas tarefas educacionais.
Passemos, pois, à segunda maneira de entender a distinção entre educação
formal e educação informal. Vimos, há alguns parágrafos, que a educação,
embora implique, necessariamente, a aprendizagem, não implica, com igual
necessidade, o ensino. Como o ensino é, segundo nossa análise, uma
atividade intencional, a educação que se realiza através de atividades de
ensino também é intencional, seja ela realizada na escola ou em outras
instituições. Acabamos de mencionar o fato de que essas instituições nãoescolares que se ocupam da educação muitas vezes o fazem de modo a
imitar o que acontece na escola. Isto nos sugere uma outra maneira de
entender a distinção em questão.
Educação formal seria aquela que se realiza através de atividades de ensino,
e que se caracteriza, portanto, por ser intencional, ou melhor, ainda, por ter a
intenção de produzir a aprendizagem de conteúdos considerados valiosos.
Educação informal, do outro lado, seria aquela que se realiza nãointencionalmente (ou, pelo menos, sem a intenção de educar), quando, em
decorrência de atividades ou processos desenvolvidos sem a intenção de
produzir a aprendizagem de algum conteúdo considerado valioso, pessoas
vêm a aprender e compreender certos conteúdos considerados valiosos - às
vezes considerados de altíssimo valor. Essas atividades e esses processos
podem ocorrer fora da escola, em outras instituições, ou de maneira
inteiramente não institucionalizada, como também pode ocorrer dentro da
própria escola. Em decorrência do modo pelo qual uma escola é organizada
e administrada, ou da maneira pela qual professores e funcionários se
comportam em relação uns aos outros e aos alunos, pessoas podem vir a
aprender e compreender conteúdos considerados de grande valor, sem que
houvesse, a qualquer momento, a intenção de que alguém aprendesse
alguma coisa em conseqüência disto (o que não quer dizer que a forma de
organização e administração da escola, ou o comportamento de seus
professores e funcionários seja não-intencional; freqüentemente é intencional,
mas a intenção não é a de produzir a aprendizagem de conteúdos
considerados valiosos). Freqüentemente, o exemplo de um professor é mais
educacional do que os conteúdos que ele ensina, pois seus alunos podem
aprender mais conteúdos valiosos (ou conteúdos mais valiosos) em
decorrência da observação de suas atitudes e de seu comportamento do que
em conseqüência de seu ensino.
E, embora o professor possa se comportar de uma ou outra maneira, com a
intenção de que seus alunos aprendam algo valioso em função de seu
comportamento, o professor, freqüentemente, não tem esta intenção ao se
Filosofia da Educação – volume 1
45
comportar como o faz (o que, novamente, não quer dizer que seu
comportamento não é intencional; pode sê-lo, mas em função de outras
intenções). Pais freqüentemente procurar educar seus filhos, e grande parte
das vezes tentam fazê-lo através do ensino (via de regra verbal). As atitudes,
o comportamento dos pais, porém, podem ensejar a aprendizagem e
compreensão de conteúdos muito valiosos, principalmente na área da
moralidade, sem que os pais tenham a intenção de que seus filhos aprendam
alguma coisa em decorrência da maneira pela qual se comportam. E assim
por diante.
Cremos que, com esses exemplos, tenha ficado claro o segundo modo de
entender a distinção entre educação formal e educação informal.
3.2 A questão dos objetivos educacionais
O segundo comentário que gostaríamos de fazer se relaciona com algumas
das questões que levantamos, ao final da primeira seção, acerca das
relações que porventura possam existir entre educação e conhecimento,
educação e democracia, educação e profissionalização, etc. No início da
presente seção, quando procuramos caracterizar o conceito de educação,
afirmamos que iríamos propor uma conceituação de educação que fosse
suficientemente ampla. Com esta expressão quisemos dizer que uma
conceituação de educação, para ser viável, deveria ser suficientemente
ampla para permitir que conceitos de educação mais específicos, que
enfatizassem aspectos diferentes do processo educacional, pudessem
encontrar guarida debaixo dessa conceituação mais ampla. Vejamos como
isto pode acontecer.
Nossa conceituação de educação é, basicamente, uma conceituação formal.
Com isto queremos dizer que quaisquer visões substantivas da educação,
que se preocupe em definir objetivos educacionais em um sentido mais
específico - poderíamos dizer que o objetivo educacional mais geral está
contido na conceituação de educação, a saber, fazer com que indivíduos
adquiram domínio e compreensão de conteúdos considerados valiosos cabe, muito bem, debaixo de nossa conceituação.
3.3 Educação humanística e educação técnico-profissionalizante
Analisemos, por exemplo, de início, a questão da chamada educação
humanística versus a chamada educação técnico-profissionalizante.
Certamente nesta questão tem havido radicais de ambos os lados.
De um lado há aqueles que enfatizam a conexão entre educação e
conhecimento, concebendo a noção de conhecimento de modo a incluir nela
46
quase que tão somente os pontos de vista e temas que, de certa maneira,
sobreviveram ao teste de durabilidade e que, portanto, se mostraram
“perenes” - há uma escola de teoria educacional chamada “perenialismo” - e
de modo a excluir da noção de conhecimento, e, conseqüentemente, de sua
visão da educação, tudo aquilo que se refere mais diretamente ao preparo
para o exercício de uma profissão técnica. Este preparo é considerado como
mero treinamento ou adestramento em certas técnicas e habilidades e não
deveria merecer o honroso privilégio de ser considerado parte integrante do
processo educacional, sendo batizado com vários nomes diferentes, como
“processo de qualificação de mão-de-obra especializada”, “processo de
formação de recursos humanos para as áreas técnicas”, etc.
Do outro lado há aqueles, freqüentemente não menos radicais, que enfatizam
a conexão entre educação e vida, concebendo a noção de vida de modo a
realçar suas ligações com o trabalho, e a deixar de lado suas ligações com o
lazer. Educar, afirmam, é preparar para a vida, para o exercício de uma
profissão. Tudo o mais é “ornamento”, “adorno”, “perfumaria”, menos
educação. Dentre os que assumem esta posição há os que enfatizam o
trabalho como forma de auto-realização individual, há os que procuram
realçar o papel do trabalho como fator de desenvolvimento econômico, etc.
Concordam, porém, em que o objetivo educacional básico é a preparação do
indivíduo para a vida ativa do trabalho. (De certa maneira, as velhas
discussões medievais acerca das vantagens e desvantagens da vida
contemplativa e da vida ativa se repetem, com outras roupagens).
Não vamos tentar resolver essa controvérsia. Somente vamos procurar situála dentro de nossa conceituação de educação. Ao conceituar a educação, e
ao explicitar aquela conceituação, observamos que os conteúdos (no sentido
visto) que podem ser parte integrante do processo educacional são
conteúdos considerados valiosos dentro de um dado contexto sócio-cultural.
Mencionamos, também, sem discutir o fato, que se considerarmos o termo
“cultura” em um sentido amplo (como quando se fala em “cultura brasileira”),
valores conflitantes podem co-existir dentro de uma mesma cultura.
Imaginemos, agora, para efeito de argumentação, uma cultura cujos valores
sejam bastante coerentes, na qual o trabalho, seja como forma de realização
pessoal, seja como fator básico de desenvolvimento econômico, seja o valor
preponderante. Nesta cultura, a preparação para o trabalho, a formação
profissional, será, quer nos parecer, o elemento predominante no processo
educacional, outros ingredientes que possam não parecer diretamente
profissionalizantes só sendo permitidos, dentro do processo educacional, na
medida em que, mesmo de maneira indireta, venham a contribuir para o
bom desempenho profissional. Estamos, sem dúvida, simplificando as coisas
aqui, não fazendo várias distinções básicas e deixando de lado os aspectos
complexos que envolvem processos educacionais concretos (e não
Filosofia da Educação – volume 1
47
imaginários), apenas para esclarecer alguns aspectos da questão e mostrar a
abrangência de nossa conceituação de educação.
Em um contexto sócio-econômico como o que acabamos de imaginar,
ninguém, mesmo que não concorde com a hierarquia de valores
predominante naquele contexto, pode condenar a educação por ser
estritamente profissionalizante: ela estará se ocupando dos conteúdos
considerados valiosos naquele contexto. Se nossos valores não coincidem
com os dessa cultura que imaginamos, devemos criticar e combater os
valores dessa cultura, e não condenar o seu sistema educacional por
incorporá-los. Em uma cultura cujos valores sejam diametricamente opostos
aos da cultura que acabamos de imaginar, o processo educacional terá
conteúdos basicamente diferentes no que diz respeito ao seu teor, mas ainda
assim conteúdos considerados valiosos naquele contexto.
3.4 Educação e democracia
O que acabamos de dizer aplica-se, a nosso ver, mutatis mutandis, à relação
entre educação e democracia. Em um contexto sócio-cultural em que a
democracia é um valor básico, e o exercício da cidadania democrática é tido
como algo valioso, o processo educacional vai ser visto como (pelo menos
em parte) preparação para o exercício da cidadania democrática, fato que
levará, sem dúvida, o sistema educacional a apresentar certas características
que poderia não apresentar em outros contextos, onde diferentes fossem os
valores. Naturalmente, a democracia, enquanto valor, é plenamente
compatível com outros valores, e um processo educacional que prepara o
indivíduo para o exercício da cidadania democrática pode também prepará-lo
para o exercício de uma profissão, para a apreciação das artes, para o gozo
dos momentos de lazer, etc.
Voltamos a enfatizar: se não concordamos com os valores de uma
determinada cultura, devemos criticar e combater
esses valores, e não
condenar o seu sistema educacional por incorporá-los.
A questão difícil que pode ser colocada, entretanto, é como mudar valores
sem atuar na educação?
3.5 Educação e sociedade
Isto nos traz ao nosso terceiro comentário, que está estreitamente ligado ao
que acabamos de dizer, e que diz respeito ao que poderíamos chamar de
relacionamento entre educação e sociedade. Observamos atrás que, se
concebermos o termo “cultura” em um sentido amplo, podem co-existir,
dentro de uma mesma cultura, valores conflitantes. A maior parte do mundo
48
vive em sociedades de classes, e as várias classes sociais, freqüentemente,
têm valores diferentes. Em uma sociedade pluralista, onde valores se
chocam, onde os conteúdos considerados valiosos por uns e por outros não
se identificam, que formam deverá tomar o sistema educacional?
Uma solução que se tem dado a este problema é o da criação de vários subsistemas educacionais, cada um deles enfatizando um certo conjunto de
valores. Esta solução pareceria democrática, pois permitiria que cada qual
escolhesse o sub-sistema em que iria ingressar, ou para o qual enviaria
seus filhos, dependendo de seus próprios valores e daqueles que cada um
dos sub-sistemas enfatizasse. Na prática sabemos que esta solução não tem
sido muito democrática. Na verdade, os que propõem um sistema
educacional único (a “escola única”) têm reivindicado, igualmente, a
democraticidade de sua proposta e combatido a falta de democraticidade da
solução que esboçamos, observando que esta solução leva, invariavelmente,
à existência de um sub-sistema educacional para os “nossos filhos” e de
outro(s) sub-sistema(s) para “os filhos dos outros”, visto que o acesso a um e
a outro sub-sistema não é, por razões predominantes econômicas,
franqueado, de igual maneira, a todos.
Outra solução, mais em moda no Brasil de hoje, preconiza a existência de um
sistema educacional único que gradativamente se diferencia em sub-sistemas
e que permite mobilidade horizontal (entre os sub-sistemas) e vertical (entre
os sub-sistemas de um nível e os de outro nível).
Não vamos entrar aqui nos méritos ou deméritos dessas soluções nem
mencionar outras que têm sido propostas. Esta não é nossa intenção.
Estamos simplesmente procurando ilustrar o fato de que dentro de uma
mesma cultura pode haver valores conflitantes, fato este que faz com que o
sistema educacional enfrente sérios problemas e dificuldades para levar em
conta esta divergência e conflitância de valores, e, conseqüentemente, de
conteúdos considerados valiosos e de concepções de quais devam ser os
objetivos educacionais específicos a serem promovidos.
3.6 Educação e a chamada “classe dominante”
Problema mais sério e grave é trazido à tona por aqueles que apontam ao
fato de que sistemas e sub-sistemas educacionais são organizados e
administrados por uma ínfima parcela da população, invariavelmente da
chamada classe dominante, e refletem, em decorrência disso, os interesses e
os valores dessa classe (que, porque dominante, está desejosa de manter o
status quo, de perpetuar seus privilégios, e que, conseqüentemente, vê a
tarefa da educação como sendo, de um lado, preparar uma elite para vir a ser
os futuros “donos do poder”, e, de outro lado, preparar o restante da
Filosofia da Educação – volume 1
49
população para se conformar com a condição de dominados) e não daqueles
a quem esses sistemas e sub-sistemas se destinam. Não nos cabe aqui
analisar esta questão, pois nosso propósito é mostrar que mesmo esse ponto
de vista acerca da educação se enquadra dentro de nossa conceituação, pois
nela, deliberadamente, não incluímos nenhuma indicação acerca de quem
considera valiosos os conteúdos do processo educacional, apontando,
inclusive, para o problema que surge em decorrência da co-existência de
valores conflitantes dentro de uma mesma cultura. Deixamos, portanto,
espaço para aqueles que conceituam a educação em termos do que ela é,
bem como para aqueles que a conceituam em termos do que ela deve ser.
3.7 A educação que é e a que deve ser
Cumpre-nos relembrar, porém, que incluímos, em nossa conceituação de
educação, a exigência de que o processo, para que seja educacional, deva
levar ao domínio e à compreensão de conteúdos considerados valiosos, e
observamos que um processo que leva ao domínio, sem compreensão, sem
crítica, sem investigação da razão de ser, de certos conteúdos, não pode ser
visto como educacional. Este é um lembrete que qualifica o que dissemos no
final do parágrafo anterior, porque muito embora possamos falar em
educação em termos do que ela é, não devemos nos esquecer de que a
educação como ela é freqüentemente não é educação, mas, sim, como
veremos, doutrinação.
3.8 O grande dilema da educação
A exigência de que um processo, para ser educacional, deva levar ao
domínio e compreensão de conteúdos considerados valiosos coloca o
processo educacional diante daquilo que consideramos sua maior dificuldade,
e, por isso mesmo, seu maior desafio: de que maneira podem indivíduos vir a
adquirir domínio de certos conteúdos considerados valiosos e, ao mesmo
tempo, adquirir suficiente compreensão desses conteúdos de modo a assumir
diante deles uma postura crítica e aberta, que os leve a um exame criterioso
desses conteúdos e das alternativas a eles, exame esse de que pode,
inclusive, resultar sua rejeição?
Naquela cultura que imaginamos atrás, na qual o valor preponderante era o
trabalho, o desafio educacional maior seria o de encontrar uma maneira de
promover a educação profissional que cumprisse o objetivo de preparar para
o trabalho e para uma profissão, e, ao mesmo tempo, possibilitasse ao aluno
assumir uma postura crítica diante do próprio tipo de educação que estava
recebendo. O dilema educacional por excelência é, portanto, o do autoquestionamento da educação. É somente na medida em que a educação leva
o indivíduo a questionar sua própria educação que está recebendo que ela
50
está se desincumbindo de sua tarefa. Processos que levam ao mero domínio
e à mera aceitação de conteúdos, mesmo daqueles unanimemente
considerados valiosos, não são educacionais por não levarem os indivíduos à
compreensão desses conteúdos, compreensão esta que inevitavelmente
envolve o seu questionamento. É aqui que estabelecemos o contacto
com a seção seguinte de nosso trabalho, onde discutiremos o problema da
doutrinação.
3.9 Educação e o desenvolvimento das potencialidades do
indivíduo
Mas antes disso, em um último comentário, este acerca do ponto de vista,
bastante difundido, que conceitua a educação como o desenvolvimento das
potencialidades do indivíduo. A dificuldade básica dessa conceituação diz
respeito à noção de potencialidades. Em relação a qualquer indivíduo, quer
nos parecer que seja impossível dizer, a priori, quais sejam as suas
potencialidades. A noção de potencialidades, a nossa ver, quando aplicada a
seres humanos, é uma daquelas noções que só têm sentido
retrospectivamente. Baseando-nos naquilo que um dando indivíduo se torna,
podemos afirmar que tinha potencialidade de tornar-se aquilo (pois doutra
forma não se teria tornado). Só sabemos, portanto, quais as potencialidades
de alguém a posteriori, depois que essas potencialidades já foram
“atualizadas”, isto é, depois de este alguém ter se tornado aquilo para que
tinha potencialidade.
Contudo, mesmo que fosse possível descobrir a priori quais as
potencialidades dos indivíduos, nada nos garante que todas as suas
potencialidades devessem, igualmente, ser desenvolvidas. Pode ser que
algumas potencialidades (como, possivelmente, a potencialidade para
comportamento agressivo e destrutivo) não devessem ser desenvolvidas. E
ao decidirmos quais potencialidades deveriam e quais não deveriam ser
desenvolvidas cairíamos no domínio dos “conteúdos considerados valiosos”.
Portanto, essa difundida conceituação de educação caracteriza o processo
educacional como algo impossível (por não ser possível identificar a priori
quais as potencialidades de alguém), ou, então, cai dentro de nossa
conceituação (se se admite a possibilidade de identificar potencialidades a
priori, cai-se na necessidade de discriminar entre as potencialidades que
devem e as que não devem ser desenvolvidas, entre as potencialidades cujo
desenvolvimento é considerado valioso e aquelas cujo desenvolvimento não
é assim visto).
Filosofia da Educação – volume 1
51
Capítulo 4
Educação e Doutrinação
Há muita controvérsia, hoje em dia, em relação ao conceito de doutrinação.
Não vamos, aqui, tentar solucionar todas as disputas e divergências: vamos
apenas nos situar dentro da controvérsia, apresentando e defendendo um
conceito de doutrinação e mostrando como o conceito de doutrinação, por
nós caracterizado, se relaciona com os conceitos de educação, ensino e
aprendizagem. Antes, algumas considerações gerais.
4.1 Considerações gerais
Quando, na seção anterior, procuramos conceituar a educação, afirmamos
que os conteúdos que podem ser objeto de educação são (desde que
considerados valiosos) os mais amplos possíveis, não restringindo, de
maneira alguma, esses conteúdos à esfera intelectual e cognitiva. Quando
falamos em doutrinação, porém, parece haver uma grande limitação no
tocante aos conteúdos que podem ser doutrinados, a saber: apenas crenças,
ou pontos de vista, ou convicções, ou ideologias, ou, talvez, teorias, podem
ser doutrinados. Não parece fazer o menor sentido afirmar que alguém foi
doutrinado, a menos que conteúdo dessa doutrinação seja alguma coisa do
tipo que acabamos de mencionar. Parece-nos absurdo dizer que alguém foi
doutrinado a adotar uma atitude passiva diante da violência, por exemplo, ou
a tomar banho diariamente, ou qualquer coisa desse tipo. Alguém pode ter
sido condicionado a adotar uma atitude passiva diante da violência, ou a
banhar-se diariamente, mas condicionamento e doutrinação não são a
mesma coisa. Condicionamento tem que haver com comportamento, atitudes,
hábitos. Doutrinação tem que haver com crenças, pontos de vista, etc.
Alguém pode, portanto, ser doutrinado na crença de que se deva tomar uma
atitude passiva diante da violência - mas isto já é outra coisa: estamos
lidando, agora, com crenças e não com atitudes. (Não há, por exemplo,
garantias de que quem acredite que se deva tomar uma atitude passiva
diante da violência venha a assumir esta atitude quando confrontado com a
violência: há sempre a possibilidade de que haja incoerência entre o
pensamento e comportamento de uma pessoa, e já os gregos nos alertavam
acerca da “akrasia”, ou fraqueza da vontade).
52
4.2 Conteúdos intelectuais e cognitivos
Parece haver pouca dúvida, portanto, de que os conteúdos que podem ser
doutrinados são sempre conteúdos intelectuais e cognitivos do tipo
mencionado (crenças, etc.), excluindo-se da esfera da doutrinação mesmo
conteúdos intelectuais e cognitivos de outros tipos (como, por exemplo,
habilidades intelectuais).
Uma segunda consideração geral que devemos fazer acerca do conceito de
doutrinação é a de que, muito embora a educação possa ocorrer, como
vimos, sem ensino, e mesmo de modo não-intencional, a doutrinação é
sempre intencional, ocorrendo sempre em situações de ensino. Vimos,
também, que a educação tem um vínculo conceitual com a aprendizagem não faz sentido dizer que houve educação se não houve nenhuma
aprendizagem - e que o ensino tem um vínculo conceitual com a intenção de
produzir a aprendizagem. Desde que a doutrinação tem, a nosso ver, um
vínculo conceitual com o ensino, a doutrinação também tem um vínculo
conceitual com a intenção de produzir a aprendizagem.
Mas por que é que afirmamos que a doutrinação só pode ocorrer em
situações de ensino? A resposta a esta pergunta nos parece óbvia e simples.
Ao passo que faz bastante sentido dizer que alguém se educou, isto é,
aprendeu certos conteúdos considerados valiosos de maneira a realmente
compreendê-los, não nos parece fazer o menor sentido afirmar que alguém
doutrinou-se: sempre afirmamos que alguém foi doutrinado.
Portanto, devemos abordar a seguinte questão: tendo em vista as conclusões
alcançadas atrás, de que a educação pode ocorrer, e freqüentemente ocorre,
através do ensino, será que o único aspecto a distinguir a educação da
doutrinação é que esta é um caso específico daquela? Em outras palavras,
será que a doutrinação nada mais é do que a educação, quando esta ocorre
através do ensino e se ocupa de conteúdos intelectuais e cognitivos do tipo
mencionado (crenças, etc.)? A resposta a esta questão deve ser, a nosso ver,
enfaticamente negativa. Mas se este é o caso, o que realmente distingue a
doutrinação da educação?
4.3 O ensino e aprendizagem de conteúdos
Em duas ocasiões, em nossa seção anterior, aludimos, de passagem, à
doutrinação. Pare melhor entendermos esse conceito, relembramos aqui
essas passagens: “Alguém que aceita normas sociais e valores culturais sem
examinar e compreender sua razão de ser, sem dúvida aprendeu um certo
conteúdo (possivelmente até através do ensino), mas o fez sem
compreensão: a aprendizagem, neste caso, foi não-educacional, e se a
Filosofia da Educação – volume 1
53
aprendizagem foi decorrência de um ensino que estava interessado apenas
na aceitação das normas e dos valores, e não na sua compreensão, o ensino
também foi não-educacional (tendo sido, possivelmente, doutrinacional). Na
segunda passagem observamos: “... O ensino e aprendizagem de conteúdos
que consistam de enunciados falsos, ou de enunciados que a melhor
evidência disponível indique terem pouca probabilidade de serem verdadeiros
(e, conseqüentemente, grande probabilidade de serem falsos), ou, talvez, dos
enunciados acerca dos quais a evidência, favorável ou contrária, seja
inconclusiva, não devem ser parte integrante do processo educacional, pois
quer nos parecer que em nossa cultura não seja considerado valioso um
conteúdo que consista de enunciados falsos, ou contrários à melhor
evidência disponível, ou acerca dos quais a evidência seja inconclusiva. O
ensino de conteúdos deste tipo parece bem mais próximo da doutrinação do
que da educação”.
O que nos sugerem estas observações feitas atrás? A primeira nos sugere
que o tipo de aprendizagem associado com a doutrinação, ou que resulta da
doutrinação, é o da aprendizagem não acompanhada por compreensão, da
aprendizagem não-significativa, meramente passiva - o indivíduo, no
caso, meramente aceita, sem examinar e compreender sua razão de ser,
certos conteúdos intelectuais e cognitivos (normas sociais e valores
culturais). O que a segunda passagem nos sugere é que a intenção de quem
doutrina está muito mais voltada para a aceitação dos conteúdos que ele está
ensinando do que para um exame criterioso dos fundamentos
epistemológicos desses conteúdos, exame este indispensável para sua
compreensão. Em outras palavras, quem doutrina está muito mais
interessado em que seus alunos simplesmente aceitam (acreditem em) certos
pontos de vista do que em que eles venham a examinar os fundamentos
desses pontos de vista, e, conseqüentemente, a compreendê-los, no sentido
visto.
É aqui que aquilo que a segunda passagem nos sugere se liga com o que a
primeira nos sugeriu, a saber, que a aprendizagem que se associa com a
doutrinação, diferentemente daquela que se associa com a educação, é a
aprendizagem não acompanhada por compreensão, e isto em função da
intenção daquele que ensina de que exatamente isto ocorra.
4.4 O conceito de doutrinação
Feitas essas colocações, estamos em condições de conceituar, mais
precisamente, a doutrinação: doutrinação é o processo através do qual uma
pessoa ensina a outra certos conteúdos intelectuais e cognitivos (crenças,
etc.), com a intenção de que esses conteúdos sejam meramente aprendidos
(isto é, aprendidos mas não compreendidos), ou seja, com a intenção de que
54
estes conteúdos sejam aceitos não obstante a evidência, sem um exame
criterioso de seus fundamentos epistemológicos, de sua razão de ser - em
suma, sem a compreensão que é condição sine qua non da educação.
Baseando-nos nesta conceituação de doutrinação, podemos agora procurar
esclarecer alguns dos aspectos mais controvertidos desse conceito, bem
como seu relacionamento com o conceito de educação.
Vamos começar com a questão do relacionamento entre educação e
doutrinação.
4.5 Os conteúdos como critério de doutrinação
Desde que, como acabamos de observar, doutrinação tem que haver apenas
com conteúdos intelectuais e cognitivos de um certo tipo (crenças, etc.),
vamos comparar educação e doutrinação no que dizem respeito a esses
conteúdos, deixando fora de nossa análise outros conteúdos (habilidades
intelectuais e cognitivas, atitudes, comportamentos, etc.) de que se ocupa a
educação, mas que não são objeto da doutrinação. Também deixaremos de
lado, nessa comparação, a educação informal (no segundo sentido visto)
para nos determos na educação que se realiza através do ensino, pois, como
constatamos, a doutrinação se realiza somente através do ensino.
Tomemos, pois, como ponto de referência, um certo conteúdo intelectual e
cognitivo: digamos, uma doutrina política, ou uma teoria científica. Vamos
supor, para efeito de argumentação, que este conteúdo seja considerado
valioso no contexto em que se realiza seu ensino. Se este é o caso, o
conteúdo em questão pode ser ensinado de maneira educacional bem como
de maneira não-educacional. Se a intenção de quem ensina é a de que os
alunos aprendam e compreendam este conteúdo, o ensino estará sendo
educacional. Se a intenção é a de que os alunos meramente aprendam (i.e.,
aceitem, acreditem em) o conteúdo em questão, o ensino está sendo nãoeducacional, ou, segundo nossa conceituação, doutrinacional.
4.6 A Intenção como critério de doutrinação
O que distingue a educação da doutrinação, portanto, é basicamente a
intenção da pessoa que ensina, e é a intenção que se torna o critério básico e
fundamental que nos permite diferenciar entre um ensino educacional e um
ensino doutrinacional. É verdade que vimos que apenas certos conteúdos
podem ser doutrinados (conteúdos intelectuais e cognitivos de um certo tipo,
a saber, crenças, pontos de vista, etc.). Mas isto não quer dizer que mesmo
estes conteúdos não possam ser ensinados de dois modos diferentes,
educacionalmente e doutrinacionalmente. Além disso, mesmo conteúdos
Filosofia da Educação – volume 1
55
considerados valiosso podem ser doutrinados, como veremos, sendo, talvez,
exatamente quando se trata de conteúdos considerados como altamente
valiosos que há o maior risco de doutrinação. Portanto, o conteúdo não é o
critério básico e fundamental que nos permite diferenciar entre educação e
doutrinação. O mesmo conteúdo poderá ser ensinado de um ou de outro
modo, educacionalmente ou doutrinacionalmente.
Isto quer dizer que não há conteúdos que estejam inevitavelmente fadados a
serem objeto de doutrinação, como sugerem alguns, embora alguns
conteúdos sejam, talvez, mais preferidos por doutrinadores do que outros.
Com esta tomada de posição nos contrapomos àqueles que afirmam que em
áreas como religião, moralidade, e política não há como evitar a doutrinação
e que em áreas como a física e a astronomia não fazem sentido falar-se em
doutrinação, pois os que assim afirmam privilegiam o conteúdo como critério
básico e fundamental de diferenciação entre educação e doutrinação. Dada
nossa conceituação de educação em doutrinação, tanto podem a religião, a
moralidade e a política serem ensinadas de maneira educacional, como
podem a física e a astronomia serem ensinadas de modo doutrinacional,
como bem mostram algumas pesquisas recentes na área da história e
sociologia da ciência.
4.7 Os métodos como critério de doutrinação
Nem é tampouco o método de ensino, como sugerem outros, o critério básico
e fundamental de diferenciação entre doutrinação e educação, embora seja
de se esperar que aquele que ensina com a intenção de que seus alunos
aprendam e compreendam os conteúdos ensinados e aquele que ensina com
a intenção de que seus alunos meramente aceitem os conteúdos ensinados
venham a se valer de métodos de ensino diferentes. O primeiro
possivelmente utilizará métodos que envolvam a livre discussão de idéias, a
análise séria de alternativas, e, principalmente, um exame crítico e rigoroso
dos fundamentos epistemológicos do conteúdo em questão; na verdade,
poderíamos afirmar que ele se preocupará muito mais em fazer que seus
alunos considerem a evidência e, à luz da evidência, tirem suas próprias
conclusões, do que em fazer com que seus alunos simplesmente aceitem o
conteúdo: seu intuito não é persuadir seus alunos a aceitarem o conteúdo,
mas levá-los a compreendê-lo, e, em função dessa compreensão, aceitá-lo
ou rejeitá-lo. O segundo, mesmo que se refira à evidência, aos fundamentos
epistemológicos do conteúdo em pauta, subordinará a análise da evidência à
sua intenção de fazer com que os alunos aceitem o conteúdo; é de se
esperar, portanto, que esta evidência, se não inteiramente suprimida, seja
distorcida, que evidência contrária não seja apresentada, ou, sendo
apresentada, não seja analisada com justiça e isenção de ânimos e
preconceitos.
56
4.8 As conseqüências como critério de doutrinação
Também não é em função das conseqüências do ensino que podemos dizer
se o ensino foi educacional ou doutrinacional, como sugerem ainda outros,
embora neste caso também seja de esperar que as conseqüências do ensino
educacional e do ensino doutrinacional sejam diferentes. Em condições
normais, é de se esperar que o ensino educacional resulte em aprendizagem
acompanhada de compreensão, e que o ensino doutrinacional resulte na
mera aceitação (sem compreensão) dos conteúdos ensinados. É de se
esperar, conseqüentemente, que, em decorrência de um ensino educacional,
o aluno venha a ter uma mente mais aberta e flexível, que se preocupe com a
análise e o exame da evidência, condicionando sua aceitação ou não dos
conteúdos ensinados a este exame da evidência, como é de se esperar,
também, que em decorrência de um ensino doutrinacional, o aluno venha a
ter uma mente mais fechada, uma atitude mais dogmática e menos crítica,
um apego mais emocional do que evidencial às suas convicções, pois lhe foi
ensinado preocupar-se mais com certas crenças, ou doutrinas, ou teorias, do
que com a análise crítica, isenta de preconceitos, da evidência. É de se
esperar que o aluno doutrinado acabe por assumir a seguinte atitude: “É nisto
que acredito: vamos ver agora se encontro alguma evidência para
fundamentar minhas crenças”. Com esta atitude, é possível que suas razões
para aceitar suas crenças não passem de racionalizações.
Não podemos nos esquecer, porém, de que tanto o ensino realizado de
maneira educacional, quanto o realizado de maneira doutrinacional, podem
ser mal sucedidos, em cujo caso as conseqüências que deles poderiam
advir não seriam aquelas que, normalmente, se esperariam.
Podemos concluir, pois, que, em nível das intenções, a educação é um
processo que tem por objetivo a abertura de mentes, a aplicação de
horizontes, o incentivo à livre opção dos alunos, após análise e exame
críticos da evidência, dos fundamentos epistemológicos, enquanto a
doutrinação é um processo que tem por objetivo a transmissão e mera
aceitação de crenças, etc., o fechamento de mentes, a redução de
horizontes, a limitação de opções (freqüentemente a uma só), o
“desprivilegiamento” da evidência em favor da crença, a persuasão e não o
incentivo ao livre exame.
Aquele que ensina de maneira educacional coloca-se na posição de quem,
humildemente, está em incessante busca da verdade, através do estudo e do
exame da evidência. O que ensina de maneira doutrinacional coloca-se na
posição do orgulhoso possuidor da verdade. Desde que, na busca da
verdade, não se pode negligenciar nenhum aspecto da evidência que possa
ser relevante, a educação é tolerante, pois mesmo as críticas e a evidência
Filosofia da Educação – volume 1
57
negativa - diríamos mesmo, principalmente estas - podem contribuir para que
nos aproximemos da verdade. Na medida, porém, em que a verdade já é
considerada uma possessão, não há mais porque buscá-la, porque tolerar
pontos de vista alternativos e conflitantes, pois na medida em que estes
divergem da “verdade” só podem ser errôneos ou falsos, e quem os propõe
só pode ser ignorante ou mal-intencionado. Daí a conexão, já mostrada por
muitos, entre a crença na posse da verdade e a intolerância, mesmo a
repressão, de pontos de vista divergentes, que ocorre quando há
doutrinação.
Poderíamos mesmo dizer, fazendo paralelo a uma importante corrente de
filosofia de ciência e de filosofia política, que a educação se preocupa muito
mais em dar ao indivíduo condições de não ser facilmente persuadido, de
evitar o erro, a falsidade, e, assim, aproximar-se, cada vez mais, da verdade,
enquanto a doutrinação se preocupa muito mais com a persuasão, com as
transmissões de crenças que se supõem verdadeiras (ou, mesmo, em alguns
casos piores de doutrinação, crenças em que o próprio doutrinador não
acredita, mas que, por algum motivo, deseja incutir em seus alunos).
4.9 Observações específicas
Dessa forma, podemos fazer algumas observações específicas em relação
aos aspectos mais controversos do problema da doutrinação.
4.9.1 Doutrinação de conteúdos verdadeiros
Em primeiro lugar, o que acabamos de ver nos permite afirmar que é
inteiramente possível que haja doutrinação mesmo de conteúdos
verdadeiros.
4.9.2 Doutrinação de conteúdos valiosos
Em segundo lugar, temos que admitir que pode haver doutrinação mesmo
quando os conteúdos são considerados valiosos e todos aprovam o que está
acontecendo. Na verdade, é em situações assim que a doutrinação se torna
mais fácil e mais provável, pois ninguém questiona o valor e a veracidade
daquilo que está sendo ensinado. É muito mais fácil doutrinar alguém na
ideologia capitalista nos Estados Unidos do que em um país radicalmente
socialista, onde argumentos contra a ideologia capitalista provavelmente
serão muito mais abundantes e comuns; e vice-versa.
58
4.9.3 Doutrinação não intencional?
Em terceiro lugar, devemos concluir que não há doutrinação não-intencional.
A questão, porém, é mais complexa aqui. Desde que, como vimos, a intenção
de alguém (que não nós mesmos) só pode ser determinada pela análise
de suas ações em um dado contexto, é possível atribuir a alguém a
intenção de doutrinar mesmo que esta pessoa não admita esta intenção.
Também no caso de alguém que não tem conhecimento de evidência
contrária àquilo que está ensinando, a situação é complexa. Podemos
atribuir-lhe a intenção de doutrinar, se ele tem condições de obter acesso a
esta evidência e não se preocupa em fazê-lo. Teríamos maiores reservas em
atribuir-lhe esta intenção se não houvesse maneiras viáveis de ele obter
acesso a esta evidência. Isto significa que professores de conteúdos
intelectuais e cognitivos do tipo visto (crenças, etc.) correm grande risco
de doutrinarem (ao invés de educarem) se não estiverem constantemente
atualizados acerca dos desenvolvimentos nas áreas que ensinam.
Como observamos atrás, o professor que ensina conteúdos falsos como
sendo verdadeiros, ou conteúdos que a melhor evidência disponível indique
terem pouca probabilidade de serem verdadeiros como sendo, de fato,
verdadeiros, etc., estará, muito provavelmente, doutrinando, a menos que
esteja em condições tais que o acesso a esta evidência lhe seja totalmente
impossível. Não importa que ele acredite que os conteúdos que ensina sejam
verdadeiros. Esta é uma questão subjetiva. A questão importante é a do
relacionamento entre o conteúdo e a evidência, entre os conteúdos e os seus
fundamentos epistemológicos - questão esta que, apesar das controvérsias
atuais na área da epistemologia e da filosofia da ciência, nos parece ser
objetiva.
Filosofia da Educação – volume 1
59
Capítulo 5
A Doutrinação Infanto Juvenil
Em quarto lugar, devemos abordar, ainda que brevemente, a complicada
questão que se coloca em relação a crianças em tenra idade, que ainda não
atingiram a chamada “idade da razão”. Será que, no que diz respeito a estas
crianças, só nos resta a alternativa de doutrinação, visto não serem elas
capazes, segundo se crê, de compreensão, no sentido visto, de exame de
evidência, de opção livre e consciente?
Em relação a este problema devemos distinguir (pelo menos) dois aspectos.
O primeiro é que exigir que crianças pequenas se comportem de determinada
maneira, ou que adotem determinadas atitudes, não é, segundo nossa
caracterização, doutriná-las, porque os conteúdos aqui não são conteúdos
intelectuais e cognitivos do tipo passível de doutrinação (crenças, etc.), mas
comportamentos e atitudes. A doutrinação poderá ocorrer no momento em
que se procura fazer com que as crianças aceitem certas justificativas para o
comportamento e as atitudes que lhes estão sendo exigidos. O segundo
aspecto é que mesmo as crianças que ainda não atingiram a maturidade
mental e intelectual necessária para compreender a razão de ser de certos
comportamentos e atitudes que lhes são exigidos podem ser oferecidas as
razões dessas exigências, as alternativas, etc., de maneira bastante aberta e
flexível. Haverá doutrinação se a intenção for a de que as crianças aceitam
estas justificativas (ou qualquer outro conteúdo do tipo passível de
doutrinação) passivamente, sem discussão, a despeito de qualquer outro tipo
de consideração, ou argumentação, ou evidência.
5.1 Doutrinação e o dilema da educação
Em quinto lugar, a possibilidade de doutrinação faz com que aqueles que se
preocupam com a educação, de seus filhos ou de seus alunos, se
confrontem com um sério dilema, semelhante ao grande desafio a que
fizemos menção no final da seção anterior. Este dilema, embora possa
aparecer em qualquer área, aparece mais freqüentemente naquelas
áreas em que a evidência parece ser mais inconcludente, mas em que, por
ironia do destino, se encontram algumas das questões mais básicas e
importantes com que tem que se defrontar o ser humano: a moralidade, a
política, e a religião. Por um lado, acreditamos (por exemplo) ser necessário
apresentar a nossos filhos e alunos o ponto de vista moral, o lado moral das
coisas, para que venham a ser seres morais. Do outro lado, acreditamos que
60
temos de evitar a doutrinação, se queremos realmente educar nossos filhos e
alunos, isto é, se queremos que sejam indivíduos livres para pensar e
escolher, liberdade esta que é pré-condição para que eles venham a ser
seres morais.
É diante desse dilema que os educadores terão que procurar as melhores
maneiras de prosseguir, sabendo, de antemão, que a tarefa é dificílima e que
muitos, antes deles, optaram, ou por não procurar oferecer nenhum ensino
nessas áreas, ou, então, pela doutrinação como única alternativa viável. [E o
exemplo?] É em confronto com este dilema que muitos têm optado pela
alternativa da chamada “educação negativa”, que não é nem educação nem
negativa, devendo, talvez, ser descrita como “não educação neutra”, por
paradoxal que esta expressão também pareça: afirmam que o ensino da
moralidade, da política, e da religião não deve ser ministrado até que a
criança atinja maturidade suficiente para analisar a evidência e tirar suas
próprias conclusões. Outros têm se desesperado e concluído que a única
alternativa, apesar dos pesares, é doutrinar - estes são os doutrinadores
contra sua própria vontade. Tanto os defensores da “educação negativa”
como os que, contra a vontade, optam pela doutrinação, não vêem uma
terceira alternativa, não vêem uma solução realmente educacional para o
problema. Embora não afirmemos que esta solução seja fácil de alcançar,
cremos que desenvolvimentos recentes, principalmente no campo da
educação moral, têm nos indicado o caminho a seguir na direção de uma
educação moral viável e digna do nome. Mas ainda há muito por fazer nesta
área.
5.2 Porque a doutrinação é censurável e indesejável
Em sexto e último lugar, gostaríamos de observar que, de tudo o que foi dito
acerca da doutrinação, fica claro porque a doutrinação é indesejável e
moralmente censurável. Quem doutrina não respeita a liberdade de
pensamento e de escolha de seus alunos, procurando incutir crenças em
suas mentes e não lhes dando condições de analisar e examinar a
evidência, decidindo, então, por si próprios; quem doutrina desrespeita os
cânones de racionalidade e objetividade, tratando questões abertas como se
fossem fechadas, questões incertas como se fossem certas, enunciados
falsos ou não demonstrados como verdadeiros como se fossem verdades
acima de qualquer suspeita.
É verdade que esta tomada de posição contra à doutrinação já implica, ao
mesmo tempo, um comprometimento com certos valores e ideais básicos,
como o da liberdade de pensamento e de escolha dos alunos (e de qualquer
pessoa), o da racionalidade, etc. É importante que se reconheça isto para
que não se incorra no erro de pensar que a adoção desses valores e ideais
Filosofia da Educação – volume 1
61
não precisa ser defensável, e, mais que isto, defendida, através da
argumentação. Argumentos contra a adoção desses valores e ideais
precisam ser cuidadosamente analisados para que, ao propor a tese da
indesejabilidade e falta de apoio moral da doutrinação, não o façamos de
modo a imitar os doutrinadores, isto é, tratando como fechada uma questão
que é realmente aberta. Cremos não ser esta a ocasião de fazer esta defesa
dos valores e ideais da liberdade de pensamento e escolha, nem da
racionalidade. Mas isto não significa que estes valores e ideais não precisem
ser defendidos.
Com estas observações concluímos esta seção sobre doutrinação. Cremos
que a análise desse conceito, além de valiosa em si mesma, nos ajuda a
compreender melhor, por contraste, o que seja a educação. Uma análise
mais completa deveria incluir um exame das semelhanças e diferenças
existentes entre doutrinação, treinamento, condicionamento, lavagem
cerebral, etc. Há importantes diferenças, bem como semelhanças, entre estes
conceitos. Isto, porém, precisará ficar para um outro trabalho.
5.3 Filosofia da educação e teoria educacional
Até aqui foram dadas respostas a algumas das perguntas formuladas no final
de nossa primeira seção acerca do relacionamento existente entre o conceito
de educação e os conceitos de ensino e aprendizagem, bem como entre
educação e valores, educação e cultura, etc. Nossas respostas,
reconhecidamente em forma de esboço, são, na verdade, bastante pessoais.
É possível e provável que muitos discordem delas. Cremos, contudo, que
elas fazem sentido, são justificáveis, e nos ajudam a “colocar a cabeça em
ordem” em relação a essas noções. Dada a importância que atribuímos ao
conceito de doutrinação, resolvemos dedicar a este conceito uma seção em
separado, pois quer nos parecer que a análise desse conceito nos ajuda a
compreender melhor, por contraste, o conceito de educação.
A muitos pode parecer que o tipo de investigação que caracterizamos neste
trabalho e ilustramos, embora de alguma utilidade e de algum interesse, não
seja de grande importância. Mais importante do que a tarefa “classificatória”
que a filosofia pode desenvolver, diriam, é sua tarefa “normativa”, à qual ela
não se deve furtar: a filosofia deve contribuir - continuariam - para que as
grandes e pequenas decisões que diariamente precisam ser tomadas na área
da educação sejam tomadas de maneira a evidenciar sabedoria, e não
apenas clareza de pensamento. À filosofia da educação competiria, pois,
segundo muitos, investigar a questão dos objetivos específicos da educação,
propondo metas a serem atingidas e valores a serem promovidos.
Concordamos, em grande parte, com o espírito dessas observações.
Achamos que clareza em nossos conceitos e acerca de nossas
62
pressuposições básicas não é tudo, não é condição suficiente para a
sabedoria de nossas decisões, dos alvos que propomos, a nós mesmos e
aos outros, dos valores que adotamos e que desejamos que os outros
também cultivem. Contudo, estamos certos de que esta clareza seja condição
necessária para esta sabedoria. Embora alguém possa ter clareza quanto às
suas concepções, sem ser sábio, ninguém consegue ser sábio sem
antes adquirir clareza acerca das convicções mantidas por ele próprio e
por outros.
Quer nos parecer, portanto, que a tarefa do educador, e quiçá do filósofo da
educação, não termine com a análise e clarificação dos conceitos
educacionais básicos e das pressuposições que sustentam a atividade
educacional. A tarefa clarificatória da filosofia é apenas um preâmbulo à
tarefa mais normativa de examinar, questionar, e propor objetivos e valores.
O filósofo, porém, não detém o monopólio destas últimas questões. No que
diz respeito aos objetivos e valores que devem nortear a vida, e,
conseqüentemente, o processo educacional, o filósofo, como qualquer outra
pessoa, estará sempre buscando, procurando, pois na área de valores e
objetivos de vida não há peritos e profissionais: cada um, em última instância,
tem que escolher os seus valores básicos e os objetivos que deverão nortear
sua vida. Não há como abrir mão dessa tarefa solicitando a um filósofo (ou a
seja lá quem for) que faça isto por nós, sem abrirmos mão de nossa
autonomia, e, em última instância, de nós mesmos.
À filosofia da educação como aqui caracterizada deve, portanto, seguir uma
teoria da educação que tenha como principal tarefa o exame dos princípios
básicos, objetivos, valores, etc., que prevalecem em nossa cultura e que
norteiam, atualmente, a educação em nosso país, a reflexão crítica sobre
eles e sobre a realidade social, econômica e cultural que envolve o processo
educacional, e, se necessário for (e quase sempre o é), a proposta de novos
princípios básicos, objetivos e valores para a nossa cultura e para a nossa
educação. À teoria da educação compete, portanto, a tarefa normativa a que
fizemos referência, e para se desincumbir desta tarefa a teoria da educação
deve recorrer não só à filosofia da educação, mas também à sociologia da
educação, à psicologia da educação, à economia da educação, à medicina
preventiva e social, etc. - ou, para encurtar, a qualquer ramo do saber que
possa contribuir alguma coisa, nunca se esquecendo de incluir na mistura
uma boa dose de bom senso.
Para muitos, o que foi caracterizado como sendo a tarefa da teoria da
educação nada mais é do que a real tarefa da filosofia da educação. Não
temos o menor interesse em discutir rótulos, pois a discussão seria
meramente acadêmica. Quer nos parecer, porém, que a bem da clareza,
seja recomendável e de bom alvitre estabelecer uma distinção entre a
Filosofia da Educação – volume 1
63
filosofia da educação e a teoria educacional, pelas seguintes razões.
a) A filosofia da educação, como aqui caracterizada, é uma atividade
reflexiva de segunda ordem, que tem como objeto as reflexões de
primeira ordem feitas sobre os vários aspectos do processo
educacional; a teoria educacional é uma atividade reflexiva de
primeira ordem, no nosso entender, que tem por objeto básico a
realidade educacional e não reflexões que tenham sido feitas sobre
esta realidade; estas reflexões servirão de subsídios ao teórico da
educação para que este elabore suas próprias conclusões, mas ele
tem, basicamente, que “debruçar-se sobre a realidade educacional”,
para entendê-la, explicá-la, criticá-la e propor sua reformulação;
b) Na medida em que a teoria educacional tem que se valer das
contribuições das várias ciências que estudam a educação, ela
extrapola os domínios da filosofia e, conseqüentemente, da filosofia
da educação. A filosofia da educação, como aqui concebida, deveria
ser vista, como observamos, como um prolegomenon, um preâmbulo
à teoria educacional, cuja tarefa principal seria fornecer ao teórico da
educação os instrumentos conceituais básicos para a sua teoria;
c) A teoria educacional, embora possa (e talvez deva) ser considerada
científica, tem uma finalidade que vai além da mera explicação e
interpretação da realidade educacional: ela procura orientar e guiar a
prática educacional. É por isso que a teoria da educação, além de
estudar e examinar a realidade educacional, tem a função de criticar
esta realidade e de propor novas direções a seguir. A teoria da
educação, para usar uma expressão que se torna comum, não tem
como tarefa simplesmente constatar qual é a realidade educacional:
ela vai além e contesta esta realidade, não em função de um espírito
puramente negativista, mas em função de uma proposta de realidade
diferente. E esta proposta envolve, inevitavelmente, valores
diferentes. Portanto, a teoria educacional, em sua tarefa de orientar e
guiar a prática educacional, envolve, necessariamente, um ingrediente
de valores”.
64
Filosofia da Educação – volume 1
65
Capítulo 6
Conceituando a Educação
Nas sociedades primitivas a educação se acha difusa, integrada ao próprio
funcionamento da sociedade como tal, de modo que todos educam a todos. À
medida que os agrupamentos humanos se tornam mais complexos, surgem
organizações especificamente encarregadas da transmissão da herança
cultural, como a escola (se bem que em graus de organização variáveis,
conforme as necessidades). No entanto, a educação formalizada não
substitui totalmente a educação informal (ver próximo capítulo), que permeia
o tempo todo as relações entre os homens.
A educação não é, porém, a simples transmissão da herança dos
antepassados, mas o processo pelo qual também se torna possível a
gestação do novo e a ruptura com o velho. Evidentemente, isso ocorre de
maneira variável, conforme sejam as sociedades estáveis ou dinâmicas. As
comunidades primitivas resistem à mudança, devido ao caráter divino de
suas crenças: o mesmo acontecia nas antigas civilizações do Egito e do
Oriente, que eram tradicionalistas. Já nas sociedades urbanas
contemporâneas a mobilidade é muito maior.
6.1 O ato de educar
Para o professor J. Carlos Libâneo, “educar (em latim, educare) é conduzir de
um estado a outro, é modificar numa certa direção o que é suscetível de
educação. O ato pedagógico pode, então, ser definido como uma atividade
sistemática de interação entre seres sociais, tanto no nível do intrapessoal
como no nível da influência do meio, interação essa que se configura numa
ação exercida sobre sujeitos ou grupos de sujeitos visando provocar neles
mudanças tão eficazes que os tornem elementos ativos desta própria ação
exercida. Presume-se, aí, a interligação no ato pedagógico de três
componentes: um agente (alguém, um grupo, um meio social etc.), uma
mensagem transmitida (conteúdos, métodos, automatismos, habilidades etc.)
e um educando (aluno, grupos de alunos, uma geração etc.)”.
Diz ainda o professor Libâneo que o especificamente pedagógico está na
imbricação entre a mensagem e o educando, propiciada pelo agente. Como
instância mediadora, a ação pedagógica torna possível a relação de
reciprocidade entre indivíduo e sociedade. Conclui-se, então, que a educação
não pode ser compreendida fora de um contexto histórico-social concreto,
66
sendo a prática social o ponto de partida e o ponto de chegada da ação
pedagógica.
No início do processo, o educando tem uma experiência social confusa e
fragmentada, que deve ser levada a um estádio de organização. Nesse
sentido, o professor Dermeval Saviani define educação como “um processo
que se caracteriza por uma atividade mediadora no seio da prática social
global”.
A fim de não confundir conceitos, convém estabelecer algumas nuanças
entre educação, ensino e doutrinação.
Educação é um conceito genérico, mais amplo, que supõe o processo de
desenvolvimento integral do homem, isto é, de sua capacidade física,
intelectual e moral, visando não só a formação de habilidades, mas também
do caráter e da personalidade social. O ensino consiste na transmissão de
conhecimentos, enquanto a doutrinação é uma pseudo-educação que não
respeita a liberdade do educando, impondo-lhe conhecimentos e valores.
Nesse processo, todos são submetidos a uma só maneira de pensar e agir,
destruindo-se o pensamento divergente e mantendo-se a tutela e a
hierarquia.
Ao contrário da doutrinação, a verdadeira educação tende a dissolver a
assimetria entre educador e educando, pois, se há inicialmente uma
desigualdade, esta deve desaparecer à medida que se torna eficaz a ação do
agente da educação. O bom educador é, portanto, aquele que vai morrendo
durante o processo...
Quanto aos dois primeiros conceitos, educação e ensino, não há como
separar nitidamente esses dos pólos que se completam. Como se poderia
educar alguém sem informá-lo sobre o mundo em que vive? É a partir da
consciência de sua própria experiência e da experiência da humanidade que
o homem tem condições de se formar como um ser moral e político. Da
mesma maneira, toda informação, mesmo que fornecida sem a aparente
intenção de formação, ao ser assimilada pelo educando, interfere na sua
concepção de mundo. Com freqüência a informação pretensamente neutra
está, na verdade, carregada de valores.
6.2 Fins da educação
Pelo que vimos até agora, parece que a práxis educacional, sendo
intencional, será mais coerente e eficaz se souber explicitar de antemão os
fins a serem atingidos no processo.
Retomando a história, vemos que a Grécia dos tempos homéricos preparava
o guerreiro: na época clássica, Atenas formava o cidadão e Esparta era uma
Filosofia da Educação – volume 1
67
cidade que privilegiava a formação militar. Na Idade Média, os valores
terrenos eram submetidos aos divinos, considerados superiores, e assim por
diante. Seguindo esse raciocínio, sem dúvida teríamos muita dificuldade em
determinar com segurança quais os fins da educação no mundo
contemporâneo: que valores se encontram subjacentes ao processo? Se tal
elucidação é relativamente simples quando é feita o posteriori, mostra-se
problemática quando queremos definir os fins aqui e agora.
Em um primeiro momento, é inadequada a procura de fins tão gerais, válidos
em todo tempo e lugar. Já vimos no Capítulo 3 que a procura de um ideal de
homem universal, válido para todas as épocas, favorece a abordagem
ideológica do problema.
Portanto, é preciso analisar os fins para uma determinada sociedade e, ainda
assim, estar atento para os conflitos a ela inerentes: onde existem classes
com interesses divergentes, os fins não podem ser abstratamente
considerados. Da mesma forma, não há como analisar os fins da educação
em um país desenvolvido, aplicando as conclusões aos países em
desenvolvimento.
Há ainda outro problema. A partir de considerações feitas por Dewey, para
quem o processo educativo e o seu próprio fim (o fim não é prévio, nem
último, mas deve ser interior à ação), o professor argentino G. Cirigliano tece
algumas considerações interessantes “No viver diário, vida, atividade e fim se
confundem. Os pais criam os seus filhos para torná-los adultos? Ou a sua
criação é parte da vida deles e dos seus próprios filhos?” Isso significa que a
educação não deve estar separada da vida nem é preparação para a vida,
mas é a vida mesma.
Não sendo os fins exteriores à ação, não quer dizer que a ação se faça sem a
clarificação dos fins, e sim que esses devem ser compreendidos como
objetivos que se colocam a partir da valoração por meio da qual o homem se
esforça para superar a situação vivida. Por isso as necessidades humanas
devem ser analisadas concretamente, e as prioridades serão diferentes se
nos propusermos a educar em uma favela ou em um bairro de elite.
Portanto, os fins se baseiam em valores provisórios que se alteram conforme
alcançamos os objetivos imediatos propostos e também enquanto muda a
realidade vivida.
6.3 Educação e política
68
A educação não pode ser compreendida à margem da história, mas apenas
no contexto em que os homens estabelecem entre si as relações de
produção da sua própria existência. Dessa forma, é impossível separar a
educação da questão do poder: a educação não é um processo neutro, mas
se acha comprometida com a economia e a política de seu tempo.
Para o colonizador português, o “bom índio” era o índio submisso, disposto a
trabalhar de acordo com o padrão europeu e a se tornar cristão,
abandonando suas crenças, consideradas atrasadas. Por isso, a educação
não pode ser considerada apenas um simples veículo transmissor, mas
também um instrumento de crítica dos valores herdados e dos novos valores
que estão sendo propostos. A educação abre espaço para que seja possível
a reflexão crítica da cultura. Assim, convém lembrar a importância da
formação do educador, para que a superação das contradições seja possível
com maior grau de intencionalidade e compreensão dos fins da educação.
Nos tempos em que vivemos hoje, algumas tarefas urgentes se impõem. A
principal delas é que tenhamos força suficiente para tornar nossa sociedade
mais justa e menos seletiva.
Tornar a educação verdadeiramente universal, formativa, de modo que
socialize a cultura herdada, dando a todos os instrumentos de crítica dessa
mesma cultura, só será possível pelo desenvolvimento da capacidade de
trabalho intelectual e manual integrados.
A educação deve instrumentalizar o homem como um ser capaz de agir sobre
o mundo e, ao mesmo tempo, compreender a ação exercida. A escola não é
a transmissora de um saber acabado e definitivo, não devendo separar teoria
e prática, educação e vida. A escola ideal não separa cultura, trabalho e
educação.
Capítulo 7
Filosofia da Educação – volume 1
69
A Filosofia da Escola Tradicional
Não é por sadismo que a escola tradicional exige silêncio e imobilidade, que
faz colocar os alunos em filas e que concede tanta importância ao
aprendizado das regras, inclusive ortográficas e gramaticais. É porque se
apóia sobre uma pedagogia da disciplina, da antinatureza. É, mais
profundamente ainda, porque considera a natureza da criança originalmente
corrompida. (Bernard Charlot)
7.1 Origem da escola tradicional
É difícil o desafio de delimitar um conceito tão extenso quanto o de “escola
tradicional”. Sob essa denominação articulam-se as mais diversas tendências
no decorrer de pelo menos quatro ou cinco séculos (desde o século XVI até o
século XX), período em que a escola tradicional sofreu inúmeras
transformações.
Em face das justas críticas feitas a ela pela escola nova, costuma-se
caracterizar de forma negativa a totalidade da escola tradicional, vista com
desprezo e muitas vezes de forma caricaturada. A fim de evitar o risco de
uma análise superficial, que nos levaria a posições simplistas e grosseiras,
vamos fazer um brevíssimo retrospecto dessa tendência multifacetada.
A escola se institucionaliza de maneira mais complexa a partir do
Renascimento e da Idade Moderna, quando exige o confinamento dos alunos
em internatos, a separação por idades, a graduação em séries, a organização
de currículos e o recurso dos manuais didáticos. Essas mudanças levaram a
uma maior produção teórica dos pedagogos.
Em um primeiro momento, a atenção dada à escola é fruto dos interesses da
burguesia nascente, que começa a ver a família e a criança de maneira
diferente, buscando “proteger” seus filhos dos desvios do mundo e dandolhes uma educação sólida, voltada para o passado. A visão da criança como
frágil, sujeita à corrupção, leva à exigência de uma disciplina severa, cujo
melhor exemplo está na escola jesuítica.
Outra forte tendência se configura na rejeição da escola medieval, de
inspiração religiosa e excessivamente contemplativa, e na reivindicação de
uma escola realista, adaptada ao mundo moderno, que se encontra em
transformação. As necessidades da burguesia em ascensão exigem outro
tipo de educação, mais voltada para a vida e com o olhar no futuro.
70
A partir da Revolução Industrial (século XVIII) a ampliação da rede escolar se
torna ainda maior, uma vez que o operário das fábricas, mais do que o
camponês, precisa pelo menos saber ler, escrever e contar. Quanto aos
níveis superiores de escolarização, surge a necessidade de transmissão dos
conhecimentos advindos das novas ciências, bem como o estímulo para
novas descobertas, a fim de que a tecnologia se desenvolva ainda mais.
No século XVIII e, sobretudo no XIX a legislação de diversos países revela o
interesse do Estado em assumir a educação, tornando-a leiga e gratuita. No
entanto, nessa época a escola tradicional passa a ser alvo de diversas
críticas. Muitas delas resultam das descobertas científicas, sobretudo nas
áreas da biologia e das ciências humanas - como a psicologia e a sociologia , que trouxeram subsídios para uma análise mais rigorosa da educação. A
partir dessas descobertas, é dada uma maior atenção às diferenças
individuais, buscando-se também técnicas mais eficazes de aprendizagem.
Diante da dificuldade em analisar de forma homogênea a que seria a “escola
tradicional”, veremos em primeiro lutar o que chamamos genericamente de
características gerais, mesmo correndo o risco das simplificações, para em
seguida fazer um breve histórico que possibilite introduzir algumas nuanças
nessa abordagem.
7.2 Características gerais dessa escola
Quanto à relação entre professor e aluno, a educação tradicional é
magistrocêntrica, isto é, centrada no professor e na transmissão dos
conhecimentos. O mestre detém o saber e a autoridade, dirige o processo de
aprendizagem e se apresenta, ainda, como um modelo a ser seguido.
Essa relação vertical, porque hierárquica, tem como conseqüência, nos casos
extremos, a passividade do aluno, reduzido a simples receptor da tradição
cultural. O conteúdo visa a aquisição de noções, dando-se ênfase ao esforço
intelectual de assimilação dos conhecimentos. Daí derivam o caráter abstrato
do saber, o verbalismo e a preocupação em transmitir o saber acumulado. A
valorização do passado é inevitável, assim como o destaque ao estudo das
“obras-primas”. O exagero desses aspectos leva a um distanciamento com
relação à vida e aos problemas cotidianos e atuais.
Quanto à metodologia, é valorizada a aula expositiva, centrada no professor,
com destaque para situações em sala de aula nas quais são feitos exercícios
de fixação, como leituras repetidas e cópias. Submetidos a horários e
currículos rígidos, os alunos são considerados um bloco único e homogêneo,
não havendo qualquer preocupação com as diferenças individuais.
Filosofia da Educação – volume 1
71
Todas essas características evidenciam a posição empirista, que dá ênfase à
assimilação, por parte do aluno, do conhecimento que lhe é externo e deve
ser adquirido por meio de transmissão, sem a exigência de maiores
elaborações pessoais.
A avaliação valoriza os aspectos cognitivos (de aquisição de conhecimentos
transmitidos), superestimando a memória e a capacidade de “restituir” o que
foi assimilado. As provas assumem um papel central entre os instrumentos de
avaliação, chegando a determinar o comportamento do aluno, sempre
preocupado em “estudar o que será avaliado”, não em “estudar para saber”,
simplesmente. Se de um lado o professor “dá a lição”, de outro o exercício ou
a prova representam o momento de “restituição”, em que ele “toma a lição”.
Como o processo de verificação da aprendizagem se torna artificial, ela
passa a ser estimulada por meio de prêmios e punições, assim como há uma
valorização da competição entre os alunos, submetidos a um sistema
classificatório.
A institucionalização da escola surgiu sob o signo da hierarquia e da
vigilância. Assim, para ser “protegida”, a criança se submete a um sistema
disciplinar paternalista, autoritário e dogmático. Rigidamente estipuladas, as
normas garantem a submissão do aluno, para quem a obediência se torna a
virtude primeira.
A manutenção da disciplina e da ordem é garantida freqüentemente por meio
do castigo corporal, prática pela qual se mantinha a ordem pela intimidação e
que até bem pouco tempo atrás era considerada normal.
7.3 As muitas faces da escola tradicional
7.3.1 Renascimento e Idade Moderna
Como já dissemos, a escola tradicional é multifacetada e adapta-se às
exigências históricas ao longo do tempo, como também tem sido a
implantação do liberalismo.
Em um primeiro momento, durante os séculos XVI e XVII, os colégios são
organizados, sobretudo pelas ordens religiosas, interessadas também no
processo de evangelização. Destaca-se a ação dos jesuítas, cuja importância
advém inclusive da expansão da cultura européia para as terras recémdescobertas.
Rigorosos na disciplina, os jesuítas desenvolvem cuidadosa prática
pedagógica para orientar a atuação dos professores. Privilegiam a tradição
clássica, preferem o ensino do latim às línguas vernáculas e, indiferentes às
72
críticas feitas à filosofia medieval, permanecem fiéis ao pensamento filosófico
de Aristóteles e de Santo Tomás de Aquino. Alheios à disputa entre
racionalistas e empiristas, recusam-se a tratar das descobertas científicas de
Galileu e Kepler. Eles ignoram e condenam Descartes, que, aliás, foi
um de seus ilustres alunos. Dão pouca importância à história, à geografia e à
matemática, enfatizando a retórica e os exercícios de erudição.
Configuram-se aí as linhas mais rígidas da chamada escola tradicional, que
era um universo exclusivamente pedagógico, separado da vida e preservado
do mundo. Temperada pela clausura, pela renúncia e pelo sacrifício, a
disciplina é imposta por meio da vigilância total. O esforço individual é
estimulado por atividades competitivas, como torneios intelectuais e
emulações constantes, incentivadas por prêmios e punições.
Paralelamente, embora a maior parte das escolas permaneça efetivamente
nas mãos dos jesuítas, uma tendência mais realista se delineia, tentando
resgatar o contato com o vivido, em direção a um saber mais ativo.
O realismo pedagógico, por considerar que a educação deve partir da
compreensão das coisas e não das palavras, exigirá uma nova didática.
Nesse trabalho de instauração da nova escola se empenham educadores
leigos, mas também religiosos.
Entre os religiosos, Lutero (1483-1546), por exemplo, iniciador da Reforma
Protestante, defende intensamente a implantação da escola primária para
todos e, de acordo com o espírito do humanismo, repudia os castigos físicos
e o verbalismo oco da escolástica, a filosofia medieval. Propõe jogos,
exercícios físicos, música, valoriza os conteúdos literários e recomenda o
estudo de história e de matemática.
No século XVII, os oratorianos se opõem à linha dos jesuítas e, dentro do
espírito moderno, voltam-se para as novas ciências e para o pensamento
cartesiano; ensinam francês e outras línguas modernas, além do latim;
estudam história e geografia com o uso de mapas; encorajam a curiosidade
científica e utilizam um sistema disciplinar brando.
A tendência realista na educação teve seus principais adeptos, no entanto,
na vertente leiga que defendia a secularização do pensamento, bem ao gosto
do movimento humanista, voltado para a superação da visão religiosa do
mundo. No Renascimento, destacam-se o pensamento de Erasmo, de
Rabelais e de Montaigne. No século XVII, vários teóricos se preocuparam
com a questão metodológica, o que se reflete nas indagações a respeito da
pedagogia: se há método para conhecer corretamente, existe método para
ensinar de forma mais rápida e mais segura.
Filosofia da Educação – volume 1
73
É nesse sentido que se dirige o esforço de João Amós Comênio (1592-1670),
autor de Didática Magna, para quem o ponto de partida da aprendizagem
deve ser sempre o conhecido. Partir das próprias coisas, valorizar a
experiência, educar os sentidos são passos de uma educação que se faz
pela ação e voltada para a ação: “só fazendo aprendemos a fazer” é um dos
lemas de Comênio.
Essa mudança de orientação enuncia de certa forma as preocupações da
escola ativa, e Comênio inova quando defende a escola única, universal e a
cargo do Estado. Porém, é um típico representante da escola tradicional na
sua busca pela ordem, que se revela no cuidado com o método que estipula
os passos da aprendizagem. Com isso, valoriza o papel do professor como
controlador do processo.
Segundo Georges Snyders, “Comênio, ao mesmo tempo em que institui a
escola tradicional, a ultrapassa por certos aspectos de sua obra e de seu
pensamento. E, nos livros escolares que escreveu, já podemos ver uma
como síntese feliz entre dois aspectos da pedagogia”.
O inglês John Locke (1631-17041) é conhecido, na política, pela elaboração
do pensamento liberal e, na teoria do conhecimento, pela defesa das teses
empiristas.
Ao criticar as idéias inatas de Descartes, Locke desenvolve uma nova
concepção da mente infantil e, conseqüentemente, de educação, enfatizando
o papel do mestre em proporcionar experiências fecundas que auxiliem a
criança a fazer uso correto da razão.
Na linha dos principais críticos da velha tradição medieval, Locke lamenta a
excessiva preocupação com o latim e o descaso com a língua vernácula e o
cálculo. Como bom representante dos interesses burgueses, considera
importante o estudo de contabilidade e de escrituração comercial, visando a
preparação mais ampla para a vida prática. Sua pedagogia realista recusa a
retórica e os excessos da lógica, propondo o estudo de história, geografia,
geometria e ciências naturais.
No entanto, ainda que as idéias realistas permeiem as teorias pedagógicas
do século XVII, nem sempre se fazem presentes efetivamente, predominando
de fato o ensino acadêmico e intelectualista.
7.3.2 O ideal iluminista de educação
O século XVIII é conhecido como Século das Luzes. Iluminismo, Ilustração ou
74
Aufklärung. Luzes significam, nesse contexto, o poder da razão humana para
interpretar e reorganizar o mundo. Tal otimismo com respeito à razão vinha
se revelando, desde o Renascimento, no processo de secularização da
consciência, antes impregnada de religiosidade.
Foi importante o esforço dos franceses La Chalotais, Condorcet e Lepelletier.
Autores de projetos apresentados à Assembléia Legislativa tinham por
objetivo tornar a escola leiga e função do Estado.
Para Kant (1724-1804), um dos maiores pensadores iluministas, a
Aufklärurng “é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele é o próprio
responsável”. Esse caminho novo é expresso no lema da Ilustração, Sapere
aude! (“Tenha coragem de usar seu próprio entendimento!”).
As reflexões de Kant a respeito da moral se tornam fecundas para a
pedagogia tradicional, na sua busca de laicização. Segundo ele, é por meio
da consciência moral que o homem rege sua vida prática, partindo de certos
princípios racionais. No entanto, o homem não realiza espontaneamente a
lei moral, fundada no dever, mas a moralidade resulta da luta interior entre a
lei universal e as inclinações individuais.
Portanto, a moral formal, que se constrói a partir do postulado da liberdade e
se baseia na autonomia, exige a aprendizagem do controle do desejo pela
disciplina, a fim de que o homem atinja seu próprio governo e seja capaz de
auto-determinação.
A educação, ao desenvolver a faculdade da razão, leva à formação do
caráter moral. Por isso, quando Kant diz “Mandamos, em primeiro lugar, as
crianças à escola, não na intenção de que nela aprendam alguma coisa, mas
a fim de que se habituem a observar pontualmente o que se lhes ordena”,
não pretende levar a criança à passividade da obediência, mas sim que ela
aprenda a agir com planos e pela submissão às regras. Kant busca a
“obediência voluntária”, fruto do reconhecimento pessoal de que as
exigências são razoáveis e superiores aos caprichos momentâneos.
7.3.3 A escola tradicional no século XIX
O sucesso da industrialização e o desenvolvimento das ciências trazem
algumas preocupações específicas à escola tradicional do século XIX. Por
um lado, acentua-se o dualismo escolar, que consiste no fato de existir uma
escola para a elite e outra para o segmento popular operário. Por outro, surge
a necessidade de não privilegiar, na formação dos jovens, apenas as
humanidades, mas estimular o estudo das ciências.
Filosofia da Educação – volume 1
75
Nesse intuito, destacou-se o papel dos positivistas interessados na “formação
do espírito científico”. Augusto Comte, fundador do positivismo, estava
convencido de que cada homem passa, durante sua vida, pelas mesmas
etapas percorridas pela humanidade. Dessa forma, o pensamento fetichista
da criança deveria ser superado pela concepção metafísica na adolescência,
sendo o estado positivo (ou científico) fruto da maturidade.
Essa tendência é responsável pelo cientificismo que marcou muitas vezes a
escolha dos currículos escolares. Se lembrarmos a influência positivista no
ideário republicano brasileiro, poderemos reconhecer aí a preocupação com a
transmissão de um conteúdo enciclopédico, na tentativa de dar conta da
imensa contribuição das ciências, sobretudo das ciências da natureza.
No que se refere às ciências humanas, destacam-se o pensamento do
alemão Herbart (1776-1841) e seu projeto de educação da vontade. Ele
oferece uma importante contribuição para o desenvolvimento da pedagogia
quando propõe uma abordagem realista, baseada na busca de maior rigor
dos métodos, cujas linhas principais são dadas pela psicologia. Podemos
dizer que Herbart é o iniciador, ou pelo menos o precursor, de uma psicologia
experimental aplicada à pedagogia.
A pedagogia social e ética tem por finalidade a formação do caráter moral por
meio de uma vontade esclarecida, que se alcança pela instrução. Por isso, é
enorme a importância do professor, que educa os sentimentos e os desejos
dos alunos mediante o controle de suas idéias.
Dessa forma, Herbart assume uma posição intelectualista que privilegia o
conhecimento, considerando o sentir e o querer funções secundárias e
derivadas do processo ideativo. Convicto de que a educação tradicional
ensina muita coisa inútil para a ação, ele julga importante a utilização rigorosa
do método. A conduta pedagógica deve, então, seguir três procedimentos
básicos: o governo, a instrução e a disciplina.
O governo é a forma de controle da agitação infantil, aplicado inicialmente
pelos pais e depois pelos mestres, visando submeter a criança às regras, do
mundo adulto e tornando possível o início da instrução. Se necessário,
recorre-se a proibições, ameaças, punições e vigilância constante, desde que
sejam evitados os excessos contraproducentes. Para tanto, é preciso
combinar autoridade e amor e manter a criança manter ocupada.
A instrução é o procedimento principal da educação, baseia-se no
desenvolvimento dos interesses. Para Herbart, a instrução é compreendida
como construção (aliás, é esse o sentido etimológico do termo), pois não se
76
separa a instrução intelectual da moral, sendo uma condição da outra.
Formar moralmente uma criança é educar sua vontade, e isso só pode ser
feito por meio de maior clarificação das representações e do crescimento das
idéias na mente da criança.
Com tal finalidade, ele propõe os cinco passos formais que propiciam o
desenvolvimento do aluno:
• preparação - o mestre recorda o já sabido;
• apresentação - o conhecimento novo é apresentado ao aluno;
• assimilação (associação ou comparação) - o aluno é capaz de
comparar o novo com o velho, percebendo semelhanças e
diferenças;
• generalização (sistematização) - além das experiências concretas, o
aluno é capaz de abstrair, chegando a concepções gerais:
• aplicação - por meio de exercícios, o aluno mostra que sabe aplicar
o que aprendeu em exemplos novos.
Examinamos até agora dois procedimentos básicos da conduta pedagógica:
o governo e a instrução. Resta analisar a disciplina, procedimento pelo qual
se mantém firme a vontade educada no propósito da virtude. Enquanto o
governo é exterior e heterônomo, sendo, por isso, mais usado com crianças
pequenas, a disciplina supõe a autodeterminação, característica do
amadurecimento moral que leva à verdadeira formação do caráter.
Numa rápida avaliação de seu trabalho, é preciso reconhecer que Herbart
conseguiu elaborar, pela primeira vez, uma pedagogia que se propunha como
verdadeira ciência da educação, apresentando caráter de objetividade na
análise, tentativa de psicometria, rigor dos passos seguidos e tentativa de
sistematização. Se, no entanto, sua psicologia sofre diversas restrições, isso
não impede que tenha exercido grande influência no pensamento
pedagógico.
A maior crítica feita a ele posteriormente, sobretudo pela escola nova, devese ao caráter excessivamente intelectualista de seu projeto, que leva a
considerar, inclusive, a possibilidade do controle do sentir e do querer, o que
não deixa de ser um exagerado otimismo quanto ao poder da educação. Por
outro lado, esse mesmo poder significa, sob certo ponto de vista, a
diminuição do campo de atuação livre do educando, o que nos levaria a
indagar se tanto controle poderia ainda tornar viável a passagem do governo
para a disciplina...
7.4 Críticas
O século XX nasce sob o impacto das idéias escolanovistas, mas a educação
Filosofia da Educação – volume 1
77
tradicional continua existindo em grande parte das escolas, convivendo com
diversas outras tendências.
Isso se deve a inúmeras causas. Como veremos no próximo capítulo, a
implantação da escolar nova trazia exigências como a formação específica
dos professores e a reorganização adequada do espaço da escola, dos
laboratórios etc., o que tornou esse empreendimento altamente elitizado,
restrito a poucos.
A dificuldade de assimilação das novas teorias pedagógicas com freqüência
cria um professor “híbrido”, que pensa estar aplicando técnicas novas, mas
se encontra preso a concepções tradicionais, que se refletem na sua maneira
de ver o mundo.
Além dessa persistência com relação à prática, também na questão teórica
alguns pensadores continuaram defendendo determinados valores
tradicionais. É o caso do filósofo francês Alain (1868-1951) - cujo nome
verdadeiro era Émile Chartier -, que foi professor de Jean Chateau (1908).
Para eles, certas inovações partem de mal-entendidos, pelo fato, por
exemplo, de resultarem com freqüência de estudos feitos por médicos ou
psicólogos clínicos interessados inicialmente em crianças inadaptadas,
problemáticas ou até neurologicamente comprometidas e que, ao estender
suas análises à criança normal, mais fizeram confundir a educação e desviála de pontos importantes.
A ênfase posta na espontaneidade e na criatividade infantis fez esquecer o
esforço necessário para a aprendizagem, desprezou o relevante papel do
professor e descuidou da transmissão de conteúdos. Ora, a criança gosta do
desafio porque é por meio dele que nos tornamos adultos, e o esforço,
mesmo que penoso, não dispensa a alegria da consecução do resultado.
A esse propósito, Chateau lamenta que as reformas signifiquem de fato o
“triunfo da facilidade”. A mesma idéia aparece na advertência de Alain: “Não
aprenderá violino quem apenas se diverte com ele”.
A produção teórica desses dois pensadores mereceu a leitura atenta de
George C. Snyders, criador da tendência progressista, que o fez não para
negar as contribuições inovadoras da pedagogia contemporânea, mas na
tentativa de recuperar o que a escola tradicional oferece de melhor,
superando o ranço das críticas ligeiras e caricaturadas que a ela costumam
ser feitas.
Criticar o intelectualismo da escola antiga não significa descuidar da
transmissão de conteúdos: negar o enciclopedismo não implica desprezar a
aquisição de informação dosada e necessária; recusar o autoritarismo do
78
mestre não é deixar de reconhecer a importância de sua autoridade e a
assimetria com relação ao aluno; acusá-la de passadista e de estar a
reboque dos acontecimentos não significa abandonar o estudo dos clássicos
e toda a herança cultural.
Com isso, não se pretende retornar à escola tradicional, mas sim avaliá-la
sem preconceitos, a fim de evitar uma abordagem superficial e falsa, incapaz
de reconhecer o que ainda interessa conservar. Afinal, muitos dos valores da
escola tradicional são valores iluministas que ainda não foram realizados na
escola contemporânea.
Capítulo 8
Filosofia da Educação – volume 1
79
A Filosofia da Escola Nova
Obtém-se interesse, exatamente, não se pensando e não se buscando
conscientemente consegui-lo; mas, ao invés disto, promovendo as condições
que o produzem. Se descobrirmos as necessidades e as forças vivas da
criança, e se lhe pudermos dar um ambiente constituído de materiais,
aparelhos e recursos – únicos, sociais e intelectuais - para dirigir a operação
adequada daqueles impulsos e forças, não temos que pensar em interesse.
Ele surgirá naturalmente. Porque então a mente se encontra com aquilo de
que carece para vir a ser o que deve. (J. Dewey).
8.1 Aprender a aprender
A escola tradicional nasceu em um mundo ainda de certa forma estável, no
qual a educação se fazia com base em modelos ideais. Voltada para o
passado, essa escola estava preocupada em transmitir a maior quantidade
possível de conhecimento acumulado, valorizando, portanto, um ensino
predominantemente intelectualista e livresco.
As críticas à escola acadêmica surgem diante da impossibilidade de se
continuar pensando em modelos num mundo marcado por transformações
sociais, políticas e econômicas que atingem uma rapidez nunca antes
experimentada. Preocupado com o presente e com o futuro, o homem
contemporâneo deve se preparar para uma sociedade dinâmica, em
constante mutação. Para tanto, precisa aprender a aprender, indo além da
fixação de conteúdos predeterminados. Daí o interesse por métodos e
técnicas: bem como uma ênfase maior nos processos de conhecimento do
que no produto.
Além disso, aspira-se ao acesso de todos ao saber, o que promoveria a mais
ampla democratização do ensino e, conseqüentemente - segundo a crença
de então -, a mobilidade social.
O movimento educacional conhecido como escola nova surge no final do
século XIX justamente para propor novos caminhos à educação, que se
encontra em descompasso com o mundo no qual se acha inserida.
Representa o esforço de superação da pedagogia da essência pela
pedagogia da existência. Não se trata mais de submeter o homem a valores e
dogmas tradicionais e eternos nem de educá-lo para a realização de sua
essência verdadeira”. A pedagogia da existência se volta para a problemática
do indivíduo único, diferenciado, que vive e interage em um mundo dinâmico.
80
Daí o caráter psicológico da pedagogia da existência, segundo a qual a
criança é o sujeito da educação, ocupando o centro do processo
(pedocentrismo). Destaca-se a importância da satisfação das necessidades
infantis, bem como a estimulação de sua própria atividade. A criança não
mais é considerada “inacabada”, uma miniatura do adulto, um “adulto
incompleto”, e por isso precisa ser atendida segundo as especificidades de
sua natureza infantil.
8.2 Características gerais da escola nova
8.2.1 O aluno e o professor
Na escola renovada o aluno é o centro do processo, existindo uma
preocupação muito grande com a natureza psicológica da criança. Como a
escolha dos conteúdos gira em torno dos interesses infantis, o professor se
esforça por despertar a atenção e a curiosidade da criança, sem lhe cercear a
espontaneidade. Dependendo da escola, existe maior ou menor nãodiretividade, tornando-se o professor apenas um facilitador da aprendizagem.
8.2.2 Conteúdo
Segundo a escola nova, as noções gerais não seriam transmitidas pelo
professor, pois a abstração deve resultar da experiência do próprio aluno. Se
o processo do conhecimento é mais importante do que o produto, o conteúdo
que é objeto de aprendizagem precisa ser compreendido, não decorado.
Daí a crítica à escola acadêmica e livresca, que privilegia a transmissão de
conteúdos, em detrimento dos processos de descoberta do conhecimento.
8.2.3 Metodologia
A fim de superar o estreito intelectualismo da escola tradicional, a escola
nova tem por princípio o “aprender fazendo”. O objeto da educação é o
homem integral, constituído não só de razão, mas de sentimentos, emoções
e ação.
A escola não está voltada apenas para o intelecto. O corpo também é
valorizado, por meio das atividades de educação física e do desenvolvimento
da motricidade. O psicólogo suíço Piaget bem mostrou como a atividade
mental da criança é inicialmente sensório-motora e, em seguida,
predominantemente intuitiva, o que exige maior atenção aos movimentos e à
estimulação da percepção.
Devido à influência da psicologia e ao fato de muitas escolas novas terem
surgido a partir do acompanhamento de crianças anormais, há uma constante
preocupação com a individualização das atividades, embora não sejam
Filosofia da Educação – volume 1
81
desprezados os trabalhos em grupo, importantes para a socialização das
experiências.
Programas e horários tornam-se maleáveis, a fim de atender os ritmos
individuais. Como é importante partir do concreto para o abstrato, pesquisas
e experiências são estimuladas. Privilegiar a pedagogia da ação significa
equipar a escola com laboratórios, oficinas, hortas e até imprensa, conforme
a metodologia predominante. Também os jogos não se opõem ao trabalho;
antes, constituem atraentes facilitadores da aprendizagem.
8.2.4 Avaliação
A avaliação é compreendida como um processo válido para o próprio aluno,
não para o professor. Por isso, representa apenas uma das etapas de
aprendizagem, não o seu centro. Despojada do terror que a mistifica, não
visa apenas aspectos intelectuais, mas também as atitudes a aquisição de
habilidades. O sistema de prêmios é condenado, e a competição é
substituída pela cooperação e pela solidariedade.
8.2.5 Disciplina
Numa sociedade em mutação, é preciso educar para o improvável, para o
novo; daí ser necessário preparar para a autonomia. O afrouxamento das
normas rígidas tem por objetivo estimular a responsabilidade e a capacidade
de crítica e estabelecer a disciplina voluntária. Por isso são estimuladas
discussões que permitam ao aluno a compreensão do significado e da
necessidade das normas coletivas.
82
Filosofia da Educação – volume 1
83
Capítulo 9
Teorias antiautoritárias da Escola
Tradicional e da Escola Nova
O maior segredo da educação reside precisamente nisso, de que não cumpre
educar. (Ellen Key).
9.1 Contra a autoridade
Uma das mais radicais críticas feitas à escola tradicional talvez esteja na
denúncia do seu caráter autoritário. A escola hierarquizada, magistrocêntrica,
esclerosada em modelos, impregnada de dogmas e regras é identificada de
forma pejorativa a uma “escola-quartel”.
A partir daí, muitos pedagogos, desejosos de dar outra orientação para a
escola, voltam-se menos para a questão dos métodos e processos de
ensinar, enfatizando a recusa do exercício do poder: a educação deve ser
realizada em liberdade e para a liberdade.
Nessa linha se posicionam pedagogos das mais diversas tendências: liberais,
marxistas, anarquistas, muitos deles influenciados pelas correntes da
psicologia, sobretudo a psicanálise de Freud, outros tendo realizado trabalhos
com crianças problemáticas, mas todos preocupados em centrar o processo
de aprendizagem no aluno, não no professor.
Embora Freud (1856-1939) não tenha se ocupado com a pedagogia nem
possa ser considerado propriamente um teórico antiautoritário, sua análise da
formação das neuroses dá elementos para se compreender como a
atuação de pais e mestres na educação das crianças pode ser repressora
(criando adultos doentes) ou libertadora (educando, para a autonomia).
Segundo Freud, a energia que preside os atos humanos é de natureza
pulsional e encontra-se em uma instância psíquica denominada id. Para viver
em sociedade, o homem precisa aprender a controlar essas forças, papel
reservado ao superego, que se constitui a partir da influência externa da
cultura e determina a formação da consciência moral. Cabe ao ego maduro
estabelecer o equilíbrio entre as forças antagônicas do id e do superego, a
fim de adequá-las ao “princípio da realidade”.
84
No entanto, nem sempre esse processo transcorre de modo saudável.
Quando o superego se fortalece demais, em função de uma educação
excessivamente severa, por exemplo, dá-se um processo de ocultamento das
forças pulsionais, consideradas “vergonhosas”, o que favorece a repressão e
a conseqüente formação da personalidade neurótica. Por isso é importante
não cegar as fontes de energia, mas dar ocasião para que elas sejam
livremente canalizadas para a maturidade sadia.
Já o movimento anarquista ou libertário se pauta explicitamente pela recusa
de qualquer tipo de autoridade. Embora tenha raízes antigas, o anarquismo
surge de forma mais consistente com Proudhon (1809-1865). Bakunin (18141876) e Kropótkin (1842-1912).
Contemporâneos de Marx partilham as mesmas críticas à sociedade
capitalista e desejam a abolição da propriedade privada dos meios de
produção, mas divergem quanto à forma de implantação da sociedade
comunista, pois negam toda forma autoritária de poder.
Os anarquistas recusam o Estado, a Igreja ou qualquer instituição que
coloque empecilhos para a emancipação humana. Sendo naturalmente capaz
de viver em paz com seus semelhantes, o homem poderia realizar “a ordem
na anarquia”, pois essa é a ordem natural, enquanto nas instituições a ordem
é artificial e, por isso, geradora de hierarquia e dominação.
As organizações anarquistas, fundadas na cooperação voluntária e na
autodisciplina, são, portanto, não-coercitivas. Para que a autogestão se torne
possível, é estimulada a forma direta de relação, em que as decisões são
tomadas nos níveis mais simples e só depois ampliadas para instâncias mais
amplas. Com relação à política, por exemplo, as discussões começariam no
local de trabalho e nos bairros, nunca se delegando poderes a representante
algum.
Vejamos como essas diversas tendências podem ter influenciado, direta ou
indiretamente, as teorias pedagógicas não-autoritárias.
9.2 Características gerais
Quanto às relações entre aluno e professor, a educação centrada no aluno,
típica da escola renovada, é levada até as últimas conseqüências. O
professor não comanda o processo de aprendizagem, mas é antes um
“facilitador” da atividade do aluno. Embora haja diferenças entre as diversas
propostas, predomina a não-diretividade, pela qual o mestre não dirige, mas
cria as condições de atuação da criança. Com isso, quer se evitar toda e
qualquer hierarquia que propicie o exercício do poder.
Filosofia da Educação – volume 1
85
O conteúdo não pode ser dogmático, no sentido de expressar verdades
“doadas” externamente, nem resultar de exposição “magistral” (do professor),
mas precisa ter ressonância nos interesses dos alunos, isto é, não pode estar
desligado de sua experiência de vida.
A metodologia, coerente com o que já foi dito, não resulta de caminhos préestipulados pelo professor, mas se baseia na autogestão. Se uma das críticas
feitas ao ensino tradicional está em que existe uma grande distância entre o
que o professor ensina e o que o aluno aprende de fato, aqui é importante
apenas a aprendizagem auto-iniciada e autoconsumada.
Daí a valorização das “comunidades de aprendizagem”, cuja direção é dada
pelo próprio grupo em discussões, encontros e assembléias, considerados
meios para aumentar a coesão do grupo, bem como para trabalhar os
conflitos.
Com relação à avaliação, desprezam-se os seus clássicos instrumentos
(exames, qualificações, notas), mesmo porque, não havendo “matéria
transmitida”, não há como “tomar a lição”, entendido esse processo como
forma de exercício de dominação. Prefere-se a auto-avaliação, que parte da
aprendizagem da autocrítica e da responsabilidade. Com isso são
descartados também os procedimentos burocráticos, abominados pelos
libertários como sendo instrumentos de poder.
A disciplina resulta da autonomia e nunca é imposta externamente; nada de
prêmios, castigos ou qualquer tipo de sanção artificial.
86
Filosofia da Educação – volume 1
87
Conclusão
Concluindo nosso trabalho somos levados a essa conclusão: não basta, pois,
ao filósofo da educação deter o conhecimento daquilo que pensaram os
filósofos se, ele próprio, não cria suas questões, colocando-as em harmonia
com a realidade ao seu redor.
Particularmente no Brasil, onde os males da educação são tantos, a filosofia
da educação, definida como o pensar do indivíduo, poderia ter uma
importância singular na busca de soluções.
A escola é um lugar próprio da racionalidade técnica, onde os diversos
saberes deveriam ser colocados em discussão. Sob a coordenação do
professor, detentor de técnicas pedagógicas capazes de estimular a
motivação e desenvolver o crescimento dos alunos, os saberes serão
trocados e, em cada um, acrescido.
A didática empregada na disciplina Filosofia da Educação deve objetivar com
que os alunos sejam capazes de enfrentar o mundo pedagógico na busca de
soluções que ofereçam saídas novas. Enfrentar, neste sentido, é poder
interferir conscientemente num processo, compromissado com a realidade
histórica a que está inserido.
Neste momento o Filósofo da Educação estará não só fazendo história, como
sendo protagonista dela. A disciplina Filosofia da Educação tem um papel
fundamental que é o de permitir com que os estudantes possam pensar a
realidade de forma original e criadora.
Não são os estudantes que têm obrigação de não chegarem medíocres aos
cursos que se propõem fazer. Mas cabem aos professores as obrigações de
mobilizá-los deste estágio de mediocridade, se porventura se encontrarem
nele.
A importância que a escola assume nesta questão é a de permitir uma
reflexão nova e não reproduzir o pensamento de outros. Neste sentido o
professor deve ser um mediador do surgimento de potencialidades da
inteligência.
O professor, como mediador, descaracterizaria o poder não democrático que
a prática permite. Os alunos seriam os sujeitos-agentes de seu saber e da
sua história. E assim a busca do saber partiria deles como um desejo e não
como uma imposição.
Onde está o obstáculo para se desenvolver mentes pensantes? Após a teoria
de Jean Piaget sobre o desenvolvimento da inteligência e os métodos criados
88
pelos seus inúmeros seguidores, torna-se possível elaborar uma didática que
permita ao homem sair de sua condição de homem-objeto e assumir sua
função de homem-sujeito. Por que não fazer? Penso que por questões
políticas alheias aos avanços da ciência pedagógica.
Os professores, muitas vezes de forma inconsciente, cumprem o papel de
impedir o surgimento de mentes criativas e de potenciais filósofos.
Representam, para o Estado, a propaganda ideológica que garante a
permanência e o conformismo das idéias já desgastadas.
A filosofia, enquanto filosofia da praxis, tem, então, um papel fundamental de
mudança. E o que vai permitir o assumir desta característica é, antes de mais
nada, a mudança da praxis da filosofia; fazer com que a filosofia seja uma ato
de amor do filósofo, do pensador. E não o contrário de fazer com que os
estudantes se afastem dela.
A tarefa do professor é, portanto, a de incentivar nos estudantes esse amor
pela filosofia, pelo ato de refletir e pensar, pelo apreço à busca de suas
próprias verdades. Assumindo tal atitude, o professor, permitirá com que a
filosofia dentro da educação e fazendo parte dela seja finalmente tratada
pelos alunos como um instrumento do conhecimento.
Vimos que existe um estudo de filosofia da educação real e outro possível.
Mas o “sonho acordado” permite-nos pensar na utopia, fruto do possível
imaginário.
O ensino e o estudo da filosofia é um tema que não só diz respeito a
estudantes e professores, mas também a sociedade de uma forma geral. As
mentes críticas e criadoras serão as capazes de mudar o que está exposto.
Serão as capazes de pressentir o que está oculto por trás da realidade. E
desta forma contribuir para o esclarecimento e mudança do real.
Não parece tão absurdo que a filosofia na escola possa assumir esta
condição de revolucionária. Basta que os professores, verdadeiramente
engajados no processo de mudança educacional, assumam sua consciência
histórica e permitam o surgimento de novas inteligências.
Assim o ensino deve preparar o estudante para pensar, agir e viver
filosoficamente, vivenciando o verdadeiro sentido da “liberdade
estudantil”. De tal forma o sistema está impregnado dessa didática errônea,
que a abordagem deste tema pode gerar reações de um grupo de
professores que teria por responsabilidade facilitar o processo de mudança
da sociedade.
Mas, particularmente, prefiro correr os riscos de dizer, acreditando que a
escola seja o fórum ideal para o deflagrar de idéias para discussão.
Filosofia da Educação – volume 1
89
Referências
ANDERSON, Perry. O fim da história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes,
1974.
BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do pensamento filosófico. São Paulo: EPU,
1973.
CIVITA, Victor, NIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas. 3ª ed., São Paulo:
Abril Cultural, 1983.
DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. O que é filosofia?. Rio de Janeiro: 34,
1992.
JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Lisboa: Guimarães, 1977.
KNELLER, Georges. Introdução à filosofia da educação. 4ª ed.,Rio de
Janeiro: Zahar, 1972.
SAVIANI, Dermeval. Educação - do senso comum à consciência filosófica.
São Paulo: Cortez, 1980.
90
Filosofia da Educação – volume 1
91
AVALIAÇÃO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO I
Nome: ___________________________________________
Professor:__________________ Unidade:________________
Data: ___/___/____Nota:______ Entregar até:___/___/____
Questionário
1) Como é vista a filosofia no mundo pragmático?
2) O que notamos quanto as grandes crises históricas? Comente.
3) A quê estamos nos referindo ao dizermos “reflexão radical”?
4) Em que consiste a filosofia da educação?
5) Pode haver ensino sem que haja aprendizagem? Justifique.
6) Comente o tema da questão da intenção.
7) Explique o conceito de ensino.
8) Pode haver aprendizagem sem que haja ensino? Analise e forneça
uma justificação.
9) Determine o que é educação, ensino e aprendizagem.
10) Justifique o conceito da educação.
11) Pode haver ensino e aprendizagem sem que haja educação?
Forneça sua opinião.
12) Pode haver educação sem que haja ensino e aprendizagem?
Conceitue.
13) Defina de forma sucinta, educação formal e educação informal.
14) Defina a questão dos objetivos educacionais.
15) Explique:
a) Educação humanística.
b) Educação técnico-profissionalizante.
16) Comente o tema “Educação e democracia”.
92
17) Faça uma análise filosófica e forneça uma definição da educação e
sociedade.
18) Explique: educação e a chamada "classe dominante".
19) Comente o tema “A educação que é e a que deve ser”.
20) Dê uma definição acerca do grande dilema da educação.
21) Como se estabelece a educação e o desenvolvimento das
potencialidades do indivíduo?
22) Explique o conceito de doutrinação.
23) Comente o tema “Conteúdos intelectuais e cognitivos”.
24) O que é o ensino e aprendizagem de conteúdo?
25) Como se define os conteúdos como critério de doutrinação?
26) Qual é a intenção como critério de doutrinação?
27) Explique os métodos como critério de doutrinação.
28) Forneça uma definição das conseqüências como critério de
doutrinação.
29) Dê uma definição de doutrinação e o dilema da educação.
30) Porque a doutrinação é censurável e indesejável?
31) O que é filosofia da educação e teoria educacional?
32) O que é o ato de educar?
33) O que é educação e política.
34) Qual é a importância da pedagogia?
35) Qual é a origem da escola tradicional?
36) Como era a escola tradicional no século XIX?
37) Explique o que é aprender à aprender.
38) Forneça as características gerais da escola nova.
•
Obs.: Responder este questionário à tinta azul ou preta em folha à
parte.
Boa Prova!
Download