Relação Família-escola: Aspectos históricos

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Relação família-escola: possibilidades e desafios para a
construção de uma parceria
Camila Mendes Martins Tavares1
Marlice de Oliveira e Nogueira2
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo principal analisar como família e escola podem construir
uma parceria que possa beneficiar o aluno em seu processo de aprendizagem. Através de uma
revisão bibliográfica, foram abordados temas como histórico dessa relação família e escola.
Analisou-se, também, se ocorre inversão ou separação de funções educativas e propõe uma
prática para que família e escola sejam parceiras nesse processo. Como contribuição na
formação docente, pretendeu-se mostrar aos professores a grande diferença que podem fazer
nesse processo. Com base na análise feita, é possível concluir que família e escola dependem
uma da outra para obter êxito no processo educativo de cada aluno.
Palavras-chave: Família-Escola. Docentes. Parceria.
Abstract
This research aims at analyzing how the family and the school can build a partnership that can
benefit students in their learning process. Through a literature review, were discussed as a
history of family and school relationships. Consideration was also, if inversion occurs or
separation of functions and proposes an educational practice to family and school are partners
in this process. As a contribution in teacher training, it was intended to show teachers the big
difference that can make this process. Based on the analysis, we conclude that family and
school on one another to succeed in the educational process of each student.
Keywords: Family-school. Teachers. Partnership.
Introdução
A família e a escola são as principais instâncias sociais nas quais a criança está
inserida e no interior das quais se constroem os processos de sua socialização, primariamente
no meio familiar e, secundariamente, na escola.
No entanto, a relação entre essas duas
instâncias, ao longo da história, nem sempre ocorreu de modo harmônico e em
complementaridade. Tal relação é vista ainda hoje como um desafio e vem sendo modificada
segundo o contexto social e de acordo com as mutações vivenciadas, tanto pelas famílias,
quanto pelas escolas.
1
Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. E-mail:
[email protected].
2
Doutora em Educação - FAE-UFMG. Professora Adjunta na Universidade Federal de Ouro Preto – DEEDU –
Departamento de Educação. E-mail: [email protected].
Revista Formação@Docente – Belo Horizonte – vol. 5, no 1, jan/jun 2013.
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A história social da constituição da infância teve influência nessa relação, pois, a partir
do séc. XVIII, elas perdem a imagem adultizada e com isso começam a ser focalizadas as
necessidades das crianças e a educação passa a fazer parte dessas necessidades.
Os modelos pedagógicos – e o modo como foram sendo desenvolvidos ao longo do
tempo, dadas as suas transformações e interpenetrações – também influenciam nessa relação,
pois, quando o aluno passa a ser o centro do processo de aprendizagem, são necessárias
características próprias para o ensino e com isso uma articulação com a família se torna
indispensável.
O presente estudo tem por objetivo demonstrar a importância de haver parceria entre
escola e família, identificando o papel de cada instituição e se há uma dissociação desses
papéis no processo educacional. Além disso, pretende verificar as responsabilidades
atribuídas aos professores nessa parceria e discutir a integração da família no processo
pedagógico.
Outra intenção deste trabalho é contribuir para a formação docente, através de uma
abordagem dialética, para que os docentes relacionem teoria e prática. Para essa reflexão, será
feita uma pesquisa de cunho bibliográfico, buscando estabelecer diálogos no plano teórico
com autores renomados que escreveram sobre o tema, como François de Singly, Philippe
Ariès, Maria Alice Nogueira, dentre outros.
Relação Família-escola: aspectos históricos
O primeiro grupo social do qual a criança faz parte é a família. Portanto, é através
desse contexto que ela desenvolve as primeiras experiências de socialização. Mas, para
entendermos o contexto da instituição familiar e seu impacto nos processos de socialização e
de educação, é preciso que analisemos, antes, os processos históricos de sua configuração,
tendo em vista que a família contemporânea é produto de mudanças socioculturais,
econômicas e políticas de uma sociedade.
Na Idade Média (cf. ARIÈS, 1978, p. 95) as crianças eram tratadas como adultos em
miniatura, tanto na forma de se vestir, como na participação em eventos. Os adultos se
relacionavam com a criança da mesma forma que o faziam com outro adulto, sem
discriminação, falando vulgaridades e brincadeiras grosseiras, e até mesmo com brincadeiras
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sexuais. Isso ocorria porque não acreditavam na inocência da criança e não percebiam que
tinham características diferentes das do adulto; assim, as crianças eram percebidas como
adultos em tamanho reduzido.
Durante o século XVII, com as mudanças políticas, sociais e econômicas do período, a
concepção das famílias em relação à infância começa a se modificar (cf. ARIÈS, 1978, p.
100). As crianças começam a ser vistas com outros olhares, passando a ter um espaço mais
demarcado simbolicamente e materialmente na vida cotidiana das famílias. Sendo assim, os
adultos já começam a se preocupar com a educação dos filhos, que passam ocupar um lugar
mais central no seio familiar.
A partir do século XVIII, segundo Ariès (1978, p.115):
A família moderna, ao contrário, separa-se do mundo e opõe à sociedade, o grupo
solitário dos pais e filhos. Toda energia do grupo é consumida na educação das
crianças, cada uma em particular, e sem nenhuma ambição coletiva: as crianças mais
do que a família. Essa evolução da família medieval, durante muito tempo se limitou
aos nobres. Ainda no início do século XIX, uma grande parte população, a mais
pobre e mais numerosa, vivia como as famílias medievais, com as crianças afastadas
dos pais.
Portanto, a partir das mudanças engendradas com o início da modernidade, as crianças
passam a ter outro sentido para os pais, perdendo a imagem adultizada e, com isso, a educação
começa a ser objetivo das famílias. Porém, como vimos, essa centralização dos processos
educativos nos filhos ainda era, à princípio, uma prerrogativa somente dos nobres ou dos mais
abastados economicamente, que podiam dedicar seus esforços, se desprendendo dos
imperativos de sobrevivência. Isto significa que essas famílias – desprendidas de um trabalho
constante de sobrevivência – podiam se dedicar à educação dos filhos, individualmente.
Na modernidade, temos a consolidação da família nuclear, gerada no interior de um
modelo de família conservadora, símbolo da continuidade parental e patriarcal que marca a
relação pai, mãe e criança. A preocupação da família com a educação da criança produziu
mudanças nas dinâmicas familiares e, consequentemente, houve a necessidade da imposição
de regras e normas para uma nova educação, na qual a criança passa a ser objeto de controle
familiar ou do grupo social em que está inserida.
Nos séculos que se seguiram, cada vez mais a escolarização passa a se tornar objetivo
central nos projetos familiares. No século XX, cenário do pós 2a Guerra, houve um
crescimento dos sistemas nacionais de ensino nos principais países industrializados
ocidentais. Esses países estavam destruídos pela guerra e passavam por um processo de
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reconstrução e, a partir daí, tendo em vista a necessidade de investir nos processos
educacionais, surgiu um grande interesse dos governos e dos cientistas sociais em
compreender as relações entre sistema escolar e família para desvelar os problemas
educacionais vigentes.
Segundo Nogueira (2005), algumas pesquisas realizadas em países como Inglaterra,
Estados Unidos e França demonstraram, estatisticamente, a relação entre a origem social e o
destino escolar das crianças e jovens, ou seja, o meio familiar era o principal indicador do
rendimento escolar. A ideia derivada desses resultados era a de que algumas famílias
contribuíam para o sucesso escolar, pois estimulavam e encorajavam os filhos a se
interessarem pelos estudos.
Se nos anos 1960 e 1970 pesquisas demonstraram que o pertencimento social estava
fortemente relacionado ao sucesso ou ao fracasso escolar, já nos contextos sociais, o que se
instalou no imaginário social é o fato de que às famílias cabia a tarefa de transmitir aos seus
descendentes uma formação que beneficiasse uma boa colocação social e favorecesse
resultados positivos na escola.
Assim as famílias que possuíam uma melhor condição de vida transmitiam aos seus
herdeiros, uma formação mais completa. A escola, por sua vez, trabalhava os conteúdos de
sua competência deixando de lado qualquer relação possível com a família, pois como cada
um, doava a seus herdeiros conhecimentos de acordo com sua condição social.
Os estudos de Nogueira (2012) apontaram também, neste período, que a escola
reproduzia a desigualdade social existente na sociedade, quando tomava os alunos como
“iguais do ponto de partida”, sem levar em conta que cada criança que entra na escola traz
consigo uma “herança cultural” que pode ser ou não legitimada pela escola. Sendo assim,
aqueles que trazem consigo uma herança cultural legitimada, valorizada pelo mundo escola, já
estão, de início, em desvantagem.
Muitas vezes, a escola considera difícil trabalhar com essas famílias tão diversificadas
socialmente e não consegue romper com essa lógica reprodutiva da desigualdade social.
Apesar dessa constatação, os sociólogos reconhecem a importância da família no contexto
escolar e entendem que o atendimento às famílias pelas escolas deveria ser individualizado,
cada qual conforme necessidade.
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A partir dos resultados das pesquisas estatísticas das décadas anteriores e da
demonstração da evidente relação entre fracasso escolar e origem social nas décadas de 1970
e 1980, pesquisadores do campo da sociologia da educação passam a ter um olhar mais
minucioso sobre as relações escolares e para tal finalidade surgiu a Sociologia das
Desigualdades Escolares. Eles começaram a tentar compreender o papel da família diante dos
processos de escolarização dos filhos, buscando investigar os motivos que levam ao fracasso
escolar.
Com esse novo olhar dos sociólogos, alguns aspectos se tornam relevantes como
práticas e estratégias educativas das famílias em relação à classe social em que estão
inseridos. Analisando aspectos como gênero, histórico familiar, projetos, costumes e valores,
os sociólogos começam a identificar a diversidade de famílias existentes no mesmo contexto
social. A relação classe social e sucesso/fracasso escolar não é suficiente para compreender as
nuanças da relação família escolar. Sendo assim, pesquisas passam a tentar identificar e
analisar o impacto das estratégias e práticas educativas familiares nos processos de
escolarização dos filhos, realizando investigações nos “microespaços” das relações
intrafamiliares e da relação das famílias com a escola.
Outras constatações importantes dessas pesquisas são as de que não existe um único
modelo de família e que as famílias não podem ser definidas apenas pela sua posição no
espaço social, ou seja, por sua classe social. Ao contrário, cada família tem dinâmica e
configuração próprias, marcadas pelos modos de relação intrafamiliar que são alterados e
modificados histórica e culturalmente.
O olhar dos pesquisadores passa a focalizar, a partir da década de 1980, o interior das
famílias. Esses estudos possibilitaram compreender as famílias através de conceitos como “o
exercício da autoridade parental” e “dinâmicas familiares”.
Nas últimas décadas do XX, um modelo de autoridade parental superior e intocável é
excluído e começa a se reconhecer o direito de cada indivíduo, no interior das famílias.
Assim, novas dinâmicas familiares são construídas e não podemos mais falar de um modelo
familiar fixo. Singly (2007, p. 35) afirma que
A família moderna é uma instituição na qual os membros têm uma individualidade
maior do que nas famílias existentes anteriormente. Essas divergências individuais
se acentuam, se consolidam, e como elas são o cerne da personalidade individual,
esta vai necessariamente se desenvolvendo. Cada um constrói uma fisionomia
própria, sua maneira pessoal de sentir e pensar.
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Portanto, respeita-se mais o indivíduo e a autonomia no ambiente familiar. Com isso, a
relação entre pais e filhos passa a ser construída através de maior comunicação e diálogo: os
pais passam a direcionar os filhos e se responsabilizam pelos resultados positivos e negativos
da prole. Com isso, o sistema escolar passa a ter grande importância, pois os pais querem, da
melhor forma, inserir os filhos na sociedade, e veem, na escola, um instrumento para essa
inserção.
A escola também teve reflexos desse processo de reconfiguração da relação com a
família. Houve várias mudanças relacionadas à legislação, currículo, métodos pedagógicos e
isso também passa a ter influência na vida familiar, principalmente a partir da segunda metade
do século XX, quando mudanças oriundas das discussões pedagógicas iniciadas no final do
século XIX são estendidas ao século seguinte.
Os métodos pedagógicos foram modificados e o aluno passou a ser – pelo menos
hipoteticamente – o centro do processo de aprendizagem. Com isso, várias características
educativas e pedagógicas foram adaptadas ao ensino do educando. O aluno passou a ser
participante ativo e o processo educativo passou a ser contínuo e dividido entre família e
escola. Outro aspecto relevante é o de que a escola precisa conhecer a realidade do aluno,
necessitando, assim, conhecer a família para compreender melhor a criança.
Portanto, família e escola participam de um processo gradativo de aproximação,
motivado pela necessidade do contexto social de cada época específica.
Família e Escola – papéis distintos ou imbricados?
A relação família-escola engloba as duas maiores instituições sociais da sociedade
moderna, conforme vimos acima. Se antes cabia à escola apenas a instrução e à família
cabiam a educação moral e a socialização de modo mais amplo, tal divisão não se configura
da mesma forma nos dias de hoje.
Como vimos, a partir da modernidade as famílias passaram a demonstrar um interesse
maior pela escola, pois os filhos começaram a passar grande parte do tempo nessa instituição.
Com isso, a família começou a mostrar mais curiosidade em conhecer a rotina, o conteúdo
aprendido e uma aproximação com as pessoas que lidavam com seus filhos durante esse
tempo.
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Portanto, em virtude do tempo em que as crianças começam a passar na escola, a
mesma ganha uma responsabilidade maior, tornando-se peça central nos projetos e na vida
das famílias. Segundo Singly (2007, p. 53), “ [...] numa sociedade dominada pelo capital, a
escola desempenha um papel determinante na fixação de valor aos indivíduos.” Ou seja, a
criança não desenvolve na escola somente habilidades cognitivas 3 e conteúdos curriculares,
mas sim valores que irão contribuir o para o seu futuro e para sua construção social.
Podemos ver, em alguns casos, famílias que, por serem mais escolarizadas, desejam
conhecer mais profundamente os métodos e objetivos das escolas e até mesmo se veem como
sujeitos de direito, como portadores do direito de intervir na vida escolar. Algumas vezes
discordam dos objetivos de tal instituição e começavam a cobrar uma aprendizagem que seja
útil para o futuro dos filhos.
Esse fator também influencia nas mutações dessas relações. E a relação família-escola
vem se transformando: a família foi percebendo que o acompanhamento dos estudos é uma
necessidade, tanto para verificar o desenvolvimento dos filhos, quanto para estimulá-los. E
esse distanciamento pode provocar o desinteresse escolar e, em algumas classes menos
favorecidas, pode produzir um sentimento de desvalorização da educação.
As ações educativas da família e da escola apresentam funções distintas quantos aos
objetivos e conteúdos, porém é inegável afirmar que uma boa relação entre ambas pode
favorecer um processo qualitativo de aprendizagem.
É necessário que a escola reconheça a importância da colaboração dos pais na história
e no desenvolvimento escolar dos alunos, além de, auxiliar as famílias a exercerem o seu
papel na educação e na vida profissional de seus filhos.
Conforme já foi citado, antigamente família e escola apresentavam papéis distintos.
Porém, nos dias de hoje, é impossível fazer tal dissociação, visto que cada uma das
instituições apresenta alguns objetivos diferentes, e algumas funções semelhantes. É
necessário repensar essas funções de forma que uma instituição saiba o limite da outra e que
ocorra a relação.
Bhering e Siraj-Blatchford (1999, p. 205) listam algumas funções da família nas quais
estas estão relacionadas como obrigações essenciais dos pais: refletir sobre as ações e atitudes
3
Cognitivo é o ato ou processo de conhecer, que envolve atenção, percepção, memória, raciocínio,
juízo, imaginação, pensamento e linguagem
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da família ligadas ao desenvolvimento integral da criança, além de promover um ambiente
propício para aprendizagem escolar. Os autores citam também que é necessário o
envolvimento dos pais em atividades de colaboração na escola, ou seja, os pais devem ajudar
a equipe da direção no que concerne ao funcionamento da escola como um todo, isto é, em
programações, reuniões, gincanas, eventos culturais.
Ainda listando as tarefas dos pais, segundos os autores, é necessário o envolvimento
destes em atividades que afetam a aprendizagem e o aproveitamento escolar em casa. Os pais
devem criar estratégias para serem mediadores desse processo. Finalizando o pensamento de
tais teóricos, é importante o envolvimento dos pais no projeto político da escola, por meio dos
quais os mesmos irão refletir junto à equipe gestora a tomada de decisão quanto às metas e
aos projetos da escola. Portanto, os pais devem participar do processo de decisões da escola,
voluntariamente ou de acordo com sua disponibilidade.
Assim como Bhering e Siraj-Blatchford abordam algumas funções dos pais, Gadotti
(1993, p. 17) destaca que:
A gestão democrática da escola implica que as comunidades, os usuários da escola,
sejam seus dirigentes e gestores, e não apenas seus fiscalizadores ou meros
receptores dos serviços educacionais. Na gestão democrática, pais, alunos,
professores e funcionários assumem sua parte de responsabilidade pelo projeto da
escola.
Sendo assim, percebe-se a importância do envolvimento da família, não somente em
ações voltadas somente para os filhos, mas também no projeto social da escola. A partir disso,
pergunta-se: quais seriam então os compromissos educacionais da escola? Como educar é o
principal objetivo, são vários os compromissos desse processo. A escola deve proporcionar
momentos de interação, promovendo afeto e inclusão de todos no processo-educativo,
trabalhando com as diferenças. Esteve (1995, p. 100), sobre esse olhar para a diversidade,
afirma que:
No momento atual o professor não pode afirmar que a sua tarefa se reduz apenas ao
domínio cognitivo. Para além de saber a matéria que leciona, pede-se ao professor
que seja facilitador da aprendizagem, pedagogo eficaz, organizador do trabalho em
grupo, e que, para além do ensino, cuide do equilíbrio psicológico e afetivo dos
alunos, da integração social e da educação sexual etc.: a tudo isso pode somar-se a
atenção aos alunos especiais integrados na turma.
No processo educativo, o educador deve favorecer o interesse do aluno em estudar, em
estabelecer uma relação de confiança e em despertar a consciência do aprendizado e da
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construção do conhecimento. Esse processo é sempre facilitado quando existe uma relação,
um vínculo entre os indivíduos envolvidos.
A escola deve favorecer este espaço de construção e de interação, no qual os projetos
pedagógicos trabalhem necessidades e problemas, favorecendo a valorização da informação e
da formação dos alunos, levando-os a pensar e construir pensamentos sobre a sociedade. Para
a realização desse trabalho, é necessário pensarmos na criança e no jovem enquanto seres
sociais e culturais, inseridos na família e na sociedade.
Relação família-escola na contemporaneidade: desafios e possibilidades
Com o estudo realizado, já sabemos da importância e da contribuição dessa parceria
para a construção do processo de aprendizagem. Porém tal relação não ocorre sempre de
forma tranquila e, em alguns casos, ocorre de modo conflituoso.
A importância da presença familiar no contexto escolar e o compromisso da família
com o processo de escolarização está positivado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(Lei 9394/96). O artigo 12 dessa lei enfoca que, para um bom desenvolvimento educacional
da criança, é necessário abranger os deveres da família e que a escola deve criar formas de
comunicação que informem o rendimento dos alunos, a frequência, e sobre a proposta
pedagógica da escola.
Além disso, no artigo 2º da mesma lei é declarado que a educação é dever da família e
do Estado, que deve contribuir para o desenvolvimento do educando. A legislação fornece
subsídios para que família e escola trabalhem juntos nas decisões necessárias para a
escolarização das crianças e jovens.
Mas como manter tal relação de forma benéfica e produtiva? Primeiramente, uma
instituição deve ver a outra como complemento do processo educativo, e não como um
obstáculo. E para que essa parceria ocorra, a escola desempenha papel relevante e
fundamental no sentido de corresponder às expectativas de formação nela depositadas pelas
famílias e pela sociedade como um todo.
Como a escola é uma instituição que se propõe a formar cidadãos, torna-se necessário
construir uma relação de diálogo, onde exista entre família e escola uma troca de saberes. E
como em qualquer relação é necessário que exista compreensão. É necessário que uma
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instituição saiba escutar a outra, e, principalmente, respeitar e compreender as idéias, crenças
e valores diferentes, tornando-se complementares, integradoras.
É importante compreender o papel da socialização e da formação dos indivíduos
provenientes dessa relação, como uma responsabilidade também da escola.
Segundo
Durkheim (1975, p. 32),
A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se
encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e
desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais,
reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a
criança particularmente se destine.
Sendo assim, se os adultos exercerem influências nas crianças, é necessária uma ação
conjunta dos adultos existentes em seu meio, contribuindo na formação do indivíduo, seja na
família ou na escola.
Se tal relação é tão importante, porque escola e família vivem ainda tão distanciadas?
Destaco o pensamento de alguns autores sobre esse distanciamento. Paro (2000, p. 65) afirma
que,
Parece haver por um lado, uma incapacidade de compreensão por parte dos pais,
daquilo que é transmitido na escola, por outro lado, uma falta de habilidade dos
professores para promoverem essa comunicação.
Sá (2001, p. 23) destaca que
A família demonstra que possui preocupação e desejo de envolver-se com os
assuntos escolares, por outro lado, os discursos dos educadores demonstram o
interesse na participação dos pais em situações que acontecem fora dos muros das
escolas, como o auxílio nas tarefas de casa.
Analisando os pensamentos de Paro e Sá, é possível compreender que a família
parece ou demonstra interesse em participar do processo educativo e a escola tem interesse
em inserir a família nesse processo. Se o interesse ocorre de ambas as partes, podemos dizer,
através dos estudos realizados, que, muitas vezes, os obstáculos estão, de um lado, na ação da
escola, ou seja, nas políticas públicas que fundamentam e possibilitam essa ação. É necessário
que a escola se responsabilize por criar estratégias que propiciem um estreitamento da sua
relação com as famílias.
É importante ressaltar ainda que a dificuldade para criar essas estratégias é proveniente
do contexto social e político. As famílias são diferentes e, com isso enxergam a escola de
diversas formas. São diversos valores e, em alguns casos, os costumes familiares estão
distantes do que a escola costuma valorizar e, com isso, aumenta o distanciamento, pois a
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família não se vê reconhecida no mundo escolar. Por outro lado, o sistema escolar não cria
também formas efetivas de aproximação, desenvolvendo ações pontuais, como “Dia da
família na escola”4, ações vazias que não levam à construção de laços entre escola e família.
Paro (2000, p. 15) afirma que, para diminuir tal distanciamento, a escola deve ser o
ponto de partida neste processo, atentando para a realidade de seus alunos, procurando
articular a participação dos pais na escolarização dos filhos para a melhoria do ensino.
Existem também alguns fatores afetivos que interferem diretamente nessa relação,
como o sofrimento dos pais por afastarem seus filhos de si mesmos e, consequentemente, o
ciúme que sentem ao dividir os filhos com os professores; medo do fracasso escolar e
projeção dos próprios fracassos compensados nos filhos; as dificuldades pessoais dos pais,
dos educandos e nas relações familiares de cada aluno (cf. Macedo, 1996, p.12). Tais fatores
devem ser destacados porque o desenvolvimento dos alunos depende diretamente deles.
Essa relação é um grande desafio. O ponto de partida deve ser dado pela escola. Mas
como? A análise realizada neste estudo possibilitou perceber, também, a falta de iniciativa e
de preparo dos professores para lidar com as famílias. Paro (2000, p. 65) relata que a reunião
de pais é um encontro propício em que os professores poderiam orientar os pais a incentivar e
influenciar os filhos a terem bons hábitos de estudo e valorização do saber. Mas percebe-se
que os professores não sabem interagir com os pais, sendo a reunião de pais e mestres, muitas
vezes, momento de tensão e conflito.
Destaca-se, mais uma vez, o papel do professor, pois ele é o agente facilitador desse
processo. Ele deve conhecer tanto o funcionamento da escola quanto o histórico social do seu
aluno e, com isso, estabelecer estratégias favorecendo o respeito, a compreensão e o
desenvolvimento favorável no processo de aprendizagem. No entanto, ressalta-se que o
professor, sozinho, não pode ser responsabilizado por esta tarefa tão complexa. A
proximidade e interação entre famílias e escolas devem ser pensadas no interior de ações mais
amplas das políticas públicas de educação no Brasil.
Para diminuir o distanciamento, é necessária uma relação de cooperação. Sobre essa
cooperação, Piaget afirma que (1972, p. 50):
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Dia da Família na Escola foi instituído pelo Ministério da Educação. É um evento realizado duas vezes ao ano e
que tem como objetivo principal mobilizar os pais para a importância da família em todas as atividades da
escola. Nesses eventos são programadas atividades em que ocorre integração entre alunos e família. Proposta
surgiu em 2001.
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Uma ligação estreita e continuada entre os professores e os pais leva pois a muita
coisa mais que a uma informação mútua: este intercâmbio acaba resultando em
ajuda recíproca e, freqüentemente, em aperfeiçoamento real dos métodos. Ao
aproximar a escola da vida ou das preocupações profissionais dos pais, e ao
proporcionar, reciprocamente, aos pais um interesse pelas coisas da escola, chegase até mesmo a uma divisão de responsabilidades.
Portanto, é necessário que os pais tenham um espaço para expor suas ideias e ouvir os
professores. Da mesma forma, os professores devem se expressar e respeitar os pensamentos
dos pais. A cooperação consiste em que um se coloque no lugar do outro, em que família e
escola se reconheçam como parceiras, como agentes de uma mesma ação: a educação.
É preciso aproveitar os momentos de permanência dos pais na escola e nada melhor do
que a reunião de pais e mestres. Porém, tais reuniões precisam ser reformuladas, tornando-se
um canal de diálogo onde pais e professores se expressem. E para a realização de uma boa
reunião é necessário um bom planejamento.
Com essa análise, percebe-se que a reunião de pais é muito mais importante do que se
verifica o seu significado na prática. Nessa relação de cooperação, ela se torna o canal
comunicador possível para colocar em prática o diálogo entre família e escola.
As reuniões possibilitam momentos de troca, crescimento e envolvimento entre as
instituições envolvidas no processo de ensino-aprendizagem. Em contextos de reunião, juntos,
pais e professores podem construir processos de confiança e cooperação. Por isso, a principal
função das reuniões é compartilhar interesses e ações que possam beneficiar o aluno.
Não existe um modelo ideal de reunião de pais. Porém é possível definir alguns fatores
norteadores para a reunião e, consequentemente, uma boa relação entre família e escola.
Cooperação, coletividade, parceria e união devem ser os princípios básicos dessa
relação. A reunião deve sempre focalizar a troca de informações em que família e escola
possam em conjunto elaborar uma solução para os problemas encontrados no cotidiano da
escolarização dos filhos. Sendo assim, as mesmas devem ocorrer durante todo o ano, e não
somente no fechamento de notas ou para dar “notícias” do rendimento dos alunos.
Como citado anteriormente, cada família reage de uma forma e as escolas não
apresentam uma padronização, portanto, os aspectos citados não são regras a serem impostas,
são apenas sugestões. O recomendado é que a escola planeje objetivos e questionamentos
direcionados à família e que a família também contribua com a escola, porque uma instituição
depende da outra.
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Freire (1979, p. 18) afirma que “a educação sozinha não transforma a sociedade, sem
ela tampouco a sociedade muda”, ou seja, a escola não consegue educar sozinha e, para a
construção qualitativa do processo de aprendizagem, a educação deve ser pautada numa
participação efetiva entre família e escola.
Considerações Finais
Foi possível concluir que a relação família e escola é indispensável ao processo de
aprendizagem dos educandos, pois a escola não educa sozinha e o apoio da família é
essencial.
Não existe uma dissociação entre papel da família e papel da escola. O que se percebe
é a necessidade de que uma complete o papel da outra. Tanto família quanto escola
apresentam grande importância na educação de qualquer educando são consideradas peças
fundamentais nesse processo. É possível afirmar que seria uma ação conjunta entre as duas o
que conduziria ao sucesso escolar.
Trabalhando em parceria, tanto escola quanto família podem contribuir para o
desenvolvimento do educando, seja para o processo de aprendizagem, seja para o
desenvolvimento cognitivo, afetivo e social. A família ajuda a escola a conhecer o educando
e, da mesma forma, a escola ajuda a família a trabalhar as dificuldades dos alunos.
Portanto, as escolas devem se planejar de forma que integrem a família ao processo
pedagógico. Conforme citado anteriormente, o professor é o agente facilitador desse processo.
Ele deve orientar os pais de forma que beneficie tal relação. O professor deve se planejar para
que saiba lidar com a presença da família na escola e entender a importância dessa ação. Tal
pesquisa apresentou grande contribuição em minha formação, pois me fez entender que a
relação família e escola vai além dos muros escolares e exerce grande influência do contexto
social.
Além disso, proporcionou-me perceber que no meu papel de docente terei a grande
responsabilidade de contribuir para que ocorra tal relação. Assim, o tema nos remete a novas
leituras e novos estudos, procurando sempre formas de realizar esse diálogo, visto que a
relação família escola ainda é considerada um desafio.
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Referências
ARIÈS. Philippe. História Social da Criança e da Família. São Paulo: LTC-Grupo GEN,
1981.
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DALBEN, A.I.L.F. Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho
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