Série Sociedade e Ambiente 0 Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente FACULDADE PADRE JOÃO BAGOZZI Superintendente Pe. Sergio José de Souza Direção Geral Prof. Arivonil Matoske Junior Escola de Educação, Sociedade e Ambiente Profª. Elsa Maria Vieira de Souza (Serviço Social) Profª. Rúbia de Cássia Cavali (Pedagogia) Prof. Carlos Gomes (Tecnologia em Gestão Ambiental e Saneamento Ambiental) Editor Prof. Humberto Silvano Herrera Contreras Revisão Sandra Braga Bibliotecária Íris Labonde Ilustração da capa Priory Comunicação S678 1 Sociedade e ambiente (E-book): Serviço social: direitos e políticas sociais/ Humberto Silvano Herrera Contreras (org.). Curitiba: Editora Faculdade Padre João Bagozzi, 2016. Série Sociedade e ambiente. Vários Autores Modo de acesso: World Wide Web: <http.//www/ http://faculdadebagozzi.edu.br> ISBN 978-85-69525-01-1 1.Serviço Social. 2. Direito. 3. Políticas Sociais. I.Faculdade Padre João Bagozzi. II. Contreras, Humberto Silvano Herrera. III. Sociedade e Ambiente (série). CDD 361.3 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Pe. Ciriaco Bandinu - BAGOZZI Todos os direitos dessa edição são reservados à Faculdade Padre João Bagozzi. FACULDADE PADRE JOÃO BAGOZZI R. Caetano Marchesini, 952 – CEP 81070-110 (41) 3521-2727 / www.faculdadebagozzi.edu.br Curitiba, abril de 2016 Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente MENSAGEM PELA PRIMEIRA EDIÇÃO “Aquele que lê muito e anda muito, vê muito e sabe muito”. (Miguel de Cervantes no Dom Quixote) O caminho de Dom Quixote e de seu fiel escudeiro Sancho Pança é uma possível analogia à carreira universitária. Caminhamos, vivemos, sonhamos... e, nessas ações aprendemos que a profissão tem desafios e que a pesquisa é uma porta de abertura aos novos olhares para enfrentá-los. Esta primeira edição da Série Sociedade e Ambiente, intitulada Serviço Social: direitos e políticas sociais é exemplo deste esforço de quem está na caminhada. Os acadêmicos e os professores que protagonizaram estas produções textuais buscaram, na compreensão do tema, ampliar o seu olhar sobre a profissão, e deste campo de atuação do assistente social que acentua-se cada vez como uma necessidade na nossa sociedade. Parabenizamos a caminhada acadêmica dos autores e destacamos o seu alcance visível nos artigos que compõem esta edição. Incentivando-os a continuarem os passos da pesquisa cientes de que a prática profissional se eleva proporcional à capacidade de reflexão. A pesquisa nasce da prática e retorna a ela com a intenção de inovar, isto é, de aprimorar o que já fazemos, sempre no intuito do Bem, do Bom e do Belo. A iniciativa da Faculdade em socializar as pesquisas acadêmicas é uma dinâmica que expressa e adere à missão do Ensino Superior. Sabemos que a caminhada para a rigorosidade científica é árdua e demanda trajetória e investigação permanente. No entanto, a exploração é o início do estudo científico, e se alcançamos com esta publicação o primeiro passo, compartilhamos alegria institucional e incentivamos aos nossos acadêmicos a continuarem. Que a prática da pesquisa, no caminho acadêmico-profissional, seja uma virtude! Prof. Humberto Silvano Herrera Contreras Coordenador do Núcleo de Inovação, Pesquisa e Extensão Faculdade Padre João Bagozzi Serviço Social: direitos e políticas sociais 2 Série Sociedade e Ambiente SUMÁRIO Mensagem pela primeira edição ........................................................................... Humberto Silvano Herrera Contreras Apresentação ......................................................................................................... Elsa Maria Vieira de Souza 4 Aspectos da precarização do trabalho e a relação com o Serviço Social .............. Lucineia Evangelista, Adrielle Cristina Monteiro e Cleci Elisa Albiero 6 A subjetividade do fenômeno população em situação de rua ............................... Beatriz Anton, Daiane Ferreira Lourenço, Edson L. Nascimento Oliveira, Eliza Cristina Palàcio e Cleci Elisa Albiero 14 Intervenção do Serviço Social no Hospital do Trabalhador: avanços e desafios para a materialização do Projeto Ético-Político da profissão e princípios e diretrizes do SUS .................................................................................................. Maria Derli de Oliveira Morais e Silvana Maria Escorsim Impactos do reassentamento do PAC I de Campo Magro sob o olhar das famílias realocadas para o Jardim Boa Vista ........................................................ Cristina Oliveira da Silva e Sandra Aparecida Silva dos Santos O Projeto Ético-Político do Serviço Social e o incentivo a pequena agricultura pela Política Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Paraná: o reconhecimento da liberdade como valor ético central e o processo de construção de uma nova ordem societária ............................................................ Ana Paula Pionkevicz e Leandro José de Araújo 22 3 99 151 A redução da jornada de trabalho e os impactos no exercício profissional do(a) Assistente Social.................................................................................................... Romilda Aparecida da Silva e Cleci Elisa Albiero 206 Sobre a Série Sociedade e Ambiente .................................................................... 252 Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente APRESENTAÇÃO No sentido de estimular a produção acadêmica na área do Serviço Social assim como ampliar e impulsionar o debate em torno da defesa da garantia dos direitos individuais e coletivos, este E-book inaugura e inicia a sistematização dos conhecimentos que tem sido produzidos durante a graduação em Serviço Social da Faculdade Padre João Bagozzi. A produção teórica no curso de Serviço Social possui abordagem rigorosamente crítica sobre os polêmicos temas atuais, visando também uma produção comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. No avanço da sociedade capitalista conhecemos, nos deparamos, com novas formas de expressão da questão social que se apresentam de várias formas, com um resultado bastante comum como o desemprego estrutural, o aumento da pobreza, da exclusão social e principalmente a precarização do trabalho aliado a perda dos direitos sociais conquistados arduamente na história recente. Os artigos escolhidos para tratar dos temas que o curso de Serviço Social abraça na sua trajetória têm como foco principal impulsionar e ampliar o debate em torno da defesa dos direitos e das políticas sociais. Foram indicados, para participar do projeto Prêmio Acadêmico Destaque, criado pelo Núcleo de Inovação, Pesquisa e Extensão (NIPE) desta Faculdade, os trabalhos orientados na disciplina Projeto Integrador, pela professora Cleci Elisa Albiero, os artigos “Aspectos da precarização do trabalho e a relação com o Serviço Social” e “A subjetividade do fenômeno População em Situação de Rua”, ambos construídos pelos(as) acadêmicos(as) com a sua orientação. O presente E-book também traz em sua composição monografias de conclusão de curso indicadas pelos professores para angariar o Prêmio Acadêmico Destaque, e que foram resultado de um trabalho de qualidade realizado pela equipe de professores altamente qualificados e comprometidos com a categoria profissional assim como com o projeto ético político da profissão. Orientado pela professora Ms. Cleci Elisa Albiero, a monografia “Intervenção do Serviço Social no Hospital do Trabalhador: avanços e desafios para a materialização do Projeto Ético-Político da profissão e princípios e diretrizes do SUS”, realizado pela acadêmica Maria Derli de Oliveira Morais que teve por principal objetivo responder a indagação sobre os avanços e desafios da intervenção profissional para a materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS. Com a orientação da professora Ms. Sandra Aparecida Silva dos Santos, a pesquisa desenvolvida pela acadêmica Cristina Oliveira da Silva “Impactos do reassentamento do PAC I de Campo Magro sob o olhar das famílias relocadas para o Jardim Boa Vista”, foi realizada com 29 famílias realocadas, e teve como objetivo identificar os impactos percebidos pelas famílias no âmbito social, econômico e ambiental após a realocação, apresenta um debate importante quanto ao direito de moradia, identificando os desafios que envolve a realocação de famílias em vulnerabilidade social. O Trabalho de Conclusão de Curso “O Projeto Ético-Político do Serviço Social e o Incentivo a Pequena Agricultura pela Política Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Paraná: o Reconhecimento da Liberdade como Valor Ético Central e o Processo de Construção de uma Nova Ordem Societária”, realizada pela aluna Ana Paulo Pionkevicz, com a orientação do professor Ms. Leandro José de Araújo, teve como processo de pesquisa e compreensão do objeto, duas fases, a primeira pela Serviço Social: direitos e políticas sociais 4 Série Sociedade e Ambiente compreensão teórica dos significados dos dois princípios fundamentais do Projeto Ético Político do Serviço Social, ou seja, organizar suas abstrações elementares e compreendê-las inseridas em uma totalidade concreta pensada. A segunda, compreender os aspectos do Programa de Aquisição de Alimentos organizados dentro do modo de produção capitalista. E finalmente apresentamos a monografia de conclusão de curso da acadêmica Romilda Aparecida da Silva, intitulada “A redução da jornada de trabalho e os impactos no exercício profissional do(a) Assistente Social”, com orientação da professora Ms. Cleci Elisa Albiero. O estudo focaliza o trabalho dos Assistentes Sociais a partir da reflexão sobre os impactos decorrentes da legislação que implantou o regime de trabalho de 30 horas semanais dos assistentes sociais sem redução salarial, tema ululante em nossa categoria. Bem, com muito orgulho como também muita alegria iniciamos a publicação sistemática dos trabalhos que vêm sendo qualitativamente construídos no curso de graduação em Serviço social desta instituição de ensino. Elsa Maria Vieira de Souza Coordenadora do Curso de Serviço Social Faculdade Padre João Bagozzi 5 Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente ASPECTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A RELAÇÃO COM O SERVIÇO SOCIAL Lucineia Evangelista Adrielle Cristina Monteiro Cleci Elisa Albiero RESUMO O texto que segue trata sobre as diversas faces em que se apresenta a precarização do trabalho do Serviço Social. É importante identificar quais os condicionantes que determinam a precarização investigando o contexto do mundo do trabalho e também a exposição da mercantilização do Ensino Superior no Brasil, principalmente no curso de Serviço Social. Levanta-se a discussão em torno do papel do projeto ético-político e da direção crítica que são indispensáveis para a qualidade na atuação profissional, bem como a necessidade da ética na construção do processo de trabalho. Palavras-chave: Trabalho precarizado. Capitalismo. Serviço Social. Serviço Social: direitos e políticas sociais 6 Série Sociedade e Ambiente 1 INTRODUÇÃO O tema “trabalho” é de suma importância em todo o processo existente na vida e relações sociais. Assim, entender como acontece o processo da base real da sociedade e da superestrutura é de fundamental relevância para a análise crítica da formação profissional e da prática profissional dos assistentes sociais, pois, trabalho e formação profissional são temas conectados visto que, contribuem para a qualificação do trabalho do assistente social. O “fetiche” representado pelo regime capitalista tem oprimido as relações de trabalho e forças produtivas. A flexibilização manobrada pelo capital gera a precarização das relações da totalidade da vida social, incluindo a profissão do assistente social. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 A CATEGORIA TRABALHO E O SERVIÇO SOCIAL Uma explicação fundamental para se iniciar o conhecimento a respeito da precarização do trabalho do assistente social é o reconhecimento do fundamento da sociedade, caracterizado por Karl Marx como base real. Nela é que se estabelece a relação de classes e onde se caracteriza a precarização do trabalho nas relações sociais de produção, bem como o desenvolver da questão social1. Historicamente, no contexto do desenvolvimento do capitalismo industrial e da expansão urbana, coloca-se a necessidade do Serviço Social, enquanto mediador das classes fundamentais: burguesia industrial e proletariado fabril devido ao crescimento da pobreza entre o proletariado. Na atualidade, segundo Milton Santos (2000) com o modelo de sociedade capitalista, as desigualdades aumentam, a pobreza se torna banal e cresce a massa dos excluídos, que são destituídos de cidadania. A questão social, proveniente das relações sociais de produção entre as classes citadas, serve como base de justificação para a ação do profissional do Serviço Social. Ocorre que este profissional também é atingido, conforme destaca Iamamoto (2006, p. 3): No ingresso do Serviço Social como profissão, uma das pré-condições é a transformação de sua força de trabalho em mercadoria e de seu trabalho em atividade subordinada à classe capitalista. A mesma lógica que preside o trabalho da classe trabalhadora, também preside a intervenção do Serviço Social. O Serviço Social não se afirma no mercado como profissional liberal por não dispor de condições objetivas para esta realização, ele necessita das políticas sociais, de cunho público ou privado para o exercício profissional se concretizar. Dessa forma, os assistentes sociais vivem uma tensão na atuação no mundo do trabalho, pois são trabalhadores assalariados que seguem as determinações ou do capital, ou do Estado burguês, já que estes são quem determinam como o trabalho do assistente social será aplicado. A esse respeito, Raichelis (2011, p. 5) pontua: 1 O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2006). Serviço Social: direitos e políticas sociais 7 Série Sociedade e Ambiente São os empregadores que fornecem instrumentos e meios para o desenvolvimento das tarefas profissionais, são as instituições empregadoras que têm o poder de definir as demandas e as condições em que deve ser exercida a atividade profissional: o contrato de trabalho, a jornada, o salário, a intensidade, as metas de produtividade. Esses organismos empregadores, estatais ou privados, definem também a matéria (objeto) sobre a qual recai a ação profissional, ou seja, as dimensões, expressões ou recortes da questão social a serem trabalhadas, as funções e atribuições profissionais, além de oferecerem o suporte material para o desenvolvimento do trabalho recursos humanos, técnicos, institucionais e financeiros, decorrendo daí tanto as possibilidades como os limites à materialização do projeto profissional. Para entendermos a questão social, na sociedade capitalista e fazermos uma crítica a esse modelo vigente, precisamos examinar os fatores numa perspectiva histórico-dialética. Nas últimas três décadas, mudaram-se as formas de produção e acumulação do capital, com a reestruturação industrial, políticas neoliberais, refrações nos processos, gestão e da força de trabalho, ocasionando mudanças na vida social e no trabalho. Isso são determinações estruturais colocadas pelo tempo histórico. Nesse contexto, o traço estrutural do modo de produção capitalista é a precarização, com diferentes formas e configurações de efetivação. Na análise de Ceolin (2014, p. 254) certifica-se esse entendimento: As expressões da precarização do trabalho e das relações de emprego na contemporaneidade configuram-se como um traço da universalidade do modo de produção capitalista em tempo de crise estrutural da composição técnica e orgânica do capital e de seu padrão de acumulação. Num primeiro momento a precarização assume caracterização estrutural do trabalho e depois atinge estatuto social, como uma precarização existencial (humana). Para as novas formas de produção do capital, há uma necessidade de gestão, que captura a subjetividade do homem (ALVES, 2013). No entanto, o trabalho do assistente social exige uma perspectiva voltada ao projeto ético-político, em que o profissional mostra qualificação para um trabalho altamente complexo, social e coletivo; um profissional propositivo, que negocia e defende projetos visando ampliar os “[...] direitos das classes subalternas, seu campo de trabalho e sua autonomia técnica, atribuições e prerrogativas profissionais” (RAICHELIS, 2011, p. 427-428). Nas condições atuais do capitalismo contemporâneo2 são promovidas expressivas mudanças nas formas de gestão e organização do trabalho, o que decorre em trabalhadores flexibilizados, informalizados, precarizados, pauperizados, desprotegidos de direitos e desprovidos de organização coletiva (ANTUNES, 2005). Uma pesquisa de Druck (2009) apresenta cinco tipos de precarização, que podem ser: das formas de mercantilização da força de trabalho - formação de mercado heterogêneo e marcado por vulnerabilidade estrutural, produzindo desestabilização dos trabalhadores estáveis com perdas de direitos e vínculos; do processo de construção das identidades individual e coletiva - pessoas descartadas e desvalorizadas o que aprofunda a alienação e estranhamento do trabalho, além de fragilizar as identidades coletivas e individuais e a dimensão ética do trabalho; da organização e das condições de trabalho 2 Em que a globalização financeira dos capitais e sistemas de produção estão apoiados intensivamente nas tecnologias de informação (ANTUNES, 2005). Serviço Social: direitos e políticas sociais 8 Série Sociedade e Ambiente intensificação do trabalho por meio de aumento do ritmo, extensão da jornada, rotatividade e potencializada pelo desenvolvimento da microeletrônica; das condições de segurança no trabalho - fragilização da segurança no trabalho impactando na intensificação do trabalho e a maior exposição aos riscos, acarretando na precarização da saúde do trabalhador; e das condições de representação e de organização sindical fragilidade sindical e da terceirização, produzindo discriminação, pulverização e competição entre os trabalhadores e enfraquece a representação política da classe trabalhadora (DRUCK, 2009, p. 6). Atualmente, precisa-se dar continuidade às conquistas obtidas e romper com os impasses profissionais vividos pela categoria. O desafio é transitar da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da profissão na realidade. O domínio teórico-metodológico se atualiza com o acompanhamento da dinâmica dos processos sociais, compreendendo assim os problemas do cotidiano do exercício profissional. Segundo Iamamoto o Serviço Social é uma profissão socialmente determinada na história da sociedade brasileira. “A insistência na questão social está em que ela conforma a matéria-prima do trabalho profissional, sendo a prática profissional compreendida como uma especialização do trabalho, partícipe de um processo de trabalho” (IAMAMOTO, 2015, p. 59). Portanto, precisamos analisar as forças societárias, seu desenvolvimento e como se resultam na questão social. O Serviço Social ao longo de sua história teve grande avanço como profissão. Houve uma reorientação nos anos de 1980, dando um salto de qualidade e adquirindo visibilidade pública, com o novo código de Ética do Assistente Social, revisão da legislação profissional, modificações no ensino universitário e ampliação da produção acadêmica. Contribuindo para a formação e o trabalho do Serviço Social se solidificarem. O assistente social trabalha com as expressões da questão social. Parte de seus instrumentos de trabalho é o conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos ao longo do seu processo formativo, outra parte é fornecida pelas entidades empregadoras. 2.2 PROCESSO DE TRABALHO E A PRECARIZAÇÃO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL O processo de trabalho é o que constitui a profissão, no seu fazer profissional, no interior das relações sociais visando alcançar os objetivos com reconhecimento social concreto da profissão. Yolanda Guerra (2000, p. 2) descreve: [...] possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais. É por meio desta capacidade, adquirida no exercício profissional, que os assistentes sociais modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes num determinado nível da realidade social: no nível do cotidiano. Ao alterarem o cotidiano profissional e o cotidiano das classes sociais que demandam a sua intervenção, modificando as condições, os meios e os instrumentos existentes, e os convertendo em condições, meios e instrumentos para o alcance dos objetivos profissionais, os assistentes sociais estão dando instrumentalidade às suas ações. O processo de trabalho permite que o profissional viabilize instrumentos e técnicas de acordo com a necessidade imposta. Para isso, é necessário um aprofundamento teórico de forma que, a técnica adequada seja perceptível ao Serviço Social: direitos e políticas sociais 9 Série Sociedade e Ambiente profissional. Sem o conhecimento teórico a prática não tem efetividade, pois não está imbuída de práxis. Esse aprofundamento teórico deve ser direcionado através das universidades e demais instituições de formação e capacitação profissional, que segundo Maria Lucia Silva (2012, p. 100) devem adotar “um diálogo socialmente construído na inter-relação com outros sujeitos e suas vivências”, que é o significado de uma reflexão crítica e valorativa. Porém, no contexto da mercantilização do conhecimento em que o capitalismo impera, as formas de aprendizagem são precarizadas por meios virtuais, por exemplo o EaD, em que a interação é dispensada. Assim a reflexão crítica é inviabilizada. Cursos à distância, salas de discussão virtual, leituras virtuais, entre outras, são algumas das formas de reprodução do individualismo contemporâneo: o indivíduo isolado diante de uma máquina se comunicando com imagens, e ideias que substituem as relações humanas por relações entre objetos e ideias abstratas. A troca entre ideias e a possibilidade de uma real interconexão entre vivências e emoções deixam de ser vivenciadas, sentidas, internalizadas, processadas, dialetizadas. O que ocorre é um “processo” linear, individualista: a recepção de ideias prontas virtualmente codificadas por um indivíduo isolado que as incorpora ou não de acordo com a sua interpretação subjetiva (BARROCO e TERRA, 2012, p. 100). Para Barroco e Terra (2012, p. 99) “[...] essa formação fragiliza as potencialidades dos futuros assistentes sociais, que tendem a ingressar no mercado de trabalho de forma subalterna, sem apreender e desenvolver as possibilidades de uma prática mais enriquecedora”. Diz ainda que esse relacionamento entre homem e máquina pode ser utilizado em favor do conhecimento, mas depende da forma como é utilizado, podendo ser um instrumento de alienação ou de criatividade. Outra forma de precarização que se apresenta na formação do Serviço Social é o estágio supervisionado, muitas vezes categorizado como trabalho. O Código de Ética afirma que o estágio é “uma capacitação que se inicia durante a formação profissional, nos cursos de graduação estendendo-se para outros estágios” (CFESS, 2014). Entendese dessa forma que o estágio é um período de aprendizagem em que o indivíduo inicia a sua introdução na prática profissional, com conhecimento teórico e metodológico, não tendo condições plenas de construir o seu processo de trabalho sozinho. Por esse motivo o Código de Ética proíbe a contratação por estágio em ambientes que não possuam em seu quadro de funcionários o profissional do Serviço Social para a supervisão da aprendizagem do aluno. Além disso, a falta de orientação e capacitação adequadas enfraquece e empobrece a formação profissional, banalizando a ética e a responsabilidade com a categoria. Um processo formativo desqualificado relaciona-se com a desvalorização profissional e consequente reconfiguração do perfil profissional, na medida em que um graduado em serviço social, formado com frágil embasamento teórico-metodológico, técnico-interventivo e ético-político, não tem possibilidades efetivas de se contrapor, por meio de estratégias profissionais cotidianas, ao perfil contemporâneo da política social brasileira: focalista, minimalista, residual, não concebida como direito universal, mas de ação focal nos/as mais ‘empobrecidos/as’, sem a garantia de um padrão civilizatório digno para toda a população, mas claramente concebida para ‘aliviar a pobreza’ (CFESS, 2014). Serviço Social: direitos e políticas sociais 10 Série Sociedade e Ambiente As transformações contemporâneas que afetam o mercado de trabalho, tem redefinido alguns espaços ocupacionais e gerado outras demandas para o Serviço Social, com diferenciadas possibilidades de atuação no setor público, privado e nas organizações do terceiro setor. Ao mesmo tempo, tem gerado perdas e precarização dos postos de trabalho. Na maioria desses postos são preenchidos com subcontratação de serviços autônomos dos assistentes sociais ocorrendo assim, o enfraquecimento da categoria profissional, facilitando a regressão e até perdas de direitos conquistados. O exercício da profissão implica saber propor, negociar com a instituição, defendendo seu espaço de trabalho, suas atribuições e direitos profissionais. Para Iamamoto (1998, p. 21): [...] as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las transformando-as em projetos e frentes de trabalho. Com a profissionalização do assistente social, ele ingressa no mercado com qualificação específica, sendo assalariado, sujeito às violações de direitos como os demais trabalhadores. Alguns profissionais alienam-se e defendem o interesse dos empregadores e não da classe trabalhadora. Outros vivem em constante tensão entre o projeto ético-político e o estatuto da instituição empregadora. Uma das expressões da precarização do trabalho do assistente social é a consultoria empresarial. [...] considero consultoria empresarial do Serviço Social uma forma de terceirização especializada em assuntos específicos dentro de uma área de conhecimento, com a venda de um serviço ou pacotes (dentre eles o Serviço Social) que possam ser oferecidos, em processo de trabalho interativo e/ou sequencial, de acordo com a demanda da empresa-cliente (AZEVEDO, 2014, p. 326). São profissionais contratados por projetos, salários flexíveis de acordo com a produtividade, processos de trabalhos estendidos para além do espaço da empresa, capturando a subjetividade, tornando-se trabalhador polivalente, cumpridor de rotinas institucionais, tarefas burocráticas, que afasta do contato com a população e tirando a autonomia. Esses aspectos contradizem com o projeto profissional. Por isso, o projeto ético-político em que se fundamenta o profissional do Serviço Social não deve ser ignorado. Sem ele os profissionais não se inserem na ruptura com o Estado monopolista e não deixam de ser manipulados pelos interesses burgueses, bem como com o conservadorismo profissional. Mas antes, de acordo com Netto (1999), lutam por projetos societários que visam o alcance conjunto da sociedade; traçam projetos profissionais para a efetividade da profissão na coletividade e que conhece e entende a pluralidade e se compromete com a ética; que combate os projetos neoliberais em que se fundamenta a sociedade, visando garantir à massa da população a preservação e a garantia dos valores e direitos inerentes ao ser humano. Serviço Social: direitos e políticas sociais 11 Série Sociedade e Ambiente 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O conhecimento da base em que se sustenta a questão social e o contexto do desenvolvimento do capitalismo são imprescindíveis para o entendimento do mundo do trabalho. O surgimento do Serviço Social está intrinsecamente relacionado à questão social que é proveniente das expressões causadas pela relação entre capital e trabalho. No entanto, é necessário conhecer o processo histórico da profissão a fim de romper com o conservadorismo que servia de estratégia para a atuação na sociedade capitalista emergente, pois o trabalho do assistente social exige uma perspectiva voltada ao projeto ético-político, em que este visa também romper com o Estado monopolista. O trabalho do Serviço Social só tem efetividade quando é executado na coletividade, com profissionais propositivos e relacionados, elaborando projetos com reflexão crítica. Isso requer ensino de qualidade, com exercício da dialética para que seja desenvolvida a subjetividade do sujeito e a capacidade teleológica. O processo de trabalho e a atuação profissional constituem a profissão, bem como o fazer profissional do assistente social. De um lado, as transformações contemporâneas redefiniram o mercado de trabalho gerando novas demandas e diferenciados espaços de atuação para o Serviço Social. De outro lado, houve a regressão de direitos e a flexibilização/precarização nos postos de trabalho. Os condicionantes dessa precarização se dão pelos fatores aqui apresentados, mas também pela alienação frente ao capital, com sua ideologia individualista em que o Serviço Social não consegue ser efetivado em sua plenitude. Quando essa alienação toma conta do profissional, ele se vê como “autônomo”. No entanto, diante da profissão assalariada frente ao mercado do capital o que os assistentes sociais possuem é uma “autonomia relativa”, que caminha entre o capital e os direitos dos trabalhadores. REFERÊNCIAS ALVES, G. Dimensões da precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho. Bauru: Práxis, 2013. ANTUNES, R. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005. AZEVEDO, F. C. Consultoria empresarial de Serviço Social: expressões da precarização e da terceirização profissional. In: Serviço Social e Sociedade, nº118 – Trabalho Precarizado. São Paulo: Cortez, Abril/Junho 2014, p. 318-338. BARROCO, M. L.; TERRA, S. H. Código de Ética do/a Assistente Social comentado. Conselho Federal de Serviço Social – CFESS (Org.). São Paulo: Cortez, 2012. Serviço Social: direitos e políticas sociais 12 Série Sociedade e Ambiente CEOLIN, G. F. Crise do Capital, precarização do trabalho e impactos no Serviço Social. In: Serviço Social e Sociedade, nº118 – Trabalho Precarizado. São Paulo: Cortez, 2014. p. 239-264. CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Gestão Tempo de luta de Resistência: Sobre a Incompatibilidade entre Graduação à distância e Serviço Social. Brasília (DF). 2014. Volume 2. DRUCK, G. Principais indicadores de precarização social do trabalho no Brasil (versão preliminar). In: Congresso Brasileiro de Sociologia. Grupo de Trabalho Sindicato, Trabalho e Ações Coletivas, 14, Rio de Janeiro, jul. 2009. GUERRA, Y. Instrumentalidade do processo de trabalho e Serviço Social. In: Serviço Social e Sociedade, nº 62. São Paulo: Cortez, 2000. IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 26 ed. São Paulo: Editora Cortez, 2015. NETTO, J. P. A construção do projeto ético-político do Serviço Social frente à crise contemporânea. In: Capacitação em Serviço Social e política social: Módulo 1 – Crise contemporânea, questão social e Serviço Social. Brasília: CFESS/Abepss/Cead/UnB, 1999. RAICHELIS, R. O assistente social como trabalhador assalariado: desafios frente às violações de seus direitos. In: Serviço Social e Sociedade. Nº 107, São Paulo, 2011. SANTOS, M. Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. 18 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000. Serviço Social: direitos e políticas sociais 13 Série Sociedade e Ambiente A SUBJETIVIDADE DO FENÔMENO POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA Beatriz Anton Daiane Ferreira Lourenço Edson Luiz Nascimento Oliveira Eliza Cristina Palàcio Cleci Elisa Albiero RESUMO Neste artigo abordam-se as características responsáveis que levam as pessoas ou até famílias a se integrarem a população em situação de rua. Vítimas da estrutura capitalista e das desigualdades sociais o aumento dessa população tem se tornado um fenômeno para vários pesquisadores, dentre esses, Iamamotto (2004) destaca seu ponto de vista referente à pobreza e a importância dessa causa na formação da população em situação de rua, que utilizam os centros urbanos para suprir suas necessidades, como forma de subsistência. Para entendimento da subjetividade existente, é preciso relatar as causas, consequências, motivos e formas de sobrevivência pelas quais essas pessoas vão para a rua e preferem permanecer nessa realidade. Em relação às políticas públicas vamos conceituar e apresentar alguns atendimentos especializados já existentes no município de Curitiba, que visam contribuir para a proteção social de famílias e indivíduos nas situações de risco pessoal e social, por violações de direitos, visando à superação destas situações. Palavras-chave: Desigualdade social. População em situação de rua. Sobrevivência. Políticas públicas. Serviço Social: direitos e políticas sociais 14 Série Sociedade e Ambiente 1 INTRODUÇÃO Tem-se observado ao longo do tempo, o significativo aumento da população em situação de rua, sendo necessário ampliar os conhecimentos sobre desta população. Este trabalho é uma proposta de um breve esboço da caracterização da população em situação de rua, identificando o que os leva a não sair desta situação e como sobrevivem nesta realidade. Descreve algumas políticas públicas já existentes no Município de Curitiba, com o intuito de um processo que respeite as diferentes subjetividades, auxiliando na reestruturação social. Considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória (BRASIL, Decreto nº 7.053, 2009). A existência de indivíduos em situação de rua torna ainda mais gritante à profunda desigualdade social brasileira, traz no próprio nome, o caráter excludente a que são submetidos. A presença dessa população incomoda os que ao andarem nas ruas gostariam de vê-las “limpas” e seguras. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 CAUSAS QUE LEVAM A PESSOA A SE TORNAR MORADOR DE RUA A realidade aponta para ausência da isonomia, que está previsto no art. 5º, "caput", da Constituição Federal do Brasil, 1988 segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Assim não deve haver distinção de classe, grau ou poder econômico e deve-se assegurar os direitos sociais: a educação, trabalho, moradia, lazer e segurança. Essa não é a condição na qual eles vivem pois as pessoas que não possuem renda não consomem, e já estão automaticamente fora das benesses sociais. Hoje temos um contingente grande de população em situação de rua, totalmente fragilizados e desprovidos de qualquer meio de sobrevivência com dignidade. A rua pode se constituir num abrigo para quem tem recursos e dorme esporadicamente ou, pode indicar uma situação na qual á rua representa o seu lar propriamente dito. Segundo Vieira, Bezerra e Rosa (1994, p. 93-95) identificam três situações em relação à permanência na rua: a. As pessoas que ficam na rua – configuram uma situação circunstancial que reflete a precariedade da vida, pelo desemprego ou por estarem chegando à cidade em busca de emprego, de tratamento de saúde ou de parentes. Nesses casos, em razão do medo da violência e da própria condição vulnerável em que se encontram, Serviço Social: direitos e políticas sociais 15 Série Sociedade e Ambiente costumam passar a noite em rodoviárias, albergues, ou locais públicos de movimento. b. As pessoas que estão na rua – são aquelas que já não consideram a rua tão ameaçadora e, em razão disso, passam a estabelecer relações com as pessoas que vivem na rua, assumindo como estratégia de sobrevivência a realização de pequenas tarefas com algum rendimento. É o caso dos guardadores de carro, descarregadores de carga, catadores de papéis ou latinhas. c. As pessoas que são da rua – são aqueles que já estão há tempo na rua e, em função disso, foram sofrendo um processo de debilitação física e mental, especialmente pelo uso do álcool e das drogas, pela alimentação deficitária, pela exposição e pela vulnerabilidade à violência. Vemos diariamente através da mídia e outros meios de comunicações o crescimento expressivo do aumento de moradores de rua em todo o Brasil e no mundo. Podemos ver que esses moradores são pessoas que perderam tudo o que tinham, migram para outras cidades em busca de oportunidades de empregos e chegando ao destino são frustrados pela ausência do mesmo. Muitos acabam buscando a rua como abrigo e fonte de renda para sua sobrevivência básica. Esse fenômeno está diretamente ligado às crises econômicas vividas pelo nosso País. Com o aumento da população em situação de rua boa parte da sociedade sofre com o problema. Nos grandes centros há aumento considerável de comercialização de drogas, consequentemente aumento em furtos e assaltos. “Não há dúvida também de que a classe trabalhadora brasileira vem sofrendo um processo crescente de empobrecimento na última década, o que amplia significativamente o contingente social que vive em situação de miséria”. (LOPES, 1990 apud VIEIRA, et al. 1992, p. 17). Segundo o Censo, a Política Nacional para a população em situação de rua (PSR) em sua maioria são 82% do sexo masculino, 53% com idade entre 25 e 44anos e 67% são negros. Em parceria com os movimentos organizados da sociedade civil, que possibilitem a sua integração, acesso os direitos da cidadania e oportunidades sociais. A Constituição Federal estabelece, em seu Artigo 5º, a igualdade de todos os cidadãos brasileiros perante a lei e a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. No artigo 6º, lê-se que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 2009, p.16). 2.2 OS MOTIVOS RESPONSÁVEIS PELA PERMANÊNCIA NAS RUAS Frente aos questionamentos que envolvem a permanência dessa população nas ruas identificaram-se vários aspectos, dentre os quais três se destacam mais: a) fatores estruturais como a ausência de moradia, inexistência de trabalho e renda além de mudanças institucionais de forte impacto social, etc.; e b) Fatores biográficos ligados à história de vida individual, rupturas de vínculos familiares, doenças mentais, consumo excessivo de álcool e drogas, morte de todos os componentes da família, além de fatores ligados a natureza como inundações e terremotos. Os fatores mais enfatizados pelos estudos contemporâneos são os fatores estruturais, além das diversas características individuais que compõem essa população. Segundo Escorel (2000) a maioria dos autores descreve as pessoas em situação de rua como pessoas com interesses materiais, Serviço Social: direitos e políticas sociais 16 Série Sociedade e Ambiente com vínculos familiares diversificados e não como um único grupo, único perfil de população de rua ou categoria. Vieira, Bezerra e Rosa (2004), identificam três situações relacionadas à permanência dessas pessoas na rua: a) A pobreza extrema; b) Vínculos familiares interrompidos ou fragilizados; e c) Inexistência de moradia regular seguida da utilização da rua como moradia e sustento de forma temporária ou permanente. Os três autores afirmam que a rua pode ter dois sentidos, o que constitui num abrigo para os que sem recursos dormem circunstancialmente sob marquises e outros logradouros públicos, ou, pode constituir-se em um modo de vida permanente como seu habitat. Para a pobreza extrema ser reconhecida por muitos pesquisadores como uma condição imposta a população em situação de rua, é necessário expor vários pontos de vista de diversos autores, por se tratar de uma discussão complexa. Para Marx (1988) o momento em que o trabalhador aliena a sua força de trabalho ao capitalismo, essa instabilidade do processo de produção leva o trabalhador ao processo de alienação dos meios de produção. Ou seja, a pobreza é consequência da não distribuição igualitária da riqueza social, da apropriação dos meios de produção e da exploração dos trabalhadores. Segundo Iamamoto (2004), a pobreza não é compreendida como resultado de distribuição de renda e se refere a própria produção, ou seja, a distribuição dos meios de produção é portanto a relação entre as classes, para que todos os indivíduos sociais necessitados sejam alcançados no intelectual, moral, cultural e espiritualmente. Entende-se desta forma que a partir da eliminação das desigualdades sociais e da pobreza, onde só um meio de produção é suficiente para socializar as riquezas produzidas será capaz de extirpar a pobreza extrema. Em relação aos vínculos familiares interrompidos ou fragilizados, a noção de família torna-se um encadeamento de relações afetivas e protetoras. A partir desta conclusão de (SNOW e ANDERSON, 1998) fica claro em seu ponto de vista que a maioria das pessoas em situação de rua possuem familiares, porém seus vínculos afetivos encontram-se interrompidos ou fragilizados. Embora não sejam fatores determinantes, existem outros fatores estruturais ou fatores ligados a história de vida de cada indivíduo responsáveis por esses rompimentos dos vínculos familiares, como as desavenças afetivas, preconceitos relacionados à orientação sexual, intolerância a uso, abuso e dependência de drogas e álcool (PRATES, REIS e ABREU, 2000). As relações familiares anteriores a de situação de rua, geralmente não são reestabelecidos, isso faz com que uma nova família seja formada com outras pessoas que já se encontram em situação de rua, mas essa consequência não significa um processo frequente. Sobre a inexistência de moradia regular e a utilização da rua como espaço de moradia e sustento temporário ou permanente, a falta de moradia regular em conjunto com outras condições como o atendimento as necessidades naturais de alimentação, abrigo, higiene pessoal e saúde levam as pessoas a permanecerem nos centros urbanos (SILVA, 2009). Dotados de infraestrutura como praças, marquises, chafarizes, postos de gasolina e refeitórios públicos os centros urbanos possuem uma grande concentração de pessoas, consequentemente de atividades econômicas como bancos, lojas, supermercados, bares e restaurante. Esse conjunto de atividades econômicas com grande fluxo de pessoas torna-se um ambiente ideal para as pessoas em situação de rua receber doações ou exercer trabalhos informais (SILVA, 2009). A população em situação de rua é resultado de uma Serviço Social: direitos e políticas sociais 17 Série Sociedade e Ambiente sociedade capitalista que exclui as faces da questão social, porem sempre presentes acabam sendo vistas como mazelas da sociedade excludente. 2.3 MEIOS DE SOBREVIVÊNCIA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA Segundo Vieira, Bezerra Rosa (2004), a população em situação de rua tende a permanecer em lugares que favoreçam a sua sobrevivência, de conviver e ver o mundo, locais como bairros centrais e comerciais da cidade, locais que são vistos como fontes de recursos. Hábitos começam a ser criados. Na alimentação, procuram locais de distribuição gratuita de comida chamada “boca de rango”, geralmente em praças, viadutos, parques, muitas vezes são feitas por instituições filantrópicas de caráter assistencial, se alimentam também de sobras das feiras livres, restaurantes e lanchonetes, para preparar os alimentos, costumam improvisar panela, ou quando há dinheiro disponível, compram lanches ou marmitas. Com a ausência de residência fixa, uma das alternativas são os albergues, casas de convivência, em virtude do caráter disciplinador, de algum desses lugares. Muitas pessoas desabrigadas preferem as ruas, usando como estratégia lugares públicos transformados em espaços de dormir ou morar, terrenos baldios, praças, marquises e imóveis abandonados. Os que dormem ao relento utilizam a forração de papelão, plásticos ou cobertores como meio de proteção, para maior segurança muitas vezes vivem em grupos. Dividem alimentos, bebidas e cigarros. Grande parte desta população, na competição do mercado de trabalho, vai sendo aos poucos excluída, com a dificuldade de obtenção de emprego, recorrem aos recursos que possuem nas ruas, como os bicos, cuidador, lavagem de carros, carregamentos de caminhões nas áreas centralizadas, catando papéis e materiais reaproveitáveis, obtém dinheiro através da mendicância, em semáforos, áreas de grande fluxo de pedestres. A alternativa é encontrada no mundo da marginalidade, passagem de drogas, pequenos furtos e prestação de serviços para traficantes. Carregando seu mundo nas costas, em uma sacola cabem seus pertences. A higiene é mais uma dificuldade na vida dos moradores em situação de rua, pois, não possuem fácil acesso a banheiros e lavanderias gratuitas, procuram soluções improvisadas como bicas, chafarizes, represas e postos de gasolina. Com a ausência de higiene, aliada as condições físicas precárias, ampliando problemas de saúde, especialmente doenças de pele,e o tratamento requer condições de higiene, ficam à disposição da “sorte”,devido atendimento precário e o preconceito nos postos de saúde e hospitais públicos. Pode-se dizer que moradores em situação de rua, não vivem e sim sobrevivem. 3 REDE DE ATENDIMENTO PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO MUNICIPIO DE CURITIBA Várias ações socioassistenciais tem sido realizadas procurando atender as necessidades apresentadas pela população em situação de rua, bem como visando garantir a proteção social desta população, onde ofertam serviços com a finalidade de assegurar atendimento e atividades direcionadas para o desenvolvimento de sociabilidades, na perspectiva de fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou familiares que oportunizem a construção de novos projetos de vida.Procurando garantir o respeito à identidade, integridade e história de vida de cada pessoa ou família que se encontre em situação de rua. Serviço Social: direitos e políticas sociais 18 Série Sociedade e Ambiente A rede socioassistencial é um conjunto integrado de iniciativas públicas e da sociedade, que ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que supõe a articulação entre todas estas unidades de provisão de proteção social, sob a hierarquia de básica e especial e ainda por níveis de complexidade (BRASIL/MDS, 2005). Buscando cumprir as diretrizes apontadas pela Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009), os Centros de Referência Especializados da Assistência Social para a População em Situação de Rua do Município de Curitiba ofertam serviços com a finalidade de assegurar atendimento e atividades direcionadas para o desenvolvimento de sociabilidades, na perspectiva de fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou familiares que oportunizem a construção de novos projetos de vida. Dentre eles temos a Casa da Acolhida e do Regresso que concede passagem terrestre municipal e interestadual para o município de origem. Centro Pop são um serviço de abordagem e atendimento social para os que necessitam de albergagem, atendimento de saúde e demais encaminhamentos. Serviços de acolhimento institucional (abrigos oficiais e conveniados, Instituição de Longa Permanência Conveniada – ILPs), atendimento de saúde (Unidades de Saúde Básicas) e atendimento de Proteção Social Básica (Centro de Referência Especializado – CRAS). O Condomínio Social é o mais novo equipamento criado em Curitiba (primeiro do Brasil) para atendimento à população em situação de rua. Serviço que oferece proteção, de abrangência municipal, a pessoas maiores de 18 anos com vivência de rua. O Serviço está relacionado ao apoio e moradia subsidiada e tem como objetivos proteger os usuários, preservando suas condições de autonomia e independência; preparar os usuários para o alcance da auto-sustentação; promover o restabelecimento de vínculos comunitários, familiares e/ou sociais; promover o acesso à rede de políticas públicas e deve ser desenvolvido em sistema de autogestão ou co-gestão, possibilitando gradual autonomia e regras de convivência. O programa Consultório na Rua, da Secretaria Municipal da Saúde tem objetivo de levar saúde para os moradores em situação de rua. As equipes são formadas por médico, auxiliar de enfermagem, enfermeiros, psicólogo, assistente social, dentista e auxiliar de saúde bucal – percorrem as regiões da cidade oferecendo atendimento (CURITIBA, 2013). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que apesar da Constituição Federal do Brasil, que assegura sobre os direitos sociais, a realidade apresentada pela população em situação de rua nos dias atuais é lastimável, são excluídos das benesses sociais, vivendo da rua nas ruas. Cabe ao Assistente Social, trabalhar com este indivíduo em diferentes momentos, na busca da promoção e manutenção de seus direitos, no sentido de promover sua reinserção social, autonomia, resgatando vínculo familiar, ajudando a desenvolver o próprio senso de mudança. Serviço Social: direitos e políticas sociais 19 Série Sociedade e Ambiente REFERENCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 BRASIL. Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Brasília, DF 23 dez. 2009. 188o da Independência e 121o da República BRASIL. Governo Federal. Política Nacional para inclusão social população de rua. Brasília, DF 2008 Disponível em: <http://www.recife.pe.gov.br>. Acesso em: 01/10/2015. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social NOB/SUAS. Brasília, 2005. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília, DF, 2009. BRASIL. Secretaria Nacional de Renda e Cidadania e Secretaria Nacional de Assistência Social Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. Orientações Técnicas, Centro de Referência Especializado para População em situação de rua. SUAS e População em situação de rua, Volume 3, Editora Brasil LTDA – Brasília, 2011. CURITIBA. Prefeitura Municipal. Consultórios móveis atendem população de rua de Curitiba. 2013. Disponível em: <http://www.curitiba.pr.gov.br>. Acesso em: 01/10/2015. ESCOREL, Sarah. Vivendo de teimoso: moradores de rua da cidade do Rio de Janeiro. In:BURSZTYN, Marcel (org.). No meio da rua: nômades, excluídos e viradores. Brasília: Garamond, 2000. p.139-171. IAMAMOTO, Marilda Villela. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 7 ed. Cortez, 2004. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro Primeiro. Tomo I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. PRATES, J. C., REIS, C. N. e ABREU, P. A metodologia de pesquisa para populações de rua e as alternativas de enfrentamento pelo Poder Público Municipal. In: Revista Serviço Social e Sociedade, n. 64. São Paulo: Cortez, 2000. Serviço Social: direitos e políticas sociais 20 Série Sociedade e Ambiente SILVA, M. L. Trabalho e população em situação de rua no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. SNOW, David & ANDERSON, Leon. Desafortunados: um estudo sobre o povo da rua. Petrópolis: Vozes, 1998. VIEIRA, M. A. C.; BEZERRA, E. M.; ROSA, C. M. M (orgs). População de rua: Quem é, como vive, como é vista. 3 ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2004. 21 Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO HOSPITAL DO TRABALHADOR: AVANÇOS E DESAFIOS PARA A MATERIALIZAÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DA PROFISSÃO E PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DO SUS Maria Derli de Oliveira Morais Silvana Maria Escorsim RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso abordou o tema serviço social hospitalar, propondo como objetivo geral desvelar os avanços e desafios da intervenção profissional do serviço social no Hospital do Trabalhador para a materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS, tendo como finalidade responder a seguinte indagação: Quais os avanços e desafios da intervenção profissional para a materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS? Para facilitar a investigação, optou-se em desdobrar o objetivo geral nos seguintes objetivos específicos: Elucidar os avanços da intervenção profissional a cerca da materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS; Evidenciar os desafios que o cotidiano do serviço social apresenta para o fortalecimento do Projeto Ético Político do Serviço Social e consolidação dos princípios do SUS; Evidenciar a compreensão que os profissionais do serviço social do HT possuem sobre os princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS; Caracterizar a intervenção profissional do serviço social no HT; e Analisar a intervenção profissional do Serviço Social nos seus aspectos Teórico-Metodológico, Ético-Político e Técnico-operativo. A presente produção cientifica configurou-se em um estudo analítico critico, baseado no referencial teórico-metodológico do materialismo histórico e dialético Marxista, utilizando-se da pesquisa descritiva e explicativa, com os procedimentos de coleta de dados documental e bibliográfico e de análise a abordagem quanti-qualitativa. O universo desta investigação constituiu-se de três assistentes sociais do setor, sendo elas entrevistadas com a técnica de entrevista semiestruturada, na qual as informações foram gravadas e posteriormente realizadas as analises dos discursos. Na abordagem quantitativa, extraímos dados do Livro de Registro de Atendimentos Diários do Serviço Social do Pronto Socorro do Trabalhador. O trabalho foi desenvolvido em três capítulos. O primeiro faz um resgate histórico da Saúde Pública do Brasil desde o seu descobrimento até o governo Lula. O segundo mostra como o serviço social se desenvolveu desde a sua gênese até a contemporaneidade, contemplando também a trajetória do serviço social na saúde. E o terceiro apresenta a interpretação das informações obtidas nas pesquisas qualitativa e quantitativa, sob o foco da intervenção profissional na unidade hospitalar supracitada. A partir dos dados, percebeu-se que a intervenção profissional no âmbito hospitalar está centrada no nível técnico-operacional, com uma prática que reforça o projeto burguês, ainda que não intencionalmente, pois se apresentam no sentido de práticas de cunho reformista que readequam os indivíduos para o desempenho dos seus papéis sociais, contribuindo para a manutenção do sistema vigente, contrapontos para a materialização e fortalecimento dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS. Palavras-chave: Serviço Social. Intervenção do Profissional. Hospital Serviço Social. Projeto Ético Político do Serviço Social. SUS. Serviço Social: direitos e políticas sociais 22 Série Sociedade e Ambiente 1 INTRODUÇÃO O presente estudo teve como finalidade conhecer, analisar e compreender a intervenção dos assistentes sociais na sua atuação profissional no contexto da Política Pública de Saúde, no âmbito hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS), do Hospital do Trabalhador (HT), município de Curitiba/Paraná, a partir das demandas identificadas no cotidiano do serviço social. Considerando o Código de Ética1 , a Lei Orgânica da Saúde2 e os princípios e diretrizes do SUS e do Projeto Ético Político do Serviço Social, a pesquisa traz uma análise crítica da intervenção do serviço social no Pronto Socorro do HT, assim como algumas reflexões quanto os avanços e desafios para a materialização do Projeto Ético Político da Profissão e dos princípios próprio SUS. Deste modo, consideramos que mensurar e qualificar os atendimentos dos assistentes sociais na saúde contribui para fortalecer e dar visibilidade ao trabalho desenvolvido para a melhoria do atendimento e garantia dos direitos da classe trabalhadora. Com a Constituição Federal de 1988, a saúde foi a política pública que teve mais avanços, principalmente após a implantação do SUS, a qual faz parte do tripé da Seguridade Social e representa uma conquista do movimento da Reforma Sanitária. Delineou-se como direito social a partir da Lei 8.080, a Lei Orgânica da Saúde (LOS), que regula o funcionamento dessa política em todo território brasileiro. Para o estudo da intervenção do serviço social na saúde, articulado ação profissional aos princípios do SUS, do Projeto Ético Político do Serviço Social, Reforma Sanitária e do Código de Ética, é necessário ter em mente a conexão que esses documentos trazem entre si. A principal proposta da Reforma Sanitária é a defesa da universalização das políticas sociais e a garantia dos direitos sociais (CFESS, 2009). O SUS constituiu-se um sistema único de saúde descentralizado, prevendo o atendimento integral e a participação da comunidade (BRASIL, 1988). O artigo 7ª da LOS propôs a universalidade, equidade, gratuidade e integralidade das ações voltadas para promoção, proteção, tratamento e reabilitação de saúde, tendo como premissa básica a “defesa da saúde como direito de todos e dever do Estado” (BRAVO, 2011; BRAVO & MATOS, 2001). O Código de Ética do Assistente Social (CFESS, 1993) traz em seus princípios valores como: reconhecimento da liberdade; defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; ampliação e consolidação da cidadania com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras; defesa da democracia; posicionamento em favor da equidade e justiça social que assegura a universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, entre outros, que por sua vez são reiterados no Projeto Ético-Político do Serviço Social. Quanto ao Projeto Ético Político da Profissão, este se constitui de uma direção ídeopolítica que possui em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central, concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas 3 1 4 Lei 8.662/93 - Lei que Regulamenta a Profissão de Assistente Social no Brasil. LOS 8.080/90 - Dispõe sobre as condições de promoção e recuperação da saúde, a organização e o financiamento dos serviços correspondentes e dá outras providencias. 2 Serviço Social: direitos e políticas sociais 23 Série Sociedade e Ambiente concretas a partir do compromisso com a autonomia, a emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais. Vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. Tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo - tanto na sociedade como no exercício profissional (NETTO, 1999 apud MOLJO & CUNHA, 2009). Para Netto (2011), o projeto profissional apresenta a autoimagem da profissão, elegem valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam requisitos teóricos, práticos e institucionais, prescrevem normas e estabelecem as bases das suas relações com os usuários que assistem em seus serviços, assim como para com outras profissões, organizações e instituições públicas e privadas. O autor ressalta que os projetos profissionais são constituídos por um sujeito coletivo, os próprios profissionais que dão efetividade a profissão. Ao observar os dispositivos das leis que tem parametrado o SUS e a profissão do Serviço Social, podemos notar a prevalência dos termos éticos, políticos, institucionais e técnico assistenciais, tanto nos princípios e diretrizes da Reforma Sanitária, no SUS, no Código de Ética Profissional do Assistente Social e no Projeto Ético Político Profissional de Serviço Social, que culminam num só objetivo, o enfrentamento as expressões da questão social, a qual é fruto da relação capital X trabalho. E é no embate contra as refrações da questão social, que a intervenção do assistente social no setor da saúde deve se ater, com uma investigação crítica da realidade para a compreensão dos determinantes sociais, econômicos e culturais que interferem no processo saúde/doença. Para realizar o presente estudo, optamos por focar nos princípios finalísticos – a equidade, a universalidade e a integralidade-, a que se pretende pesquisar quanto à percepção das profissionais do setor já mencionado. Taís princípios aparece nos seguintes artigos da Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990: Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (grifo nosso). [...] Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; (grifo nosso) (BRASIL, 1990). A partir desses conceitos a cerca desses princípios, a pesquisa procurou dar respostas ao problema de pesquisa, o qual questiona os avanços e desafios da intervenção profissional para a materialização do Projeto Ético Político do Serviço Serviço Social: direitos e políticas sociais 24 Série Sociedade e Ambiente Social e do SUS; para tanto, se fez necessário elucidar que concepção as profissionais trazem dessa temática, assim como caracterizar tal intervenção profissional por meio da mensuração dos atendimentos prestados pelo serviço social no período delimitado na metodologia. O interesse em se realizar tal pesquisa parte da observação da intervenção profissional do serviço social e da rotina do campo de estágio, ocorrido no período de janeiro de 2011 até outubro de 2012, no qual pudemos constatar uma gama de ações que envolvem as especificidades do serviço social e da área da saúde. No fluxo da intervenção profissional em seus múltiplos desdobramentos, encontramos um número significativo de demandas que são inerentes à profissão e outras que não dizem respeito imediatamente ao Serviço Social, ora confundindo-se com atribuições técnico-administrativas3 , que foram impostas pelo cotidiano do trabalho e assumidas pelos profissionais. A intervenção do serviço social no HT é realizada por plantão social, para o qual os usuários são encaminhados para os atendimentos sociais por busca ativa, demanda espontânea, e/ou por encaminhamentos internos ou externos. No bojo dessas demandas do plantão social, encontramos os serviços de informações, principal atividade observada durante o período de estágio curricular obrigatório. Observamos que os usuários do serviço e os demais profissionais utilizam o serviço social como um guichê de informações quando não há a devida compreensão sobre diversos assuntos, no qual entendem o serviço social como um setor que trata de assuntos que fogem da responsabilidade do corpo clínico e da equipe de enfermagem. Partindo de tais observações, escolhemos como o objeto de pesquisa a intervenção profissional, tendo como problema de pesquisa elucidar “Quais os avanços e desafios da intervenção profissional para a materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS?”. Para responder tal problema de pesquisa, elencamos as seguintes questões norteadoras: a) Quais os avanços da intervenção profissional do serviço social que apontam para a materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS? b) Quais os desafios que o cotidiano traz para uma intervenção pautada nos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS? c) Qual a compreensão que os assistentes sociais possuem sobre os princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e seu fortalecimento, por meio de sua intervenção? d) Que compreensão os profissionais do serviço social tem a cerca dos princípios e diretrizes do SUS em sua intervenção profissional? e) Como se caracteriza a intervenção profissional no cotidiano do serviço social na instituição? Na ânsia de encontrar respostas para tais indagações, direcionamos nossa pesquisa para o alcance dos seguintes objetivos específicos: Elucidar os avanços da intervenção profissional a cerca da materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS; Evidenciar os desafios que o cotidiano do serviço social apresenta para o fortalecimento do Projeto Ético Político do Serviço Social e consolidação dos princípios do SUS; Evidenciar a compreensão que os profissionais do serviço social do HT possuem sobre os princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS; Caracterizar a intervenção profissional do serviço social no HT; 5 3 Entre elas podemos citar: localização de pacientes no interior na unidade, controle de entrada e saída de visitas extras, procura por roupas e pertences extraviados, entrada e saída de pertences do cofre, autorização de entrada de objetos nos quartos, permissão para a entrada e permanência de televisão nos quartos da enfermaria, trazida por familiares de pacientes. Serviço Social: direitos e políticas sociais 25 Série Sociedade e Ambiente Analisar a intervenção profissional do Serviço Social nos seus aspectos TeóricoMetodológico, Ético-Político e Técnico-operativo. A intervenção profissional e a inserção dos profissionais do Serviço Social na política de saúde, especificamente no âmbito hospitalar vem sendo objetos de pesquisa, discussão e de debate entre vários autores, como Vasconcelos (2011) e Sodré (2000), principalmente no que diz respeito à atual conjuntura sócio-histórica do contexto brasileiro dessa política, pós-implementação e consolidação do SUS e suas transformações contemporâneas. Segundo Silva (2010), o assistente social “sempre” esteve incluído no mercado de trabalho da saúde e, nesta área, novas e desafiantes experiências têm demandado sua intervenção, na qual práticas conservadoras e tradicionais ainda estão presentes em suas ações. E é no cotidiano da instituição que traçamos nossos limites e nossos avanços da prática profissional, por isso, o profissional precisa ter clareza de suas atribuições e competências para estabelecer prioridades de ações e estratégias, a partir da apreensão da realidade e das demandas dos usuários. Sob esta ótica, acreditamos que a realização da presente pesquisa venha ser de relevância para elucidar os avanços e desafios que cercam a intervenção profissional para a materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS, assim como referenciar e qualificar a intervenção profissional, para que tanto as demandas como a intervenção sejam estudadas e analisadas, contribuindo para a visibilidade das ações, propor novas estratégias de intervenção profissional compatível com as reais necessidades e interesses dos usuários. A escolha do tema deve-se, em primeiro lugar, ao nosso interesse sobre a temática, em segundo lugar, por julgarmos importante a apreensão da realidade que surge num contexto particular apresentado na dinâmica do campo de estágio e em terceiro, por entendermos que as pesquisas sobre a intervenção profissional revelam as condições reais de vida e das demandas da classe trabalhadora, incluindo os próprios profissionais de serviço social, e tem por objetivo alimentar o processo de formulação, implementação e planejamento da própria intervenção do serviço social, bem como da política de saúde como direito universal. A pesquisa se caracteriza como um importante instrumento para o campo de atuação do profissional de serviço social junto aos problemas sociais e enfrentamento das refrações da questão social, a qual propiciou a investigação da realidade da prática profissional, buscando estudar as necessidades da construção de um saber especifico para o serviço social na saúde. A aplicação da pesquisa contribui para a compreensão das questões que envolvem os diferentes sujeitos sociais (assistentes sociais X usuários X instituição), e trouxe reflexões a cerca das intervenções baseadas nos princípios e diretrizes do SUS e do Código de Ética dos Assistentes Sociais, no intuito de contribuir para a defesa das políticas públicas e na garantia de acesso aos direitos sociais, para o fortalecimento da participação social e das lutas da classe trabalhadora. Dar visibilidade a intervenção do serviço social e demonstrar o quanto este profissional é importante no cotidiano dos serviços de saúde, onde o seu objetivo de trabalho perpassa o campo da investigação sobre os aspectos sociais, econômicos e culturais que interferem no processo de saúde e doença (CFESS, 2009, p. 13) e na busca de estratégias para o enfrentamento das múltiplas expressões da questão social. Serviço Social: direitos e políticas sociais 26 Série Sociedade e Ambiente A pesquisa baseou-se na teoria social critica do materialismo histórico e dialético marxista, a qual se constitui numa pesquisa de campo que privilegiou a abordagem quantitativa e qualitativa4 . Quanto a sua classificação segundo o objetivo da pesquisa, na abordagem quantitativa tal estudo se deu como descritivo5 e na abordagem qualitativa privilegiou a dimensão explicativa para o desvelamento do objeto. Na abordagem quantitativa utilizamos como procedimentos de coleta de dados a pesquisa documental e bibliográfica. Como fontes de informação para a pesquisa foram utilizadas os Livros de Registros dos Atendimentos Diários do Serviço Social do Pronto Socorro do HT do período de março a maio de 2012, cujos dados foram tabulados e apresentados em forma de gráficos e submetidos à análise, caracterizando estatisticamente a demanda da intervenção profissional. O serviço social do HT é composto por 10 assistentes sociais no Pronto Socorro e 01 que atende a Unidade de Saúde do Trabalhador, das quais 06 são servidoras públicas estaduais e 05 são contratadas pela Fundação da Universidade Federal do Paraná (FUNPAR) em regime celetista. Pretendeu-se extrair desse universo de profissionais do serviço social, 01 assistente social concursada com data de formação acadêmica mais antiga, 01 profissional em regime celetista e 01 com menos tempo na função, de acordo com a aceitação e a disponibilidade de tempo das profissionais de serviço social. Portanto, totalizando 03 entrevistas de natureza qualitativa. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada junto às assistentes sociais escolhidas como sujeitos significantes, tais relatos foram gravados e posteriormente transcritos fidedignamente. A identificação das entrevistadas seguiu-se conforme o critério escolhido pelas próprias, sendo duas identificadas pelo nome real e uma por fictício. As entrevistas6 aconteceram no mês de setembro/2012. Para interpretação dos relatos colhidos nas entrevistas, utilizou-se a Técnica de Análise de Conteúdo e Discurso7 . Os resultados desse estudo ora intitulado “Intervenção do serviço social no Hospital do Trabalhador: Avanços e desafios para a materialização do Projeto ÉticoPolítico da Profissão e princípios e diretrizes do SUS”, foram estruturados em três capítulos. 6 7 8 9 4 A pesquisa quantitativa considera que tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir em números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las, onde requer recursos e técnicas (FERREIRA, 2010). Segundo Richardson (1985), o método quantitativo caracteriza-se pelo emprego da quantificação, tanto nas modalidades de coleta de informações, quanto no tratamento delas por meio de técnicas estatísticas. 5 Descreve as características de determinada população ou fenômeno. Conforme Richardson (1985) na pesquisa descritiva o pesquisador simplesmente descreve o objeto ou tema, ele não se preocupa em questionar o resultado do que se pesquisa, simplesmente descreve como é, podendo fazer comparações, mas nunca explicações. 6 Segundo Marconi e Lakatos (1999), entrevista é o “encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de um determinado assunto”. A entrevista é um excelente instrumento para averiguação de fatos, determinação das opiniões sobre os fatos, conduta atual ou do passado, motivos conscientes para opiniões, descoberta de planos de ação (FARIAS, 2002). 6 A análise do discurso é uma técnica que visa decifrar comunicações transcritas em documentos - informação visual, oral, sonora, eletrônica -, que esteja gravada ou transcrita em um suporte material. Sendo assim, análise do discurso constitui-se como um tipo de análise que ultrapassa os aspectos meramente formais da linguística, para privilegiar a função e o processo da língua no contexto interativo e social, considerando a linguagem como uma prática social (CHIZZOTTI, 2006, p.113). A análise de discurso tratam de modo especial os documentos transformados em textos para serem lidos e interpretados, dos quais se procura extrair e analisar o conteúdo patente ou latente que conservam. É uma técnica que possibilita fazer inferências sistemáticas e objetivas, identificando as características especiais da mensagem (HOLSTI, 1968 apud CHIZZOTTI, 2006, p. 115). O método da Análise de Conteúdo, segundo Bardin citado por Ramos e Salvi (2009, p. 3) consiste em tratar a informação a partir de um roteiro específico dividido em três fases: 1ª fase pré-análise, na qual se escolhe os documentos, se formula hipóteses e objetivos para a pesquisa, 2ª fase: na exploração do material, na qual se aplicam as técnicas específicas segundo os objetivos e 3ª fase no tratamento dos resultados e interpretações. Serviço Social: direitos e políticas sociais 27 Série Sociedade e Ambiente No primeiro capítulo abordamos a “História da Saúde Pública no Brasil”, sendo subdividido por períodos históricos que marcaram essa política. O seu segundo capítulo traz a “História do Serviço Social no Brasil”, este sendo subdividido para abordarmos o “Resgate Histórico do serviço social na Saúde”. O terceiro capítulo intitulado: “Análise da intervenção profissional do serviço social no Hospital do Trabalhador”, descreve a pesquisa quantitativa e qualitativa, assim como a análise de seus resultados. Por fim, as Considerações finais. 2 A HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL A política de saúde no Brasil vem sendo construída num processo contínuo, sendo fortalecida pela Constituição Federal de 1988 e a implantação do SUS, parametrada na “busca pela ampliação e garantias dos direitos relativos aos serviços e ações de saúde” (SIMÃO, 2010, p. 358), porém está realidade não foi sempre assim. A saúde pública brasileira traz desde a sua gênese uma trajetória histórica de atendimentos discriminatórios e de má qualidade, falta de recursos físicos e humanos, sucateamento das unidades e hospitais. Para a compreensão da história da saúde no Brasil, Polignano (2001) destacou as seguintes premissas: a saúde relacionou-se diretamente com a evolução políticosocial e econômica da sociedade brasileira e obedeceu à lógica do avanço do capitalismo, nem sempre ocupando lugar central na política do Estado, muitas vezes, periférica ao sistema. Historicamente, as ações de saúde voltaram-se aos grupos sociais importantes, de regiões socioeconômicas de igual importância. A conquista dos direitos sociais tem sido sempre resultado do embate entre o poder, a organização e a reivindicação dos trabalhadores brasileiros; a história da saúde permeia e se confunde com a história da previdência social e por fim, “a dualidade entre medicina preventiva e curativa sempre foi uma constante nas diversas políticas de saúde implementadas pelos vários governos” (POLIGNANO, 2001, p. 2). Destarte, traremos a trajetória da saúde pública no Brasil conforme os períodos e fatos marcantes que influenciaram esta política até a atualidade. 2.1 DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL A DITADURA MILITAR Do descobrimento até a instalação do império, o Brasil era colonizado basicamente por degredados e aventureiros e os serviços de saúde eram basicamente inexistentes. Nesse período, conforme Bertolozzi e Greco (1996, p. 381), “o país se encontrava à margem do capitalismo mundial”, e sua economia e política era dependente da metrópole de Portugal, sendo que a exploração econômica se dava pela extração vegetal (ciclos do pau-brasil, cana-de-açúcar, mineração, café). Da instalação da colônia até a década de 1930, as ações de saúde eram desenvolvidas sem significativa organização institucional (FUNASA, 2012) e de caráter focal (BERTOLOZZI e GRECO, 1996) o qual obrigava a população a procurar tratamento às doenças nos recursos das plantas ou rezas e benzeduras de curandeiros, enquanto que os senhores do café tinham acesso aos profissionais legais da medicina trazidos de Portugal. As atividades de saúde pública limitavam-se as atribuições sanitárias, controle de navios e saúde dos portos, sendo exercidas por oficiais municipais conforme Serviço Social: direitos e políticas sociais 28 Série Sociedade e Ambiente legislação portuguesa de 1550, supervisionando os mercados e verificando os gêneros alimentícios. A Academia Real de Medicina Social, na Bahia, foi construída com o objetivo de proteção da saúde segundo os moldes europeus e a defesa da ciência, o que contribuiu para a construção da hegemonia da prática médica no Brasil (BERTOLOZZI e GRECO, 1996). No ano de 1782 foi criada a primeira organização nacional de saúde pública no Brasil com o cargo de Provedor-Mor de Saúde da Corte e do Estado do Brasil, embrião do Serviço de Saúde dos Portos (FUNASA, 2012). Entretanto, mesmo com a criação de tal organização, o país apresentava carência de médicos8 e para suprir a ausência de assistência médica, multiplicou-se a atuação de boticários (farmacêuticos). 10 Aos boticários cabia a manipulação das fórmulas prescritas pelos médicos, mas a verdade é que eles próprios tomavam a iniciativa de indicá-los, fato comuníssimo até hoje. Não dispondo de um aprendizado acadêmico, o processo de habilitação na função consistia tão somente em acompanhar um serviço de uma botica já estabelecida durante certo período de tempo, ao fim do qual prestavam exame perante fisicultura e se aprovado, o candidato recebia a “carta de habilitação”, e estava apto a instalar sua própria botica. (SALLES, 1971 apud POLIGNANO, 2001, p. 3). A vinda da família real ao Brasil em 1808 criou a necessidade da organização de uma estrutura sanitária mínima, capaz de dar suporte ao poder que se instalava na cidade do Rio de Janeiro. No mesmo ano, Dom João VI fundou o Colégio Médico Cirúrgico no Real Hospital Militar da cidade de Salvador e no Rio de Janeiro foi criada a Escola de Cirurgia anexa ao Real Hospital Militar (SALLES, 1971 apud POLIGNANO, 2001, p. 3). Após a Independência do Brasil, foi promulgada em 1828, a lei de Municipalização dos Serviços de Saúde e a criação da Inspeção de Saúde Pública do Porto do Rio de Janeiro. Em 1837 ficou estabelecida a imunização compulsória das crianças contra a varíola e em 1846 foi organizado o Instituto Vacínico do Império sob o regulamento do Decreto nº 464, de 17/8/1846 (FUNASA, 2012). A partir de 1850 as populações rurais foram deslocadas em massa para os centros urbanos, ainda em formação, para suprir o exército de mão de obra industrial, porém sem estrutura para assistência médica e saneamento básico, o que criou condições propícias aos graves surtos de doenças epidêmicas (FUNASA, 2012). Também datam desta época, tímidas iniciativas do governo para o financiamento da saúde pública, a qual emitiu vários decretos autorizando a destinação de recursos públicos para medidas de enfrentamento a propagação de epidemias, socorro aos enfermos e necessitados, para melhorar o estado sanitário da capital; para despesas com providências sanitárias contra a febre amarela (FUNASA, 2012). Tal política visava dar apoio ao modelo econômico agrário-exportador, garantindo condições de saúde para os trabalhadores empregados na produção e na exportação (JUNIOR e JUNIOR, 2006 p. 14). Nota-se que nesse momento, a saúde pública passou a intervir de acordo com a corrente de pensamento do sanitarismo, atuando somente no âmbito urbano, promovidas em forma de campanhas e suspensas assim que conseguiam controlar o surto das doenças (BERTOLOZZI e GRECO, 1996). Em 1851, o regulamento do registro dos nascimentos e óbitos passou a ser 810 Somente no Rio de Janeiro, em 1789, existiam quatro médicos exercendo a profissão (SALLES, 1971 apud POLIGNANO, 2001). Serviço Social: direitos e políticas sociais 29 Série Sociedade e Ambiente obrigatório. A partir do primeiro censo, ocorrido em 1872, nota-se que a Taxa Bruta de Mortalidade era bastante alta e estava em torno de 30 óbitos para cada mil habitantes e pouco se alterou até o início do século seguinte e a esperança de vida média da população mundial estava em torno de 30 anos (ALVES, 2008). No final do século XIX, a economia brasileira foi marcada pela hegemonia do café. Com a abolição da escravatura, em 1888, e sua consequente crise de mão de obra intensificou-se as correntes migratórias principalmente de italianos, portugueses e espanhóis (BERTOLOZZI e GRECO, 1996). Devida à falta de políticas sociais e de saúde, uma eclosão de epidemias de febre amarela e peste bubônica assolaram o país. Para o enfrentamento dessas enfermidades foram adotadas medidas de controle sanitário, principalmente sobre as classes populares, consideradas ignorantes e tidas como uma ameaça frente as oligarquias rurais (LIMA e COSTA, 2005). Porém, o país não dispunha de serviços de saúde pública que comportassem tal demanda, agravando e alastrando as epidemias. Com a Proclamação da República entrou em vigor a nova Constituição que instituía os grandes Estados para tomada das decisões nacionais, incorporando a saúde como uma área de âmbito estadual (IYDA, 1994 apud BERTOLOZZI e GRECO, 1996 p. 382). O desenvolvimento do capitalismo no Brasil veio acompanhado de urbanização crescente, êxodo rural e a contínua chegada de imigrantes para utilização de mão de obra, agora nas indústrias. Para solucionar os problemas de saúde pública o governo passou a destinar recursos como forma de incentivo às pesquisas biomédicas dirigidas às doenças tropicais e à formação de equipes de trabalho organizadas capazes de intervir com disciplina e eficácia quando necessário. O quadro sanitário caótico do país, em especial da cidade do Rio de Janeiro (conhecida como “Túmulo dos Estrangeiros”), era atormentado pela presença de diversas doenças graves que acometiam à população, gerando sérias consequências tanto para saúde coletiva quanto para o comércio exterior, visto que os navios estrangeiros não mais queriam atracar no porto do Rio de Janeiro em função da situação sanitária existente (POLIGNANO, 2001). Para minimizar estes problemas, o então presidente Rodrigues Alves, nomeou Oswaldo Cruz, como Diretor do Departamento Federal de Saúde Pública, para iniciar o combate a epidemia de febre-amarela por meio da intervenção sanitarista, conhecida também como campanhista ou “movimento higienista”, que conforme Lima e Costa (2005, p. 34): […] surgiu fundamentado em uma base biologicista, cujo pressuposto era de que a solução para os problemas de saúde da população, considerada ignorante, em relação às normas de higiene, seria a mudança de atitudes e comportamentos frente a essas normas. Vemos que a questão saúde não é vista como uma questão que engloba também políticas sociais de vida e trabalho da população, mas é minimizada e centralizada no indivíduo, que passa a necessitar se adequar as normas impostas pela política sanitária. Concebido dentro de uma visão militar, cerca de 1.500 agentes desenvolviam o papel de “polícia sanitária” utilizando da força e da autoridade, para exercer atividades de desinfecção no combate ao mosquito vetor da febre-amarela. Com medidas rigorosas, agiam multando e intimando proprietários de imóveis insalubres a demoli-los ou reformá-los, percorriam a cidade acabando com depósitos de larvas e mosquitos, colocando petróleo em ralos e bueiros, expurgavam as casas, pela queima de enxofre, Serviço Social: direitos e políticas sociais 30 Série Sociedade e Ambiente limpando calhas e telhados e exigindo providências para proteção de caixas d’água. Nas áreas de foco, providenciavam o isolamento domiciliar dos doentes ou sua remoção para o Hospital São Sebastião (FUNASA, 2012). As campanhas previam vacinação obrigatória para as crianças antes dos seis meses de idade e para todos os militares; revacinação de sete em sete anos; exigência de atestado de imunização para candidatos a quaisquer cargos ou funções públicas, antes do casamento, viagens ou matriculas escolares; imunização de todos os moradores de uma área de foco; estipulava punições e multas a quem se negasse vacinar e para médicos que emitissem atestados falsos de vacinação e revacinação; obrigava diretores de colégio a obedecerem às disposições sobre imunização dos estudantes e instituía a comunicação de todos os registros de nascimento (FUNASA, 2012). Para Polignano (2001), a falta de esclarecimentos e as arbitrariedades cometidas pelos “guardas-sanitários” causaram revolta na população que se agravou com a instituição da vacinação anti-varíola obrigatória para todo o território nacional em 1904 – apesar de entrar em vigor desde 1837 - dando origem a um grande movimento popular conhecido como a Revolta da Vacina de 19049 . Apesar da revolta da população por conta dos abusos da polícia sanitária, em 1907, o modelo campanhista conseguiu erradicar a febre amarela da cidade do Rio de Janeiro, o que fortaleceu o modelo proposto e o tornou hegemônico como proposta de intervenção na área da saúde coletiva durante décadas. De 1900 até 1917, Oswaldo Cruz trouxe grandes avanços a saúde pública com suas ações sanitaristas, no qual procurou organizar a Diretoria-Geral de Saúde Pública, criando uma seção demográfica, um laboratório bacteriológico, um serviço de engenharia sanitária e de profilaxia da febre-amarela, a inspetoria de isolamento e desinfecção, e o Instituto Soroterápico Federal – fundado em 25/05/1900 posteriormente transformado no Instituto Oswaldo Cruz. O sanitarista coordenou importantes expedições científicas, erradicou a febre amarela no Pará e realizou campanha de saneamento na Amazônia. Em 1917, Carlos Chagas, sucessor de Oswaldo Cruz, assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz e em 1920 reestruturou o Departamento Nacional de Saúde Pública, ficando conhecida como a Reforma Carlos Chagas. Foi introduzida a propaganda e a educação sanitária, inovando o modelo anterior e criado novos órgãos especializados na luta contra a tuberculose, a lepra e as doenças venéreas. As atividades de saneamento foram expandidas para outros estados além do Rio de Janeiro e criou-se a Escola de Enfermagem Anna Nery. Após o controle das epidemias nas grandes cidades brasileiras, as regiões do campo receberam também atenção do modelo campanhista para conter as endemias rurais (chagas, esquistossomose), inicialmente coordenadas pela SUCAM e posteriormente incorporadas à Fundação Nacional de Saúde (POLIGNANO, 2001). Esta expansão para o meio rural, além da higiene industrial e materno-infantil, consolidam os problemas de saúde como questão social (BERTOLOZZI e GRECO, 1996), difundindo também a necessidade da educação sanitária como estratégia para promoção da saúde. Conforme Soares (2007) a saúde pública no Brasil tem seu período inicial de formação como sistema entre as décadas de 1920 e 1960, e segundo Bravo (2009) é na década de 30 que a intervenção do Estado é mais efetiva. Neste mesmo período inicia-se 11 9 Segundo a Funasa (2012), os jornais lançaram violenta campanha contra tal medida sanitária. Parlamentares e associações de trabalhadores protestaram, sendo organizada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória. Choques com a polícia, greves, barricadas, quebra-quebra, tiroteios nas ruas eram constantes, a população se levantou contra o governo, no qual este decretou estado de sítio conseguindo derrotar o levante, tendo que suspender a obrigatoriedade da vacina. Serviço Social: direitos e políticas sociais 31 Série Sociedade e Ambiente a formação da previdência social, meados dos anos 20, com a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP), fruto das reivindicações dos trabalhadores mais articulados politicamente que lutaram pela organização das mesmas (BERTOLOZZI e GRECO, 1996, p. 383), dando inicio a história da Previdência brasileira. A Previdência social iniciou-se após um grupo de operários indignados pelas péssimas condições de trabalho e pela ausência de garantias trabalhistas, que se organizaram10 e realizaram duas grandes greves, uma em 1917 e outra em 1919 (POLIGNANO, 2001). A partir daí, os direitos trabalhistas e sociais começaram a ser implantados pelo Estado como forma de conter a massa de trabalhadores revoltados. Considerada como o marco inicial da previdência social no Brasil, a Lei Eloi Chaves, aprovada em 1923, passou a regular as CAPs, concedia benefícios pecuniários, nas modalidades de aposentadorias e pensões, bem como consultas médicas e fornecimento de remédios. Para subsidiar essas despesas foi criado um fundo constituído pelo recolhimento compulsório do trabalhador de 3%, do empregador de 1% da renda bruta das empresas e da União de 1,5% das tarifas dos serviços prestados pelas empresas (CORDEIRO, 1981 apud BERTOLOZZI e GRECO, 1996, p. 383). A Lei Elói Chaves era aplicada somente ao operariado urbano, fato este que perdurou até a década de 60 quando foi instituído o FUNRURAL. As CAPs eram: organizadas por empresas e não por categorias profissionais; também não eram automáticas, dependia do poder de mobilização e organização dos trabalhadores de determinada empresa para reivindicar a sua criação; o Estado não participava propriamente do custeio das Caixas, de acordo com Polignano (2001). 12 Os trabalhadores vinculados ao setor urbano do complexo exportador foram os mais combativos politicamente e que primeiro lutaram pela organização das caixas em suas empresas: os ferroviários em 1923, os estivadores e os marítimos em 1926. Os demais só o conseguiram após 1930 (BRAVO, 2009, p. 90). Os fundos das CAPs proviam os serviços funerários, médicos, socorros médicos em caso de doença para o assegurado e ou pessoa de sua família, que habite sob o mesmo teto e sob a mesma economia; medicamentos obtidos por preço especial determinado pelo Conselho de Administração; aposentadoria; pensão para seus herdeiros em caso de morte; assistência aos acidentados no trabalho. A criação das CAPs deve ser entendida, assim, no contexto das reivindicações operárias no início do século, como resposta do empresariado e do estado a crescente importância da questão social. Em 1930, o sistema já abrangia 47 caixas, com 142.464 segurados ativos, 8.006 aposentados, e 7.013 pensionistas. (POLIGNANO, 2001 p. 8) Cabe ressaltar que desde o início, o sistema previdenciário não foi baseado no conceito do direito à previdência social, inerente à cidadania, mas considerado um direito contratual, baseado em contribuições ao longo do tempo (POSSAS, 1981 apud BERTOLOZZI e GRECO, 1996 p. 383). A industrialização e urbanização rompem com o que restava de modelo agrário no Brasil e o desastre econômico de 1929, aniquila muitos cafeicultores brasileiros que 10 Sob a influência dos imigrantes, especialmente os italianos anarquistas que traziam consigo a história do movimento operário na Europa e dos direitos trabalhistas que já tinham sido conquistados. Serviço Social: direitos e políticas sociais 32 Série Sociedade e Ambiente possuíam negociações com os Estados Unidos (BRAGA, 2008), dando fim à era da economia cafeeira. A década de 30 trouxe à sociedade brasileira muita conquistas em muitos campos, principalmente na área trabalhista e para a saúde pública, e as alterações ocorridas na sociedade têm como indicadores o processo de industrialização, a redefinição do papel Estado, o surgimento das políticas sociais e as respostas às reivindicações dos trabalhadores (BRAVO, 2009). Conforme Braga (2008), atendendo as demandas da classe operaria, Getúlio Vargas é indicado à presidência da República, e em seu mandato traz inovações para a classe trabalhadora. Surge o salário-mínimo, a jornada de trabalho passa a ser de oito horas e o trabalho da mulher e do menor é regulamentado, as mulheres ganham o direito à licença-maternidade de dois meses e a lei de férias, criada em 1926 e regulamentada em 1933. Essas inovações na área do trabalho culminarão na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que reunirá todas as resoluções tomadas desde 1930 na área trabalhista, posta em vigor no ano de 1943. Com a criação do Ministério da Educação e Saúde, as atenções predominantes passam a deslocar-se para a assistência médica individual, diferente dos governos anteriores de caráter coletivo (JUNIOR e JUNIOR, 2006). Os serviços relacionados com a saúde pública foram transferidos para o novo Ministério e foi reativado o serviço de Profilaxia de febre amarela, devida nova epidemia de 1927-1928 no Rio de Janeiro. A política do Estado estendeu os benefícios das CAPs a todo operariado urbano, criando os Institutos de Aposentadorias e pensões (IAP), onde os trabalhadores eram organizados por categoria profissional (marítimos, comerciários, bancários) e não por empresa, sendo o primeiro criado em 1933, o dos Marítimos (IAPM), que trazia como benefícios assegurados aos associados aposentadoria; pensão em caso de morte, assistência médica e hospitalar, com internação até trinta dias; socorros farmacêuticos, mediante indenização pelo preço do custo acrescido das despesas de administração. Em 1936, o Instituto de Patologia Experimental do Norte (IPEN) foi fundado por Evandro Chagas, no Pará, para pesquisa nas áreas médicas e científicas para ampliar os estudos de doenças regionais como malária, leishmaniose e filariose. Para Bravo (2009), a conjuntura política e econômica de 30, possibilitou o surgimento de políticas sociais nacionais que respondessem às questões sociais, transformando-as em questões políticas com a intervenção estatal. Segundo a autora, a política de saúde era formulada de caráter nacional e organizada em dois subsetores, o de saúde pública e o de medicina previdenciária. Segundo Braga e Paula (1986 apud BRAVO, 2009), as principais ações de saúde pública de 30 a 40 estavam na continuidade das campanhas sanitárias e coordenação dos serviços estaduais de saúde dos estados de fraco poder político e econômico pelo Departamento Nacional de Saúde. Em 1937 foram criados os serviços de combate às endemias (Serviço Nacional de Febre Amarela) e ampliado às ações para as áreas rurais (BRAVO, 2009). A reforma Barros Barreto de 1941, reorganizou o Departamento Nacional de Saúde e instituiu órgãos normativos e supletivos destinados a orientar a assistência sanitária e hospitalar e criou órgãos executivos de ação direta contra as endemias mais importantes, destacou programas de abastecimento de água e construção de esgotos, no âmbito da saúde pública e deu atenção aos problemas das doenças degenerativas e mentais com a criação de serviços especializados de âmbito nacional (POLIGNANO, 2001). Em 1949 foi criado o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU) mantido por todos os institutos e as caixas ainda remanescentes. A criação do Ministério da Saúde, em 1953, não trouxe grandes inovações para Serviço Social: direitos e políticas sociais 33 Série Sociedade e Ambiente saúde pública, apenas limitou-se a um mero desmembramento do antigo Ministério da Saúde e Educação, como ressalta Polignano (2001). O Ministério limitava-se a ação legal e a mera divisão das atividades de saúde e educação, antes incorporadas num só ministério. Mesmo sendo a principal unidade administrativa de ação sanitária direta do Governo, essa função continuava, ainda, distribuída por vários ministérios e autarquias, como pulverização de recursos financeiros e dispersão do pessoal técnico, ficando alguns vinculados a órgão de administração direta, outros às autarquias e fundações (MOURÃO et al., 2009 p. 355). Em 1956, também foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU), incorporando os antigos serviços nacionais de febre amarela, malária, peste (POLIGNANO, 2001), com a finalidade de organizar e executar os serviços de investigação e combate a essas doenças e a leishmaniose, doenças de chagas, brucelose e outras endemias existentes no país (MOURÃO et al., 2009). Para os autores Oliveira e Teixeira (1986 apud BRAVO, 2009), a medicina previdenciária que norteou dos anos 30 a 45 no Brasil foi de orientação contencionista, um dos determinantes para a diminuição dos gastos foi o rápido crescimento da massa de trabalhadores inseridos no sistema. A previdência passou a se preocupar mais com a acumulação de reserva financeira do que com os serviços prestados. Procurou-se diferenciar previdência de assistência social e foram definidos limites orçamentários para as despesas com assistência médico-hospitalar e farmacêutica. O Instituto Oswaldo Cruz continuava como órgão de investigação, pesquisa e produção de vacinas, a Escola Nacional de Saúde Pública na formação e aperfeiçoamento de pessoal e o Serviço Especial de Saúde Pública atuavam no campo da demonstração de técnicas sanitárias e serviços de emergências no campo do saneamento e da assistência médico-sanitária aos estados (MOURÃO et al., 2009). Entretanto, a Política Nacional de Saúde foi consolidada no período de 1945 a 1950, porém a condição sanitária da população não conseguiu eliminar o quadro de doenças infecciosas e parasitárias e nem as altas taxas de morbidade e mortalidade infantil e geral (BRAVO, 2009). A partir dos anos 50 a estrutura de atendimento hospitalar de natureza privada já estava montada sendo mais organizada que a pública, e pressionava o Estado por financiamentos defendendo claramente as privatizações. Todavia, a assistência médica previdenciária prevaleceu até 1964 e era fornecida basicamente por serviços próprios dos Institutos. No início dos anos 60 ocorre um acirramento das desigualdades sociais, marcada pela baixa renda per capta e a alta concentração de riquezas, ganhando ênfase nos discursos dos sanitaristas em torno das relações entre saúde e desenvolvimento e propondo intervenções neste sentido, no qual influenciou a formulação da Política Nacional de Saúde, em 1961, com o objetivo de redefinir e colocar em sintonia com os avanços da esfera econômico-social (MOURÃO et al., 2009). A saúde pública brasileira teve um declínio e a medicina privada cresceu após a reestruturação da saúde em 1966, que começou com a unificação das IAP's a Previdência Social implantando o INPS, “reunindo os seis Institutos de Aposentadorias e Pensões, o Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência (SAMDU) e a Superintendência dos Serviços de Reabilitação da Previdência Social” (POLIGNANO, 2001, p. 13), tais fatos constituíram-se na modernização da máquina estatal, Serviço Social: direitos e políticas sociais 34 Série Sociedade e Ambiente aumentando o poder regulatório sobre a sociedade desmobilizando as forças políticas da época (BRAVO, 2009). Assim, o governo se utiliza do sistema previdenciário para buscar apoio e sustentação social com o crescente papel interventivo do Estado e a desmobilização dos trabalhadores do jogo político, visto que os IAPs eram formados por categorias profissionais mais mobilizadas e organizadas política e economicamente. O INPS propiciou a unificação dos diferentes benefícios ao nível do IAPs, incluindo a assistência médica – que já era ofertado pelas IAPs- e inseriu novos trabalhadores urbanos com carteira assinada, aumentando o volume de recursos financeiros capitalizados. Segundo Polignano, o sistema não conseguiu suportar ao aumento do número de contribuinte e beneficiários e o governo militar decidiu alocar os recursos públicos para atender a necessidade de ampliação do sistema optando por direcioná-los para a iniciativa privada. Desta forma, foram estabelecidos convênios e contratos com a maioria dos médicos e hospitais existentes no país, pagando-se pelos serviços produzidos (pró-labore), o que propiciou a estes grupos se capitalizarem, provocando um efeito cascata com o aumento no consumo de medicamentos e de equipamentos médico-hospitalares, formando um complexo sistema médicoindustrial (POLIGNANO, 2001, p. 15). Após a Reforma Administrativa e com a promulgação do Decreto Lei 200 em 1967, o Ministério da Saúde passou a ter como competência: a formulação e coordenação da Política Nacional de Saúde; responsabilidade pelas atividades médicas ambulatoriais; vigilância sanitária de fronteiras e de portos marítimos, fluviais e aéreos; ações preventivas em geral; controle de drogas e medicamentos e alimentos; e pesquisa médico-sanitária (POLIGNANO, 2001; MOURÃO, 2009). A Superintendência de Campanhas da Saúde Pública (SUCAM) foi criada em 1970 com a atribuição de executar as atividades de erradicação e controle de endemias, sucedendo o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERU) e a campanha de erradicação da malária (POLIGNANO, 2001). Destaca-se ainda a reforma de 1974, na qual as Secretarias de Saúde e de Assistência Médica foram englobadas passando a constituir a Secretaria Nacional de Saúde para reforçar que não existia dicotomia entre saúde pública e assistência médica (MOURÃO, 2009). O Instituto de Administração da Previdência Social (IAPAS), Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) foram criados com a fusão das IAPS das categorias profissionais. Segundo Souza (2002), o INAMPS tinha a responsabilidade de prestar assistência à saúde de seus associados, e como estes se concentravam nos centros urbanos, essas áreas foram beneficiadas com grandes unidades de atendimento ambulatorial e hospitalar. Somente os trabalhadores com carteira assinada e seus dependentes eram beneficiários, fato que implicava na aplicação proporcional dos recursos nos estados que mais arrecadavam. Nessa época, os brasileiros, com relação à assistência à saúde, estavam divididos em três categorias, a saber: os que podiam pagar pelos serviços; os que tinham direito a assistência prestada pelo INAMPS, e os que não tinham nenhum direito (SOUZA, 2002, p. 12). Serviço Social: direitos e políticas sociais 35 Série Sociedade e Ambiente O desenvolvimento das atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde foi instituído no papel do Sistema Nacional de Saúde em 1975, que estabeleciam de forma sistemática as ações dos setores públicos e privados, oficializando a dicotomia da questão da saúde, afirmando que a medicina curativa seria de competência do Ministério da Previdência, e a medicina preventiva de responsabilidade do Ministério da Saúde (POLIGNANO, 2001). No entanto, as ações de saúde pública não foram desenvolvidas como foram propostas devido o governo federal destinar poucos recursos ao Ministério da Saúde, o que reforçou a prática da medicina curativa, que contava com recursos garantidos através da contribuição dos trabalhadores para o INPS. O Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) inicia-se em 1976, abrangendo todo o território nacional e expandindo a rede ambulatorial pública, tendo como referência as recomendações internacionais e a necessidade de expandir cobertura, configurando-se como o primeiro programa de medicina simplificada do nível Federal e vai permitir a entrada de técnicos provenientes do “movimento sanitário” no interior do aparelho de estado (POLIGNANO, 2001). A remodelação e ampliação dos hospitais da rede privada foram proporcionadas pela criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), criado após a saída do sistema previdenciário do Ministério do Trabalho, para se consolidar como um ministério próprio, o Ministério da Previdência e Assistência Social. 36 A existência de recursos para investimento e a criação de um mercado cativo de atenção médica para os prestadores privados levou a um crescimento próximo de 500% no número de leitos hospitalares privados no período 69/84, de tal forma que subiram de 74.543 em 69 para 348.255 em 84 (POLIGNANO, 2001, p. 15). As categorias profissionais dos trabalhadores rurais, empregadas domésticas e trabalhadores autônomos, somente na década de 70 é que conseguiram se tornar beneficiários do sistema previdenciário, como os trabalhadores rurais com a criação do PRORURAL em 1971, financiado pelo FUNRURAL, e os empregados domésticos e os autônomos em 1972. Conforme o autor Polignano (2001), o sistema foi se tornando muito complexo administrativo e financeiramente dentro da estrutura do INPS, que acabou levando a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) em 1978. Com a crise do modelo econômico implantado pela ditadura, a saúde previdenciária demonstra suas mazelas por ter priorizado a medicina curativa, o modelo proposto foi incapaz de solucionar os principais problemas de saúde coletiva. O modelo de saúde previdenciária entrou em crise, também segundo Polignano, devido escassez de recursos para a sua manutenção, ao aumento dos custos operacionais, e ao descrédito social em resolver a agenda da saúde. 2.2 A REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA No contexto da repressão e do aumento da pobreza que marcou a década de 70, em meio à ditadura militar, a luta pela democratização da saúde emerge no cenário da Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente mobilização política da sociedade civil, compondo, junto com diversos atores sociais, a resistência ao autoritarismo do governo militar (CONASENS, 2007). De meados da década de 70 aos 80, a saúde pública passa por um período conturbado de crises, da distensão política à transição a democracia, período este que se elabora o Projeto de Reforma Sanitária, processo de luta, elaboração de políticas e propostas para o setor, havendo alterações nas práticas e valores referentes à saúde (BRAVO, 2011). Entre os fatores determinantes para o início das reivindicações da abertura política estão os de caráter econômico, político e social, os quais compreendem as diversas formas de movimentos de resistência pacífica à ditadura militar, oriundos dos setores democráticos e populares da sociedade civil nacional, entre os quais o chamado Movimento Municipalista para a Saúde (CONASENS, 2007). Observa-se que no inicio dos anos 70 emergiu de pequenos grupos crítica a Medicina Preventiva e ao “dilema preventivista” (AROUCA, 2003 apud PAIM, 2007, p. 148), cuja qual apontava para o fato de estarem inseridos a um movimento ideológico, sem investimento na produção de conhecimento e nem na mudança das relações sociais e ao levantarem estes questionamentos, foi proposto o desenvolvimento de uma nova prática teórica e política. A partir da crítica a medicina preventiva ocorreu uma aproximação teóricoconceitual com a Medicina Social, evoluindo para a constituição da Saúde Coletiva, enquanto campo científico comprometido com a prática teórica (PAIM, 2006). De forma equivalente, a ideia de uma prática política voltada para a mudança das relações sociais, tomando a saúde como referência, resultou na proposta da Reforma Sanitária (TEIXEIRA, 1988 apud PAIM, 2007, p. 20). O movimento da democratização da saúde conhecido como movimento sanitário ou reforma sanitária, segundo Bravo (2011), apesar de ter se constituído de um conjunto de intelectuais e técnicos de proporções reduzidas no inicio, ao longo dos anos ganhou reforço e contribuição das lutas específicas de diversos setores da sociedade civil (sindicatos, partidos, associações), ainda que de forma não orgânica, muitas vezes. No amplo movimento de constituição do projeto de Reforma Sanitária Brasileira, a contribuição de diversos movimentos sociais, de universidades e de experiências desencadeadas na esfera municipal foi decisiva (CONASENS, 2007). Entretanto, alguns avanços significativos ocorreram neste ínterim, tais como a modernização setorial, a realocação de despesas em favor do setor público e a colocação na cena política da noção de direito social universal, com a tematização “saúde: direito de todos e dever do Estado” (BRAVO, 2011). Dentre as questões de luta do movimento da reforma sanitária pairava ainda a preocupação de tornar efetiva a presença da sociedade civil nas políticas de saúde e de como se articular de forma mais organizada com os seus diversos setores. Conforme aponta a autora Bravo (2011), outro dilema apontado é com relação aos profissionais de saúde, que precisavam ser sensibilizados para a proposta e mobilizados para mudança de valores que distorcem a função dos profissionais na sociedade, como o individualismo, o corporativismo e a falta de compromisso com o setor público. Nesse movimento, ao mobilizar e integrar pessoas e instituições no debate sobre a determinação social do processo saúde/doença favoreceu a formulação e a introdução, no campo da saúde, das bases conceituais e ideológicas que sustentam a Serviço Social: direitos e políticas sociais 37 Série Sociedade e Ambiente concepção de medicina como prática social sendo fundamental na construção de um novo caminho para o setor saúde no Brasil. Assim, à constituição do pensamento médico-social foram agregados conceitos básicos da luta pela transformação da sociedade, especialmente as noções de descentralização e de participação social, imprescindíveis ao processo de construção de políticas públicas (CONASENS, 2007, p.7). Nessa perspectiva, os municípios de Campinas, Londrina e Niterói, dentre outros municípios, organizaram seus respectivos sistemas de saúde e abriram novos caminhos, polarizando a discussão sobre práticas comunitárias inovadoras na área da saúde e, ao mesmo tempo, articulando uma rede de pessoas e instituições comprometidas com o fortalecimento e o desenvolvimento do espaço municipal. Tal experiência, na vanguarda do Movimento Municipalista, cuja implantação de serviços locais de saúde efetuada por esses três municípios afigura-se como uma das raízes do Movimento pela Reforma Sanitária e base do Movimento Municipalista. As ações municipais desenvolvidas tiveram como eixo a implementação de projetos de medicina comunitária centrada no entendimento que a organização da saúde é uma atividade intersetorial, e implica a participação da sociedade (CONASENS, 2007). A reforma Sanitária traz a tona conceitos que exigem mudanças, considerando que não se trata de um movimento social apenas, mas um conjunto articulado de prática ideológica, política, científica, teóricas, técnicas e culturais (PAIM, 2007, p. 29) que postulando a democratização da saúde, culminaram na implantação de um novo sistema de saúde. Com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do Governo Geisel foi estabelecida novas estratégias de planejamento social e no caso da saúde teve início as políticas racionalizadoras que incorporavam a ideologia do planejamento de saúde como parte de um projeto de reforma de cunho modernizante e autoritário, sendo este modelo escolhido como resposta à crise sanitária no período do milagre econômico, tanto para as dificuldades de acesso aos serviços de saúde como para as condições de saúde – aumento da mortalidade infantil, epidemia dos acidentes de trabalho, endemias e a questão da meningite. Contra as expressões da questão social que estavam à tona apareceram certos movimentos em torno da questão saúde: populares - vinculados a setores progressistas da Igreja Católica; estudantis – que orientaram o pensamento mais progressista de saúde, a exemplo do CEBES e ABRASCO; profissionais – principalmente médicos residentes reivindicando a regulamentação da residência médica; e intelectuais – composta por docentes inseridos nos departamentos de medicina preventiva e social e escolas de saúde pública. Estes movimentos representam antecedentes importantes da Reforma Sanitária Brasileira (PAIM, 2007, p. 71). Com a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), o Estado trazia como estratégia política ao lado da privatização da assistência médica da previdência social, programas verticais do Ministério da Saúde e os Programas de Extensão de Cobertura (PECs), além de demais dispositivos legais. Os PECs, inspirados na Medicina Comunitária, apresentavam-se como uma proposta de prestação de serviços a grupos da população excluídos do consumo médico. A expansão dos PECs, no entanto, deveria ser programada de tal modo a não incidir sobre os interesses privados cristalizados no setor saúde. Assim, o Ministério da Saúde desenvolveu o Programa Nacional de Saúde Materno- Serviço Social: direitos e políticas sociais 38 Série Sociedade e Ambiente Infantil, a Campanha da Meningite, o Programa Nacional de Imunizações (PNI), o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (Lei 6259/75), a Rede de Laboratórios de Saúde Pública, o Programa Especial de Controle da Esquistossomose (PECE), o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PRONAN) e a chamada “Política Nacional de Saúde” (PAIM, 1981 apud PAIM, 2007 p. 72). Entretanto, o Estado não pretendia criar um sistema único sob a responsabilidade própria e sim organizar as atividades desse setor, optando o enfoque sistêmico como intervenção racionalizadora sem a pretensão de modificar a estrutura de prestação de serviços de saúde. As limitações dessas iniciativas governamentais foram demonstradas por Arouca (1975 apud PAIM, 2007) em sua obra cujo autor coloca a incapacidade de solução de problemas básicos com uma tecnologia moderna, ou seja, “uma medicina de baixa densidade de capital e grande extensão social precariamente organizada, e um setor de alta densidade de capital, pequeno alcance social e, no entanto, padrão internacional”. Tal crise decorre do baixo impacto e alto custo do atual conhecimento médico, ou seja, uma medicina contemporânea composta de agentes especializados, diversificados e prestigiados, conhecimento altamente técnico que não chegava ao alcance da grande massa da população brasileira. Embora se caracterizassem como propostas dominadas por referência ao conjunto das políticas de saúde e ao modelo médico hospitalar dominante, os PEC's eram estratégia do Estado contra a crise da saúde e ao mesmo tempo espaço de luta para as forças progressistas do “sanitarismo brasileiro para levar a frente práticas participativas, iniciando o processo de resistência ao autoritarismo no setor” (MACHADO, 1987 apud PAIM, 2007, p. 74), ou seja, estes programas acabaram sendo uma via de mão dupla. Com o agravamento das contradições no setor da saúde na segunda metade da década de 70, ocorreu um ressurgimento dos movimentos sociais constituindo-se em possibilidades de articulação de forças sociais contrárias às políticas de saúde autoritárias e privatizantes, como explica Paim (2007). Neste mesmo período, foi criado o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)11 , espaço institucional de debates e estudos sobre a saúde, cujos documentos e ideias constituíram o movimento pela democratização da saúde a partir da socialização da produção acadêmica crítica da emergente Saúde Coletiva brasileira (CORDEIRO, 2004 apud PAIM, 2007, p. 76), sendo este espaço considerado “uma pedra fundamental, embora não única, do movimento sanitário como movimento social organizado” (ESCOREL, 1995 apud PAIM, 2007, p. 76). O CEBES foi considerado o primeiro protagonista institucionalizado, um espaço importante para formulação, divulgação e propaganda das ideias do movimento sanitário (PAIM, 2007). Inspirada nas ciências sociais marxistas, as discussões e reflexões promovidas neste espaço, publicadas na Revista Saúde em Debate, vão construir as ideias da reforma sanitária. Em 1979, no I Simpósio de Política Nacional de Saúde da Comissão de Saúde (Câmara dos Deputados 1980) foi apresentado um documento do CEBES – A Questão Democrática da Saúde – propondo pela primeira vez a criação do SUS, representando um marco na construção da reforma sanitária brasileira. 13 11 Criado durante a 32ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada em julho de 1976 em Brasília. Serviço Social: direitos e políticas sociais 39 Série Sociedade e Ambiente Neste mesmo evento, o governo Figueiredo anuncia o III PND lançando o PREV-Saúde. Tratava-se de um grande PEC com objetivo de estender a cobertura dos serviços básicos de saúde a toda população, reorganizar o setor público de saúde e promover a melhoria das condições gerais do ambiente com ênfase nos sistemas de abastecimentos d’água e em medidas sanitárias do controle de doenças. Tais propostas agradaram os militantes do movimento sanitário, sendo entendida como uma conquista. Os debates e conflitos sobre a implantação deste novo plano se estenderam por anos. Em 1980, a presidência do INAMPS se posicionou contra a proposta depois de denúncias de que o PREV-Saúde se tratava de um projeto estatizante que procurava esvaziar a iniciativa privada e questionando a oportunidade de ampliar a participação dos sindicatos dos trabalhadores, bem como a participação comunitária. Novas versões foram lançadas na tentativa de adequação dos interesses envolvidos, e o debate se desenvolveu por meses em diversas instituições e entidades, até que em 1981 o projeto foi abortado. A crise da previdência também mexeu com a saúde pública brasileira no início da década de 80. A criação de um novo órgão foi uma estratégia para conter o caos do sistema previdenciário, assim em 1981, foi criado o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP) ligado ao INAMPS na tentativa de conter custos e combater fraudes, o qual passou a absorver alguns técnicos ligados ao movimento sanitário. Criado para combater as fraudes existentes na saúde pública, iniciou-se uma série de investidas como a fiscalização mais rigorosa da prestação de contas dos prestadores de serviços credenciados. O plano ainda previa a reversão gradual do modelo médico-assistencial através do aumento da produtividade do sistema, da melhoria da qualidade da atenção, da equalização dos serviços prestados as populações urbanas e rurais, da eliminação da capacidade ociosa do setor público, da hierarquização, da criação do domicílio sanitário, da montagem de um sistema de auditoria médico-assistencial e da revisão dos mecanismos de financiamento (POLIGNANO, 2001, p. 20). Este plano era orientado por um decálogo de princípios, representando uma inflexão nas políticas de saúde no Brasil, com a incorporação de políticas racionalizadoras na assistência médica da Previdência social. Trazia o reconhecimento do aparelho previdenciário como pilar sustentador da paz social, uma descrição detalhada das modalidades assistenciais apoiadas pelo INAMPS, uma crítica contundente as distorções e uma analise das implicações do modelo então vigente (PAIM, 2007, p. 85). O CONASP encontrou forte resistência pelo seu funcionamento da Federação Brasileira de Hospitais e de Medicina de Grupo, pois temiam a perda da sua hegemonia dentro do sistema e a perda do seu status. Entretanto, isso não impediu que o CONASP implantasse e apoiasse projetos pilotos de novos modelos assistenciais, destacando o PIASS no nordeste. Em 1983 foi criado um projeto interministerial (Previdência-Saúde-Educação), denominado de Ações Integradas de Saúde (AIS), um novo modelo assistencial procurando integrar ações curativas-preventivas e educativas ao mesmo tempo, e passando a comprar e pagar serviços prestados por estados, municípios, hospitais filantrópicos, públicos e universitários. Este período coincidiu com o movimento de transição democrática, iniciado em 1982 com eleição direta para governadores e vitória Serviço Social: direitos e políticas sociais 40 Série Sociedade e Ambiente esmagadora de oposição em quase todos os estados nas primeiras eleições democráticas deste período. No período de 1985 a 1987, a transição democrática possibilitou a ocupação de espaços públicos nas áreas da saúde, previdência e ciência e tecnologia por atores sociais identificados com políticas racionalizadores ou democratizantes, observando-se assim: uma contenção das políticas privatizantes no interior da Previdência Social e o recurso às estratégias capazes de canalizar recursos previdenciários para estados e municípios no sentido de fortalecimentos dos serviços públicos, de estímulo à integração das ações de saúde, de apoio à descentralização gerencial, de incorporação do planejamento à prática institucional e de abertura de canais para a participação popular (PAIM, 2007, p. 90). As AIS foram expandidas e fortalecidas financeiramente sendo consideradas uma estratégia ponte para a reorientação das políticas de saúde e reorganização dos serviços. Sua defesa era justificada por um decálogo de motivos, dentre eles os princípios e objetivos consistentes com os do movimento da democratização da saúde; planejamento e administração descentralizados, possibilitada concreta da participação popular organizada e percurso para o estabelecimento do sistema unificado de saúde (PAIM, 2007, p. 91). Em 1986, foi realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde. Esta conferência trazia três eixos básicos: saúde como direito inerente a cidadania; reformulação do sistema nacional de saúde e financiamento para o setor. As contribuições advindas das conferências promovidas pela ABRASCO, desde a sua primeira edição, partiam do reconhecimento de uma conjuntura de crise econômica com mudanças na ordem Político-institucional, resultando numa dada configuração de Estado e direcionalidade de suas políticas. Assim, a consciência do direito à saúde ia se expandindo progressivamente e a população passava a cobrar a sua garantia e a melhoria dos serviços. Destarte, estava lançado, legitimado e sistematizado na VIII Conferencia o projeto de Reforma Sanitária Brasileira (PAIM, 2007). Dentre os acontecimentos que anteciparam a implantação do SUS, o setor privado também teve que se reorganizar perante esta conjuntura e a crise do setor público, pois o setor liberal começou a perceber que não mais poderia se manter e receber investimentos do Estado - que o nutrira desde 1964 - e que agora passava por mudanças na sua estrutura. Então, a saúde privada desenvolveu um subsistema de Atenção Médicasupletiva, dividida em: medicina de grupo, cooperativas médicas, autogestão, segurosaúde e plano de administração, voltado para parcelas da população, classe média e categorias de assalariados, mantidas por contribuições mensais dos beneficiários em contrapartida pela prestação de determinados serviços pré-determinados, com prazos de carências, além de determinadas exclusões, por exemplo, a não cobertura do tratamento de doenças infecciosas. Nesta década a saúde privada chegou a cobrir 31.140.000 brasileiros, correspondentes a 22% da população total (MENDES, 1992 apud POLIGNANO, 2001 p. 21). Após VIII conferência, o movimento sanitário avança em outras etapas importantes como a criação e a atuação da Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS); a constituição da Plenária Nacional de Saúde; a instalação da Assembleia Nacional Constituinte (FALEIROS, 2006, p. 85 apud PAIM, 2007, p. 113), além de Serviço Social: direitos e políticas sociais 41 Série Sociedade e Ambiente outros dois conjuntos de iniciativas, a expansão e o aprofundamento das AIS, transformando-se nos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS) e as ações sócio comunitárias visando à mobilização de atores sociais. Apesar de tais iniciativas, o Ministério da Saúde (MS) retornou a sua prática campanhista na tentativa de combater a dengue e não criou a Comissão Executiva da Reforma Sanitária como acordado na VIII Conferência, o que ocasionou revolta dos integrantes do movimento diante do imobilismo do governo e falta de compromisso para com o projeto da Reforma Sanitária. Além disso, havia a retração na articulação entre o MS e o INAMPS/MPAS que gerava mútuas acusações entre os participantes do movimento de tais órgãos. Diante da paralisia do Estado para a implementação da reforma, o movimento passou a pressionar o governo Sarney, conseguindo a instalação efetiva da Comissão Nacional da Reforma Sanitária. Em setembro de 1986 foi realizado o I Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – o I Abrascão – cuja declaração defendia: a continuidade da mobilização social, apoio a Comissão Nacional da Reforma Sanitária e aos avanços das AIS, a construção de uma Frente Popular pela reforma, o engajamento no processo constitucional e o compromisso dos candidatos nas eleições com a Reforma Sanitária (LIMA SANTANA, 2006 apud PAIM, 2007, p. 115). Enquanto isso, o INAMPS produzia documentos para discussão propondo a criação de unidades básicas em bases territoriais denominadas distritos sanitários, onde deveria ocorrer a integralidade das ações de saúde, bem como acessibilidade, continuidade e resolutividade. Em outro documento apresentava as diretrizes para um serviço Nacional de Saúde, contemplando a questão institucional – unificação descentralizada - quadro de pessoal, financiamento, estruturas gestoras e fluxo de recursos. Nesta proposta, tático operacional, vemos a sistematização das ideias iniciais do futuro Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS), indicando a transferência de unidades básicas e ambulatoriais para a gestão municipal e os serviços mais complexos para a gestão estadual. Tais propostas foram severamente criticadas pelo movimento sanitário, pois entendiam como propostas visando “preservar o poder do setor nas mãos da Previdência social” (apud PAIM, 2007, p.115). Ao conhecermos todos esses momentos históricos que anteciparam o SUS, observamos que o modelo atual de saúde pública não ocorreu de maneira simples e pacifica. Foram longos anos de negociações políticas entre militantes, colegiados, profissionais e conselhos representativos da saúde, movimentos sociais e outros atores sociais. Até aquele momento, tais propostas não passavam de documentos para discussão e debate, somente na terceira publicação que explicitavam princípios organizativos e diretrizes para reorganizar o setor. Tais publicações contribuíam para o desenvolvimento técnico-institucional configurando a planta para a construção do SUS, sendo encaminhada à Assembleia Nacional Constituinte, onde inúmeras sessões definidos por temas e incontáveis desentendimentos e entendimentos culminaram na posteriormente elaboração do texto constitucional da nova Constituição Brasileira. Serviço Social: direitos e políticas sociais 42 Série Sociedade e Ambiente 2.3 DA IMPLANTAÇÃO DO SUS ATÉ O GOVERNO LULA Conforme Paim (2007), a saúde pública brasileira apresenta períodos distintos pós-implantação da Reforma Sanitária e CF 1988: Nessa conjuntura pós-constituinte é possível identificar “anos de instabilidade” (1989-1994), a reforma do setor saúde nos governos da “social democracia conservadora” (MISOCZY, 2001) do período de 1995 a 2002, e a “conservação-mudança” do governo Lula (TEIXEIRA & PAIM, 2005 apud PAIM, 2007, p.153). A partir de 1988, a saúde passou a ser vista como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas pela nova constituição brasileira, que cria o Sistema Único de Saúde, definido pelo artigo 198 do seguinte modo: As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - Descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - Participação da comunidade. Parágrafo único - o sistema único de saúde será financiado, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes (BRASIL, 1988). Baseado na formulação de um modelo de saúde voltado para as necessidades da população, o SUS procura resgatar o compromisso do Estado para com o bem-estar social, especialmente no que refere à saúde coletiva, consolidando-o como um dos direitos da cidadania, reflexo do momento político que passava a sociedade brasileira, recém-saída de uma ditadura militar onde a cidadania nunca foi um princípio de governo. Para regulamentar o SUS e propor sua forma de organização e de funcionamento, o governo cria em 1990 as Leis 8.080 e a Lei 8.142. A Lei 8.080 estabeleceu que os recursos destinados ao SUS fossem provenientes do Orçamento da Seguridade Social, baseados nos critérios de perfil demográfico, perfil epidemiológico, rede de serviços instalada, desempenho técnico e ressarcimento de serviços prestados. De acordo com Paim (2007), a lei dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e regula em todo território nacional as ações e serviços de saúde executado de direito público e privado. A Lei 8142/90 veio para complementar a LOS e regula a participação da comunidade no SUS, assegura a existência de instancias colegiadas – conferências e conselhos de saúde nos três níveis de governo – orienta as transferências intergovernamentais de recursos financeiros, exige a formulação de planos de saúde e a criação de fundos de saúde (PAIM, 2007). A saúde passa a ser entendida de forma mais ampla, cujos níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país, tendo como fatores Serviço Social: direitos e políticas sociais 43 Série Sociedade e Ambiente determinantes e condicionantes, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. O SUS é concebido como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. A iniciativa privada poderá participar do SUS em caráter complementar (POLIGNANO, 2001, p. 23). O SUS traz como princípios doutrinários: Universalidade, Equidade e Integralidade. A Universalidade que diz respeito quanto ao acesso às ações e serviços que devem ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, renda, ocupação, ou outras características sociais ou pessoais. A equidade é um princípio de justiça social que garante a igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, e também está relacionada com a rede de serviços, que deve estar atenta às necessidades reais da população a ser atendida. A Integralidade significa considerar a pessoa como um todo, devendo as ações de saúde procurar atender todas as suas necessidades. Dos princípios doutrinários derivaram alguns princípios organizativos: Hierarquização, Participação Popular e Descentralização Político administrativa. Para o SUS a Hierarquização é entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; referência e contra-referência. Quanto a Participação popular, o SUS assegura a democratização dos processos decisórios consolidado na participação dos usuários dos serviços de saúde nos chamados Conselhos Municipais de Saúde. A descentralização Política administrativa é consolidada com a municipalização das ações de saúde, tornando o município gestor administrativo e financeiro do SUS. Compete ao SUS identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde; formular as políticas de saúde; fornecer assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde; executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica; executar ações visando à saúde do trabalhador; participar na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico; participar da formulação da política de recursos humanos para a saúde; realizar atividades de vigilância nutricional e de orientação alimentar; participar das ações direcionadas ao meio ambiente; formular políticas referentes a medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção; controlar e fiscalizar dos serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde; fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano; participação no controle e fiscalização de produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; incremento do desenvolvimento científico e tecnológico na área da saúde; formulação e execução da política de sangue e de seus derivados (POLIGNANO, 2001). O SUS apresentou progressos significativos no setor público no nível da atenção primária. Entretanto, enfrentou problemas graves com o setor privado que detinha a maioria dos serviços de complexidade e referência a nível secundário e terciário. Estes setores não se interessam em integrar o modelo atualmente vigente em virtude da baixa remuneração paga pelos procedimentos médicos executados, o que vem inviabilizando a proposta de hierarquização dos serviços (POLIGNANO, 2001, p. 25). Serviço Social: direitos e políticas sociais 44 Série Sociedade e Ambiente Nos últimos anos do governo Sarney, além de lidar com a crise fiscal do Estado, a dívida externa que dificultava o financiamento dos serviços públicos e com um conjunto de dispositivos jurídicos e administrativos para a implementação do SUS, havia a necessidade de debate a cerca de questões ideológicas incrustadas na sociedade: “uma cultura política assentada no clientelismo, fisiologismo, patrimonialismo” (PAIM, 2007, p.154), destacando-se como os piores vilões a política recessiva e o clientelismo que atentavam contra o SUS. Durante o governo Sarney, o inconformismo era visível por meio das denúncias sobre as precárias condições de vida e de saúde da população, as distorções do sistema de saúde e da reforma Sanitária e críticas sobre o governo com relação a sua letargia nas questões da lei de seguridade social e saúde. A sociedade e o movimento sanitário temiam pelo retrocesso e falência do novo sistema de saúde. Contra esses riscos, novos esforços foram articulados, entre eles a reconceituação das necessidades de saúde dando ênfase as condições de saúde e seus determinantes. Além dessas dificuldades encontradas, ainda havia o recuo dos movimentos sociais, a disseminação da ideologia neoliberal e a perda de poder aquisitivo dos trabalhadores de saúde, contribuíam para o descrédito do SUS. Com a eleição do Fernando Collor de Mello é implementada com toda a força uma política neoliberal-privatizante, no período de 1991 a 1994, com um discurso de reduzir o Estado ao mínimo, por meio da redução dos gastos públicos com a privatização de empresas estatais. Entretanto, a redução de gastos atingiu a todos os setores do governo, inclusive o da saúde e demais políticas sociais e a consequência foi à transformação destas em políticas residuais compensatórias, promovidas por um Estado mínimo e dito regulador do mercado liberal (PAIM, 2007). O governo Collor começa a editar as chamadas Normas Operacionais Básicas (NOB), instrumentos normativos com o objetivo de regular a transferência de recursos financeiros da união para estados e municípios, o planejamento das ações de saúde, os mecanismos de controle social, dentre outros. Foram editadas até hoje a NOB-SUS 01/91, NOB-SUS 01/93, NOB-SUS 01/96. Nesse período, cerca de um terço da população brasileira fazia parte do SUS, entretanto, o governo Collor reduziu em quase a metade os recursos destinados à saúde, agravando o caos da saúde pública e o sucateamento dos serviços públicos. Até 1992, o SUS se deparou com “políticas de saúde que apontavam para o reforço de um projeto conservador em saúde, expressão das mudanças do próprio capitalismo” (idem, 2007 p. 163) e por outro lado crescia o movimento municipalista ocupando espaços significativos da saúde. Assume a presidência o vice-presidente, Itamar Franco, no ano de 1993, em decorrência ao processo de Impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, devido aos péssimos resultados da política econômica especialmente no combate do processo inflacionário, da falta de uma base de apoio parlamentar e de uma série de escândalos de corrupção. Este fato histórico brasileiro envolveu uma grande mobilização popular, especialmente estudantil. O governo Itamar permitiu retomar certos aspectos do projeto Reforma Sanitária, porém com dificuldades de contornar três crises estruturais referentes ao pacto federativo, à gestão das políticas sociais e da saúde, em particular, e às finanças (FALEIROS et al., 2006 apud PAIM, 2007, p. 164). Este novo governo esforçou-se para a descentralização das ações e serviços de saúde, legitimados na NOB/93, conforme Paim (2007), porém a saúde via-se ameaçada Serviço Social: direitos e políticas sociais 45 Série Sociedade e Ambiente pela proposta de revisão constitucional, pela implosão da seguridade social e a utilização da saúde nas barganhas político-partidárias, sem contar o sequestro dos recursos que foram repassados para as pendências jurídicas, sonegação e adiamento do pagamento da Contribuição Financeira para a Seguridade Social (COFINS). Em 1993, o INAMPS é extinto por tornar-se obsoleto em função da criação do SUS e do comando centralizado do sistema pertencer ao Ministério da Saúde. A credibilidade do SUS continuou ameaçada perante a sociedade, devido o loteamento dos chamados cargos de confianças entre partidos, facções e grupos políticos no âmbito SUS, além dos juros da dívida externa que prejudicavam a educação e a saúde. Nesse período ocorre uma expressiva expansão da assistência médica supletiva, com diversificação de planos de saúde e diferenciação de modalidades de compra e pagamento dos serviços médicos. O setor privado contratado pelo SUS também criticava o governo Itamar face aos valores pagos por procedimentos. Observamos que o caos da saúde permanece neste governo e exige redefinições no movimento sanitário, aparecendo outras denominações como “movimento da saúde” ou “movimento pelo direito à saúde” (FALEIROS et al., 2006 apud PAIM, 2007). Este era o clima político no momento do ajuste macroeconômico que ficou conhecido como Plano Real, o qual ocupou lugar central nas decisões do governo e deixou a questão saúde do povo de lado. Em 1994, a crise da saúde pública no Brasil foi agravada ao serem suspendidos os repasses de recursos para o setor, sendo alegado não ter recursos suficientes para repassar à saúde devido ao aumento concedido aos beneficiários da previdência, determinando assim que a partir daquela data os recursos recolhidos da folha salarial dos empregados e empregadores seriam destinados somente para custear a Previdência Social. Apesar desta crise, os avanços da saúde no governo Itamar foram: interlocução com os movimentos sociais; avanço na descentralização com a NOB 93; criação do Programa de Saúde da Família (PSF) e início da discussão sobre a Reforma Sanitária, medicamentos genéricos e regulação do sistema de assistência médica suplementar. Em 1995, Fernando Henrique Cardoso (FHC) assume o governo, mantendo e intensificando a implementação do modelo neoliberal, atrelado à ideologia da globalização e da redução do “tamanho do estado” (POLIGNANO, 2001, p.27). Para Paim (2007) o governo FHC foi uma continuação dos governos Collor e Itamar. Ameaças à gratuidade do SUS foram observadas neste governo, pois o governo propunha a desconstitucionalização deste princípio, restaurando o caráter de seguro ao sistema de proteção social, assegurando apenas benefícios previdenciários, dependentes de contribuição e piso de um salário-mínimo. O SUS também foi ameaçado pelos dois grandes projetos econômicos do governo FHC, o ajuste macroeconômico e a Reforma de Estado. Além de prejudicar a implementação do SUS, ambos os projetos geraram mais desajuste social, como desemprego, violência e piora das condições de vida e de saúde da população (PAIM, 2007). De acordo com os autores Bravo (2011) e Paim (2007), neste período observam-se grandes projetos políticos para a saúde - além da Reforma Sanitária disputando a hegemonia na sociedade brasileira: o projeto conservador, reciclado pelo neoliberalismo, e o projeto denominado reforma da reforma (uma releitura do movimento sanitário que pretendia revelar as falhas do SUS e sua viabilidade). Para Bravo (2011), a tarefa do Estado no projeto conservador/contrarreforma, consiste em garantir um mínimo aos que não podem pagar, preferencialmente por intermédio de ações básicas, deixando o restante para o setor privado, tratando saúde e a Serviço Social: direitos e políticas sociais 46 Série Sociedade e Ambiente doença como mercadorias. Paim (2007, p. 180) denomina essa força crescente de “SUS para pobres, centrado numa assistência primitiva de saúde”. Com o aumento da crise de financiamento da saúde pública e aumento dos planos de saúde12 , o governo FHC cria a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) em 1996, a qual passou a vigorar em 1997 com uma duração definida de vigência que seria de um ano, e que os recursos arrecadados somente poderiam ser aplicados na área de saúde. Desde que começou a vigorar foram frequentes as denúncias de desvios da CPMF na utilização dos recursos arrecadados para cobrir outros déficits do tesouro (POLIGNANO, 2001). Em 1997, na busca do chamado “Estado mínimo” o governo intensificou privatizações de empresas estatais e colocou na agenda do Congresso Nacional a reforma previdenciária, administrativa e tributária e estabelece ações e metas prioritárias com destaque para Saúde da Família, descentralização com gestão plena, saúde da mulher e da criança, regulamentação dos planos de saúde, revisão da tabela do SUS (PAIM, 2007). No que se refere ao atendimento hospitalar, escassez de leitos nos grandes centros urbanos passa a ser comum. Os hospitais filantrópicos de todo o país, especialmente as Santas Casas de Misericórdia, tomam a decisão de criar planos próprios de saúde, atuando no campo da medicina supletiva, o que implica numa diminuição de leitos disponíveis para o SUS. Os Hospitais Universitários também entram em crise, em 1997 são “forçados” a reduzir o número de atendimentos e induzidos pelo próprio governo à privatização como solução para resolver a crise financeira do setor. Paim (2007) denomina esse período histórico como um “esquecimento do movimento da democratização da saúde”. A municipalização dos serviços de saúde só foi possível com a edição da NOB-SUS 01/96, o que Polignamo (2001) considerou um avanço importante no modelo de gestão do SUS, revogando os modelos anteriores de gestão propostos nas NOB anteriores (gestão incipiente, parcial e semiplena), e propondo aos municípios se enquadrarem em dois novos modelos: Gestão Plena de Atenção Básica e Gestão Plena do Sistema Municipal. Polignano (2001) destaca que a mais importante alteração introduzida pela NOB 96 refere-se à forma de repasse dos recursos financeiros do governo federal para os municípios, que passa a ser feito com base num valor fixo per capita - Piso Assistencial Básico (PAB)13 e não mais vinculado a produção de serviços, possibilitando aos municípios desenvolverem novos modelos de atenção à saúde da população. Em novembro de 1998, o governo de FHC regulamentou a lei 9656/98 sobre os planos e seguros de saúde, que fora aprovada pelo congresso nacional, limitando os abusos cometidos pelas empresas, mas oficializando o universalismo excludente, na medida em que cria quatro modelos diferenciados de cobertura de serviços. 14 15 12 No primeiro aniversário do Real o principal problema que agravou a crise da saúde foi o inchaço nos planos de saúde privado, o que ocasionou a deteriorização dos serviços públicos da saúde e a mídia desqualificava os esforços de construção do SUS. A população enfrentava no cotidiano da saúde: filas, maus-tratos, burocracia, humilhações, greves e baixa qualidade dos serviços (PAIM, 2007). 13 O PAB consiste em um montante de recursos financeiros destinados ao custeio de procedimentos e ações de assistência básica, de responsabilidade municipal. Esse Piso é definido pela multiplicação de um valor per capita nacional pela população de cada município e transferido regular e automaticamente ao fundo de saúde ou conta especial dos municípios. O valor do PAB é elevado se o município desenvolver determinadas ações de saúde como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS); Programa de Saúde da Família (PSF); Assistência Farmacêutica básica; Programa de combate as Carências Nutricionais; ações básicas de vigilância sanitária; ações básicas de vigilância epidemiológica e ambiental (POLIGNANO, 2001, p. 30). Serviço Social: direitos e políticas sociais 47 Série Sociedade e Ambiente Em síntese, essa era a conjuntura da saúde no Brasil no final do primeiro mandato de FHC: […] estimava-se que o SUS se responsabilizava pela cobertura de 95% da população em atenção primária, 70% na secundária e 90% na chamada “alta complexidade”; todos os 27 estados e 436 municípios já respondiam pela gestão plena dos seus sistemas de saúde, enquanto 4.228 municípios exerciam a gestão da atenção básica a saúde das suas respectivas populações, de modo que somente 15,3% das cidades e 17,2% da população do país ainda não participavam do SUS (PAIM, 2007, p. 190). Para o seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso, traz como programa de governo a meta de implantação de 20.000 equipes de saúde da família até 2002, enfatizando programas voltados para crianças e adolescentes, vigilância e controle de doenças, assistência de urgência e emergência, humanização do atendimento e a proteção ao consumidor, incluindo a regulamentação dos planos de saúde (PAIM, 2007). Contraditoriamente, o governo aumentou os juros para beneficiar os especuladores internacionais e propôs um ajuste fiscal prevendo a diminuição de verbas para o orçamento de 1999, inclusive na área de saúde, um corte previsto de R$ 260 milhões (POLIGNANO, 2001). No ano de 2000 foi aprovada a EC-29 que procurou equacionar um dos maiores problemas do SUS, a instabilidade do financiamento, definindo responsabilidades mínimas para os três entes federados, além da criação da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA); implantação do Sistema de Informação do Orçamento Público em Saúde (SIOPS); adoção do cartão SUS; implementação do Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS); atualização da Relação de Medicamentos Essenciais (RENAME); aprovação da Lei dos Medicamentos Genéricos (Lei 9787/99); realização da 11ª Conferencia Nacional de Saúde e da I Conferencia de Vigilância Sanitária (PAIM, 2007). O SUS implementado nessa época, de acordo com Paim (2007), era mais de sistema do que de saúde. Apresentava-se com expansão dos serviços municipais e de quadro técnico, trazia aumento da oferta de cuidados básicos e ambulatoriais, ampliação da cobertura de vacinas e de atendimento as gestantes e a infância, bem como o fortalecimento da estratégia de PSF. Entretanto, continuava sem cumprir com as diretrizes da universalidade, equidade e qualidade. Ao final do segundo mandato de FHC, a saúde se apresentava com tímidos avanços frente ao caos que a cercou. Em 2002 o SUS conseguiu alcançar 6,7 hospitalizações e 2,5 consultas por 100 habitantes, correspondendo um decréscimo de 17% das internações e um acréscimo de 53% das consultas se comparado ao período anterior ao início do SUS (PAIM, 2007). A primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva significou um marco político na história do país, pois foi a primeira vez que se elegeu “um representante da classe operária brasileira com forte experiência de organização política” (BRAZ, 2004, p. 49 apud BRAVO, 2010). Não eram esperadas grandes transformações, mas havia expectativas com relação às políticas sociais e à participação social. O início do governo Lula manteve a política monetarista do governo anterior conforme opinião de diversos autores14 , expressando não só a continuidade, mas o 16 14 (BRAZ, 2004; NETTO, 2004; BRAVO, 2004; SADER, 2004; LESBAUPIN, 2003; BENJAMIM, 2003; GONÇALVES, 2003 apud OLIVAR, 2010) Serviço Social: direitos e políticas sociais 48 Série Sociedade e Ambiente aprofundamento da orientação macroeconômica da era FHC. No entanto, com um diferencial, uma ampla base política (mídia, parlamento, classe média, burguesia nacional e internacional e segmentos organizados da classe trabalhadora) que é composta principalmente pelos segmentos das classes mais pauperizadas por meio de programas compensatórios e de políticas sociais focalizadas, conforme coloca Braz (2007 apud OLIVAR, 2010). A participação social em saúde ampliou-se, apesar das limitações e ambiguidades. A política de saúde executada tem sido avaliada de forma positiva, conforme Mendonça (2005 apud PAIM, 2007) principalmente devida ampliação a atenção básica através do PSF, implementação da Reforma Psiquiátrica, o SAMU e a política de Saúde bucal. Os esforços para a formulação de políticas de assistência hospitalar, urgências, media e alta complexidade, bem como a elaboração do Plano Nacional de Saúde e a aprovação dos Pactos pela Saúde, também podem ser consideradas intervenções relevantes para o SUS (BRASIL, 2006). Tais iniciativas revelam certa atenção para o planejamento na condução do SUS. (PAIM, 2007, p. 208). A política de saúde é apresentada no programa de governo como direito fundamental e explicitada o compromisso em garantir acesso universal, equânime e integral a ações e serviços de saúde. Entretanto, a concepção de seguridade social não é assumida, assim como, o projeto de reforma sanitária. Apresenta proposições divergentes ao projeto como a adoção de um novo modelo jurídico-institucional para a rede pública de hospitais: a criação de fundações estatais (BRAVO, 2007). Para Menicucci (2011), a saúde nos oito anos do governo Lula, apresenta uma mudança de foco na agenda governamental, passando-se da ênfase exclusiva na implementação gradativa do SUS no primeiro mandato para as condições de vida e os determinantes da saúde no segundo, bem como de sua articulação com o desenvolvimento. Um marco de referência que justifica esse enfoque pode ser a forma com que o direito à saúde foi definido na Constituição Federal de 1988, o qual implica a garantia pelo Estado da adoção de políticas públicas que evitem o risco de agravo à saúde, devendo ser considerados, nessa perspectiva, todos os condicionantes da saúde, como meio ambiente saudável, renda, trabalho, saneamento, alimentação, educação, bem como a garantia de ações e serviços de saúde que promovam, protejam e recuperem a saúde individual e coletiva, a cargo do Sistema Único de Saúde [...] (MENICUCCI, 2011, p. 524). Como coloca a autora, o seu argumento central é a atuação sobre os condicionantes da saúde. No âmbito setorial, o governo investiu na ampliação da qualidade nos serviços e na cobertura, no processo implantação dos princípios do SUS em um contexto de despolitização da questão da saúde e de um debate restrito ao financiamento. No governo Lula foram implantadas algumas propostas inovadoras, como a Política de Saúde Bucal - Programa Brasil Sorridente-; a Criação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) para o atendimento pré-hospitalar móvel no âmbito da Política de Atenção às Urgências e Emergências e o Programa Farmácia Popular. Serviço Social: direitos e políticas sociais 49 Série Sociedade e Ambiente [...] destaca-se a ampliação da atenção básica através do PSF com aumento de 57% no número de equipes de saúde (Freitas, 2007); aumento dos recursos do Piso de Atenção Básica, o qual passa do valor de R$ 10,00, congelado desde 1988, para R$ 15,00 per capita; expansão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), dando impulso à Reforma Psiquiátrica com intenção de "desospitalização" através do Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS; a tentativa de mudança do modelo de atenção à saúde, a partir de projetos que priorizam o acolhimento e a humanização (MENICUCCI, 2011, p. 525). Na área de medicamentos, destaca-se a criação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CAMED) e a fixação de normas para o controle de preços desses produtos; o apoio aos laboratórios oficiais; a isenção de ICMS para medicamentos de alto custo; o reforço aos medicamentos genéricos; além da convocação da 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica expressão da prioridade dada ao tema na agenda governamental. Cabe registrar a ênfase em ações voltadas para grupos específicos, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004-2007); ações voltadas para a saúde da criança e do adolescente, o Programa Saúde e Prevenção nas Escolas ao Programa Nacional de DST/AIDS; ações para a Saúde do trabalhador, buscando implantar a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST); ações relativas à saúde da população negra, dos quilombolas, dos indígenas e dos assentados e em 2003, o Estatuto do Idoso, com um capítulo específico voltado para a saúde e com uma sinalização no sentido de suprimir o processo asilar e atuar na promoção e recuperação da saúde do idoso. O segundo mandato de Lula combina uma ação desenvolvimentista, como expõe Olivar (2010), com forte presença do Estado, resultando na criação de postos de trabalho e ampliação da teia de assistência por meio de um conjunto de medidas anunciadas em janeiro de 2007 denominadas de Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2007-2010). O PAC da Saúde pretende priorizar, em todos os eixos de intervenção, os objetivos e as metas do Pacto pela Saúde. O programa prevê a melhoria do atendimento à saúde das crianças de zero a seis anos para reduzir, até 2011, em 5% a taxa de mortalidade neonatal; ampliar de 27 mil para 40 mil as equipes de Saúde da Família em todo o país; prevê a volta dos médicos às escolas públicas; dar atenção especial à saúde dos homens; ampliação das farmácias populares para 500 unidades em todo o país; incentivar a produção nacional de medicamentos e equipamentos (OLIVAR, 2010, p. 232). Em relação à saúde do trabalhador, o PAC da Saúde tem como meta fortalecer a Rede Nacional de Saúde do Trabalhador. Portanto, a estratégia central continua reforçando a assistência em detrimento da vigilância, com a ampliação progressiva da rede assistencial de atendimento à saúde do trabalhador (OLIVAR, 2010). No início de 2007, os compromissos assumidos pelo Ministro da Saúde enfatizavam a necessidade de articular a compreensão dos determinantes sociais da saúde com o conjunto de providências e ações possíveis, destacando os limites dessa política para melhorar as condições de saúde e a qualidade de vida. As proposições para as políticas de saúde se deslocam para o enfoque nas articulações entre os determinantes sociais da saúde e a política de saúde, não se limitando apenas à construção do SUS, Serviço Social: direitos e políticas sociais 50 Série Sociedade e Ambiente mas ao aumento da capacidade para interferir na determinação social da doença. Além disso, buscou enfatizar a importância das ações intersetoriais para a saúde e articular esforços nesse sentido. Além do Programa Mais Saúde, a agenda social contempla prioridades como o reforço da atenção básica por meio da expansão do PSF, da qualificação dos profissionais de nível superior do PSF, do Brasil Sorridente e do trabalho de agentes comunitários de saúde. Destacam-se ainda o programa Saúde na Escola; o tratamento da hipertensão e da diabete; o planejamento familiar; a ampliação do acesso a serviços especializados; ações de investimento em infraestrutura, duplicação da cobertura do SAMU; implantação de complexos reguladores, com finalidade de melhorar o acesso a internações; implantação de novas formas de compra de serviços, com contratualização com hospitais filantrópicos (MENICUCCI, 2011, p. 527). O reconhecimento da gravidade dos problemas sociais foi uma marca importante do governo Lula, dando especial atenção o combate à fome e à miséria; o combate ao racismo e às desigualdades raciais; aprofundamento dos avanços na área de saúde e de assistência social; o crescimento da taxa de cobertura da previdência social; a promoção do desenvolvimento nacional; a implementação de uma política de desenvolvimento urbano; e contínua melhoria da qualidade do ensino (MENICUCCI, 2011). O grande destaque do governo Lula foi dado às políticas de inclusão social15 , nas suas diversas dimensões, que sugere uma busca da garantia do direito à saúde pela via de outras políticas públicas, que não apenas a garantia do acesso a ações e serviços de saúde, tal como preconizado na Constituição de 1988. O foco nas políticas de inclusão social transparece em um dos três eixos da Agenda Social, que organizam as ações prioritárias do Plano Plurianual (PPA) 2008-2011, no qual os outros dois eixos são o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), setor que recebe, assim, mais destaque na agenda do governo Lula. Ainda no âmbito de políticas que impactam a saúde, cabe destacar a atuação na área de habitação e saneamento. A política de saneamento adquiriu centralidade política no governo Lula, o que se traduz em crescentes aportes de recursos, formalização de uma base político-administrativa e institucional de referência, inclusive com a formalização do novo marco regulatório do setor, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. O Programa Mais Saúde contava com recursos advindos da CPMF, e como este imposto foi extinto, a tentativa de obtenção de mais recursos para a saúde foi direcionada, então, para a regulamentação da EC nº 29 - questão que já tinha sido colocada como prioridade desde o estabelecimento do Pacto em defesa do SUS que pretendia uma mobilização nesse sentido, cuja proposta de regulamentação da EC 29, que fixa os percentuais mínimos a serem investidos anualmente em saúde pela União, por estados e municípios, ainda tramita no Congresso Nacional. 17 15 Destacam-se dois programas sociais: Na área de Segurança alimentar, o Programa Fome Zero, que tem como proposta erradicar a fome por meio de medidas estruturais e específicas e do estímulo a políticas locais por meio de um conjunto de ações que interferem nas diversas etapas do fluxo de produção, distribuição, preparação e consumo de alimentos, inclusive o apoio à agricultura familiar. E o Programa Bolsa Família, que traz como objetivo combater a fome e a miséria e promover a emancipação das famílias mais pobres do país. Serviço Social: direitos e políticas sociais 51 Série Sociedade e Ambiente A crise econômico-financeira internacional a partir do último trimestre de 2008 trouxe mais restrições à execução orçamentária da União. Mas pode-se dizer que o Brasil se tornou um pouco mais saudável pela via das políticas econômicas e sociais de modo geral e que o presidente Lula cumpriu suas promessas de campanha, segundo Menicucci (2011). Entretanto, problemas antigos permanecem a ameaçar o SUS, como as desigualdades nas condições de saúde e no acesso à atenção à saúde, decorrente da variação na oferta de serviços, da má distribuição de recursos e da desigualdade em relação ao tipo de cobertura (pública ou privada). Outros fatores impedem que a universalidade e equidade ainda não sejam realidades no SUS. Mas para que isso se concretize é necessária a repolitização da saúde e a construção de uma agenda radicalmente inovadora, algo que transcende o governo e é uma tarefa política de toda a sociedade. 3 A HISTÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL. O serviço social é uma profissão oriunda do ramo de especialização do trabalho coletivo, e o assistente social, um trabalhador que se insere na divisão social e técnica do trabalho da sociedade capitalista, que no caso do Brasil, “tardia, periférica e dependente” (GUERRA, 2009, p. 79). A autora citada coloca que o serviço social nasce na sociedade capitalista no momento em que esta ordem social necessita de profissionais que administrem e controlem os conflitos de interesses gerados no mundo do trabalho nas relações antagônicas entre capital e trabalho. Para Iamamoto (apud MOLJO & CUNHA, 2009), o serviço social enquanto profissão emerge no Brasil na década de 30 para dar respostas tanto às classes com as quais trabalha como para as classes que contratam seus serviços. Conforme a autora, a implantação do serviço social se dá no aparecimento da questão social, fruta da exploração abusiva que o trabalhador é submetido, que aparece para o restante da sociedade como uma “ameaça a seus mais sagrados valores, a moral, a religião e a ordem pública”, impondo a “necessidade do controle social da exploração da força do trabalho” (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011). Para Netto (2011), a profissão está solidamente estabelecida como prática institucionalizada, socialmente legitimada e legalmente sancionada, vinculada a chamada questão social e seu aparecimento relacionado às mazelas próprias à ordem burguesa, sequelas que advém da constituição e no evolver do próprio capitalismo monopolista, porém atrelar o surgimento da profissão somente ao surgimento da questão social seria diluir numa interação lassa e frouxa. Em nossa perspectiva, a apreensão da particularidade da gênese históricosocial da profissão nem de longe se esgota na referência à questão social tomada absolutamente, está hipotecada ao concreto tratamento desta num momento muito específico do processo da sociedade burguesa construída, aquele do trânsito à idade do monopólio, isto é, as conexões genéticas do serviço social profissional não se entretecem com a questão social, mas com as suas peculiaridades no âmbito da sociedade burguesa fundada na organização monopólica (NETTO, 2011 p. 18). Para Iamamotto e Carvalho (2011), ao mesmo tempo em que a questão social deixa de ser apenas contradição entre “abençoados e desabençoados” pela fortuna, pobres e ricos, para constituírem-se como contradições antagônicas entre proletariado e Serviço Social: direitos e políticas sociais 52 Série Sociedade e Ambiente burguesia, surgem as Leis Sociais para absorver e controlar os setores urbanoindustriais emergentes, buscando neles uma legitimação política adotando uma política de massa que incorporava parte das reivindicações populares, e ao mesmo tempo, controlando a autonomia dos movimentos do proletariado emergente, através de canais institucionais (SILVA E SILVA, 2006 apud MOLJO & CUNHA, 2009). Nas primeiras décadas de 1900 no Brasil, as condições de existência e trabalho do proletariado industrial, após aglutinar-se nos centros industriais, eram extremamente insalubres, amontoados em casas infectas sem saneamento básico e vivam com muita carência devida os ínfimos salários insuficientes para subsistência das famílias. Para aumentar o poder aquisitivo dos salários, as mulheres e crianças também entram no mercado de trabalho, sujeitas à mesma jornada e ritmo de trabalho, com salários ainda menores (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011). Segundo os autores, o único bem que os operários detinham era a força de trabalho, sua e de sua mulher e filhos. Sem direitos trabalhistas e previdenciários, viviam com ameaça constante de dispensas maciças e rebaixamento salarial devido à crise do setor industrial. A Saúde pública e a educação eram precárias e insuficientes e ficavam na dependência de iniciativas próprias ou da caridade e filantropia. Fartos dessas condições de trabalho e de existência, o proletariado se organiza para sua defesa. Defesa esta que: […] se centrará na luta contra dilapidação, pelo trabalho excessivo e mutilador, de seu único patrimônio, cuja venda diária permite sua sobrevivência e reprodução. Procurará tomar em suas mãos as decisões que restrinjam o dispêndio exaustivo de sua força de trabalho. Sua organização representará também a única via possível de uma participação ativa na sociedade (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011, p.138). Dessa organização típica de resistência operária surgem novos estágios de seu desenvolvimento, a citar alguns: grêmios corporativos, associações de Socorro Mutuo, Caixas Beneficentes, Ligas Operárias, Sociedade de Resistência e os sindicatos. Conforme Iamamotto e Carvalho (2011), com o crescente fortalecimento do movimento reivindicatório do proletariado são aprovadas leis que cobrem uma parcela importante da chamada “proteção ao trabalho”. A reação da Igreja Católica diante aos fatos datam do inicio da década de 20, com a mobilização do Movimento Católico Leigo, o qual se apresentava como estratégia de qualificação do laicato da Igreja Católica, cuja qual já desenvolvia ações de caridade aos mais necessitados, para o desenvolvimento de uma prática ideológica junto aos trabalhadores urbanos e suas famílias. Vemos nessa época a presença maciça da figura feminina desenvolvendo esse trabalho, entre elas, freiras e damas da burguesia. Segundo Iamamotto e Carvalho (2011), surgem nesse momento as primeiras instituições assistenciais, como Associação das Senhoras Brasileiras (1920), no Rio de Janeiro, a Confederação Católica (1922) e a Liga das Senhoras Católicas (1923) em São Paulo. A partir do lento desenvolvimento dessas instituições que se originaram as bases materiais e organizacionais que permitirão a expansão da ação social e o surgimento das primeiras escolas de serviço social. Convém frisar, que neste momento a reação católica não se deu devido à questão social e ou ao combate do comunismo. Segundo Rosa (2008 p. 11), a “Igreja Católica procurou formas de recuperar áreas de influências e privilégios que estavam Serviço Social: direitos e políticas sociais 53 Série Sociedade e Ambiente ameaçados pelas tensões entre Estado e Igreja16 ”. Desta forma, as ações da Igreja se deram da necessidade que tinha de ganhar visibilidade e influência social. Para Iamamotto e Carvalho (2011), a mobilização do laicato tinha um caráter altamente elitista e visava ampliar sua área de influência entre as frações de classes componentes do bloco dirigente e nas frações subordinadas aliadas. Segundo os autores, o Movimento Católico Leigo (MCL) procurava atender os princípios de justiça e caridade em cumprimento da missão política do apostolado social e do projeto de cristianização da sociedade de acordo com a Doutrina Social da Igreja Católica com base nas Encíclicas Papais. Neste período embrionário do Serviço Social, as organizações que se formaram tinham o modelo - conteúdo e forma – das organizações da Europa e defendia o combate a toda forma de rebelião em prol da moral cristã. A partir do desenvolvimento do MCL novos espaços sociais foram criados, como as instituições destinadas a organizar a juventude católica para a ação social junto à classe operário e outros setores – Juventude Operaria Católica (JOC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Universitária Católica (JUC) e Juventude Feminina Católica (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011) O MCL inicia um novo período de mobilização com o Movimento de 30. Diante da reemergência do proletariado através da retomada mais intensa dos movimentos reivindicatórios, a Igreja e o Estado se viram obrigados a intervir na dinâmica social de forma mais ampla, com “uma ação para controlar o proletariado que emergia ameaçando a posição hegemônica da classe dominante” (ROSA, 2008, p. 11). Sendo assim, a autora compreende ainda que o serviço social surgiu a partir da interação entre Igreja e o Estado para livrar o proletariado do movimento socialista17 , passando mais tarde a desenvolver um trabalho voltado para elevar a moral das famílias numa linha educativa e preventiva de forma mais institucionalizada. De acordo com Iamamotto (1997 apud ROSA, 2008), foi quando nasceram as “instituições assistenciais, estatais, paraestatais ou autárquicas”, que o serviço social deixou de ser apenas uma intervenção social ligada a Igreja Católica e incentivada pela burguesia para tornar-se uma profissão institucionalizada e reconhecida na divisão social e técnica do trabalho. Cabe considerar, segundo Rosa (2008), que a partir do surgimento das instituições após o fim da primeira guerra mundial, o serviço social tornou-se profissão executora da política social do Estado, passando a ser absorvida pelas empresas, ampliando seu campo de atuação. Entretanto, no inicio da profissão, manteve-se uma estreita relação com as ideias e conteúdos do ideário religioso, precisamente com referenciais teóricos franco-belgas, baseados no pensamento filosófico de São Tomas de Aquino (YAZBEK, 2000 apud ROSA, 2008). Os primeiros passos da intervenção profissional no Brasil tiveram influência do serviço social de caso de Mary Richmond, cuja qual: 18 19 [...] foi a primeira a escrever sobre a diferença entre fazer assistência social, caridade, filantropia e o Serviço Social. Em seu livro Case Social Work, 16 Conforme Iamamotto e Carvalho (2011), a primeira Constituição republicana (1891) estabelecia a laicização do Estado. Sobre influência positivista, a constituição estabeleceu obrigatoriedade do casamento civil, ensino público laico, a proibição de subvenção a qualquer culto religioso, a secularização dos cemitérios, a proibição de abertura de novas comunidades religiosas e a inelegibilidade política de membros do clero. 17 Caracteriza esse momento, no plano externo, o surgimento da primeira nação socialista e a efervescência do movimento popular operário em toda Europa. É também o momento que surgem e se multiplicam na Europa as escolas de Serviço Social. (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011, p. 176). Serviço Social: direitos e políticas sociais 54 Série Sociedade e Ambiente publicado em 1917, aponta as medidas de uma prática profissional competente, séria e rigorosa. Richmond secularizou a profissão e, ao mesmo tempo, ofereceu as bases técnicas e as formas de trabalhar nas quais os assistentes sociais se reconheceram. Por trás das ideias de Richmond, há uma clara e identificável concepção funcional de sociedade, elaborada pela sociologia norte americana. E essa mesma sociologia norte-americana somada ao arsenal técnico de Mary Richmond, Gordon Hamilton, Helen Perlman, Florence Hollis, entre outros, conferiram uma autoridade advinda do saber fazer específico, distinto do senso comum, aos assistentes sociais no Brasil (ANDRADE, 2008, p. 276) Acolhendo esta concepção dominante na sociedade burguesa, na qual a prática profissional era “reintegradora e reformadora do caráter”, atribuindo “grande importância ao diagnóstico social como estratégia para promover tal reforma e para reintegrar o indivíduo na sociedade” (MARTINELLI, 1995 apud MOLJO & CUNHA, 2009, p. 85). O positivismo era a corrente filosófica que fundamentava a teórica do Serviço Social, e a intervenção do assistente social estavam dirigidas as situações de pobreza e dos pobres ou desajustados visando levá-los a um maior ajustamento à ordem social vigente. O projeto profissional dos anos 30, segundo Moljo e Cunha (2009), baseava-se na educação da classe operária baseado no ideário católico, ou seja, no moldeamento da personalidade do indivíduo de acordo com a ordem social dominante, assumindo uma faceta humanitária que escondiam interesses repressivos e de controle sobre o movimento operário, atuando com políticas assistencialistas e paternalistas. Fatores de desmobilização do proletariado tinham como objetivos bloquear o desenvolvimento da consciência da classe de trabalhadores e sua organização política. Diante disso, conforme Moljo e Cunha (2009), o serviço social desde a sua origem encontra-se permeado pela herança da tutela, da moralização dos pobres, influências do pensamento europeu, da doutrina social católica e do positivismo. Em 1932 foi fundado no Brasil o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), “considerado como manifestação original do Serviço Social no Brasil” (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011, p. 178). Tinha por objetivo promover a formação de seus membros conforme doutrina social da igreja e ideologia dominante e no conhecimento aprofundado dos problemas sociais. Buscava tornar mais eficiente a atuação das trabalhadoras sociais e adotava uma orientação definida em relação aos problemas a resolver, favorecendo a coordenação de esforços dispersos nas diferentes atividades e obras de caráter social. Neste mesmo ano, a assistente social belga Adèle de Loneaux, visita o Brasil para fazer palestra e participar de conferências em São Paulo e Rio de Janeiro a convite do CEAS. Na ocasião, a assistente social belga definiu serviço social como um conjunto de esforços feitos para adaptar o maior número possível de indivíduos a vida social ou para adaptar as condições da vida social as necessidades dos indivíduos (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011). Ao encerrar o “Curso Intensivo de Formação Social para Moças”, Adèle retornou ao seu país de origem acompanhada pelas brasileiras Maria Kiehl e Albertina Ramos, as primeiras assistentes sociais que receberam formação universitária, na Escola de Serviço Social de Bruxelas. Até dezembro de 1932 o CEAS fundou 4 Centros operários onde suas propagandistas, por meio de aulas de tricô e trabalhos manuais, conferências, conselhos sobre higiene etc., procuraram interessar e atrair as operárias e Serviço Social: direitos e políticas sociais 55 Série Sociedade e Ambiente entrar assim em contato com as classes trabalhadoras, estudar-lhes o ambiente e necessidades (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011, p. 181). As atividades do CEAS se orientaram para a formação técnica especializada de quadros para a ação social e difusão da doutrina social, promovendo diversos cursos de filosofia, moral, legislação do trabalho, doutrina social e enfermagem de emergência. O Departamento de Assistência Social do Estado – posteriormente denominado Departamento de Serviço Social - foi o primeiro órgão governamental da área de serviço social do Brasil, criado pela Lei n. 2.497 de 24/15/1935, sendo subordinada a Secretaria de Justiça e Negócios Interiores. Conforme Iamamotto e Carvalho (2011) tinham como competências superintender todo o serviço de assistência e proteção social; celebrar acordos com as instituições particulares de caridade, assistência e ensino profissional; harmonizar a ação social do Estado e distribuir subvenções e cadastrar as instituições particulares. Eram também responsáveis pela estruturação dos Serviços Sociais de Menores, Desvalidos, Trabalhadores e Egressos de reformatórios, penitenciarias e hospitais e da Consultoria Jurídica do Serviço Social. Em 1936 em São Paulo, é fundada pelo CEAS a primeira Escola de Serviço Social do Brasil, resultado de parcerias entre Igreja e Estado. No ano seguinte o CEAS atua no serviço de Proteção aos Migrantes e em 1939 assina contrato com o Departamento de Serviço Social do Estado (SP) para organizar três Centros Familiares em bairros populares e de um Curso Intensivo de Formação Familiar, Pedagogia do ensino popular e trabalhos domésticos (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011). A Primeira Semana de Ação Social do Rio de Janeiro, em 1936, é considerada um marco para a introdução do Serviço Social na capital da República. Estavam reunidos ativistas dos movimentos e grupos de ação social, os representantes das instituições e obras de caridade e assistências, representantes da intelectualidade católica e demais setores mais ativos do movimento católico laico. Também estava compondo as solenidades a Primeira Dama da Nação, a Sra. Darcy Vargas. No Rio de Janeiro em 1937 é fundado o Instituto de Educação Familiar e Social, composto das Escolas de Serviço Social (Instituto Social) e Educação Familiar, por iniciativas do Grupo de Ação Social (GAS). No ano seguinte, é a vez da Escola Técnica de Serviço Social por iniciativa do Juizado de Menores, em 1940 é introduzido o curso de Preparação em Trabalho Sociais na Escola de Enfermagem Ana Nery e em 1944 a Escola de Serviço Social como desdobramento masculino do Instituto Social. Em São Paulo em 1938, é organizada a Seção de Assistência Social, com a finalidade de realizar o conjunto de trabalhos necessários ao reajustamento de certos indivíduos ou grupos às condições normais de vida. Esta Seção tem como competência organizar o Serviço Social de Casos Individuais, a Orientação Técnica das Obras Sociais, o Setor de Investigação e Estatística e o Fichamento Central de Obras e Necessitados. O método central a ser aplicado é definido como sendo o Serviço Social de Casos Individuais, devendo-se “estimular o necessitado, fazendo-o participar ativamente de todos os projetos que se relacionam com o seu tratamento […] utilizar todos os elementos do meio social que possam influenciá-lo no sentido desejado, facilitando sua readaptação” e “propiciar um auxílio material reduzindo ao mínimo indispensável, para não prejudicar o tratamento” (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011, p. 185-186). Serviço Social: direitos e políticas sociais 56 Série Sociedade e Ambiente A primeira medida legal de âmbito federal foi o Decreto lei n. 525 de 1938 que institui a organização nacional do Serviço Social, enquanto modalidade de serviço público nas três esferas de governo de direção, execução e cooperação e cria junto ao Ministério da Educação e Saúde o Conselho Nacional de Serviço Social. Porém, os autores citados acima ressaltam que a atuação do CNSS foi pouco relevante, caracterizando-se mais pela manutenção dos repasses financeiros como mecanismos de clientelismo político. De acordo com Iamamotto e Carvalho (2011), a primeira tentativa de introdução do serviço social na previdência se dará num momento de reorganização e reordenação da legislação e mecanismos de enquadramento e controle do proletariado. Nesta conjuntura de reermergencia dos movimentos operários e crise da ditadura do Estado Novo que o Estado procura sistematizar sua legislação social com a instituição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A participação dos assistentes sociais na estrutura previdenciária se deu a fim de humanizá-la no sentido de “reconciliar a máquina administrativa com a massa segurada” (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011, p. 310). Surge em 1940, em São Paulo, o Instituto de Serviço Social como desmembramento da Escola de Serviço Social, tendo como patrocínio da Juventude Universitária Católica (JUC), destinada a formação de trabalhadores sociais especializados para o Serviço Social do Trabalho. No decorrer da década de 40 diversas escolas de serviço social foram abertas nas demais capitais dos Estados com o apoio da Legião Brasileira de Assistência (LBA)18 , a qual é considerada a primeira instituição federal de assistência social com influência real sobre o desenvolvimento do Serviço Social: 20 Através do sistema de bolsas de estudos e da distribuição de recursos financeiros, viabilizava o surgimento de escolas de serviço social nas capitais de diversos estados, atuando geralmente em convênio com movimentos de ação social e ação católica. [...] será de grande importância para implantação e institucionalização do Serviço Social, contribuindo em diversos níveis para a organização, expansão e interiorização de redes de obras assistenciais, incorporando ou solidificando nestas os princípios do serviço social e a consolidação e expansão do ensino especializado de Serviço Social e do número de trabalhadores sociais (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011, p. 267). A partir de 1941 o ensino especializado no Brasil contava com influência norte-americana, conforme ressalta Iamamotto & Carvalho (2011). No Paraná, a primeira Escola de Serviço Social foi fundada em 1944 pela ação da JUC e apoio do Instituto Social do Rio de Janeiro. Para mantê-la foi organizada a Ação Social do Paraná. A Primeira Escola de Nível Superior de Serviço Social foi aberta no Rio Grande do Norte. A demanda por assistentes sociais diplomados constantemente excedia o número de profissionais disponível (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011, p. 198). As tarefas desenvolvidas pelos primeiros assistentes sociais demonstram uma atuação 18 A Legião Brasileira de Assistência (LBA) foi um órgão brasileiro fundado em agosto de 1942, pela então primeiradama Darcy Vargas, com o objetivo de ajudar as famílias dos soldados enviados à Segunda Guerra Mundial. Com o final da guerra, se tornou um órgão de assistência a famílias necessitadas em geral. A LBA era presidida pelas primeiras-damas. Em 1991, sob a gestão de Rosane Collor, foram feitas denúncias de esquemas de desvios de verbas da LBA. A LBA foi extinta em 01 de janeiro de 1995, no primeiro dia de governo de Fernando Henrique Cardoso (RIZZINI, 2009 apud CAVALCANTE et al., 2010, p. 22-23). Serviço Social: direitos e políticas sociais 57 Série Sociedade e Ambiente doutrinaria e eminentemente assistencial, entre elas: plantão social, visitas domiciliares, bibliotecas infantis, reuniões educativas para adultos, curso primário, curso de formação familiar, restaurantes populares e fichário dos assistidos. No Departamento de Serviço Social do Estado de São Paulo, conforme os autores citados, os profissionais de serviço social atuavam como comissários no Serviço Social de Menores (menores, abandonados, delinquentes, sob tutela da Vara de Menores); junto à Procuradoria de Serviço Social no Departamento e no campo da assistência judiciária, como pesquisadoras e nos serviços de plantões. A intervenção profissional na década de 40 estava voltada essencialmente para a organização da assistência, educação popular e pesquisa social. Seu público preferencialmente se constituía de famílias operárias, principalmente mulheres e crianças. As visitas domiciliares, os encaminhamentos, a distribuição de auxílios matérias e a formação moral e doméstica através de círculos e cursos eram as principais atividades (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011). Com a implantação do Estado Novo a partir de 1937, observa-se uma política econômica que se coloca nitidamente a serviço da industrialização, passando este ser o foco das ações do Estado, que aparecerá com maior intensidade a partir de 1945. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) nasce em 1942 respondendo a necessidade de qualificação da Força de Trabalho para expansão industrial e “com a incumbência de organizar e administrar nacionalmente escolas de aprendizagem para industriários” (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011, p. 268). A sua implantação aparece claramente como elemento constitutivo do processo de aprofundamento do capitalismo. Outro fato marcante nesse período histórico e que interfere no desenvolvimento do serviço social no Brasil, foi o nascimento da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, voltada principalmente para resolver os problemas dos países arruinados pela guerra. Sob o argumento de que a pobreza é um entrave e uma ameaça, tanto para essas populações pobres quanto para o mundo desenvolvido, do ponto de vista que o povo faminto está mais suscetível à propaganda comunista internacional, os Estados Unidos se mobiliza, constituindo organismos internacionais, com a função de auxiliar, técnica e financeiramente, o desenvolvimento dos países pobres aliados. […] cria em seu interior vários organismos estratégicos de preservação da ideologia capitalista, dentre eles: Divisão de Assuntos Sociais; Unidade de Desenvolvimento de Comunidade; comissão de Assuntos Sociais do Conselho Econômico Social. (GOES, 2008, p. 134). Em 1946, o Serviço Social da Indústria (SESI) é oficializado e tem por atribuições estudar, planejar e executar medidas que contribuam para o bem-estar do trabalhador na indústria. O seu surgimento é um marco no processo de organização do empresariado, o qual busca definir posições que “se relacionem com a nova situação internacional, ao novo estatuto econômico do pós-guerra e a seus efeitos internos” (IAMAMOTTO & CARVALHO, 2011, p. 285). Neste mesmo ano, o governo federal institui a Fundação Leão XIII como a primeira instituição assistencial que tem por objetivos explícitos uma atuação ampla sobre a população das grandes favelas do Rio de Janeiro com o apoio das Forças Armadas, paróquias e obras paroquiais, clubes esportivos e Serviço de Alimentação da Previdência. Sua estrutura base foi à implantação dos Centros de Ação Social (CAS) que prestavam serviços de saúde e serviço social. As atividades do serviço social nos Serviço Social: direitos e políticas sociais 58 Série Sociedade e Ambiente CAS eram: serviço de casos individuais; repasse de auxílios; recreação e jogos e educação popular. Cabe também pontuar que a década de 1940 foi o período em que surgem no nosso país os primeiros acordos na área financeira e na área cultural. Para o serviço social esses acordos significaram intercâmbios com largo programa de bolsas de estudos para estudantes latino-americanos que ocasionaram mudanças na prática com a implantação de técnicas de Serviço Social de Casos, Serviço Social de Grupos e de Comunidade. Segundo Goes (2008), o serviço social sofre transformações em seus conteúdos teórico-metodológicos, ao se afastar do aparato instrumental franco-belga e ser influenciados por conteúdos do serviço social americano. Para Aguiar (1989 apud GOES, 2008, p. 143), “este é o momento também de encontro do serviço social brasileiro com a perspectiva funcionalista”. Segundo o autor, em 1944 na Escola de Serviço Social de São Paulo é implantada o “Desenvolvimento de Comunidade e a profissão de Serviço Social”. Para os profissionais de serviço social, esse novo campo de intervenção profissional - a organização de comunidade – tornou-se um imperativo, pois a voracidade expansionista americana demandava estratégias mais ágeis e resultados mais rápidos e eficazes, fazendo com que os assistentes sociais adotassem oficialmente o método de Organização de Comunidade que lhes são oferecidos nos programas de intercambio cultural (GOES, 2008). Considerando o panorama sócio-político e econômico do Brasil a partir de 1945, o Serviço Social passou por alterações substantivas reveladas nas “demandas prático-interventivas, na sua inserção nas estruturas organizacional-institucionais, nos conteúdos da formação acadêmica e nos seus referenciais teórico-culturais e ideológicos” (MOLJO & CUNHA, 2009, p. 88). A fragilidade da consciência social dos profissionais e a ausência de metodologia específica tornaram a participação nestes programas como a concretização do aprimoramento dos procedimentos de intervenção. Segundo Martinelli (1997 apud GOES, 2008; IAMAMOTTO, 2008), os profissionais adquiriam novos métodos de trabalho, porém o conteúdo do projeto profissional permanece com base filosófica tomista, consolidando o reformismo conservador. Prevalece referências a conceitos como normalidade, anormalidade, ajustamento e desajustamento, dentro da perspectiva funcionalista. Para Faleiros (1993 apud GOES, 2008), na prática o serviço social atuava em situações isoladas, com o objetivo de melhorar certas condições comuns a determinados grupos ou área. Uma mostra dessas práticas está na criação da Comissão BrasileiroAmericana de Educação Popular Rural (CBAR) em 1945, na qual a atuação dos assistentes sociais estava engajada na ótica de que as populações eram desajustadas e era preciso integrá-las, adequá-las a sociedade. O contexto histórico e político brasileiro de 1945 a 196519 foram marcados por conturbados fatos que inevitavelmente influenciaram a consolidação da profissão. Em 21 19 Segundo Goes (2008), o Brasil enfrentava: o término da Segunda Guerra com a volta dos pracinhas; manifestações em todo Brasil; o inicio do movimento Querenismo; o golpe militar; Getúlio é deposto e Dutra é eleito em 1945; surge o pluripartidarismo; Constituição de 1946; Bipolarização do mundo pós-guerra – EUA X URSS – início da Guerra Fria; em 1950, Getulio vence as eleições presidenciais e em 1954 comete suicídio depois de receber duras críticas sobre seu governo, Café Filho assume a presidência; em 1956, Juscelino Kubitschek entra m cena com uma política baseada no nacional desenvolvimentista; Jânio Quadros assume em 31/01/1961 e seis meses depois é deposto; João Goulart é seu sucessor até abril de 1964 quando é deposto pelo Regime Militar. Serviço Social: direitos e políticas sociais 59 Série Sociedade e Ambiente 1954, no final do Governo Vargas, as tensões sociais decorrentes de sua postura política nacionalista, tornam o Estado o maior empregador dos assistentes sociais, para ampliar os mecanismos de controle sobre a estrutura e a organização da categoria profissional. É nesse período de conflitos sociais intensos na vida nacional que o serviço social, através da Lei nº 1889/53, tem seu ensino regulamentado (AGUIAR, 1989 apud GOES, 2008). Neste período, o Serviço Social passa a ter uma presença significativa no projeto de desenvolvimento nacional quando, durante a década de 1950, a Organização das Nações Unidas (ONU) e outros organismos internacionais decidem sistematizar e divulgar o programa de Desenvolvimento de Comunidade (SILVA E SILVA, 2006), incluído na proposta de desenvolvimentismo adotado pelo governo de JK – 1956 a 1961 (MOLJO & CUNHA, 2009, p. 87). Com o advento do desenvolvimentismo no Brasil, o Serviço Social teve que se adaptar a nova conjuntura e se preparar tecnicamente para as novas tarefas que lhe eram colocadas, exigindo assim, um profissional técnico e eficiente capaz de enfrentar os problemas sociais que derivavam das situações de pobreza, privilegiando o trabalho junto às comunidades e procurando trabalhar nas ‘deficiências culturais20 ’ que estas apresentavam (MOLJO apud MOLJO & CUNHA, 2009). No entanto, Iamamotto e Carvalho (2007 apud GOES, 2008) afirmam que os profissionais de serviço social vão permanecer até o final da década de 50 alheios aos novos pressupostos desenvolvimentistas e que o seu discurso permanece atrelado ao comportamento essencialmente conservador. Iamamotto (2008) também destaca uma profunda ambiguidade entre ação e universo teórico. Segundo Aguiar citado por Góes (2008), o desenvolvimentismo é assumido pelo serviço social claramente no final dos anos 50, quando o Presidente Kennedy propõe a “Aliança para o Progresso”. Observa-se que no governo de Jânio Quadros, a tarefa de incrementar programas de desenvolvimento comunitário que possam favorecer a mudança cultural do povo é atribuída ao Serviço Social, cuja tarefa proposta é fazer com que a população aceite o desenvolvimento baseado na moralização, justiça social, solidariedade, racionalização de recursos, aumento da produtividade e estímulos ao desenvolvimento das áreas de saúde, educação e trabalho (MOLJO & CUNHA, 2009). No início da década de 60, a exigência da necessidade do serviço social capacitar-se para fornecer respostas à questão social, vai se traduzir num repensar da atuação profissional. 22 […] começamos a assistir às crises das formas tradicionais da profissão, com o Serviço Social se nutrindo de referenciais teórico-culturais e de expressões ideo-políticas vinculadas às dimensões democráticas da vida social brasileira. Esse movimento tem como cenário o processo democrático que atravessa a sociedade no início dos anos 60 (ALENCAR, 1994, p. 33-34 apud MOLJO & CUNHA, 2009, p. 90). 20 Nesta época, acreditava-se que uma das variáveis que fazia reproduzir o ciclo de pobreza era justamente a ‘cultura do atraso’ dos setores populares. É muito importante salientar que, neste período, o acesso à cultura, mas, sobretudo a mudança de padrões culturais, era considerada como fundamental para o crescimento da Nação, portanto, o papel que os assistentes sociais assumiam para si, era fundamental, já que será este um dos principais responsáveis por tais mudanças (MOLJO & CUNHA, 2009, p. 88). Serviço Social: direitos e políticas sociais 60 Série Sociedade e Ambiente Como vimos, a partir dos anos 1950, já se observam mudanças significativas no Serviço Social, a citar: quando este passa a ser força de trabalho nas grandes empresas; acompanha a modernização das instituições públicas, migrando para prefeituras e participando de programas sociais com a população rural; quando a profissão alcança maior nível de sistematização nas instituições sociais e assistenciais; quando se amplia o reconhecimento profissional por entidades de base nacional, como LBA, SESI, SENAI; quando incorporam em sua ação novos métodos de atuação como o Serviço Social de grupo e a dinâmica de grupo; quando ocorre o aprofundamento da influência norte-americana no Serviço Social; e participa e realiza diversos encontros internacionais (MOLJO & CUNHA, 2009). Além da reestruturação social, ocorrem ainda mudanças no foco profissional do Serviço Social, a qual começa a ser discutida no âmbito macrossocietário, ultrapassando a abordagem localista de até então, inserindo o assistente social em equipes multidisciplinares. Os autores Moljo e Cunha (2009) ressaltam que a adoção dessa abordagem comunitária não transcende o tradicionalismo de imediato, apenas constitui-se num marco para tal ultrapassagem. Dessa forma, o desgaste do Serviço Social tradicional foi um fenômeno continental, que segundo Alencar coloca como uma “movimentação sóciopolítico contestadora que emerge na sociedade com incidência no terreno ideocultural, na prática dos setores vinculados a Igreja e no movimento estudantil” (ALENCAR, 1994, p. 331 apud MOLJO & CUNHA, 2009, p. 90), cujo processo influencia o Serviço Social e contribui para a construção de um novo projeto profissional, que nem de longe foi um projeto unitário e homogêneo. O referido autor destaca a evidência de projetos distintos, o inicial que defendia a proposta desenvolvimentista com a profissão buscando redimensionar-se, teórica e praticamente, para atender a superação do subdesenvolvimento, e outro que no decorrer do movimento incorporam-se parâmetros teórico-analíticos de inspiração marxista. Inicia-se a partir de 1961 no Brasil, o desenvolvimento de uma perspectiva crítica ao Serviço Social ‘tradicional’ quando os setores da categoria profissional esboçam algumas tentativas de mudanças. “Esses profissionais são impulsionados por uma profunda agitação política que ganha força no Brasil e em toda a América Latina, ante a crise do modelo desenvolvimentista, gerando frustrações em amplos setores”. (SILVA e SILVA, 2006 apud MOLJO & CUNHA, 2009, p. 90). Neste igual período de 61 a 64, observamos algumas mudanças também no que se refere a mobilização da sociedade civil brasileira, na qual o proletariado urbano e rural organiza-se e adquire força reivindicatória por direitos e mudanças. Os efeitos das transformações sociais também alcançam a Igreja Católica, na qual se estruturaram divergentes visões de mundo e perspectivas de ação, divergentes concepções sobre a missão da Igreja perante instituições e demais grupos sociais. Esta reorganização da Igreja Católica influencia o Serviço Social com seus novos direcionamentos, introduzindo modificações no desenvolvimento de comunidade presente nos cursos de formação, nos currículos e na prática do assistente social. O movimento estudantil também se inclui nesse processo, exigindo dos profissionais do Serviço Social um engajamento efetivo da profissão no que se refere às reformas postuladas por estudantes, operários, intelectuais e o próprio governo (MOLJO & CUNHA, 2009). Entre os diferentes momentos que compuseram os períodos mais conturbados da Ditadura Militar no Brasil, segundo autores (NETTO, 1996; MOREIRA ALVES, 1987 apud MOLJO & CUNHA, 2009), poderíamos citar o período de 1964 a 1968, com a definição das bases do Estado de Segurança Nacional, a formação de novos Serviço Social: direitos e políticas sociais 61 Série Sociedade e Ambiente mecanismos de controle e reforma constitucional, a institucionalização do novo Estado e sua grande crise em 67-68, quando da instituição do AI-5; de 1968 a 1978, o mais rígido momento da ditadura militar, conhecido como período negro; e de 1974 a 1985, da distensão à lenta retirada dos militares da cena política e a anistia política. O Desenvolvimento de Comunidade foi uma das estratégias adotadas pela autocracia burguesa para eliminar a resistência cultural às inovações, enquanto obstáculos ao crescimento econômico, bem como integrar as populações aos programas de desenvolvimento. […] a política cultural da ditadura também procurou manter algumas características típicas da sociedade brasileira como o elitismo, o que, sem dúvida, favorecia a manutenção da sociedade desigual e excludente, além de continuar com as decisões pelo alto, a concentração de renda e de propriedade (NETTO, 1996 apud MOLJO & CUNHA, 2009, p. 92). Assim, uma vez instalada a ditadura militar, esta teve como objetivo reprimir as vertentes mais críticas do mundo da cultura, e através do AI5, se ‘institucionaliza’ a tortura como meio de conseguir informação, de institucionalizar a repressão, o desaparecimento de pessoas, como estava acontecendo na maior parte da América do Sul. Foi a partir do AI5 que a verdadeira cultura do medo foi instaurada, e a ditadura passou de ser um regime reacionário para um regime fascista (NETTO, 1996 apud MOLJO & CUNHA, 2009). E fazendo parte do bloco cultural que atendesse aos interesses do novo regime e como a modernização, necessariamente implicava numa modernização econômica, o profissional de serviço social passou a ser mais técnico, eficiente e, sobretudo ‘asséptico’. Papel do Estado nesse período, além de intervir na área social, era controlar a relação capital-trabalho, controlar os sindicatos e instituir políticas salariais, assumir a dinamizar os setores estratégicos da economia para que o país atinja um novo patamar de industrialização (SILVA e SILVA, 2006 apud MOLJO & CUNHA, 2009). A questão social foi enfrentada pelo binômio repressão/assistência, ficando a assistência subordinada aos preceitos da Doutrina de Segurança Nacional, funcionando como mecanismo de legitimação política do regime, transformada em problemas de administração, com burocratização e esvaziamento do seu conteúdo político. Contraditoriamente, o serviço social “torna-se, no âmbito das lutas políticas dos setores populares, uma forte demanda da própria classe na luta pela conquista da cidadania, em face do agravamento da pauperização dos trabalhadores” (SILVA e SILVA, 2006, p. 38 apud MOLJO & CUNHA, 2009, p. 92-93). Novas demandas são colocadas para o Serviço Social que já não consegue responder com a sua antiga formação e atuação, produzindo-se o que Netto (1996 apud MOLJO & CUNHA, 2009) denominou como a erosão do Serviço Social Tradicional, abrindo espaço para a Renovação do Serviço Social no Brasil. Para este autor, [...] a Renovação do Serviço Social como o conjunto de características novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo das suas tradições e da assunção do contributo de tendências do pensamento social contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais (NETTO, 1996 apud MOLJO & CUNHA, 2009, p. 93). Serviço Social: direitos e políticas sociais 62 Série Sociedade e Ambiente É importante destacar que o autor explicita três vertentes que fizeram parte do processo de renovação do Serviço Social, a modernização conservadora, a atualização do conservadorismo e a Intenção de Ruptura. A primeira, modernização conservadora constituiu a expressão do processo de renovação do Serviço Social, na qual sua formulação é afirmada nos resultados do primeiro e segundo “Seminário de Teorização do Serviço Social”, os quais apresentam seus textos finais sintetizados nos Documentos de Araxá de 1967 e Teresópolis de 1970. Vemos nestes documentos concepções formuladas a cerca da problemática do desenvolvimento e das mudanças da sociedade, fatores que demandam aportes técnicos elaborados e complexos, sincronia de ‘governos’ e ‘populações’ com uma consequente valorização da contribuição dos profissionais do serviço social. Esta perspectiva recorrerá às vertentes modernizantes, dando à cultura um elemento dinamizador da sociedade em prol do desenvolvimento econômico. A reatualização do conservadorismo se expressa nos Seminários de Sumaré de 1978 e Alto da Boa Vista de 1984. A segunda vertente do processo de renovação do Serviço Social recusa tanto do positivismo quanto do marxismo e assume a perspectiva baseada na fenomenologia, a qual verá na cultura um elemento do sujeito ‘individual’, partindo da metodologia dialógica. A terceira Perspectiva foi a de Intenção de Ruptura, que emerge no quadro da estrutura universitária brasileira na primeira metade dos anos setenta, tendo como cenário a Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais. Esta perspectiva entenderá a cultura como a cultura do povo e a necessidade da mobilização social em prol das mudanças sociais. Conforme Netto (1996 apud MOLJO & CUNHA, 2009), a intenção de ruptura confronta-se com a autocracia burguesa no plano teórico-cultural, no plano profissional e no plano político, cujos referenciais de que se amparava negavam as legitimações da autocracia, os objetivos de se propunha chocavam-se com o perfil do assistente social requisitado pela modernização conservadora e suas concepções de participação social e cidadania, bem como suas projeções societárias, batiam contra a institucionalidade da ditadura. Tornou-se emergente para a profissão a produção de um conhecimento crítico da realidade social, que pudesse construir os objetivos e (re) construir objetos de sua intervenção, bem como responder às demandas sociais. O Serviço Social pôde aprofundar o diálogo crítico e construtivo com diversos ramos das Ciências Humanas e Sociais (SOUSA, 2008 apud MOLJO & CUNHA, 2009), inclusive com o marxismo. A partir de então, o Serviço Social começará a ter polêmicas, o que necessariamente levarão ao pluralismo teórico e ideológico (NETTO, 1996 apud MOLJO & CUNHA, 2009), assim como à utilização das diferentes matrizes do pensamento social. O III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), denominado “Congresso da Virada” realizado na cidade de São Paulo em 1979 foi um fato marcante para o serviço social. Neste congresso, os segmentos mais críticos dos profissionais conseguiram instaurar o pluralismo teórico, político e ideológico rompendo com o conservadorismo que imperava (MOLJO & CUNHA, 2009). Os representantes da ditadura foram expulsos da mesa do congresso que foi assumida por sindicalistas. A partir daqui, os projetos societários em disputa ficam claramente divididos. Cabe destacar a reinserção da classe operária na cena política, pelo auge dos movimentos sociais nos quais os assistentes sociais se incorporaram ou aderiram como principal fator que contribuiu para esta. Serviço Social: direitos e políticas sociais 63 Série Sociedade e Ambiente Se a ditadura militar intentou, através da Doutrina de Segurança Nacional, calar quaisquer vetores críticos, temos, na verdade, a partir dos finais dos anos 1970, o movimento contrário ao esperado pela ditadura. O que aconteceu foi a politização dos vetores críticos da sociedade: quanto mais se fechavam os caminhos da expressão, mais se politizaram estes setores (MOLJO & CUNHA, 2009, p.94). Conforme os autores, estes vetores críticos no interior do Serviço Social deram a primeira contribuição tanto para a construção da Intenção de Ruptura como para construção de um projeto ético-político emancipatório, com uma clara direção política cada vez mais madura. O período entre 1986 e 1990 ficou conhecido como pós-ditadura ou Nova República e marcado por uma ampla participação e mobilização da sociedade. Este período também foi caracterizado por uma ampla participação da categoria profissional na reorganização interna e na esfera pública, a citar a importância que o Serviço Social teve na aprovação de algumas leis na Constituinte de 1988 e da Lei Orgânica de Assistência Social. Abreu (2002 apud MOLJO & CUNHA, 2009) ressalta que o protagonismo político dos assistentes sociais brasileiros na Constituinte de 1988, foi fundamental, sobretudo, para a incorporação da Política de Assistência Social ao campo dos Direitos Sociais e na construção do Estatuto da Criança e Adolescente, o que não significou a superação das práticas assistencialistas e filantrópicas. Foi nesse período que o Serviço Social ganhou “maturidade intelectual” (YAZBEK, 2000 apud MOLJO & CUNHA, 2009) se confrontando ante este tipo de sociedade de forma tanto política como teórica. As produções do Serviço Social brasileiro ganham reconhecimento no Brasil como no nível latino-americano e internacional. Também é nesse contexto que o projeto ético político do Serviço Social, originado nos finais dos 1970, ganha hegemonia no Serviço Social. O projeto ético-político tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central, concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas a partir do compromisso com a autonomia, a emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais. Vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. Tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo - tanto na sociedade como no exercício profissional. (NETTO, 1999 apud MOLJO & CUNHA, 2009). Registram-se avanços para a profissão, como o avanço no debate teórico sobre questões que nortearam o Movimento de Renovação, procurando resgatar o Estado enquanto espaço de trabalho dos assistentes sociais e procurando superar a concepção da assistência social como assistencialismo, situando-a como um direito do cidadão e dever do Estado (MOLJO & CUNHA, 2009). Os autores chamam a atenção para os avanços das questões acadêmicas, tais como o avanço da organização interna da categoria profissional e sua relação com a organização mais geral dos trabalhadores; a participação político-partidária dos assistentes sociais; o desenvolvimento de avaliação do processo de formação profissional e a maior articulação do Serviço Social brasileiro com a realidade latinoamericana e do Serviço Social no continente. Como desafio desta década, o serviço social se depara frente: Serviço Social: direitos e políticas sociais 64 Série Sociedade e Ambiente […] a perspectiva de estreitamento do mercado de trabalho para o assistente social, em face da tendência de privatização das políticas sociais e redução do espaço público; a transferência de programas assistenciais diretamente para entidades populares e ampliação de medidas assistenciais no interior de empresas privadas, desvinculadas da ação profissional do assistente social (SILVA e SILVA, 2006 apud MOLJO & CUNHA, 2009, p. 97). Essa conjuntura da década de 90 repercute diretamente na atuação do Serviço Social enquanto profissão que tem como desafio profissional a redução dos programas e recursos para a área social e a possibilidade de estreitamento do mercado de trabalho. Os movimentos populares também vivenciam momentos de refluxo neste período de crise econômica, ideológica, social, política e cultural. A partir dos anos 90, as estratégias político-culturais acionadas pelas classes fundamentais na luta pela hegemonia tencionaram as bases históricas da função pedagógica do Serviço Social, com uma nova onda de conservadorismo. Nesse período, a implementação do projeto neoliberal no Brasil e os direcionamentos das lutas das classes subalternas passam a tencionar a construção do projeto profissional (MOLJO & CUNHA, 2009). Os anos 90 representaram um momento de inflexão no Serviço Social, já que todo o avanço teórico-metodológico e político que vinha se erguendo enfrentavam a hegemonia das políticas neoliberais que se chocavam diretamente com o projeto éticopolítico. 3.1 O SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE A inserção dos primeiros assistentes sociais diplomados na saúde no Brasil aconteceu já no final dos anos 30 e início de 40 e não contava com muitos profissionais. Segundo Iamamotto e Carvalho (2011), as primeiras iniciativas estão ligadas inicialmente à puericultura e à profilaxia de doenças transmissíveis e hereditárias. Dentre as funções exercidas eram de triagem, elaboração de fichas informativas sobre o cliente, distribuição de auxílios financeiros para possibilitar a ida do cliente à instituição médica, conciliação do tratamento e trabalho, o cuidado quanto aos fatores psicológicos e emocionais do tratamento e a adequação do cliente à instituição médica. As primeiras atuações profissionais em serviço social hospitalar ocorreram a partir do ano de 1942, no Hospital das Clínicas em São Paulo e no Hospital Artur Bernardes no Rio de Janeiro. O serviço social no Hospital do Trabalhador, no município de Curitiba/PR iniciou-se a partir de 1949 quando o mesmo ainda se denominava Sanatório Médico Cirúrgico do Portão, criado para o tratamento da tuberculose, mantido pela Fundação de Saúde Caetano Munhoz da Rocha e outros convênios. Nessa época, a atuação do setor de dava após a internação do paciente a fim de coletar dados sobre a situação socioeconômica. Nesta época no HT, a prática do serviço social era o ensino de bordado, corte e costura e trabalhos manuais visando à integração social, a melhora do individuo e a socialização de papeis (MULLER, 1982). Segundo Bravo & Matos (2007) a expansão do serviço social no país ocorre a partir de 1945, em decorrência das exigências e necessidades de aprofundamento capitalista e em função das mudanças na sociedade após o término da 2ª Guerra Mundial, fato este que ampliou consideravelmente a inserção dos assistentes sociais na saúde, tornando-o principal campo de absorção deste profissional. Serviço Social: direitos e políticas sociais 65 Série Sociedade e Ambiente Além do contexto sociopolítico da década de 40, para outro fator que explica a ampliação profissional na saúde se deu devido o “novo” conceito de saúde, elaborado em 1948 pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Este novo conceito enfocava aspectos biopsicossociais o que determinou a requisição de outros profissionais para atuar juntos à política de saúde, incluindo os assistentes socais. “O assistente social consolidou uma tarefa educativa com intervenção normativa no modo de vida da “clientela”, com relação aos hábitos de higiene e saúde, e atuou em programas prioritários estabelecidos pelas normas da política de saúde”. (BRAVO & MATOS, 2007, p. 29) Era enfatizado o trabalho com grupos - recreativos e de lazer – nos centros sociais e hospitais com a finalidade de “democratizar os seus membros” (FALEIROS, 2006 apud PAIM, 2007) e resolver problemas dos mesmos, possibilitava a integração dos valores da sociedade norte-americana e mais tarde também foi utilizado para fins terapêuticos no sentido de readequar e/ou reincluir o homem em seu meio. Outro fator importante para inserção desse profissional no campo da saúde refere-se à consolidação da Política Nacional de Saúde, que segundo Bravo e Matos (2009 p.199), por não se tratar de uma política universal, geravam uma contradição entre a demanda e o seu caráter excludente e seletivo. Nos hospitais, o assistente social vai atuar colocando-se entre a instituição e a população para viabilizar o acesso a essa política. “Para tanto, o profissional utiliza-se das seguintes ações: plantão, triagem ou seleção, encaminhamentos, concessão de benefícios e orientação previdenciária” (BRAVO & MATOS, 2007 p. 29). O desenvolvimento de comunidade (FALEIROS, 2006 apud PAIM, 2007) ou ideologia desenvolvimentista (BRAVO & MATOS, 2009) que foi importado dos EUA na década de 50 não influenciou tanto o trabalho profissional na saúde como em outras áreas, assim como as propostas racionalizantes na saúde como a medicina integral, a medicina comunitária a partir de 60, também não teve repercussão para o serviço social. Os profissionais se mantiveram como lócus central de sua ação os hospitais e ambulatoriais. Bravo e Matos (2007) acreditam que esses profissionais permaneceram com as mesmas práticas mesmo em meio ao processo desenvolvimentista do Brasil devido sua importante intervenção para lidar com a contradição entre a demanda e o caráter excludente e seletivo dos serviços de saúde da época. Serviço social de casos e ênfase na participação21 popular nas instituições e programas de saúde eram os principais procedimentos e técnicas utilizados pelo serviço social médico, como era chamado na época o serviço social na saúde. 23 O Serviço Social Médico como era denominado, não atuava com procedimentos e técnicas do DC, mas sim, e prioritariamente, com o Serviço Social de Casos, orientação inclusive da Associação Americana de Hospitais e da Associação de Assistentes Médicos Sociais (BRAVO & MATOS, 2007, p. 30). Entretanto, “serviço social assume postura desenvolvimentista valorizando a modernização, administração do bem-estar e planificação como soluções para o enfrentamento das questões emergentes” (BRAVO, 2011) somente no pós-1964. Os assistentes sociais foram absorvidos nos centros de saúde a partir de 1975. Neles, os serviços básicos eram de higiene pré-natal, infantil e pré-escolar, a 21 Entende-se por participação o engajamento do “cliente no tratamento”, de cunho individual e despolitizado. Serviço Social: direitos e políticas sociais 66 Série Sociedade e Ambiente tuberculose, a verminose e o laboratório, sendo a proposta principal a educação sanitária. Conforme Bravo e Matos (2007), a inserção dos assistentes sociais nos centros de saúde se deu tardiamente devido o fato dos visitadores executarem tais ações. Desde a sua criação até os anos 60, a profissão não apresentou polêmicas que rebatessem o bloco hegemônico conservador que dominava o ensino e o trabalho profissional, entretanto, a partir desta década iniciou-se um debate na profissão, capitaneado pelos setores vanguardistas denominado de movimento de reconceituação, que questionava o seu conservadorismo, principalmente as práticas assistencialistas e ajustadoras. Apesar dos questionamentos, o serviço social tendeu a uma perspectiva modernizadora e conservadora para o atendimento das demandas e para “adequar a profissão às exigências postas pelos processos sociopolíticos emergentes no pós-1964” (NETTO, 1996, apud BRAVO & MATOS, 2009). Com o golpe militar de 64 veio também o medo, a insegurança e as incertezas. Com este, os debates também foram abortados com a neutralização dos agentes sóciopolíticos que lideravam o movimento. A modernização conservadora implantada no país exigiu a renovação do serviço social, face às novas estratégias de controle e repressão das classes trabalhadoras efetivadas pelo Estado (BRAVO & MATOS, 2007). As influências da modernização política de saúde geraram a sedimentação das ações na prática curativa, enfatizando técnicas de intervenção, burocratização das atividades, psicologização das relações sociais e concessão de benefícios, práticas que perduraram até 1979, mesmo em período de ditadura. Entre 1974 a 1979, o serviço social na saúde não se altera, mesmo com todo processo organizativo da categoria, aprofundamento teórico e demais transformações da sociedade brasileira. A década de 80 foi marcada por grandes transformações, período este de grande mobilização política e também de acirramento da questão social devido à crise econômica pós-ditadura. Concomitantemente, emergiu um movimento significativo na saúde e no serviço social de ampliação do debate teórico e a incorporação de temas como o Estado e as políticas sociais fundamentadas pela ideologia marxista, conforme os autores citados a cima. O movimento sanitário torna-se uma experiência singular e rica no campo da luta em torno das políticas públicas e das suas implicações para o relacionamento Estado X sociedade, propondo como linha tática a ocupação dos espaços institucionais e a formulação e implementação ativa de políticas de saúde frente a crise previdenciária do Estado. A participação é elemento intrínseco, conferindo-se ao movimento sanitário o papel de agente “portador coletivo e obstinado da participação institucionalizada e permanente da sociedade na gestão do sistema de saúde, como elemento estratégico do processo de reforma da saúde” (CARVALHO, 1995, p. 49 apud MS, 2006, p. 41). Buscando reverter à lógica da assistência à saúde no país, a reforma sanitária apresenta quatro proposições para debate: [...] a saúde é um direito de todo cidadão, independente de contribuição ou de qualquer outro critério de discriminação; as ações de saúde devem estar integradas em um único sistema, garantindo o acesso de toda população a todos os serviços de saúde, seja de cunho preventivo ou curativo; a gestão administrativa e financeira das ações de saúde deve ser descentralizada para estados e municípios; o Estado deve promover a participação e o controle social das ações de saúde (MATTA, 2007, p.43). Serviço Social: direitos e políticas sociais 67 Série Sociedade e Ambiente Simultaneamente ao movimento da reforma sanitária, o serviço social intensifica seus debates em torno de questões interna da categoria, que ficou conhecido como O movimento de intenção de ruptura do serviço social tradicional. Entretanto, este movimento pouco influenciou na sua intervenção no cotidiano na área da saúde – o seu maior campo de trabalho – pois os profissionais desta vertente se inseriam nas universidades em sua grande maioria. A categoria chega à década de 90 ainda com uma incipiente alteração da prática institucional e contínua desarticulação do Movimento de Reforma Sanitária. Sobre isso, Maria Inês Souza Bravo (2011) destaca que o assistente social na saúde: […] tem sido, historicamente, um profissional subalterno e sua ação está diretamente relacionada à do médico, atuando geralmente de forma assistencial na saúde pública e no ajuste, desde a emergência do predomínio do modelo médico na medicina. Mesmo com o surgimento das propostas racionalizadoras e reformadoras para o setor, a contribuição dos assistentes sociais foi reduzida, continuando sua ação de caráter residual (BRAVO, 2011, p. 42). Apesar da desarticulação do serviço social na saúde com os acontecimentos da década de 80, a autora Bravo (2011) faz um balanço geral apontando para: a postura crítica dos trabalhos em saúde apresentados nos congressos de 85 e 89; a apresentação dos trabalhos nos Congressos Brasileiros de Saúde Coletiva; a proposta de intervenção formulada pela ABESS, ANAS22 CFAS para o serviço social no INAMPS e a articulação do CFAS com outros conselhos de saúde. Na década de 90, o projeto neoliberal é implantado no Brasil confrontando diretamente com o Projeto ético-político do serviço social e com o projeto da reforma sanitária, por ser contrário aos princípios desses projetos (BRAVO e MATOS, 2009). Diante desta nova conjuntura neoliberal, o serviço social da saúde sofre forte influência, pois se identificam conflitos entre dois projetos políticos nesta área, o projeto Político econômico privatista e o da reforma sanitária. Segundo os autores, as demandas que o projeto privatista trouxe ao serviço social foram: seleção socioeconômica dos usuários, atuação psicossocial através de aconselhamentos, ação fiscalizadora, predominância da ideologia do favor e de práticas individuais. O projeto da reforma sanitária exige que sejam trabalhadas questões como busca de democratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde, atendimento humanizado, estratégias de interação da instituição de saúde com a realidade, interdisciplinaridade, ênfase nas abordagens grupais, acesso democrático às informações e estímulo a participação cidadã (BRAVO e MATOS, 2009). Os mesmos autores afirmam que o debate do serviço social na saúde vem acompanhado de uma referência ao projeto da reforma sanitária e ao Projeto Éticopolítico Profissional, por mais que não explicitamente. Tal afirmação está justificada devida à dificuldade de sistematizar a intervenção profissional de forma escrita, pois os trabalhos que mais tem visibilidade são aquele que não realizam reflexões sobre o cotidiano e que estão norteados pelo Projeto Ético-político Profissional e Reforma Sanitária. Por isso, na contemporaneidade, sistematizar e caracterizar a intervenção dos profissionais do serviço social na área da saúde tem sido tema de diversas obras que compõe a extenso acervo bibliográfico do serviço social, objeto de pesquisa de muitos 24 22 Associação Nacional dos Assistentes Sociais, entidade atualmente desativada, que congregava os sindicados da categoria, segundo Bravo e Matos (2007). Serviço Social: direitos e políticas sociais 68 Série Sociedade e Ambiente autores23 que escolheram esse campo da atuação profissional para analisá-lo e contribuir como material teórico-metodológico para a categoria, entre eles, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). Em 2009, este órgão federal elaborou um documento intitulado “Parâmetros para a Atuação de Serviço Social na área da saúde”, que veio de encontro às reivindicações antigas da categoria quanto a orientações gerais a cerca das demandas identificadas no cotidiano do trabalho no setor saúde e àquelas que ora são requisitadas pelos usuários dos serviços ora pelos empregados desses profissionais no setor saúde (CFESS, 2009, p. 7). Este documento do CFESS expressa às ações desenvolvidas pelos assistentes sociais na saúde na perspectiva de apontar as atribuições e competências dos profissionais nessa política pública. A inserção dos assistentes sociais na saúde é reconhecida por diferentes publicações e documentações do CFESS, entre eles a Resolução nº. 383 de 29/03/1999, que caracteriza o assistente social como profissional da saúde. Diversos Conselhos Regionais também abordam as atribuições e competências profissionais do serviço social na saúde, assim como documentos publicados de diversas secretarias municipais e estaduais e pelo Ministério da Saúde. Na perspectiva tradicional, a saúde é identificada como “ausência relativa de doença, típica das instituições médicas” (LUZ, 1991 apud MIOTO e NOGUEIRA, 2006, p. 222). Contudo, contemporaneamente, utiliza-se a concepção ampliada de saúde, na qual seu objeto de intervenção fica mais evidente: 25 […] ressalta-se a concepção ampliada de saúde, considera como melhores condições de vida e de trabalho, ou seja, com ênfase nos determinantes sociais; a nova organização do sistema de saúde por meio da construção do SUS, em consonância com os princípios da intersetorialidade, integralidade, descentralização, universalização, participação social e redefinição dos papeis institucionais das unidades políticas (União, Estado, municípios, territórios) na prestação dos serviços de saúde; e efetivo financiamento do Estado. (CFESS, 2009, p. 11) Segundo Mioto & Nogueira (2006, p. 222) a expansão dos direitos a cidadania, a preocupação com a universalidade, com a justiça social e o papel do Estado na provisão da atenção social são pontos comuns que merecem destaques. Nessa breve abordagem podemos observar termos éticos, políticos, institucionais e técnicos assistenciais tanto nos princípios e diretrizes da Reforma Sanitária, no SUS, no Código de Ética Profissional do Assistente Social e no Projeto Ético Político, que as autoras denominam de questões centrais intrinsecamente relacionadas entre si (MIOTO & NOGUEIRA, 2006). Analisando os valores com um olhar mais critico e profundo, podemos chegar a um ponto em comum em todos os documentos e leis aqui já referenciados, o embate contra a questão social, que chega para a intervenção do assistente social no setor da saúde sob a ótica de demanda “explicita”, “implícita” ou “reprimida”24 , mas que todas 26 23 Consultar BRAVO (2006, 2007, 2011), COSTA (2000), MATOS (2003), MIOTO & NOGUEIRA (2006) e VASCONCELOS (1993, 2011). 24 A autora Vasconcelos traz uma abordagem sobre esses termos ressaltando que demanda reprimida diz respeito à população que não chega a receber atendimento na instituição por diversos fatores, a exemplo falta de leitos nos hospitais. As demandas explícitas são as próprias demandas manifestas nos atendimentos, busca de acesso aos serviços e recursos, podendo ser identificadas como demandas coletivas ou individuais. Quanto à demanda implícita Serviço Social: direitos e políticas sociais 69 Série Sociedade e Ambiente requerem a investigação crítica da realidade para a compreensão dos determinantes sociais, econômicos e culturais que interferem no processo saúde/doença, sendo estas ações caracterizadas como função social e objetivo do serviço social na saúde (CFESS, 2009, p. 16). Assim, tanto o Projeto Ético Político da Profissão pauta-se na perceptiva da totalidade social e tem na questão social a base de sua fundamentação, quanto ao conceito ampliado de saúde contido na CF1988 como na LOS ressaltam as expressões da questão social como objeto de intervenção profissional ao apontar que: [...] a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, Art. 196º). E ao indicar fatores determinantes e condicionantes da saúde: [...] entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (BRASIL, 1990, Art. 3º). Segundo Iamamoto (1982) expressões da questão social devem ser compreendidas como o conjunto das desigualdades das sociedades capitalistas, que se manifestam por meio das determinações econômicas, políticas e culturais impactando as classes sociais, cuja maior incidência recai para a classe trabalhadora devido à superexploração do capital. Dentro da perspectiva até aqui abordada, não há como pensar em intervenção profissional sem ter como eixo central para sua ação a adoção da investigação dos determinantes sociais, assim como para a necessária intersetorialização das políticas sociais na garantia da saúde, planejamento das ações e capacitação continuada aos profissionais envolvidos. Conforme Vasconcelos (2009), destacamos a necessidade de qualificar ações que mobilizem e impulsionem novas maneiras de realizar a prática do serviço social na área da saúde, tendo como referência a saúde como um direito universal, o controle social e o Projeto Ético Político do Serviço Social brasileiro. Profissionais que tem como base fundantes da sua intervenção a questão social objetivam romper com práticas conservadoras que reproduzem as formas capitalistas de agir e pensar para empreender práticas que vão além de possibilitar acesso a bens e serviços, mas que “resultem num processo educativo” (VASCONCELOS, 2009, p. 243). Nesta análise, cabe salientar que a postura dos profissionais do serviço social na saúde se coloca: […] passivos, dependentes, submissos e subalternos ao movimento das unidades de saúde – às rotinas nas instituições, às solicitações das direções de unidade, dos demais profissionais e dos serviços de saúde, aceitando ainda, como únicas, as demandas explícitas dos usuários – resultam numa recepção está relacionada às demandas que extrapolam o controle burocrático dos serviços institucionais, exigem uma instrumentalidade do profissional de captar o que está oculto na queixa ou problema do usuário (VASCONCELOS, 2009). Serviço Social: direitos e políticas sociais 70 Série Sociedade e Ambiente passiva das demandas explícitas dirigidas as Serviço Social, o que determina a qualidade, quantidade, caráter, tipo e direção do trabalho realizado pelos assistentes sociais (VASCONCELOS, 2009, p. 246). A autora ainda ressalta que a própria forma de organização do trabalho profissional do serviço social nas unidades de saúde propicia “ações com um fim em si mesmo”, onde o plantão social se caracteriza: […] por ser uma atividade receptora de qualquer demanda da unidade/usuários; funciona na maioria das vezes em locais precários quanto ao tamanho, localização e instalação. Assim um ou mais assistentes sociais, num mesmo espaço físico, aguardam serem procurados – de forma passivapor usuários que buscam espontaneamente ou são encaminhados ao plantão do serviço Social; encaminhamentos realizados por profissionais, funcionários, serviço da unidade, serviços externos […] (VASCONCELOS, 2009, p. 246). No plantão social, os usuários e famílias são atendidos na sala do serviço social ou junto ao leito do próprio usuário, onde ele é recebido e ouvido e encaminhado para recursos externos ou internos tendo como parâmetro “o bom andamento da rotina institucional”. A crítica central não é quanto à forma de atendimento, individual ou não, ou no instrumento e/ou ação interventiva, seja ela constituída de orientações diversas, encaminhamentos, esclarecimentos, informações, providências, apoio ou aconselhamento. E sim, pela ausência de estudos sobre as demandas dos usuários e institucionais e pelo plantão social “não se constitui num serviço ou atividade pensada, planejada, organizada, reduzindo-se a ações isoladas desenvolvidas pelo assistente social para resolver problemas do usuário” (VASCONCELOS, 2009, p. 248). A autora ainda completa sua reflexão quando expõe que a prática dos assistentes sociais no plantão social reduz-se a uma prática burocrática, não assistencial que segue mecanicamente normas impostas pelo regulamento institucional que referenda a complicação e morosidade da coisa pública burocratizada, que inviabiliza o acesso dos usuários a serviços e recursos enquanto direito social. A própria postura do profissional subjuga o trabalho ao movimento interno da unidade de saúde, tornando suas ações complementares às ações dos demais profissionais e em ultima instância funcionais à ordem social vigente (VASCONCELOS, 2009). Por fim, a necessidade de identificar e priorizar as demandas de trabalho, formulando e implementando propostas e estratégias para o enfrentamento da questão social - plano de fundo das leis regias dos diferentes segmentos da população, do SUS, do Código de Ética e do Projeto Ético-Político da Profissão – colocando-as como referências concretas para a ação profissional que propicie a construção permanente do movimento da realidade do objeto da ação, gerando condições para a intervenção, um exercício profissional consciente, critico criativo e politizante. 4 A INTERVENÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NO HOSPITAL DO TRABALHADOR Neste capítulo apresentaremos os resultados das análises da pesquisa qualitativa, conforme análise de discurso das entrevistas das assistentes sociais do Pronto Socorro do Hospital do Trabalhador, assim como o resultado revelado por meio Serviço Social: direitos e políticas sociais 71 Série Sociedade e Ambiente da pesquisa quantitativa dos dados obtidos do Livro de Atendimento Diário do Serviço Social do setor. Na pesquisa qualitativa, a metodologia de pesquisa previu a realização de entrevistas semiestruturadas com três profissionais do serviço social do Pronto Socorro do Hospital do Trabalhador. As entrevistas foram realizadas como previstas no cronograma e de acordo com a metodologia. As categorias de análise eleitas para o estudo foram contempladas nos objetivos específicos, sendo estas: Compreensão que os Assistentes Sociais do HT possuem sobre o Projeto Ético Político e sobre os Princípios do SUS; Avanços da intervenção profissional frente ao Projeto Ético Político e Princípios do SUS; Desafios da intervenção profissional frente ao Projeto Ético Político e Princípios do SUS; A intervenção profissional no HT nas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. Desta forma, selecionamos quatro categorias a serem analisadas, sendo a primeira categoria visando levantar aspectos quanto à compreensão que os Assistentes Sociais do HT possuem sobre o Projeto Ético Político e sobre os Princípios do SUS; a segunda e a terceira categoria escolhida referem-se quanto aos avanços e desafios da intervenção profissional frente ao Projeto Ético-Político e Princípios do SUS; e a quarta e última categoria trará elementos para caracterizar e analisar a intervenção profissional no HT nas dimensões teórica-metodológica, ético-política e técnico-operativa segundo o discurso das profissionais entrevistadas. Duas das assistentes sociais escolhidas para as entrevistas escolheram para a sua identificação na pesquisa seus próprios nomes, sendo elas Maria e Karina. A terceira assistente social optou por um nome fictício, Cristiane. Maria graduou-se em serviço social no ano de 2000 e atua como assistente social no HT desde 2004, sendo servidora pública estadual. Recentemente cursou a especialização em Administração Hospitalar. Karina formou-se em 2005 pelas Faculdades Integradas Espírita do Paraná fez especialização em Gestão Social – uma abordagem técnica-operativa em gestão social. Estagiou no PS/HT por dois anos quando acadêmica de serviço social, sendo posteriormente efetivada e compondo o quadro de funcionários celetistas da FUNPAR. Atualmente, também trabalha como assistente social no Centro de Atendimento Integral ao Fisurado Labio Palatal – CAIF. Cristiane, recém formada em 2011, ainda não se matriculou em nenhuma pósgraduação. Estagiou no PS HT em todo período de estágio curricular obrigatório, sendo contratada pela FUNPAR há apenas duas semanas. As três profissionais citadas foram selecionadas para as entrevistas como sujeitos significantes da pesquisa, cumprindo os requisitos de profissional com vínculo servidor público de mais tempo de formação, profissional com vínculo CLT e uma assistente social recém-formada do quadro de profissionais do PS HT. Cabe pontuar que as assistentes sociais escolhidas para pesquisa dentro dos requisitos apresentados não representam a totalidade do quadro de funcionários e sim, as profissionais do turno da tarde que estavam disponíveis para a pesquisa na data; a mais antiga na profissão, com aproximadamente 20 anos, estava de Licença Premio no momento das entrevistas. A seguir, apresentaremos as categorias de análise, a partir dos discursos das entrevistadas. Serviço Social: direitos e políticas sociais 72 Série Sociedade e Ambiente 4.1 ANÁLISE DA PESQUISA QUALITATIVA CATEGORIA 1 - Compreensão que os Assistentes Sociais do HT possuem sobre o Projeto Ético-Político e sobre os Princípios do SUS. “É a garantia dos direitos do paciente com a saúde que ele tem, que é uma das garantias do SUS. […] o paciente quando ele vem aqui ele tem que ter um atendimento integralizado. Tudo quanto ele precisar ele tem que ser atendido no SUS”. (Maria) “A gente é o respaldo das famílias em orientação clínica que a família tem direito e toda parte de direitos universais dos usuários que nós atendemos aqui. […] nos corremos atrás dos direitos de todos eles, só que por ser uma demanda muito grande acaba sendo demorado e as coisas acabam sendo mais difícil de conseguir e de consolidar. Mas a gente luta pra que seja viabilizado todos os direitos deles. […] ter um atendimento mais sigiloso que a gente não consegue pelo fato da demanda ser muito grande, então isso que é uma das coisas que está dentro do nosso código de Ética e que a gente não consegue realizar aqui”. (Karina) “[…] eu acho que dentro da nossa profissão a gente tem que ter essa ética, tem que ter esse comprometimento com o usuário, mas só que falta, e essa falta de tudo isso, desde espaço adequado, profissionais pra que você consiga trabalhar com o usuário. Sem isso você não consegue fazer um trabalho com que os direitos desses usuários sejam atendidos”. (Cristiane) Podemos observar que nos trechos citados acima, as três profissionais mencionam a palavra direito, porém em seu sentido mais amplo e genérico. Os princípios de integralidade e equidade aparecem mais claramente na fala da entrevistada Maria quando ela se refere à rede de serviços, que deve estar atenta às necessidades reais da população a ser atendida. As demais profissionais não conseguem exprimir em suas falas elementos que apontem diretamente para os princípios do SUS. Quanto ao Projeto Ético Político Profissional, Cristiane traz elementos como ética, comprometimento, espaço adequado e Karina menciona atendimento sigiloso, que são questões inseridas no Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais, e que a própria assistente social tem claro que não consegue desenvolver na íntegra. Cristiane também relata perceber que falta algo para trabalhar em sintonia com os princípios do Projeto Ético Político e do SUS. Porém, quanto ao projeto profissional, numa perspectiva mais ampla (relacionado à mudança societária, a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero), nenhuma das entrevistas mostrou o entendimento do projeto como uma direção no sentido da emancipação dos indivíduos, autonomia, liberdade, articulado com a sua prática profissional, tanto que o mesmo nem foi abordado em seus relatos. Para analisar tais discursos, buscamos na literatura do serviço social elementos que nos auxiliem a compreender ou explicar o que a pesquisa nos expõe quanto as presentes respostas das profissionais. O primeiro elemento a ser considerado é o tipo da demanda que lhe é posta. Observamos nos relatos das entrevistadas a palavra demanda sendo abordada em praticamente todas as respostas. Para Vasconcelos (2011), trabalhar as demandas imediatas - a dor, o sofrimento, a falta de tudo, a morte, da perda, falta de condições de vida – sem perder a perspectiva de médio e longo prazo, é um dos grandes conflitos enfrentados pelos assistentes sociais no âmbito hospitalar. Esse exercício de olhar a demanda imediatista e intervir de forma a transformála em demanda coletiva, requer uma consciência crítica apurada e instrumental teórico- Serviço Social: direitos e políticas sociais 73 Série Sociedade e Ambiente técnico necessário para apreender a lógica social capitalista, considerando os interesses e necessidades históricas da classe trabalhadora, assim como a devida compreensão dos princípios norteadores, tanto da política como da profissão. O segundo elemento que consideramos importante abordar é o fato da profissão do serviço social estar inserida no centro das tensões entre capital X trabalho (NETTO, 2011), tanto como executoras de políticas públicas quanto classe trabalhadora. Consideremos que o trabalho cotidiano no âmbito institucional público é fortemente regulado pelas lógicas nucleares das profissões, tais como as normatizações específicas e os atos privativos, implicando uma tensa arena de interesses corporativos, por vezes contrários ao Projeto de Reforma Sanitária (CLOSS, 2012, p. 37). Esse elemento indica que as profissionais envolvem-se na atuação profissional a ponto de focar os aportes técnicos e operativos de modo que os exercícios dessas reflexões macroestruturais fiquem a margem de seus discursos e ações. Os assistentes sociais como executores das políticas sociais, nem sempre percebem que as demandas do Estado muitas vezes não reforçam as dos cidadãos (VASCONCELOS, 2011, p. 23). E nessa ótica, fazendo com que se cumpram as normas institucionais, afastam-se do objeto da profissão e de sua verdadeira identidade profissional. Outro aspecto consiste na apreensão da dimensão teleológica do trabalho (MARX, 2004 apud CLOSS, 2012), ou seja, o plano da intencionalidade, que, no caso dos trabalhadores da saúde, se insere diretamente no campo da disputa de projetos para esse setor – Projeto de Reforma Sanitária e o da Contra Reforma, indissociável de projetos societários. Nesta dimensão do trabalho em que se insere o serviço social, o mesmo pode reforçar tendências regressivas no campo do direito social ou, estrategicamente, fortalecer o Projeto de Reforma Sanitária, contribuindo para a consolidação de uma contra hegemonia no setor saúde. Observa-se uma linha tênue entre combater ou reforçar os projetos societários distintos. Entretanto, ainda que surgido no universo das práticas reformistas integradoras que visam controlar e adaptar comportamentos, moldar subjetividades e formas de sociabilidades necessárias à reprodução da ordem burguesa, o serviço social também se situa no campo da ampliação das funções democráticas do Estado, fruto das lutas de classes, da defesa da universalidade de acesso a bens e serviços, dos direitos sociais e humanos, das políticas públicas e da democracia. Portanto, quando os princípios norteadores da profissão, encontrados no Código de Ética e no Projeto Ético Político, assim como nos princípios do SUS, são observados e tidos como claros na concepção do assistente social, este passa a atuar em prol da classe trabalhadora, na defesa e garantia dos seus direitos, trabalhando a emancipação desta classe através de uma intervenção voltada para o coletivo. Tal dimensão demarca que a apreensão dos significados dos princípios do Projeto Ético Político da Profissão e do SUS, não abordados claramente no discurso das profissionais, representam o trabalho na sua dimensão abstrata (MARX, 2004 apud CLOSS, 2012), pois esse se materializa pela mediação do mundo/mercado de trabalho e da gestão do trabalho no SUS, imprimindo-lhe configurações diversas que tensionam sua intervenção, onde os processos de precarização do trabalho impedem que princípios norteadores sejam observados e consolidados no interior do setor saúde. Serviço Social: direitos e políticas sociais 74 Série Sociedade e Ambiente CATEGORIA 2 - Avanços da intervenção profissional frente ao Projeto Ético Político e Princípios do SUS. “Hoje o que eu observo aqui dentro é a parte física do hospital que foi reformada, essas coisas […] mas o que melhorou desde que eu to aqui[…] pra mim permanece a mesma coisa. o HT ele tá bem estruturado, hoje ampliou as UTI’s, ampliou o centro cirúrgico, foi reformado ampliando quartos”. (Maria) “Então, avanço eu posso te falar que não teve, porque a cada dia que passa aumenta mais a demanda do hospital, aumenta mais o número de leitos e não aumenta o número total de funcionários, tanto da parte do serviço social como de toda a equipe multiprofissional”. (Karina). “Eu acho que a gente não conquistou muito. Acho que está sendo aos poucos […] eu acho que a melhoria ai do hospital, ampliação... mas eu acho que falta muitos profissionais ainda pra que você possa trabalhar junto ao usuário os benefícios, encaminhamentos, fazer mesmo o papel do serviço social da orientação. Eu acho que a gente avançou muito pouco. Eu acho que precisa de mais profissionais, né, para vc conseguir trabalhar com as famílias”. (Cristiane). Quando questionadas sobre os avanços da intervenção profissional, relacionado aos princípios do SUS e do projeto da profissão, as três assistentes sociais se referiram a questões no âmbito institucional relatando em seus discursos que não observaram avanços significativos para a intervenção do serviço social. Em sua fala, Maria relata que “pra mim permanece a mesma coisa” (sic), apresentando assim a desconexão da sua intervenção com o âmbito macroestrutural, a política nacional onde seu campo de trabalho atua diretamente, limitando-se apenas ao nível prático de suprir a demanda usuário/SUS. Cabe pontuar que esta profissional está há mais tempo na profissão e em especial no HT, que já esteve atuando em outras gestões de governo e poderia ter trazido em sua fala mais detalhes, porém, sua fala foi apolítica. Observamos nos três discursos elementos como estrutura física, alta demanda e falta de funcionários como condicionantes para os avanços da intervenção profissional frente ao Projeto Ético Político e Princípios do SUS. Vamos analisar as respostas, tomamos como base a instrumentalidade no exercício profissional, a qual se refere “a uma determinada capacidade ou propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no processo sócio-histórico” (GUERRA, 2000, p 5). Para a autora citada, a instrumentalidade no exercício profissional do assistente social é uma propriedade ou um determinado modo de ser que a profissão adquire no interior das relações sociais, no confronto entre as condições objetivas e subjetivas do exercício profissional, e como uma propriedade sócio-histórica da profissão, por possibilitar o atendimento das demandas e o alcance de objetivos (aqui, os objetivos de consolidar os princípios em tela). Levando em conta a instrumentalidade adquirida, que por meio desta os assistentes sociais modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes no cotidiano (GUERRA, 2000, p. 6), observamos no discurso das entrevistadas uma desarticulação entre a prática profissional idealizada e as possibilidades do real, limitadas pelos próprios percursos do cotidiano. Na medida em que os profissionais utilizam, criam, adéquam às condições existentes, transformando-as em meios/instrumentos para a objetivação das Serviço Social: direitos e políticas sociais 75 Série Sociedade e Ambiente intencionalidades, suas ações são portadoras de instrumentalidade (GUERRA, 2000, p. 7). Deste modo, a instrumentalidade é tanto condição necessária de todo trabalho social quanto categoria constitutiva, um modo de ser, de todo trabalho. Segundo Guerra (2000, p. 7): Pelo processo de trabalho os homens transformam a realidade, transformamse a si mesmo e aos outros homens. Assim, os homens reproduzem material e socialmente a própria sociedade. A ação transformadora que é práxis (ver Lessa, 1999 e Barroco, 1999), cujo modelo privilegiado é o trabalho, tem uma instrumentalidade. Detém a capacidade de manipulação, de conversão dos objetos em instrumentos que atendam as necessidades dos homens e de transformação da natureza em produtos úteis (e em decorrência, a transformação da sociedade). Mas a práxis necessita de muitas outras capacidades/propriedades além da própria instrumentalidade. Quando as profissionais afirmam não obter avanços na intervenção profissional apontando os limites sem a intenção de superá-los, como mostram as respostas, identificamos o risco de uma prática funcional que não caminha na direção proposta no debate hegemônico da profissão. Verificamos em outros trechos a intenção de ajudar, como na fala de Cristiane: “Agente tenta trabalhar isso, tenta ajudar os usuários mais ainda é muito pouco” (sic). Para Vasconcelos (2011) esta tentativa de ajudar o usuário é a crença de que na organização social capitalista é possível humanizar os conflitos das relações sociais. Isso faz com que os assistentes sociais acreditem que estão trabalhando na defesa dos direitos dos usuários sem a consciência de que suas ações impedem que os mesmos constituam-se como sujeitos históricos e lutem por seus direitos sociais. Para Iamamotto (2009) esta prática é tida como uma relação singular entre o assistente social e o usuário, desvinculada da questão social e das políticas públicas, enraizadas em um positivismo camuflado sob um discurso marxista. A autora ainda ressalta que este profissional aparentemente sabe fazer, mas não consegue explicar as razões, o conteúdo, a direção social e os efeitos de seu trabalho na sociedade. Vejamos este outro relato, agora da assistente social Maria: “[…] nós não somos assistentes sociais, eu considero que nos fazemos um serviço social atendendo o familiar, porque a palavra assistente social pra mim ela é meio como todo mundo entende, que você tá aqui pra mi auxiliar, você tá aqui pra mi ajudar, pra me dar uma cesta básica, como eu já ouvi isso aqui dentro... mas não! nós estamos aqui pra atender um serviço e ensinar ele quais são os caminhos que ele deve buscar” (Maria). O relato revela um discurso confuso, dotado de uma frágil identidade com a profissão, na qual a própria profissional não tem claro a teleologia da profissão, o que a reduz para um nível técnico, contribuindo consciente ou inconscientemente para uma prática funcional à ordem capitalista. Observamos também, na última frase deste trecho, uma intenção à emancipação e autonomia do sujeito. Nessa conjuntura, cabe analisarmos sob a seguinte hipótese formulada por Fernandes (apud VASCONCELOS 2011, p. 30): […] a maioria dos assistentes sociais inseridos no mercado de trabalho, independentes de sua área de atuação, tem uma postura política – pelo menos Serviço Social: direitos e políticas sociais 76 Série Sociedade e Ambiente na intenção – favorável aos usuários de seus serviços. Apesar disso, não tem tido condições objetivas – a partir de uma leitura crítica da realidade específica com a qual trabalham, enquanto parte e expressão da realidade social – de captar as possibilidades de ação contidas nessa realidade, visto que não se apropriaram ou não estão se apropriando do referencial teórico necessário, com qualidade suficiente para uma análise teórico-crítica da sociedade na sua historicidade, o que vem impossibilitando a previsão, projeção e consequentemente a realização de um trabalho que rompa com práticas conservadoras. Sem identificar os avanços, de prever, captar e priorizar demandas reais e potenciais, conforme afirma Vasconcelos (2011), o assistente social vem frequentemente negando ou transformando novas e antigas demandas em obstáculos à intervenção profissional. CATEGORIA 3 - Desafios da intervenção profissional frente ao Projeto Ético Político e Princípios do SUS. “Considero que nos deveríamos ter a farmácia popular, mas que atendesse somente os pacientes internados[…] Nos não temos o acompanhamento... Falta uma rede social mais consolidada fora do hospital... só questiono aquela parte que o paciente deveria estar saindo com a medicação e acredito que fora deveria estar um pouco mais organizado”. (Maria). “Eu acho que somos poucas profissionais pra fazer um atendimento de qualidade, com calma, pra que a gente possa intervir mais, que a gente possa fazer uma entrevista social, pra que a gente possa identificar as dificuldades, pra que a gente possa intervir e pra que a gente possa mediar. É aquilo que eu já falei mesmo, um maior número de funcionário para poder atender a demanda com maior qualidade. De repente ter uma assistente social para cada setor; acho que é uma coisa que a gente sempre tenta conquistar e que até hoje a gente não conquistou. Ter um atendimento mais sigiloso que a gente não consegue pelo fato da demanda ser muito grande... Então tem muitas coisas que não compete a gente, atribuições que não compete a gente e que a gente acaba fazendo, sendo que não é certo. Então é uma coisa que a gente tem que brigar ainda que até hoje ainda não deu certo”. (Karina). “Falta muito, como eu te falei, falta profissionais, falta um espaço adequado pra atendimentos com famílias, profissionais não só de serviço social, mas profissionais de toda área e capacitação deles para você conseguir atender melhor a família. Pra você começar um atendimento e terminar esse atendimento”. (Cristiane). As respostas das entrevistadas, de modo geral foram parecidas em seus aspectos em relação à categoria anterior traçando os mesmos elementos – estrutura física, pessoal e demanda - quanto aos desafios da intervenção profissional frente ao Projeto Ético-Político e Princípios do SUS. Note que em nenhuma das respostas os princípios do SUS de integralidade, universalidade e equidade são mencionados diretamente, assim como os valores éticos do Projeto Ético-Político da profissão. Para os autores Marçal & Getúlio (2011) os principais desafios para os profissionais do serviço social é abrir possibilidades de mudanças, tanto para o reconhecimento da profissão, como também para a transformação concreta do real. Expressar os objetivos, assim como os avanços e os desafios para a intervenção profissional é fundamental, mesmo que não se tenha a certeza de serem alcançados, pois Serviço Social: direitos e políticas sociais 77 Série Sociedade e Ambiente qualquer ação humana está condicionada ao momento histórico em que ela é desenvolvida, a qual está inserida numa realidade social “complexa, heterogênea e os impactos de qualquer intervenção dependem de fatores que são externos a quem quer que seja – inclusive ao Serviço Social” (MARÇAL & GETULIO, 2011, p. 124). Como salienta Iamamoto (2008), reconhecer as possibilidades e limitações históricas, dadas pela própria realidade social, é fundamental para que o profissional não adote uma postura fatalista (acreditar que a realidade já está dada e não pode ser mudada), ou nem uma postura messiânica (achar que o Serviço Social é o “messias”, que é a profissão que vai transformar todas as relações sociais). É importante ter essa compreensão para clarificar os objetivos da nossa intervenção, em outras palavras, os objetivos da ação profissional. A pesquisa aponta para uma postura fatalista, seguindo a análise dos relatos que colocam como avanços e desafios os mesmos elementos, um olhar para uma intervenção endógena (de dentro para dentro), rodando em círculos, sem articulação com uma visão ampliada – macroestrutural-, relação de classes, sistema capitalista, conectada com os princípios norteadores da profissão e da política pública em tela. Se partirmos do pressuposto que cabe ao profissional apenas ter habilidade técnica de trabalhar a demanda que lhe é posta, por meio dos instrumentais de trabalho, limitada pelas contradições do sistema capitalista, perderemos a dimensão do por que intervir, investigar e lutar para transformar a realidade. Para Vasconcelos (2011) a prática se torna mecânica, repetitiva, burocrática. Mais do que meramente aplicar técnicas, o diferencial de um profissional é saber adaptar sua intervenção às necessidades que precisa responder no seu cotidiano, sendo criativo, eficaz e eficiente para contornar os obstáculos, ou seja, rever as estratégias de ação. [...] se caracteriza como um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir das demandas emergentes no cotidiano. Enfim ser um profissional propositivo e não executivo. (IAMAMOTO, 2008, p.20). O desafio é redescobrir alternativas e possibilidades para o trabalho profissional, sem conformismos ou fatalismos, traçando horizontes para formulações de propostas que façam frente a questão social, para assim lutar coletivamente na defesa dos direitos sociais que foram conquistados na Constituição Federal de 1988. Muitos profissionais ainda permanecem com uma visão distorcida e distante do discurso da verdadeira práxis social, pautando-se no minimalismo e em ações imediatistas; estes profissionais acabam fragilizando, despolitizando e fragmentando a luta construída coletivamente, enfocando a teoria e a prática como entidades desconexas. Para Guerra (2000), o Serviço Social se estabelece como uma profissão que tem por princípio central a emancipação da sociedade, através do acesso aos direitos sociais dos usuários por meio das políticas públicas, a qual só será possível por meio de um respaldo teórico critico reflexivo destes profissionais, materializado pelo compromisso com o Projeto Ético Político, tendo nas expressões da questão social os seus objetos de trabalho. Todavia, ao assumir o Projeto Ético Político, o profissional pactua também a luta contra a ordem social vigente, o compromisso de atuar contra corrente, criando bases e caminhos direcionados à transformação. Sendo assim, o Projeto Ético Político Serviço Social: direitos e políticas sociais 78 Série Sociedade e Ambiente além de norte e referência para profissão, propicia a compreensão da prática, no sentido da transformação coletiva e na promoção de mudanças, avançando de forma qualitativa a prioridade na atuação com os seus usuários. Assim, pautando-se nos princípios norteadores da profissão e do SUS, os assistentes sociais de forma crítica fazem do seu cotidiano um agir comprometido com a universalização do acesso aos direitos, enfocando a legitimação social da profissão, mesmo em meio a contradições. CATEGORIA 4 - A intervenção profissional no HT nas dimensões teóricametodológica, ético-política e técnico-operativa. […] o serviço social ele é importante dentro dessa área da saúde, é muito importante dentro do HT, porque se não houvesse o serviço social pra organizar[…] Eu vejo uma importância muito grande do serviço social dentro do hospital e não só como parte social, mas também como uma parte médica, como parte de hotelaria de hospital[…] Quanto à intervenção do serviço social é importante mais às vezes também pra agilizar o tempo de permanência do paciente aqui dentro[…] que libera mais cedo um leito para receber mais ...nos estamos aqui pra atender um serviço e ensinar ele quais são os caminhos que ele deve buscar[…] São pacientes que entram pelo SIATE, são pacientes que vem de procura direta, recebe o atendimento e vão embora. (Maria). Considerando a intervenção profissional do assistente social enquanto sua teleologia e contribuição no processo de reprodução social, sendo constituía a partir de três dimensões fundamentais: teórico-metodológico – a justificativa que responde ao “por que fazer”; ético-político – a finalidade que se refere ao “para que fazer”; e a técnico-operativo – operacionalidade que remete-se ao “como fazer” (PAULA, 2009). Para Guerra (2007 p. 203): O serviço social possui modos particulares de plasmar suas racionalidades que conformam um “modo de operar”, o qual não se realiza sem instrumentos técnicos, políticos e teóricos, tampouco sem uma direção finalística e pressupostos éticos, que incorporam o projeto profissional. Desta forma, quando o assistente social desenvolve qualquer intervenção profissional, estão presentes nela suas referências teóricas e metodológicas - os seus valores éticos e a sua concepção política, e o instrumental técnico-operativo escolhido, absolutamente interligado. Seguindo está lógica para a análise, vemos nos trechos acima, elementos da dimensão ético-política (para que fazer) que apontam para uma prática de cunho reformista, que visa adequar o usuário para que o seu comportamento não atrapalhe o funcionamento da instituição. Também pode ser entendida como uma postura que fortalece o projeto privatista, pois mantém uma prática focalista, sem o movimento crítico/reflexivo que desenvolve em seu exercício profissional e o descompromisso ético-político de ruptura com a ordem societária burguesa. Assim, ao analisarmos o trecho acima, no qual a profissional entende sua intervenção no sentido de “organizar”, assemelhando-se aos serviços de “hotelaria” para “agilizar o tempo de permanência”, vemos uma postura ético-política que reforça as práticas conservadoras e a racionalidade institucional burocrática. Serviço Social: direitos e políticas sociais 79 Série Sociedade e Ambiente Para a autora Paula (2009), o serviço social não é solicitado pelas organizações e instituições apenas pelo caráter técnico-especializado dos assistentes sociais em sua intervenção profissional, e sim, convocado essencialmente pelas funções educativas, moralizadoras e disciplinadoras que mediante um suporte administrativo-burocrático, pode exercer junto ao publico alvo de tais instituições (IAMAMOTTO, 2009). Vejamos a seguir novos elementos na fala das assistentes sociais que justificam nossa interpretação: […] fazemos reintegração familiar, a gente faz também na questão de intervir na dependência química, vamos intervir também na parte de preparo para alta domiciliar[…] a gente acaba atendendo muito o imediato e acaba não podendo fazer um trabalho com qualidade. (Karina). […] nosso cotidiano é ver as necessidades dos usuários, acolher e orientar sobre os benefícios […] é uma rotina bem repetitiva, então o paciente entra, você orienta se ele tem algum benefício, você verifica se ele precisa de algum contato familiar, se ele tem alguma dúvida. Você não consegue encaminhar para algum beneficio porque muito […] emergencial, quem chega é emergencial. (Cristiane). Hoje ainda as pessoas acreditam que quando a unidade de saúde traz eles aqui para o hospital a unidade de saúde tem que ir levar embora, isso não acontece, é uma coisa que a gente tem que esclarecer […] muitas vezes a cirurgia, ela começa a ser muito adiada e o familiar chega até o serviço social questionando que o serviço social que o serviço social tem que ter uma intervenção nisso. (Maria). Constata-se nos discursos que o assistente social coloca-se como anteparo entre a instituição e a revolta ou inconformismo da população, levando-os a aceitar as normas da instituição, através de uma ação persuasiva que tenda a mobilizar o mínimo de coerção explicita para o máximo de adesão. A estratégia de individualização dos atendimentos, por exemplo, possibilita aliviar tensões e insatisfações, submetendo-as ao controle institucional (PAULA, 2009). Desta forma: A funcionalidade do serviço social à ordem burguesa, como uma das direções da intervenção, está em eliminar os conflitos, modificar comportamentos, controlar contradições, abrandar as desigualdades, administrar recursos e ou benefícios sociais, incentivar a participação do usuário nos projetos governamentais ou no alcance das metas empresariais. Neste caso, a profissão tem nos interesses da burguesia uma das suas bases de legitimidade (GUERRA apud PAULA, 2009, p. 15). Sendo assim, a pesquisa nos revela que a dimensão ético-política (para que fazer) não está voltada para o reconhecimento da liberdade como valor central, compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais, assim como não se vincula a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, convergente com os princípios do Projeto Ético político, cuja dimensão política se posiciona favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização; na ampliação e consolidação da cidadania. Podemos observar que a política adotada como parâmetros de bom atendimento administrativo dentro das normais institucionais, com uma prática que reforça o projeto burguês, mesmo que sem a intenção, pois se apresentam no sentido de práticas de cunho reformista que readéquam os indivíduos para o desempenho dos seus papéis sociais, o qual justifica a preocupação das assistentes sociais em ter melhorias para funcionar adequadamente junto sistema (hospital). Serviço Social: direitos e políticas sociais 80 Série Sociedade e Ambiente Para uma dimensão teórico-metodológica (por que fazer), o profissional deve ser qualificado para conhecer a realidade social, política, econômica e cultural, imbuído de um intenso rigor teórico e metodológico, o qual lhe permita desvelar a dinâmica da sociedade para além da demanda que lhe é posta, buscando apreender sua essência, seu movimento e as possibilidades de intervenção profissionais (SOUSA, 2008, p. 122). Para analise dessa dimensão na intervenção profissional no serviço social do HT, selecionamos a seguinte fala da assistente social: […] acompanhamos também os familiares no horário de visita para que vá até o paciente quando não sabem onde ele está, ou qual é o médico que tá cuidando, qual é a especialidade que está atendendo aquele paciente para poder esta integrando a família para que a família vá buscar as informações com o médico […] O serviço social é importante, mais às vezes também pra agilizar o tempo de permanência do paciente aqui dentro... Eu acho que tá ampliando melhor o hospital, que libera mais cedo um leito para receber mais os acidentados […] (Maria) Podemos observar no discurso que “o porquê do serviço social” para esta assistente social se baseia em uma teoria social funcional, a qual busca no positivismo elementos para análise da realidade social, com ações imediatas junto ao indivíduo, trabalhando simplesmente com o “factual”, com o empírico e não com a totalidade que cerca o ser social, não apontando também para as mudanças sociais no sentido de questioná-las, mas sim de conservá-las, estabelecer a coesão social, cunho conservador burguês (SANTOS, 2012, p. 91). Tais atividades descritas pela entrevistada “não aponta para as mudanças, senão dentro da ordem estabelecida, voltando-se para ajustes e conservação” (YASBECK, 2009, p. 6 apud SANTOS, 2012, p. 91), pois não levam em consideração a processualidade histórica a qual estamos inseridos, sendo contemplativo, na qual sua ação profissional é embasada na corrente teórico-metodológica funcional estruturalista no sentido de adequar os indivíduos “desajustados” ao sistema. Vejamos outro trecho, agora do discurso da Assistente Social Karina. […] nos fazemos reintegração familiar, a gente faz também na questão de intervir na dependência química, vamos intervir também na parte de preparo para alta domiciliar, é encaminhamento pra rede da questão de saúde mental. A gente é o respaldo das famílias em orientação clínica que a família tem direito e toda parte de direitos universais dos usuários que nós atendemos aqui. (Karina) Primeiramente, chamamos a atenção para as palavras reintegração, preparo e respaldo. São palavras que exprimem a atuação da profissional no “sentido de apoio para adequar os indivíduos que não se encontram exercendo seu papel social dentro do sistema capitalista” (SANTOS, 2012, p. 91), ou seja, na instituição, seja por meio da afirmação dos valores morais e éticos, ajustamento de personalidade, ou por meio das normas institucionais, sem nenhum tipo de reflexão/questionamento com relação à estrutura do sistema capitalista a qual promove a questão social, objeto de intervenção da profissão. A aproximação dos assistentes sociais com os usuários é uma das condições que permite impulsionar ações inovadoras no sentido de reconhecer e atender as reais necessidades dos segmentos subalternos (CFESS, 2009, p. 38). Entretanto, o assistente social que não fizer a análise das condições concretas pode reeditar programas e Serviço Social: direitos e políticas sociais 81 Série Sociedade e Ambiente projetos alheios às necessidades dos usuários, como é o caso do trecho que vemos acima, cuja prática se limita ao nível técnico-operacional. Para Guerra (2000, p. 11) é fundamental para análise dos seus objetos de intervenção a interlocução com conhecimentos oriundos de disciplinas especializadas, extraído das ciências humanas e sociais (conhecimentos de Administração, Ciência Política, Sociologia, Psicologia, Economia). Atualmente, o serviço social encontra na teoria social crítica do materialismo histórico dialético, de Marx, uma lente de aumento para decifrar a realidade e intervir para transformá-la. Para Netto (2009, p. 153): Na acumulação teórica operada pelo Serviço Social é notável o fato de, naquilo que ela teve e tem de maior relevância, incorporar matrizes teóricas e metodológicas compatíveis com a ruptura com o conservadorismo profissional – nela se empregaram abertamente vertentes críticas, destacadamente as inspiradas na tradição marxista. No serviço social contemporâneo, o compromisso com os direitos e interesses dos usuários e na defesa da qualidade dos serviços prestados, em contraposição à herança conservadora do passado, são firmados por meio de uma intervenção baseada na construção de uma nova forma de pensar e fazer o Serviço Social, orientadas por “uma perspectiva teórico-metodológica apoiada na teoria social crítica e em princípios éticos de um humanismo radicalmente histórico, norteadores do projeto de profissão no Brasil” (IAMAMOTTO, 2009, p. 166). De acordo com Netto (2009, p. 155), fortalecer o projeto profissional por meio da intervenção implica o compromisso com a competência, que só pode ter como base o aperfeiçoamento intelectual do assistente social, fundada em concepções teóricometodológicas críticas e sólidas, capazes de viabilizar uma análise concreta da realidade social com uma postura investigativa. Desvelar a realidade social no âmbito das relações sociais capitalistas, segundo Iamamotto (2009), visa superar os influxos liberais da prática profissional voltada ao indivíduo isolado, desvinculada da trama social que cria sua necessidade e condiciona seus efeitos na sociedade. A “prática” é tida como uma relação singular entre o assistente social e o usuário de seus serviços, desconectada da questão social e das políticas sociais. Vejamos o próximo trecho de discurso: No meu ver isso, nosso cotidiano é ver as necessidades dos usuários, acolher e orientar sobre os benefícios […] é uma rotina bem repetitiva, então o paciente entra, você orienta se ele tem alguns benéficos, verifica se ele precisa de algum contato familiar, se ele tem alguma dúvida. (Cristiane) Observamos no relato da profissional, em que a própria sente um esvaziamento em sua ação profissional ao descrevê-la como “repetitiva”, apresenta-se como ahistórica e focalista em favor das visões empiristas e pragmáticas. A análise do relato apresentado, vão de encontro às concepções liberais e (neo) conservadoras do exercício profissional, contrapondo-se a teoria social crítica. Sob essa ótica, uma vez estabelecidas as dimensões ético-política e teóricometodológica, a intervenção profissional “deve privilegiar a construção de estratégias, técnicas e formação de habilidades – centrando-se no ‘como fazer’”(IAMAMOTTO, 2009, p.168), como verá a seguir na dimensão técnica-operativo. Serviço Social: direitos e políticas sociais 82 Série Sociedade e Ambiente Conforme Sousa (2008) a dimensão técnica-operativo compete ao profissional o dever de conhecer, se apropriar, e, sobretudo, criar um conjunto de habilidades técnicas que permitam ao mesmo desenvolver as ações profissionais junto à população usuária e às instituições contratantes (Estado, empresas, Organizações Nãogovernamentais, fundações, autarquias). Para Miotto (2009, p. 28), “discutir a dimensão técnico-operativa do Serviço Social implica reconhecer a sua complexidade dada pela diversidade de espaços sócioocupacionais nos quais os profissionais transitam e pela própria natureza das suas ações nos diferentes âmbitos” da intervenção profissional. A autora também ressalta que o debate em torno da operatividade do Serviço Social no campo bibliográfico tem se caracterizado pela escassez, quando comparado às dimensões teórico-metodológicas e ético-políticas, os quais importantes estudos25 sobre o exercício profissional demonstram a sua desconexão com o atual projeto profissional. Vejamos trechos extraídos das entrevistas: 27 […] nós trabalhamos com plantão. (Maria) As nossas atribuições competem à mediação de pacientes perante a família e medico encaminhamento para toda rede social […] Pra orientar as famílias, perante os usuários[…] acho que o nosso trabalho aqui dentro é muito importante pra essa mediação[…] que a gente possa fazer uma entrevista social, pra que a gente possa identificar as dificuldades, pra que a gente possa intervir e pra que a gente possa mediar. (Karina) […] o nosso cotidiano está muito atrelado a orientação. (Cristiane) Segundo o documento do CFESS, Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na saúde (2009), os assistentes sociais na saúde atuam em quatro eixos: Atendimento direto aos usuários; Mobilização, Participação e Controle Social; Investigação, Planejamento e Gestão; Assessoria, Qualificação e Formação Profissional. Pelo relato das profissionais do serviço social do HT, podemos constatar que suas ações representam o primeiro eixo. Cabe ressaltar que as ações deste eixo têm-se constituído nas principais demandas aos profissionais de Serviço Social, que segundo Costa (2000 apud CFESS, 2009, p. 24), definidas a partir das condições históricas e contradições sob as quais a saúde pública se desenvolveu no Brasil, as quais acarretaram ao serviço social questões operativas como: [...] demora no atendimento, precariedade dos recursos, burocratização, ênfase na assistência médica curativa, problemas com a qualidade e quantidade de atendimento, não atendimento aos usuários. Este quadro está relacionado também com as condições concretas do trabalho dos profissionais: baixa remuneração; precarização do trabalho; aumento e diversificação das atividades; redução de pessoal e carga horária excessiva (CFESS, 2009 p. 24). Entretanto, os assistentes sociais devem desenvolver ações no sentido de transpor o caráter emergencial e burocrático, bem como ter uma direção socioeducativa através da reflexão com relação às condições socio-históricas a que são submetidos os usuários e mobilização para a participação nas lutas em defesa da garantia do direito à 25 A exemplo Vasconcelos (2011) e Guerra (2000). Serviço Social: direitos e políticas sociais 83 Série Sociedade e Ambiente Saúde. Para isso, o profissional precisa ter clareza de suas atribuições e competências para estabelecer prioridades (CFESS, 2009). Segundo o discurso das assistentes sociais entrevistadas, os instrumentos que constituem o aparato técnico-operativo da intervenção profissional no setor são: plantão social, mediação, encaminhamento, entrevista social e orientação. Segundo os estudos de Vasconcelos (2011), geralmente o plantão social realizado na saúde - emergência das maternidades, pronto socorro, hospitais e demais setores da saúde, independente da unidade de saúde -, funcionam em salas pequenas, sem ventilação e sem respeito à privacidade e sigilo profissional, o que não foge a regra o Hospital do Trabalhador. Assim, um ou mais assistentes sociais, num mesmo espaço físico, aguardam ser procurados por usuários que buscam espontaneamente ou são encaminhados ao plantão do serviço social, encaminhamentos feitos por profissionais/funcionários/serviços da unidade/serviços externos […] (VASCONCELOS, 2011, p. 166). Assim como na sala do serviço social, o mesmo trabalho é desenvolvido no plantão social nas enfermarias, o qual é realizado ao lado do leito, entre os leitos dos demais pacientes. No plantão, o usuário é recebido, ouvido, e encaminhado para recursos externos e ou internos tendo como parâmetro o bom andamento da rotina institucional. Desta forma, todas as demais intervenções do serviço social citadas nos discursos das profissionais estão inseridas no plantão, a entrevista, os encaminhamentos e a orientação social, apresentam-se como atividades não pensadas, planejadas, organizadas reduzidas a ações isoladas para resolver problemas do usuário (VASCONCELOS, 2011). Para Monteiro (2010) o plantão social traz desde sua gênese26 contribuições que reforçam as práticas pragmáticas de cunho funcionalista. Até porque, apresentava dificuldades em se trabalhar com uma análise das interferências da questão social como determinantes da demanda, mesmo porque a matriz teórico-metodológica que embasava a profissão não era o materialismo histórico-dialético, por isso havia uma tendência de se trabalhar apenas com os problemas apresentados pelos usuários. Atualmente, traços dessa intervenção conservadora estão tão intrínsecas às ações do plantão social, que os assistentes sociais a reproduzem sem a necessária percepção sobre isso. Os assistentes sociais trabalham em sua grande parte com foco no procedimento, ao passo que são realizados encaminhamentos de acordo com a problemática que lhe é apresentada. Monteiro (2010) ainda destaca o fato da não sistematização de tal prática, a subordinação em relação aos objetivos institucionais, a falta de planejamento, a limitação na execução de tarefas meramente burocráticas e, principalmente a visível dificuldade de se trabalhar na perspectiva do coletivo. Dando sequência nas análises dos trechos do discurso selecionado, o próximo instrumental a ser abordado é a mediação, encontrado na fala da assistente social Karina. Para tal analise, cabe ressaltar primeiramente sobre Mediação, categoria 28 26 “Os plantões sociais foram instrumentos utilizados pelos assistentes sociais pioneiros, implantados pelas entidades norte-americanas, quando perceberam a necessidade de sistematizar os atendimentos assistenciais, que foram divididos em casos imediatos e casos continuados. Autores como Florence Hollis (1979), Mary Richmond (1950) e Balbina Vieira (1950) defendem que o trabalho no plantão tem como objetivo a escuta do usuário na demanda que ele traz para a instituição, e nesse espaço se pretende desvelar as necessidades pessoais e familiares para buscar, junto com o cliente, solucionar a problemática. Cabe destacar que o responsável pela situação problema vivenciada é do próprio cliente (Amador, 2008).” (MONTEIRO, 2010, p. 447). Serviço Social: direitos e políticas sociais 84 Série Sociedade e Ambiente fundamental para o trabalho do assistente social, porém ela não diz respeito a um instrumento, e sim um movimento dialético, ou seja, remete à Teoria Social de Marx. Desta forma, a mediação consiste numa categoria da teoria crítica marxista, componente do método dialético de análise da realidade, a qual o autor Pontes (2000, p. 38 apud CAVALLI, 2010, p. 7) descreve a mediação como “[...] uma das categorias centrais da dialética, inscrita no contexto da ontologia do ser social marxista, e que possui uma dupla dimensão: ontológica (que pertence ao real) e reflexiva (que é elaborada pela razão)”. A mediação consiste num caminho de apreensão do real através de sucessivas aproximações, que possibilita a construção e reconstrução do objeto de intervenção profissional na busca de uma prática transformadora, possibilitando ao profissional uma atuação de forma crítica e transformadora às demandas da profissão (CAVALLI, 2010). Isso acontece devida às demandas não se apresentarem de forma como elas realmente são, com todas as suas complexidades, mas de forma camuflada e distorcida do seu significado real, que utilizamos a mediação para desvelar as aparências. Como percebemos, o termo utilizado pela assistente social refere ao nível operacional, de “mediar” conflitos, problemas, um interlocutor entre os usuários e a equipe de saúde com relação a questões sociais e culturais, ou entre a instituição e a família/usuário. Para finalizar a análise dos instrumentais técnicos, consideramos a instrumental orientação. Segundo o documento CFESS (2009), o assistente social deverá é potencializar a orientação social com vistas à ampliação do acesso dos indivíduos e da coletividade aos direitos sociais, prestando tais orientações (individuais e coletivas) e/ou encaminhamentos quanto aos direitos sociais da população usuária, no sentido de democratizar as informações, tendo como objetivo trabalhar os determinantes sociais da saúde dos usuários, familiares e acompanhantes. Em seu artigo 4º a Lei 8.662/93 indica as competências dos Assistentes Sociais relacionadas à prestação de serviços diretos à população e às instituições. Dentre elas, destacam-se a orientação social a indivíduos, grupos e à população. Entretanto, Miotto (2009, p. 29) chama atenção ao fato de caracterizar o “fazer profissional” nomeando a ação profissional como orientação. Orientação tem se caracterizado como um termo genérico que não indica, a priori, a natureza da ação que se quer desenvolver. Para a autora, significa dizer que definir apenas como orientação a interferência realizada pelo Assistente Social, sem discutir o campo ao qual a ação está vinculada, os seus objetivos e os instrumentos dessa orientação, não permite o aprofundamento do debate sobre a especificidade da ação à luz do objeto da profissão e do projeto ético-político. A seguir veremos como a ação profissional é descrita pelas assistentes sociais, incluindo outros desdobramentos da intervenção profissional do serviço social que não foram contempladas nas entrevistas realizadas. 4.2 ANÁLISE DA PESQUISA QUANTITATIVA Para caracterizarmos a intervenção profissional das assistentes sociais no Hospital do Trabalhador, foi realizada a tabulação de todos os atendimentos realizados por esse setor nos meses de março, abril e maio de 2012, dados coletados dos livros de Registro de Atendimento Diário do Pronto Socorro. Para Sousa (2008 p. 130) o Livro de Registro é um instrumento bastante utilizado, no qual são anotadas as atividades realizadas e pendentes (telefonemas Serviço Social: direitos e políticas sociais 85 Série Sociedade e Ambiente recebidos, questões pendentes, atendimentos realizados, dentre outras questões), de modo que toda a equipe tenha acesso ao que está sendo desenvolvido. Geralmente é utilizado em locais onde circula um grande número de profissionais, servindo de canal de comunicação entre a equipe de Serviço Social. De tal modo, o livro de Registro de Atendimento Diário do Pronto Socorro é um instrumento muito utilizado por todas as assistentes sociais em todos os turnos, no qual é registrado o nome completo do paciente, idade, setor que está internado27 e a descrição do atendimento. Para o alcance do objetivo proposto em caracterizar a intervenção do serviço social, o campo descrição do atendimento foi o elemento central para nossa pesquisa. Neste campo encontramos anotações feitas pelas assistentes sociais a cerca de telefones de contato, relato do acidente, procedimentos feitos, quadro clínico, contexto familiar, informações e encaminhamentos que foram realizados pelo hospital e pelo serviço social. Neste espaço também encontramos avisos para a equipe do setor. A primeira dificuldade encontrada se deu quanto à forma de registro que, por vezes, foi de difícil entendimento, abreviações, a falta de concordância ou nexo para quem o lê. Por se tratar de um campo de dissertação livre - cada profissional escreve o que considera importante e da sua própria maneira, e por este motivo escolhemos dividir em categorias ou ações correlatas, sendo elas descritas a seguir: Na categoria Comunicação e informação englobamos as anotações de contato telefônico recebido ou realizado, números de telefones dos pacientes e familiares, comunicados de paciente de alta hospitalar, discrição do contesto familiar e social do paciente e seu estado clínico, orientações quanto a normas e rotina hospitalar, bem como sobre documentos necessários, descrição do motivo da internação e relato do acidente, solicitação de taxi e de transporte por ambulância particular ou publica de outro município, telefonemas para informar alta ou internamento, aviso de que o paciente está acompanhado ou escoltado, que procedimentos médicos foi realizado ou aguardam para tal, orientações e informações prestadas a terceiros (imprensa, seguradoras, policias, empresas, assessores políticos, advogados), outras observações sobre o paciente (se é etilista, usuário de Substancia Psicoativa, Pessoa com deficiência, se faz uso de medicação de uso contínuo, se foi acidente de trabalho, se vive sozinho, se é pessoa em situação de rua, se é de outro município); solicitação de colete jewett, recebimento e entrega de pertences do cofre, visitas extras que foram liberadas no PS ou aviso que familiar o aguarda na recepção, que informações foram dadas e a quem, visitas e ligações que foram liberadas, anotação de alguma intervenção que falta ser realizada pelo serviço social. Como vemos trata-se de uma categoria muito ampla que vai de um simples “OK” até um relato bem elaborado de toda uma situação que ocorreu dentro das dependências do HT. A escolha dessa categoria (com essa nomenclatura) se deu por entendermos que tais anotações no livro de registro instrumentalizam o profissional sobre a realidade daquele paciente, quem ele é e o que lhe aconteceu, que serviço foi realizado e o que falta realizar. Informações que o assistente social necessita ter conhecimento para poder atuar de maneira mais segura no repasse de informações, intervindo como mediador entre pacientes, familiares e instituição. A segunda categoria Encaminhamentos internos e externos, diz respeito aos encaminhamentos realizados pelo serviço social a outros profissionais ou setores dentro e fora do HT. Nos encaminhamentos internos realizados, podemos encontrar anotações 29 27 O serviço social do Hospital do Trabalhador (HT) atende os pacientes hospitalizados nas seguintes áreas: Pronto Socorro (PS), Serviço de Atendimento a Vítima (SAV), Observação Masculina ou Feminina, Sala de Sutura, Enfermarias, Unidade de Terapia Intensiva (UTI), Hospital Dia (HD), Maternidade ou Centro Cirúrgico (CC). Serviço Social: direitos e políticas sociais 86 Série Sociedade e Ambiente de encaminhamentos para o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC), Ouvidoria, Maternidade, UTI, Morgue, enfermarias e encaminhamentos para os médicos especialistas. Entre os encaminhamentos externos estão os encaminhamentos feitos a Fundação de Ação Social - FAS (para os CRAS, CREAS e Resgate Social), para a saúde (Unidade Municipal de Saúde, Centro Municipal Urgências Médicas, psiquiatria), para o Conselho Tutelar e outros juizados, delegacias, abrigos ou albergues e demais instituições da rede socioassistencial. Apoio Psicossocial é a terceira categoria de intervenção escolhida para a pesquisa e traz questões a cerca de apoio emocional nas questões que envolvem óbitos e amputações e todo apoio emocional que é realizado ao paciente e sua família. É um atendimento específico do serviço social, pois a família e ou o paciente encontra um profissional que respeita sua condição de trauma, tristeza ou até mesmo o choque ocasionado ao acidente; respeita seu tempo de recuperação, aconselha e orienta sobre procedimentos necessários. Os comunicados de óbito, amputação, gravidade do estado clínico do paciente, perda de familiares no local do acidente, são informados ao paciente ou familiar pela equipe médica responsável pelo plantão, porém sempre com a presença do assistente social, que logo após a revelação dos fatos, continua com a família em atendimento e lhes dá os devidos encaminhamentos. A quarta categoria de dados colhidos é a cerca das Notificações. O serviço social é o setor responsável do HT para preencher as notificações de violência contra a mulher, idosos, crianças e adolescentes. Para esta intervenção, o profissional utiliza a entrevista como instrumental para colher os dados para o preenchimento do formulário, o qual será encaminhado via fax a Rede de Proteção e as delegacias especializadas. Nesta entrevista o assistente social também observa outros aspectos que possibilitam a identificação de novas questões que podem ser trabalhadas pelo serviço social, novas orientações e encaminhamentos. Na categoria Autorizações, encontramos adensadas diversas situações que envolvem a tomada de decisão do assistente social. É comum dentre a demanda do serviço social, pacientes e familiares solicitar liberação de visitas extras fora do horário previsto, autorização de entrada de um número maior de visitas permitidas por pacientes, liberação da entrada de pessoas sem documento de identificação, liberação de ligações telefônicas, liberação da entrada de lideres religioso, autorização de acompanhantes para paciente fora do grupo28 com direito a acompanhantes, liberação de altas desacompanhadas e autorizações para almoço gratuito no refeitório do Hospital. Essas são algumas das muitas situações que podem ocorrer em que o assistente social venha a ser consultado e lhe é dado o poder de autorizar ou não tal requerimento. No período estudado, tivemos 01 caso de autorização para procedimento de amputação, no qual o paciente não tinha parente para assinar tal intervenção cirúrgica e a assistente social assim o fez. Emissão de documento constituiu a sexta categoria da pesquisa quantitativa, na qual estão englobados todos os documentos emitidos pelo serviço social, como declarações, relatórios e demais encaminhamentos por escrito. Na sétima categoria está relacionada à Reclamação, incluindo reclamações quanto ao tratamento, demora do atendimento, cancelamento de cirurgias, dietas e alimentação e quanto ao atendimento dos profissionais do HT. Também foi verificado no período pesquisado um conflito entre a enfermaria da maternidade e o serviço social 30 28 Crianças, adolescentes e idosos tem o direito a ser acompanhados por responsáveis durante todo o período de internação, conforme suas respectivas leis – ECA e Estatuto do Idoso, assim como pacientes mães que realizaram cesarianas e pacientes que estejam com seus movimentos limitados para atividades básicas (comer, por exemplo), segundo a avaliação da enfermagem ou do médico. Serviço Social: direitos e políticas sociais 87 Série Sociedade e Ambiente relativo a desentendimentos quanto aos direitos garantidos pelo Estatuto da Criança e Adolescente em relação a adolescente parturiente permanecer com acompanhante no quarto. As questões a cerca dos casos dos pacientes Não Identificados (NI) fazem parte da oitava categoria, cujo item conta a anotação de pessoas que entraram no hospital sem nenhuma documentação e identificação. Nesses casos, o profissional deverá coletar o maior número de informações sobre o acidente e sobre as características do paciente. Essas informações ficam registradas no livro caso alguém entre em contato procurando por desaparecidos; se as informações apresentarem semelhanças, o serviço social libera a entrada para o reconhecimento, geralmente são pacientes inconscientes, em como ou confusos que não conseguem fornecer dados de contato dos pacientes. Caso não seja realizada nenhuma procura para o reconhecimento do NI, o setor aciona o setor de identificação da Polícia Civil para assumir o caso e em se tratando de óbito de NI, cabe ao Instituto Médico Legal está competência. Na categoria Transferências estão relacionadas às questões acerca das transferências hospitalares, tanto publico como privado. Cabe ressaltar que a maior incidência são as transferências de SUS para planos de Saúde privados ou empresariais, visto que as transferências de SUS para SUS só são aceitas caso o hospital não disponha de especialidade requerida – exemplo: queimados ou vítimas de violência sexual, que são transferidos para seus respectivos hospitais de referência em Curitiba. Na décima categoria encontramos Abordagem de captação de órgãos e doação de sangue, sendo a primeira não de atuação direta do serviço social, e a segunda de ação direta. Visto que para as abordagens de captação de órgãos o HT dispõe de um setor especializado tendo um profissional para tal abordagem, no qual o assistente social apenas media tal atendimento. Nos casos de abordagem para doadores de sangue, o assistente social de plantão recebe do banco de sangue do HT o relatório com nome do paciente e número de bolsas de sangue que recebeu em transfusão, cabendo ao serviço social entrar em contato com as famílias para solicitar tal reposição. E por último encontramos a categoria a cerca do Repasse de recursos. O HT dispõe de certa quantidade de roupas e calçados que foram doados que são repassados aos pacientes que solicitam. Atualmente o HT não dispõe de recursos para isenção de tarifa de ônibus ou para inserir crédito em cartões de transporte publico, porém quando o HT recebe doação monetária repassa o valor da passagem do transporte para o paciente que assim necessitar. As categorias eleitas foram tabuladas e são apresentadas através dos gráficos, com as análises estatísticas dos dados coletados. Serviço Social: direitos e políticas sociais 88 Série Sociedade e Ambiente Gráfico 1: Intervenções do Serviço Social (a) Fonte: Livro de Atendimento Diário PS/HT de março a maio/2012. A pesquisa quantitativa nos revelou que 83% dos atendimentos realizados no período de coleta de dados foram de comunicação e informação, como revela o gráfico à cima, seguido de 4% de atendimentos realizados de encaminhamentos internos e externos. Essa constatação revela que a base da intervenção do serviço social no HT é a cerca da categoria comunicação e informação – categoria já descrita anteriormente. A segunda intervenção que mais aparece na pesquisa é a categoria Encaminhamentos internos e externos. Ocupando o terceiro lugar de intervenções mais executadas no PS HT, está a categoria Autorizações, revelando a importância do setor para tomada de decisão nas questões das relações usuários X instituição. Sua relevância se dá principalmente no quesito de organização da rotina hospitalar. Em quarto lugar está a categoria Abordagem de captação de órgãos e doação de sangue. Dentre os atendimentos descritos nesta categoria foram realizados 141 abordagem para doação de sangue. As demais categorias aparecem com a porcentagem de 1% ou 2 %, como podemos verificar no gráfico seguinte: Serviço Social: direitos e políticas sociais 89 Série Sociedade e Ambiente Gráfico 2: Intervenções do Serviço Social (b) Fonte: Livro de Atendimento Diário Serviço Social PS/HT de março a maio/2012. De acordo com a nossa observação cotidiana no campo de estágio, podemos afirmar que tais números revelam uma dimensão resumida da intervenção, pois muitos dados não são anotados no livro devido a grande demanda do setor. Também é sabido que orientações previdenciárias e com relação a outros benefícios sociais também são realizadas nos atendimentos, porém não foi registrado no período da realização da pesquisa. O gráfico 2 nos mostra a realidade da atuação do serviço social no âmbito da comunicação e informação, vindo de encontro com os relatos coletados nas entrevistas das assistentes sociais desse setor, na quais suas falas também apontaram nessa direção. Este fato revelado justifica o que anteriormente havíamos observado no campo de estágio em relação aos demais profissionais e usuários procurarem o serviço social buscando por informações, pois é realmente esta a principal atuação profissional, colher dados sobre o usuário e/ou sobre o acidente/trauma, para repassar esta informação a quem solicitar (seja este equipe médica e/ou familiares). A pesquisa quantitativa revelou-nos que 83% da intervenção do serviço social no Hospital do Trabalhador está voltada a comunicação e informação, categoria que envolve atividades que necessariamente não são privativas da profissão de serviço social (contato telefônico, repasse de informações sobre o paciente à família, comunicado de internação ou alta, orientações quanto a normas e rotina hospitalar, solicitação de taxi e de transporte por ambulância particular ou publica de outro município, solicitação de colete “jewett”, recebimento e entrega de pertences do cofre, liberação de visitas extras, entre outras já mencionadas anteriormente). Observamos que tais atividades técnicas-administrativas atuam no nível imediatista, de caráter pontual conforme a demanda lhe é posta. Podemos concluir que os dados levantados na pesquisa quantitativa vão de encontro com os relatos coletados nas entrevistas, os quais também apontam para intervenções voltadas à manutenção e ordem da instituição. Desta forma, a pesquisa revela que o serviço social assume caráter de manutenção do sistema capitalista, pois os profissionais atuam sem se dar conta da concreta apreensão das políticas sociais como totalidade e de diversas determinantes sociais, apenas com uma visão limitada a uma intervenção microscópica, fragmentada e pontual, a qual contribui apenas para o projeto societário burguês. Serviço Social: direitos e políticas sociais 90 Série Sociedade e Ambiente Em síntese, a pesquisa desvelou uma intervenção funcional à manutenção da ordem do projeto burguês, pois não possibilita a reflexão na ação por parte do usuário, não trabalha com a dimensão do coletivo e não fomenta as mudanças societárias, ou seja, não trabalha de acordo com o Projeto Ético Político da Profissão. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa que ora concluímos, partiu da preocupação central com a consolidação dos princípios do SUS e do fortalecimento do Projeto Ético Político de Serviço Social, efetivada por meio da intervenção profissional dos assistentes sociais do Hospital do Trabalhador, Curitiba/PR. Para sua realização, a investigação tomou como objeto a realidade inerente à atuação profissional das assistentes sociais no âmbito público hospitalar com o objetivo geral de desvelar os avanços e desafios da intervenção profissional do serviço social no Hospital do Trabalhador para a materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS. Configurou-se enquanto investigação de campo, mediada por uma pesquisa bibliográfica, de caráter analítico critico, sob orientação teórico-metodológica apoiada na teoria social crítica marxista. Tomando como referência o discurso das assistentes sociais do setor e o registro de suas atividades coletadas do Livro de Registro de Atendimentos Diário do Serviço Social, a investigação respondeu ao problema de “Quais os avanços e desafios da intervenção profissional para a materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS?”. Desvelado por meio da percepção dos sujeitos significativos da pesquisa os objetivos específicos, constatou-se quanto ao primeiro - Elucidar os avanços da intervenção profissional a cerca da materialização dos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS. – que as profissionais referiram-se as questões no âmbito institucional, relatando que não observaram avanços significativos para a intervenção do serviço social, apresentando assim uma a desconexão da sua intervenção com o âmbito macroestrutural, a política nacional onde seu campo de trabalho atua diretamente, limitando-se apenas ao nível prático-operacional de suprir a demanda da instituição. Quanto ao segundo objetivo específico - Evidenciar os desafios que o cotidiano do serviço social apresenta para o fortalecimento do Projeto Ético Político do Serviço Social e consolidação dos princípios do SUS. – as respostas trouxeram questões que apontamos para a precariedade estrutural dos serviços públicos – estrutura física inadequada, número de profissional insuficiente e alta demanda-, demonstrando uma desarticulação quanto aos desafios da intervenção profissional frente ao Projeto Ético Político e Princípios do SUS. Com relação ao terceiro objetivo especifico - Evidenciar a compreensão que os profissionais do serviço social do HT possuem sobre os princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social e do SUS. – evidenciamos uma compreensão fragilizada, na qual a palavra direito foi mencionada em seu sentido amplo e genérico. Os princípios de integralidade, universalidade e equidade apareceram quanto à rede de serviços. Quanto ao Projeto Ético Político Profissional, nenhuma das entrevistas mostrou o entendimento do projeto como uma direção no sentido da emancipação dos indivíduos, autonomia, liberdade, articulado com a sua pratica profissional, tanto que o mesmo nem foi abordado em seus relatos. As profissionais demonstram ter consciência que falta algo Serviço Social: direitos e políticas sociais 91 Série Sociedade e Ambiente para trabalhar em sintonia com os princípios do Projeto Ético Político e do SUS, assim como fazer valer os princípios inseridos no Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. Para o alcance do quarto objetivo específico - Caracterizar a intervenção profissional do serviço social no HT – valendo-se dos resultados da interpretação dos dados extraídos da pesquisa quantitativa, a qual nos revelou que a base da intervenção do serviço social na instituição encontra-se restrita a categoria comunicação e informação, indo de encontro com as respostas das profissionais entrevistadas. Por fim, para responder o quinto objetivo específico - Analisar a intervenção profissional do Serviço Social nos seus aspectos Teórico-Metodológico, Ético-Político e Técnico-operativo. – a investigação aponta para uma intervenção baseada em uma teoria social funcional, a qual busca no positivismo elementos para análise da realidade social, com ações imediatas do indivíduo, trabalhando simplesmente com a aparência e não com a totalidade que cerca o ser social. Desta forma concluímos que a intervenção profissional do Serviço Social no HT não contribui para a consolidação dos princípios do SUS e do fortalecimento do Projeto Ético Político do Serviço Social, contrapondo-se a ordem estabelecida em direção às mudanças sociais, no sentido de questioná-las e transformá-las. Revela-se fortemente como uma estratégia neoliberal no sentido de conservar o sistema vigente, estabelecendo a coesão social, por meio de ações conservadoras e tradicionais. A preocupação principal da intervenção profissional está centrada na dimensão técnico-operativa, envolta a práticas burocráticas, as quais reforçam o projeto burguês, mesmo que sem a intenção explícita, pois se apresenta no sentido de práticas de cunho reformista que readéquam os indivíduos para o desempenho dos seus papéis sociais, o qual justifica a preocupação das assistentes sociais em conquistar melhorias para funcionar adequadamente junto sistema (hospital). Segundo o documento do CFESS (2009), os assistentes sociais inseridos no ambiental hospital devem focar na intervenção profissional de cunho coletivo, com ações socioeducativas e projetos sociais que promovam a consciência de classe trabalhadora e para que a fortaleza contra o sistema vigente. Consideramos que os assistentes sociais possuem a plena capacidade de fazer um trabalho de excelência em qualquer nicho do mercado em que atua, mais para que isso seja possível, cabe aos profissionais rever a sua instrumentalidade, buscando a capacitação continuada, tendo clara sua percepção quanto às dimensões Teórico-Metodológico, Ético-Político e Técnico-operativo, para que a sua intervenção profissional não se reduza a reprodução de práticas conservadoras. Serviço Social: direitos e políticas sociais 92 Série Sociedade e Ambiente REFERÊNCIAS ALVES, J. E. A Transição demográfica e a janela de oportunidade. São Paulo: Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 2008. 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Serviço Social: direitos e políticas sociais 99 Série Sociedade e Ambiente IMPACTOS DO REASSENTAMENTO DO PAC I DE CAMPO MAGRO SOB O OLHAR DAS FAMILIAS REALOCADAS PARA O JARDIM BOA VISTA Cristina Oliveira da Silva Sandra Aparecida Silva dos Santos RESUMO O presente trabalho teve como problema de pesquisa: Impactos do Reassentamento do PAC I de Campo Magro sob o olhar das famílias realocadas para o Jardim Boa Vista. A pesquisa foi realizada no Jardim Boa Vista em Campo Magro, local para onde as famílias foram realocadas. A pesquisa foi realizada com 29 famílias realocadas. Os objetivos da pesquisa foram Identificar os impactos percebidos pelas famílias no âmbito social, econômico e ambiental após a realocação; Analisar a atuação do programa do PAC I na facilitação de acesso as políticas públicas; Identificar a percepção das famílias quanto a adaptação à nova área de moradia. A metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo de natureza qualitativa, sendo utilizado como instrumento de coleta de dados, a entrevista. Para interpretação dos dados coletados utilizou-se a técnica de análise de conteúdo. Os impactos identificados no âmbito social, econômico e ambiental foram: mais dignidade para as famílias, melhoras em relação a saúde resultante do acesso a saneamento básico e aumento dos gastos em relação aos custos com energia elétrica, rede de água e IPTU, considerando que nas áreas irregulares que antes as famílias residiam boa parte dos moradores não tinham acesso aos serviços citados de forma regular, logo, quando estes serviços foram ofertados os custos também apareceram. A partir do acesso a uma Unidade Habitacional a qualidade de vida melhorou, sendo possível, em alguns casos, a melhoria da renda e perspectiva de novas possibilidades de trabalho. A análise quanto o acesso às políticas públicas revelaram que conforme determina o Caderno de Orientação do Trabalho Técnico Social, as famílias são beneficiadas com os serviços de Educação, Saúde e Assistência, demonstrando que antes mesmo da realocação os moradores das áreas irregulares já tinham acesso aos serviços básicos, o que se comprovou com relatos dos entrevistados. Quanto a percepção das famílias em relação a adaptação na nova área de moradia, constatou-se que a questão do pertencimento vai além de simplesmente a apropriação do espaço físico, se constituindo em valores, sentimentos e identidades, construídas ao longo dos anos. Para alguns moradores a mudança para um novo local traz novas expectativas e desafios logo superados, enquanto outros moradores revelam a falta de adaptação ao lugar para onde foi realocado, associando a dificuldade ao sentimento de insegurança presenciado no meio em que vivem. Palavras–chave: Política de Habitação. Realocação. Serviço Social. Serviço Social: direitos e políticas sociais 100 Série Sociedade e Ambiente INTRODUÇÃO A moradia é um direito garantido constitucionalmente, defendido como requisito básico de sobrevivência conforme descrito no Título II dos Direitos e Garantias Fundamentais, onde no Capítulo II trata dos direitos sociais: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988) . A Política Habitacional após os anos 90 tem avançado na implantação de Programas que oportunizam pessoas para o acesso a moradia digna (SILVA e SILVA, 1989). Entretanto, a real garantia deste direito em questão é discutível, uma vez que a Política não contempla todos que enfrentam a falta de moradia, seja pelos critérios estabelecidos ou ainda pelos escassos recursos voltados para as ações. Tema que será tratado nesta pesquisa desenvolvida na Cidade de Campo Magro. A história do Município de Campo Magro se inicia com o período do tropeirismo, quando estes imperavam pela região, sendo sua importância tão evidenciada até mesmo pelo nome dado ao local quando a passagem dos tropeiros acontecia no período de inverno, assim, o gado não tinha pastagem suficiente e a região era chamada de Campo Magro. Após 1910, Campo Magro já era considerado um distrito de Almirante Tamandaré, porém, com o nome de Nossa Senhora da Conceição. Passou a distrito judiciário em 1943, com o Decreto-lei Estadual nº 199, utilizando-se de parte do território do distrito de Santa Felicidade. Somente em 11 de dezembro de 1995, com a Lei Estadual nº 11.221, foi elevado à categoria de Município, na sede do antigo distrito de Campo Magro, com território desmembrado do município de Almirante Tamandaré, com a instalação definitiva em 1° de janeiro de 1997 (COHAPAR, 2010). Campo Magro situa-se a noroeste da Região Metropolitana de Curitiba, tem como municípios limites: Almirante Tamandaré ao leste, Itaperuçu ao norte, Campo Largo a oeste e Curitiba ao leste, inserido na Região Metropolitana de Curitiba – RMC. A área total do município é de 263 km² – sendo 28 km² área urbana e 230 km² área rural. A população concentra-se ao sul do município, próximo a Curitiba e estende-se ao longo da PR-090 – Estrada do Cerne, estimativa da população é de 27.517 habitantes (IBGE, 2015). O município abriga dois significativos mananciais para abastecimento público de água – o manancial subterrâneo do Karst1 e o manancial superficial do Rio Passaúna e Rio Verde. Com duas áreas de conservação a APA – Área de Proteção Ambiental do Passaúna e a UTP – Unidade Territorial de Planejamento de Campo Magro, que visa garantir a proteção dos afluentes do Rio Verde2 . 31 32 1 O termo Karst (ou Carste) significa campo de pedras calcárias, foi empregada inicialmente para designar a morfologia dos terrenos sobre formações calcárias, onde ocorrem cavernas, dolinas, rios, subterrâneos e outras características derivadas da dissolução natural das rochas carbonáticas destas regiões. Na Região Metropolitana de Curitiba, implica na necessidade de conhecimento detalhado de sua distribuição pelos problemas relacionados à ocupação urbana, principalmente os riscos de afundamentos e colapsos de solo, além do interesse nas reservas de água nelas contidas (aquífero Karst). Disponível em: <http://www.mineropar.pr.gov.br/modules/conteudo.php?conteudo=136>. Acesso em: 10/08/2015 às 14h32min. 2 Informações do Município. Disponível em: <http://www.campomagro.pr.gov.br/nosso-municipio/>. Acesso em: 10/08/2015 às 14h32min. Serviço Social: direitos e políticas sociais 101 Série Sociedade e Ambiente O principal setor econômico é a agricultura, caracterizando-se como de produção familiar. As principais culturas trabalhadas são feijão, milho, batata, olericultura, frutas e hortaliças, destacando-se muitas propriedades com produção orgânica. Quanto às unidades artesanais, pode-se citar a produção de vinhos, doces, compotas, pastas e molhos, sucos, queijos e derivados do leite e embutidos. Além disso, destaca-se nacionalmente na produção de móveis em fibras naturais e sintéticas. O ramo de Turismo Rural, com seus empreendimentos, também está ganhando força e destaque3 . Com a criação do município as secretarias foram organizadas para atender as diversas demandas da população. A Secretaria do Desenvolvimento Urbano em sua última reorganização - Lei 576/2009 definiu no artigo 18 suas atribuições: 33 I- desenvolver o planejamento urbano e a execução da política urbana; II- elaborar e sugerir ao Prefeito as diretrizes básicas do desenvolvimento físico da cidade; III- estabelecer fluxos permanentes de informações entre os diversos órgãos objetivando facilitar os processos decisórios e a coordenação das atividades governamentais de planejamento urbano e execução da política de desenvolvimento urbano do município; IV- coordenar os trabalhos de elaboração e edição de normas técnicas urbanísticas; V- desenvolver os estudos técnicos inerentes ao desenvolvimento urbano do município; VI- implementar e aplicar a legislação urbanística vigente; VII- fiscalizar as obras e serviços no Município; VIII- articular-se com os organismos municipais, estaduais, federais e internacionais, públicos ou privados, visando obter recursos financeiros e tecnológicos para o desenvolvimento urbano e programas habitacionais, no âmbito do Município; IX- elaborar planos, programas, projetos, ações e atividades voltadas para identificação prévia de problemas ou de áreas prioritárias dentro do processo de desenvolvimento urbano e habitacional; X- levantar problemas ligados às condições habitacionais, a fim de desenvolver programas de habitação popular; XI- elaborar e executar projetos de implantação de núcleos habitacionais; XII- elaborar planos e programas visando equacionar e propor soluções para o problema habitacional no Município; XIII- acompanhar e analisar, notadamente, quanto ao alcance social, à execução de programas e projetos de promoção habitacional desenvolvido pela Administração Pública Municipal; XIV- sugerir a elaboração de novos programas ou projetos sociais de melhoria habitacional e de infra-estrutura urbana em áreas que requeiram aquelas providências; XV- estudar e promover a indenização a pessoas atingidas por processos de remoção, participar das operações e programas de emergência, nos casos em que for conveniente a atuação do órgão; XVI- promover a remoção dos moradores em área a ser desocupada e sua fixação em local adequado a administração do Fundo Municipal de Habitação; XVII- promover contatos com Associações Comunitárias para identificação de prioridades, tipo de melhoramentos urbanos e habitacionais a serem implantados. (BRUN, 2014, p.7) 3 Informações do Município. Disponível em: <http://www.campomagro.pr.gov.br/nosso-municipio/>. Acesso em: 10/08/2015 às 14h32min. Serviço Social: direitos e políticas sociais 102 Série Sociedade e Ambiente A atuação do Serviço Social na Secretaria de Desenvolvimento Urbano – SEDUR- iniciou com o trabalho das Assistentes Sociais da Secretaria da Ação Social, em 2007 com o empreendimento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A Assistente Social designada para trabalhar com os Programas Habitacionais passou a atuar no SEDUR, tendo como atividades, a seleção de famílias para serem contempladas com o programa do PAC, reuniões para apresentar e explicar sobre o empreendimento, cadastro em parceria com a COHAPAR (Companhia de Habitação do Paraná), reunião da Câmara Técnica, sorteio das Unidades Habitacionais, realização de relatórios sociais, etc. Em outubro de 2013 foi contratada uma nova Assistente Social, sendo também implantado na nova gestão do Município o Departamento Técnico Social (DETS) pelo decreto 456/2013 (BRUN, 2014). As ocupações irregulares iniciaram ainda no período de criação do município, as famílias que passavam pela região começaram a formar desordenadamente ocupações em áreas de preservação ambiental e públicas. Por se tratar de uma região próxima a Santa Felicidade (bairro de Curitiba) as famílias se concentravam nas regiões com acesso facilitado para a Capital. Este processo de ocupação revelou o problema enfrentado atualmente, com moradias precárias e aglomerados de famílias desassistidas de condições mínimas de moradia. A Política Habitacional no Município começou a ser executada a partir da implantação do Programa de Aceleração do Crescimento – primeira fase (PAC I). O Ministério do Planejamento destaca que o objetivo do PAC foi “promover a retomada do planejamento e execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do país, contribuindo para seu desenvolvimento acelerado e sustentável”4 (BRASIL, 2010). Este programa foi planejado como estratégia para fortalecer o planejamento e retomar investimentos nos setores estruturantes do país, surge então a oportunidade de proporcionar aos moradores da Cidade de Campo Magro o acesso a habitação digna e regularizada. Todavia, o Programa determina que as famílias participantes atendam alguns critérios5 , causando um efeito de seleção e exclusão ao mesmo tempo, tema que será discutido com mais ênfase nos capítulos que discorrem a pesquisa. O foco deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) estará voltado para as mudanças significativas que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC I), proporcionou na vida da comunidade realocada para o Jardim Boa Vista. Este projeto iniciou-se das observações feitas durante o período de estágio, realizado pela acadêmica na Secretaria de Desenvolvimento Urbano (SEDUR), no Departamento Técnico Social (DETS), da Prefeitura Municipal de Campo. Acompanhando as atividades realizadas pela Assistente Social, evidenciou-se as diversas intervenções realizadas junto à comunidade, onde houve o interesse em realizar a pesquisa com foco nas famílias realocadas nas áreas de realocação I, II, III, IV e V inseridas no Jardim Boa Vista. O bairro do Jardim Boa Vista localiza-se na Cidade de Campo Magro e onde atualmente se concentra o maior número de famílias realocadas, divididas por cinco áreas. As famílias que ali residem são compostas na sua maioria de pessoas que 34 35 4 Ministério do Planejamento – Sobre o PAC. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac>. Acesso em: 26/07/2015 ás 17h56min. 5 São considerados critérios nacionais de priorização, conforme o disposto na Lei 11.977, de 7 de julho de 2009: a) famílias residentes em áreas de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigadas; b) famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar; e c) famílias de que façam parte pessoas com deficiência. São consideradas áreas de risco aquelas que apresentam risco geológico ou de insalubridade, tais como, erosão, solapamento, queda e rolamento de blocos de rocha, eventos de inundação, taludes, barrancos, áreas declivosas, encostas sujeitas a desmoronamento e lixões, áreas contaminadas ou poluídas, bem como, outras assim definidas pela Defesa Civil. (PORTARIA Nº 595, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2013, Ministério das Cidades). Serviço Social: direitos e políticas sociais 103 Série Sociedade e Ambiente moravam em áreas de ocupações irregulares, públicas ou ainda em Área de Preservação Permanente (APP), denominadas Áreas de Intervenção (AI: I, II, III, IV, V e VI), conforme mapa em Anexo. A realocação ocorreu no mesmo bairro, nominada como Área de Realocação (AR: I, II, III, IV e V) através da implantação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC I), que tem como objetivo garantir o acesso à casa própria, reduzir o déficit habitacional e melhorar a qualidade de vida da população. Considerado um dos bairros mais populosos do município, em área consolidada, visto contar com infraestrutura quando se refere a saneamento básico, rede de energia elétrica, pavimentação, calçamento e sinalizações adequadas. O bairro é formado ainda por moradores que residem no local há muitos anos. Os equipamentos urbanos estão dispostos ao longo do bairro, contando com a presença de mercados, academias, oficinas mecânicas, Escolas, Creches, Posto da polícia militar, ponto de ônibus, Unidade de Saúde, academia ao ar livre e praças públicas. As famílias beneficiadas com Unidade Habitacional pelo Programa do PAC I estão distribuídas nas áreas do bairro, estas, quando ocupavam lotes irregulares ou em situação de risco, estavam nos arredores do bairro supracitado, próximos a córregos, encostas e área de preservação ambiental e área pública. Quando realocadas, as famílias instalaram-se em locais próprios para habitação, as áreas eram de propriedade privada considerada de interesse social. A desapropriação foi realizada conforme os tramites legais e o Governo Federal arcou com os custos parciais necessários para obtenção das terras, e que posteriormente ficou sob responsabilidade da COHAPAR uma porcentagem dos custos, a construção das Unidades Habitacionais, bem como, em parceria com o município o cadastramento das famílias que residiam nas áreas consideradas de riscos e que atendiam os critérios de participação no programa. Após a realização do empreendimento, a realocação aconteceu de forma gradual, inicialmente 54 famílias foram reassentadas para AR IV, na sequência 89 famílias para a área I, 38 famílias para a área III, 175 famílias para a área II e, por fim, 7 famílias para a área V, todas no Jardim Boa Vista. Neste processo de realocação os técnicos sociais envolvidos estabeleceram como prioridade a realocação em bloco, ou seja, possibilitar que as famílias que moravam nas áreas a serem realocadas, pudessem estar próximas dos mesmos vizinhos, parentes e amigos, contribuindo assim com o fortalecimento dos vínculos já existentes entre eles. Após a realocação das famílias as áreas foram recuperadas, praças foram construídas, realizou-se o plantio de árvores e limpeza dos locais, definindo-as como área de preservação ambiental. Cabendo destacar que, até a finalização da presente pesquisa, foi possível identificar que todas as áreas desocupadas e recuperadas não registraram novas invasões e ocupações irregulares. Para a implantação do Programa um dos condicionantes é a elaboração do Projeto do Trabalho Técnico Social (PTTS) o qual se faz na fase de pré contratação para a seleção da proposta pelo Ministério das Cidades, elaborado por profissionais do Serviço Social lotados na Secretaria de Desenvolvimento Urbano (SEDUR) da Prefeitura Municipal de Campo Magro e por técnicos sociais da COHAPAR. No PTTS, é possível identificar o perfil das famílias, equipamentos públicos disponíveis, número de famílias residentes em ocupações irregulares, bem como, especificar o trabalho social a ser realizado antes, durante e após a implantação do programa. Serviço Social: direitos e políticas sociais 104 Série Sociedade e Ambiente Assim, a questão central tratada neste TCC é: A implantação do PAC I no Jardim Boa Vista I, II, III, IV e V proporcionou mudanças significativas na vida da comunidade realocada? Desta forma, elencamos as seguintes questões norteadoras desta pesquisa: Quais os impactos sociais, econômicos e ambientais percebidos pelas famílias após o processo de realocação? Para as famílias o Programa do PAC propiciou melhor acesso as políticas públicas? Qual a percepção das famílias quanto a sua adaptação à nova área de moradia? O objetivo geral do estudo é Analisar os impactos do reassentamento do PAC I de Campo Magro sob o olhar das famílias para o Jardim Boa Vista. Para tanto definiu-se os seguintes objetivos específicos: Identificar os impactos percebidos pelas famílias no âmbito social, econômico e ambiental após a realocação; Analisar a atuação do programa do PAC I na facilitação de acesso as políticas públicas; Identificar a percepção das famílias quanto a adaptação à nova área de moradia. A pesquisa realizada pretende contribuir com a atuação do serviço social da Secretaria de Urbanismo na elaboração, implantação e avaliação do Projeto de Trabalho Técnico Social para com as famílias já realocadas. Considerando a relevância da pesquisa no meio institucional, certamente este trabalho contribuirá sobremaneira para o fortalecimento da atuação e debate sobre as ações do Programa de Habitação Municipal, na Instituição e com os parceiros executores tais como: Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC), Companhia Paranaense de Energia (COPEL), Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR), construtoras e etc. De maneira que, possibilitará a identificação dos impactos que o Programa trouxe para as famílias, resultando em possíveis estudos e intervenções. Para os moradores a pesquisa abre a oportunidade de expressarem suas concepções e percepções em relação ao programa, além de, avaliarem sua efetividade substantiva6 a partir de suas adaptações e mudanças resultantes da realocação, propondo readequações e melhorias que julgam necessárias. Ao acadêmico a oportunidade de desenvolver a pesquisa, pois a experiência que o campo proporciona através da observação feita e, os conhecimentos adquiridos pela vivência presenciada durante o período de estágio e a contribuição que este tema trará serão fundamentais para a formação acadêmica. Para construção do trabalho utilizou-se como fonte de coleta de dados a pesquisa bibliográfica, a partir de livros e artigos científicos que explorem o tema. Utilizou-se também a pesquisa documental, com a utilização de documentos internos da SEDUR, do Departamento Técnico Social, PTTS do PAC I, cadastros sociais dos usuários do Serviço Social no que diz respeito à habitação, Resoluções do Ministério das Cidades entre outros, o objetivo foi coletar informações sobre as famílias antes e após a realocação, assim como, ter maior conhecimento sobre leis e portarias do Ministério das Cidades. A fim de definir o universo da pesquisa foram utilizados dados contidos no mapa de localização disponível na Secretaria de Desenvolvimento Urbano que contém a divisão territorial da realocação e sua distribuição por áreas e quadras. Quanto à natureza da pesquisa, é do tipo descritiva, uma vez que analisou os impactos do Programa Habitacional na Cidade de Campo Magro sob o olhar das 36 6 A efetividade estabelece o impacto da ação na população alvo. A efetividade objetiva é o critério de aferição da mudança quantitativa entre o antes e o depois da execução do programa. O critério de avaliação da efetividade subjetiva se refere às mudanças comportamentais, nas crenças e valores da população alvo. A efetividade substantiva é o critério da avaliação das mudanças qualitativas significativas e duradouras nas condições sociais de vida dos beneficiários da política ou programa social. (BARREIRA, 2000, p. 32). Serviço Social: direitos e políticas sociais 105 Série Sociedade e Ambiente famílias realocadas do Jardim Boa Vista, através da entrevista com os moradores. Utilizou-se como método de pesquisa, o instrumental de natureza qualitativa, que segundo Martinelli (1999, p. 21): A pesquisa qualitativa tem por objetivo trazer à tona o que os participantes pensam a respeito do que está sendo pesquisado; não é só a minha visão de pesquisador em relação ao problema, mas também o que o sujeito tem a me dizer a respeito. Para a coleta de dados o instrumento encontrado foi a entrevista, que segundo Gil (2009, p. 109): Pode-se definir a entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação. A entrevista está classificada em semiestruturada, que segundo Minayo (2010, p. 64) “combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada”. As famílias realocadas entre 2010 e 2014 para o Jardim Boa Vista foram distribuídas em cinco áreas de realocação7 I, II, III, IV e V. Sendo a área I contemplada com sete (07) quadras, a área II treze (13) quadras, área III três (3) quadras, área IV cinco (5) quadras e área V uma (1) quadra. O critério utilizado para definição das entrevistas está na divisão das quadras de cada área, resultando em 29 famílias entrevistadas. A entrevista realizou-se com um morador de cada quadra das áreas de relocações já citadas, contemplando assim todas as 5 áreas de realocação para que se tenha a representatividade de moradores de todas as localidades. Foi utilizada a amostra estratificada, onde os moradores foram escolhidos aleatoriamente, de forma a considerar 1 participante por quadra. A Técnica utilizada para interpretar os dados é análise por conteúdo, que é definido como: 37 Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção / recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1977/1979, p.42). O método de análise está dividido em três fases conforme assinala Bardin (1977/1979): a pré-análise, fase de organização do material, que se resume na preparação dos instrumentos a serem utilizados; a exploração do material, voltada para um estudo mais aprofundado que começa ainda na pré-análise. Todavia, nesta fase com 7 Realocação é a alteração do local de moradia das famílias, implicando na sua remoção para outro terreno, fora do perímetro da área da favela ou assentamento precário que está sendo urbanizado. Brasil, MCIDADES. Trabalho Social e Programas e Projetos de Habitação de Interesse Social. Livro EAD. 2010, p. 82. Disponível em: <http://www.capacidades.gov.br/media/doc/biblioteca/SNH004.pdf>. Acesso em: 02/06/2015 às 15:20. 37 Serviço Social: direitos e políticas sociais 106 Série Sociedade e Ambiente um aprofundamento e embasamento teórico para as tarefas de codificação, classificação e categorização itens base na instância do estudo e a fase de Tratamento dos materiais obtidos e, interpretação que vem fazer uma reflexão apoiada nos materiais de informação das duas primeiras fases e, nos materiais empíricos aprofundando as conexões de ideias com o intuito de desvendar o conteúdo que eles possuem. A estrutura da pesquisa organiza-se em três capítulos. No primeiro capítulo é abordada a questão habitacional no Brasil e os Programas Habitacionais em Campo Magro. O segundo capítulo explana a história do Serviço Social no Brasil e o Serviço Social na Política de Habitação. O terceiro capítulo apresenta a análise dos dados da pesquisa de campo, onde estão descritas e interpretada as informações coletadas, sendo apresentadas na sequência as considerações finais. 1 HISTÓRICO DA HABITAÇÃO NO BRASIL Este capítulo inicia-se com a contextualização da trajetória histórica da política habitacional no país expondo os momentos de crises, avanços e ampliações da política. Finalizando com um breve histórico da habitação no Município de Campo Magro. 1.1 A POLÍTICA DE HABITAÇÃO NO BRASIL A questão habitacional surge desde os primórdios de colonização do Brasil, seu início se deu a partir de 1920, com período de grandes crises as quais revela suas marcas nos dias de hoje. Em meados de 1916 e início de 1920 o País tinha como concentrados no processo de industrialização São Paulo e Rio de Janeiro, e é nesta época que a predominância quanto à habitação popular era o aluguel, sendo que até 1930, o urbano ainda mantinha seu caráter concentrado, presente em grandes cidades fortalecendo o processo de um único tipo de atividade agrícola. (SILVA, 1989). A partir de 1930, o processo de industrialização se expande, no período, o modelo predominante Econômico Agroexportador passa para Urbano-Industrial, que força a mudança da divisão técnica e social do trabalho, redefinindo-se então o urbano. Diante das mudanças, a força de trabalho começa a exigir condições para continuidade do processo reprodutivo, dentre elas a questão habitacional. (SILVA, 1989). Diante de precárias condições de habitabilidade, os cortiços começam a se formar, trabalhadores das fábricas migravam com suas famílias sem as mínimas condições de vida, fortalecendo o crescimento desregulado e contribuindo com a periferização do espaço urbano. No Rio de Janeiro a situação da habitação proletária urbana passou por uma limpeza e reconstrução dos cortiços demolidos, por moradia de baixo custo, porém este trabalho não teve continuidade, pois uma Lei Municipal de 10 de fevereiro de 1903 proibia tanto os reparos quanto a expansão das favelas (SILVA, 1989). Conforme essa mesma autora, o ano de 1937 foi governado por Getúlio Vargas, o qual assumiu a responsabilidade de promover habitações criando as Carteiras Prediais, vinculada ao sistema de previdência, porém o atendimento se restringia aos associados, sem relevância quantitativa. A autora afirma ainda que Vargas criou também os Parques Proletários, esses que deveriam servir de abrigo provisório para famílias, torna-se, para muitos, a única possibilidade de moradia. Além disso, o quadro habitacional no País é agravado com a Serviço Social: direitos e políticas sociais 107 Série Sociedade e Ambiente instituição da Lei do Inquilinato8 , esta Lei é imposta em 1942 no governo Vargas (SILVA, 1989). Na busca por minimizar o problema de moradia as primeiras iniciativas tomadas como medida foi através dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões, que tinha área de atuação limitada, porém, prestavam atendimento somente aos associados (LEHFELD, 1988). Desta forma, em 1° de Maio de 1946 é criada a Fundação Casa Popular (FCP), através do Decreto – Lei 9.218, sendo sua vigência até 1964. Representou o primeiro órgão em âmbito nacional voltado para prover habitação às populações de baixa renda. Sua ação limitada pautava-se no clientelismo, na decisão de onde construir, como também na seleção e classificação dos candidatos. Muitas mudanças aconteceram tanto no aspecto econômico quanto na implantação e implementação dessa política (SILVA, 1989). Neste período, o acesso à moradia ainda não se consagrava como direito do cidadão. Somente com a Constituição Federal em 1988 e que os direitos básicos foram estabelecidos, e junto, a habitação como direito fundamental para a sobrevivência. No ano de 1946, quando estava sob o poder o presidente General Dutra (19461950), a política foi conduzida por meio de forte repressão, desmobilizando o movimento operário e submetendo o país ao confisco salarial. O problema habitacional ainda era alarmante, às favelas eram percebidas como doença social e peso político, sem nenhuma ação que amenizasse o problema da moradia as favelas continuavam a ser objeto de controle e repressão por parte do Estado (SILVA, 1989). Conforme Silva destaca, o gerenciamento da Política Habitacional no Brasil, principalmente no que diz respeito aos cortiços, foi marcada por uma política de controle e de exclusão, onde a repressão era exercida sobre a classe de menor poder aquisitivo. Em 1947 no Distrito Federal (à época a cidade do Rio de Janeiro era considerada a Capital do país9 ), chegou-se ao limite total de repressão às favelas, a ponto da proibição de construção de novas casas. A violência era notável, prova disso que levou o prefeito da cidade a criar uma comissão para extinguir as favelas, forçando o povo retornar ao seu estado de origem (SILVA, 1989). Em meio a toda repressão de 1947 registrou-se uma intervenção direta de Dutra nas favelas do Distrito Federal através da Fundação Leão XIII, criada por um pacto entre Igreja e Estado. O objetivo deste pacto era recuperar as favelas, iniciando pelas mais populosas por representarem maiores perigos para “infiltração comunista”. O Pacto tinha como pano de fundo representar interesses “políticos”, diante do apoio popular ao comunismo, o Estado via-se ameaçado, fato que levou a ações assistencialistas na tentativa de coibir a disseminação do comunismo (SILVA, 1989). Na década de 50, entre os anos de 1951 e 1954, segundo período de Getúlio Vargas, a questão habitacional nas favelas passou a ter uma maior amplitude, o problema passou a ser considerado nacional, em seu aspecto social, econômico e legal. A repressão deu lugar ao paternalismo, postura característica do governo populista (SILVA, 1989). Ainda em 1952 é criado o Serviço de Recuperação das Favelas, o qual deixa de ser subordinado à Segurança Pública e passa a Secretária de Saúde e Assistência. Todavia, esta década é marcada pela falta de recursos econômicos e a crescente 38 39 8 Esta lei estimula a construção de casas para venda, não acessíveis aos trabalhadores de menor poder aquisitivo. representava de forma indireta desestimular a acumulação de renda com casas de aluguel e estimulava a aquisição das casas próprias (SILVA, 1989). 9 Brasília só foi inaugurada em 1960 passando então a ser a Capital Federal. Guia Geográfico. História do Brasil. Brasil no Século XX. Disponível em: <http://www.historia-brasil.com/seculo-20.htm>. Acesso em: 23/10/2015 às 10h11min. Serviço Social: direitos e políticas sociais 108 Série Sociedade e Ambiente inflação, o que leva o modelo que executava a política habitacional no país entrar em colapso. Nesta época o foco de demandas dos trabalhadores estava no quesito econômico, na busca por melhores salários para suprimento de suas necessidades de consumo, o que levava a ideia de que a questão habitacional não parecia ser prioridade (SILVA, 1989). Durante o Governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1960), evidenciam-se mais problemas quanto à questão habitacional, onde decorrente da migração campocidade, se acentua um crescente processo de urbanização, o que acaba por contribuir com o aumento de camadas populares. Todavia, Kubitschek não tinha como prioridade a questão habitacional, dentre seus planos de Metas, a habitação popular não constava como prioridade (SILVA, 1989). Neste período ainda, é criado em 1956, o Serviço Especial de Recuperação de Habitações Anti-higiênicas (SERFHA), para ampliar a atuação além das favelas até cortiços, habitações precárias, vilas etc. Mais tarde o SERFHA passou a atuar como mediador na relação do Estado com os moradores das favelas na perspectiva de levá-los a independência o que significa não depender dos favores políticos (NOAL e JANCZURA, 2011). Em 1961 a 1964, o país vive uma conjuntura especifica com Jânio Quadros e João Goulart, quando se assiste a uma tentativa de retorno ao racionalismo desenvolvimentista e se intensifica a política populista (SILVA, 1989). Neste governo o processo de favelização se alastra, trazendo o destaque das habitações precárias sem condições de moradia. Jânio então decreta duas medidas: O Plano de Assistência Habitacional que chega para revigorar a FCP, e a criação do Instituto Brasileiro de Habitação (IBH), precursor do Banco Nacional de Habitação (BNH), para regulação de recursos. O caráter excludente definido na Política Habitacional barrava o acesso de várias pessoas, uma vez que, para o acesso à casa própria se exigia tempo de residência na cidade, estabilidade no emprego e capacidade de trabalho. Todavia, diante da renúncia de seu mandato em menos de um ano, Jânio não pode obter sucesso em cumprir seus projetos e metas (SILVA, 1989). Com a renúncia de Jânio em 25 de agosto de 1961, João Goulart assume o poder, se caracterizando pela efervescência dos movimentos populares, na cidade e no campo, o Governo Goulart cria um planejamento governamental, considerando a necessidade de coordenação de recursos e atividades desenvolvidos pelos órgãos encarregados de habitação10 . A distância entre as necessidades sociais e a falta de recursos para sanar a ocorrência de habitações populares fizeram com que o quadro se agravasse, dado o intenso processo de urbanização que grandes cidades vinham se submetendo, sendo construídas entre 1937 e 1964 apenas 20 mil moradias em todo o país o que reafirma a pouca atenção dispensada pelo governo sobre os programas habitacionais (SILVA, 1989). Com a crescente dos programas de remoção das favelas, os moradores passam a intensificar a luta pela permanência nas suas áreas, quando então realizam dois congressos estaduais, 1964 e 1968, cuja palavra de ordem era a luta pela urbanização, contra a remoção. Neste período conforme o autor ocorre o ápice da intervenção pública, sobre a política habitacional, pela exclusão das classes populares às possibilidades de uma moradia que pudesse abrigar o trabalhador e sua família, com o mínimo de dignidade (SILVA, 1989). Em 1964 cria-se pela lei Nº. 4380, de 21 de agosto deste mesmo ano, o Banco Nacional de Habitação (BNH), o Plano Nacional de Habitação (PNH) e o Serviço 40 10 Os órgãos encarregados pela habitação nesta época eram: Carteiras Imobiliárias dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões e Fundação da Casa Popular (SILVA, 1989). Serviço Social: direitos e políticas sociais 109 Série Sociedade e Ambiente Federal de Habitação e Urbanismo. O BNH foi criado com o principal objetivo de atender com moradia a demanda da população de mais baixa renda não contemplada com a política anterior (LEHFELD, 1988). O BNH foi criado como um sistema único e centralizava todas as ações do setor, controlando todas as instituições públicas e privadas e norteando a política habitacional do país. Para manter o BNH e financiar os imóveis, os recursos financeiros derivavam-se da arrecadação do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS), este criado dois anos após o BNH, em 1966. Com os depósitos de 8% do salário mensal dos trabalhadores, essa porcentagem era transformada pelo governo administrativamente em capital imobiliário, mediante repasses do BNH aos agentes financeiros do setor imobiliário e urbanístico (NOAL e JANCZURA, 2011). O modelo de política habitacional implantado pelo BNH se baseava em um conjunto de características identificadas por meio dos seguintes elementos: Criação do sistema financiamento possibilitando a captação de recursos específicos e subsidiados, o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE); Criação e operacionalização de um conjunto de programas que estabeleceram, em nível central, as diretrizes gerais a serem seguidas, de forma descentralizada, pelos órgãos executivos; Criação da agenda de redistribuição dos recursos, funcionando em nível regional; E, a criação de uma rede de agências, nos estados da federação, responsáveis pela operação direta das políticas e fortemente dependentes das diretrizes e dos recursos estabelecidos pelo órgão central (BRASIL, 2004, p.9). 110 Em 1964, durante o governo de Castelo Branco, o país apresenta um quadro social crítico determinado por dois eixos fundamentais: a situação crítica vivenciada pelas massas urbanas, com o crescimento do exército industrial de reserva e com o poder aquisitivo determinado pela elevada inflação, e a questão rural acenada pelo governo anterior, com a promessa de reforma agrária (SILVA, 1989). Azevedo & Andrade referenciado por Silva (1989 p.52) afirma que: “o programa de desfavelamento em massa contribuiu para que o mercado popular se beneficiasse, nesse primeiro momento, com 40,7% das habitações financiadas pelo BNH de 1964 a 1969”. Foi neste programa que se deu a primeira grande crise financeira do BNH, chegando a atingir 60% de mutuários em inadimplência devido à redução no poder aquisitivo dos trabalhadores (SILVA, 1989, p. 58). Neste período o Brasil vivenciava os desdobramentos da ditadura militar11 , onde militares e tecnocratas estavam à frente do poder. Castelo Branco buscava reerguer a economia, assim, iniciou um projeto para implantar o sistema capitalista liberal, com redução da participação do governo na economia. Porém, com a estruturação do “Estado burocrático autoritário”12 o projeto foi definitivamente abandonado. O período foi marcado por forte repressão, cassações de mandatos, de direitos políticos, chegando até aos movimentos sindicais e estudantis e centrando-se em uma luta popular nas favelas contra a repressão (SILVA, 1989, p.55-56). 41 42 11 Na madrugada do dia 31 de março de 1964, um golpe militar foi deflagrado contra o governo legalmente constituído de João Goulart. Este período marcou a história do Brasil como anos de autoridade extrema. Fundação Getúlio Vargas. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/Golpe1964>. Acesso em: 12/07/2015 às 14:55. 12 Estado burocrático autoritário: constituído a partir do golpe ocorrido no governo de Costa e Silva sobre o castelismo que ainda representava a corrente liberal conservadora. Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente Castelo Branco busca em seu governo executar o plano habitacional na tentativa de buscar sua legitimação social, com o intuito de atenuar a crise econômica, o programa habitacional serviu como meio do governo mostrar preocupações quanto às necessidades do povo, buscando a “estabilidade social” e a “ordem”, itens necessários para o desenvolvimento do capitalismo internacional no país (SILVA, 1989, p. 50). Historicamente no Brasil os ganhos sociais são pautados na manutenção do status quo, no sentido da manutenção do sistema exploratório da produção capitalista. Conforme Silva (1989), Castelo Branco vê seu projeto de restabelecer rapidamente a economia do país e implantar um sistema capitalista liberal ser definitivamente abandonado. Inicia-se um novo período, a instalação de uma nova Constituição em 1962 e a intensificação da repressão em todos os setores da sociedade, especificamente nos sindicatos e nas favelas, definindo-se progressivamente, como alternativa para atender à demanda de uma nova classe média que surge no novo contexto econômico do capitalismo monopolista. Os objetivos “sociais” que transformam o período 1969-1973 numa intensa operação anti-favela no Rio de Janeiro são desenvolvidos juntamente com um processo de mecanismos para superação da crise e elitização da Política de Habitação Brasileira (PHB), o programa habitacional vive sua primeira grande crise financeira com o fracasso dos programas de remoção de favelas, chegando a existir, segundo dados do Serviço de Estatísticas do BNH, 60% de mutuários em inadimplência, e em 30% em insolência, o que levou à paralisação total desses programas em 1973 (SILVA, 1989). O BNH então busca medidas que permitisse o retorno do capital empregado para posterior reinserção, os recursos para financiamento de habitações são canalizados para a classe média que se amplia e cresce politicamente pelo significado que desfruta perante o novo modelo econômico, além de garantir o retorno financeiro e a lucratividade que o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) resolve assumir para orientar suas transações, são tomadas duas medidas que se voltam para superar a dificuldade fundamental, então apresentada pelo SFH: Plano A- erradicação de favelas e às classes de baixa renda e o reajustamento das prestações que se dava juntamente com o reajuste do salário mínimo, isto é, anualmente, após dois meses de sua fixação. Plano B- reajuste da prestação trimestralmente, com vigência a partir do primeiro dia de cada trimestre, e obedecia à correção monetária como parâmetro de reajuste (SILVA, 1989 p. 60). Em 1971, o BNH é transformado em empresa pública, com a justificativa de buscar maior flexibilidade administrativa, tendo em vista maior capacidade operacional no desenvolvimento de programas, já em 1974 são tomadas medidas de grande alcance para atrair certa e segura estabilidade do sistema (SILVA, 1989). No período de 1974 a 1979, o país é governado por Ernesto Geisel o qual se caracteriza por significativas mudanças políticas e econômicas. Diante da crise do comercio mundial, elevação da inflação, crescimento da dívida externa e o enfraquecimento do poder aquisitivo dos trabalhadores, os movimentos populares surgem nas grandes cidades, somados a força do movimento operário organizado como oposição as direções sindicais atreladas ao governo (SILVA, 1989). As reivindicações não se voltam apenas as melhorias imediatas de luz, água e saneamento básico, mas também levanta questionamentos a PHB na luta por direito à moradia. Diante de toda a conjuntura econômica e política a PHB é pressionada a cumprir com as funções de legitimação e de estabilidade social, iniciando-se nesse Serviço Social: direitos e políticas sociais 111 Série Sociedade e Ambiente período o processo de transição rumo à democracia. O governo de Ernesto Geisel coincide com o fim do milagre econômico13 (SILVA, 1989). João Batista Figueiredo assume o governo de 1979 até 1985, em um momento que o país mergulha numa forte recessão. Através da pressão popular o Plano Habitacional é visto como alternativa de geração de emprego e oportunidade de crescimento industrial da construção civil. Pressionado pela massa popular que já reivindicava melhorias habitacionais, Figueiredo procura criar alguns programas visando a superação da crise econômica do BNH e as solicitações que vinham da população (SILVA, 1989). Entre os programas criados destacam-se: O Programa Nacional de Autoconstrução (Projeto João de Barro) o PROMORAR14 , o PROFILURB15 , as COHABs16 , o POC17 , o FAHBRE18 , o FUNDHAB19 . No projeto João de Barro a população oferecia mão de obra na construção de suas casas, representando para a classe proletária uma estratégia possível para continuar vivendo na cidade, já que a crise econômica era o que lhes impossibilitavam o acesso à política habitacional (SILVA, 1989). A Nova República surge entre 1983 a 1984, quando o País mobilizou-se na campanha pelas “Diretas Já20 !”. Esta Nova República reforça o compromisso da estruturação de uma nova política habitacional, como uma das promessas de resgate da dívida social. A abertura política iniciada no governo Ernesto Geisel em 1979 pressiona e leva ao fim do Regime Militar repressor que perdurou por 21 anos (1964-1985), período este que ficou marcado pela ausência total de direitos. Desta forma, em 1985 se inicia a redemocratização do Brasil, movimento este que culminou com a campanha das eleições para presidente em 1984, a partir de um forte movimento das massas por todo o país (SILVA, 1989). Durantes os anos de 1983 – 1986 o órgão gestor da PHB embarca em um crescente impasse financeiro, o que leva a decretar falência e consequentemente sua extinção, em novembro de 1986. O governo então anuncia a necessidade de uma reformulação completa no SFH, onde as diretrizes básicas da política habitacional a serem adotadas no período de 1986/1989 são voltadas a política urbana, com a proposta de ampliar significativamente o atendimento das populações de baixa renda que vivem precariamente na periferia das cidades, em favelas e cortiços, priorizando a maior participação dos Estados, Municípios e beneficiários finais no processo decisório (SILVA, 1989). Em 1985 Tancredo Neves foi eleito ao cargo de presidente da República. A tão esperada posse, no entanto, nunca ocorreu. No dia 14 de março, véspera de assumir o 43 44 46 47 48 45 49 50 13 O rápido crescimento econômico do país chega ao fim em 1974, com uma crise mundial provocada pela crise do petróleo. A conjuntura econômica do país entra em declínio. O elevado aumento do petróleo no mercado mundial afetou diretamente a economia brasileira. Conforme Silva: “No plano econômico assiste-se à crise do comércio mundial e à crise do petróleo, registrando-se no plano interno, uma conjuntura econômica de declínio relativo, o que permitiu a desmistificação do “milagre econômico” e representou elevação da inflação, declínio no índice de crescimento econômico, progressivo crescimento da dívida externa e diminuição das possibilidades e investimento do governo” (SILVA, 1989, p. 63). 14 Programa de Erradicação da Submoradia. 15 Programa de Financiamentos de Lotes Urbanizados. 16 Companhias de Habitação Popular. 17 Plano de Opção de Compra e Venda. 18 Fundo de Apoio a Produção de Habitação para População de Baixa Renda. 19 Fundo de Assistência Habitacional. 20 Diretas Já foi um dos movimentos de maior participação popular, da história do Brasil. Teve início em 1983, no governo de João Batista Figueiredo e propunha eleições diretas para o cargo de Presidente da República. A campanha ganhou o apoio dos partidos PMDB e PDS, e em pouco tempo, a simpatia da população, que foi às ruas para pedir a volta das eleições diretas. Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/diretas-ja/>. Acesso em: 15/07/2015 às 14h01min. Serviço Social: direitos e políticas sociais 112 Série Sociedade e Ambiente cargo, o ex-governador de Minas Gerais teve de ser operado às pressas no Hospital de Base, em Brasília. Era o início de um pesadelo, um grave problema de saúde que o levou a óbito21 . Decorrente do falecimento de Tancredo, seu vice José Sarney assume o cargo (1985 – 1989). A partir de então o período ficou conhecido como “Nova República” o qual se apresenta como Estado de transição entre um regime autoritário, excludente, para um regime que se propõe a ser mais representativo com prioridade para restauração das instituições democráticas (SILVA, 1989). Após tomar posse como Presidente, Sarney se depara com a política habitacional herdada pela Nova República cheia de emenda e ajustes buscando a contenção da crise econômica. A política habitacional oferecida pela Nova República se expressava pela institucionalização do sobre trabalho, adotando o sistema de “mutirão e autoconstrução” (SILVA, 1989). Em agosto de 1985 é criado o Grupo de Trabalho para Reformulação do Sistema Financeiro de Habitação (GTR/SFH), com a missão de apresentar ao governo federal, subsídios e sugestões para reformulação da política habitacional. Novas medidas e propostas foram estabelecidas: o reconhecimento da necessidade de subsídios para habitação popular e a priorização do atendimento às famílias de baixa renda; a necessidade de descentralização e transparência das medidas de política habitacional e a participação popular (SILVA, 1989). As medidas advindas do GTR/SFH não foram suficientes para conter a crise do BNH, que não correspondia ao objetivo principal de sua criação que era atender as demandas da população de baixa renda, apesar de em seus 22 anos de atuação apresentar significativa participação na política habitacional. Diante da crescente crise do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) o BNH acabou sendo extinto em 1986, e suas atribuições passaram a Caixa Econômica Federal (CEF) e a habitação vinculou-se ao Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU) (BRASIL, 2004). Entretanto, após um ano de extinção do BNH, a crise da habitação continuou se agravando e as medidas de política habitacional decretadas permaneceram ainda insuficientes para uma reativação do mercado imobiliário, pelo menos no nível dos anos anteriores. A crise habitacional, os obstáculos para acesso a casa financiada pelo SFH, elevados custos da construção civil, são alguns dos entraves para a possibilidade de participação no mercado imobiliário (SILVA, 1989). No ano de 1987, o Ministério de Desenvolvimento Urbano (MDU) mudou para Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (MHU), assumindo as competências do antigo setor, as políticas de transportes urbanos e a Caixa Econômica Federal. No ano seguinte (1988), com as novas mudanças que ocorreram, o MHU mais uma vez muda, agora para Ministério da Habitação e do Bem Estar Social (MBES) 22 , concentrando então a gestão habitacional do País (BRASIL, 2004). Com a Constituição de 1988 e a reforma do Estado, o processo de descentralização é redefinido, estabelecendo as competências e atribuições dos Estados e Municípios, propondo a cada um gerenciar os programas sociais, o qual constava o de habitação (BRASIL, 2004). E foi a partir daí que a moradia ganhou espaço como direito social, contido no artigo 6º da Constituição como um dos elementos que devem ser assegurados ao 51 52 21 Tancredo Neves lançou-se candidato pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro, de oposição. Venceu em 15 de janeiro de 1985, data que simboliza o fim de mais de vinte anos de ditadura militar. NOVA ESCOLA, 2000. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/sonho-drama-presidente-423064.shtml> - acesso em: 15/07/2015 ás 14h39min. 22 Conforme decreto no 96.634, de 2 de setembro de 1988. (Revogado). Serviço Social: direitos e políticas sociais 113 Série Sociedade e Ambiente cidadão, podemos destacar ainda, o artigo 182 que dispõe sobre a Política de Desenvolvimento Urbano, estabelecendo que: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bemestar de seus habitantes. O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (BRASIL, 1988, p. 110). Desta forma, cada município passou a considerar o Direito Urbanístico como propriedade urbana de interesse público, sendo então conduzido pelo Poder Público Municipal com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes. O Ministério da Habitação e do Bem Estar Social (MBES) foi extinto em março de 1989, quando então é criada a Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária (SEAC), sob competência do Ministério do Interior. Contudo as atividades financeiras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e da Caixa Econômica Federal (CEF) vinculam-se ao Ministério da Fazenda, e também a Secretaria de Política Urbana (SEPURB) no âmbito do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), esfera esta que ficaria responsável pela formulação e implementação da Política Nacional de Habitação (BRASIL, 2004). O período de (1985-1990) convivia ainda com a contínua crise no Sistema Financeiro da Habitação, o então Presidente José Sarney substitui alguns programas habitacionais como o PROFILURB, o PROMORAR e o João-De-Barro, pelo programa Nacional do Mutirão23 , que buscava atender as populações de um a três salários mínimos em âmbito federal (SILVA, 1989). A partir de 1988, diante de uma nova Constituição, os movimentos sociais ganham força e realizam o primeiro Seminário Nacional de Moradia Popular, executado pelo Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1990 na cidade de São Paulo, onde grupos de todas as regiões estiveram presentes. O evento dá início à articulação nacional e mobilização pelo projeto de lei de iniciativa popular do Fundo Nacional de Moradia Popular (MCIDADES, 2010, p. 23). Entre os anos de 1990 e 1992 esteve no poder Fernando Afonso Collor de Melo, um curto espaço de tempo, tendo seu governo se caracterizado no quesito habitacional como uma atuação política pouco consistente e não coerente como se esperava com os planos e ações voltadas à população mais necessitada. No período Collor entra em ação o Plano de Ação Imediata para Habitação (PAIH), cuja pretensão era construir em 180 dias mais de 200 mil unidades, embora o objetivo fosse plausível, não se revelou consistente, os recursos não foram aplicados de forma eficiente e eficaz. O prazo se estendeu e os custos foram superiores ao estipulado, o que gerou a escassez do recurso antes do esperado e consequentemente a redução de imóveis antes planejados (AZEVEDO apud NOAL e JANCZURA 2011, p.165). A crise aumenta, as políticas públicas no período Collor foram superficiais, as medidas estabelecidas não obtiveram êxitos totais. O Sistema Financeiro Habitacional (SFH) não alavanca, dada a dificuldade sobre o gerenciamento durante a crise, no que 53 2353 Muito parecido com o modelo de “autoconstrução” onde as famílias construíam as próprias casas, o mutirão era uma forma de super exploração da população, várias famílias se reuniam para em conjunto desenvolver o trabalho (SILVA, 1989). Serviço Social: direitos e políticas sociais 114 Série Sociedade e Ambiente diz respeito à habitação, o afetado (a grande massa de trabalhadores, pessoas de baixa renda) estava sempre em desvantagem, ora a crise econômica, ora a má utilização dos recursos públicos. Diante de toda turbulência, dada a instabilidade na área política e econômica, o governo Collor de Melo termina com o impeachment24 (NOAL e JANCZURA, 2011, p.165). Após o impeachment de Collor, assume o governo Itamar Augusto Cautiero Franco (Itamar Franco) Presidente no período de 1992 a 1995. Segundo Azevedo (apud NOAL e JANCZURA, 2011, p.165), Itamar procurou redesenhar a área de habitação de forma a aumentar o controle social e a transparência dos programas, bem como à conclusão das obras inacabadas e suspensas do governo anterior. Em 1993, é fundada a Central dos Movimentos Populares (CMP) buscando a articulação de diferentes movimentos populares, que resulta no nascimento do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e a União Nacional por Moradia Popular (UNMP). Os movimentos passam a contar com o apoio da Confederação Nacional de Associação de Moradores (CONAM) fundada em janeiro de 1982. Somando forças, os quatro movimentos participam do Fórum Nacional da Reforma Urbana, articulando a luta pelo direito à moradia e o direito à cidade (MCIDADES, 2010). Em 1994, é estabelecida como prioridade pelo Governo Federal a conclusão das obras iniciadas na gestão anterior. Concomitante a isso, o governo lança os programas Habitar Brasil e Morar Município, com recursos oriundos do Orçamento Geral da União e do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF) (BRASIL, 2004). Nos anos de 1996 a 2002, por dois mandatos consecutivos, esteve no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Durante seu governo, FHC adotou uma Política de Habitação de parceria entre Estados, Municípios, Setor Privado e ONGs, com a proposta de discutir a Política Habitacional integrada à Política Urbana, Política de Saneamento Ambiental e políticas complementares. Denominando-a como Política de Estado, não vinculada apenas à gestão de governo (SANTOS, 2009). Neste período, as áreas de habitação e desenvolvimento urbano não tiveram recursos suficientes da esfera federal, o que força os governos estaduais e municipais buscarem novas linhas de créditos para financiar a área habitacional. Uma das opções foi a reabertura de contratações com recursos do Fundo de Garantia por tempo de Serviço (FGTS), suspenso desde 1991 (SANTOS, 2009, p.11). Os autores Noal e Janczura (2011, p.165), destacam no governo FHC a estabilidade da economia brasileira, marca positiva obtida em função do controle da inflação e da estabilidade monetária, consequências da continuidade do Plano Real, que fora iniciado no governo Itamar Franco. Todavia, sob forte influência neoliberal o Estado não interviu diretamente no quesito habitacional, deixando de lado os avanços constitucionais e o papel de regulador social. O déficit habitacional só aumentou, cerca de sete milhões de famílias estavam vivendo sem condições mínimas de moradia. Diante da dificuldade do Estado em oferecer à população o acesso aos bens públicos dentre eles a moradia, o déficit resultou na soma de falta de moradia com o crescimento populacional. O que levou ao proliferamento das favelas e dos chamados “sem-tetos”, gerando o crescimento 54 24 Impeachment é uma expressão inglesa usada para designar a cassação de um chefe do Poder Executivo. Significa também impedimento, impugnação de mandato, retirar do cargo uma autoridade pública do poder Executivo. A execução do Impeachment pode ser realizada quando o chefe do Poder Executivo comete alguma violação, tais como abuso de poder, crime de responsabilidade, crime comum, violação da constituição, perda de confiança entre outras. FREITAS, 2015. Disponível em:<http://www.brasilescola.com/politica/impeachment.htm>. Acesso em: 19/07/2015 às 16h19min. Serviço Social: direitos e políticas sociais 115 Série Sociedade e Ambiente desenfreado da pobreza, da marginalização e da criminalidade (NOAL e JANCZURA, 2011, p. 166). Segundo dados da Política Nacional de Habitação: As taxas de crescimento dos domicílios favelados superam, e muito, as taxas de crescimento dos domicílios totais no País. Entre 1991 e 2000, enquanto a taxa de crescimento domiciliar foi de 2,8%, a de domicílios em favelas foi de 4,18% ao ano. Entre 1991 e 1996 houve um aumento de 16,6% (557 mil) do número de domicílios em favelas; entre 1991 e 2000 o aumento foi de 22,5% (717 mil). De acordo com o IBGE, em 2000 havia no Brasil 3.905 favelas com um total de 1.644.266 domicílios (BRASIL, 2004, p.22). Os dados mostram que o número das famílias excluídas do acesso à moradia digna chegava a milhões no Brasil. Indicando que o atendimento seria necessário no âmbito quantitativo e qualitativo, uma vez que seria preciso a construção de 7,2 milhões de novas moradias. Divididas em 5,5 milhões nas áreas urbanas e 1,7 milhões nas áreas rurais. Concentravam-se maior necessidade habitacional os Estados do Sudeste (39,5%) e do Nordeste (32,4%), dentre esses, estão as classes sociais na faixa de renda de até 2 salários mínimos (BRASIL, 2004, p.17). A fim de estabelecer diretrizes para a Política Urbana, regulamentando o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, articulado com o equilíbrio ambiental, o Estatuto das Cidades foi criado em 10 de julho de 2001, sob a Lei nº 10.257 baseada nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988. (SCHIMITZ, 2010, p. 21). Segundo Estatuto das Cidades (2010, p. 25), a validade do mesmo estava na sua efetiva implementação, o que levou o Fórum Nacional pela Reforma Urbana, muitas universidades, ONGs e movimentos a realizarem inúmeros cursos de capacitação sobre o conteúdo do Estatuto da Cidade. O objetivo dos cursos foi capacitar e tornar os instrumentos do Estatuto comum à população, com destaque para seus princípios: cumprimento da função social da cidade e da propriedade; justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização; e gestão democrática da cidade (MCIDADES, 2010). Ainda sobre o Estatuto das Cidades, Schimitz (2010, p. 21) destaca: O Estatuto das Cidades aborda a importância da parceria entre governos, iniciativa privada e demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social e determina também a criação de planos diretores municipais Regulamentam os institutos tributários como Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) institutos jurídicos como desapropriação de terras e as formas de contrato como Concessão do Direito Real de Uso CDRU25 (SCHIMITZ, 2010, p. 21). 55 2555 CDRU - Abreviação do contrato de Concessão de Direito Real de Uso. Pode ser gratuita ou onerosa, individual ou coletiva. É o Contrato Administrativo que transfere direitos reais da propriedade e pode ser transmissível por ato Inter vivos e causa mortis. Prevista no Decreto-Lei nº 271/1967 e na Lei nº 9.636/1998 (que prevê sua aplicação para os terrenos da União) poderá ser aplicada nos casos previstos em terrenos de marinha e acrescidos – áreas inalienáveis; em áreas vazias destinadas à provisão habitacional; em áreas ocupadas, sujeitas à pressão imobiliária ou em áreas de conflito fundiário; no uso sustentável das várzeas e para a segurança da posse de comunidades tradicionais; e para fins comerciais. BRASIL, s/d. Disponível em: <http://antigo.planejamento.gov.br/ministerio.asp?index=9&ler=s1145#cdru>. Acesso em: 19/07/2015 às 19h44min. Serviço Social: direitos e políticas sociais 116 Série Sociedade e Ambiente Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) Presidente em exercício, participou da criação do Ministério das Cidades (MCIDADES) pela Lei Federal nº 10.683. Este Ministério foi criado na realização da Conferência Nacional das Cidades, processo participativo que envolveu 3.400 municípios, todos os Estados da Federação e contou com mais de 2.500 delegados eleitos para debater a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (BRASIL, 2010). A estrutura do Ministério contou com a criação da Secretaria Nacional de Habitação, a Secretaria Nacional de Programas Urbanos, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental e a Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana, o que permitiu a integração setorial da política de habitação, com saneamento ambiental, mobilidade e transporte coletivo, equipamentos, serviços urbanos e sociais (Idem, 2010). Em 2004 criou-se o Conselho das Cidades (CONCIDADES26 ), representando a materialização de um importante instrumento de gestão democrática da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU). O CONCIDADES é um órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, integra a estrutura do Ministério das Cidades, que tem por finalidade estudar e propor diretrizes para a formulação e implementação da PNDU, bem como acompanhar a sua execução. Proporcionando o debate voltado para a política urbana junto com o setor produtivo; organizações sociais; ONGs; entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa; entidades sindicais; e órgãos governamentais (MCIDADES, 2004). Atualmente, o CONCIDADES está constituído por 86 titulares, 49 representantes de segmentos da sociedade civil e 37 dos poderes públicos federal, estadual e municipal, além de 86 suplentes, com mandato de dois anos. Incluem ainda na sua composição, 09 observadores representantes dos governos estaduais, que possuírem Conselho das Cidades, em sua respectiva unidade da Federação (MCIDADES, 2004). No ano de 2005, através da Lei Federal nº 11.124, é criado o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), sendo instituído também seu conselho Gestor (CGFNHIS). O Fundo é centralizado, onde os recursos fiscais são destinados à implementação dos programas estruturados no âmbito do SNHIS. Já o Conselho Gestor do FNHIS é constituído por integrantes do Conselho das Cidades, com um gerenciamento democrático e participativo, contando com representantes de diversos segmentos sociais (BRASIL, 2010). Em 2007, é lançado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), durante o segundo mandato do Presidente Lula, que voltou ao governo retomando investimentos nas áreas de habitação e saneamento. O Ministério do Planejamento destaca que o objetivo do PAC foi “promover a retomada do planejamento e execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do país, contribuindo para seu desenvolvimento acelerado e sustentável”. Este programa foi planejado como estratégia para fortalecer o planejamento e retomar investimentos nos setores estruturantes do país (BRASIL, 2010). Em 2009, o governo lança o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), com a pretensão de financiar a construção de um milhão de moradias tendo por foco o mercado privado. Foi neste período que pela primeira vez na história foi direcionado um montante de R$ 16 bilhões de subsídios para financiamento da moradia social (BRASIL, 2010). 56 26 Conselho das Cidades. Escrito por Marcilio Marques de Farias. 2004. Disponível <http://www.cidades.gov.br/index.php/o-conselho-das-cidades.html>. Acesso em: 19/07/2015 às 20h22min. Serviço Social: direitos e políticas sociais em: 117 Série Sociedade e Ambiente O Plano Nacional de Habitação (PLANHAB) foi finalizado em dezembro de 2008, sendo este um dos instrumentos previstos para a implantação da nova Política Nacional de Habitação. O PLANHAB é parte de um processo articulado aos instrumentos de planejamento e orçamento de longo prazo para equacionar as necessidades habitacionais do país, com previsão de revisões periódicas. Objetivando o direcionamento de recursos com o intuito de enfrentar as necessidades habitacionais do país, apresenta estratégias para os eixos estruturados da política habitacional, sendo elaborado para orientar o planejamento das ações públicas e privadas no setor habitacional durante 15 anos, de 2011 até 2023 (BRASIL, 2010). A Política Nacional de Habitação (PNH) tem como principal objetivo promover condições de acesso à moradia digna a todos os segmentos da população, especialmente o de baixa renda, contribuindo para a inclusão social. Desta forma, definem-se as prioridades: Integração Urbana de Assentamentos Precários27 , a urbanização, regularização fundiária28 e inserção de assentamentos precários, a provisão da habitação e a integração da política de habitação à política de desenvolvimento urbano. A PNH conta com um conjunto de instrumentos que viabiliza sua implementação. São eles: o Sistema Nacional de Habitação (SNH)29 , o Desenvolvimento Institucional, o Sistema de Informação, Avaliação e Monitoramento da Habitação, e o PLANHAB (BRASIL, 2004). Luís Inácio Lula da Silva adotou um discurso voltado para a área social no início de sua gestão, mas, enfrentou problemas com o setor de construção civil. O déficit de habitações era grande e a construção de novas moradias não acompanhava o desfalque. Desta forma, o Presidente buscou atuar com mudanças diretamente na microeconomia a fim de tornar favorável o mercado imobiliário e de construção civil, propondo ações como: redução da carga tributária de produtos utilizados na construção, direcionamento e a liberação de mais recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e principalmente do FGTS à Caixa Econômica Federal e também a outros agentes financeiros, redução da taxa de juros, criação de subsídios para aquisição de imóveis novos e para construções e dilatação de prazos de financiamentos (NOAL; JANCZURA, 2011). Em 2011, é eleita pela primeira vez uma mulher para a presidência do país, no dia 1º de janeiro, tomando posse Dilma Vana Rousseff (Dilma Rousseff). No quesito 57 58 59 27 A categoria “assentamentos precários” abrange as inúmeras situações de inadequação habitacional e de irregularidade fundiária que constituem as formas predominantes de moradia das pessoas e famílias de baixa renda no Brasil, incluindo as tipologias tradicionalmente adotadas nas experiências de intervenções em assentamentos precários: - cortiços, entendidos como habitação coletiva, constituída por edificações subdivididas em cômodos alugados, subalugados ou cedidos a qualquer título; super-lotados e com instalações sanitárias de uso comum dos moradores dos diversos cômodos; - favelas, definidas como aglomerados de domicílios autoconstruídos, dispostos de forma desordenada, geralmente densos e carentes de serviços públicos essenciais, ocupando terreno de propriedade alheia (pública ou particular); - loteamentos irregulares, ocupados por moradores de baixa renda, como, por exemplo, lote executado sem aprovação do poder público ou sem atender as condições exigidas no processo de aprovação, geralmente caracterizado pela autoconstrução das unidades habitacionais e pela ausência ou precariedade de infraestruturas urbanas básicas; - conjuntos habitacionais, produzidos pelo poder público, que se acham degradados por falta de manutenção ou porque sua execução foi incompleta, demandando ações de reabilitação e adequação. BRASIL, 2010. Disponível em: <http://www.capacidades.gov.br/media/doc/biblioteca/SNH010.pdf>. Acesso em: 20/07/2015 às 13h50min. 28 A Lei nº 11.977/2009 em seu artigo 46 define regularização fundiária como: Conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm>. Acesso em: 20/07/2015 às 13h38min. 29 Compõem ainda o SNH: o Ministério das Cidades, o Conselho das Cidades, o Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, o Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. São agentes deste sistema a Caixa Econômica Federal, Agentes Financeiros Promotores e Técnicos (estatais, públicos não estatais ou privados), o Banco Central do Brasil e o Conselho Monetário Nacional (BRASIL, 2004). Serviço Social: direitos e políticas sociais 118 Série Sociedade e Ambiente habitação, a presidenta da sequência ao trabalho iniciado na gestão do governo anterior, bem como, traça algumas diretrizes30 com destaque para a 10ª diretriz que prevê: 60 Previsão de construir mais de 2 milhões de moradias com o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. Prover as cidades de habitação, saneamento, transporte e propiciar vida digna e segura aos brasileiros, dando prosseguimento à democratização do acesso à terra urbana e a regularização da propriedade nos termos da lei, bem como a universalização do saneamento e apoio a gestão integrada de resíduos sólidos. Visando prevenir desastres ambientais, previsão da criação de um programa nacional de defesa urbana. Será continuado o programa que objetiva dotar as cidades de transporte coletivo eficiente, expandindo o metrô nas principais cidades do País. Todas as políticas urbanas se articularão com a necessidade de desenvolvimento econômico e ambiental dos territórios, de inclusão social e de promoção de uma cultura de paz nas cidades (BRASIL. Diretrizes de Governo, s/d). As diretrizes estabelecidas junto ao plano de governo da presidenta, no que diz respeito a habitação, condiz com a Política Nacional de Habitação (PNH) que é regida pelos seguintes princípios: Direito à moradia, enquanto um direito humano, individual e coletivo, previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Brasileira de 1988. O direito à moradia deve ter destaque na elaboração dos planos, programas e ações, colocando os direitos humanos mais próximos do centro das preocupações de nossas cidades; Moradia digna como direito e vetor de inclusão social garantindo padrão mínimo de habitabilidade, infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade, transporte coletivo, equipamentos, serviços urbanos e sociais; Função social da propriedade urbana buscando implementar instrumentos de reforma urbana a fim de possibilitar melhor ordenamento e maior controle do uso do solo, de forma a combater a retenção especulativa e garantir acesso à terra urbanizada; Questão habitacional como uma política de Estado uma vez que o poder público é agente indispensável na regulação urbana e do mercado imobiliário, na provisão da moradia e na regularização de assentamentos precários, devendo ser, ainda, uma política pactuada com a sociedade e que extrapole um só governo; Gestão democrática com participação dos diferentes segmentos da sociedade, possibilitando controle social e transparência nas decisões e procedimentos; E articulação das ações de habitação à política urbana de modo integrado com as demais políticas sociais e ambientais (BRASIL, 2004, p. 30, 31). Nesta mesma perspectiva do reconhecimento da moradia digna como direito do cidadão, a PNH busca alcançar os seguintes objetivos: Universalizar o acesso à moradia digna em um prazo a ser definido no Plano Nacional de Habitação, levando-se em conta a disponibilidade de recursos existentes no sistema, a capacidade operacional do setor produtivo e da construção, e dos agentes envolvidos na implementação da PNH; Promover a urbanização, regularização e inserção dos assentamentos precários à cidade; fortalecer o papel do Estado na gestão da Política e na regulação dos agentes privados; Tornar a questão habitacional uma prioridade nacional, integrando, 30 BRASIL. Diretrizes de governo. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/presidencia/diretrizes-de-governo. Acesso em: 20/07/2015 às 14h40min. Serviço Social: direitos e políticas sociais 119 Série Sociedade e Ambiente articulando e mobilizando os diferentes níveis de governo e fontes, objetivando potencializar a capacidade de investimentos com vistas a viabilizar recursos para sustentabilidade da PNH; Democratizar o acesso à terra urbanizada e ao mercado secundário de imóveis; Ampliar a produtividade e melhorar a qualidade na produção habitacional; E incentivar a geração de empregos e renda dinamizando a economia, apoiando-se na capacidade que a indústria da construção apresenta em mobilizar mão-deobra, utilizar insumos nacionais sem a necessidade de importação de materiais e equipamentos e contribuir com parcela significativa do Produto Interno Bruto (BRASIL, 2004 p. 31). Diante das diretrizes estabelecidas, princípios e objetivos da PNH, o Estado tem como obrigação facilitar o acesso a programas de habitação, planejando e fazendo cumprir os projetos habitacionais. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no Governo Dilma, entrou na sua segunda fase, denominada PAC II, com a missão de continuar o que se previu na primeira etapa: planejamento e execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do país, contribuindo para o seu desenvolvimento acelerado e sustentável31 . Entre as áreas contempladas estão mais de 40 mil empreendimentos em todas as regiões brasileiras, com investimentos estimados em R$1 trilhão até o final de 2014, valor que representa 96% do previsto para período 2011-2014, superando em 72% os investimentos realizados no PAC32 . Na área habitacional, o PAC I ainda não foi finalizado, especificamente em Campo Magro obras estão atrasadas e Unidades Habitacionais que estavam no montante destinada para o primeiro lançamento do Programa PAC I não foram entregues, consequentemente o PAC II ainda não foi implantando em sua plenitude no Município. No âmbito habitacional, cabe destacar os atuais Programas33 Federais. 61 62 63 Programa Minha Casa, Minha Vida: Os critérios de renda para beneficiários dividem-se em três faixas, sendo elas: faixa 1, famílias com renda até R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais); faixa 2, famílias com renda até R$ 3.275,00 (três mil, duzentos e setenta e cinco reais) e faixa 3, famílias com renda até R$ 5.000 (cinco mil reais). Os recursos financeiros são oriundos da União e FGTS, onde são adotados os seguintes critérios de priorização: Famílias residentes em área de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigadas; famílias com mulheres responsável pela unidade familiar e famílias que façam parte pessoas com deficiência. Programa de Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários: Recursos disponibilizados pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), participam famílias com renda mensal até R$ 1.395,00 (um mil trezentos e noventa e cinco reais). Programa de Subsidio à Habitação de Interesse Social (PSH): Os recursos são oriundos do Orçamento Geral da União (OGU), com contrapartida dos estados e municípios, os beneficiários são famílias com renda de até 3 salários mínimos. Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR): Modalidade que integra o Programa Minha Casa, Minha Vida, busca atender as famílias do campo, como os agricultores, familiares e trabalhadores rurais. Composto por três grupos de renda, são eles: Grupo 1: famílias com renda bruta anual de até R$ 15.000,00 (quinze mil, reais). Com subsidio integral; Grupo 2: famílias com renda bruta anual de R$ 15.000,01 (quinze mil reais e um centavo) a R$ 31 Disponível em: <http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac>, acesso em: 26/07/2015 ás 17h56min. Ministério do Planejamento. 11º balanço do PAC II. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/sobre-opac/divulgacao-do-balanco>, acesso em: 26/07/2015 ás 18h10min. 33 Ministério das Cidades. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php/habitacao/progrmas-e-acoes-snh>, acesso em: 20/07/2015 ás 15h16min. 32 Serviço Social: direitos e políticas sociais 120 Série Sociedade e Ambiente 30.000,00 (trinta mil reais). Atendidas com o financiamento da moradia ou reforma, pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); Grupo 3: famílias com renda bruta anual de R$ 30.000,01 (trinta mil reais e um centavo) a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). Atendidas com financiamento da moradia ou reforma pelo FGTS. Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): São Projetos Prioritários de Investimento (PPI), os recursos provêm do Orçamento Geral da União (OGU), comado a contrapartida de estados e municípios, as famílias beneficiarias são com renda até R$ 3.750,00 (três mil setecentos e cinco reais). Habitar Brasil – BID: Os recursos são do OGU, contempla famílias com renda de até 3 salários mínimos. Programa de Atendimento Habitacional através do Poder Público (PróMoradia): com recursos do FGTS atende famílias com renda mensal de até R$ 1.395,00 (um mil trezentos e noventa e cinco reais). Programa de Arrendamento Residencial (PAR): Os recursos disponibilizados são do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), somados aos recursos onerosos do FGTS e não onerosos da Fundação de Ação Social (FAS), Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL), Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) e Programa de Difusão de Tecnologia para Construção de Habitação de Baixo Custo (PROTECH). Programa voltado para familias com renda mensal de até R$ 1.800,00 (um mil e oitoscentos reais). Para os casos de reformas das unidades habitacionais a renda não pode ultrapassar a R$ 2.100,00( dois mil e cem reais),sendo estipulada renda mensal máxima de R$ 2.800,00( dois mil e oitocentos reais) para os atendimentos a militares das forças armadas e profissionais da área de segurança.(MCIDADES, 2015). 1.2 A POLÍTICA DE HABITAÇÃO EM CAMPO MAGRO O processo de urbanização das cidades, apresenta uma correlação direta com a questão da habitação. Segundo Silva (1989), esse processo inicia-se ainda no século XX, com o crescente processo de industrialização, aberturas de fábricas e a concentração de trabalhadores advindos do campo. Neste periodo, os primeiros sinais de formação urbana começam a surgir, trabalhadores se concentravam nas regiões centrais das cidades, proximos aos locais de trabalho, muitas vezes em condições precárias de moradia, sinalizando um grande problema habitacional que se instalaria na maioria das cidades brasileiras (SILVA, 1989). Em Curitiba e na região metropolitana a ocupação das cidades apresenta as mesmas características do restante do país. O município de Campo Magro no início de sua formação no ano de 1910, constituia-se em distrito de Almirante Tamandaré, criado através da Lei nº 970. Decorrente do fato, a história da cidade e seus moradores está inevitavelmente ligada à de Almirante Tamandaré, participando principalmente dos acontecimentos politicos. Somente no ano de 1995, através a Lei Estadual nº 11.221 é que passou a ser Municipio de Campo Magro, desmembrando-se do territorio de Almirante Tamandaré, passando a integrar o Núcleo Urbano Central (NUC) da Região Metropolitana de Cuitiba, somente em 1997 Campo Magro foi emancipado, e foi a partir dai que as primeiras ações se desenvolvem para a organização urbana do Municipio (PLHIS, 2015, p. 1734 ). O Municipio atualmente se forma com uma área total de 263 km², sendo 28 km² área urbana e 230 km² área rural, onde o meio urbano constitui-se de 80% de 64 34 Plano Local de Habitação de Interesse Social. Documento interno, 2015, p. 17. Serviço Social: direitos e políticas sociais 121 Série Sociedade e Ambiente pessoas advindas do campo (PLHIS, 2015). Somente uma parte da Cidade de Campo Magro é atendida com saneamento básico, a ausencia deste em boa parte do municipio inviabiliza a implantação de Projetos Habitacionais como por exemplo o Minha Casa Minha Vida (MCMV). Percebe-se que dez anos após a emancipação do município efetivamente a Habitação entrou em questão como necessidade de atuação enquanto questão social. Com a criação do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), lançado em 28 de janeiro de 2007, o Governo Federal unificou um conjunto de Políticas econômicas, com o objetivo de acelerar o crescimento econômico do Brasil. Atendendo a esta demanda, o Município de Campo Magro inscreve-se para participar no Programa, como atendia aos critérios, o Município foi selecionado e contemplado com o PAC I. Em Campo Magro, o PAC l integra o Programa de Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários, dentre seus critérios de seleção de beneficiários a renda das famílias não predomina, uma vez que inseridos nas áreas de intervenção, a família é selecionada independente de sua renda. Todavia, alguns critérios devem ser observados: Residir na área há mais de 5 cinco anos; Ser maior de 18 anos ou emancipado; Estar localizada em situação de risco ou insalubridade, independentemente do tempo de ocupação; Possuir o Número de Inscrição Social (NIS); Estar inserido na poligonal35 do projeto urbanístico (BRUN, 2014). 65 2 SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL E NA POLITICA HABITACIONAL Este capítulo apresentará um breve histórico do Serviço Social no Brasil, destacando os acontecimentos, desde sua origem, regulamentação, reconhecimento e avanços da profissão até os dias atuais. 2.1 HISTÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL A intensidade do desenvolvimento industrial e a expansão do sistema capitalista foram contributivos para o surgimento do Serviço Social como profissão. A crescente dinâmica do capital traz reflexos da questão social, o que por sua vez demanda a atuação profissional com um olhar aprofundado adquirido pelo profissional do Serviço Social. O Serviço Social tem na questão social a base de sua fundação como especialização do trabalho. Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2007, p. 27). A grande contribuição para o surgimento da profissão advém dos movimentos por parte da classe trabalhadora somada a outras camadas populares. Após a Segunda Guerra Mundial, surgem as primeiras Escolas de Serviço Social na Europa influenciadas por ações da Igreja Católica. Neste período, destaca-se a participação dos operários que 35 Refere-se poligonal a área demarcada especificando os locais selecionados para atuação mediante a realocação ou regularização (PTTS, 2014). Serviço Social: direitos e políticas sociais 122 Série Sociedade e Ambiente organizadamente promoveram greves e movimentos, entre 1917 e 1920. Esta movimentação social segundo Iamamoto (2007) influencia no desenvolvimento da profissão: A profissionalização e o desenvolvimento do Serviço Social são fruto do padrão de desenvolvimento do pós-guerra, sob a hegemonia norte-americana, tencionada pela guerra fria, ante as ameaças comunistas. Esse padrão de desenvolvimento demarca um longo ciclo expansionista da economia internacional, sob a liderança do setor industrial (IAMAMOTO, 2007, p. 29). Neste período, impulsionadas pelas necessidades sociais ganham força as instituições assistenciais, que funcionavam sob o pensamento social da Igreja. Em 1920 surge a Associação das Senhoras Brasileiras no Rio de Janeiro, e no ano de 1923 a Liga das Senhoras Católicas em São Paulo. As instituições, embora com caráter assistencial e ações mínimas, contribuíram para o desenvolvimento do Serviço Social, refletindo diretamente na formação das primeiras Escolas de Serviço Social, tendo este processo se iniciado entre 1936 e 1937 (IAMAMOTO, 2007). A formação das Escolas de Serviço Social para Castro (2008, p. 106) “nasciam sobre decisiva inspiração católica”. A organização dessas escolas era realizada por mulheres de classe média, que agiam voltadas para um caráter religioso e filantrópico. As mudanças na formação profissional surgiram com a exigência de algumas instituições para uma formação acadêmica, vinculada à religião e técnica. Inspirada nas intervenções da Igreja sobre o destino da classe operária, as Escolas do Rio de Janeiro e São Paulo contribuem para a formação de outras Escolas no Brasil, apoiando inclusive no fornecimento de pessoal para a formação acadêmica (CASTRO, 2008). O surgimento do Serviço Social no Brasil, não se conecta diretamente com outra profissão, como aconteceu no Chile, onde a primeira Escola surgiu diante de um quadro de luta da classe operaria e as dificuldades fiscais somadas a crise no Estado, o que leva o surgimento da primeira escola sob influência estatal e como auxilio na Medicina. No Brasil a situação é outra, Castro (2008, p. 109) salienta “a primeira escola surge no seio do movimento católico e sem estar medularmente vinculada a qualquer profissão que lhe atribua um papel explicitamente tributário”. Contudo, tanto no Brasil como no Chile, o surgimento da profissão contou com exemplos da atuação belga, não necessariamente se deixando levar pelos modelos rígidos europeus (CASTRO, 2008). Com o advento do Estado Novo no Brasil, em 1937 foi instituído o sindicato oficial, então filiado ao Ministério do Trabalho, propondo a abolição da liberdade de organização sindical. À época, em governança estava Getúlio Vargas, este, dentre as leis trabalhista do seu Governo, implantou a Consolidação das Leis Trabalhista (CLT). Era o início do controle que o Estado teria sobre trabalhadores e patrões (LIMA, 1982). A Legião Brasileira de Assistência (LBA), primeira Instituição assistencial a nível nacional é criada em 1942, abrindo caminho para outras instituições sociais patronais. Destacam-se: Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social do Comércio (SESC) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Iamamoto e Carvalho (2009, p. 251) destacam que a implantação da LBA, surge através de “um amplo papel de mobilização da opinião pública para o apoio ao ‘esforço de guerra’ promovido pelo governo, e consequentemente ao próprio governo ditatorial”. Ressaltam ainda: A LBA começa a atuar em praticamente todas as áreas de assistência social, inicialmente para suprir sua atividade básica e em seguida visando a um Serviço Social: direitos e políticas sociais 123 Série Sociedade e Ambiente programa de ação permanente. Nesse sentido se constituirá em mecanismo de grande impacto para a reorganização e incremento do aparelho assistencial privado e desenvolvimento do Serviço Social como elemento dinamizador e racionalizador da assistência (IAMAMOTO e CARVALHO, 2009, p. 251252). Entre os anos 1940 e 1950 decorrentes da acumulação capitalista e aceleramento industrial, as questões sociais se destacam, o que impulsiona a institucionalização do Serviço Social. O Estado se põe a frente das expressões da questão social, contando com o “apoio” do empresariado, propõe ações através de políticas sociais, em lugar da repressão e assistencialismo. A década de 40 destaca-se com o surgimento de diversas entidades assistências, oportunizando o trabalho dos assistentes sociais, contribuindo assim, com o processo de legitimação do Serviço Social, que em 1949 se torna uma categoria profissional de assalariados (IAMAMOTO e CARVALHO, 2009). A década de 50 e 60 foi essencial para o crescimento do mercado de trabalho, as escolas passaram a se dedicar nas linhas de pesquisa direcionadas a psicologia. A profissão do Serviço Social voltava-se para maior alcance e sistematização teórica e técnica, neste período ocorre à inserção do Serviço Social nas prefeituras e empresas industriais, permitindo o avanço do trabalho grupal e com comunidades, consolidando novas abordagens metodológicas e novas frentes de trabalho quais sejam: saúde, habitação, educação e previdência social (IAMAMOTO e CARVALHO, 2009). Este período é marcado pela influência da autocracia burguesa, onde o Serviço Social convivia com o início de um poder ditatorial. A profissão se inseria em uma atuação empírica, paliativa e burocratizada, as quais se voltavam para duas necessidades diferentes, como explana Netto (2007, p. 118): A de preservar os traços mais subalternos do exercício profissional, de forma a continuar contando com um firme estrato de executores de políticas sociais localizada bastante dócil e, ao mesmo tempo, de contrarrestar projeções profissionais potencialmente conflituosas com os meios e objetivos que estavam alocados às estruturas organizacional-institucionais em que se inseriam tradicionalmente os assistentes sociais. Durante os anos 50 e início do período ditatorial ocorrido no Brasil na década de 60, ocorre a laicização do Serviço Social, onde a profissão inicia seu processo de renovação, Netto (2007, p. 128) destaca: “São constitutivas desta laicização a diferenciação da categoria profissional em todos os seus níveis e a consequente disputa pela hegemonia do processo profissional em todas as suas instancias”. Neste contexto, o Serviço Social precisa se adequar as mudanças. Ao mesmo tempo em que busca uma concepção modernizadora, precisa lidar com as ocorrências do período de ditadura, o que leva a um caráter funcionalista da profissão. Em 1967, no primeiro “Seminário de Teorização do Serviço Social” ocorrido em Araxá (MG), que se desdobrou em um segundo evento de 1970 em Teresópolis (RJ), entra em pauta discussões acerca de uma perspectiva modernizadora. O marco do primeiro encontro em Araxá foi a participação de 38 Assistentes Sociais que discutiram e apresentaram alguns princípios norteadores da prática profissional, e ainda, neste movimento o Serviço Social se manifesta quanto ao movimento de conceituação da profissão, com um olhar ainda tradicionalista. O segundo encontro que aconteceu em Teresópolis apresentou uma discussão sobre a Serviço Social: direitos e políticas sociais 124 Série Sociedade e Ambiente metodologia profissional considerando a realidade vivida no período, este, contou com a participação de 33 profissionais, que afirmavam então a ação voltada para a compreensão modernizadora (NETTO, 2007). Diante da nova postura pós-golpe militar, o Estado se adequa as novas necessidades do capital, favorecendo as grandes empresas no processo de acumulação, desencadeando a atuação de um Estado repressor no plano social, uma vez que suas ações modernizadoras se voltam para o plano administrativo. Portanto, com o contexto do momento, as taxas de exploração sobre a classe trabalhadora se elevam, consequentemente o arrocho salarial e a minimização dos direitos trabalhistas se alarmam. O período contribui para o aumento da demanda por profissionais de Serviço Social, ampliando os campos de atuação com novos modos de atuação, Campos e Rocha (2007, p. 12) destacam: O Serviço Social tradicional, conservador, com forte base moral e religiosa, deve ser substituído pelo procedimento racional. O número de cursos de Serviço Social amplia-se e estes procuram romper com o confessionalismo. Ao ingressar nas Universidades os professores e estudantes da área terão contato com as ciências sociais e assépticas e tecnocráticas. Diante da nova demanda posta pela conjuntura político-econômica, o Serviço Social se vê conduzido a fornecer respostas profissionais que deem conta dos novos desafios colocados. Esse repensar não parte do vazio, pois a profissão já vinha pensando sua teoria e metodologia antes do golpe. A passagem dos anos 70 para os anos 80 é marcada pela construção de um novo projeto profissional para o Serviço Social. Neste período (1979) em São Paulo, é realizado o III Congresso de Assistentes Sociais com o tema “Serviço Social e Política Social”. “Questionando o conservadorismo de sua própria organização, o evento denominou-se ‘Congresso da Virada’, constituindo-se como marco no processo de politização e mobilização dos profissionais e estudantes de Serviço Social” (CAMPOS; ROCHA, 2007). O final da década de 70 é marcado por crescentes movimentos populares organizados, estes se opunham ao regime político em vigor, exigindo uma democracia com livre exercício da cidadania. É neste contexto que nos fins da década de 80, se promulga a Constituição Federal de 1988, que define o tripé da Seguridade Social: Saúde, Previdência e Assistência Social. No mesmo período, a redemocratização do País trouxe importantes mudanças para a área do Serviço Social, acompanhando o movimento da sociedade brasileira. As políticas sociais passaram a direcionar-se para a universalização e garantia dos direitos sociais, para a descentralização políticoadministrativa e para a participação popular (BULLA, 2003). Este processo contou com a participação ativa do Serviço Social Brasileiro, através de sua capacidade de mobilização da sociedade, articulação com os movimentos sociais, produção teórica, qualidade de intervenção profissional, construção da política de seguridade social e demais políticas sociais. A contribuição da profissão se estendeu também para a consolidação da assistência social, como política pública de direitos e para a elaboração de leis e estatutos como: Lei Orgânica da Saúde (LOAS), Sistema Único de Saúde (SUS), Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), Estatuto do Idoso e etc. (CAMPOS e ROCHA, 2007). Em 1991, após longo debate e crítica aos equívocos do Código de Ética de 1986, retomou-se pelas entidades nacionais da categoria o debate sobre a ética profissional, culminando em 1993 com a aprovação do novo Código de Ética Serviço Social: direitos e políticas sociais 125 Série Sociedade e Ambiente Profissional do Assistente Social, que traça linhas gerais que norteiam o projeto éticopolítico do Serviço Social baseado em onze princípios, a saber: I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; IV. Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; V. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; VI. Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; VII. Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; VIII. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero; IX. Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos/as trabalhadores/as; X. Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; XI. Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física (BRASIL, 2012). Em 1996, a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) aprova as Diretrizes Curriculares do curso de Serviço Social, articulada em consonância com o Código de Ética e a Lei nº 8662/93 que regulamenta a profissão (CAMPOS e ROCHA, 2007). A trajetória de lutas e conquistas do Serviço Social continua. Em 2010 é aprovada a Lei 12.317/201036 , que altera a Lei 8662/1993, assegurando a duração do trabalho do Assistente Social de 30 (trinta) horas semanais. Em 2013 o Projeto de Lei 3688/200037 (conhecido como PL Educação), define a inserção de profissionais da psicologia e do serviço social nas redes públicas de educação básica, este projeto de lei ainda está em processo de aprovação, todavia, recebeu parecer favorável do relator do projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Atualmente a profissão apresenta como principais bandeiras o combate à precarização da formação profissional e os cursos à distância, a luta contra a redução da maioridade penal e o esforço pela regulamentação e pleno funcionamento do Sistema Único de Assistência Social (CAMPOS e ROCHA, 2007). 66 67 36 Lei nº 12.317 de 26 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2010/Lei/L12317.htm>. Acesso em: 06/09/2015 às 11h54min. 37 Projeto de Lei da Educação. 2013. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/1013>. Acesso em: 06/09/2015 às 12h09min. Serviço Social: direitos e políticas sociais 126 Série Sociedade e Ambiente 2.2 SERVIÇO SOCIAL NA HABITAÇÃO A atuação do Serviço Social na Habitação está historicamente ligada à forma de trabalho comunitário, baseado na participação e organização comunitária. Concomitante a formação profissional no Brasil, surge a atuação do profissional assistente social na Política Habitacional. Segundo Souza (1993), a prioridade do Serviço Social era a reconstrução das comunidades urbanas, estas, desestabilizadas pelo processo capitalista, cumprindo os trabalhadores pesadas cargas de trabalho, apresentando uma migração campo-cidade sem planejamento e sem oferecimento de condições mínimas de se instalarem nas cidades. A década de 1930 é marcada no Brasil pela expansão do parque industrial, iniciando o processo de urbanização nas cidades. Nesta conjuntura, um enorme contingente de trabalhadores se desloca para a cidade em busca de melhores condições de vida. Diante das precárias condições necessárias para absorção de um grande contingente de migrantes, os problemas nas cidades começam a surgir destacando-se segundo Oliveira (s/d) o desemprego, a pobreza, precários espaços de trabalho, deficientes relações patrões-empregados, exclusão social, insuficiência e inadequação de moradias. Na década de 1940, o Brasil registra experiências de trabalho comunitário, muito mais eficaz que a atuação individualizada, embora, ainda com um viés somente teórico metodológico, os profissionais atuavam nas comunidades carentes com o intuito de minimizar as várias necessidades do momento. Já na década de 50 para 60 no que diz respeito a atuação sua disseminação passa a acontecer enquanto prática. É nas Escolas de Serviço Social que se formam os profissionais de Desenvolvimento Comunitário (DC), segundo Souza (2010, p. 44, 45), as Escolas do Serviço Social “são pioneiras na introdução e disseminação inicial das ideias e sistemáticas de ações destinadas aos trabalhos comunitários”. Os assistentes sociais trabalhavam no resgate dos vínculos comunitários, com trabalho de organização e mobilização das comunidades, na política habitacional o Serviço Social fazia uso do Desenvolvimento de Comunidade. A atuação buscava mediar a relação população – Estado, com programas direcionados as famílias residentes em favelas, voltando-se para o processo de urbanização e industrialização. As chamadas favelas cresciam desordenadamente, visto que embora inseridos no mercado formal de trabalho, o salário dos trabalhadores não era suficiente para suprir suas necessidades básicas (GOMES e PELEGRINO, 2005). O trabalho realizado pelos profissionais do Serviço Social muitas vezes apresentava um caráter educativo, uma vez que, as populações pobres ocupavam áreas de forma desordenada, sendo essa ocupação muitas vezes entendida como invasão de propriedade alheia. Tal concepção fundamentava-se no movimento higienista, ao mesmo tempo em que justificava a manutenção de certas populações à margem da cidade (GOMES e PELEGRINO, 2005). Este acompanhamento aos moradores realizado pelo Serviço Social era articulado a partir da ideia de incompetência do morador nos cuidados com a habitação, bem como os encargos financeiros, utilização dos recursos disponíveis e convivência com a vizinhança. O trabalho seria de “ensinar” a utilização correta da moradia, pensando em manter a higiene, limpeza e bons modos (GOMES e PELEGRINO, 2005). Em 1968, novamente ocorreram as remoções de favelas, estas ações não encontraram resistência dos assistentes sociais, pelo contrário, estes se fizeram presentes no movimento encabeçado pelo Estado. Neste período, o BNH, trabalhava com programas voltados à população com renda mensal inferior a três salários mínimos, o Serviço Social: direitos e políticas sociais 127 Série Sociedade e Ambiente atendimento do Banco Nacional de Habitação visava a remoção de favelas, principalmente as que se inseriam próximas a centros urbanos. Em 1972, foi realizado o primeiro encontro nacional dos profissionais da COHAB, “a partir daí estruturam-se equipes, definiram-se diretrizes e o arcabouço metodológico do trabalho social em habitação” (PAZ e TABOADA, 2010, p. 46). O trabalho social passou a ser exigência dos Programas Habitacionais das Companhias de Habitação e Programas de Cooperativas a partir de 1975, ocorrendo um redimensionamento das orientações do BNH no aspecto habitacional, a população atendida (com renda de até três salários mínimos), não era mais removida, e as áreas ocupadas passaram a ser urbanizadas. O Subprograma de Desenvolvimento Comunitário (SUDEC), Programa de Erradicação da sub-habitação (PROMORAR), Programa João de Barro, Programa de Lotes Urbanizados (PROFILURB) e os Programas de Saneamento para População de Baixa Renda (PROSANER) aderiram ao trabalho social. Paz e Taboada (2010, p. 4647) destacam, “o trabalho social adquiriu um caráter menos administrativo e orientavase no sentido que o mutuário se assumisse como cidadão, com consciência de seus direitos e deveres e da importância de sua participação ou protagonismo social”. A década de 1980 foi marcada pela participação dos assistentes sociais no Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) e no Fórum Nacional pela Reforma Urbana (FNRU), o momento era de lutas por redemocratização no país, defesa à moradia digna e recursos da cidade, tais como: transporte, água, luz, escola, creches e etc. Os profissionais que atuavam na política habitacional, entre eles os assistentes sociais, tomavam uma nova postura, opondo-se ao modelo de remoção das famílias, objetivando o trabalho social com base na negociação com as famílias para a desocupação das áreas consideradas improprias para moradia, além da preocupação com o meio ambiente e sustentabilidade, estendendo as discussões para programas de geração de trabalho e renda (SILVA, 1989). A partir da década de 1990, com a maior demanda de programas voltados para o desenvolvimento social, novas áreas de interesse e políticas sociais foram surgindo, entre elas a habitação. O Serviço Social começa a se inserir na habitação com mais propriedade em meados de 1996, quando os profissionais são chamados de técnicos sociais, habilitados a trabalhar com profissionais da habitação, considerando que: A habitação se constitui no problema social para a força de trabalho no contexto da super exploração que tem caracterizado o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, com a retirada do salário do valor respondente por uma habitação que abrigue o trabalhador e sua família, obrigando-o a lançar mão de estratégias variadas, e, sobretudo precárias para se reproduzir como força de trabalho, e o que representa, interesse para a reprodução e ampliação do capital. (SILVA, 1989, p. 34). A atuação dos profissionais de Serviço Social na habitação se traduz na busca por amenizar a desigualdade social. Esta atuação se concretiza por meio de planejamento, execução e acompanhamento dos programas e projetos sociais, desta forma, Estevão (2007, p. 62) salienta, “Trabalhamos, portanto, na distribuição dos direitos de cidadania, como facilitadores do exercício destes direitos que o Estado tem feito questão de complicar e de mostrar como favores”. O Assistente Social atua também no resgate da auto estima dos usuários no âmbito habitacional, que passam a se identificar como sujeitos de cidadania, com direitos, inclusive nas políticas habitacionais. Dada a importância do trabalho dos Serviço Social: direitos e políticas sociais 128 Série Sociedade e Ambiente assistentes sociais este se destaca como “um profissional preocupado com a ampliação dos direitos sociais universais, e contra as desigualdades, cumprindo os preceitos do Código de Ética profissional” (CRESS, 2005, s/p). Regulamentado em 1993, o Código de Ética do Assistente Social norteia a profissão, propondo o compromisso do profissional com a garantia dos direitos sociais dos usuários, bem como, garantias trabalhistas aos profissionais. Na perspectiva habitacional, o Assistente Social trabalha com foco na família, o que vai além da Unidade Habitacional, com vistas a estrutura para moradia, saneamento, acesso aos equipamentos públicos e mobilidade das famílias. Assim, Iamamoto (2007), explana: O código de Ética nos indica um rumo ético político, um horizonte para o exercício profissional. O desafio é a materialização dos princípios éticos na cotidianidade do trabalho, evitando que se transforme em indicativos abstratos, deslocados do processo social. Afirma, como valor ético central, o compromisso com a parceria inseparável, a liberdade. Implica a autonomia, emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais, o que tem repercussões efetivas nas formas de realização do trabalho profissional e nos rumos a ele impressos (IAMAMOTO, 2007, p. 77). A moradia não deverá ser vinculada a mero favor, sem corresponder as necessidades do indivíduo, neste viés a atuação do profissional assistente social se pauta na participação comunitária, ampliação dos direitos e fortalecimento da autonomia. A intervenção profissional exercida de modo diferente do que se estabelece nas diretrizes dos programas - quanto a participação dos usuários - seria não observar o que rege o Código de Ética, tampouco os instrumentos importantes e utilizados na atuação profissional. Dessa maneira, O Serviço Social como profissão interventiva e investigativa apropria-se de instrumentos que compõem a pratica do cotidiano de trabalho do assistente social, que foram utilizados no processo de trabalho, sendo estes o instrumental utilizado: as entrevistas com os usuários utilizando formulários e entrevista dirigidas individuais e/ou grupais para conhecer as demandas enfrentadas criando alternativas de enfrentamento, visita domiciliar, avaliações do agir profissional praticada pelos usuários do trabalho e pelos elaboradores dos projetos (CUNHA et al., 2010, p.141). A participação da comunidade, famílias e usuários dos serviços é de suma importância para a criação de um projeto habitacional. A mobilização facilitará a criação de políticas públicas voltadas as comunidades, ressaltando-se que para que as ações aconteçam, os profissionais precisam estar atualizados, quanto as normas, instrumentos, Código de Ética e projeto ético-político. Portanto, A instrumentalidade para o Serviço Social não é somente um conjunto de técnicas, mas sim, o uso constante de instrumentos que se faz necessário ao cotidiano do profissional, sendo assim, é por meio desses instrumentos que os assistentes sociais modificam, alteram e até mesmo transformam a realidade social (GUERRA, 2000, p. 54). Serviço Social: direitos e políticas sociais 129 Série Sociedade e Ambiente A importância da atuação do Assistente Social com o usuário proporciona conhecer melhor as demandas e necessidades sociais, inclusive no quesito habitacional, fortalecendo o foco de trabalho do profissional mediador dos interesses da população. 2.3 O SERVIÇO SOCIAL NA HABITAÇÃO EM CAMPO MAGRO A atuação do Serviço Social na Secretaria de Desenvolvimento Urbano (SEDUR) Iniciou em 2007 conforme já citado na pesquisa. Durante muitos anos as atividades estavam vinculadas a Secretaria de Ação Social, onde as Assistentes Sociais atendiam as demandas isoladas, principalmente do Ministério Público, relacionado à solicitação de Estudo Social de ocupações irregulares do Município. A Política Habitacional no Município começou a ser executada a partir da implantação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007, que trouxe a perspectiva de proporcionar aos moradores da Cidade de Campo Magro o acesso a Habitação digna e regularizada. O Programa de Aceleração do Crescimento na área habitacional contempla em seu projeto duas modalidades: Regularização Fundiária e Realocação, a definição da modalidade dependerá das áreas selecionadas e do Zoneamento em que estão inseridas. O trabalho social neste contexto atende as atribuições determinadas pelo Decreto 456/13 que cria o Departamento Técnico Social e no parágrafo 5º especifica: I - Elaborar e executar projetos técnicos sociais referentes ao planejamento urbano e projetos urbanísticos que estejam previstos na política municipal para o desenvolvimento urbano, visando o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade em área urbana e rural; II - Promover, através de instrumentos adequados e em articulação com as demais Secretarias competentes, o levantamento, diagnóstico e cadastramento social de famílias beneficiadas de programas: de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e demais projetos previstos na política municipal, mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e edificação, considerando sempre a sua compatibilidade com a legislação ambiental; III - Coordenar e executar trabalhos internos e externos referente a o que pertine as questões sociais, atendendo sempre as peculiaridades de cada região, nos projetos desenvolvidos por esta Secretaria; IV - Analisar projetos e processos referentes aos trabalhos que pertine as questões sociais no âmbito dos projetos desta Secretaria; V - Analisar projetos, que pertine as questões sociais, apresentados a esta Secretaria. VI - Emitir pareceres técnicos sobre assuntos de sua competência (BRUN, 2014, p.6). Além das determinações do Decreto 456/13 publicadas no Diário Oficial do Município são objetivos do Serviço Social no Departamento: Participar de reuniões para aprovação dos empreendimentos urbanísticos do Município; Realizar parecer técnico do serviço social referente a levantamento sócio econômico das famílias do Município quando solicitado pela procuradoria do Município; Seleção das famílias para serem contempladas com o programa do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), PNHR (Programa Nacional de Habitação Rural), FNHIS Serviço Social: direitos e políticas sociais 130 Série Sociedade e Ambiente (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social), PNHU (Programa Nacional de Habitação Urbana) entre outros; Reunião com as comunidades para esclarecer e explicar sobre os empreendimentos habitacionais que serão realizados no Município; Realizar cadastro das famílias que serão contempladas com os empreendimentos habitacionais em conformidade com as determinações do Ministério das Cidades; Elaborar e executar Projeto de Trabalho Técnico Social; Promover o exercício da participação cidadã das comunidades favorecendo a gestão comunitária dos espaços comuns, de modo a contribuir na melhoria da qualidade de vida das famílias e a sustentabilidade dos empreendimentos; Participar de reunião com parceiros, COHAPAR, SANEPAR, COPEL, Caixa Econômica Federal, COMEC entre outros; Convocar e participar da reunião da Câmara Técnica (Decreto Nº 678/2013); Realizar em parceria com a COHAPAR sorteio das Unidades Habitacionais; Realização de relatórios sociais e elaboração de diagnóstico social; Participar quando solicitado de reuniões com outros departamentos e secretárias do Município; Elaborar cronograma de atividades com as áreas de Intervenção envolvendo as demandas e ações com demais secretarias e departamentos; Orientar a comunidade sobre a rede socioassistêncial do Município (CRAS, CREAS, Conselho Tutelar, Agencia do Trabalhador entre outros). (BRUN, 2014, p. 8). O Trabalho do Departamento Técnico Social com as comunidades do Município de Campo Magro não se limita apenas aos empreendimentos ligados ao Governo Federal e Estadual, são diversas as ações que são desenvolvidas para corroborar com a melhoria das políticas públicas do Município, contando com o apoio dos profissionais de diferentes áreas, a saber: Engenharia, Fiscalização, Tributação, bem como, com técnicos sociais da COHAPAR que é parceira nos empreendimentos habitacionais do município. Através da participação social e da cooperação dos moradores se desenvolvem todas as atividades do Departamento, as ações são propostas em parceria com a população no reconhecimento de sua capacidade para interferir na dinâmica da comunidade, despertando o interesse pela organização social e promovendo a sustentabilidade das atividades propostas. A cooperação e o comprometimento da comunidade ocorrem somente quando esses se veem parte do processo e agentes de mudança, focar na melhoria da habitabilidade, regularização fundiária, direito a titularidade, escritura do imóvel, infra estrutura (pavimentação, saneamento básico) e nos casos de realocação a moradia com dignidade, é contribuir para o resgate da cidadania e oportunizar aos moradores acesso a informação e aos seus direitos constitucionais. No próximo capítulo será apresentada a pesquisa e interpretação dos dados, que trará uma melhor compreensão do objeto de estudo. 3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE RESULTADOS 3.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA Este capítulo tem como objetivo apresentar a pesquisa de campo realizada no Jardim Boa Vista, que teve por objetivo geral desenvolver um estudo sobre os impactos do reassentamento do PAC I de Campo Magro sob o olhar das famílias realocadas para o Jardim Boa Vista, buscando em seus objetivos específicos avaliar a valorização do reassentamento para o indivíduo, identificando a análise dos moradores sobre as Serviço Social: direitos e políticas sociais 131 Série Sociedade e Ambiente mudanças ocorridas no âmbito social, econômico, ambiental e adaptação após a realocação. As entrevistas foram realizadas nos meses de Outubro e Novembro de 2015, com 29 moradores. As respectivas entrevistas foram aplicadas em domicilio, com a presença da pesquisadora. E para registro das informações, foi utilizado um gravador de voz. Para abordagem das famílias, foi utilizado como instrumento de coleta de dados a entrevista com 5 perguntas abertas e 1 de múltipla escolha, buscando a aproximação entre o entrevistador e o entrevistado, aumentando a riqueza dos detalhes (anexo como apêndice I). Os entrevistados foram informados quanto aos objetivos da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo como apêndice II). Sua aplicação deu-se de forma aleatória simples, considerando 1 participante por quadra, de forma a considerar todas as áreas de realocação conforme já mencionado na pesquisa. O entrevistado que estava em sua moradia era abordado, aceitando ou recusando a entrevista. Não houve recusa quanto a respostas. Na análise dos dados, utilizou-se o método de análise por categorias que é definida por Bardin (1977/1979, p. 117) como: Uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias, são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, em caso de análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento este efectuado em razão dos caracteres comuns desse elemento . 3.2 ORGANIZAÇÃO DAS CATEGORIAS Os moradores foram sequencialmente numerados e denominados de morador 01 – morador 02 – morador 03 e assim sucessivamente. As falas dos entrevistados estão sequencialmente descritas e subdivididas em quatro categorias, definidas como: Categoria 1 - Identificação de perfil dos moradores; Categoria 2 – Mudanças percebidas no quesito social, econômico e ambiental; Categoria 3 – Acesso as Políticas Públicas; Categoria 4 – Mudanças e adaptações após a realocação. 3.2.1 Categoria 1: Identificação de perfil dos moradores A primeira categoria identifica o perfil dos moradores, as figuras demonstram o resultado do levantamento, bem como, as características dos indivíduos participantes da entrevista. Na pesquisa realizada com os moradores, 14 entrevistados (48%) responderam que são casados, enquanto 5 entrevistados (17%) tem o estado civil como solteiro. Já os divorciados correspondem a 2 (7%) do total de entrevistados, conforme demonstrado no gráfico 1. Serviço Social: direitos e políticas sociais 132 Série Sociedade e Ambiente Gráfico 1 - Estado Civil. Fonte: Instrumento coleta de dados, 2015. Quanto à escolaridade, a pergunta foi direcionada para o entrevistado, sem considerar o grau de instrução dos demais moradores do domicilio. A maioria dos entrevistados perfazendo um total de 22 entrevistas, apresentam escolaridade de nível fundamental incompleto, correspondendo a 76% dos moradores que frequentam ou frequentaram o ensino de 1º a 4º série. O número encontrado de moradores que apresentam o ensino médio foi de 1 morador representando 4% das entrevistas, como demonstra o gráfico 2. Gráfico 2 – Escolaridade. Fonte: Instrumento coleta de dados, 2015. A pesquisa revelou que 11 homens e 11 mulheres são responsáveis pelo domicílio apresentando um percentual de 38% de afirmações na responsabilidade tanto para o gênero masculino quanto para o gênero feminino. Verificou-se também, que, nas respostas que indicavam o casal como responsável domiciliar o número obtido foi de 21%, o que perfaz 6 entrevistados conforme gráfico 3. Serviço Social: direitos e políticas sociais 133 Série Sociedade e Ambiente Gráfico 3 – Responsável pelo domicilio. Fonte: Instrumento coleta de dados, 2015. Quando questionados a respeito do número de pessoas residentes no domicilio, 10 entrevistados (35%) informaram 4 moradores na casa, 4 entrevistados (7%) responderam que habitavam entre 5 e 6 pessoas na residência, enquanto 3 participantes (10%) do total indicou que mais de 6 pessoas compunham o núcleo familiar conforme demonstra o gráfico 4. Gráfico 4 – Número de pessoas na Unidade Habitacional. Fonte: Instrumento coleta de dados, 2015. A pesquisa indicou que quanto ao gênero as famílias são compostas por 56 mulheres (52%) e 53 homens (48%), revelando então, uma diferença para maior de 4% no número de mulheres conforme gráfico 5. Serviço Social: direitos e políticas sociais 134 Série Sociedade e Ambiente Gráfico 5 – Número de moradores por gênero. Fonte: Instrumento coleta de dados, 2015. Quanto a idade dos moradores, evidenciou-se que 26 pessoas (24%) incluem-se na faixa etária de 17 a 25 anos, seguido de 21 pessoas (19%) com idade de 0 a 10 anos, sendo que 10 pessoas (9%) são adolescentes entre 11 e 16 anos, assim como, 11 moradores (10%) com mais de 65 anos de idade. Os dados informam que 31 moradores (28%) encontram-se na faixa etária obrigatória de frequência a instituição escolar, 26 (24%) moradores apresentam idade entre 17 e 25 anos, faixa etária correspondente ao ingresso no mercado de trabalho conforme demonstra o gráfico 6. Gráfico 6 – Idade dos moradores. Fonte: Instrumento coleta de dados, 2015. A realocação das famílias atendeu os critérios estabelecidos na Portaria nº 595 de 2013, quando no processo de seleção dos candidatos determina, Deverá ser reservado, no mínimo, 3% (três por cento) das unidades habitacionais do empreendimento para atendimento a pessoas idosas, Serviço Social: direitos e políticas sociais 135 Série Sociedade e Ambiente conforme disposto no inciso I do art. 38 da Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003, Estatuto do Idoso, e suas alterações (BRASIL, 2013, p. 6). O tempo de moradia revelou-se na ampla maioria em um período de 5 anos (41%) com 12 respostas afirmativas, se constituindo de famílias realocadas no ano de 2010 conforme gráfico 7. Gráfico 7 – Tempo de moradia. Fonte: Instrumento coleta de dados, 2015. 3.2.2 Categoria 2. Mudanças percebidas no quesito social, econômico e ambiental. A segunda categoria trouxe as percepções dos moradores quanto às mudanças no quesito social, econômico e ambiental após a relocação. Os moradores foram unanimes em afirmar que a mudança para uma nova área e Unidade habitacional trouxe mais dignidade. Essa confirmação se comprova nas falas dos moradores 1, 2 e 3 onde é possível identificar as benesses que a relocação trouxe às famílias, com relatos de que a melhoria veio com o saneamento básico disponível na nova área, a oportunidade de habitar em um local não atingido por enchentes, o que traz benefícios para a saúde como destacam os entrevistados: “A casa onde eu morava era melhor, o local era ruim não tinha saneamento básico, minha família veio junto (mãe). Agora tem uma Associação de Moradores do PAC. A renda não mudou nada, trabalho em casa” (morador 01). “Aqui é um lugar bom, enchente não tem mais a minha mãe mora ao lado. A casa que eu morava aqui está ótima” (Morador 02). “Primeira coisa que mudou foi a saúde, casa melhor não tem banhado, friagem a estabilidade, se faz tudo com mais amor e mais carinho. Os filhos vieram como vizinhos (6 filhos). Melhorou bastante, parece que as pessoas dão mais valor na gente depois que tem uma casa, no começo tem umas pessoas que ficava com medo e chamava “os favelados” depois melhorou. O trabalho melhorou” (Moradora 03). Serviço Social: direitos e políticas sociais 136 Série Sociedade e Ambiente A generalização das pessoas sobre os aspectos de pobreza e miserabilidade que muitos indivíduos vivem, influencia no cotidiano das famílias residentes em ocupações. Morar junto a uma comunidade intitulada de “favela” provoca nos moradores uma exclusão sobre os residentes em outros bairros da Cidade. Esta exclusão é vivenciada ainda quando as famílias já foram realocadas e, compartilham do mesmo espaço público e de vizinhança com pessoas que já habitavam os arredores antes da realocação. O reconhecimento do indivíduo quando tem acesso a moradia perpassa o âmbito do bem estar. No relato da moradora 03 é perceptível a valoração do indivíduo sobre o que ele possui, desconsiderando sua história de vida e o acesso a ele ofertado. Considerando o acesso a casa própria ainda restrito a boa parte da população, Maricato (2003, p. 54) quando fala sobre o mercado residencial no Brasil destaca, “Mercado para poucos é uma das características de um capitalismo que combina relações modernas de produção com expedientes de subsistência”. Durante boa parte da história de urbanização brasileira, a terra urbanizada e o financiamento da casa própria foram itens proibidos para maior parte da população. A fala da autora supracitada, confirma o difícil acesso a moradia, contributivo para a formação de assentamentos precários e irregulares, que dependem de políticas e programas para minimizar os efeitos exclusivos, e garantir o acesso ainda que seletivo a moradia. Outro aspecto identificado na entrevista foi a mudança econômica ocorrida na vida das famílias após a realocação. O Manual de Instruções do Trabalho Social, disposto pela Portaria nº 21 do Ministério das Cidades, estabelece no capítulo II os eixos centrais no desenvolvimento do Trabalho Social, a saber: eixo I: Mobilização, organização e fortalecimento social; eixo II: Acompanhamento e gestão social da intervenção; eixo III: Educação ambiental e patrimonial e por fim, eixo IV: Desenvolvimento Socioeconômico, este último, objetiva: A articulação de políticas públicas, o apoio e a implementação de iniciativas de geração de trabalho e renda, visando à inclusão produtiva, econômica e social, de forma a promover o incremento da renda familiar e a melhoria da qualidade de vida da população, fomentando condições para um processo de desenvolvimento socioterritorial de médio e longo prazo (BRASIL, 2014, p. 11). As ações com as famílias buscaram fortalecer e promover o acesso a geração de emprego e renda. Na ocasião, a empresa responsável pela execução do Projeto de Trabalho Técnico Social ofertou cursos aos moradores, em conformidade com o eixo IV da Portaria citada, o que resultou em oportunidades de novas frentes de trabalho como destaca o relato da moradora 6, moradora 13 e moradora 17. “Só o que mudou foi que aqui consigo ter um comércio o que melhorou um pouco a renda” (Moradora 6) “Melhorou oportunidade de cursos” (Moradora 13). “Os cursos eram bons, fazia de bombom, jardinagem e de salgados. Eu e minha irmã vamos começar afazer bombons pra vender” (Moradora 17). Serviço Social: direitos e políticas sociais 137 Série Sociedade e Ambiente A importância do trabalho social, somado a participação da comunidade, revela a busca pela autonomia das pessoas, através da possibilidade de acessar o mercado de trabalho. Oliveira e Cassab (2010) explanam, O processo de mobilização e participação comunitária, bem como as ações de geração de trabalho e renda, evidencia a importância do trabalho do Assistente Social no fortalecimento do princípio de justiça social, equidade de gênero e cidadania, na formação de lideranças, capacitação da mão de obra e inserção no mercado de trabalho, e deve contribuir no processo de tomada de consciência dos beneficiários quanto aos direitos e deveres na sustentabilidade da nova moradia (OLIVEIRA; CASSAB; 2010, p. 86-87). Em contrapartida, os moradores 5, 15 e 21 relatam que a renda se manteve a mesma, o gasto aumentou e a dificuldade em ingressar no mercado de trabalho também. “O gasto aumentou, mas a renda é a mesma” (Morador 5). “Oportunidade nenhuma de emprego, acho que piorou um pouco, água e luz mais caro” (Morador 15). “Não teve mudança, emprego está difícil” (Morador 21). As famílias realocadas mudaram de casa, saindo de uma área irregular para um local seguro, organizado e regularizado, todavia, mantendo sua rotina de trabalho, estudos e afazeres. Quando residiam em áreas irregulares, algumas famílias não tinham acesso a saneamento básico e rede de energia elétrica, estes usufruíam dos serviços de modo irregular, com “gatos” e “rabixos” de modo que, não tinham custo com os serviços utilizados. “Teve mudança porque antigamente nós pagava aluguel, tinha mais gasto, aqui não, aqui você só paga água, luz e IPTU é tranquilo, e teve mudança a gente compra mais né, tem mais economia, você morar no que é teu mesmo” (Morador 24). Conforme relato do morador 24, após a realocação, os serviços foram oferecidos de modo regular, a pesquisa revelou que todos contam com saneamento básico, coleta de lixo, água, luz e IPTU. A oferta destes serviços promove o bem estar dos moradores, o que pode ser considerado ainda como a garantia de mínimos necessários para a manutenção da saúde das famílias, como explicita a Organização Mundial da Saúde (OMS) referenciado por Segre e Ferraz (1997, p. 539), quando define saúde: “não apenas como ausência de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social”. Os resultados apresentados sugerem que houve mudanças na vida das famílias, o acesso aos serviços básicos de saneamento proporcionou um melhor cuidado com o meio em que se inserem, além de melhoras na saúde dos indivíduos e mudanças no aspecto ambiental, promovendo o bem estar e melhora na qualidade de vida dos realocados. Pereira (2011) se remete a necessidades básicas destacando que, Serviço Social: direitos e políticas sociais 138 Série Sociedade e Ambiente [...] as políticas de provisão social só terão racionalidade e eficácia se estabelecerem inter-relações ou nexos orgânicos no seu próprio âmbito (entre as diversas medidas de proteção, que visam incrementar a qualidade de vida e de cidadania dos segmentos sociais mais desprotegidos) e com as políticas econômicas (PEREIRA, 2011, p. 28). A utilização dos serviços de energia, água e coleta de lixo explica o aumento dos gastos que os moradores 5 e 15 relatam, os serviços que antes não tinham, ou o uso era de forma clandestina, agora passa a ser regularizado e fornecido a todos. 3.2.3 Categoria 3. Acesso às políticas públicas A terceira categoria, acesso às políticas públicas, levantou a abrangência das políticas públicas e o acesso dos moradores aos serviços. Quando questionados se a realocação trouxe melhor acesso as políticas públicas, as respostas foram unanimes. Os entrevistados afirmaram que sempre tiveram acesso aos serviços de Saúde, Educação e Assistência. As famílias quando ainda residentes em área irregular, ocupavam um bairro com estrutura consolidada38 , onde eram ofertados serviços básicos de Educação e saúde. Os usuários das Unidades Básicas de Saúde e da Rede de Ensino já contavam com serviços próximos a suas casas, o que não mudou com a realocação, embora ocorresse a necessidade de adaptações com as novas unidades habitacionais, o acesso às políticas públicas não se alterou, o que se confirma nos relatos dos moradores: 68 “Olha tudo isso eu já tinha graças a Deus, tudo isso a gente já participava, a gente já frequentava o posto de saúde, as minhas filhas elas foram criadas aqui no Município, então elas frequentavam tanto as Escolas como as creches, as igrejas aqui né. Então tudo o que tinha na comunidade a gente já usufruía, já tinha já” (Morador 7). “Melhorou, tem mais oportunidades, fizeram mais uma creche perto, o Posto de Saúde atende bem, os exames são rápidos” (Morador 16). “Esta da mesma forma na área onde eu morava, meus filhos tinham creche, Escola e o Posto de Saúde e agora também” (Morador 29). “Melhorou a Escola Boa Vista e Municipal Palmas ficam a 50 metros, também o Posto de Saúde” (Morador 3). Esta categoria nos traz a reflexão sobre a importância dos equipamentos públicos para os moradores, o acesso aos serviços oferecidos pelas Escolas, Unidades de Saúde, CRAS e CREAS. O acesso tão somente a uma moradia não resulta em melhorias e contribuições na vida das famílias, é um conjunto de ações que devem agregar as diversas necessidades dos indivíduos, proporcionar a eles o acesso a serviços básicos de saúde, educação e assistência contribui para o fortalecimento de sua busca pela autonomia e convívio social. Garantir as famílias realocadas o usufruto dos equipamentos públicos condiz com o estabelecido na Portaria nº 465, que dispões sobre as diretrizes gerais para a 38 Considera-se como área consolidada quando contempla os seguintes itens: malha viária com canalização de águas pluviais; rede de abastecimento de água; rede de esgoto; distribuição de energia elétrica e iluminação pública; recolhimento e/ou tratamento de resíduos sólidos urbanos; disposição de equipamentos públicos; infraestrutura urbana; pavimentação e acessibilidade (COHAPAR, 2010). Serviço Social: direitos e políticas sociais 139 Série Sociedade e Ambiente aquisição e alienação dos imóveis para o recebimento dos recursos, sendo uma de suas exigências que, o Poder Público apresente um Instrumento de Compromisso fundamentado através do Relatório Diagnostico de Demanda por Equipamentos e Serviços Públicos e Urbanos, acompanhado pela Matriz de Responsabilidade, a disposição dos equipamentos públicos para as famílias realocadas. A exigência fundamenta-se na Portaria n° 465, de 3 de outubro de 2011 em seu anexo 3.2, que define: “Para efeito da apuração da demanda por equipamentos públicos de educação, saúde, lazer e assistência social serão considerados todos os empreendimentos localizados em um raio de dois mil e quinhentos metros” (PORTARIA N° 465, 2011, p. 34). Condizente com a Portaria 465, o PTTS elaborado durante a implementação do PAC I em Campo Magro, mais especificamente no Jardim Boa Vista, buscou agregar as suas diversas ações em oferta de serviços públicos as famílias que serão realocadas, confirmando a proposta de garantir muito mais que a moradia. A preocupação com a garantia dos serviços aos usuários começa antes mesmo do início das obras (construção das Unidades Habitacionais), não basta apenas definir a nova área onde as famílias serão abrigadas, é preciso pensar a estrutura que o local irá oferecer, a disposição dos equipamentos públicos e o acesso dos moradores a estes serviços, aspectos que determinam o andamento e readequação se necessário das obras. É preciso uma visão mais abrangente da noção de território, como nos cita Carvalho (2014, p. 21), É necessário fortalecer a compreensão de que os serviços estão no território, pertencem a comunidade e, portanto, devem operar de forma integrada e articulada aos vários sujeitos e espaços de convivência, interlocução e aprendizagem existentes, com o propósito de ampliar e otimizar as oportunidades de pertencimento e incluso social de seus habitantes. As entrevistas realizadas revelaram que todas as famílias realocadas contam com os serviços básicos, cabendo destacar que, até a finalização da presente pesquisa, todos os Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social na Cidade de Campo Magro atendiam a recomendação de disposição dos equipamentos públicos a um raio máximo de 2,5 das Unidades Habitacionais. 3.2.4 Categoria 4. Mudanças e adaptações após a realocação Esta categoria teve como objetivo ouvir os moradores quanto as mudanças e adaptações após a relocação. As entrevistas foram analisadas sob diferentes pontos de vista, uma vez que, a pergunta deixava o entrevistado discorrer sobre as mudanças e adaptações a partir de sua própria opinião, voltando-se para respostas muito particulares. O Morado 01, Morador 19 e Morador 27, associam a principal mudança de casa a melhoras no bem estar, saúde e relacionamento com vizinhos, relatam que a antiga moradia colocava em risco a vida da família, consequência da casa precária, enchentes, e contatos com animais transmissores de doenças, estas são algumas das causas que levam as famílias atribuírem a nova moradia a garantia e melhoria destas questões. Serviço Social: direitos e políticas sociais 140 Série Sociedade e Ambiente Considerando o depoimento dos entrevistados, é possível perceber que uma nova moradia representa uma conquista, com reflexos na melhoria da saúde e sentimento de pertença ao local e meio que se insere. “Me sinto bem, porque onde morava era quase dentro do rio, até peguei a doença da toxoplasmose, perdi uma filha por causa disso. Agora tudo melhorou, a vizinhança é a mesma, veio todo mundo junto” (Morador 01). “A adaptação foi rápida, nos damos bem com os vizinhos, trabalho todo dia chego a tarde e não temos muito contato. O terreno é muito bom, demos uma ajeitada na frente” (Morador 19). “É foi bão, só que como você ta vendo ae (som alto) tem uns incômodos de cada vizinho, mas isso pra mim não faz importância, mas foi bem. Eu achei bem mais melhor, cada um tem seu terreno, porque lá embaixo nós morava assim tudo meio sem cerca sem nada, aqui graças a Deus cada um tem seu terreno tudo muradinho, não tenho nem palavras, até a saúde da gente é melhor, lá nós morava do lado do rio, rato era apelido, agora não tem nada” (Morador 27). Sobre o pertencimento, Raffestin referenciado por Silva (2013, p.198), afirma que; As relações de identidade e pertencimento ao lugar são desenvolvidas no processo de apropriação e territorialização do espaço. Isto se dá quando os sujeitos ultrapassam a necessidade da apropriação de um lócus, ou seja, quando se desenvolvem, neste local, valores ligados aos seus sentimentos e à sua identidade cultural e simbólica, reformulando o espaço onde vive ao qual se identificam e se sentem pertencer. De acordo com a autora, percebe-se que a questão do pertencimento vai além de simplesmente a apropriação do espaço físico, são construções de valores, sentimentos e a própria identidade que o cidadão vai construindo ao longo dos anos. Estas famílias que agora tem sua casa própria e aos poucos criam formas de adaptação e convivência estão inseridos na grande massa massacrada e excluída pelo sistema capitalista, este que é alimentado pela classe proletária refém das minorias que detém os bens e o capital de investimento, inclusive o controle sobre o mercado imobiliário das grandes Metrópoles, inatingível as populações mais vulneráveis conforme explana Maricato (2003, p. 4), A relação legislação / mercado restrito / talvez se mostre mais evidente nas regiões metropolitas. É nas áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário privado e nas áreas públicas, situadas em regiões desvalorizadas, que a população trabalhadora pobre vai se instalar: beiras dos córregos, encostas dos morros, terrenos sujeitos a enchentes ou outros tipos de riscos, regiões poluídas ou... áreas de proteção ambiental. Com a mudança do local de moradia as pessoas vão se (re) adaptando aos novos modos de vida, é preciso criar uma nova identidade com o local, continuar sua história de vida com novos olhares e perspectivas. Silva (2013, p. 6) define o pertencer, Serviço Social: direitos e políticas sociais 141 Série Sociedade e Ambiente Buscar a identidade e o sentimento de pertença de um lugar é procurar compreender o entrelaçar das falas e conceitos que dão forma aos espaços. Os significados, os sentidos e os valores atribuídos a um espaço, e que constituem sua identidade e pertencimento são elaborados e reelaborados a cada momento. É nessa perspectiva que as ações do Trabalho Técnico Social devem ocorrer, a adaptação das famílias nas áreas de realocação se torna tão importante quanto o direito à moradia. Propiciar aos indivíduos o acesso aos serviços, vínculos familiares e de vizinhança, participação na comunidade e decisões do Poder Público, é garantir a participação cidadã de todos os indivíduos. Relevante considerar também, os relatos de famílias que visualizam como negativa a mudança para uma nova Unidade Habitacional, a mudança na rotina das pessoas, a insegurança e o sentimento de exclusões colaboram com relatos de insatisfação com a realocação. O que fica evidente na fala dos moradores 08, 09, 10 e 15. “Bom, vou ser sincera, preferia lá embaixo, era melhor, alguns vizinhos bons, outros incomodam. Me sinto péssima, porque lá embaixo eu tinha paz, não tinha preocupação, hoje é uma dor de cabeça te que se preocupar com o que deixa em casa. A droga tomou conta, sem privacidade, parece que queriam esconder a gente, ficamos isolados, com casas ruins, tiraram nós de um local que morávamos e construíram outras casas, a gente se sente excluído” (Moradora 08). “Não nos acostumamos aqui, sentimos falta de lá” (Morador 09). “Não me sinto bem. Se eu pudesse iria embora pra outro lugar. Me dou bem com os vizinhos” (Moradora 10). “Não me sinto bem, muita droga. Não posso deixar nem a casa aberta” (Moradora 15). As políticas públicas são fragilizadas em alguns momentos, atender o déficit habitacional não garante a melhoria incondicional dos problemas sociais latentes, as inseguranças das famílias ainda continuam presentes, o vínculo que as pessoas criam com seu antigo lugar de moradia traz a sensação de que lá, naquele outro lugar, o domínio era maior, a segurança era maior, os vínculos de vizinhança e o conhecimento sobre as pessoas que moravam e circulavam nas proximidades estavam mais evidentes. Quanto às adaptações e o sentimento de pertença os autores Gottardi e Teixeira (2011, p.3), afirmam que: O lugar, estabelecido a partir de seu uso, carrega em si a essência da história dos indivíduos que fazem parte dele, que nele atuaram. À medida que esta relação que se tem com o lugar é desfeita, perde-se naquele espaço, todo o sentido que ele tinha para com aqueles que dele faziam parte anteriormente. Assim, uma vez promovida esta política de remoção habitacional, este sentido de pertencimento com o lugar é abalado. O pertencimento é algo que faz parte da história de vida das pessoas, e quando falamos de moradia, esta assegura ao cidadão o direito de ir e vir a algum lugar, a moradia é onde se criam vínculos e relações sociais. Quando realocados estes se veem diante de uma nova superação, criar um novo modo de convivência e pertença no local e Serviço Social: direitos e políticas sociais 142 Série Sociedade e Ambiente superar os desafios ali postos, muitas vezes sem o suporte necessário do Poder Público. Carvalho (2014, p. 14) destaca, Os vínculos de pertencimento e de relações sociofamiliares sofrem de instabilidade pela ausência de um suporte social das políticas públicas e são fragilizados pela violência, pelo medo, maus tratos decorrentes da própria condição de guetificação a que estão sujeitos. Considerando a importância de promover a participação dos moradores, a escuta qualificada e a comunicação como possibilidade de desenvolvimento dos indivíduos, a autora salienta: O que reforça a importância da comunicação e articulação no trabalho social é que as mesmas implicam em gestão e relações de proximidade para fincar as ações no território e nos seus grupos de pertença. É uma ação que toma direção agregadora e retotalizante do social para produzir desenvolvimento, pertencimento e emancipação. (CARVALHO, 2014, p. 16). O trabalho Técnico Social se torna importante diante dos fatos descritos, as famílias agora residem em lugares propícios a seu pleno desenvolvimento, no que se refere a habitação e acesso aos serviços públicos as condições são favoráveis. Indo além, o trabalho social se volta para compreender o sentimento de pertença destas famílias. A pesquisa identificou que, os moradores quando questionados sobre as dificuldades encontradas após a realocação, bem como, as melhorias necessárias, as sugestões apontadas pelos entrevistados foram de forma unanimes voltadas para o quesito segurança e pavimentação nas ruas das áreas de realocação e no entorno das Unidades Habitacionais. As reclamações se voltam para a falta de segurança que as famílias sentem, algumas relatam que a droga tem tomado conta, somado a ausência da polícia, a insegurança só aumenta conforme alguns relatos “precisamos de mais policiamento, segurança e asfalto” e ainda “queria que tivesse mais policiamento, asfalto, segurança que precisa, e na casa está tudo bem”. A pavimentação também é um dos quesitos apontados como necessidade de melhoria, a ausência deste ou a má conservação e falta de manutenção tem gerado transtorno para os moradores “tem que melhorar o asfalto aqui na rua, é tudo cheio de buracos”. Os dois fatores apontados como necessidade de melhorias sugerem uma maior atuação do poder público, não somente com o programa habitacional, mas somando a este, uma maior atenção com a promoção da segurança aos moradores. Em relação ao apontamento feito sobre a pavimentação, as informações coletadas com a Secretaria de Urbanismo da Prefeitura Municipal de Campo Magro informam que, a licitação será realizada nos próximos meses com a pretensão de pavimentar as ruas das áreas de realocação que ainda não possuem asfalto e acessibilidade. Serviço Social: direitos e políticas sociais 143 Série Sociedade e Ambiente CONSIDERAÇÕES FINAIS Vivenciamos um contexto de mundo onde o capitalismo deixa sua marca através da desigualdade, o acesso a bens e serviços, embora garantidos constitucionalmente como direito de todos, se restringe a poucos, tudo é seletivo, o sistema é seletivo e desigual, a ponto de cercear o indivíduo de seu direito a uma vida digna. Tais deficiências, são contornadas, ou pelo menos a tentativa é de minimizá-las através de políticas e programas sociais, o que inclui os programas habitacionais. A realocação dos moradores do Jardim Boa Vista é um processo dialético de transformação da realidade, podendo ser considerado dinâmico e contraditório. A mudança das famílias num primeiro momento pode se revelar bom, afinal eles saem de uma situação degradante em relação a moradia, passam a construir suas vidas em locais que asseguram uma melhor condição, com reflexos na melhoria da saúde, planejamento familiar, perspectivas de oportunidades de trabalho e acesso aos serviços públicos. Todavia, o movimento contrário se revela com a construção de vida dos indivíduos, estes ao longo da história vivenciaram situações a eles impostas, criaram sua identidade a partir do que a eles foram oferecidos, as escolhas sempre foram restritas, com a ideia de que é melhor aceitar o que me é oferecido, mesmo que isso não oportunize a participação necessária, efetiva e continua na elaboração, implantação e execução de planos, programa e projetos, inclusive os de caráter habitacional. As questões que envolvem os problemas habitacionais em sua essência, inicia na busca por melhores condições de vida e a necessidade de se adaptar ao dominante modo de produção capitalista. As famílias voltam suas expectativas para uma melhor oportunidade quando residentes na cidade, contribuindo com a migração rural-urbano. A pesquisa realizada com os moradores realocados para as áreas I, II, III, IV e V do Jardim Boa Vista, buscou através de entrevistas, ouvir das famílias os impactos percebidos com a implantação do Programa de Aceleração do Crescimento, considerando as mudanças na situação social, econômica e ambiental, a adaptação após a realocação, acesso as políticas públicas e pertencimento ao novo local de moradia. Analisando as respostas dos moradores sobre os impactos sociais, econômicos e ambientais, percebeu-se que quando beneficiados com uma nova moradia, as pessoas identificaram melhoras em seu relacionamento com vizinhos e familiares, o que nos traz uma reflexão sobre a importância de considerar os vínculos das famílias. No processo de realocação o trabalho social foi de suma importância ao considerar que a manutenção de vizinhança e convivência entre as pessoas proporciona uma melhor adaptação e bem estar aos indivíduos. Os impactos econômicos foram percebidos sob diferentes aspectos: para algumas famílias os gastos aumentaram, posto que, quando residentes em áreas irregulares o saneamento básico não existia, para alguns o fornecimento de água e luz era inacessível. Beneficiados com uma Unidade Habitacional tudo passou a ser regularizado, inclusive o Imposto sobre Território Urbano (IPTU). Cabe destacar ainda, que a empresa executora do Projeto de Trabalho Técnico Social ofertou aos moradores cursos de capacitação visando a possibilidade de emprego e renda para as famílias realocadas, todavia, a adesão não foi da totalidade, o que nos leva a questionar se o determinante foi a falta de interesse dos moradores ou a oferta de capacitação não atendia o perfil do público alvo. No que diz respeito às políticas públicas o resultado foi positivo, o programa conseguiu alcançar o objetivo, de forma unanime as respostas indicaram que antes da realocação acesso à Educação, Saúde, Assistência Social e outros serviços públicos já acontecia, o que se confirmou com a realocação. Proporcionar aos moradores a Serviço Social: direitos e políticas sociais 144 Série Sociedade e Ambiente aproximação e utilização dos serviços básicos é contribuir com a melhora na qualidade de vida e autonomia para construção de atores sociais, que muitas vezes tiveram seus direitos violados ou negados. Quanto à percepção das famílias sobre a adaptação ao local para onde foram realocados, identificou-se que para alguns moradores ter uma moradia regularizada já significa melhora na qualidade de vida, o quem tem facilitado a adaptação as mudanças ocorridas, muitos relataram que mantém o mesmo círculo de amizade e vizinhos quando ainda moravam em áreas ocupadas irregularmente. Cabe salientar que durante a realização das entrevistas, foi possível identificar que a maior parte dos realocados tem sua composição familiar formada por quatro pessoas, em alguns casos seis pessoas ou mais. O padrão nacional no que diz respeito ao tamanho das Unidades Habitacionais é de 40m², todavia como revelou a pesquisa realizada, as famílias predominam com quatro pessoas, em algumas situações com seis ou mais integrantes na composição familiar, neste contexto, uma das ações do Assistente Social quando identifica a demanda é discutir com a equipe técnica a distribuição dos lotes com maior potencial construtivo para as famílias com um número maior de integrantes, possibilitando a ampliação da casa. O Assistente Social que trabalha com a política de habitação tem um papel de extrema responsabilidade, ele faz as articulações, mediações e acaba sendo em muitas instituições quem planeja, executa e organiza as ações que envolvem a efetividade do programa. A descentralização do programa que deveria agregar as responsabilidades do governo federal, estadual e municipal pulveriza as ações e com a dificuldade de repasse para as conclusões dos empreendimentos cada esfera do governo se defende culpabilizando o outro. Neste contexto, no PAC I temos famílias esperando realocação vivendo em áreas e condições de extrema dificuldade habitacional e social, o Assistente Social é o profissional que está em contato diário com a comunidade, informando, esclarecendo e discutindo ações para amenizar os impactos do atraso do empreendimento e nesta perspectiva o profissional faz muito além do que lhe compete, pois além do trabalho individual com cada família, a atuação também é coletiva. Como a maioria das políticas públicas a Política Habitacional é seletiva, sendo assim é excludente e contraditória, atender aos critérios de demanda estabelecidos pelo Ministério das Cidades é de grande responsabilidade para o assistente social e temos que ter claro que muitos cidadãos não são atendidos. Apesar das dificuldades e limites enfrentados diariamente pelo profissional e já relatadas acima, não posso deixar de revelar o quanto é apaixonante e desafiante atuar neste campo de intervenção, as pequenas conquistas, os sorrisos, os relatos dos moradores, o trabalho da equipe para viabilizar ações simples, mas que mudam a vida das pessoas é revelador e nos faz não desistir, estudar as cidades sua urbanização e o que pode ser feito com a participação e comprometimento de todos os envolvidos é um leque de possibilidades. Os desafios estão postos, as questões sociais revelam sua amplitude diante da grande demanda, dentre eles o déficit habitacional. Que as dificuldades apresentadas e a percepção dos moradores, no que diz respeito a pertença, realocação, adaptação e participação nos programas habitacionais, possam contribuir para futuras intervenções, onde o profissional atue para a construção de uma política de habitação que proporcione mais que o acesso a moradia, pensando em alternativas que se adeque a realidade de cada comunidade. Serviço Social: direitos e políticas sociais 145 Série Sociedade e Ambiente REFERENCIAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Editora Persona. Edições 70, São Paulo: Telles da Silva, 1977. BARREIRA, M. C. Avaliação Participativa de Programas Sociais. São Paulo: Veras Editora, 2000. BRASIL, Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. – 10º edição, revisada e atualizada. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012. __________. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. __________. 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São Paulo: Cortez, 2010. 151 Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL E O INCENTIVO A PEQUENA AGRICULTURA PELA POLÍTICA ESTADUAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DO PARANÁ: O RECONHECIMENTO DA LIBERDADE COMO VALOR ÉTICO CENTRAL E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ORDEM SOCIETÁRIA Ana Paula Pionkevicz Leandro José Araújo RESUMO No primeiro capítulo serão abordados os elementos teóricos oriundos da tradição marxista como forma de instrumento de análise, com o intuito de levantar se os aspectos relacionados à liberdade e superação da ordem vigente do Projeto Ético-Político estão em consonância ou são contraditórios ao objetivo 4 da 2ª diretriz da PNSAN. O processo de pesquisa e compreensão do objeto terá duas fases: a primeira pela compreensão teórica dos significados dos 2 (dois) princípios fundamentais selecionados do Projeto Ético Político do Serviço Social, ou seja, organizar suas abstrações elementares e compreendê-las inseridas em uma totalidade concreta pensada; e a segunda compreender os aspectos do Programa de Aquisição de Alimentos organizados dentro do modo de produção capitalista. Com isso, se pretende organizar as abstrações dos princípios éticos-políticos e da PNSAN dentro de um movimento teórico geral, ou seja, organizar os significados e sentidos dos princípios do projeto ético-político e da PSAN dentro de um concreto pensado. A pesquisa irá abordar esses dois movimentos teóricos para problematizá-los se estão em consonância ou são contraditórios entre si, ou seja, problematizar teoricamente se a realidade da “agricultura familiar” esta sintonizada com os valores incorporados hegemonicamente pelos assistentes sociais para conduzir a atuação profissional. Palavras-chave: Serviço Social. PNSAN. Agricultura familiar. Serviço Social: direitos e políticas sociais 152 Série Sociedade e Ambiente 1 INTRODUÇÃO A atividade de estágio de graduação em Serviço Social no Ministério Público do Paraná - MPPR, no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos humanos (CAOPJ DH) – Área de Direitos Constitucionais, permitiu a aproximação com o processo de implementação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional no Estado do Paraná - PNSAN. Esta aproximação se deve à prática de estágio vinculada às ações do eixo de atuação Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) do CAOPJ DH – Área de Direitos Constitucionais, que tem por objetivo geral defender o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)1 na perspectiva da soberania alimentar2 , por meio do acompanhamento da execução da Política de Segurança Alimentar e Nutricional, no âmbito do estado do Paraná. Segundo o Art. 127 da Constituição Federal “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 1988). A instituição assim o faz pela manutenção do Estado democrático de direito e pela observância aos demais instrumentos normativos da sociedade civil. A Constituição Federal de 1988, chamada de Carta Cidadã, torna o Ministério Público uma Instituição independente que cuida da proteção das liberdades civis e democráticas, buscando com sua ação assegurar e efetivar os direitos individuais e sociais indisponíveis, como sua missão constitucional (v. art. 127, da Constituição Federal). 69 70 Foi a Instituição que mais teve projeção, sendo elevada a um papel de destaque no cenário nacional, travando no meio social um importante diálogo com a população, através de audiências públicas e atendimento a população, veiculando assim as reivindicações mais justas que busca realizar junto aos órgãos públicos e jurisdicionais. (PINTO, 2002, p. 18). O objetivo da atuação do Ministério Público é estimular o Poder Público do Paraná em adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população do estado, com a: Realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006). A intervenção do MPPR tem como base a legislação e os parâmetros e princípios instituídos pela política, que tem como marco legal mais recente a promulgação do 1 “Garantir o direito à alimentação significa garantir a possibilidade de se alimentar diretamente de terras produtivas ou através de outros recursos naturais ou comprar alimentos. Isso implica assegurar que o alimento esteja disponível, em quantidade suficiente no mercado, acessível não comprometendo o acesso à outras necessidades fundamentais e seja adequado no sentido de ser seguro ao consumo humano.” (SCHUTTER). 2 Segundo o Art. 5 Lei 11.346/2006 (LOSAN) e tratados internacionais, cada país tem o direito de definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação para toda população (soberania alimentar), respeitando as múltiplas características culturais dos povos. Serviço Social: direitos e políticas sociais 153 Série Sociedade e Ambiente Decreto 7.272/20103 . Esta fase possibilitou maior institucionalidade, integração e controle social dos programas e ações de SAN, abrindo uma nova etapa de construção do SISAN. Neste momento, o principal desafio foi a pactuação intersetorial no âmbito Federal, que se iniciou institucionalmente com o primeiro Plano Nacional de SAN – PLANSAN, que é aprovado em 2011na IV Conferência Nacional de SAN. A intervenção do Ministério Público em âmbito estadual ocorre, dentre outras, por meio dos Centros de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, que está dividido em 3 (três) áreas, a saber: Direitos Constitucionais, Indígenas e Comunidades. O estagio é desenvolvido na Área de Direitos Constitucionais, que dentre os diferentes eixos de atuação estabelecidos para intervenção institucional na proteção dos direitos constitucionais, estão os de acompanhamento no âmbito estadual das Políticas de Assistência Social, Agrária e Fundiária e de Segurança Alimentar e Nutricional. A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Ministério Público novas atribuições, o que significou a ampliação da atuação para além das atividades judiciais. Para dar concretude a elas, a instituição conquistou autonomia funcional, administrativa e financeira e a desvinculação dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). A nova conformação institucional também demandou modificação na sua política administrativa, com a criação de Centros de Apoio e a ampliação das Promotorias Especializadas. Os Centros de Apoio foram instituídos como estruturas auxiliares aos órgãos de execução (Promotorias de Justiça), para o apoio técnico a intervenção. Segundo o Art. 74 da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Paraná4 , os Centros de Apoio Operacional, com âmbito estadual de atuação, são órgãos auxiliares da atividade funcional do Ministério Público, e dentre as suas atribuições na sua respectiva área de atuação estão: 71 72 II - responder pela execução dos planos e programas de sua área, em conformidade com as diretrizes fixadas; III - acompanhar as políticas nacional, estadual e municipal afetas às suas áreas; IV - promover a integração e o intercâmbio entre os órgãos de execução, inclusive para efeito de atuação uniforme, conjunta ou simultânea, quando cabível; V - prestar auxílio aos órgãos de execução do Ministério Público na instrução de inquéritos civis ou na preparação e proposição de medidas processuais; VI - remeter informações técnico-jurídicas aos órgãos de execução do Ministério Público, sem caráter vinculativo [...]. Nesse sentido, o eixo de atuação Segurança Alimentar e Nutricional tem como estratégia de atuação o monitoramento do processo de estruturação da PNSAN no Paraná. Com base na legislação nacional da política, foram adotadas ações para acompanhar os dispositivos integrantes do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN5 no âmbito estadual, que são o Conselho Estadual de SAN do 73 3 Regulamenta a Lei no 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN. 4 Lei Complementar Estadual nº 85, de 27 de dezembro de 1999. 5 A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei 11.346/2006) instituiu o SISAN como forma de realização do DHAA pela integração das 3 (três) esferas de governo e sociedade civil com o objetivo de formular e implementar políticas e planos de SAN através de um sistema público descentralizado. Serviço Social: direitos e políticas sociais 154 Série Sociedade e Ambiente Paraná – CONSEA - PR, Câmara Intersetorial de SAN – CAISAN6 e o Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Economia Solidária – SETS (Secretaria de Estado onde a política esta vinculada). Assim, a instituição estabelece proximidade com o processo de elaboração do Plano Estadual de SAN – PESAN e etapa estadual de estruturação do SISAN. Para uma atuação uniformizada do MPPR e vinculada ao estímulo da implementação do SISAN para a execução da política no âmbito municipal, outra estratégia adotada é o incentivo da atuação das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Constitucionais na área. Através de um Projeto Setorial, o objetivo do Centro de Apoio é sensibilizar as Promotorias de Justiça dos municípios a adotarem as mesmas ações do plano de atuação dentro da sua comarca de jurisdição em nível municipal, vislumbrando a articulação dos três níveis de governo para a estruturação da PNSAN. Para isso, o Centro de Apoio oferece apoio técnico à atuação das Promotorias de Justiça, com a promoção de eventos de capacitação na área, envio de material técnico, elaboração de parecer técnico-jurídico e estudo social e demais atividades solicitadas. Considerando os objetivo e metas do Plano Nacional de SAN 2012-2015 e atribuições institucionais, além do acompanhamento e monitoramento da política no estado, foram planejadas ações complementares para subsidiar a atuação do MPPR: estímulo ao acesso de populações em extrema pobreza e dos “grupos populacionais tradicionais e específicos”6 aos programas, políticas, projetos e equipamentos de SAN7 ; incentivo a atuação das Promotorias de Direitos Constitucionais nesta área; fortalecimento das iniciativas dos movimentos sociais e estratégias para dar visibilidade à política no Paraná. A intensificação da atuação extrajudicial do Ministério do Público do Paraná demandou a ampliação do quadro de servidores, com a inserção de profissionais de áreas do conhecimento diversas a do Direito. Nesse contexto, o Serviço Social é reconhecido como especialização na divisão social e técnica do trabalho no Ministério 74 75 5 76 Instância do Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN/PR, com a finalidade de promover a articulação e a integração dos órgãos e entidades da Administração Pública Estadual, afetos à área de segurança alimentar e nutricional, com as seguintes competências: I- elaborar, a partir das diretrizes emanadas do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado do Paraná-PR; II- coordenar a execução da Política e do Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional; III - monitorar e avaliar, de forma integrada, a destinação e aplicação de recursos em ações e programas de interesse da segurança alimentar e nutricional no plano plurianual e nos orçamentos anuais; IV - monitorar e avaliar os resultados e impactos da Política e do Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional; V - articular e estimular a integração das políticas e dos planos de suas congêneres municipais; VI - assegurar o acompanhamento da análise e encaminhamento das recomendações do CONSEA pelos órgãos de governo, apresentando relatórios periódicos; VII - acompanhar e dar encaminhamento, no âmbito da Administração Pública Estadual, às deliberações da Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional e às do CONSEA-PR. (DECRETO Nº 8745 - 16/11/2010 - PR) 6 Trata-se de categoria utilizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome: “Ao todo, a nova versão do Cadastro Único permite identificar famílias pertencentes a 16 grupos populacionais tradicionais e específicos. Entre julho do ano passado e fevereiro deste ano, cresceu em cerca de 118 mil o número dessas famílias cadastradas com identificação diferenciada”. São abrangidos por esta categoria 12 grupos: famílias indígenas, famílias quilombolas, famílias em situação de rua, famílias com componente resgatado do trabalho escravo, famílias ciganas, famílias extrativistas, famílias de pescadores artesanais, famílias pertencentes a comunidades de terreiro, famílias ribeirinhas, famílias de agricultores familiares, famílias assentadas e acampadas da reforma agrária, famílias beneficiárias do Programa Nacional de Crédito Fundiário, famílias atingidas por empreendimentos de infraestrutura, famílias com pessoa presa no sistema carcerário, famílias de catadores de material reciclável. 7 A Rede de Equipamentos Públicos de apoio a Produção, Abastecimento e Consumo de Alimentos, compõe uma ação estratégica da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), contribuindo para a redução dos índices de insegurança alimentar da população, além de promover o acesso à alimentação adequada e saudável. São equipamentos de SAN: Cozinhas Comunitárias, Restaurantes Populares, Unidades de Apoio à Distribuição de Alimentos da Agricultura Familiar, Bancos de Alimentos e Mercados Populares. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar/equipamentos>. Serviço Social: direitos e políticas sociais 155 Série Sociedade e Ambiente Público, compondo a equipe de apoio técnico-operacional numa perspectiva interdisciplinar8 . O papel do MPPR, por meio do CAOPJ-DH, é monitorar e incentivar o cumprimento das metas para a implementação do SISAN propostas para os estados pelo PLANSAN 2012-2015, considerando as suas diretrizes. Após a adesão formal9 do estado ao SISAN, o desafio atual do Paraná esta na promoção de estratégias que possibilitem à implantação municipal do sistema. Este primeiro Plano foi elaborado pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional, composta por 19 Ministérios, e o seu objetivo é promover estratégia para a integração de “dezenas de ações do conjunto dos órgãos integrantes do SISAN voltadas para a produção, o fortalecimento da agricultura familiar, o abastecimento alimentar e a promoção da alimentação saudável e adequada” (BRASIL, 2011, p. 09). As ações propostas pelo PLANSAN 2012-2015 oferecem ampla ênfase a promoção de estratégias para aumentar a produção de alimentos no país através da “agricultura familiar”10 . Nesse sentido, o PLANSAN define como a 2 Diretriz para a execução da política a “Promoção do Abastecimento e Estruturação de Sistemas Descentralizados, de Base Agroecológica e Sustentáveis de Produção, Extração, Processamento e Distribuição de Alimentos” (BRASIL, 2011, p. 55), ou seja, fomentar o abastecimento alimentar principalmente por produtos oriundos de pequenos núcleos de produção agrícola que possuam como principal forma de organização e técnica para o plantio a agroecologia11 . Para cada diretriz do plano foram definidos objetivos e metas prioritárias para dar concretude a elas, e neste trabalho será priorizado o estudo de dois dos objetivos e suas respectivas metas prioritárias da diretriz acima citada, a saber: 77 78 79 80 Objetivo 4 - Ampliar a participação de agricultores familiares, assentados da reforma agrária, povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais no abastecimento dos mercados, com ênfase nos mercados institucionais, como forma de fomento a sua inclusão socioeconômica e à promoção da alimentação adequada e saudável (BRASIL, 2011, p. 60). 8 Conforme estudo de Assistentes Sociais da instituição, esta prática é hegemônica na atuação do Serviço Social no MPPR. A atividade interdisciplinar consiste num sistema ancorado numa coordenação de nível hierárquico superior, composto por integrantes de diferentes áreas de saber trabalhando num regime de cooperação, expresso numa relação de finalidade. (COLIN, et al., 1999, p. 4). 9 A descentralização do SISAN depende da adesão formal dos estados e municípios ao sistema, e para isso estes devem cumprir dentro de sua instancia de governo com os requisitos mínimos estabelecidos na Lei Orgânica de Segurança Alimentar - LOSAN.: realização de conferencia de SAN, instituição de Conselho e Câmara Intersetorial de SAN e assinatura de termo de compromisso de elaboração do plano de SAN em 1 (um) ano. 10 A “agricultura familiar” compõem, segundo Germer (p. 43), o segmento de pequenos produtores agrícolas e dentre estes pode-se fazer a distinção dos que contratam assalariados e dos que dependem exclusivamente da forca de trabalho da família. Podem-se considerar os primeiros como capitalistas e os últimos como “produtores simples de mercadoria”, mas essa distinção é frágil, uma vez que há agricultores que dependem exclusivamente da forca de trabalho familiar, são altamente mecanizados e acumulam capital, enquanto os pequenos produtores por não terem acesso a tecnologia suficiente, não obtêm alto lucro e seu objetivo é de apenas atender as necessidades da família. Nesse contexto, a terminologia “agricultura familiar” fica distorcida necessitando de uma classificação mais aprimorada quanto à condição de classe dos produtores rurais, o que será foco de análise na fundamentação teórica deste trabalho. 11 É uma ciência que agrega conhecimentos agronômicos, ecológicos e socioeconômicos na avaliação e desenvolvimento das tecnologias para a produção e distribuição de alimentos. Com base nas dinâmicas da natureza, destaca a produção em menor escala e a redução do emprego de fertilizantes artificiais e agrotóxicos no cultivo agrícola. (http://www.mst.org.br/node/14845). Serviço Social: direitos e políticas sociais 156 Série Sociedade e Ambiente Em síntese, o objetivo 4 (quatro) refere-se a ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)12 , através do incentivo a participação de pequenos agricultores no programa e fortalecimento dos mecanismos para esta participação. Foram elencados como prioridades a criação de estratégias para valorizar e qualificar os aspectos culturais e ambientais dos produtos oriundos dos Povos e Comunidades Tradicionais13 e dos agricultores em geral e apoiar a organização econômica e social dos usuários do programa visando o desenvolvimento das suas atividades. O programa é anterior a PNSAN, foi criado em 2003 e é uma ação do governo federal para o enfrentamento à fome e a pobreza no país, e ao mesmo tempo, uma forma de fortalecimento da pequena agricultura. Para isso, “o programa utiliza mecanismos de comercialização que favorecem a aquisição direta de produtos de agricultores familiares ou de suas organizações, estimulando os processos de agregação de valor à produção.”14 O governo faz a aquisição de alimentos diretamente dos pequenos agricultores, assentados da reforma agrária e povos e comunidades tradicionais para a formação de estoques estratégicos e distribuição à população em maior vulnerabilidade através dos equipamentos de SAN e abastecimento da rede sócio assistencial15 . Neste estudo será analisado como estas ações do PLANSAN, ou seja, incentivo à agricultura familiar através do PAA vão incidir nas relações sociais de produção dos trabalhadores rurais e de que maneira são complementares ou contraditórias ao Projeto Ético-Político, em relação a 2 (dois) dos princípios fundamentais do Código de Ética do Assistente Social16 : 81 82 83 84 85 I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; VIII. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero. Segundo Netto (1999, p. 4), os projetos profissionais: Apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas. 12 Em síntese, é um programa federal que utiliza de mecanismos de comercialização de produtos oriundos da pequena agricultura para o abastecimento alimentar de equipamentos da rede socioassistencial (escolas, hospitais, asilos, bancos de alimentos, restaurantes populares, etc.). Importante registrar que este programa existia antes da PNSAN e que o mesmo foi incorporado neste objetivo. (http://www.mda.gov.br/portal/saf/programas/paa) 13 Esses grupos ocupam e usam, de forma permanente ou temporária, territórios tradicionais e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica. Para isso, são utilizados conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Entre os PCTs do Brasil, estão os povos indígenas, os quilombolas, as comunidades de terreiro, os extrativistas, os ribeirinhos, os caboclos, os pescadores artesanais, os pomeranos, dentre outros. http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar/povosecomunidadestradicionais 14 http://www.mda.gov.br/portal/saf/programas/paa 15 Hospitais, escolas, asilos, albergues. 16 Aprovado em 13 de Março de 1993 pela Resolução 273, com as alterações introduzidas pelas Resoluções CFESS nº290/94, 293/94, 333/96 e 594/11. Serviço Social: direitos e políticas sociais 157 Série Sociedade e Ambiente O Código de Ética Profissional do Assistente Social explicita o compromisso profissional com “o rompimento com o conservadorismo na explicitação frontal do compromisso profissional com a classe trabalhadora” (NETTO, 1999, p. 14), indicando um novo perfil do assistente social pela formação vinculada a uma teoria social critica e sinalizando dimensões éticas e profissionais para sua efetivação. Segundo análise de Netto (1999, p. 15), através do reconhecimento do compromisso profissional e a apropriação dos conceitos teóricos e metodológicos oriundos da tradição marxista, o projeto contém em seu núcleo a Liberdade como valor ético central – pensada como possibilidade de escolha entre alternativas concretas. Consequentemente, “este projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero” (NETTO, 1999, p. 15). Entendendo essa condição profissional, este trabalho esta dedicado a construir uma discussão acerca das possíveis aproximações e contradições entre os dois princípios éticos acima apresentados e a segunda diretriz da PNSAN que se manifesta como política pública aos trabalhadores rurais incentivando à agricultura familiar através do PAA. 2 CATEGORIAS TEÓRICAS PARA A ANÁLISE 2.1 O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO O método elaborado por Karl Marx constitui não apenas um modo simples de interpretação da realidade, mas um instrumento prático para a ação revolucionária. Este método esta fundamentado em dois conceitos principais: O papel determinante das forças produtivas no desenvolvimento da sociedade, e as implicações do vínculo entre a revolução social e a relação existente entre o grau de desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção (FP/RP). “Somente graças ao conhecimento das leis do movimento, pode-se chegar a uma previsão científica do futuro e sobre esta base desenvolver uma ação revolucionária justa”17. Assim, o materialismo se dispõe a fornecer os instrumentos para compreender a historia passada, intervir oportunamente no presente para conduzir o curso da sociedade dentro das condições materiais colocadas. Segundo Marx (1980, p. 101), “relações de produção novas e superiores nunca se instalam antes que as condições de existência materiais das mesmas tenham sido geradas no próprio seio da velha sociedade”. A concepção materialista da história, aquela que permite compreender as leis de desenvolvimento da sociedade e detêm a dialética como instrumento universal, demonstra de forma científica como o modo pelos quais os homens realizam a manutenção da vida determinam todos outros aspectos da vida social, de como a vida material determina a consciência intelectual. Ou seja, “não é a consciência do ser humano que determina o seu ser, mas, ao inverso, é o seu ser social que determina a sua consciência” (MARX, 1859). 86 87 17 https://www.marxists.org/portugues/thalheimer/1928/materialismo/11.htm Serviço Social: direitos e políticas sociais 158 Série Sociedade e Ambiente Essa concepção se opõe frontalmente à concepção idealista, expressa no chamado “individualismo metodológico”, que domina a epistemologia burguesa no campo das ciências humanas, para o qual são as motivações individuais, impressas desde sempre na “natureza humana” imutável, que explicam a estrutura da sociedade. (GERMER, 2009, p.78) Este método demonstra ainda como a contradição entre as forças produtivas e as relações sociais de produção se expressa como fundamento material para a luta de classes, e são a força motriz para a evolução social. “O materialismo significa que a realidade material é a única realidade existente, e a dialética materialista implica que a matéria está continuamente em movimento, por ser o movimento uma propriedade intrínseca a esta.” (GERMER, 2009, p. 77). Segundo Marx, “tudo o que existe, tudo o que vive sobre a terra ou na água, só existe, só vive por intermédio de algum movimento. Assim o movimento da história gera as relações sociais18 ” (apud GERMER, 2009). 88 2.2 O PAPEL DETERMINANTE DAS DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE FORÇAS PRODUTIVAS NO A atividade que move o ser humano é aquela da qual depende sua sobrevivência, a qual deve desempenhar para garantir os meios de vida, para garantir a alimentação, moradia, vestuário etc. Essa atividade é o trabalho, condição obrigatória e indispensável para a manutenção material da vida humana, que proporcionou ao homem o desenvolvimento da consciência e a geração de conhecimento por meio da atividade prática junto à natureza. O homem ao intervir nestes meios a fim de obter o que precisa Começa a conhecê-los, familiariza-se com suas propriedades, e à medida que o trabalho se repete continuamente, o conhecimento adquirido amplia-se e reage sobre o processo de trabalho, aperfeiçoando-o gradualmente. Aos poucos passa a empregar materiais naturais como instrumentos auxiliares das mãos e a fabricar instrumentos de trabalho. O conjunto dos materiais naturais que transforma para seu uso, dos instrumentos e demais materiais e instalações que o auxiliam no trabalho, e do próprio conhecimento acumulado e da aptidão adquirida para o trabalho, constituem as forças produtivas do trabalho. (GERMER, 2009, p. 80). Assim, o trabalho é a origem do conhecimento que se expressa nas forças produtivas, ao homem transformar a natureza conforme sua necessidade, e ao mesmo tempo, a ampliação continua deste conhecimento implica no desenvolvimento das forças produtivas, pois a ação humana esta sujeita as leis atuantes do movimento da sociedade. Isso implica na afirmação de que o desenvolvimento das forças produtivas é progressivo, e consequentemente, os níveis de produtividade humana mais elevados suscetivelmente, o que deriva em relações sociais de produção mais avançadas. Portanto, o ato obrigatório de trabalhar na sociedade implica na transformação dos trabalhadores e dos modos de trabalhar. 18 Karl Marx. Miséria da filosofia. Serviço Social: direitos e políticas sociais 159 Série Sociedade e Ambiente O desenvolvimento do conhecimento, por um lado, e da organização e dos processos de produção correspondentes, por outro, dão origem a novas formas de trabalhos e a trabalhadores de novo tipo, e a novas formas materiais de apropriação dos meios de produção, que entram em conflito crescente com as formas de trabalho e de apropriação, existentes até então. (GERMER, 2009, p.82). Segundo Marx, a contradição que move a sociedade humana é aquela entre as força produtivas e as relações sociais de produção, ou seja, entre as maneiras de produzir os meios materiais para a manutenção da vida e as relações de trabalho para tanto. Do mesmo modo que não se julga o individuo pela idéia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de transformações pela consciência que ela tem de si mesma. É preciso ao contrário, explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. (MARX, 1859). 2.3 AS RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO Como já expresso anteriormente, o trabalho é a fonte de sobrevivência humana. Como desde o inicio o homem vive em sociedade, este modo de sobreviver é realizado coletivamente, ou seja, através de sistemas de cooperação de trabalhos individuais interligados que visam a manutenção do coletivo. Isso constitui a necessidade de uma relação de trabalho, de modo a definir e organizar a produção social da vida. Na produção social da sua vida os seres humanos estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção, que correspondem a determinado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. (MARX, 1859). Marx enfatiza que as relações sociais de produção constituem-se na necessidade material do ser humano de trabalhar em coletivo e desenvolvem-se espontaneamente, por isso são determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, ainda que realizadas sistematicamente. O desenvolvimento espontâneo esta relacionado entre as relações sociais de produção e as forças produtivas, e o seu desenvolvimento contraditório é inerente a vontade e controle humano. A dependência das relações de produção em relação às forças produtivas significa, por um lado, que a forma assumida, em cada momento histórico, pelas relações entre os indivíduos, depende das formas específicas das forças produtivas (tipos e localização das matérias-primas, dos instrumentos de trabalho e dos ambientes de trabalho – construções, instalações, meios de transporte etc.); por outro, como as forças produtivas estão em contínuo desenvolvimento – mais lento ou mais rápido, segundo a época histórica –, segue-se que as relações entre os indivíduos, na produção, estão também em contínuo desenvolvimento. (GERMER, 2009, p. 85). Segundo Marx “é preciso explicar essa consciência pelas contradições da vida material” (1859). Essas relações expressam-se pela forma jurídica da apropriação dos Serviço Social: direitos e políticas sociais 160 Série Sociedade e Ambiente meios de produção pelos indivíduos, que é determinado pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas em diferentes momentos históricos. A propriedade privada dos meios de produção difere significativamente nas relações entre os indivíduos para a produção material da vida, e aparece de diferentes formas ao longo da história correspondendo a relativos períodos de desenvolvimento das forças produtivas. 2.4 A LUTA DE CLASSES “A história escrita de toda a sociedade é a história das lutas de classe” (ENGELS e MARX, 2012, p.44). Com o surgimento da propriedade dos meios de produção, as relações de produção passam a constituir uma profunda contradição entre o seu conteúdo e forma, pois ao mesmo tempo em que são condição objetiva para a qual os indivíduos se relacionam para garantir a reprodução da vida, estas são mediadas por uma forma jurídica que através das Leis estabelecem os direitos e deveres dos proprietários e não proprietários na produção. A contradição esta na relação de desenvolvimento entre as forças produtivas (que estão em constante evolução inerente) e as relações sociais de produção, que se constituem em uma norma jurídica rígida que depende do rompimento consciente e organizado19 . Ou seja, as leis que garantem a propriedade privada não sofrem o processo de transformação espontâneo e progressivo, e tornam-se empecilho para a evolução da sociedade. O processo de evolução advém do desenvolvimento das forças produtivas, que depende do desenvolvimento equiparado das relações sociais de produção. 89 Consequentemente, a forma jurídica da propriedade permanece inalterada, no essencial, durante o período histórico coberto por um modo de produção. Mas a forma material da apropriação, que a forma jurídica da propriedade expressa, continua evoluindo, uma vez que ela representa a forma real das relações entre os indivíduos, e estas se alteram com o desenvolvimento das forças produtivas, cujo nível não está fixado em lei e depende do desenvolvimento científico e tecnológico progressivo. (GERMER, 2009, p.86). Constitui-se então, uma contradição entre a forma jurídica de apropriação do produto do trabalho e as relações materiais de produção. O rompimento com essas relações relativamente atrasadas depende do enfrentamento dos interessados do direito formal que compõe o campo de conflito entre os proprietários e não proprietários, ou seja, o campo da luta de classes. Até aqui, existem três elementos operando em conjunto e em linha de causação, que constituem a base real da análise: o desenvolvimento das forças produtivas, as relações matérias de produção e os direitos de propriedade dos meios de produção (que representam no plano jurídico, as relações matérias de produção vigente). Através da análise destes elementos, Marx conclui que a anatomia da sociedade deve ser procurada na Economia Política, e resumidamente, afirma o resultado final a que chegou em seus estudos: 1989 Observa-se historicamente que fatores (pertencentes à cultura, à ideologia, à religião, etc.) podem atuar retroativamente e afetar negativamente o desenvolvimento das forças produtivas. (GERMER, 2009, p. 86). Serviço Social: direitos e políticas sociais 161 Série Sociedade e Ambiente Na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento das forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. (MARX, 1859). 2.5 OS MODOS DE PRODUÇÃO Segundo Marx, o modo de produção consiste na forma pela qual os homens produzem seus meios de existência na vida social conforme as condições matérias dadas historicamente, ou seja, as relações entre os homens no trabalho em diferentes épocas e desenvolvimento da tecnologia. Marx definiu o modo de produção, no maior nível de abstração, como uma combinação entre um determinado nível de desenvolvimento das forças produtivas e a correspondente forma material das relações de produção, cristalizadas nas leis (GERMER, 2009, p. 87). O autor organiza a historia da humanidade em 4 (quatro) fases, em modos de produção diferentes: Comunismo Primitivo, Escravagismo, Feudalismo e Capitalismo. O modo de produção denominado comunismo primitivo, constitui a organização social mais longa em todo o curso da humanidade, e perdurou durante milhares de anos. Nele os homens em estado de selvageria trabalhavam em conjunto, o produto do trabalho era coletivo e não existia a concepção de propriedade privada. Os homens se alimentavam de frutos que encontravam por acaso (frutas, legumes, raízes) e possuíam instrumentos ainda muito simples para a manipulação da natureza. Com o desenvolvimento de todos os ramos de produção essenciais para a manutenção da vida (agricultura, criação de gado, instrumentos manuais domésticos), os seres humanos começaram a produzir mais do que precisavam para sobreviver. Devido a essa acumulação, os rebanhos deixaram de ser propriedade comum de todos os membros da comunidade e passaram a constituir patrimônio dos chefes das famílias, homens responsáveis por providenciar alimentação e os instrumentos necessários para chegar a este fim. Ao mesmo tempo, aumentou a soma de trabalho diário correspondente a cada membro da comunidade, e surgiu a necessidade de se buscar mais mão de obra. Passou a ser conveniente conseguir mais força de trabalho, o que se logrou através da guerra; os prisioneiros foram transformados em escravos. Dadas as condições históricas gerais de então, a primeira grande divisão social do trabalho, ao aumentar a produtividade deste, e, por conseguinte a riqueza, e ao estender o campo da atividade produtora, tinha que trazer consigo necessariamente - a escravidão. (ENGELS, 2012, p. 149). A superação do comunismo primitivo foi demarcada pela acumulação e propriedade privada dos meios de produção (terra, criação de gado e instrumentos domésticos) e a exploração da mão de obra escrava. Essas características correspondem Serviço Social: direitos e políticas sociais 162 Série Sociedade e Ambiente ao modo de produção escravagista, onde surge a primeira divisão de classe dos exploradores e explorados, ou seja, dos senhores e escravos. O ferro tornou possível a agricultura em maior escala, o ofício do artesanato e o controle da produção de alimentos, assim “a arte de tecer, o trabalho com os metais e outros ofícios de crescente especialização, deram variedade e perfeição sempre maior á produção; a agricultura principiou a fornecer, além de cereais, legumes e frutas, azeites e vinhos” (ENGELS, 2012, p. 152). A riqueza foi crescendo sob forma individual, e os escravos se constituíam em mão de obra de propriedade de seus senhores (donos dos meios de produção), que tinham a liberdade de comprá-los, vende-los ou trocá-los, e foram empregados na base do trabalho social. A diferença entre ricos e pobres estava pautada na condição de homem livre ou escravo na divisão social do trabalho, divisão de classes. A diferença de riqueza entre os chefes de família destruiu as antigas comunidades domésticas, e a propriedade da terra foi distribuída entre as diferentes famílias, e a partir desta divisão, “a família individual principiou a transformar-se na unidade econômica da sociedade” (ENGELS, 2012, p. 154). O constante crescimento da produção, e com ela da produtividade do trabalho, aumentou o valor da força de trabalho do homem; a escravidão, ainda em estado nascente e esporádico na fase anterior, converteu-se em elemento básico do sistema social (ENGELS, 2012, p. 154). Durante um longo processo de desenvolvimento dessas técnicas, a produção foi dividida entre o ramo da agricultura e do artesanato, dirigida para a troca e comercialização mercantil. E dai a produção cada vez maior de objetos fabricados diretamente para a troca, e a elevação da troca entre produtores individuais à categoria de necessidade vital da sociedade. A civilização consolida e aumenta todas essas divisões do trabalho já existentes, acentuando sobretudo o contraste entre a cidade e o campo (contraste que permitiu à cidade dominar economicamente o campo - como na antiguidade - ou ao campo dominar economicamente a cidade, como na Idade Média), e acrescenta uma terceira divisão do trabalho, peculiar a ela e de importância primacial, criando uma classe que não se ocupa da produção e sim, exclusivamente, da troca dos produtos: os comerciantes. Já o modo de produção feudal apresentava como características gerais o poder descentralizado, economia baseada na agricultura de subsistência, trabalho servil e economia sem moeda e sem comércio, onde predomina a troca. Os servos não se constituíam em propriedade, mas a relação servil estava baseada no uso da terra de propriedade do senhor pelos servos, como único meio de sobrevivência. Desta maneira, os camponeses sobreviviam somente da agricultura, ou seja, produziam o necessário para sobreviver, e ficavam sujeitos a obrigações como o trabalho forçado em determinados dias da semana nos meios de produção dos senhores, ou na entrega, quando havia, de excedente da produção agrícola e pagamento de taxas. “Dos servos da Idade média, saíram os moradores dos burgos das primeiras cidades; a partir destes se desenvolveram os primeiros elementos da burguesia” (ENGELS e MARX, 2012, p. 45). O desbravamento da América e África e desenvolvimento do comercio de trocas entre as colônias deram um impulso para a Serviço Social: direitos e políticas sociais 163 Série Sociedade e Ambiente revolução na sociedade feudal, devido à necessidade de maior produção de mercadorias para este fim. O modo de funcionamento da indústria, até aí feudal ou corporativo já não chegava para atender a procura que crescia com novos mercados. Substituiuse a manufatura. Os mestres de corporação foram desalojados pelo estado médio industrial; a divisão do trabalho entre as diversas corporações desapareceu ante a divisão do trabalho no interior das próprias oficinas. Os mercados no entanto, seguiam crescendo casa vez mais, tanto quanto a demanda. A própria manufatura já não bastava. Foi quando o vapor e as máquinas revolucionaram a produção industrial. (ENGELS e MARX, 2012, p. 45). Desta maneira, a manufatura foi substituída pela produção industrial moderna e a organização feudal, pelos milionários da indústria que agora tinham o controle dos meios de produção da vida coletivos. Vemos, portanto, que a própria burguesia é fruto do desenvolvimento no modo de produção anterior ao seu, e que desempenhou um papel revolucionário ao longo da história e a cada estágio de desenvolvimento fez acompanhar correspondente progresso político. Importante ressaltar a distinção entre revolução social como processo social e revolução política como momento decisivo. Conforme Germer (2009, p. 87), a revolução social ocupa todo um período histórico, e se constitui em “processo de transição de um modo de produção a outro, caracterizado, por um lado, pela elevação das forças produtivas do nível anterior a um novo nível, e, por outro, pela alteração correspondente das relações materiais de produção”. Já a revolução política: Ao contrário, é o momento limitado do auge revolucionário em que se altera o poder de Estado e se realiza a mudança da forma jurídica da propriedade: a forma vigente é abolida e substituída pela nova forma, representando as novas relações materiais de produção, correspondentes ao nível de desenvolvimento atingido pelas forças produtivas ainda sob o modo de produção anterior, vigente no momento da revolução política. (GERMER, 2009, p. 88). Após instalar a revolução no de sistema de cooperação de trabalho que visam a manutenção do coletivo, através do emprego de tecnologia correspondente para atender o mercado emergente, ou seja, das forças produtivas, a burguesia realiza a mudança na forma jurídica da propriedade através da alteração do controle do Estado. Assim, conforme a analise de Engels e Marx (2012, p. 46): A burguesia conquistou para si, desde o estabelecimento da indústria e do mercado mundial, a exclusiva dominação política no moderno Estado representativo. O moderno poder estatal é apenas uma comissão que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa. Ainda sobre a revolução entre o modo de produção feudal e capitalista, Marx relaciona o desenvolvimento das forças produtivas à mudança na vida social do homem: Serviço Social: direitos e políticas sociais 164 Série Sociedade e Ambiente Ao adquirir novas forças produtivas, os homens transformam seu modo de produção, e com a transformação do modo de produção, do modo de ganhar sua vida, transformam todas suas relações sociais. O moinho manual nos dá a sociedade chefiada pelo suserano; o moinho a vapor nos dá a sociedade com o capitalismo industrial. O modo de produção capitalista expressa, portanto, uma relação econômica historicamente dada, onde os homens produzem e reproduzem os meios de subsistência conforme o desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, é o capital a dinâmica de todo o processo de vida social. Conforme Marx (1867): É o conjunto dos meios de produção convertidos em capital, que, em si, tem tão pouco de capital que o ouro e a prata, como tais de dinheiro. É o conjunto dos meios de produção monopolizados por uma determinada parte da sociedade, os produtos e as condições de exercício da força de trabalho substantivados frente a força de trabalho viva e a que este antagonismo personifica como capital. Ou seja, “a riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista apresenta-se como uma "imensa acumulação de mercadorias"” (MARX, 1867). Nesse sentido, a organização social no modo de produção capitalista constitui-se na produção de mercadorias através da força de trabalho da classe trabalhadora que a vende como única forma de sobrevivência aos donos dos meios de produção, que se apropriam do produto do trabalho coletivo, legitimados pelo titulo de propriedade. 2.6 O ESTADO O Estado sendo produto da sociedade e das relações reais que fundam o seu poder, e é aquele que garante a propriedade privada e legitima a exploração do proletariado pela burguesia, sendo assim representante essencial dos interesses da classe dominante. Conforme a análise de Engels (2012, p. 160) o Estado “é a confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se”, e para que as classes antagônicas “não se entre devorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da “ordem”.” Nesse sentido, diante da análise materialista, entendem-se que este aparelho tem outras funções prioritárias além daquelas relacionadas às garantias e direitos sociais colocadas a todos os cidadãos, iguais perante a lei. Ao contrario, é um aparelho necessário para garantir o modo de produção da capitalista, baseado na propriedade privada dos meios de produção e a exploração da mão de obra assalariada. O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é "a realidade da idéia moral", nem "a imagem e a realidade da razão", como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento (ENGELS, 2012, p. 161). Serviço Social: direitos e políticas sociais 165 Série Sociedade e Ambiente Para o materialismo, o Estado não se constitui num aparelho acima da sociedade criado para garantir a ordem e o direito formal de todos os cidadãos, mas sim para a manutenção da relação social de produção vigente, através do convencimento e legitimação da norma estabelecida, ou repressão daqueles que a violam. Ao analisar-se o direito propriamente dito, aquele concedido materialmente, no modo de produção capitalista quem os detêm são os proprietários dos meios de produção, e aqueles que não o possuem vendem sua força de trabalho, e estabelecesse uma contradição inconciliável na divisão dos bens produzidos socialmente. Para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da "ordem". Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado. (ENGELS, 2012, p. 161). 2.7 VALOR E PREÇO Como o objeto de estudo é a produção em pequena escala de alimentos, através da denominada “agricultura familiar”, precisa-se localizar o conceito que melhor identifica esta produção no capitalismo, entendendo-a no âmbito da produção de mercadorias. O primeiro aspecto fundamental é entender como é determinado o valor da mercadoria. Podemos entender este aspecto apenas na relação de troca entre as mercadorias, através das quantidades proporcionais nas quais as mercadorias são trocadas umas pelas outras, em como uma se expressam umas nas outras. Conforme Marx (1865) E, sem embargo, como o seu valor é sempre o mesmo, quer se expresse em seda, em ouro, ou outra qualquer mercadoria, este valor tem que ser alguma coisa de distinto e independente dessas diversas proporções em que se troca por outros artigos. Necessariamente há de ser possível exprimir, de uma forma muito diferente, estas diversas equações com várias mercadorias. Para exemplificar o conceito, o autor utiliza a relação de troca entre trigo e ferro, quando uma determinada proporção de trigo se expressa numa determinada quantidade de ferro. Essa relação só é possível porque existe uma unidade em comum entre as duas mercadorias, algo equivalente que exprime a grandeza entre as duas formas diferentes. “Portanto, cada um destes dois objetos, tanto o trigo como o ferro, deve poder reduzir-se, independentemente um do outro, àquela terceira coisa, que é a medida comum de ambos” (MARX, 1865). Enfim, para entender esta relação devemos exprimir os valores das mercadorias em uma expressão comum, diferenciando unicamente a proporção que contem esta mesma medida. Conforme análise de Marx, os valores de troca das mercadorias são apenas funções sociais destas, e nada tem a ver com suas propriedades naturais, assim a substância social comum entre todas as mercadorias é o trabalho. Conforme Marx (1865), “para produzir uma mercadoria tem-se que inverter nela ou a ela incorporar uma determinada quantidade de trabalho. E não simplesmente trabalho, mas trabalho social”. Serviço Social: direitos e políticas sociais 166 Série Sociedade e Ambiente Na análise do autor as coisas produzidas para satisfação individual não são consideradas mercadorias, mas sim produtos. Ele considera a produção social e a relação proveniente do trabalho social, pois a produção individual nada tem a ver com a sociedade. Mas para produzir uma mercadoria, não só se tem de criar um artigo que satisfaça uma necessidade social qualquer, como também o trabalho nele incorporado deverá representar uma parte integrante da soma global de trabalho invertido pela sociedade. Tem que estar subordinado à divisão de trabalho dentro da sociedade. Não é nada sem os demais setores do trabalho, e, por sua vez, é chamado a integrá-los. (MARX, 1865) Assim, ao considerarmos as mercadorias como valores cristalizados sob o aspecto do trabalho social realizado, estas só podem diferenciar-se umas das outras enquanto representantes de maior ou menor quantidade de trabalho, que são medidas através do tempo desempenhado para realizá-las em média. Este aspecto é fundamental para compreender o conceito, uma vez que o valor das mercadorias são expressos pela quantidade de trabalho social necessário pra produzi-la, medido em horas. Ou seja: Uma mercadoria tem um valor por ser uma cristalização de um trabalho social. A grandeza de seu valor, ou seu valor relativo, depende da maior ou menor quantidade dessa substância social que ela encerra, quer dizer, da quantidade relativa de trabalho necessário à sua produção. Portanto, os valores relativos das mercadorias se determinam pelas correspondentes quantidades ou somas de trabalho invertidas, realizadas, plasmadas nelas. As quantidades correspondentes de mercadorias, que foram produzidas no mesmo tempo de trabalho, são iguais. Ou, dito de outro modo, o valor de uma mercadoria está para o valor de outra, assim como a quantidade de trabalho plasmada numa está para a quantidade de trabalho plasmada na outra. (MARX, 1865). Para calcular o valor de uma mercadoria, devemos considerar o tempo de trabalho invertido nela e a matéria-prima aplicados junto aos meios de produção (maquinaria, ferramentas, local de produção, transporte) necessários para produzi-la. Marx utiliza como exemplo a produção de fios de algodão, para clarificar o emprego do conceito (MARX, 1865): O valor de uma determinada quantidade de fio de algodão é a cristalização da quantidade de trabalho incorporada ao algodão durante o processo da fiação e, além disso, da quantidade de trabalho anteriormente plasmado nesse algodão, da quantidade de trabalho encerrada no carvão, no óleo e em outras matérias auxiliares empregadas, bem como da quantidade do trabalho materializado, na máquina a vapor, nos fusos, no edifício da fábrica, etc. Os meios de trabalho propriamente ditos, tais como ferramentas, maquinaria e edifícios, utilizam-se constantemente, durante um período de tempo mais ou menos longo, em processos repetidos de produção. Serviço Social: direitos e políticas sociais 167 Série Sociedade e Ambiente 3 O SERVIÇO SOCIAL 3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL As produções teóricas das vanguardas da categoria demonstram que o a profissão acompanha as transformações societárias induzidas pelo modo de produção capitalista, e que o serviço social se tornou socialmente necessário devido o agravamento da contradição entre a classe proprietária dos meios de produção e a trabalhadora. A profissão surge no Brasil entre as décadas de 1920-30, junto à intensificação do processo de industrialização e consolidação do modo de produção capitalista. Em sua análise, Carvalho e Iamamoto (2012, p. 77) compreendem o serviço social como “profissão historicamente situada, configurada como um tipo de especialização do trabalho coletivo dentro da divisão social do trabalho peculiar à sociedade industrial”. Para compreender como se estabeleceu a trajetória do Serviço Social desde sua formação ao momento de sua institucionalização no Brasil, é necessário um resgate histórico do período compreendido entre 1920 e 1960, através do “longo processo de transição por intermédio do qual se forma o um mercado de trabalho em moldes capitalistas”. (CARVALHO e IAMAMOTO, 2012, p. 133), através da superação do modo de produção feudal pelo capitalismo no país, o que incidiu diretamente na sua base econômica. O período de surgimento da profissão é marcado pelo final da República Velha (1889-1930) no país, que teve como principais características a política do café-comleite, devido ao domínio da oligarquia cafeeira e pecuarista no cenário político nacional dos estados de São Paulo e Minas Gerais, pois eram os estados com maior número de deputados no Congresso e maiores produtores de café e gado do país. A cultura coronelista dominava o cenário político no meio rural, através da figura dos Coronéis (fazendeiros e comerciantes que dominavam o cenário político neste meio). Este modelo econômico baseava-se na agro-exportação e abastecimento de matéria-prima para a indústria europeia. A Revolução de 1930 pôs fim a Primeira República, com a posse do governo por Getúlio Vargas, após um golpe organizado por seus partidários. Seu governo foi caracterizado por ser centralizador, e por investir grandemente no desenvolvimento da indústria de base, garantindo a estrutura de que o capitalismo necessitava para expandirse. Com isso o governo conseguiu modernizar a economia nacional, acelerando o processo de industrialização. Com o crescimento da atividade industrial e consequente crescimento dos centros urbanos e do operariado em torno das indústrias (população que vendia sua força de trabalho aos capitalistas como única forma de sobrevivência), que passaram a ocupar as periferias das cidades, sem as mínimas condições de vida como moradia, saneamento, saúde, educação. A acentuação da pobreza desdobrou na organização do proletariado e nos movimentos sociais de contestação da ordem vigente. O modo de produção capitalista traz consigo a revolução nas relações sociais de produção, conformada pela transição da mão de obra escrava para a assalariada e a força de trabalho tornada mercadoria. Como vendedor “livre” de sua força de trabalho, a manutenção do proletário e de sua família se dá por meio do salário, e torna-se responsabilidade particular. Juntamente a exploração de classe que é submetido, ou seja, a apropriação particular dos bens produzidos socialmente pela classe dominante, segundo Carvalho e Iamamoto (2012, p. 134) o operariado declara, frente à exploração Serviço Social: direitos e políticas sociais 168 Série Sociedade e Ambiente abusiva a que é submetido – afetando a sua capacidade vital – a luta defensiva ao restante da sociedade burguesa, posta como uma ameaça a seus mais sagrados valores, “a moral, a religião, e a ordem pública”. Os autores retratam que “impõe-se a partir daí a necessidade de controle social da exploração da força de trabalho [...] e regulamentação jurídica do mercado de trabalho através do Estado” (CARVALHO e IAMAMOTO, 2012, p. 134). As Leis Sociais, que representam a parte mais importante dessa regulamentação, se colocam na ordem do dia a partir do momento em que as terríveis condições de existência do proletariado ficam definitivamente retratadas para a sociedade brasileira por meio dos grandes movimentos sociais (CARVALHO e IAMAMOTO, 2012, p. 134). O Estado sendo produto da sociedade civil e das relações reais que fundam o seu poder, e é aquele que garante a propriedade privada e legitima a exploração do proletariado pela burguesia, sendo assim representante essencial dos interesses da classe dominante. E para que as classes antagônicas: “Não se entre devorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da “ordem” (ENGELS, 2012). O Estado enquanto força maior no âmbito da sociedade civil e mediador dos conflitos oriundos das relações sociais de produção: 169 Defronta-se com duas demandas: absorver e controlar os setores urbanos emergentes e buscar nestes mesmos setores, legitimação política. Para isso, adota uma política de massa, incorporando parte das reivindicações populares, mas controlando a autonomia dos movimentos reivindicatórios do proletariado emergente, através de canais institucionais, absorvendo-os na estrutura corporativista do Estado (SILVA, 2009, p.24). Nesse contexto, o aparelho estatal foi posto frente às expressões do movimento econômico industrial, que exigiu “profundas modificações na composição de forças dentro do Estado e relacionamento deste com as classes sociais” (CARVALHO e IAMAMOTO, 2012, p. 134). Assim, o desenvolvimento e a implementação de políticas para o atendimento das demandas mais emergentes e controle do proletariado perpetuou a consolidação do modo de produção capitalista. A implantação do Serviço Social acontece no decorrer deste processo histórico, e “surge da iniciativa de grupos e frações de classe, que se manifestam, principalmente, por intermédio da Igreja Católica” (CARVALHO e IAMAMOTO, 2012, p. 135), ou seja, a profissão surge por iniciativa da classe dominante tendo a Igreja como sua portavoz. Naquele momento, a influência ideológica que norteava o fazer profissional era o método de atuação em casos individuais, que teve como sua maior precursora a Assistente Social Norte-Americana Mary Richmond. Através deste método, as Assistentes Sociais estudavam e investigavam o meio social da pessoa, a fim de descobrir qual a possibilidade de ela se enquadrar a esse meio ou, caso contrário, realizavam a intervenção com o objetivo de deslocar o assistido e o mudavam de meio social. O objetivo era trabalhar a personalidade das pessoas e sua adaptação ao ambiente em que estava inserido. Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente 3.2 O PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL A crise do Serviço Social tradicional constitui-se num fenômeno internacional, verificável em países onde a profissão encontrava importante inserção na sua estrutura sócio-ocupacional. O quadro de desenvolvimento capitalista e de tensionamento das estruturas sociais com inicio na década de 1960, gestou um cenário favorável para a mobilização da classe trabalhadora em defesa de seus interesses imediatos. É no período de efervescência do populismo no Brasil, que a perspectiva crítica ao serviço social tradicional passa a ganhar corpo, quando se esboçam alternativas vinculadas com experiências da ação profissional de luta política junto a forças populares. Conforme Silva (2009, p. 27) estes profissionais são impulsionados por uma força política de resistência ao modelo de economia internacional que ganhou o Brasil e toda a América Latina, e em nosso país foi radicalizada com o governo de João Goulart (1961-1964) que promoveu, mediante política populista, o nacionalismo desenvolvimentista, contrapondo-se ao processo de internacionalização da economia brasileira. O Golpe Militar em 1964 e deposição do Goulart representa importante reflexão no interior da categoria profissional, pois conforme Silva (2009, p. 29) Contraditoriamente, enquanto tem freada, no inicio do novo regime, a sua vertente crítica emergente, é bastante reforçado, do ponto de vista profissional, na medida em que tem um grande impulso quantitativo, tendo em vista a expansão do mercado de trabalho, e qualitativo, considerando-se o amplo debate empreendido, no meio profissional, sobre questões da teoria e método do Serviço Social, ainda que numa visão conservadora, cientificista e tecnicista. O contexto da ditadura militar no Brasil foi marcado por três momentos distintos: de 1964 a 1968, especialmente pela definição das bases do Estado de Segurança Nacional e formulação de estruturas de controle da população e reforma constitucional, e após a instituição do novo Estado e sua crise, que derivou no Ato Institucional nº 5; de 1969 a 1974 que representou o período mais rígido da ditadura pela profunda repressão aos setores populares e oponentes ao novo regime; e sua distensão até a completa retirada dos militares entre 1975 e 1985. Através imposição do regime militar da consolidação do modo de produção capitalista no país e, consequentemente das relações sociais de produção burguesa, o “serviço social desenvolveu potencialidades sem as quais não apresentaria as características com que veio atravessando a década de 1980” (NETTO, 2007, p. 127). Este estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira permitiu a apreciação de várias propostas teórico-metodológicas pela categoria, “com marcadas fraturas ideológicas, projetos profissionais em confronto, concepções interventivas diversas, práticas múltiplas, proposições de formação alternativas [...] e o pano de fundo de uma discussão teórico e ideológica ponderável também inédita” (NETTO, 2007, p. 127). Seguindo a análise de Netto, este processo tratava-se de um cenário totalmente distinto daquele referente ao surgimento da profissão no Brasil, e até meados da metade da década de 1960 a profissão “não apresentava polêmicas de relevo, [...] sinalizava uma formal assepsia a participação político-partidária, carecia de uma elaboração teórica significativa” (NETTO, 2007, p. 127), e relaciona a ruptura com este cenário com a laicização do serviço social. Ressalta que sua culminação esta longe de ter sido um processo natural, Serviço Social: direitos e políticas sociais 170 Série Sociedade e Ambiente Foi precipitada decisivamente pelo desenvolvimento das relações capitalistas durante a “modernização conservadora” e só é apreensível levando-se em conta as suas incidências no mercado nacional de trabalho e nas agências de formação profissional (NETTO, 2007, p. 127). Outro aspecto que o autor referencia sobre o cenário de renovação do serviço social, são as requisições profissionais que vão além das demandas específicas trazidas pela classe dominante, oriundas dos núcleos de oposição e contestação. Neste contexto, evidencia-se o caráter contraditório dos fenômenos sociais, pois ao se colocarem condições para o processo de renovação do serviço social, deflagraram-se forças que apontavam para o cancelamento da legitimação do regime burguês. Para explanar sobre este cenário, Netto (2007) referencia a emergência em meados da década de 1970, de elaborações teóricas da categoria profissional de um significativo debate teórico-metodológico, que conforme o autor foi condição fundamental para o processo de renovação do serviço social. Este elemento esteve relacionado à inserção profissional no âmbito acadêmico, através da atividade de pesquisa e investigação, o que contribui para a formação de uma massa critica entre os assistentes sociais. Pela primeira vez, institucionalmente, criavam-se condições para o surgimento de um padrão acadêmico (ainda que o possível na universidade da ditadura) para exercitar a elaboração profissional, constituindo-se vanguardas ainda sem compromisso com tarefas pragmáticas (NETTO, 2007, p. 129). É evidente que este alinhamento teórico-metodológico interessava sobre a eficiência profissional no atendimento as demandas modernizadoras provenientes das relações sociais de produção burguesa, mas ao mesmo tempo, apontavam para o desenvolvimento de um debate teórico e analítico questionador das bases desta mesma realidade. Nesse sentido, o autor entende como processo de renovação: O conjunto de características novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas tradições e da assunção do contributo de tendência de pensamento social contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais. (NETTO, 2007, p.131). A abordagem principal na análise do autor sobre o processo de renovação da profissão esta no plano das elaborações ideais, especialmente no esforço realizado para a validação teórica, apesar de este momento ser permeado por perspectivas diversificadas, no que se refere ao pluralismo profissional. A partir de então, começou a se transformar o posicionamento profissional face às ciências sociais, antes inserido como receptor nas discussões teóricas, agora deslocado a uma postura crítica a seus fundamentos, o que demandava a apropriação de um conhecimento cientifico especifico. Assim, “a profissão mesma se põe como objeto de pesquisa, num andamento antes desconhecido – é só no marco desta abrangência que o Serviço Social explicitamente se questiona e se investiga como tal” (NETTO, 2007, p. 133). Serviço Social: direitos e políticas sociais 171 Série Sociedade e Ambiente Na abordagem de Netto (2007), a trajetória do Serviço Social neste processo assume diferentes direções: Perspectiva Modernizadora, Perspectiva de Reatualização do Conservadorismo, Perspectiva de Ruptura. Essas direções apontavam formular novas alternativas teóricas e ideológicas ao Serviço Social tradicional. Em paralelo as crescentes discussões teóricas, a profissão encontrava importantes polos dinamizadores destes debates, através da realização de seminários, encontros e congressos profissionais, o que representou não só o alargamento da participação dos profissionais, como o aprofundamento teórico das análises. A perspectiva modernizadora constitui-se a primeira, entre outros aspectos, expressão do processo de renovação do Serviço Social no Brasil. Ela encontra sua formulação afirmada nos resultados no “Seminário de Teorização do Serviço Social”, que aconteceu em dois momentos que desdobrou nos textos finais dos encontros, Documento de Araxá e Documento de Teresópolis20 . Os dois documentos possuem características e enfoques diferenciados, mas contemplam os contornos de formulação da perspectiva em questão, ao direcionarem a tentativa de adequação das representações profissionais do Serviço Social às tendências políticas que a ditadura tornou dominante. Nestes documentos sugeriam a aproximação do processo de desenvolvimento da economia capitalista no país e o processo de modernização do Serviço Social. 90 O processo de desenvolvimento é visualizado como um elenco de mudanças que, levantando barreiras aos projetos de inversão das estruturas socioeconômicas nacionais e de ruptura com as formas dadas de inserção da economia capitalista mundial, demanda aportes técnicos elaborados e complexos – além, naturalmente, da sincronia de “governo e populações” – com uma consequente valorização da contribuição profissional dos agentes especializados em “problemas econômicos e sociais” (NETTO, 2007, p. 166). O principal representante da perspectiva modernizadora no Brasil foi José Lucena Dantas e proposta estava em relação ao fazer profissional ajustado ao projeto econômico do governo militar. Baseava-se na teoria funcionalista, onde as estruturas sociais não eram questionadas, o trabalho do assistente social estava voltando para as necessidades imediatas do usuário, sem se questionar as suas causalidade e determinações no âmbito social, direcionando a atuação a adaptação do individuo as normas sociais. O processo de renovação do Serviço Social no Brasil se manifestou como complexa dialética de ruptura com o passado profissional. A perspectiva modernizadora confere traços de uma nova roupagem ao conservadorismo profissional, através do esforço na produção teórica com objetivo de fundar práticas profissionais pautadas pelo processo de desenvolvimento do país, em busca do progresso, o que significa, ao mesmo tempo, elevar o status da profissão de eficiência técnica e capacidade científica. Conforme Silva (2009, p. 98) No essencial, a vertente modernizadora do Serviço Social, orientando-se pelo desenvolvimentismo, se fundamenta, teoricamente, no estruturalfuncionalismo e se preocupa em repassar os programas às populações, sem 20 Encontros promovidos pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercambio de Serviços Sociais, no município de Araxá – MG entre 19 e 26 de março de 1967, que se desdobrou nos trabalhos da segunda etapa da mesma série, que ocorreu em Teresópolis – RJ entre 10 e 17 de janeiro de 1970. Serviço Social: direitos e políticas sociais 172 Série Sociedade e Ambiente uma crítica à ordem vigente. Pauta-se, portanto, pela perspectiva da manutenção do social estabelecido, em que o desenvolvimento significa superação do atrasado, modernização. A crítica à herança positivista é uma predominante na bibliografia profissional da perspectiva de reatualização do conservadorismo, quer ao positivismo clássico, quer as suas versões mais recentes e também, aos padrões de análise conectados ao pensamento crítico-dialético, oriundos da tradição marxista. Conforme Netto (2007, p. 204) esta vertente perdeu hegemonia pois “ao tratar os fatos sociais como coisas, rejeitamos o que é da ordem das significações, das intencionalidades, das finalidades, dos valores, enfim, tudo aquilo que constitui a face interna da ação”. A perspectiva de reatualização do conservadorismo do movimento de reconceituação pode ser remontada aos Seminários de Sumaré e Alto da Boa Vista (respectivamente 1978 e 1984) e se dá a partir da contribuição fundamental de Ana Augusta de Almeida em sua obra “Possibilidades e limites da teoria do Serviço Social”. Os profissionais que defendiam esta perspectiva resistiam ao processo de laicização, e condicionavam traços microscópicos a intervenção profissional por meio de uma visão de mundo tradicional, ao reclamarem para si a inspiração fenomenológica. Essa perspectiva entendia as demandas dos usuários em caráter subjetivo, ou seja, de origem psicológica o que demandava do profissional a compreensão do homem vivendo a sua própria experiência. Basicamente, tal crítica incide sobre dois componentes nucleares do legado positivista, incorporados à tradição do Serviço Social: a interpretação causalista (e fatorial) da sociedade e a assepsia ideológica ao conhecimento. Se o influente interlocutor, já citado, desta corrente afirma que “a tendência do Serviço Social é a de considerar o homem em seu todo, holisticamente, ou em sua totalidade do mundo da vida” (Capalbo, 1984: 25), os profissionais mesmos avançam, nesta direção, determinações muito precisas: busca-se uma abordagem “inspirada em um pensamento não-causal” (...) Como declaravam os pensadores ligados e esta perspectiva, tratava-se de deslocar a explicação, própria dos paradigmas positivistas e neopositivistas, pela compreensão: ao “pensamento causal” quer-se substituir “um pensamento não causal, o fenomenológico, cujo quadro de referencia não é a explicação, mas a compreensão” (NETTO, 2007, p. 205). Já a perspectiva de intenção de ruptura (NETTO, 2007, p. 247) emergiu no quadro universitário e representou uma direção inovadora em relação às demais vertentes. Sua formulação teve início na Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais, de 1972 a 1975. Apesar da repressão militar, seus ideais desenvolveram-se nessa escola mineira, e sob a liderança de Leila Lima dos Santos (diretora da escola) e Ana Maria Quiroga, o grupo elaborou o “Método Belo Horizonte”, conhecido por “MétodoBH”, um trabalho de crítica teórico-prática ao tradicionalismo. Este método foi considerado Com equívocos maiores ou menores, aquele trabalho configurou a primeira elaboração cuidadosa, no país, sob a autocracia burguesa, de uma proposta profissional alternativa ao tradicionalismo preocupada em atender a critérios teóricos, metodológicos e interventivos capazes de aportar ao Serviço Social uma fundamentação orgânica e sistemática, articulada a partir de uma Serviço Social: direitos e políticas sociais 173 Série Sociedade e Ambiente angulação que pretendia expressar os interesses históricos das classes e camadas exploradas e subalternas. (NETTO, 2007, p. 275). Surgiu, então, no interior da categoria profissional, um segmento diretamente vinculado à pesquisa e à produção de conhecimentos, constituindo-se uma intelectualidade no Serviço Social do Brasil. E, nesse mercado, toda produção foi influenciada pela linha marxista, nas suas mais diversas vertentes. O Método BH consolidou-se no plano ideo-político a ruptura com o histórico conservadorismo do Serviço Social, contudo, isso não significou que foi eliminado do corpo da categoria dos assistentes sociais. Montado e experimentado pela equipe de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais, procura significar uma ruptura com os métodos inspiradores do serviço Social tradicional e propõe uma intervenção profissional com bases epistemológicas na Lógica Dialética. Junto à concepção histórica e crítica a sociedade, o método pretende ser “um conjunto de procedimentos interligados e interdependentes que fundamentados em uma teoria científica de análise da realidade, permitirá orientar as investigações e experimentações profissionais” (UCMG, 1976, p. 115). Suas instâncias metodológicas se inter-relacionam de tal forma que um determinado momento contém os anteriores e, ao mesmo tempo transcende-os, formando uma unidade global, em função do objeto e do objetivo da ação profissional. A participação é uma constante em todo o processo, constituindo-se em elemento fundamental à consecução dos objetivos e na expressão da crítica e transformação do universo em que estão inseridos os agentes sociais. O método preconizava, a qualquer prática profissional, um mínimo de referencial teórico, a partir de práticas que possibilitem, de um lado, uma análise global da realidade abrangendo elementos básicos determinantes da estrutura social, tais como relações de produção, classes sociais, estruturas de poder, valores e níveis de consciência; e de outro lado referências que permitam compreender e analisar a realidade do trabalho específico, relacionando-a com estrutura social mais ampla. No caso da realidade brasileira, a teoria da dependência deveria constituir um dos subsídios básicos do marco referencial, de modo a garantir um enfoque globalizador e a abordagem das condições históricas particulares. Na definição do objeto do trabalho social, levava em conta a historicidade de toda a prática social, imbricada no desenvolvimento das relações entre as diversas classes, e a sua relação entre o próprio objeto e o profissional. A transformação da sociedade e a realização do homem se apresentam como meta final de todo trabalho social, enquanto a conscientização, organização e capacitação surgem como objetivosmeio. A aproximação com a vertente materialista, a princípio se deu com uma apropriação reducionista da teoria marxista, através de pesquisas a autores que citavam Marx, sem a leitura das fontes originais. Apesar do inicio com referencial precário teoricamente, emergia um posicionado do ponto de vista sociopolítico, onde a categoria profissional questiona sua prática institucional e seus objetivos de adaptação social, aproximando a profissão dos movimentos sociais. Inicia-se a vertente mais consistente em relação às demais, com o projeto de ruptura do Serviço Social tradicional. Segundo Netto (2007, p. 275), outro aspecto de estrema relevância e contribuição para a perspectiva em questão foi reflexão produzida por Marilda Vilela Iamamoto, pois o conteúdo da produção teórica sinaliza a maioridade intelectual dos profissionais conectados com o movimento da perspectiva de intenção de ruptura. “Configura a primeira incorporação teórica bem sucedida, no debate brasileiro, da fonte Serviço Social: direitos e políticas sociais 174 Série Sociedade e Ambiente “clássica” da tradição marxiana para a compreensão profissional do Serviço Social” (NETTO, 2007, p. 275). No trabalho Legitimidade e Crise do Serviço Social (IAMAMOTO, 1982) realiza uma leitura a partir da institucionalização da profissão no bojo da sociedade capitalista e procura compreender o significado do exercício profissional na formação social da sociedade brasileira através da produção e reprodução das relações sociais. Iamamoto situa a emergência do Serviço Social na transição do capitalismo concorrencial ao monopolista: mostra como a “questão social”, então, demanda a intervenção sistemática do Estado, mediante políticas sociais que incidem sobre o conjunto das camadas trabalhadoras, incluindo aí o exercito industrial de reserva; rastreada a natureza econômica e social desta intervenção, ela verifica com lucidez, que o transito do caritativismo filantrópico à intervenção profissional institucionalizada dá-se historicamente quando ocorre “a centralização e racionalização da atividade assistencial e de prestação de serviços pelo Estado, à medida que se amplia o contingente da classe trabalhadora e sua presença política na sociedade” (NETTO, 2007, p. 296). Ainda sobre a produção teórica, o livro de Carvalho e Iamamoto Relações Sociais e Serviço Social no Brasil é obra de maior influência para a construção do Projeto Profissional de Ruptura nos anos 1980, e onde se identifica a aproximação mais amadurecida do Serviço Social com a teoria marxista. Nesta obra, fica evidenciada “a compreensão do Serviço Social, enquanto profissão, no contexto das relações sociais, bem como o caráter contraditório da prática profissional” (SILVA, 2009, p. 103), compreensão da qual emergiu o novo Projeto Profissional. 3.3 A CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO PROFISSIONAL A PARTIR DO MOVIMENTO DE RUPTURA As produções teóricas e a direção da perspectiva de intenção de ruptura apontavam para uma postura profissional que rompesse com as práticas tradicionais do Serviço Social, vinculadas aos interesses da classe dominante, e discutia a relação entre o Serviço Social e a sociedade capitalista. Ela foi manifestada no âmbito dos movimentos democráticos e da classe trabalhadora, do início dos anos 1960, quando O Serviço Social – de forma visível, pela primeira vez – vulnerabilizava-se a vontades sociais (de classe) que indicavam a criação, no marco profissional, de núcleos capazes de intervir no sentido de vinculá-lo a projeções societárias pertinentes às classes exploradas e subalternas (NETTO, 2007, p. 256). Netto (2006, p. 257) destaca a importância desse movimento da sociedade brasileira para a intenção de ruptura: “Sociopolítica e historicamente, esta perspectiva é impensável sem o processo que se precipita de 1961 a 1964 – e é abortada em abril – no plano também profissional, é ali que ela encontra os seus suportes sociais” (NETTO, 2006, p. 257). Portanto, existiam, nesse período, assistentes sociais que fizeram a opção política de trabalhar em favor da classe explorada, e que passaram a questionar o compromisso do Serviço Social na manutenção das estruturas sociais injustas, do ponto de vista proletário. Serviço Social: direitos e políticas sociais 175 Série Sociedade e Ambiente Silva (2009, p. 102) afirma que é na década de 1980 que o Projeto Profissional de Ruptura se consolida e se torna hegemônico no discurso teórico-metodológico dos assistentes sociais. Ou seja, é a partir daí que a dimensão acadêmica, que trata tanto da formação quanto da produção teórica e cientifica do corpo profissional, assume o projeto profissional marxista, através do avanço e hegemonia inquestionável desta vertente no campo profissional. “A revista Serviço Social e Sociedade, criada em 1979, se transforma em espaço e veículo extremamente relevante da divulgação da nova postura” (SILVA, 2009, p. 102). Também é na década de 1980 que o Serviço Social passa a constituir arranjos organizativos do ponto de vista político, através da criação de associações e sindicatos de assistentes sociais em todo o país, e a aproximação com os movimentos populares e sindicais, especialmente com o surgimento do Partido dos Trabalhadores – PT. Conforme Silva (2009, p. 102), na dimensão prática e interventiva da profissão, o projeto de ruptura deteve contornos mais limitados. A autora afirma que ao mesmo tempo, naquela década se lança o juízo entre os profissionais de repensar o Estado e as instituições enquanto espaços contraditórios, e considerá-los na perspectiva dos interesses setores populares. O contexto de construção das bases para a construção do projeto profissional em questão não foi homogêneo, e entre o final dos anos 1980 e inicio dos 1990 obteve um momento de refluxo, frente à crise do socialismo real e ofensiva da política neoliberal. Situado no contexto das relações sociais, a análise histórica do Serviço Social brasileiro esta consubstanciada na formulação de respostas pela categoria profissional frente às demandas trazidas ao campo profissional pelas classes subalternas em diferentes conjunturas sociais. 3.4 O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DE 1993 O Serviço Social surgiu enquanto profissão devido à emergência do enfrentamento das expressões da “questão social” pelo Estado. Segundo Iamamoto (1998, p. 27), a questão social pode ser definida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva e o trabalho torna-se amplamente compartilhado, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade. Netto (2001) localiza o fenômeno como comumente capitalista e vinculado à produção material da vida, ressaltando que "sem ferir de morte os dispositivos exploradores do regime do capital, toda luta [...] é enfrentar sintomas, consequências e efeitos", e reforça que a “questão social” só será suprimida com o comunismo. O Serviço Social enquanto profissão, não dispõe de teoria própria, o que não impede de seus agentes realizam estudos, investigações e pesquisas, e tal acumulação teórica proporcionou a categoria “incorporar matrizes teóricas e metodológicas compatíveis com a ruptura com o conservadorismo profissional – destacadamente as inspiradas na tradição marxista” (NETTO, 1999, p. 12). A categoria privilegia do instrumental da teoria marxista para interpretar as relações de produção e reprodução da vida, e conforme Carvalho e Iamamoto (2012, p. 90) recebe mandato diretamente da classe dominante para atuar junto à classe trabalhadora. Ou seja, ao mesmo tempo em que “o alvo predominante do exercício profissional é o trabalhador e sua família, elemento mais vital e significativo do processo de produção” (CARVALHO e IAMAMOTO, 2012, p. 92), estes profissionais Serviço Social: direitos e políticas sociais 176 Série Sociedade e Ambiente se utilizam de um método científico que tem em sua essência a superação do sistema econômico vigente. Importante localizar as condições que se colocaram em prática no cotidiano profissional dos Assistentes Sociais e demandaram a ruptura da categoria com as práticas conservadoras, ou seja, práticas que derivaram na renovação do Serviço Social e “deslegitimação das formas profissionais consagradas e vigentes à época de sua emersão e consolidação” (NETTO, 2007, p. 117). As práticas conservadoras, comuns ao surgimento e institucionalização da profissão no Brasil em 1930, estão ligadas a especialização da ação caritativa da Igreja Católica e resposta do Estado sobre a emergência dos serviços de proteção social provenientes da intensificação da industrialização e consolidação do modo de produção capitalista. O final da década de 1980 e início dos anos 1990 a conjuntura social, economia e política brasileira foi marcada pelo processo de reestruturação dos mecanismos de acumulação capitalista globalizado, e ao mesmo tempo, o avanço das políticas neoliberais, nas bases dos sistemas de proteção social. Este contexto redirecionou as intervenções do Estado em relação às expressões da contradição de classe no sistema econômico capitalista. No inicio desta década há uma contradição entre os avanços populares no reconhecimento dos direitos sociais da população e as ações do Estado para sua efetivação. Apesar da conquista da legitimidade formal dos direitos sociais através da Constituição Federal de 1988, que traz a concepção da seguridade social pautada num projeto de caráter universalista e democrático, programas seletivos e focalizados de combate à pobreza no âmbito do Estado são implementados, se constituindo num momento de inflexão dos avanços democráticos no que se refere ao acesso a direitos sociais através das políticas públicas. Nesse sentido, novas questões se colocam para aos assistentes sociais. Tanto do ponto de vista da intervenção profissional no âmbito do Estado e das instituições,quanto da construção de um conjunto de conhecimentos pela categoria, a categoria avançou, por meio da construção de um projeto coletivo, na compreensão dos determinantes das contradições que se colocavam pelo atendimento das demandas diárias. O Serviço Social da década de 90 se vê confrontado com este conjunto de transformações societárias, que se colocam como desafios para o serviço social demandando a promoção de meios para decifrar lógicas do capitalismo contemporâneo. Nesse sentido, Netto (1999, p. 13) afirma que foram concentrados esforços no sentido de adequar a formação acadêmica ao enfrentamento das condições que se colocavam como demandas aos profissionais, com vistas à formação profissional capaz de responder, com competência às demandas emergentes da população brasileira, o que propiciou a construção de um novo perfil profissional. Para Netto (1999, p.4), os projetos profissionais se constituem em projetos coletivos no que diz respeito à organização das diversas categorias profissionais, especialmente aquelas regulamentadas juridicamente. Esta construção se dá pelo corpo de profissionais, pensada para dar efetividade aos valores estabelecidos coletivamente no campo profissional. Nesse sentido, o autor discorre sobre os projetos profissionais: Apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas (NETTO, 1999, p. 4). Serviço Social: direitos e políticas sociais 177 Série Sociedade e Ambiente Destaca-se como principal enfrentamento pela categoria, a necessidade de compreender e intervir nas novas configurações e manifestações da questão social. Outra preocupação importante, objeto de discussão da categoria neste período, esta nas mudanças nas relações de trabalho, em relação à manutenção das condições mínimas de sobrevivência da classe trabalhadora, e também nos processos de inflexão dos sistemas de proteção social e da política social em geral, das quais são alvo as populações inaptas para o trabalho, alvo principal das políticas de assistência social. A partir das demandas postas a profissão, o serviço social redimensionou-se e renovou-se no âmbito de sua interpretação teório-metodológica e da sua prática política, consubstanciado no embate ao tradicionalismo profissional. Tal embate se constituiu democraticamente dentro do corpo profissional a partir de sua normatização, expressa no Código de Ética dos Assistentes Sociais de 1993, que elenca princípios e valores para o desempenho da atividade profissional. Netto (1999, p.1) resume a trajetória deste processo até a culminação das bases necessárias para a implementação do projeto profissional nos anos 90: No entanto, o objeto deste debate – e, sobretudo, a própria construção deste projeto no marco do Serviço Social no Brasil – tem uma história que não é tão recente, iniciada na transição da década de 1970 à de 1980. Este período marca um momento importante no desenvolvimento do serviço social no Brasil, vincado especialmente pelo enfrentamento e pela denuncia do conservadorismo profissional. É neste processo de recusa e crítica do conservadorismo que se encontram as raízes de um projeto profissional novo, precisamente as bases do que está denominado projeto éticopolítico.(NETTO, 1999, p.1). O rompimento com o conservadorismo demandou o compromisso do serviço social com os interesses da classe trabalhadora e a aproximação com a sua teoria. Assim, a interlocução entre o Serviço Social e a tradição marxista indicou aspectos relevantes para pesquisa e produção do conhecimento, embora existam profundas contradições entre os fundamentos de origem da categoria profissional e da tradição marxista. O Código de Ética Profissional do Assistente Social explicita o compromisso profissional com “o rompimento com o conservadorismo na explicitação frontal do compromisso profissional com a classe trabalhadora” (NETTO, 1999, p. 14), indicando um novo perfil do assistente social pela formação vinculada a uma teoria social critica e sinalizando dimensões éticas e profissionais para sua efetivação. Segundo análise de Netto (1999, p. 15), através do reconhecimento do compromisso profissional com a classe trabalhadora e a apropriação dos conceitos teóricos e metodológicos oriundos da tradição marxista, o projeto contém em seu núcleo a Liberdade como valor ético central – pensada como possibilidade de escolha entre alternativas concretas. A tradição neoliberal clássica compreende o conceito de liberdade como a ausência de interferência ou coerção sobre a vontade dos indivíduos, concepção considerada limitada, pois coloca no individuo a responsabilidade por suas escolhas, sem considerar a totalidade da qual compõe e é composto. O conceito formal de liberdade, declarado na sociedade burguesa na afirmação todos os homens são iguais perante a lei, não considera as condições materiais para o seu exercício. Na obra A Ideologia Alemã, Marx discorre sobre as condições de existência da classe trabalhadora na sociedade moderna, na qual o proletariado não possui controle Serviço Social: direitos e políticas sociais 178 Série Sociedade e Ambiente sobre a organização social, ao menos sobre o produto da produção social da vida. Esta impossibilidade é determinada pela propriedade dos meios de produção da burguesia e exploração da força de trabalho assalariada da classe trabalhadora, elementos fundantes do modo de produção capitalista. Entendendo-se a liberdade como condição material para a escolha entre alternativas concretas, esta condição na sociedade capitalista só é experimentada pela classe detentora da propriedade privada dos meios de produção, enquanto a classe trabalhadora vende a força de trabalho como única forma de sobrevivência. Através do compromisso da categoria com a emancipação humana, autonomia e plena expansão dos indivíduos em sociedade, Netto (1999, p. 15) coloca em linha de consequência que “este projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero”. Primeiramente, o autor diferencia os projetos societários dos projetos profissionais. Os primeiros são aqueles que representam a imagem de uma sociedade a ser construída, propostos para o conjunto da sociedade e reclamam determinados valores e meios para concretizá-lo. Já os projetos profissionais, como escrito anteriormente, são aqueles legitimados por uma categoria, como diretriz a ser seguida para o exercício profissional, e não possuem a mesma amplitude que o primeiro. Ainda que pertencentes a um grupo de profissionais, os assistentes sociais não deixam de se constituir trabalhadores vendedores de sua força de trabalho, como único meio de sobrevivência. Entendendo esta condição no âmbito do modo de produção capitalista, estes trabalhadores também compartilham das mesmas contradições que os demais trabalhadores. Em sociedades como a nossa, os projetos societários são, necessária e simultaneamente, projetos de classe, ainda que refratem mais ou menos fortemente determinações de outra natureza (culturais, de gênero, étnicas, etc.). Efetivamente, as transformações em curso na ordem capitalista não reduziram a ponderação das classes sociais e do seu antagonismo na dinâmica da sociedade. (NETTO, 1999, p. 15). Nesse sentido, no 8º principio do Código de Ética dos Assistentes Sociais, o corpo profissional declara a “opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero”. Este processo não e hegemônico dentro do campo profissional, e tão pouco se constitui em competência dos assistentes sociais. De outro modo, este entendimento foi construído no processo de aproximação com o proletariado e identificação com seu projeto societário, que possui como máxima a destruição do direito à propriedade privada dos meios de produção e da exploração da força de trabalho assalariada. Serviço Social: direitos e políticas sociais 179 Série Sociedade e Ambiente 4 A POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL 4.1 DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 afirma que direitos humanos são os direitos que todos os seres humanos possuem pelo simples fato de terem nascido e fazerem parte da espécie humana, ou seja, os seres humanos são sujeitos de e com direitos. Um deles é o direito à alimentação, expresso no artigo 25 da Declaração, que afirma que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos” e outros serviços sociais indispensáveis que garantam vida digna para as pessoas. Em seguida, em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC corroborou este direito em seu artigo 11, ao afirmar que os Estados que ratificam esse Pacto também reconhecem “o direito de toda a pessoa a um nível de vida adequado para si e sua família, inclusive alimentação, vestuário e moradia”. Desse modo, este direito passou a ser tratado como um direito humano fundamental, sem o qual não se pode discutir e acessar os outros direitos. Conforme Schuter (2012, p. 14) “garantir o direito humano à alimentação significa garantir a possibilidade de se alimentar diretamente de terras produtivas, ou através de outros recursos naturais ou comprar alimentos”. O autor enfatiza sobre a necessidade de que o alimento esteja disponível, em quantidade suficiente no mercado para atender demanda, acessível economicamente, o que significa que o seu acesso não comprometa outras necessidades básicas e seja adequado, no sentido de atender as necessidades nutricionais e seja seguro par o consumo humano. Frente à necessidade de avançar na efetivação deste direito, em 1999 o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas – ONU aprovou o Comentário Geral 12, o qual coloca a obrigatoriedade dos Estados em “implementar as ações necessárias para mitigar e aliviar a fome, como estipulado no parágrafo 2 do artigo 11, mesmo em épocas de desastres, naturais ou não” (CG nº 12, Par. 6º). O Brasil ratificou todos os tratados de direitos humanos internacionais, inclusive o PIDESC que contempla explicitamente o DHAA. Nesse sentido, o Estado Brasileiro tem o dever de criar as condições necessárias para garantir a ampliação de políticas públicas que apontem para a efetivação crescente e contínua deste direito. Conforme Schuter (2012, p. 14): De acordo com as obrigações assumidas pelos Países em virtude dos tratados internacionais de direitos humanos para adotar medidas eficazes para que se cumpra o direito à alimentação, sistemas alimentares devem ser desenvolvidos para cumprir os três objetivos abaixo. Para o relator da ONU, em primeiro lugar os sistemas devem garantir a disponibilidade de alimentos para todos, ou seja, a oferta deve atender as demandas mundiais. Em segundo lugar, a agricultura tem que desenvolver-se de modo que aumente a renda dos pequenos proprietários, pois entende que além da disponibilidade de alimentos, à fome é causada também pela pobreza, predominante no meio rural, e sugere que estes sistemas fortaleçam a pequena produção como forma de garantia de renda aos pequenos produtores. Por fim, destaca que a agricultura não deve Serviço Social: direitos e políticas sociais 180 Série Sociedade e Ambiente comprometer a capacidade de produção futura, pelo incentivo a práticas agrícolas que respeitem a biodiversidade21 . 91 4.2 POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO BRASIL A proposta de construção de um sistema e de uma política publica de segurança alimentar e nutricional no Brasil teve inicio na década de 1980, com a elaboração pelo Ministério da Agricultura do documento Segurança Alimentar – proposta de uma política de combate à fome no âmbito daquele ministério e a mobilização da sociedade civil que culminou na realização da I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição (I CNAN) em 1986. Ambas as ações discutiam a proposta de criação de Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), contemplando interlocução das múltiplas dimensões de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) através da integração dos vários setores do governo capazes de promover programas e ações para este fim, como agricultura, abastecimento, saúde, educação entre outros. Outro objetivo para a criação deste mecanismo foi à promoção de instrumentos para a participação da sociedade civil na formulação de políticas de SAN, acompanhamento da implementação destas políticas e monitoramento das ações de combate à fome. Com a intensificação da política neoliberal no país estes processos foram estagnados, e somente uma década depois o Brasil avançou na construção da Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Este processo foi desencadeado somente em 2003, por meio do lançamento do Programa Fome Zero, que objetivava a promoção do acesso à alimentação dos brasileiros com a instituição do programa de transferência de renda Bolsa Família. Outra ação relevante para a Segurança Alimentar e Nutricional foi a restituição do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que se encontrava desativado desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Desde então, a política de SAN vem se estruturando no país e avançando continuamente, e em 2004 com aconteceu o marco que desencadeou o processo de institucionalidade desta política, com a realização da II Conferencia Nacional de SAN, que deliberou a criação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN. Em seguida naquele mesmo ano, instituiu-se o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS. A LOSAN foi aprovada e sancionada em 2006 pela Lei 11.346/2006 e criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) com objetivo principal de garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada, assim como estabeleceu efetivamente bases para a estruturação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN. A LOSAN define a alimentação adequada como direito fundamental inerente à dignidade humana e indispensável para a realização de outros direitos, responsabilizando o poder público na adoção de medidas que se façam necessárias para a promoção da segurança alimentar e nutricional da população. Esta proposição ganha consistência com a inclusão em 2010 da alimentação como direito social na Constituição Federal Brasileira: “Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988). 21 A perda da biodiversidade, uso insustentável da água e contaminação dos solos e da água são problemas que comprometem a capacidade continua dos recursos naturais apoiarem a agricultura. (SCHUTER, 2012, p. 16). Serviço Social: direitos e políticas sociais 181 Série Sociedade e Ambiente A Lei entende ainda a SAN como consecução do acesso de todos de forma regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006a, Art. 3º). A Lei institui o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN como forma de realização da SAN e do DHAA, integrado pelos 3 (três) esferas de governo (Nação, Estados e municípios) e sociedade civil com o objetivo de formular e implementar políticas e planos de SAN, estimular a integração de esforços entre governo e sociedade civil, bem como promover o acompanhamento, monitoramento e a avaliação da SAN no País. Nesse sentido, elenca 4 (quatro) princípios a serem considerados para sua execução: 1. Universalidade e equidade no acesso à alimentação adequada, sem qualquer espécie de discriminação; 2. Preservação da autonomia e respeito à dignidade das pessoas; 3. Participação social na formulação, execução, acompanhamento, monitoramento e controle das políticas e dos planos de SAN em todas as esferas de governo; 4. Transparência dos programas, das ações e dos recursos públicos e privados e dos critérios para sua concessão. (BRASIL, 2006). Visando a articulação das diferentes instancias de governo e a sociedade civil, a política institui como integrantes do SISAN a Conferência Nacional de SAN, o Conselho Nacional de SAN – CONSEA, a Câmara Interministerial de SAN – CAISAN, os órgãos e entidades governamentais de SAN da União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as instituições privadas com ou sem fins lucrativos que manifestem interesse na adesão e que respeitem os critérios, princípios e diretrizes da política. Para a promoção da participação social nos processos de formulação, execução, acompanhamento, monitoramento e controle social, a política prevê caráter consultivo22 dos conselhos de SAN e colegiado com 2/3 de seus membros representantes da sociedade civil e 1/3 de representantes do Governo, propiciando a soberania popular na condução da PNSAN. Em 2007 é realizada a III Conferência Nacional de SAN, que delibera sobre as diretrizes para instituição da PNSAN e a serem usadas como base para a elaboração do Plano Nacional de SAN – PLANSAN. Neste sentido, foram estabelecidos princípios fundamentais para o seu planejamento, gestão e execução: promoção do acesso universal e alimentação adequada e saudável e de sistemas justos de base agroecológica e sustentáveis, instituição de processos de educação permanentes em SAN e DHAA, ações prioritárias para Povos e Comunidades Tradicionais, fortalecimento de ações de alimentação e nutrição na atenção a saúde, promoção do acesso universal a água de qualidade e em quantidade suficiente, apoio a iniciativas de promoção da SAN no âmbito internacional e monitoramento da realização do DHAA. Os debates realizados entre governo e sociedade civil na III Conferência deliberaram a promulgação do Decreto 7.272/2010, que regulamenta e institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e estabelece parâmetros para sua elaboração com base nas deliberações da Conferencia. Este marco legal possibilitou 92 22 O caráter consultivo do conselho significa que sua instituição foi realizada para fornecer de forma institucionalizada parecer sobre a matéria. Serviço Social: direitos e políticas sociais 182 Série Sociedade e Ambiente maior institucionalidade, integração e controle social dos programas e ações de SAN, abrindo uma nova etapa de construção do SISAN. Neste momento, o principal desafio para a implementação do SISAN foi a pactuação intersetorial no âmbito do Governo Federal, que se iniciou institucionalmente e efetivamente a partir da construção do primeiro Plano Nacional de SAN – PLANSAN, que foi aprovado em 2011 na IV Conferência Nacional de SAN. Com a mesma vigência do Plano Plurianual 2012-2015 (PPA), este primeiro PLANSAN consolida programas e ações relacionadas às diretrizes da PNSAN explicitando responsabilidades dos órgãos e entidades da União, estados e municípios. O desafio agora esta para a descentralização do SISAN, que se viabilizará com a adesão de todos os estados e maioria dos municípios brasileiros ao sistema. Esta estratégia tem como base a promoção do DHAA através da construção de um sistema intersetorial e participativo para a formulação, implementação e controle social da política enquanto movimento central do Estado Brasileiro para promover o DHAA. A descentralização depende da adesão formal dos Estados, Distrito Federal e municípios ao sistema. Para isso, devem cumprir com os requisitos mínimos estabelecidos na legislação, por meio da instituição dos seguintes mecanismos: instituição de conselho e câmara intersetorial estadual, distrital ou municipal de SAN e assinatura de termo de compromisso de elaboração de plano estadual, distrital e municipal no prazo de um ano, a contar da data de assinatura do termo de adesão. Para dar concretude a este processo, o PPA estabelece como meta o alcance da adesão aos SISAN de todos os estados e pelo menos 60% dos municípios brasileiros até 2015. Neste sentido, os esforços tanto da sociedade civil organizada quanto dos órgãos do governo responsáveis, esta na promoção de estratégias que possibilitem a adesão dos estados e municípios para a implementação e estruturação do sistema nas três as esferas de governo (União, estados e municípios). Além dos objetivos estruturais da política, aqueles voltados para a sua implementação e execução no nível operativo, o PLANSAN 2012-1015 prevê objetivos associados ao fortalecimento dos programas de segurança alimentar e nutricional já existentes. Dentre eles destacamos os elencados em sua 2ª Diretriz – Promoção do Abastecimento e Estruturação de Sistemas Descentralizados, de Base Agroecológica e Sustentáveis de Produção, Extração, Processamento e Distribuição de Alimentos, especialmente o objetivo 4 desta diretriz, que refere-se Objetivo 4 - Ampliar a participação de agricultores familiares, assentados da reforma agrária, povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais no abastecimento dos mercados, com ênfase nos mercados institucionais, como forma de fomento a sua inclusão socioeconômica e à promoção da alimentação adequada e saudável (BRASIL, 2011, p. 60). Em síntese, o objetivo 4 (quatro) refere-se a ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) , através do incentivo a participação de pequenos agricultores no programa e fortalecimento dos mecanismos para esta participação. Foram elencados como prioridades a criação de estratégias para valorizar e qualificar os aspectos culturais e ambientais dos produtos oriundos dos Povos e Comunidades Tradicionais e dos agricultores em geral e apoiar a organização econômica e social dos usuários do programa visando o desenvolvimento das suas atividades. Serviço Social: direitos e políticas sociais 183 Série Sociedade e Ambiente 4.3 POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO PARANÁ O avanço da SAN no Paraná tem inicio em 2003 com a criação no âmbito da Secretaria de Estado de Trabalho, Emprego e Promoção Social – SETEP do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional e da Coordenadoria de Enfrentamento a Pobreza e Combate à Fome, que foi responsável pela gestão dos programas federais e de cogestão estadual de SAN. Naquela época o Programa Leite das Crianças já era desenvolvido como principal programa do estado para o enfrentamento a fome e a desnutrição infantil, e atualmente tem como principal objetivo: Auxiliar no combate a desnutrição infantil, por meio da distribuição gratuita e diária de um litro de leite às crianças de 06 a 36 meses, pertencentes a famílias cuja renda per capta não ultrapassa meio salário mínimo regional, além do fomento à agricultura familiar, proporcionando geração de emprego e renda, a busca pela qualidade do produto pela remuneração equivalente, a inovação dos meios de produção e a fixação do homem no campo 23 . 93 Além do desenvolvimento deste e de outros programas, e atendendo as previsões legais para a estruturação do SISAN no estado, em 2011 o governo do estado aderiu ao sistema e assinou o termo de compromisso de elaboração do primeiro Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, com prazo de 1 (um) ano, e que a publicação esta prevista para novembro do corrente ano. Hoje, a gestão da Política Estadual de SAN esta vinculada a Secretaria Estadual de emprego, Trabalho e Economia Solidária – SETS, que vem executando dentre outras ações, o Convênio 140-2010, financiado junto ao MDS, que tem como objetivo principal a implantação do SISAN nos 399 municípios paranaenses. Através do Convênio citado acima, a SETS realizou durante este ano oficinas de capacitação em Segurança Alimentar e Nutricional junto aos seus Escritórios Regionais de todo o Estado. A iniciativa teve como foco a mobilização dos agentes públicos e sociedade civil local, ao destacar a importância da adesão dos municípios ao sistema e compreender momento de articulação de diferentes setores da sociedade para a estruturação do sistema em sua localidade. O atual estágio de estruturação desta política no Paraná esta para a promoção de estratégias que possibilitem à implantação municipal do SISAN no Estado. Após a adesão, a meta para o Paraná esta na efetivação da política por meio de processos de estruturação, capacitação e mobilização que possibilitem a adesão de todos os municípios ao sistema. 4.4 ESTRATÉGIAS DE FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR PELO ESTADO BRASILEIRO O incentivo a pequena agricultura, constitui-se em matéria necessária e compreendida pelo Estado burguês, na manutenção mínima das condições de vida da população rural empobrecida. Conforme Schutter (2012, p. 13), esta estratégia não surtirá efeito se não for combinada a outras medidas de garantia de melhores condições 23 http://www.leite.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1 Serviço Social: direitos e políticas sociais 184 Série Sociedade e Ambiente de vida para os mais pobres, particularmente agricultores que praticam agricultura em pequena escala em países em desenvolvimento. No discurso do relator da ONU, percebe-se a ênfase dada a esta estratégia como medida de contenção das camadas empobrecidas das populações direcionada aos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil. Ele firma que: É possível melhorar significativamente a produtividade agrícola onde ela tenha sido deixada para trás, e portanto, aumentar a produção onde ela mais precisa ser aumentada (isto é, em países com maior déficit alimentar) ao mesmo tempo em que são melhoradas as condições de vida de agricultores que praticam a agricultura em pequena escala e preservados os ecossistemas. Isto reduziria a velocidade de urbanização nos países relacionados, que esta produzindo uma tensão sobre os serviços públicos destes países. (SCHUTTER, 2012, p. 13). Percebe-se ai, uma nítida atenção ao melhoramento das condições de vida da população pobre, ou seja, estas medidas se propõem a amenizar as expressões causadas pelo conflito de classes na sociedade capitalista, e ao mesmo tempo, destensionar a os reflexos trazidos aos setores públicos, fruto do acesso desigual das classes aos bens produzidos socialmente. O relator esclarece que a agricultura deve se desenvolver de maneira que aumente a renda dos pequenos proprietários, pois as causas da fome estão associadas, principalmente a pobreza, além da indisponibilidade de alimentos. Como a grande massa de pequenos agricultores é pobre, a principal estratégia para combater esta condição é aumentar sua renda. Baseia-se no desenvolvimento das economias locais, através de efeitos multiplicadores dos demais setores locais através do aumento do giro de receita, proveniente da elevação de renda dos pequenos agricultores, ao estimularem a demanda por produtos e serviços de vendedores e prestadores de serviços locais. Segundo o relator, este modelo contrapõe-se a produção em alta escala, onde a receita (que corresponde ao equivalente da produção) é investida em insumos e tecnologia voltados para o desenvolvimento dos métodos de produção, ou seja, das forças produtivas. Este conceito referencia fortemente as iniciativas do Estado brasileiro para o incentivo a pequena agricultura. Dentre as políticas desenvolvidas com este ideal, a aquisição de alimentos da agricultura familiar vem sendo empreendida no sentido de articular gastos públicos com a alimentação e a produção local da agricultura familiar, associando os objetivos de disposição do acesso a alimentos as populações mais empobrecidas e geração de renda e desenvolvimento econômico local. Para viabilizar estas medidas, criam-se mecanismos que facilitam o acesso dos beneficiários a tais políticas públicas: O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) criaram mecanismos de gestão e abriram precedentes do ponto de vista legal, que autorizam a compra direta do agricultor familiar cadastrado, sem a necessidade de licitação, democratizando e descentralizando as comprar públicas e criando mercado para os pequenos agricultores. (BRASIL, 2011, p. 24). Complementa que através desta iniciativa pode-se romper com o circulo vicioso que leva a pobreza rural á expansão das favelas urbanas, nas quais a pobreza Serviço Social: direitos e políticas sociais 185 Série Sociedade e Ambiente gera mais pobreza. Em relação à base real da organização social, esta iniciativa propõese a camuflar a existência da pobreza, ou a amenizar os efeitos da organização contraditória dos meios de produção da vida. Não atinge um dos elementos fundantes da infraestrutura capitalista determinante da existência da pobreza: a propriedade privada dos meios de produção. De outra forma, sua proposta aponta para um modo rudimentar da produção social da vida, através de um método que “busca aperfeiçoar a sustentabilidade dos agroecossistemas imitando a natureza e não a indústria” (SCHUTTER, 2012, p. 16), ou seja, através de técnicas fundamentadas na agroecologia. Essa alternativa desconsidera o desenvolvimento das forças produtivas até o atual estagio, os esforços da humanidade (não dos proprietários dos meios de produção, pois a produção é coletiva, apenas sua apropriação é individual) no aperfeiçoamento de insumos, tecnologia e da força de trabalho, o que determinou o aumento da produtividade mundial, quantitativa e qualitativamente. Conforme a análise do relator, a agroecologia é tanto uma ciência quanto um conjunto de práticas, por ao mesmo tempo consistir em uma formulação acadêmica quanto ser desenvolvida e experimentada pelos agricultores. Ela foi criada pela convergência de duas disciplinas cientificas: a agronomia e a ecologia. Como uma ciência, a agroecologia é a aplicação da ciência ecológica ao estudo, projeto e gestão de agrossistemas sustentáveis. Como um conjunto de práticas agrícolas, a agroecologia busca maneiras de aperfeiçoar os sistemas agrícolas imitando os processos naturais, criando, portanto, interações biologias benéficas e sinergias entre os componentes do agroecossistema (SCHUTTER, 2012, p. 17). Percebe-se ai a associação à produção da vida humana a natureza, onde o homem permanece vulnerável as mudanças do meio ambiente. Existe nessa relação uma contradição com o estagio de desenvolvimento das forças produtivas alcançado pela humanidade, onde hoje o homem detém maior controle sobre a natureza na produção da vida, do que vice e versa. 4.5 PROGRAMA NACIONAL DE FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR - PRONAF Após contexto da década de 1990, de inflexão do reconhecimento das demandas dos setores populares pelo Estado brasileiro, onde a política agrícola encontrava-se exclusivamente voltada para a agricultura patronal, o governo brasileiro avançou pela primeira vez em uma política destinada ao apoio e incentivo à pequena agricultura no país, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF. O programa foi criado através do Decreto 1.946, de 28 de junho de 1996, com a finalidade de promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares, de modo a propiciar-lhes o aumento da capacidade produtiva, a geração de empregos e a melhoria de renda. Mas é só em 2003 há a implementação de medidas de simplificação e racionalização dos contratos, o que viabilizou o acesso dos agricultores mais vulneráveis socialmente ao programa. Destaca-se também a criação das modalidades do Pronaf Semi-Árido, Pronaf Florestal e do cartão Pronaf. Serviço Social: direitos e políticas sociais 186 Série Sociedade e Ambiente Conforme Art. 2º do Decreto de sua criação, as ações do PRONAF devem orientar-se pelas seguintes diretrizes: a) melhorar a qualidade de vida no segmento da agricultura familiar, mediante promoção do desenvolvimento rural de forma sustentada, aumento de sua capacidade produtiva e abertura de novas oportunidades de emprego e renda, b) proporcionar o aprimoramento das tecnologias empregadas, mediante estímulos à pesquisa, desenvolvimento e difusão de técnicas adequadas à agricultura familiar, com vistas ao aumento da produtividade do trabalho agrícola, conjugado com a proteção do meio ambiente; c) fomentar o aprimoramento profissional do agricultor familiar, proporcionando-lhe novos padrões tecnológicos e gerenciais; d) adequar e implantar a infra-estrutura física e social necessária ao melhor desempenho produtivo dos agricultores familiares, fortalecendo os serviços de apoio à implementação de seus projetos, à obtenção de financiamento em volume suficiente e oportuno dentro do calendário agrícola e o seu acesso e permanência no mercado, em condições competitivas; e) atuar em função das demandas estabelecidas nos níveis municipal, estadual e federal pelos agricultores familiares e suas organizações; f) agilizar os processos administrativos, de modo a permitir que os benefícios proporcionados pelo Programa sejam rapidamente absorvidos pelos agricultores familiares e suas organizações; g) buscar a participação dos agricultores familiares e de seus representantes nas decisões e iniciativas do Programa; h) promover parcerias entre os poderes públicos e o setor privado para o desenvolvimento das ações previstas, como forma de se obter apoio e fomentar processos autenticamente participativos e descentralizados; i) estimular e potencializar as experiências de desenvolvimento, que estejam sendo executadas pelos agricultores familiares e suas organizações, nas áreas de educação, formação, pesquisas e produção, entre outras (BRASIL, 1996). O programa financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. Possui baixas taxas de juros nos financiamentos rurais, e é destinado para custeio da safra ou atividade agroindustrial, para o investimento em máquinas, equipamentos ou infraestrutura de produção e serviços agropecuários ou não agropecuários. Junto às demais ações do Programa Fome Zero, o incentivo a pequena agricultura passa a compor campo estratégico do governo, dado a relevância no abastecimento alimentar baseado na garantia e manutenção da produção em pequena escala, o que propicia a produção de alimentos mais saudáveis do ponto de vista nutricional e fonte de renda para os pequenos agricultores. Conforme dados do MDS (BRASIL, 2011, p. 24), nos últimos 15 anos o Crédito Rural do PRONAF passou por significativa expansão, saltou de 184 mil contratos na safra 1995/96 para 1,4 milhão de contratos na safra 2008-09. Em relação ao aumento nos investimentos, foram financiados R$10,8 bilhões na safra 2008-09, e no Plano Safra 2011/2012, foram disponibilizados R$16 bilhões destinados ao financiamento das atividades da agricultura familiar. Do total disponibilizado, R$ 7,7 bilhões são para operações de investimento e R$ 8,3 bilhões, para operações de custeio. Junto ao PRONAF foram desenvolvidos demais mecanismos para o financiamento e garantia de renda dos agricultores familiares: Seguro da Agricultura Familiar (SEAF), o Garantia Safra e o Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF). O PGPAF garante às famílias agricultoras que acessam o Pronaf Custeio ou o Pronaf Investimento, em caso de baixa de preços no mercado, um desconto Serviço Social: direitos e políticas sociais 187 Série Sociedade e Ambiente no pagamento do financiamento, correspondente à diferença entre o preço de mercado e o preço de garantia do produto. Outra ação implementada pelo governo federal esta no suporte e assistência técnica aos pequenos agricultores, por meio da criação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, que no Paraná encontra-se em fase inicial de implementação, tendo em vista a necessidade de estruturação das instituições responsáveis no Estado. 4.5 REGULAMENTAÇÃO DO PRONAF SOBRE O ACESSO DOS AGRICULTORES FAMILIARES AOS PROGRAMAS DE CRÉDITO RURAL O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar destina-se ao apoio financeiro das atividades agropecuárias e não-agropecuárias, desenvolvidas mediante emprego direto da força de trabalho da família produtora rural. O Manual de Crédito Rural – MCR do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA dispõe sobre o regulamento e as condições estabelecidas para as operações de crédito de investimento e custeio no âmbito do Pronaf. O Manual entende por atividades não-agropecuárias os serviços relacionados com turismo rural, produção artesanal, agronegócio familiar e outras prestações de serviços no meio rural, que sejam compatíveis com a natureza da exploração rural e com o emprego da mão-de-obra familiar. Este manual regulamenta a concessão de crédito aos agricultores familiares e estabelece condições para o acesso aos programas de crédito rural e de demais finalidades. O PAA compartilha das mesmas condicionantes estabelecidas pelo MDA, e para a compreensão dos mecanismos de concessão de recursos pelos beneficiários do PAA, se faz necessário explorar como é regulamentada as disposições do programa para o acesso dos agricultores. A Lei nº 11.326 de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos estabelecidos em seu artigo 3º: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família (BRASIL, 2006b). O Capítulo 10, Seção 2 do MCR define como beneficiários aptos para o acesso aos programas de crédito rural, considerados agricultores familiares, as pessoas que compõe unidades familiares de produção rural, observando os seguintes critérios: a) explorem a terra na condição de proprietário, posseiro, arrendatário, parceiro ou concessionário do Programa Nacional de Reforma Agrária; Serviço Social: direitos e políticas sociais 188 Série Sociedade e Ambiente b) residam na propriedade ou em local próximo; c) possuam, no máximo 4 módulos fiscais (6 módulos fiscais, no caso de atividade pecuária); d) tenham o trabalho familiar como base da exploração do estabelecimento; e) tenham renda bruta anual, conforme apresentado na divisão nos grupos abaixo. (BRASIL, 2008a). O mesmo manual define os grupos de beneficiários do Pronaf, a fim de estabelecer critérios para o acesso a diferentes linhas de crédito e programa associados ao apoio rural. De forma geral, o programa seleciona 6 (seis) grupos com distintas características, e os agricultores comprovam seu enquadramento mediante apresentação de Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP. O Grupo A agrega agricultores familiares assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária que não foram contemplados com operação de investimento por meio do Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária – PROCERA24 ou com crédito de investimento para estruturação no âmbito do PRONAF; e beneficiados por programas de crédito fundiário do Governo Federal. A Seção 2 da Resolução 3.559/2008 prevê ainda as seguintes condições para o enquadramento do agricultor no Grupo A: 94 I - não detenham, sob qualquer forma de domínio, área de terra superior a um módulo fiscal, inclusive a que detiver o cônjuge e/ou companheiro(a); II - tenham recebido, nos 12 (doze) meses que antecederem à solicitação de financiamento, renda bruta anual familiar de, no máximo, R$14.000,00 (quatorze mil reais); III - tenham sido reassentados em função da construção de barragens cujo empreendimento tenha recebido licença de instalação emitida pelo órgão ambiental responsável antes de 31/12/2002; IV - a DAP seja emitida com a observância da regulamentação da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e confirme a situação de agricultor familiar reassentado em função da construção de barragens e a observância das condições referidas nesta alínea (BRASIL, 2008b). Já o Grupo A/C compreende agricultores familiares egressos do Grupo A, que se enquadrem nas condições do Grupo C e que se habilitem ao primeiro crédito de custeio isolado. A Seção 2 da Resolução 3559/2008 prevê para este grupo: I - apresentem DAP para o Grupo "A/C", fornecida pelo Incra para os beneficiários do PNRA ou pela Unidade Técnica Estadual ou Regional (UTE/UTR) para os beneficiados pelo PNCF; (Res. 3.559) II - já tenham contratado a primeira operação no Grupo "A"; (Res. 3.559) III - não tenham contraído financiamento de custeio, exceto no Grupo "A/C" (BRASIL, 2008b). O Grupo B agrega agricultores familiares, inclusive remanescentes de quilombos, trabalhadores rurais e indígenas que obtém renda bruta anual de até R$ 2.000,00, excluídos os proventos vinculados a benefícios previdenciários decorrentes das atividades rurais. 24 Programa federal de linha de crédito rural já extinto. Serviço Social: direitos e políticas sociais 189 Série Sociedade e Ambiente I - explorem parcela de terra na condição de proprietário, posseiro, arrendatário ou parceiro; II - residam na propriedade ou em local próximo; III - não disponham, a qualquer título, de área superior a 4 (quatro) módulos fiscais, quantificados segundo a legislação em vigor; IV - obtenham, no mínimo, 30% (trinta por cento) da renda familiar da exploração agropecuária e não agropecuária do estabelecimento; V - tenham o trabalho familiar como base na exploração do estabelecimento; VI - tenham obtido renda bruta familiar nos últimos 12 (doze) meses que antecedem a solicitação da DAP, incluída a renda proveniente de atividades desenvolvidas no estabelecimento e fora dele, por qualquer componente da família, de até R$5.000,00 (cinco mil reais), excluídos os benefícios sociais e os proventos previdenciários decorrentes de atividades rurais; (BRASIL, 2008b). Os agricultores familiares e trabalhadores rurais que compõe o Grupo C, inclusive os egressos do PROCERA e/ou Grupo A, são aqueles que obtêm renda bruta anual familiar acima de R$ 2.000,00 e até R$ 14.000,00, excluídos os proventos vinculados a benefícios previdenciários decorrentes das atividades rurais. Os agricultores e trabalhadores rurais que integram o Grupo D, que podem ser egressos do PROCERA e/ou Grupo A, obtêm renda bruta anual familiar acima de R$ 14.000,00 e até R$ 40.000,00, excluídos os proventos vinculados a benefícios previdenciários decorrentes das atividades rurais. Grupo E: Agricultores sociais e trabalhadores rurais egressos do PRONAF ou ainda beneficiários daquele programa, que obtém renda bruta anual familiar de até R$ 60.000,00, excluídos os proventos vinculados a benefícios previdenciários decorrentes de atividades rurais. Conforme a resolução citada acima são também beneficiários e se enquadram como agricultores familiares do Pronaf, exceto nos grupos "A" e "A/C", desde que tenham obtido renda bruta familiar nos últimos 12 (doze) meses que antecedem a solicitação da DAP até R$110.000.00 (cento e dez mil reais): a) pescadores artesanais que se dediquem à pesca artesanal com fins comerciais, explorando a atividade como autônomos, com meios de produção próprios ou em regime de parceria com outros pescadores igualmente artesanais; b) extrativistas que se dediquem à exploração extrativista ecologicamente sustentável; c) silvicultores que cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes; d) aqüicultores, maricultores e piscicultores que se dediquem ao cultivo de organismos que tenham na água seu normal ou mais frequente meio de vida e que explorem área não superior a 2 (dois) hectares de lâmina d'água ou ocupem até 500 m3 (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanque-rede; e) Comunidades quilombolas que pratiquem atividades produtivas agrícolas e de beneficiamento e comercialização de produtos; f) povos indígenas que pratiquem atividades produtivas agrícolas e/ou nãoagrícolas e de beneficiamento e comercialização de seus produtos; g) agricultores familiares que se dediquem à criação ou ao manejo de animais silvestres para fins comerciais, conforme legislação vigente (BRASIL, 2008b). A Portaria MDA nº 75, de 25 de julho de 2003, considerando os termos do Capítulo 10 do MCR, que dispõe sobre o regulamento e as condições estabelecidas para Serviço Social: direitos e políticas sociais 190 Série Sociedade e Ambiente as operações de crédito de investimento e custeio no âmbito do Pronaf,define o formulário único denominado Declaração de Aptidão ao Pronaf - DAP, o qual se constitui em documento de apresentação obrigatória para todos os agricultores familiares que pretendem financiamento no âmbito do Pronaf. Conforme o Art. 2º desta Portaria, a DAP deve ser emitida em nome do titular de cada unidade rural familiar, da qual o mesmo Artigo entende: § 1° A unidade familiar rural, para os fins de que trata esta Portaria, compreende o conjunto composto pela família nuclear (marido ou companheiro, esposa ou companheira, e filhos) e eventuais agregados, que explorem o empreendimento sob a mesma gestão, incluídos os casos em que o empreendimento é explorado por indivíduo sem família (BRASIL, 2003). Para os trabalhadores rurais pertencentes ao Grupo A do Pronaf, o processo de emissão da DAP é realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, quando o agricultor é acampado ou assentado, de organização reconhecida pela Autarquia. Quando o agricultor é beneficiário de Crédito Fundiário, o responsável pela sua emissão é a Unidade Técnica Estadual - UTE, ou Unidade Técnica Regional da localidade. O Art. 9º da Portaria do MDA nº75, estabelece os critérios para emissão da DAP para os demais Grupos do Pronaf: Art. 5° São credenciadas para dar início ao processo de emissão das DAP's o qual é caracterizado pelo preenchimento dos formulários - aos agricultores familiares egressos do Grupo A que constituem o Grupo A/C, e dos Grupos B, C, D e Proger Rural Familiar - PRF, e ainda aos pecuaristas familiares, extrativistas, silvicultores, aqüicultores, pescadores artesanais, remanescentes de quilombos e aos índios, as seguintes instituições: I - entidades de representação dos agricultores familiares: a) Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Contag, por meio dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais a ela formalmente filiados; b) Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar -Fetraf/Sul, por meio dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais e Sindicatos de Trabalhadores na Agricultura Familiar a ela formalmente filiados; c) Associação Nacional dos Pequenos Agricultores - ANPA, por meio das Associações ou Sindicatos a ela formalmente filiados; d) Confederação Nacional da Agricultura - CNA, por meio dos Sindicatos Rurais a ela formalmente filiados; e) Federações de Pescadores, por meio das Colônias a elas formalmente filiadas; II - entidades governamentais: a) Instituições Estaduais Oficiais de Assistência Técnica e Extensão Rural, por meio de seus escritórios regionais e locais; b) Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira - Ceplac, por meio de seus escritórios regionais e locais; c) Fundação Instituto Estadual de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - Itesp; d) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por meio dos Núcleos de Pesca e Aqüicultura de suas Delegacias Federais; e) Fundação Nacional do Índio - FUNAI, por meio de suas representações regionais e locais; f) Instituto Estadual de Pesca ou similar; g) Fundação Cultural Palmares, por meio das entidades por ela reconhecidas (BRASIL, 2003). Serviço Social: direitos e políticas sociais 191 Série Sociedade e Ambiente A DAP é emitida em naturezas diferentes, física quando é fornecida a agricultores que desenvolvem atividades rurais apenas através da unidade familiar, ou seja, quando não esta organizado junto a demais agricultores para a produção e venda das mercadorias no mercado e realiza esta atividade de forma individual; e jurídica destinada a declaração de aptidão a associações e cooperativas de produtores agrícolas, estabelecida organização legal para este fim. 4.7 O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS – PAA A partir de 2003 foi introduzido um conjunto de instrumentos de políticas de abastecimento alimentar no âmbito da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Neste ano, foram lançadas várias iniciativas pelo governo federal para o enfrentamento a fome e combate a miséria. Dentre elas destacam-se o Plano Safra da Agricultura Familiar, as políticas do governo federal de apoio a agricultura familiar e as ações do Fome Zero que interligadas, tiveram como objetivo criar uma estrutura baseada no apoio a agricultura familiar, pautada na ampliação da oferta de alimentos para garantia do acesso em quantidade, qualidade e regularidade necessária às populações em situação de insegurança alimentar. Este plano estava articulado às políticas sociais de transferência de renda e prevendo suas demandas emergentes, que estavam atreladas, segundo as previsões, a inserção produtiva dos beneficiários destas políticas e o impacto deste acesso ao mercado, demandando mais produtos alimentícios em quantidade e qualidade. O PAA constitui uma das principais estratégias para o fomento a pequena produção, e foi instituído pelo artigo 19 da Lei no. 10696, de 2 de julho de 2003, e regulamentado pelo Decreto no. 4772, de 2 de julho de 2003, o qual foi alterado pelo Decreto no. 5873, de 15 de agosto de 2006. Conforme Artigo 5º do Decreto nº 6.447, de 7 de maio de 2008, que regulamenta a o art. 19 da Lei no 10.696, de 2 de julho de 2003, que institui o Programa de Aquisição de Alimentos, o programa deve ser executado nas seguintes modalidades e observando os respectivos limites de valores máximos por agricultor familiar: I - aquisição de alimentos para atendimento da alimentação escolar, com limite de até R$ 9.000,00 (nove mil reais) por ano civil; II - compra direta da agricultura familiar para distribuição de alimentos ou formação de estoque público, com limite de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) por ano civil; III - apoio à formação de estoque pela agricultura familiar, com limite de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) por ano civil; IV - compra da agricultura familiar com doação simultânea, com limite de até R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) por ano civil; V - compra direta local da agricultura familiar com doação simultânea, com limite de até R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) por ano civil, e VI - incentivo à produção e ao consumo do leite, com limite de até R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por semestre (BRASIL, 2008c). A aquisição de alimentos para atendimento da alimentação escolar é executada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Com a promulgação da Lei 11.947, no mínimo 30% dos recursos financeiros repassados pelo FNDE ao PNAE deverão ser Serviço Social: direitos e políticas sociais 192 Série Sociedade e Ambiente destinados à compra de produtos de agricultores familiares e empreendedores familiares rurais. Possuem prioridade assentamentos da reforma agrária e comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas. Para as modalidades de Apoio à Formação de Estoques pela Agricultura Familiar e a Compra Direta da Agricultura Familiar, o responsável pelos recursos orçamentários para sua operacionalização é o MDA. Já para Compra com Doação Simultânea e Incentivo à Produção e ao Consumo do Leite, o recurso origina-se do Ministério do Desenvolvimento Social – MDS e por fim a modalidade Compra Institucional, é executada com recursos do proponente. Nesse sentido, o programa possui dois públicos beneficiários, produtores e consumidores.Os beneficiários consumidores são instituições não governamentais que desenvolvam trabalhos publicamente reconhecido de atendimento às populações em situação de risco social, não sendo permitido a distribuição dos alimentos diretamente para seus usuários, sob penalidade de interromper o projeto, exceto em condições especiais desde que aprovado pelo órgão gestor do Programa. Já os beneficiários produtores são aqueles enquadrados nos grupos A, B, A/C e Agricultores Familiares do PRONAF, inclusive agroextrativistas, quilombolas, famílias atingidas por barragens, trabalhadores rurais sem terra, comunidades indígenas. O Decreto nº 7.775 de 2012, que regulamenta o PAA, traz algumas indicações importantes sobre o público de tal programa. De acordo com seu artigo 4º, consideramse: a) beneficiários consumidores: indivíduos em situação de insegurança alimentar e nutricional e aqueles atendidos pela rede socioassistencial, pelos equipamentos de alimentação e nutrição, pelas demais ações de alimentação e nutrição financiadas pelo Poder Público e, em condições específicas definidas pelo GGPAA, pela rede pública e filantrópica de ensino; b) beneficiários fornecedores: - público apto a fornecer alimentos ao PAA, quais sejam, os agricultores familiares, assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores artesanais, indígenas e integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e de demais povos e comunidades tradicionais, que atendam aos requisitos previstos no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006; e c) organizações fornecedoras: cooperativas e outras organizações formalmente constituídas como pessoa jurídica de direito privado que detenham a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Agricultura Familiar - PRONAF - DAP Especial Pessoa Jurídica ou outros documentos definidos por resolução do GGPAA (BRASIL, 2012). O mesmo parágrafo do decreto orienta ainda sobre algumas condicionalidades para o acesso dos beneficiários ao PAA: § 1º Os beneficiários fornecedores serão identificados pela sua inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda. § 2º A comprovação da aptidão dos beneficiários fornecedores será feita por meio da apresentação da Declaração de Aptidão ao PRONAF - DAP ou por outros documentos definidos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, em articulação com outros órgãos da administração pública federal, em suas respectivas áreas de atuação. § 3º A participação de mulheres, dentre os beneficiários fornecedores, deverá ser incentivada. Serviço Social: direitos e políticas sociais 193 Série Sociedade e Ambiente § 4º As organizações fornecedoras, no âmbito do PAA, somente poderão vender produtos provenientes de beneficiários fornecedores. § 5º Dentre as organizações aptas a participar do Programa, serão priorizadas as constituídas por mulheres (BRASIL, 2012). Voltado ainda para a promoção de estratégias de fortalecimento da agricultura familiar, desde 2006 a Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB passou a compor quadro estratégico no suporte das ações do PAA, com finalidade de apoio no cumprimento dos objetivos do programa. Neste ano, a companhia passou a ser referência para a elaboração dos Preços de Garantia da Agricultura Familiar (PGPAF), programa coordenado pelo MDA em conjunto com o Ministério da Fazenda, que a partir de 2007, especificamente na safra 2008/09, passou a vincular por meio do PGPAF o crédito do PRONAF através do custeio e de investimento ao preço do produto ou atividade financiada. Ou seja, o governo passou a promover o custeio da equivalência do valor da produção dos alimentos oriundos da agricultura em pequena escala. Conforme informações da companhia, “a atuação se faz por meio da Aquisição do Governo Federal (AGF), instrumento capaz de equilibrar a renda do produtor rural, do agricultor familiar e de suas cooperativas, frente a oscilação do preço do mercado”25 . Esta ação demonstra a tentativa do Estado brasileiro de sustentação da produção agrícola em pequena escala, e ao mesmo tempo, na garantia de renda dos pequenos agricultores. Cabe a CONAB levantar os custos de produção que subsidiarão a definição de preços a serem assegurados na próxima safra e,ainda acompanhar os preços destes produtos ao longo do ano. Após a colheita, mensalmente a CONAB elabora uma tabela comparativa entre os preços, pré estabelecidos e os preços de mercado; quando os preços de mercado ficam abaixo do preço de garantia, define-se o percentual de bônus de desconto a ser conferido. Em resumo atualmente a CONAB, em relação ao PAA, opera três instrumentos, que podem ter variações em sua operacionalidade em função das fontes utilizadas para a aquisição: O Compra Direta, aquisição pela CONAB que realiza a compra diretamente dos agricultores, formando estoques públicos para posterior distribuição para famílias em insegurança alimentar e nutricional. Quando os produtos são adquiridos com recursos do MDA, a produção não pode ser doada (salvo em casos excepcionais), devendo formar estoques públicos para comercialização posterior. O Doação Simultânea, instrumento que opera exclusivamente com recursos do MDS. A CONAB e ou a SETS, adquire, diretamente de organizações dos agricultores, para doação imediata para organizações sociais e ou para as famílias sob insegurança alimentar e nutricional. O trabalho de distribuição é articulado e executado pelas organizações envolvidas (fornecedores e consumidores) e ainda parceiros. O Formação de Estoque, onde a CONAB disponibiliza capital de giro para organizações de produtores investirem na formação de seus próprios estoques para comercialização futura, adquirindo diretamente dos agricultores formando estoques. Em âmbito federal o CONSEA tem uma participação proativa, interferindo nas decisões sobre a qualificação destes e de outros instrumentos de políticas públicas de apoio à agricultura familiar e da segurança alimentar e nutricional. No estado do Paraná nota-se uma falta de interação entre os pareceres prestados pelo Conselho e o entendimento do governo do Estado, possui uma participação mais consultiva e menos 95 25 http://www.conab.gov.br/conab-quemSomos.php?a=11&t=1 Serviço Social: direitos e políticas sociais 194 Série Sociedade e Ambiente proativa no encaminhamento destas políticas. Além da ausência de continuidades das atividades do órgão, a exemplo a indisciplina na realização das reuniões ordinárias mensais e prorrogação do mandato da atual gestão do conselho, devido a ausência de recursos para a realização da Conferencia Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, prevista para este ano. Nos municípios os conselhos de segurança alimentar estão em uma fase de inicio de organização, existindo muita carência de estrutura e mobilização social para a intensificação do monitoramento destas políticas. Além da burocratização no acesso ao PAA e demais programas de crédito rural, a ausência e fragilidade na organização dos agricultores em cooperativas e ou associações, principalmente nos municípios de indicadores sociais críticos, tem sido um dos entraves para ampliar o acesso à política do PAA, pelos agricultores familiares. 4.8 O PAA NO PARANÁ A coordenação estadual do programa no estado esta vinculada a Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Economia Solidária - SETS e tem a participação de representantes do Instituto EMATER, das Centrais de Abastecimento do Paraná S/A CEASA e Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Paraná – CONSEA-PR. Em geral, a EMATER é responsável pelo apoio técnico e rural aos agricultores de todo o Estado, através de seus Escritórios Municipais, e da emissão das DAPs no âmbito do estado. Já os CEASA pela distribuição dos alimentos as entidades beneficiárias consumidoras, e o CONSEA- PR no acompanhamento e monitoramento das ações do programa. Conforme informações da SETS, o PAA no Paraná tem como finalidade Garantir à alimentação para pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social e/ou de insegurança alimentar e nutricional; fortalecer a agricultura familiar e a geração de trabalho e renda; e promover o desenvolvimento local por meio do escoamento da produção para consumo no entorno da região produtora.2696 A operacionalização do programa resume-se pela compra de alimentos produzidos por agricultores enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, pertencentes aos Grupos A, B, A/C e Agricultores Familiares. O alimento adquirido é doado simultaneamente para instituições sociais, prioritariamente: creches, asilos, hospitais, associações beneficentes, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos, Associações de Pais e Mestres - APMs das escolas municipais e estaduais, entre outros. Os beneficiários consumidores podem ser instituições não governamentais que desenvolvam trabalho publicamente reconhecido de atendimento às populações em situação de risco social. Os alimentos adquiridos pelo programa, além de serem destinados às instituições que atendem às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional através de programas sociais, podem ser dirigidos também para demais cidadãos em situação de risco alimentar, como indígenas, quilombolas, acampados da Reforma Agrária e atingidos por barragens. 26 http://www.trabalho.pr.gov.br/compradireta/ Serviço Social: direitos e políticas sociais 195 Série Sociedade e Ambiente Em média são aplicados no Paraná pelo PAA, R$ 20 milhões e pela Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB e outros R$ 20 milhões pela Secretaria de Estado do Trabalho e Economia Solidária - SETS. Atualmente o limite anual de compras com doação simultânea é de R$ 4.500,00 para cada agricultor familiar, e existe a previsão de aumento para R$5.200,00 a partir de 2014. Quando os preços estão abaixo do preço mínimo e ou de referência, os agricultores familiares podem vender a produção para a CONAB pela modalidade Compra Direta. Esta venda está limitada a R$ 3.500,00 por agricultor, que somados aos R$4.500,00 do PAA podem totalizar R$ 8.000,00 de vendas da agricultura familiar através do programa. Em média são aplicados no Paraná R$ 8 milhões do Programa de Compra Direta da Agricultura Familiar. Além das modalidades de compra e doação simultânea e da compra direta existe um terceiro mecanismo de apoio do PAA que é o da Formação de Estoque pela Agricultura Familiar. Quando um determinado produto se encontra com preços abaixo do preço mínimo e ou do preço de referência da agricultura familiar (PGPAF) os agricultores e ou suas organizações podem formar estoques, contando com recursos do MDA, aplicados pela CONAB, com juros de 2% ao ano para formar estoque e comercializá-los ao longo do ano. No Paraná são aplicados pela CONAB, R$ 8 milhões por ano. Para o inicio do processo de convenio ao Programa de Aquisição de Alimentos do Paraná pelo beneficiário produtor, o agricultor deve apresentar previamente ao órgão gestor do programa no estado (SETS em parceria com EMATER e Ceasa) a seguinte documentação: 196 a) Declaração de Aptidão ao Pronaf - DAP, na forma prevista na Portaria MDA nº 075, de 25/07/03 – esta documentação pode ser solicitada gratuitamente via escritórios municipais da EMATER; b) Ofício da entidade proponente solicitando análise e firmar convênio com a SETS; c) Fotocópia do Cartão da Conta bancária do Agricultor Familiar junto ao Banco do Brasil; d) Fotocópia do CPF do Agricultor; e) Estatuto social e ata de posse da atual diretoria da entidade; f) Plano de Aplicação devidamente preenchida; g) Demonstração de ausência de recursos próprios para execução do PAA, por parte da instituição proponente (declaração de uma autoridade); h) Declaração de utilidade pública (Lei de utilidade pública); (Exceto Cooperativas) i) Cópia da publicação da lei de utilidade pública (em jornal de circulação); (Exceto Cooperativas) j) Parecer do Conselho/Comitê Gestor; k) Certidão negativa de débitos da instituição, expedida pelo Tribunal de Contas do Estado. l) Certidão negativa do INSS, FGTS, Secretaria da Fazenda Estadual e Tributos Federais; m) Cópia do Cadastro do CNPJ; n) Produtos de origem animal: se houver a presença de produtos de origem animal (e derivados), é necessário a certidão de funcionamento da agroindústria ou abatedouro ou certificado da vigilância sanitária (municipal, estadual ou federal) da produção; o) Produtos agroecológicos/orgânicos: se houver produtos agroecológicos é necessário documentação da certificação da propriedade dos agricultores. p) Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral no CPF. 2797 27 http://www.trabalho.pr.gov.br/compradireta/ Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente Após a apresentação dos documentos, a liberação dos recursos aos pequenos agricultores passa a ser disponibilizados mediante aprovação do projeto de convenio, Conforme informações da Secretaria de Estado gestora do programa, esta parceria se dá através de termo de cooperação entre as entidades proponentes e a SETS, e pagamento é efetivado diretamente na conta dos agricultores. A produção é paga conforme for sendo disponibilizada nos bancos de distribuição, sendo creditado na conta corrente do agricultor, no prazo de até 30 dias corridos a contar da data de recebimento da nota e termo de recebimento e aceitabilidade pela SETS. A liberação do recurso somente será possível se acusada a apresentação correta dos seguintes documentos: nota do produtor (devidamente preenchida); termo de recebimento e aceitabilidade e conta aberta em nome do Titular participante do Projeto - sem a apresentação destes documentos não será efetuado o pagamento. 5 ANÁLISE DO CONTEÚDO 5.1 O INCENTIVO A PEQUENA AGRICULTURA PELO ESTADO BURGUÊS A aproximação com o tema se deu através da atividade de estágio de graduação em Serviço Social no Ministério Público do Paraná - MPPR, no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos humanos (CAOPJ DH) – Área de Direitos Constitucionais. A atividade permitiu a aproximação com o processo de implementação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional no Estado do Paraná – PNSAN, vinculada às ações do eixo de atuação Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) do CAOPJ DH – Área de Direitos Constitucionais. Segundo o Art. 127 da Constituição Federal “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 1988). A instituição assim o faz pela manutenção do Estado democrático de direito e pela observância aos demais instrumentos normativos da sociedade civil. O Ministério Público como órgão estatal, na busca pela manutenção do Estado Democrático e da cidadania reproduz os interesses de uma classe específica, por ser expressão das relações sociais de produção existentes na sociedade capitalista. Em uma análise materialista a manutenção do Estado Democrático e da cidadania se efetivam dentro de uma estrutura econômica fundada na propriedade privada dos meios de produção, e assim, é forma de reprodução e legitimação da ordem vigente, contradizendo os interesses da classe trabalhadora. Nesse sentido, o procedimento de manutenção dos direitos sociais pelo MP dentro da estrutura capitalista, se constitui numa ação de atenuação do conflito emergente entre as classes proprietárias e não proprietárias, e também de manutenção da própria ordem vigente. Se a instituição não toca nos elementos fundantes, causadores de violação das condições fundamentais para a sobrevivência digna da classe trabalhadora, sua atuação encontra-se no limite da intervenção sobre as expressões deste conflito, não das causas, que maior parte da população sofre devido a sua condição de classe no modo de produção capitalista. A existência de um órgão como o Ministério Público, instituído para monitorar e garantir o cumprimento da ordem demonstra que o Estado não cumpre com as garantias sociais e cívicas elencadas na Constituição Federal. Mesmo que a Carta Magna de 1988 em seu artigo 127 “incumbe-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime Serviço Social: direitos e políticas sociais 197 Série Sociedade e Ambiente democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis”, o MP encontra limites em relação no atendimento aos interesses fundamentais da classe dominante em detrimento aos demais direitos, no âmbito do Estado. Essa condição comprova que o Estado possui objetivos fundamentais, que são a garantia do direito à propriedade privada dos meios de produção e a exploração da força de trabalho assalariada, que estão acima de outras funções, como à garantia a alimentação adequada dos brasileiros, por exemplo. Contudo, o aparelho estatal carrega em si uma profunda contradição. Ao mesmo tempo em que é instrumento de legitimação e garantia do modo de produção capitalista, por concentrar os interesses fundamentais da classe dominante, este mesmo órgão precisa garantir os mínimos de sobrevivência da classe dominada. Essa contradição esta colocada devido a força de trabalho constituir-se em elemento primordial para a manutenção das forças produtivas, e da própria sobrevivência humana através da produção social da vida. Nesse sentido, entende-se que o incentivo à agricultura familiar pelo Estado burguês não passa de uma forma de garantir os mínimos de sobrevivência dos agricultores e de sua família. Conforme dados do MDS28 , o contingente de pessoas em extrema pobreza no Brasil totaliza 16,27 milhões de pessoas, o que representa 8,5% da população total. Embora apenas 15,6% da população brasileira resida em áreas rurais, dentre as pessoas em extrema pobreza, elas representam pouco menos da metade (46,7%). Diante do quadro de pobreza na área rural, o Programa de Aquisição de Alimentos junto a demais estratégias do governo federal, engloba ações para a garantia de renda dos agricultores que se enquadram nos Grupos A, B, A-C e C do PRONAF, ou seja, daqueles que produzem alimentos em pequena escala, e consequentemente estão numa posição menos favorável no sistema de concorrência econômica. Mesmo que este programa tenha a aparência de uma política de resistência dos pequenos agricultores ao agronegócio, os pequenos agricultores ao reclamarem a aparente exploração que sofrem em relação ao capital através da crítica a acumulação capitalista, o que fazem não é mais do que obterem garantias para manter-se diante da concorrência através destas políticas, o que nada tem a ver com o fim do modo de produção capitalista. Por estarem permanentemente ameaçados pelos grandes produtores rurais, os pequenos agricultores declaram-se explorados. Em relação à base real capitalista, a pequena burguesia agrária não tem sua força de trabalho explorada pela burguesia propriamente dita, apenas não possui condições em pé de igualdade para a concorrência de mercado com os grandes produtores, pois experimentam de uma condição extremamente desfavorável. O que reclamam através dos programas governamentais, não é um novo modo de produção, conforme Germer (2006, p. 43) “o que fazem é criticar a concentração de capital e a concorrência que os derrota, não o capitalismo; não querem o socialismo, querem o capitalismo sem concorrência”. Contudo, diante do quadro exposto acima, a existência da pequena burguesia agrária é de extremo interesse para o grande capital. Como o preço das mercadorias no mercado é determinado pelo trabalho social médio desempenhado para produzi-las, os grandes produtores conseguem obter lucros maiores por venderam as suas mercadorias ao preço médio, acima do custo da produção em alta escala. Ou seja, como o preço de mercado é determinado pelo valor médio da produção social de mercadorias, os grandes capitalistas conseguem vender suas 98 28 http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias-1/2011/maio/11.05.02_Nota_Tecnica_Perfil_A.doc. Serviço Social: direitos e políticas sociais 198 Série Sociedade e Ambiente mercadorias a um preço maior do que o custo para sua produção. Isso acontece porque as mercadorias produzidas pela pequena burguesia possuem um preço de produção maior, o que é desfavorável para os pequenos produtores, por isso necessitam dos subsídios governamentais para se manterem no mercado econômico. O preço de mercado é calculado através da média total de produção, tanto dos pequenos quanto dos grandes produtores. Como a proporção de mercadorias provenientes do agronegócio é maior, sua influencia no preço médio das mercadorias é respectivamente maior também. Já os produtores em menor escala acabam tendo um custo de produção mais elevado que o preço médio de mercado, por isso necessitam do apoio do Estado. Ao mesmo tempo, a produção da pequena burguesia, por representar parte do montante na soma média do trabalho social, eleva o preço médio do mercado, o que possibilita o aumento dos lucros dos grandes produtores, que assim, podem vender sua produção a um preço maior que o custo que dispendeu para obtê-la. 5.2 O INCENTIVO A “AGRICULTURA FAMILIAR” PROPORCIONA AUTONOMIA FINANCEIRA E, PORTANTO A LIBERDADE MATERIAL DOS PEQUENOS AGRICULTORES? Entendendo-se a liberdade como condição material para a escolha entre alternativas concretas, esta condição na sociedade capitalista só é experimentada pela classe detentora da propriedade privada dos meios de produção, enquanto a classe trabalhadora vende a força de trabalho como única forma de sobrevivência. Este conceito em relação aos produtores agrícolas em pequena escala deve ser analisado com maior cuidado. Conforme Germer (2006, p. 43), os pequenos agricultores, mesmo que produtores em menor escala, são proprietários dos meios de produção, e consequentemente vendedores de mercadoria, não de força de trabalho. A analise sobre a liberdade material deste segmento deve ser compreendido no cenário das relações econômicas na sociedade capitalista, através do processo de concorrência no mercado de compra e venda de mercadorias, onde estão imersos tanto os pequenos quanto os grandes produtores rurais. Ademais, a “agricultura familiar” compõem, segundo Germer (2006, p. 43), o segmento de pequenos produtores agrícolas e dentre estes pode-se fazer a distinção dos que contratam assalariados e dos que dependem exclusivamente da força de trabalho da família. Podem-se considerar os primeiros como capitalistas e os últimos como “produtores simples de mercadoria”, mas essa distinção é frágil, uma vez que há agricultores que dependem exclusivamente da força de trabalho familiar, são altamente mecanizados e acumulam capital, enquanto os pequenos produtores por não terem acesso a tecnologia suficiente, não obtêm alto lucro e seu objetivo é de apenas atender as necessidades da família. Nesse contexto, a terminologia “agricultura familiar” fica distorcida necessitando de uma classificação mais aprimorada quanto à condição de classe dos produtores rurais. A partir da divisão entre vendedores de mercadorias e de força de trabalho, Germer (2006, p. 43) classifica os agricultores localizados em torno desta divisória em 4 (quatro) grupos: semi-assalariados, proletários com lote, assalariados puro se a pequena burguesia. Os semi-assalariados são aqueles que por insuficiência de meios de produção, necessitam complementar sua renda trabalhando como assalariados, e por isso não podem ser considerados nem capitalistas nem assalariados plenos. Há uma grande maioria a população rural classificada como proletários com lote, ou seja, assalariados Serviço Social: direitos e políticas sociais 199 Série Sociedade e Ambiente rurais possuidores de terra, que a utilizam em condição de ocupantes, ocupação principalmente destinada como fonte de moradia, mesmo que produzam alguma coisa nesta. E, juntamente com os proletários com lote, os assalariados puros, que se constituem como proletariado rural propriamente dito. Essa parcela da população agrícola é a que possui condições econômicas mais precárias, e por sua condição de classe, a exploração do seu trabalho e cerceamento da sua liberdade estão colocados de forma que não são necessários argumentos. Os produtores rurais que sobrevivem exclusivamente da venda de sua produção, por menor que seja a escala, devem ser classificados como capitalistas, ou melhor, pertencentes à pequena burguesia. Podem contratar ou não força de trabalho assalariada, ou obterem a força de trabalho apenas dos integrantes da família. Este é o grupo principal alvo das políticas de incentivo a agricultura familiar, e do Programa de Aquisição de Alimentos, pois são os principais responsáveis pela produção dos alimentos destinados ao abastecimento das instituições sócio-assistenciais, e os que mais necessitam de apoio para a manutenção de sua atividade econômica. Nesse contexto, os pequenos concorrem com os grandes produtores rurais, com aqueles que concentram em maior escala a produção de mercadorias, e por isso, também o poder econômico. Nesse sentido, são derrotados na concorrência com os grandes proprietários não porque tem sua força de trabalho explorada por estes, mas porque não conseguem manter-se na concorrência. A concorrência entre a frágil estrutura produtiva familiar e a gigantesca e moderna estrutura da média e grande burguesia agrária é irrealista do ponto de vista justo e igualitário, mesmo subsidiada pelo governo. Para tentar garantir a permanência da pequena produção e da renda dos agricultores, o Estado criou mecanismos que subsidiam os agricultores quando o preço de mercado esta abaixo do preço de produção, através de políticas de controle de preços da Conab, descontos nos financiamentos rurais, e a compra institucional realizada diretamente com o pequeno agricultor. Mas porque acontece a queda do preço da produção no mercado? A resposta para esta questão esta permeada por três elementos. O primeiro e mais importante é o preço da mercadoria, que é determinado pelo custo de sua produção. Os pequenos produtores, por não conseguirem acessar maquinário e instrumentos mais avançados, e manterem tecnologias ultrapassadas, o que inviabiliza o aumento da escala de produção e, assim a aquisição de instrumentos para isso, permanecem com preços unitários superiores aos de mercado. Isso porque, para calcular o valor de uma mercadoria, devemos considerar o tempo de trabalho invertido nela e a matéria-prima aplicados junto aos meios de produção (técnicas, maquinaria, ferramentas, local de produção, transporte) necessários para produzi-la. Como os pequenos agricultores se utilizam de tecnologias atrasadas, ou inspiradas em técnicas agroecológicas, o custo da produção é mais elevado em relação ao de mercado, pois o tempo despendido para sua produção, ou seja, o trabalho humano cristalizado na mercadoria é maior. Este aspecto é fundamental para compreender o conceito, uma vez que o valor das mercadorias são expressos pela quantidade de trabalho social necessário pra produzi-la, medido em horas. Como os grandes produtores rurais possuem meios de produção mais avançados, o que proporciona a produção em alta escala com menores custos de produção, isso condiciona o controle do preço médio do mercado, devido ao maior volume de mercadorias dessa origem em concorrência. Sem a intervenção do Estado, a produção da chamada agricultura familiar, ou melhor, da pequena burguesia agrária, seria impossível devido à inviabilidade de concorrência no mercado, e a ausência de consumidores para a sua produção. Isso Serviço Social: direitos e políticas sociais 200 Série Sociedade e Ambiente porque a maioria da população, pertencente à classe trabalhadora, não possui condições materiais para optar pela origem dos produtos, pois essa compra é determinada pelo preço mais favorável. 5.3 O FORTALECIMENTO DO MODO DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA DENOMINADO “AGRICULTURA FAMILIAR” CONTRIBUI PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ORDEM SOCIETÁRIA, ENTENDIDA AQUI COMO SOCIALISTA? Vimos até agora que o incentivo à produção agrícola e pequena escala é uma forma de garantir a sobrevivência da pequena burguesia agrária, e também se constitui em interesse dos capitalistas rurais. Percebemos que o objetivo do segmento beneficiário das políticas de incentivo a pequena agricultura não esta vinculado a um projeto societário, sobretudo a garantia de condições mínimas para a concorrência no mercado econômico e venda de suas mercadorias. Conforme a teoria social marxista, novos modos de produção nascem no seio da antiga sociedade. O materialismo histórico e dialético demonstra como a contradição entre as forças produtivas e as relações sociais de produção se expressam como fundamento material para a luta de classes, e são a força motriz para a evolução social. O desenvolvimento das forças produtivas desempenha um papel fundamental neste processo, pois ao mesmo tempo que é desenvolvida através do aprimoramento do trabalho do homem, as técnica de trabalho aprimoram concomitantemente as relações sociais para a realização da produção e reprodução da vida, por meio das forças produtivas. Este aprimoramento se refere ao desenvolvimento de tecnologias mais avançadas, que proporcionam o alargamento da produção de insumos para a sobrevivência humana, o que implica na redução do tempo de trabalho humano necessário para desempenhá-la. Verificamos que a produção agrícola em pequena escala não representa este desenvolvimento, pelo contrario, aponta para alternativas que se aproximam dos processos da natureza, num estagio em que a humanidade já possui maior controle desta do que vice e versa. Nesse contexto, mesmo quando se apropriam de tecnologias, pela carência econômica, este segmento não obtêm acesso aos instrumentos mais modernizados, o que impede o desenvolvimento e alargamento de sua produção. Para se mantiver na concorrência de mercado, precisam do subsidio do governo, e mesmo assim, se aliar a demais agricultores através de cooperativas e associações para vender seus insumos em maior escala e ao mesmo tempo, compartilhar de instrumentos e maquinário para melhorar sua produção. Assim, percebemos a existência de um modo de produção que não corresponde com o atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo. Diferentemente, aproxima-se em maior proporção a uma organização social anterior a este, ao feudalismo. A partir desta constatação, podemos afirmar a irrelevância da chamada agricultura familiar para o processo de revolução social, no que se refere ao desenvolvimento das forças produtivas, e também na direção das políticas governamentais para este segmento. Como já constatado, ao reclamarem apoio governamental para sua produção, os pequenos agricultores não o fazem questionando o sistema capitalista, apesar de ter essa aparência, pois na realidade, estão questionando a concorrência e a acumulação que os derrota. Em relação à base real da economia capitalista, os programas de apoio à Serviço Social: direitos e políticas sociais 201 Série Sociedade e Ambiente agricultura familiar, como são chamados, além de contribuírem para a sobrevivência dos pequenos agricultores e combate a pobreza rural, que contem sua importância para a manutenção do modo de produção capitalista, contribui para o protelamento do processo de revolução social. Ademais, como visto anteriormente, a pequena burguesia agrária não se constitui na classe revolucionária, diferente do proletariado. A sua permanência e manutenção esta na contramão do processo social de transição de um modo de produção a outro. Este processo se realiza através do desenvolvimento das forças produtivas, fator material responsável para o desenvolvimento geral da sociedade humana, e é a “contradição entre as forças produtivas e as relações sociais de produção como o fator responsável pelo desenvolvimento das lutas de classe que conduzem à transição de um modo de produção a outro” (GERMER, 2001, 121). No contexto da sociedade capitalista, as classes em contradição são o proletariado e a burguesia. Isso implica num atraso histórico e social, e constitui-se numa estratégia de profundo interesse da classe detentora da propriedade dos meios de produção. Isso porque estas políticas contribuem para a manutenção por maior espaço de tempo do modo de produção capitalista, e consequentemente, no atraso do processo de revolução social, e assim, atraso no alcance de uma organização social mais avançada, em conformidade com o projeto social do proletariado. Podemos comprovar o caráter passageiro dos modos de produção através dos dados materiais do desenvolvimento da humanidade e das forças produtivas. Considerando o papel revolucionário do materialismo histórico e dialético, se faz necessário identificar os indícios do novo modo de produção imbricado na presente organização social, para desenvolver ações revolucionárias que apontem para um modo de viver mais justo e ancorado pelos interesses da classe responsável pelo processo de produção e reprodução da vida, o proletariado. 5.4 O FORTALECIMENTO DO PAA ESTA ALINHADO AOS PRINCÍPIOS ÉTICOS DE LIBERDADE E OPÇÃO POR PELA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ORDEM SOCIETÁRIA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO ASSISTENTE SOCIAL? A partir das constatações concluídas até aqui, percebe-se que os objetivos do Programa de Aquisição de Alimentos estão em contradição com os princípios do Código de Ética Profissional do Assistente Social que se referem à liberdade,entendida como condição material para a escolha entre alternativas concretas, e que esta forma de produção não contribui para a construção de uma nova ordem societária. Os pequenos agricultores só conseguem a permanência da sua produção por meio do apoio do Estado através dos programas governamentais de apoio a agricultura familiar, entre eles o PAA. Sem as mesmas políticas, esses produtores rurais não conseguiriam sequer se manter no mercado capitalista. Outro fator limitador da pequena produção, é as quedas dos preços médios das mercadorias, fato comum na economia, nas quais encontram como único comprador o Estado, que realiza aquisição de alimentos e na sequência a sua doação, as instituições sócio-assistenciais. Percebemos aí fatores extremamente desfavoráveis aos pequenos agricultores, que ao mesmo tempo, não contribuem em nada para a superação deste modo de produção, pautado na propriedade privada dos meios de produção e exploração da força de trabalho assalariada. O processo de compreensão com este tema não é simples, e necessita de mais aproximações teóricas. Mas se constitui em matéria fundamental para Serviço Social: direitos e políticas sociais 202 Série Sociedade e Ambiente a interpretação das relações sociais de produção agrícola brasileira, bem como em instrumento de interpretação da realidade material, para um efetivo processo de transformação social no âmbito da produção social da vida. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho aqui apresentado faz parte das experiências práticas e teóricas acumuladas durante a realização de estágio de graduação no Ministério Público do Estado do Paraná, no acompanhamento da execução da Política Estadual de Segurança Alimentar no Paraná. O fator que proporcionou a problematização desta experiência foi à apropriação de algumas categorias teóricas marxistas, sem as quais não teria levantado tais contradições. Durante este período, se realizou inúmeras aproximações com o tema e me surgiam respectivamente, inúmeras outras indagações sobre os fatores determinantes que impediam o avanço desta política, que do ponto de vista do Estado, se constitui em estratégia de importante relevância para a promoção de renda dos pequenos agricultores e produção agrícola na perspectiva do DHAA. Nesse contexto compreendeu-se que esta política foi criada por requisição dos movimentos populares camponeses, mas também, contraditoriamente, porque se constitui em interesse econômico e de alternativa de contenção social pela classe dominante. A emancipação humana e plena expansão dos indivíduos em sociedade não são possíveis no modo de produção capitalista, pois as pessoas estão imersas em deveres e convenções, que ultrapassam sua vontade. Isso não se refere à vontade de trabalhar, pois este elemento é condição material para a sobrevivência humana. Esta referencia é sobre a divisão justa dos bens produzidos socialmente entre os seus produtores, a classe trabalhadora, e o acesso por todos os seres humanos as condições mínimas para o alcance e possibilidade de escolha entre alternativas concretas. Ou seja, comprovou-se que a concepção materialista da história permite compreender as leis de desenvolvimento da sociedade e assim, demonstra de forma científica como o modo pelos quais os homens realizam a manutenção da vida determinam todos outros aspectos da vida social, e como a vida material determina a consciência intelectual. As indagações ainda não foram sanadas, e provavelmente nunca serão, contudo o resultado desta pesquisa foi satisfatório para uma primeira compreensão da questão agrária em sua particularidade, em especial na reprodução das relações de trabalho dos agricultores. Ao mesmo tempo, a pesquisa proporcionou a aproximação da realidade compreendida no movimento de totalidade da infra-estrutura capitalista, por elucidar suas configurações e os embates dos segmentos de classe, inclusive os decorrentes das relações de trabalho no meio rural. Nesse contexto, foram elucidados os interesses de quais segmentos de classe o Estado foi criado para atender, além da manutenção dos elementos que fundam seu poder. A concepção materialista da história, aquela que permite compreender as leis de desenvolvimento da sociedade e detêm a dialética como instrumento universal, demonstra de forma científica como o modo pelos quais os homens realizam a manutenção da vida determinam todos outros aspectos da vida social, como a vida material determina a consciência intelectual. Esta pesquisa não esta acabada, e existem demais temas a serem abordados para compreender a totalidade do processo de produção agrícola no modo de produção capitalista, e sua relação com os princípios éticos e políticos dos Assistentes Sociais. Serviço Social: direitos e políticas sociais 203 Série Sociedade e Ambiente Restaram ainda, elementos para compreender qual a relação do apoio à agricultura familiar pelo Estado e a Política de Reforma Agrária, ação da qual se organizava como atividade contestadora da ordem burguesa pelos movimentos sociais do campo, e que foi incorporada pelo Estado e agora se constitui em política pública de distribuição de propriedades rurais sem função social. Aí esta mais uma representação dos instrumentos que o Estado opera para a reprodução dos interesses da classe dominante. Ele não se constitui num aparelho acima da sociedade criado para garantir a ordem e o direito formal de todos os cidadãos, mas sim para a manutenção da relação social de produção vigente, através do convencimento e legitimação da norma estabelecida, ou repressão daqueles que a violam. Como que por um determinado espaço de tempo o projeto de reforma agrária e as ocupações de terra eram tratados como casos de polícia, e agora se constituem em políticas governamentais? REFERÊNCIAS BARROS, A. J. S. e LEHFELD, N. A. S. Fundamentos de Metodologia: Um Guia para a Iniciação Científica. 2 ed. São Paulo: Makron Books, 2000. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso 23/11/2013. em: em: __________. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006(a). Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em: 23/11/2013. __________. 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Serviço Social: direitos e políticas sociais 206 Série Sociedade e Ambiente A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E OS IMPACTOS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO(A) ASSISTENTE SOCIAL Romilda Aparecida da Silva Cleci Elisa Albiero RESUMO Este estudo focaliza o trabalho dos Assistentes Sociais a partir da reflexão sobre os impactos decorrentes da legislação que implantou o regime de trabalho de 30 horas semanais sem redução salarial. O método utilizado é exploratório a partir de entrevistas realizadas com assistentes sociais que trabalham em instituições privadas. As entrevistas foram analisadas a partir do referencial da Análise de Conteúdo, tomando como base os referenciais históricos que fundamentaram a proposta da Lei 12.317/2010. Os resultados confirmam a precarização do trabalho, abordada por autores que tratam da análise do trabalho, indicando a necessidade de aprofundamento teórico para subsidiar o avanço nas discussões sobre a atuação profissional, bem como a sinalização para o papel de articulador exercido pelos conselhos de classe. Palavras-chave: Redução da jornada de trabalho. Serviço social. 30 horas. Precarização do trabalho. Serviço Social: direitos e políticas sociais 207 Série Sociedade e Ambiente INTRODUÇÃO O tema específico deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) versou sobre a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, sem redução salarial para os(as) profissionais do Serviço Social, conforme estabelecido na Lei 12.317/2010. O assunto gera polêmica, por existir divergências de opiniões entre os(as) profissionais quanto aos benefícios efetivos que a lei promoveu à essa categoria. A aprovação e implantação da lei ainda não é tratada como um tema relevante, assim, merece a promoção de espaço para debates nos encontros acadêmicos, fóruns e outras atividades propostas pela categoria. Nesse sentido, este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) partiu de diálogos, indagações e questionamentos sobre o tema, realizados no período de formação superior no curso de Serviço Social da Faculdade Bagozzi entre os(as) professores(as) do curso, a orientadora de campo de estágio (Instituto Alvorecer), e os(as) colegas de sala de aula e outros(as) profissionais do Serviço Social. Nessas conversas também se percebeu a falta de entendimento no que se refere a lei, podendo ser decorrente do pouco tempo de vigência, ou pelas condições da operacionalização nos trâmites de criação e implantação. A luta por redução de jornada de trabalho não é um movimento contemporâneo, Marx e Engels já relatavam os embates travados pelo proletariado por melhores condições no trabalho e limite do cumprimento da jornada. Então percebe-se que a questão da jornada de trabalho trata de um processo histórico da classe trabalhadora, desde o surgimento da fase industrial americana e na Europa (BEHRING; BOSCHETTI, 2007). De acordo com Hardman (1980) os primeiros movimentos de combate às longas jornadas de trabalho tiveram sua origem no movimento inglês e norte-americano na luta pela jornada de 08 horas para os adultos, 06 horas para aqueles(as) entre 14 e 18 anos e proibindo o trabalho para crianças menores de 14 anos. A evolução dessa luta enraizou no movimento operário internacional e marcou a origem das manifestações de Primeiro de Maio em todo o mundo. (HARDMAN, 1980) A conquista da redução da jornada de trabalho para 30 horas no Serviço Social tem como pano de fundo uma atuação profissional tensionada pela correlação de forças e principalmente pela característica da profissão, ou seja, uma categoria profissional inserida na divisão socio-técnica do trabalho, cuja força de trabalho é vendida ao capital. Nesse sentido, devem ser consideradas as implicações que são resultantes dessa mudança legislativa, e que podem interferir decisivamente no exercício profissional (IAMAMOTO, 2011). Foi em um contexto de busca por melhores condições de trabalho no Serviço Social, que iniciou a tramitação do Projeto de Lei (PL) 1890/2007 pela redução da jornada de trabalho no Serviço Social, transformado posteriormente no Projeto de Lei Complementar 152/2008. (CFESS, 2011) Boschetti (2011) considera que a redução da jornada de trabalho é benéfica para a categoria, pois contribui para diminuir a exposição cotidiana às questões sociais que mobilizam psicologicamente o(a) trabalhador(a) no exercício profissional, e ainda, impõe limites à exploração do trabalho pelo capital. Antunes (2011) discute que para a análise da redução da jornada de trabalho, alguns fatores devem ser considerados, sendo um deles o contexto histórico social no qual os(as) trabalhadores(as) estão inseridos(as), visto que, no sistema capitalista contemporâneo, os vínculos empregatícios estão cada vez mais precarizados e fragilizados; e os efeitos resultantes de novas configurações trabalhistas podem ser os Serviço Social: direitos e políticas sociais 208 Série Sociedade e Ambiente mais variados e complexos possíveis. Outro aspecto que deve ser considerado, conforme Almeida (1993), é que leis que alteram ou rompem com a rigidez empregatícia estabelecida, também ficam à mercê da prevalência da lógica capitalista. Nesse sentido, também é relevante compreender quais são as limitações e abrangência de uma Lei que reduz o tempo de duração da jornada de trabalho. O posicionamento do Conselho Federal do Serviço Social (CFESS) foi de apoio ao processo de tramitação e aprovação da lei de redução da jornada de trabalho. No decorrer do processo de implantação emitiu algumas notas de esclarecimentos sobre a jornada de 30 horas e sua aplicação nos vários espaços ocupacionais de atuação dos(as) assistentes sociais. O CFESS destacou o empenho realizado em conjunto com os Conselhos Regionais, mas também reconheceu que algumas demandas ultrapassam o seu limite de atuação, conforme informação emitida em nota. Algumas questões que nos sãos remetidas fogem à nossa competência e, portanto, não poderão ser respondidas individualmente, até porque se referem, muitas vezes a situações muito específicas de cada profissional, de sua relação de trabalho, de sua natureza e da especificidade da instituição empregadora. (CFESS, 2011, p. 4). A falta de jurisdição argumentada pelo Conselho Federal em algumas questões profissionais demonstra que a redução da jornada de trabalho para o Serviço Social é um enfrentamento cotidiano da profissão. E esse enfrentamento vai além daqueles que são resultantes das questões sociais , pois os conflitos também ocorrem nos níveis institucionais, nos quais os(as) profissionais estão inseridos(as), como o Estado, o empresariado, e outros segmentos de vínculo empregatício (IAMAMOTO, 2011). Para Boschetti (2011), os(as) assistentes sociais também ficam expostos às mudanças ocorridas no atual mundo do trabalho. Nesse sentido, a autora esclarece que, Embora não se disponha de dados nacionais sobre as condições de trabalho de assistentes sociais, é óbvio que os efeitos da crise, que impacta de modo destrutivo a vida da classe trabalhadora, atinge igualmente os(as) assistentes sociais. Tendências como aumento do desemprego, da terceirização, da informalidade e da prestação de serviços sem nenhum tipo de regulação somam se à destruição de postos de trabalhos tradicionais, com menos empregos na indústria e na agricultura e manutenção ou leve ampliação apenas no setor de serviços. (BOSCHETTI, 2011, p. 561). Esses fatores que afetam a prática dos(as) assistentes sociais, constantemente são motivos de reflexões, discussões e debates nos encontros – seminários, simpósios, congressos - organizados pela categoria, com intuito alcançar coletivamente melhores condições de trabalho. A partir das lutas enfrentadas pela categoria, do posicionamento dos Conselhos profissionais, do caráter constitutivo da profissão e dos teóricos que tratam do tema, o problema de pesquisa definiu-se como: quais são os impactos da redução da jornada de trabalho para os(as) Assistentes Sociais que já estavam inseridos no mercado de trabalho quando ocorreu a sanção da Lei? Para responder às inquietações do problema de pesquisa, as questões norteadoras construídas para este TCC, foram as seguintes: Serviço Social: direitos e políticas sociais 209 Série Sociedade e Ambiente a) Como os(as) assistentes sociais avaliam a lei? b) Quais foram os desdobramentos que ocorreram no cotidiano profissional do(a) assistente social, após a implementação da Lei? c) Como se deu a adequação pessoal/profissional do(da) assistente social com a redução da jornada? Definido o problema e as questões norteadoras, o objetivo geral do trabalho foi analisar os impactos da redução da jornada de trabalho para os(as) assistentes sociais inseridos(as) no mercado de trabalho no período da sanção da lei. Para alcançar as respostas das questões norteadoras foram definidos os seguintes objetivos específicos: a) Analisar a percepção dos assistentes sociais no processo de implantação da lei; b) Verificar o processo de implantação da lei nos espaços organizacionais, identificando as forças que restringem ou promovem a efetivação/consolidação da Lei 12.317/2010, sob a perspectiva dos(as) assistentes sociais. c) Avaliar a repercussão das horas livres para o(a) profissional do Serviço Social. Quanto a relevância deste estudo, esta pode ser verificada pela produção científica restrita sobre a temática, assim existe a necessidade de aprofundamento da pesquisa sobre os processos profissionais de trabalho do(a) assistente social. Foi realizada uma procura no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), digitando a palavra-chave “30 horas no Serviço Social” e foram identificados 09 (nove) trabalhos apresentados na pós-graduação. No sítio eletrônico da Scientific Electronic Library Online (SciELO) foi considerado como palavra-chave “Lei 12317/2010” e foram obtidos como resultado 07 (sete) trabalhos listados. Com relação às profissões que possuem a jornada de trabalho de 30 horas, até o momento foram localizadas somente seis profissões: médicos, auxiliares laboratorista e radiologista, técnicos em radiologia, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais (BOSCHETTI, 2011). Nesse contexto apresentado, considerou-se que este TCC estava permeado de vários questionamentos empíricos, assim esta pesquisa acadêmica tinha por finalidade explorar o tema a partir do olhar dos(as) assistentes sociais, conforme esclarecimento de Bourguignon (2005, p. 109), “A prática da pesquisa no Serviço Social se põe como construção histórica [..] tendo como referência a perspectiva teórico-metodológica crítica que sustenta a produção de conhecimento e a intervenção na profissão”. Para a construção deste TCC foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica e exploratória. De acordo com Gil (2002), a pesquisa bibliográfica permite um período de investigação informal e relativamente livre, no intuito de obter informações e variáveis significativas dos fatos que constituem o objeto de pesquisa. A autora também esclarece, que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de materiais já produzidos, constituído principalmente de livros e artigos científicos. A principal vantagem dessa modalidade de pesquisa está na possibilidade de permitir ao investigador(a) maior abrangência de fenômenos do que aquela que poderia pesquisar diretamente. A pesquisa exploratória complementa a investigação teórica e permite o contato direto com a fonte de dados, que neste estudo, se constitui dos assistentes sociais e sua experiência a ser compartilhada e analisada qualitativamente. A escolha pelo método qualitativo, se deu pela especificidade do objeto de pesquisa, e de acordo com Martinelli (1999), é um método que traz à tona o que os participantes pensam e têm a dizer a respeito do que está sendo pesquisado. Serviço Social: direitos e políticas sociais 210 Série Sociedade e Ambiente Para Minayo (2001) a pesquisa qualitativa é definida como um instrumento que, Responde a questões muito particulares, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2001, p.22). Os sujeitos da pesquisa, foram os(as) profissionais do Serviço Social que já estavam em atividade quando a lei foi sancionada, e atuavam em instituições privadas, na cidade de Curitiba, PR. Os capítulos do TCC foram organizados de acordo com a proposta de estudo do objeto. O primeiro capítulo contextualiza a trajetória histórica do Serviço Social, localizando as primeiras atividades na Europa e no Brasil, o movimento de reconceituação e pós reconceituação (contemporaneidade) da sua prática profissional. Esta reconstituição da trajetória, por meio da revisão bibliográfica, serviu para compreender a gênese e as transformações que ocorreram na profissão. Também serviu para situar o estudo nos momentos sociais, políticos e econômicos que foram significativos para o amadurecimento crítico, filosófico e prático da profissão de Serviço Social. O segundo capítulo tratou da categoria Trabalho numa perspectiva marxista e lukacsiana, situando o Serviço Social na divisão socio-técnica do trabalho no modelo de produção capitalista. Para isso, foi realizada uma breve explanação acerca das diferenças entre valor de uso, valor de troca, trabalho produtivo e improdutivo e o emprego da força de trabalho no setor de serviços. No terceiro capítulo foi abordado o objeto de pesquisa – a redução da jornada de trabalho no Serviço Social em dois tópicos. O primeiro abordou a exposição sobre o tema no contexto da redução da jornada de trabalho para a classe trabalhadora, trazendo algumas contribuições do autor Ricardo Antunes. O segundo tópico foi a contextualização do processo de luta da categoria do Serviço Social, baseado nos materiais de fonte primária, que são uma publicação especial da revista do CFESS, e um texto fragmentado da própria revista da autora Ivanete Boschetti. O quarto capítulo foi construído a partir da pesquisa de campo com os(as) profissionais do Serviço Social que estavam inseridos no mercado de trabalho quando a lei foi sancionada, e com a exposição da metodologia aplicada na realização deste trabalho. As conclusões finais foram realizadas a partir do embasamento teórico realizado, da pesquisa de campo e da análise dos dados coletados. Dessa forma, esperase que os resultados desta pesquisa possam subsidiar informações e oferecer dados científicos para estimular novas reflexões e pesquisas sobre o tema, provocar debates acadêmicos, políticos e sindicais com o CRESS-PR e profissionais envolvidos, fomentar a organização de grupos de orientação trabalhista com vistas ao acompanhamento da implantação/efetivação do cumprimento da lei (observatórios locais). Serviço Social: direitos e políticas sociais 211 Série Sociedade e Ambiente 1 SERVIÇO SOCIAL Neste capítulo é apresentada a trajetória socio-histórica do Serviço Social, a partir das primeiras atividades desenvolvidas na Europa e no Brasil. A vertente de uma atuação americana, não foi objeto de aprofundamento teórico. A breve contextualização histórica do Serviço Social esclarece como se deu o início da prática profissional do assistente social, a partir do surgimento do capitalismo. 1.1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL De acordo com a autora Martinelli (1995), o desenvolvimento do capitalismo em alguns países da Europa a partir do século XV, acentuou a descaracterização da sociedade medieval e a desintegração do modo de produção feudalista. Os donos de terra se transformaram em comerciantes, e com livre acesso nos burgos passam a controlar o mercado urbano, e dessa forma, os centros de poder começam a se deslocar dos feudos, fazendo do comércio, a base da sua riqueza. A autora relata que nos séculos XVII a XIX, o capitalismo em sua fase mercantil e industrial, aliada a importantes invenções (máquina de tear, máquina a vapor, ponte de ferro) cria condições favoráveis para a sua livre expansão. Na mesma medida em que o capitalismo avança nesse processo de consolidação, os trabalhadores vão sendo arrastados para a pauperização e miséria em massa. (MARTINELLI, 1995) As relações de produção vão se estabelecendo pelo antagonismo e contradição, personificando-se em classes distintas entre capitalista e proletariado, ou seja, “entre os que possuem os meios de produção social e empregam o trabalho assalariado e os que não tendo meios de produção próprios são obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver”. (MARX, 2011, p. 39) Na metade do século XIX, com o capitalismo já em desenvolvimento, impregnado pela mercantilização, fortalecia o poder da burguesia que se unia cada vez mais na sua marcha expansionista. A pauperização do proletariado se dava na mesma intensidade que a concentração de riqueza nas mãos da classe dominante. No entanto, em sentido contrário ao da expansão burguesa, o proletariado também estava se organizando para opor-se à dura realidade em que se encontrava. A classe trabalhadora uniu-se em torno dos objetivos comuns, realizando movimentos de protesto, ações de resistência e manifestações em massa na luta pela sobrevivência. (MARTINELLI, 1995) Martinelli esclarece que esse contexto fornece os elementos constitutivos da oposição entre as classes capitalista e proletária, “[...] as próprias condições de dominação impostas pelo capitalista, constituíam elementos para a identidade da classe trabalhadora, como também estímulos para o desenvolvimento da consciência como categoria histórica e social” (MARTINELLI, 1995, p. 46). No entanto, os crescentes movimentos de oposição realizados pelo proletariado, resultaram em uma série de preocupações entre os burgueses. E num esforço conjunto entre capitalismo e Estado, a burguesia busca estratégias para manter intocável seu domínio e hegemonia (CARVALHO, 1980). Para Carvalho, (1980) o capitalista apoiado nas experiências anteriores das sociedades pré-capitalistas, quando as relações sociais eram baseadas na sujeição, e as práticas assistenciais eram uma forma de ratificar essa sujeição, identificaram no ideário da filantropia a melhor estratégia para o controle da classe proletária. Assim, uniu-se ao Estado e a Igreja para se valer desse mecanismo e dar legitimidade à ordem burguesa, e racionalizar a prática social. Serviço Social: direitos e políticas sociais 212 Série Sociedade e Ambiente Para Martinelli (1995) o interesse do capitalista com essa prática estava diretamente ligado à manutenção e rigoroso controle da classe trabalhadora. Tornava-se imperioso criar novas formas de assistência, capazes de ganhar a aceitação da classe trabalhadora. Era preciso criar a ilusão de que havia um paternal interesse da classe dominante e do próprio Estado Burguês pela classe trabalhadora, ocultando-lhes as reais intenções da prática assistencial que lhe era dirigida (MARTINELLI, 1995, p. 84). É nesse contexto que se origina o Serviço Social, como um projeto de hegemonia burguesa, e força repressora com a finalidade de realizar o controle social e manter a autopreservação do capitalismo. Assim, atendendo às determinações dominantes, as práticas de assistência eram realizadas de acordo com os interesses hegemônicos, como importante instrumento de coerção e dissimulação das ações capitalistas. (MARTINELLI, 1995). Entende-se que a gênese do Serviço Social está pautada nos interesses burgueses, com caráter doutrinário e moralista, e essa característica da profissão, Guerra (1999, p. 66) esclarece como uma “funcionalidade à ordem burguesa, onde a base da sua legitimidade está nos interesses da burguesia”. Outros autores(as) também consideram que o surgimento do Serviço Social advém de uma demanda capitalista. Para Martinelli (1995, p. 66), “Serviço Social é uma criação típica do capitalismo, engendrada, desenvolvida e colocada permanentemente a seu serviço” [...]. Para Iamamoto (1982, apud FALEIROS, 2007) o Serviço Social numa perspectiva conservadora cumpre uma função de controle para garantir a legitimação da classe dominante. Também Paulo Netto (1992, apud FALEIROS, 2007), considera que o Serviço Social responde à lógica do capital monopolista. Dessa forma, a ideologia burguesa se instala na prática do(a) assistente social, impondo limites na sua atuação, esvaziando e subordinando a profissão cada vez mais à lógica capitalista. (MARTINELLI, 1995) A tendência centralizadora capitalista não se esgota e de meados do século XIX até a terceira década do século XX foi profundamente marcado pelo liberalismo, onde o processo produtivo do trabalho era sustentado pelo “princípio do trabalho como mercadoria e sua regulação pelo livre mercado” (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 56). As autoras esclarecem que o liberalismo era amplamente difundido pelos economistas David Ricardo e Adam Smith, os quais defendiam que o funcionamento livre e ilimitado do mercado asseguraria o bem-estar social. E a “mão invisível” do mercado, passa a regular a sociedade de acordo com seus interesses e o papel do Estado era uma espécie de mal necessário, servindo apenas para fornecer a base legal que o mercado livre precisava para maximizar os benefícios aos homens (BEHRING; BOSCHETTI, 2007). As mesmas autoras enfatizam que no liberalismo predominava o indivíduo como sujeito de direito e não a coletividade, considerando a naturalização da miséria, a manutenção do Estado mínimo e a ausência de políticas sociais. Dessa forma, nos princípios liberais, coube ao Estado europeu liberal somente a proteção à vida, à liberdade individual e aos direitos de segurança e liberdade. Esse momento de predomínio liberal contribuiu para uma explosão de pobreza nas palavras de Martinelli (1995). Os(as) trabalhadores(as) reagiam à exploração extenuante da sua força de trabalho, expondo de maneira contundente as questões Serviço Social: direitos e políticas sociais 213 Série Sociedade e Ambiente sociais como a prostituição, a mendicância, a drogadição, a miséria, o desemprego e o contingente depauperado de excluídos. As estratégias burguesas para lidar com a pressão dos(as) trabalhadores(as), vão desde a requisição da repressão do Estado, até concessões pontuais na forma de legislação. (BEHRING; BOSCHETTI, 2007) De acordo com Martinelli, as questões sociais resultantes do liberalismo desse período foram a “expansão do exército proletário, a generalização da pobreza, o desemprego e a fome [...]” (MARTINELLI, 1995, p. 65). Decorrente dessa situação, a partir do século XX, houve uma mudança na perspectiva do Estado que passou a “incorporar orientações socialdemocratas num novo contexto socioeconômico e da luta de classes, assumindo um caráter mais social, com investimentos em políticas sociais”. (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p. 63). O surgimento das políticas sociais foi gradual entre os vários países capitalistas, sua implantação dependia muito da organização dos movimentos de trabalhadores. Para Pierson (1991, apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007) o que demarcou a emergência das políticas sociais foram as lutas da classe trabalhadora conquistando num primeiro momento a introdução de políticas sociais, na lógica de seguro social e mais tarde o seguro saúde nacional. Pierson (1991), contextualiza o desenvolvimento estatal nas políticas sociais nesse período liberalista, Entre 1883 e 1914, todos os países europeus implantaram um sistema de compensação de renda para os trabalhadores na forma de seguros; no mesmo período, 11 dos 13 países europeus introduziram seguro-saúde e 09 legislaram sobre pensão aos idosos; e em 1920, 09 países tinham alguma forma de proteção ao desempregado. (PIERSON, 1991 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 67). Behring e Boschetti (2007) relatam que o enfraquecimento do período liberal ocorre a partir de dois movimentos políticos e sociais. Um deles foi o crescimento dos movimentos operários e o outro foi a concentração monopolista do capital. Dessa forma, os pressupostos liberalistas caem na desconfiança, e em paralelo desencadeia a revolução socialista, instaurando uma forte crise conhecida como o crack de 1929. As autoras esclarecem que a crise de 1929 teve seu início no sistema financeiro americano e a partir de 24 de outubro de 1929 alastrou-se pelo mundo, reduzindo o comércio a um terço do que era, resultando na maior crise em escala mundial, que teve duração de um período de três anos (1929 a 1932), o qual ficou conhecido como a “Grande Depressão”. (BEHRING e BOSCHETTI, 2007). Nesse contexto de crise, a burguesia sentindo-se ameaçada, pois as questões sociais avançavam pelas rachaduras do sistema, entendeu que sua única saída para manter a hegemonia era estabelecer estratégias de controle mais qualificadas. Assim, a burguesia não só ampliou as bases da prática de assistência, como também estabeleceu novos padrões de eficiência, eficácia. E aliada com a Igreja e o Estado, “assumiu a direção da prática da assistência, fazendo da Sociedade de Organização da Caridade e de seus agentes, os guardiões da ‘questão social’” (MARTINELLI, 1995, p. 87). A autora esclarece que, os agentes dessa Sociedade de Caridade, transitando entre as demandas do capital e do trabalho e com influência presente em todas as práticas assistenciais, não só inglesas como também europeias, eram marcadas pela ausência da sua dimensão social e impregnada pela ideologia capitalista, distanciada da luta coletiva dos trabalhadores e subordinada cada vez mais à lógica burguesa (MARTINELLI, 1995). Serviço Social: direitos e políticas sociais 214 Série Sociedade e Ambiente 1.2 SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL Com a alteração do perfil econômico brasileiro, a partir do capitalismo industrial, e a transição do trabalho escravo para o trabalho livre nas grandes unidades agrárias, promoveu-se mudanças na conjuntura estrutural, como também se delineou novas relações sociais no país. (PRADO JR., 1991, apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007). Conforme Prado Jr. (1991, apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), a adaptação do sistema colonial aos novos tempos, condicionada pelos dinamismos do mercado mundial, resultou uma situação de extrema miséria no país, em virtude das dificuldades de inserção dos antigos escravos aos novos campos de trabalho. Além dessa questão, os operários já inseridos no mercado de trabalho brasileiro, sofriam as mesmas condições precárias de trabalho dos operários europeus, como as longas jornadas de trabalho, baixa remuneração e a execução de tarefas rotineiras e extenuantes (CARMO, 1998). Esse autor relata que o desenvolvimento capitalista brasileiro acirrou a desigualdade entre capital e trabalho, resultando no aumento das questões sociais, como pobreza, falta de educação e direitos de proteção trabalhista. Com o descontentamento da classe operária no país, os movimentos sindicais com características anarcosindicalistas, formados na sua maioria por imigrantes, iniciaram ações de oposição à exploração burguesa (CARMO, 1998). Na década de 1930 o Brasil foi caracterizado por mudanças no quadro político, econômico e social. Com a finalidade de consolidar o salto econômico já iniciado pela burguesia, ocorre a expansão do polo industrial brasileiro. O novo setor urbano converge para o Estado a responsabilidade do exercício da pressão e controle de quaisquer manifestações contrárias à classe dominante, e a democracia burguesa tornase uma democracia restrita e funcional somente para aqueles que têm o acesso a ela (FERNANDES, 1987, apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007). Nesse contexto do processo de estruturação do capitalismo brasileiro, alteração do perfil da força de trabalho e da organização dos movimentos sindicais é que se dá o início às primeiras ações do Serviço Social no Brasil, originário da Igreja Católica e fruto da iniciativa particular de grupos de vários setores burgueses, diretamente vinculados ao processo histórico do surgimento do capitalismo industrial (CARVALHO, 1980). Carvalho (1980) explica que o Serviço Social é resultado da necessidade do controle da exploração da força de trabalho pela classe dominante, num período em que burguesia, Estado e Igreja precisam legitimar a exploração da nova classe trabalhadora. O autor também esclarece que no início, as ações do Serviço Social possuíam uma base bem delimitada, com cunho doutrinário que tinha por objetivo, ir ao povo para libertá-lo das influências socialistas, capazes de violar a harmonia estabelecida pela classe dominante. E como o Serviço Social no Brasil estava atrelado à hegemonia capitalista, este servia como um departamento especializado da ação social e católica para coerção e manipulação do proletariado. Assim como nos países da Europa, o Serviço Social possuía um caráter marcadamente capitalista a serviço da burguesia, e a ética que lhe dava sustentação era conferida por uma conotação política e ideológica. Nesse sentido, a utilização dos métodos e técnicas do Serviço Social, sob a influência da Igreja, serviram para tornar mais efetivo as ações das classes dominantes (MARTINELLI, 1995). No período de 1934 e 1935 a conjuntura brasileira é marcada pela recessão econômica, pelo crescimento numérico do proletariado, pelo adensamento das questões Serviço Social: direitos e políticas sociais 215 Série Sociedade e Ambiente sociais e pelas crescentes mobilizações reivindicatórias da classe trabalhadora, organizadas pelo sindicalismo autônomo Aliança Nacional Libertadora. (BEHRING e BOSCHETTI, 2007) Como estratégia de repressão ao aumento desses movimentos, o Estado (governo Vargas) com a ajuda da polícia realiza ações de enfrentamento aos movimentos operários radicalizados, conforme esclarecem Behring e Boschetti (2007, p. 106) Após 1935 [...] com uma forte iniciativa política: a regulamentação das relações de trabalho no país, buscando transformar a luta de classes em colaboração de classes, e o impulso à construção do Estado social, em sintonia com os processos internacionais, mas com mediações internas particulares. Outra estratégia que se transformou em poderoso instrumento para essa finalidade de controle foi a introdução da política social no Brasil, por meio de legislações trabalhistas e sociais. Nesse sentido, foram criados o Ministério do Trabalho, da Educação e da Saúde Pública, e dois anos mais tarde a Carteira de Trabalho passa ser o documento de cidadania no Brasil (BEHRING e BOSCHETTI, 2007). Para Carvalho (1980), o Estado, “em nome da harmonia social, do desenvolvimento e da colaboração entre classes”, vai procurar repolitizar e disciplinar a classe trabalhadora. E, por meio da legislação trabalhista, sindical e previdenciária desenvolve mecanismos de dependência e controle dos interesses e reivindicações proletárias. Para ele, o Serviço Social tanto na Europa, como no Brasil foi um importante aliado do capitalismo, e os procedimentos materiais desenvolvidos pela prática assistencialista ou de “caridade”, ganham no plano político maior eficiência, principalmente na forma ideológica. O equipamento assistencial desenvolvido pela igreja e pela filantropia, não se caracterizará apenas como uma forma nova de caridade. Mas principalmente como uma forma ideológica, que se baseia [...] no enquadramento das populações pobres e carentes, o que engloba o conjunto das classes exploradas. (CARVALHO, 1980, p. 60). Carvalho (1980) também chama a atenção para as características atribuídas ao Serviço Social no Brasil, como o autoritarismo, o paternalismo e o doutrinarismo, influências dos modelos europeus que marcam a base técnica das primeiras escolas que se formam em São Paulo e Rio de Janeiro. Nesse sentido, a reorganização do catolicismo, que serviu de base para o Serviço Social no Brasil, tem profunda influência do modelo europeu, e os núcleos pioneiros têm uma base social e especificidades bem definidas pelo bloco católico. Caracterizado como um movimento formado por mulheres integrantes da classe dominante e militantes no meio católico, propensas a realizar atividades que exigem sensibilidade, como a educação, a caridade, o bom senso (CARVALHO, 1980). Com relação a profissionalização do Serviço Social, Almeida (1980) esclarece que isso ocorreu em virtude do processo de industrialização-urbanização no qual o Brasil estava inserido, e o Estado passou a exigir profissionais qualificados para realizar Serviço Social: direitos e políticas sociais 216 Série Sociedade e Ambiente a intervenção social, junto à classe trabalhadora. Nesse período o Serviço Social já estava desenvolvendo atividades profissionais nos espaços públicos, como o Departamento da Assistência Social e no Serviço Social de Menores. No ano de 1938, por meio do Decreto Lei nº 525, de 01 de julho de 1938 a profissão organizou-se estruturalmente para dar atendimento estatal aos desamparados (CARVALHO, 1980). No entanto, Martinelli esclarece (1995) que, foi no ano de 1942, a partir da Legião Brasileira de Assistência (LBA), criada sob o impacto da II Guerra Mundial, na gestão do Presidente Getúlio Vargas, que o Serviço Social promoveu a abertura para a assistência social. A definição do Serviço Social como profissão liberal, somente aconteceu em 19 de abril de 1949, sob a Portaria nº. 35. E o ensino da profissão em âmbito federal, ocorreu somente na década de 1950, por meio da Lei nº 1889 de 13 de julho de 1953 e sancionada em 02 de abril de 1954. Dessa forma, as práticas assistenciais realizadas ao longo desse período, reproduziam a política social concebida a partir do Estado liberal burguês e a atuação profissional realizada por agentes da classe dominante, tornavam ainda mais rigoroso o controle capitalista aos movimentos trabalhistas (MARTINELLI, 1995). Realizando a complexa tarefa de tentar conciliar o inconciliável, promovendo o ajustamento entre o capital e o trabalho, ou criando formas ideológicas de anular as reivindicações coletivas, esvaziando-as de sua realidade política, os assistentes sociais eram muito úteis ao sistema capitalista. Os mesmos motivos que determinavam a aproximação à burguesia, explicavam o distanciamento da classe trabalhadora (MARTINELLI, 1995, p. 129). Martinelli (1995) retrata que nessa fase do Serviço Social, o Estado capitalista que o criou, lhe atribuiu uma identidade possuída de fetiche na sua prática, levada por um esvaziamento tanto político quanto social, distanciando os(as) profissionais das demandas da classe trabalhadora. E essas atitudes, impediam que ao(à) assistente social, qualquer possibilidade de reflexão e crítica para o exercício profissional. Para a autora “a ausência de identidade profissional, de projeto profissional específico, produzia uma grande fragilidade em termos de consciência”. (MARTINELLI, 1995, p. 130). Assim, mergulhada nessa alienação e fetiche da sua prática, a profissão não conseguia tomar consciência das contradições que a envolviam, como também não podia superá-las. Para Iamamoto (1995), o Serviço Social surge e se expande marcado pelo “vínculo com o Estado e a Igreja”, numa prática de serviços na dimensão pedagógica. (IAMAMOTO, 1995, p. 72). Nesse sentido, evidencia-se que a prática profissional dos(das) assistentes sociais eram norteadas pelas ações conservadoras e coercitivas, destituída de referencial histórico-crítico, com a finalidade da manutenção e reprodução das relações sociais de exploração. A partir dos meados dos anos 1960, a pobreza vai se propagando e adquirindo maior visibilidade, e aqueles trabalhadores que se encontravam fora do mercado de trabalho, passaram a ser excluídos ainda em maior escala, colocados à margem do sistema econômico e estigmatizados pelo “estado de pobreza”. O exército de reserva e a massa de indigentes revelavam a face da pobreza, e a ascensão da ditadura e do cerceamento da liberdade produziam um quadro de tensão permanente. Historicamente, a América Latina na década de 1960 forjou o movimento de crítica e questionamento da realidade social e da prática profissional. Nesse processo de Serviço Social: direitos e políticas sociais 217 Série Sociedade e Ambiente engajamento na (des)construção do exercício profissional no Serviço Social, José Paulo Netto (2007) na obra “Ditadura e Serviço Social realiza algumas ponderações. Para o autor, o tensionamento das estruturas sociais do mundo capitalista ganhou uma nova dinâmica. Com o intuito de desacelerar o crescimento econômico, vários segmentos da classe trabalhadora se organizam em categorias específicas para realizar reivindicações seja no âmbito de gênero, meio ambiente social e natural ou direitos emergentes. Como resultado desses movimentos, alguns colocam em dúvida o Estado burguês; e os movimentos mais radicais negam a ordem burguesa e o seu estilo de vida. Esse contexto, de acordo com Paulo Netto (2007), é o cenário mais adequado para a contestação das práticas profissionais do Serviço Social. Iamamoto (1995) também pondera sobre esse momento de questionamento do exercício profissional, afirmando que é a partir da crise econômica no Brasil, que se inicia o rompimento das práticas conservadoras da profissão, gestados num processo ressignificação da prática do Serviço Social. Para a autora, esse momento não só ameaça o poder hegemônico, como também insere a profissão num outro nível de consciência. Para Batistone (1995), foi a crise do “milagre” que revelou as contradições internas capitalistas, onde trabalhadores assalariados e pequenos burgueses são inseridos no mesmo processo de pauperização, fazendo com que sejam colocadas em dúvida não só as ações do Estado, como também a hegemonia burguesa. Esses fatores refletiram significativamente na categoria dos(as) assistentes sociais, levando-os a se (re)organizar “numa nova perspectiva política e ideológica” (BATISTONE,1995, p. 94). A partir dessas mudanças, desvelando a consciência da contradição, não há mais como o Serviço Social permanecer na prática alienada e alienante e o rompimento com o modelo anterior passa a ser imperativo. Martinelli (1995) afirma que para assumir tal tarefa era indispensável lutar pela destruição desse mundo de aparências. Realizar uma trajetória dialética, apoiada em um pensamento críticoreflexivo, através do qual as criações fetichizadas do mundo reificado se dissolvem e se perdem na sua enganosa rigidez, permitindo que se revele o mundo real. Trata-se, portanto, de uma práxis crítico-revolucionária, que tem necessariamente a dimensão do coletivo, do histórico-social, preservando, porém, o espaço da singularidade. (MARTINELLI, 1995, p. 138). Assim, numa relação complexa, dialética e contraditória, vivenciada pelos agentes do Serviço Social dá-se o início ao Movimento de Reconceituação do Serviço Social. Martinelli (1995) destaca que no decorrer dos acontecimentos, e na medida em que os agentes vão se libertando da alienação capitalista, revelam-se as relações de exploração, controle e poder da hegemonia dominante. Assim, a partir da tomada de consciência de tempo e das condições históricas da profissão, os(as) assistentes sociais com perspectiva crítica procuraram somar esforços para romper as práticas marcadas pelo caráter da ordem, da moral e do controle da classe trabalhadora. 1.3 O PROCESSO DE RECONCEITUAÇÃO NO SERVIÇO SOCIAL O Serviço Social desde sua gênese foi utilizado como estratégia capitalista, para controle e coerção da classe proletária, e a prática interventiva dos(as) profissionais era realizada numa perspectiva imediatista e alienada, que impossibilitava ao profissional qualquer reflexão ou organização enquanto categoria trabalhadora Serviço Social: direitos e políticas sociais 218 Série Sociedade e Ambiente (MARTINELLI, 1995). A autora esclarece que foi “criando e recriando o fetiche da prática e produzindo ações delimitadas pelo interesse da burguesia, que os agentes sociais eram cada vez mais aprisionados pelos tentáculos da alienação” (MARTINELLI, 1995, p. 128). O processo de renovação da prática do(a) assistente social foi árduo, pois a ausência de elementos fundamentais para a consciência de classe, impunha ao Serviço Social uma situação de fragilidade, ou seja, ausência de identidade, de poder organizativo político e social da profissão (MARTINELLI, 1995). Paulo Netto (2007) esclarece que até meados de 1960 o Serviço Social no Brasil revelava uma relativa homogeneidade nas suas práticas interventivas, sugerindo uma grande unidade nas suas propostas profissionais. O quadro de intenção de ruptura ao conservadorismo é expresso pelo esforço da categoria do Serviço Social em reconhecer as contradições de classe buscando colocar-se a serviço dos interesses dos usuários, ou seja, dos setores dominados pela sociedade capitalista. Portanto era necessário que o(a) assistente social fizesse uma opção teórico-prática por um projeto coletivo de sociedade, com vistas a (re)construir o conhecimento dos objetos, dos fenômenos sociais com os quais propunha relação, como também identificar cientificamente a teoria subjacente que norteasse sua prática profissional (LOPES, 1980). Netto (2007) aborda essa intenção de ruptura referenciada por Lopes (1980), esclarecendo que o ponto culminante que deu início à esse movimento foram as novas condições postas pela autocracia burguesa relacionada à formação e ao exercício profissional dos(as) assistentes sociais. De acordo com Paulo Netto, o movimento de renovação da profissão foi precipitado pelo “desenvolvimento das relações capitalistas durante a ‘modernização conservadora’ e só é apreensível levando em conta as suas incidências no mercado nacional de trabalho e nas agências de formação profissional” (NETTO, 2007, p. 128-129). Iamamoto (2008) relata que a autocracia burguesa tinha por finalidade atender as demandas do cenário desenvolvimentista que se apresentava, tanto político como econômico, assim passou a exigir do Serviço Social uma nova prática profissional. E aqueles que realizavam suas atividades numa perspectiva de caridade e ajuda tiveram que se aperfeiçoar no que se refere ao instrumental operativo, ou seja, metodologias de ação, padrões de eficiência, sofisticação de modelos de análises, diagnóstico e planejamento (IAMAMOTO, 2008). Essas novas demandas do capital, associadas com o crescimento da organização dos trabalhadores começam a influenciar um número cada vez maior de profissionais do Serviço Social para a construção da sua nova identidade, como também para a definição do seu posicionamento frente a realidade social e a si mesmo enquanto categoria profissional (IAMAMOTO, 2008). Netto (2007) contextualiza o posicionamento de Iamamoto (2008) da seguinte maneira, [...] instaurando condições para uma renovação do Serviço Social de acordo com as suas necessidades e interesses, a autocracia burguesa criou simultaneamente um espaço onde se inscrevia a possibilidade de se gestarem alternativas às práticas e às concepções que ela demandava (NETTO, 2007, p. 129). Lopes (1980) relata que nesse momento de reformulação, os(as) profissionais do Serviço Social se encontravam diante das mesmas consequências vivenciadas pelos Serviço Social: direitos e políticas sociais 219 Série Sociedade e Ambiente trabalhadores, resultado da crise política e econômica. Assim, o posicionamento crítico vai se tornando possível à medida em que acontece a identificação da profissão com a classe trabalhadora, passando a ser assumido por uma crescente parcela de profissionais do Serviço Social. Como resultado dos questionamentos da década de 1960, o processo de reconceituação do Serviço Social na América Latina é originado, e tem por objetivo “alcançar novas bases de legitimidade da ação profissional do assistente social, reconhecendo as contradições sociais presentes no exercício profissional”. (IAMAMOTO, 2008, p. 35) Netto (2007) também esclarece que outro elemento constitutivo para o processo de renovação no Serviço Social foi a inserção profissional no circuito universitário. Para o autor, mesmo que essa inserção tenha sido no âmbito de um espaço domesticado, seus resultados foram a criação de espaços reflexivos que foram ocupados e utilizados para gerar uma massa crítica. De acordo com Iamamoto (2009) a cientificidade da profissão se deu a partir de demandas do Estado, numa estratégia de renovar as práticas de coerção à classe trabalhadora. A autora também relata os trechos de um dos discursos tendenciosos, proferido pelo Presidente da República Jânio Quadros e Presidente de Honra do Congresso, configurado por um cunho ideológico desenvolvimentista que demandava adequação profissional às novas necessidades desse processo de acumulação e controle. O processo de desenvolvimento a que almejamos enseja a participação do homem na solução dos seus problemas, tornando-o agente de seu próprio bem-estar. É por aí que o Serviço Social se transforma num instrumento de democracia, ao permitir a verdadeira integração do povo em todas as decisões da comunidade. Para tanto, precisa estimular nas populações locais o espírito progressista, a necessidade de criar novos hábitos, novos processos e métodos de trabalho, a fim de, pelo aumento das possibilidades de emprego, melhorar as rendas da família [...]. O processo de desenvolvimento exige, antes de mais nada, mudança cultural, permitindo assimilar novas formas de organização social, ensejando uma nova perspectiva e melhor conhecimento dos problemas econômicos, para sua adequada interpretação e solução. (Excerto do discurso do presidente Jânio Quadros referenciado em IAMAMOTO, 2009, p. 348). No que se refere à organização da categoria, Iamamoto (2009) discorre que o Serviço Social sofreu uma forte influência do movimento da esquerda cristã, formado por lideranças estudantis, católicas e movimentos da classe trabalhadora, pela convivência na formação nas escolas de Serviço Social, ou pelos movimentos estudantis. Para Macêdo (1982), com a introdução da cientificidade do Serviço Social começam a emergir novas correntes filosóficas capazes romper com as práticas positivistas e elevar a profissão para uma perspectiva mais metodológica, e dentre essas correntes estão o marxismo e existencialismo. Para esta autora, essas duas correntes filosóficas se constituíram num meio de atuação adequada às exigências da realidade social em transformação, baseada na relação dialética entre prática e teoria configurando a ação profissional referenciada a uma totalidade social (MACÊDO, 1982). Netto (2007) relata que esse caráter científico que a profissão adquire, resulta na alteração da discussão teórica da profissão, encontrando nos espaços de debates promovidos pela categoria profissional uma ampliação da participação profissional ou Serviço Social: direitos e políticas sociais 220 Série Sociedade e Ambiente uma progressiva problematização das temáticas abordadas. Assim esses encontros se transformam em espaços de polêmica e contradição interna da profissão. Passados os primeiros anos de 1960, tem início a resistência à ditadura, quando os grupos descontentes de pequenos burgueses, e segmentos organizados da classe proletária adentram no cenário político realizando pressão sobre o governo, pois o país era arrastado para a pauperização, miséria, recessão econômica e arrocho salarial resultado do endividamento externo brasileiro (CBAS, 1995). Assim, esses fatores passaram a pressionar a categoria para posicionar-se mais concretamente frente ao debate, e a realidade que se apresentava sensibilizou integrantes da profissão a realizar a revisão da sua prática social no que diz respeito ao objeto, objetivo, ideologia e método (ALMEIDA, 1980). A partir desse momento fica clara a preocupação dos(das) assistentes sociais relacionada ao aperfeiçoamento técnico, e para eles(as) isso representava o problema central para compreender a distância ou aproximação entre a teoria e a prática, resultando o Movimento de Reconceituação do Serviço Social (ALMEIDA, 1980). Almeida (1980) relata que para a compreensão das problemáticas sociais o Documento de Araxá foi de suma importância nesse processo, pois “a linguagem filosófico-científica utilizada nesse documento promoveu conhecimento da dimensão teórica e suas implicações” (ALMEIDA, 1980, p. 104). O documento também revelou uma intervenção construída a partir de termos técnicos-científicos, numa abordagem estrutural inserida num contexto político e econômico. Nesse momento, os(as) profissionais do Serviço Social tentaram realizar sua prática, referenciados por uma perspectiva científica capaz de superar a compreensão ingênua anterior. Nessa tentativa, se procurou invalidar a “legitimidade da perspectiva pragmática ditada pelo Modelo Social Work”, esboçando um modelo problematizado à luz de uma percepção do contexto em que o profissional estava inserido (ALMEIDA, 1980, p. 103). Esses questionamentos ideológicos sofridos internamente na categoria resultaram num processo de aproximação e aliança do Serviço Social com a classe trabalhadora, conforme relata Faleiros (2007, p. 17-18), “Traduzido na construção de um processo de compromisso entre profissionais (intelectuais, na expressão gramsciana) e povo e no trabalho do conflito e da crítica, como base da intervenção em Serviço Social”. Conforme esclarece Netto (2007) o processo de reconceituação do Serviço social está intimamente vinculado ao circuito sociopolítico latino-americano da década de sessenta baseado na funcionalidade profissional na superação do seu desenvolvimento, ou seja, questionando o papel da profissão frente às manifestações sociais, como também, questionando a eficácia das suas ações, a sua legitimidade representativa e o relacionamento da profissão com os novos atores – fundamentalmente formado pela classe dos trabalhadores - que emergiam no cenário político. Nesse aspecto, o autor relata que as demandas que sensibilizavam a categoria logo sofreram retrocessos nas suas ações. De acordo com seu relato, “a perspectiva burguesa da ‘modernização’ por vias ditatoriais ou do seu puro congelamento repressivo acabou por impor-se, derrotando as alternativas democráticas que apostavam nas vias reformista-democrática e revolucionária” (NETTO, 2007, p.147). Iamamoto (2008) explica que esse momento da ditadura militar foi um período de liquidação de direitos já conquistados, entre estes, a greve dos trabalhadores. Para a autora, a implantação de novas estratégias de desenvolvimento, provoca o aumento da miséria de grande parcela da população trabalhadora, como também a desarticulação dos organismos político-reivindicatórios. Serviço Social: direitos e políticas sociais 221 Série Sociedade e Ambiente A autora ressalta que houve incremento de atividades assistenciais, pois essas medidas complementavam a rede de relações autoritárias, centralizadas e dominadas pelo Estado, subordinadas às políticas de estabilidade social e expansão capitalista (IAMAMOTO, 2008). O modelo imposto nesse período tem em vista a adequação do Estado às novas formas de acumulação, assim a política estabelecida no governo populista, voltada para os interesses da classe trabalhadora, se torna secundária e prevalece o apoio financeiro às estatais, multinacionais e privados nacionais (IAMAMOTO, 2009). Esse modelo de gestão ampliou o campo de trabalho dos(as) assistentes sociais, já que a política social foi reduzida na educação, saúde, habitação, e os programas sociais constituídos de investimentos nacional e estrangeiro passam a obedecer à lógica do capital, minimizando custos, e privilegiando a manutenção e reprodução da força de trabalho (IAMAMOTO, 2009). De acordo com Netto (2007) o movimento de reconceituação do Serviço Social esvaziou-se nos anos 1975, deixando como legado: o apoio referencial com a tradição marxista, que a partir desse momento criam-se bases – antes inexistentes, para pensar a profissão sob a perspectiva marxista, inscrevendo-se como um “dado da modernidade profissional” (NETTO, 2007, p. 149); o segundo elemento importante foi o estabelecimento da nova relação dos(as) profissionais com o reconhecimento de uma unidade profissional capaz de responder às problemáticas comuns da América Latina, fator que alterou profundamente a direção e o conteúdo dos debates, reunindo as inquietações e as propostas para a realização de novas intervenções profissionais. Assim, nas palavras de Netto (2007, p. 146), o processo de reconceituação “é sem dúvida, parte integrante do processo internacional de erosão do Serviço Social “tradicional”, portanto, neste sentido partilha das suas causalidades e sentidos”. O autor também ressalta que esse processo colaborou para determinar um novo perfil do(a) profissional do Serviço Social, ou seja, “um agente técnico especializado, como um protagonista voltado para o conhecimento dos seus papéis sociopolítico e profissional, envolvendo exigências teóricas mais rigorosas” (NETTO, 2007, p. 303). Resumindo, o processo de reconceituação e ressignificação do Serviço Social, não só alterou as metodologias técnicas interventivas tradicionais, como também configurou a profissão numa dinâmica, em curso até o momento atual (ano de 2015), legitimada e reconhecida seja pela produção científica, seja pelo exercício profissional e/ou pelo atendimento aos usuários das políticas públicas de assistência social. No entanto, não podemos desconsiderar o alerta de Netto (2007) quando enfatiza que o movimento de reconceituação no Serviço Social foi uma “intenção de ruptura” da sua prática, entendendo que essa renovação da profissão deve ser uma constante. Desse modo, pode-se pressupor que esses(essas) profissionais terão maiores possibilidades de compreender, atuar e articular com os usuários da assistência os encaminhamentos mais integrados no intuito de alcançar melhores condições sociais para a classe à qual pertence, a classe trabalhadora. 1.4 SERVIÇO SOCIAL NO PÓS MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO Os anos de 1970 foram marcados pelo movimento latino-americano de reconceituação da profissão do(a) assistente social desencadeando novas reflexões sobre o caráter e a prática da profissão, com a finalidade de subverter o comportamento clássico de subordinação aos objetivos do capitalismo (KARSCH, 1989). Complementando a fala de Karsch, Netto (2007, p. 257) relata que, Serviço Social: direitos e políticas sociais 222 Série Sociedade e Ambiente Desde o fim da década de cinquenta sinalizavam que a profissão começava a ser permeada por rebatimentos das lutas sociais que apontavam para a problematização do conservadorismo, que inscrito já na sua implantação como prática institucionalizada no país parecia constituir seu caráter congênito e imutável. Carvalho (1983, apud KARSCH, 1989, p. 127) esclarece que o movimento de reconceituação “se realiza no plano das ideias, portanto se apresenta por escrito – e propõe uma nova visão teórica e um novo posicionamento ante a realidade latinoamericana”. A partir de 1978 o Brasil tem um período de “abertura democrática”, acontecendo uma promoção de transformações políticas e sociais, por meio de mobilização de trabalhadores urbanos, organização sindical, movimentos de cunho popular e democrático e protagonismo de intelectuais. A luta nacional pela democracia se dá de encontro com um grupo de profissionais mobilizados na contestação política que cria o quadro necessário para o rompimento do conservadorismo do Serviço Social brasileiro e instauração num novo modelo, o pluralismo político (CFESS, 1993). Nesse contexto de mudanças pós movimento de reconceituação, a década de 1980 foi de grande importância para os novos rumos técnico-acadêmicos e políticos do Serviço Social. A formação e a prática profissional sofreram saltos significativos para o exercício da profissão, o qual foi amplamente discutido ao longo da sua construção (IAMAMOTO, 2015). De acordo com Netto (2007) a partir dos anos de 1982-1983 o movimento de reconceituação se consolida academicamente permitindo à perspectiva de intenção de ruptura uma reserva de forças teórico-metodológicas e ético-políticas para o conjunto da categoria profissional, ou seja, “dá o tom da produção intelectual, rebate na formação de quadros operada nas agências acadêmicas de ponta e atinge as organizações representativas dos assistentes sociais” (NETTO, 2007, p. 267). Esse momento colocado por Netto (2007), o Serviço Social já se encontra na contemporaneidade profissional e favorecido pela conjuntura democrática estabelece uma relação de constantes avanços afirma o seu protagonismo na luta pela democratização da sociedade brasileira. Diante de um contexto de ascensão dos movimentos sociais, das mobilizações e aprovação da Constituição Brasileira de 1988, das pressões populares para o afastamento do Presidente Collor, entre outras, a categoria dos(as) assistentes sociais ativamente participante desses movimentos de luta, demonstrando a base social de reorientação da profissão (IAMAMOTO, 2015). Para Guerra (2007) outro avanço que impulsionou o protagonismo do Serviço Social foi o status atribuído que a assistência social adquiriu no estatuto da Constituição Brasileira de 1988. A autora esclarece que decorrente desse novo patamar adquirido pela assistência social, como um direito dos indivíduos resultam um novo tom nos discursos entre os(as) profissionais do Serviço Social. Essa fala de Guerra é melhor contextualizada por Sposati (1991), A assistência social que, de um lado, era considerada uma política de segundo grau, por se constituir numa prática clientelista, e de favor, e de outro, como estratégia governamental, vinculada aos projetos dos monopólios, passa a ser compreendida na sua contrariedade, como processante do reconhecimento dos direitos sociais pela população excluída (SPOSATI, 1991, apud GUERRA, 2007, p. 142). Serviço Social: direitos e políticas sociais 223 Série Sociedade e Ambiente As grandes modificações no cenário brasileiro foi o condicionante para tornar possível o amplo movimento de renovação crítica da profissão, como também as significativas alterações no campo do ensino, da pesquisa e da organização políticocorporativa dos(as) assistentes sociais. Segmentos importantes da categoria passam a orientar sua atuação, na contramão do trajeto conservador das origens e do desenvolvimento do Serviço Social, imprimindo um perfil único no contexto latinoamericano (IAMAMOTO, 2011). Esse quadro descrito por Netto e Iamamoto serviram como diretrizes norteadoras para a construção do projeto ético-político da profissão, se materializando por meio do Código de Ética Profissional do Assistente Social (1993), na Lei de Regulamentação da Profissão de Serviço Social (Lei n. 8.662/93) e na proposta das Diretrizes Curriculares para a Formação Profissional em Serviço Social (ABEPSS, 1996; MEC-SESu/CONESS,1999). Iamamoto (2011, p. 224) esclarece que a legislação profissional representa uma defesa da autonomia profissional, “porque codifica princípios e valores éticos, competências e atribuições, além de conhecimentos essenciais, que têm força de lei, sendo judicialmente reclamáveis”. Na mesma perspectiva que Iamamoto, Netto (1999) concorda com a importância que os projetos profissionais apresentam na auto-imagem de uma profissão. O autor ainda complementa a fala de Iamamoto (2011), quando coloca que, para que um projeto profissional se afirme na sociedade, ganhe solidez e respeito frente às outras profissões, às instituições privadas e públicas e frente aos usuários dos serviços oferecidos pela profissão é necessário que ele tenha em sua base um corpo profissional fortemente organizado (NETTO, 1999, p. 4). Netto (1999) também esclarece que o sujeito coletivo que constrói o projeto profissional constitui um universo heterogêneo, pois estão intrinsecamente relacionados com as origens, posicionamentos sociais, condições intelectuais, referências teóricas, ideologias políticas, entre outras. Desse modo, por consequência, mesmo um projeto que conquiste a hegemonia nunca será exclusivo. O autor não coloca essas questões numa perspectiva negativa, pois considera que o pluralismo profissional supõe um pacto entre seus membros, um acordo sobre os aspectos que são imperativos e indicativos da profissão. É nesse processo de avanços nas modalidades prático-interventivas, produção de conhecimento e requalificação profissional que foi sendo gestado nos anos de 1980 a construção do projeto ético-político do Serviço Social no Brasil. Também serviram para consolidar as conquistas realizadas, que resultaram na formulação de um novo Código de Ética Profissional no ano de 1986. Na transição dos anos de 1980 para os anos de 1990, o projeto ético-político do Serviço Social no Brasil se configura em sua estrutura básica, tendo em seu núcleo central, o reconhecimento da liberdade como possibilidade de escolha entre as alternativas concretas, vinculada a um projeto societário que “propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero” (NETTO, 1999, p. 15). Sua dimensão política é posicionada a favor da equidade e da justiça social, à universalização do acesso a bens e a serviços relativos à políticas e programas sociais, como também a ampliação e consolidação da cidadania (CFESS, 1993, p. 16). Dessa forma, o Serviço Social vinculou-se a um “projeto societário que, antagônico ao das classes proprietárias e exploradoras, tem raízes efetivas na vida Serviço Social: direitos e políticas sociais 224 Série Sociedade e Ambiente social”, acompanhando a curva ascendente do movimento democrático que tensionou a sociedade brasileira entre a derrota da ditadura e a promulgação da constituição de 1988 (CFESS, 1993, p. 18). Iamamoto (2011) ressalta que o projeto ético-político não foi construído numa perspectiva meramente corporativa, voltada à autodefesa dos interesses específicos e imediatos da categoria, embora abarque as defesas das prerrogativas profissionais e dos trabalhadores especializados, mas estabelece um norte à forma de operacionalização da profissão voltada aos interesses do coletivo. Em outros termos, a operacionalização do projeto profissional supõe o reconhecimento do campo sócio-histórico que circunscreve o trabalho do(a) assistente social, estabelecendo limites e possibilidades nas relações que articulam um conjunto de mediações que interferem nos resultados individual e coletivamente projetados. Entende-se que ao construir um Projeto Ético-Político pautado na construção de uma nova ordem social, os(as) profissionais do Serviço Social também assumem o compromisso de uma atuação no combate à ordem social vigente, criando bases e caminhos direcionados à transformação. Nesse sentido Netto (1999) coloca que há a necessidade do constante fortalecimento do projeto ético-político do Serviço Social, principalmente no que se refere ao combate das políticas neoliberalistas instituídas no país, de modo a preservar e atualizar os valores, enquanto projeto profissional que vai de encontro ao projeto societário que interessa à massa da população. O Serviço Social na contemporaneidade exige um(a) profissional atento(a) às transformações que ocorrem na sociedade, pois o momento presente desafia esses(as) trabalhadores(as) a se qualificarem para “acompanhar, executar e explicar as particularidades das questões sociais, nos níveis municipal, estadual e nacional diante das estratégias das políticas públicas” (IAMAMOTO, 2015, p. 41). Pode-se concluir que o(a) profissional do Serviço Social na contemporaneidade deve realizar a apreensão teórico-metodológico e ético-político afirmando seu compromisso com a cidadania, com a coletividade preservando as conquistas coletivas já efetivadas. Realizar o combate das práticas de exploração, de segregação e preconceito; romper com o teoricismo reacionário e coercivo. 2 SERVIÇO SOCIAL E A CATEGORIA TRABALHO Este capítulo aborda o Serviço Social, inserido na divisão social e técnica do trabalho, sendo o(a) assistente social um(a) trabalhador(a) assalariado(a) e intelectualizado num modelo de produção capitalista, realizando uma breve explanação sobre a categoria trabalho, diferenciando-a entre valor de uso e valor de troca. Mesmo ciente da importância de outros fatores relevantes que constituem o capitalismo, entre estes, a propriedade privada, o salário, a mais-valia e a divisão social no trabalho, optou-se pela inclusão desses itens no decorrer do texto, remetendo essas questões ao mundo atual do trabalho. 2.1 A CENTRALIDADE DO SER SOCIAL E O TRABALHO A história da realização do ser social objetiva-se por meio da produção e reprodução da sua existência, ato social que é efetivado através do trabalho. É a partir do trabalho, em seu cotidiano, que o homem torna-se a ser social, distinguindo-se de todas as formas não humanas (ANTUNES, 2011). Serviço Social: direitos e políticas sociais 225 Série Sociedade e Ambiente Marx já havia esclarecido que o homem é o único ser com capacidade para a realização do trabalho pré-idealizado e com um objetivo final que orientará todas as ações que virão para sua concretização, diferente do animal, onde o ato de trabalho é puramente instintivo. Neste sentido, Antunes (2004) citando Marx, relata que: “o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo do trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador” (ANTUNES, 2004, p. 30). Para Lukács , é através do trabalho que se dá a dupla transformação, onde de um lado o próprio homem é transformado pelo seu trabalho, atuando e subordinando as forças da natureza; e de outro, as forças da natureza são transformadas em meios e objetos de trabalho. Dessa forma, o homem se utiliza desse mecanismo para exercer seu poder sobre as outras coisas, conforme o seu fim (LUKÁCS, 1979 apud ANTUNES, 2011). Antunes (2004; 2011) relata que o processo de trabalho e a humanização do ser social se constitui na sua finalidade básica - a realização no e pelo trabalho. Essa atividade baseada em elementos simples e abstratos é orientada a um fim para produzir valores de uso, onde as formas de objetividade do ser social se desenvolvem, à medida que surge e se explicita a práxis social, a partir do natural. Dessa forma o autor esclarece conceitualmente a produção de valor de uso como uma atividade de trabalho [...] orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza, condição natural eterna da vida humana, e, portanto, independente de qualquer forma de vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais (ANTUNES, 2004, p. 38). Já na sociedade capitalista, o trabalho assume outro significado, que ultrapassa essa relação de valor de uso, que é a mediação necessária entre trabalho e natureza. Aqui o trabalho tem em seu foco, a produção de valores de troca para a reprodução ampliada do capital, ou seja, o lucro, a mais-valia e a exploração daqueles que possuem somente sua força de trabalho como meio de produção (ANTUNES, 2009). Ainda, Antunes (2009) esclarece que a substituição do valor de uso pelo valor troca, resultou em outras formas societárias que ao se efetivarem consolidaram um novo sistema estruturado pelo capital como o trabalho assalariado. Para o autor, as funções produtivas básicas foram separadas entre aqueles que produzem e aqueles que controlam, ou entre trabalhadores e donos dos meios de produção. O capitalismo não só promove a inversão nas relações sociais das formas de organização dos processos de trabalho, como as transforma numa relação entre coisas, promovendo um estranhamento, o não reconhecimento do trabalhador em relação ao produto do seu trabalho. Pois agora, homem, trabalho e objeto tendem a ser considerados pelo capitalismo as mesmas coisas: mercadoria. Nesse sentido, Engel e Marx (2011) esclarecem que o capitalismo “não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, por conseguinte as relações de produção, portanto, todo o conjunto das relações sociais” (ENGEL e MARX, 2011, p. 43). Bihr (1998) também descreve essa alteração societária promovida pelo capitalismo, o qual segundo ele, perverte fundamentalmente o ato social do trabalho, “fazendo da produção social seu próprio objetivo” (BIHR, 1998, p. 127). Para o autor essa perversão do capitalismo - a qual denominou como produtivismo - Serviço Social: direitos e políticas sociais 226 Série Sociedade e Ambiente realiza a exploração do homem e da natureza, conforme esclarece. [...] Além de realizar a exploração desenfreada da força de trabalho, que coloca em risco a vida, a saúde e o equilíbrio emocional dos trabalhadores”. [...] Também realiza a destruição da natureza, sujeitando esses elementos naturais às suas exigências de acumulação, “submetendo-a a um processo de pilhagem e dilapidação (BIHR, 1998, p.128). Enquanto para Marx (2011) a potencialidade desse modelo produtivo capitalista, promove nas relações sociais do homem/trabalho e homem/natureza a substituição pelo binômio trabalho e pagamento de salário. O autor relata que foi esse momento em que capitalismo “rasga o véu sentimentalista que envolvia as relações sociais, transformando-as em meras relações monetárias” (ENGEL e MARX, 2011, p. 43). Para o autor De Decca (1982) o trabalhador sentiu na própria pele a transformação das relações sociais imposta pelo capitalismo, uma vez que esse novo sistema exigiu do trabalhador, a sua total submissão ao poder do capitalista. Iamamoto (2011) também relata sobre os efeitos do capitalismo. Para a autora esse modelo produtivo resultou a invisibilização do trabalho e a banalização do homem, potencializando as desigualdades inerentes desse modelo de relação social, entre estes, a riqueza acumulada do capitalista; a pobreza, a sujeição e a indigência da classe trabalhadora. Antunes (2004, p. 39-40) relata que as transformações das relações sociais no capitalismo ocorreram sob dois fenômenos particulares, sendo eles: a) o trabalhador trabalha sob o controle do capitalista a quem pertence o seu trabalho. O capitalista cuida de que o trabalho se realize em ordem e os meios de produção sejam empregados conforme seus fins; b) o produto é propriedade do capitalista, e não do produtor direto, do trabalhador. O capitalista paga, por exemplo, o valor de um dia da força de trabalho; e a sua utilização como qualquer outra mercadoria lhe pertence. O capitalista, mediante a compra da força de trabalho, incorporou o próprio trabalho, como fermento vivo, aos elementos mortos do produto, que lhe pertencem igualmente. Com relação ao item a: Marx (2006) coloca como o processo em que o capitalista destitui do trabalhador a sua identidade com relação ao trabalho, “transformando-o em mercadoria tanto mais barata, quanto maior o número de bens que produz” (MARX, 2006. p. 111). Referente ao item b: O autor descreve que a “realização do trabalho é a desrealização do trabalhador” (MARX, 2006. p. 111), onde o produto final do processo de trabalho, se opõe ao trabalhador como estranho, objeto ou coisa física que ele só consegue adquirir com o máximo esforço. Esse estranhamento do trabalhador com relação ao produto final, Marx relata que ele acontece através da alienação do trabalho, ou seja, o processo de trabalho que anteriormente era a condição de reconhecimento humano, se transformou em sinônimo de sacrifício, de martírio. Assim Marx descreve como a alienação se revela: Quanto mais o trabalhador produz, menos tem de consumir; quanto mais valores cria, mais sem valor e mais desprezível se torna; quanto mais refinado o seu produto, mais desfigurado o trabalhador; quanto mais civilizado o produto, mais desumano o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente se torna o trabalhador; quanto mais magnífico e pleno de inteligência o trabalho, mais o trabalhador diminui em inteligência e se torna escravo da natureza (MARX, 2006, p. 113). Serviço Social: direitos e políticas sociais 227 Série Sociedade e Ambiente Para o autor o processo de alienação Marx (2006) retira do homem qualquer pertencimento ao seu produto do seu trabalho, como resultado o trabalhador só se sente em si, ou seja, humano, fora do trabalho. Então, esse trabalho imposto, forçado se transforma em apenas um meio para suprir suas necessidades de subsistência. “Assim, chega-se à conclusão de que o homem (o trabalhador) só se sente livremente ativo nas suas funções animais – comer, beber e procriar, quando muito na habitação, no adorno, etc.- enquanto nas funções humanas se vê reduzido a animal” (MARX, 2006, p. 114115) Resumindo a categoria trabalho no modelo capitalista, sob a perspectiva de Marx e Lukács – este citado por Antunes –, pode-se compreender que este se dá pela dominação do trabalho pelo capital, pela subordinação do valor de uso ao valor de troca, pela desrealização humana do trabalhador, pela desapropriação do resultado do trabalho para o trabalhador e pela apropriação da produção e do produto do capitalista. Sendo assim o trabalho no capitalismo é sinônimo de penalização, cansaço, controle e pobreza para a classe trabalhadora. 2.2 O SERVIÇO SOCIAL INSERIDO NA CATEGORIA TRABALHO O Serviço Social é regulamentado como profissão liberal, inserido na divisão social e técnica do trabalho, cujas ações são norteadas por seu estatuto legal e Código de Ética. Dispõe de relativa autonomia na condução do seu exercício profissional, no entanto sua prática trabalhista é definida pela compra e venda da sua força de trabalho a diferentes empregadores, sejam eles o privado, o terceiro setor ou as instituições públicas (IAMAMOTO, 2011). Para a autora esses empregadores não só determinam as necessidades sociais do trabalho do(a) assistente social, como também delimitam a incidência da sua prática e interferem nas condições operacionais dos atendimentos realizados por esses profissionais (IAMAMOTO, 2011). Nesse sentido a autora esclarece, que o “significado social do trabalho profissional do(a) assistente social depende das relações que estabelece com os sujeitos sociais que o contratam, os quais personificam funções diferenciadas na sociedade” (IAMAMOTO, 2011, p. 215). Amparada nas considerações teóricas de Iamamoto (2011) pode-se dizer que a contradição nas relações de poder entre capital e trabalho aparece na prática profissional do(a) assistente social, tanto na mediação realizada no campo de suas intervenções profissionais, como também no caráter constitutivo da profissão, que é a força de trabalho assalariada. Essa questão é amplamente discorrida por Iamamoto (2008) na obra Relações Sociais e Serviço Social no Brasil, onde a autora o Serviço Social relata que profissão somente consegue se afirmar integrada nos vários setores empregadores, e mesmo se encontrando regulada como profissão liberal – que é a independência no exercício de suas atividades - não possui em sua prática, as mesmas características inerentes de outras profissões liberais. Desse modo, a autora esclarece porque a prática profissional dos(as) assistentes sociais não se ajustam às características da profissão liberal. O assistente social não tem sido um profissional autônomo, que exerça independentemente suas atividades, dispondo das condições materiais e técnicas para o exercício de seu trabalho e do completo controle sobre o mesmo, seja no que se refere a maneira de exercê-lo, ao estabelecimento da Serviço Social: direitos e políticas sociais 228 Série Sociedade e Ambiente jornada de trabalho, ao nível de remuneração e, ainda, ao estabelecimento do “público ou clientela a ser atingida (IAMAMOTO, 2008, p. 80). Outra contribuição importante referente aos elementos constitutivos do Serviço Social foi do autor Almeida (1994) sobre a questão de gênero. Para ele, as marcas de proletarização e subalternidade da profissão estão diretamente relacionadas ao fato da atuação profissional ser realizada majoritariamente por mulheres. Para ele, a desvalorização da profissão é o resultado de uma sociedade machista e patriarcal que estabelece os setores de atuação do homem e da mulher. Nesse ponto a autora Lobo (1991, apud CISNE, 2015) esclarece que As tradições de masculinização e feminização de profissões e tarefas se constituem, às vezes, por extensão de práticas masculinas e femininas: homens fazem trabalhos que exigem força; mulheres fazem trabalhos que reproduzem tarefas domésticas. Mas, mais do que a transferência de tarefas, são as regras de dominação de gênero que se produzem e reproduzem nas várias esferas de atividade social (LOBO, 1991, p. 152 apud CISNE, 2015, p.58). Iamamoto na apresentação da obra da Cisne (2015) ressalta que a categoria gênero não se refere apenas ao sexo, mas é portador de diferença de raça, etnia, orientação sexual, idade, entre outros. Também considera importante acentuar que a desvalorização do trabalho das mulheres “incide em sua identidade de classe, contribuindo para restringir sua participação e organização nas lutas e movimentos sociais” (CISNE, 2015, p. 14). Outro esclarecimento realizado por Iamamoto (2008) é que a profissão do Serviço Social, embora não se dedique ao desempenho das funções diretamente produtivas – podendo ser considerada como um trabalho improdutivo – participa, ao lado de outras profissões, “da tarefa de implementação de condições necessárias ao processo de reprodução, no seu conjunto, integrada como está à divisão social e técnica do trabalho” (IAMAMOTO, 2008, p. 86). Almeida (1994) também realiza contribuição importante sobre a divisão social e técnica do trabalho, visto que o Serviço Social se encontra inserido nessa divisão. Para o autor, esse método empregado no modelo de produção capitalista foi utilizado como finalidade de controle e adaptação do trabalhador. Já o autor De Decca (1982) discorre sobre a divisão do trabalho no contexto fabril. Considerando que, com o nascimento das fabricas que esse método ganhou maior efetividade, pois a centralização do(a) trabalhador(a) assalariado(a) nas fábricas tinha por objetivo o controle, a disciplina e a hierarquização do processo de trabalho. O autor ainda esclarece, que o sistema de fábrica, [...] introduz determinantes que lhe são inerentes, não importando que esse sistema se desenvolva num sistema capitalista ou outro qualquer, pois ele traz em seu bojo todas as implicações relacionadas à hierarquia, disciplina e controle de todo o processo de trabalho, ao mesmo tempo em que se dá uma separação crucial: a produção de saberes técnicos totalmente alheia àquele que participa do processo de trabalho (DECCA, 1982, p. 38). Marx (2006) cita outros autores (Adam Smith, Destutt de Tracy, F. Skarbek) Serviço Social: direitos e políticas sociais 229 Série Sociedade e Ambiente que abordam sobre o tema da divisão social do trabalho. Avaliando o contexto das falas nas literaturas abordadas, percebe-se que a divisão do trabalho promoveu a acumulação da riqueza realizada pela expansão da produção, como também o empobrecimento e a desnaturação da atividade humana individual. Na divisão social do trabalho, ao trabalhador(a) é confiado o menor número possível de operações, tornando o trabalho humano um ato simplificado, rotineiro, mecânico, e a parte mais importante do processo passou a ser realizada pelas máquinas (MARX, 2006). Pode-se dizer que a partir da divisão social do trabalho, teve início a desqualificação dos(as) trabalhadores(as) e a potencialização da exploração da força de trabalho do proletário, passando a exigir desse trabalhador(a) uma adaptação relacionada à capacidade produtiva das máquinas. Pois a transferência do controle de produção dos(as) trabalhadores(as) aos capitalistas promoveu a hierarquização e disciplina no processo do trabalho (DE DECCA, 1982). Para Machado (1994), foi a partir da automação e da fragmentação no processo de trabalho que resultou as mais variadas consequências na qualificação e desqualificação da força de trabalho. Para ela, [...] num processo de trabalho rígido, ocorreu intensa divisão e fragmentação do trabalho com acentuado controle de supervisão (taylorismo e fordismo) adequados ao funcionamento de linhas de produção, acarretando limitação dos trabalhadores a tarefas específicas, fixa, repetitivas e monótonas, que significavam uma real desqualificação (MACHADO, 1994, p. 15). 230 O autor Almeida (1994) esclarece que a partir da interlocução do Serviço Social com a tradição marxista, tornou-se possível pensar a constituição histórica da profissão enquanto força de trabalho e também o seu próprio processo de trabalho. Levando em consideração “tanto sua articulação histórica às mudanças inerentes ao próprio processo de desenvolvimento do capitalismo, como a centralidade que têm as relações sociais vigentes em uma dada formação social” (ALMEIDA, 1994, p. 33). Nesse contexto de atuação profissional, o autor Almeida (1994) considera relevante pensar o Serviço Social no próprio movimento demarcatório no modo de produção capitalista, como atividade humana que se materializa com a produção de valores de uso, como também produtor de valores de troca. De acordo com o autor, pode-se dizer que o processo de trabalho do assistente social é “sobretudo uma combinação da forma e do espaço de realização da produção efetivada sob certas condições”, sendo estas determinadas pelas relações sociais vigentes, traduzidas em normas e outras relações organizacionais (ALMEIDA, 1994, p. 32). De acordo com o autor Almeida (1994), a configuração do Serviço Social no processo de trabalho está fundamentalmente assentada no setor de serviços, como trabalhador improdutivo, pois apresenta sua relação aos processos de trabalho fora da esfera de produção, cuja atuação profissional [...]se forja e se singulariza na e pela divisão sociotécnica do trabalho; o reconhecimento de alguns processos culturais que incidem diretamente sobre as auto-representações da categoria dos assistentes sociais; a demarcação do campo de atuação profissional se dá “na esfera da prestação dos chamados serviços sociais, ou seja, nas políticas sociais e de assistência (ALMEIDA, 1994, p. 28). Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente Para Braverman (1998, apud ALMEIDA, 1994, p. 36), a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo ”não deve ser a natureza dos processos de trabalho – sua utilidade imediata, mas sim o seu significado no modo de produção capitalista”. Iamamoto (2011) também considera que essa distinção entre a natureza do trabalho se dá a partir do significado do trabalho para o capitalista, no entanto, para ela essa distinção se dá pela forma de organização do trabalho. O critério determinante que afirma o caráter do trabalho produtivo não é o conteúdo do trabalho ou sua qualidade determinada enquanto trabalho útil, mas sim sua forma de organização compatível com a produção capitalista, na qual se produz a mais-valia para o empregador [...]. O critério é a forma social determinada assumida pelo trabalho ou as relações de produção sob as quais se realiza. Daí que o mesmo trabalho pode ser produtivo ou não, caso esteja ou não organizado sob a forma capitalista (IAMAMOTO, 2011, p. 83). Nesse sentido, para Iamamoto (2011) o trabalho será produtivo quando o produto final do trabalho repõe o capital variável e produz a mais-valia; e improdutivo, quando a utilização do produto terá como finalidade o valor de uso. Com relação ao Serviço Social, Iamamoto (2008) esclarece que mesmo a profissão sendo assalariada, suas atividades não estão diretamente vinculadas ao processo de criação de produtos e de valor, ou seja, a produção, a distribuição, a troca e o consumo. No entanto, o seu significado social para o capitalismo está na participação, junto com outras profissões, “da tarefa de implementação de condições necessárias ao processo de reprodução no seu conjunto”. [..] Nesse sentido, conforme a autora, a prática profissional dos trabalhadores(as) improdutivos são indispensáveis para o movimento de produção e reprodução capitalista, pois embora essas práticas não sejam geradoras de valor, “tornam mais eficiente o trabalho produtivo e reduzem o limite negativo colocado à valorização do capital” (IAMAMOTO, 2008, p. 86). Antunes (2009) localiza os trabalhadores improdutivos nos mais diversos setores que compõem a esfera da prestação de serviços, entre eles: banco, comércios, turismo, serviços públicos. Nesse sentido Mészáros (1995) esclarece: Constituem-se no geral um segmento assalariado em expansão no capitalismo contemporâneo – os trabalhadores em serviços -, [...] são aqueles que se constituem em “agentes não produtivos, geradores de antivalor no processo de trabalho capitalista, [mas que] vivenciam as mesmas premissas e se erigem sobre os mesmos fundamentos materiais (MÉSZÁROS, 1995, p.533 apud ANTUNES, 2009, p. 102). Na obra de Antunes (2011) “Adeus ao trabalho”, o autor remete todas essas questões do capitalismo à contemporaneidade, onde a racionalização da indústria capitalista moderna é movida pela lógica do capital. Para o autor a classe trabalhadora, hoje inclui na sua totalidade aqueles(as) que vendem sua força de trabalho, incorporando o(a) trabalhador(a) produtivo, aquele(a) que participa diretamente do processo de valorização do capital e produz diretamente a mais-valia, mas também incluindo os(as) trabalhadores(as) improdutivos, ou seja, aqueles(as) que as formas de trabalho são utilizadas como serviços, e o resultado do produto é consumido como valor de uso e não de troca. Ainda Antunes (2009) esclarece que o modelo de produção capitalista, Serviço Social: direitos e políticas sociais 231 Série Sociedade e Ambiente constantemente opera novas dinâmicas nas formas de controle e coerção da população trabalhadora, seja nas formas de organização da produção ou dos processos de trabalho, ou nas relações sociais do trabalho. E as novas técnicas de gerenciamento da força de trabalho, somadas à livre concorrência de mercado e às inovações técnico-científica potencializaram o caráter centralizador e destrutivo desse modelo produtivo. Com relação a fala do autor, Iamamoto (2008) realiza algumas reflexões nesse sentido, trazendo para o campo da atuação dos(as) assistentes sociais. Para ela, a crescente cooptação dos agentes do Serviço Social pelo aparato do Estado e empresariado, progressivamente atribuem novas determinações à legitimação e institucionalização do Serviço Social. A demanda da sua atuação não deriva dos trabalhadores, mas são realizadas diretamente pelos seus empregadores, cujas regras são estabelecidas por estes, junto aos setores dominados. Desse modo, o Serviço Social situa-se no processo de relações sociais, como uma profissão polarizada por interesses de classes contraditórias, pois assim como participa das condições favoráveis da reprodução da força de trabalho, mediadas pelos serviços sociais previstos e regulados por políticas estatais para reforço do poder hegemônico, também participa das respostas às necessidades legítimas de sobrevivência da classe trabalhadora, via busca de acesso a recursos sociais existentes. Assim o Serviço Social tem na sua atuação, a justificativa histórica na desigualdade social que permeia a sociedade de classes (IAMAMOTO, 2008). 3 JORNADA DE TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL Esse capítulo tem o objetivo de contextualizar a luta pela redução da jornada de trabalho para a categoria profissional do Serviço Social, entendendo que a redução da jornada de trabalho, deve ser compreendida e ancorada a partir dos interesses da classe trabalhadora. Há poucas publicações sobre o tema, sendo estas encontradas somente na forma de artigos, publicações em revistas dos conselhos de classe e alguns trabalhos de graduação e mestrado. Dentre esses trabalhos, destaco a contribuição de Joice Macedo Alceno, em 2012, com trabalho de graduação na UFSC/SC que abordou “O Reflexo da Redução da Carga Horária dos Assistentes Sociais no Cotidiano Profissional” (ALCENO, 2012); e da autora Claudia Lima Monteiro, em 2013, com a dissertação de Mestrado, realizada na PUC/SP que focalizou o tema: “Redução da jornada de trabalho de assistentes sociais para 30 horas semanais: análise da experiência na prefeitura do município de Diadema – São Paulo (MONTEIRO, 2013). Esses trabalhos foram instigadores das reflexões que abordamos neste estudo. Para este capítulo foi considerado que os referenciais teóricos que mais se aproximaram do objeto de estudo - analisar os impactos da redução da jornada de trabalho para os(as) assistentes sociais - foram as obras “Os sentidos do Trabalho” e “Adeus ao Trabalho” de Ricardo Antunes. Desse modo, este capítulo terá predominantemente o apoio dessas duas obras. 3.1 A LUTA DA CLASSE TRABALHADORA PELA REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO A redução da jornada de trabalho sempre representou uma luta para a classe dos(as) trabalhadores(as), atualmente essa luta ganha maior concretude, pois se Serviço Social: direitos e políticas sociais 232 Série Sociedade e Ambiente apresenta como uma estratégia de contingenciamento na tentativa de minimizar o desemprego estrutural que atinge a classe que vive do trabalho (ANTUNES, 2009). Para Antunes (2009) desde a fase da industrialização até a contemporaneidade a redução da jornada de trabalho sempre esteve presente nas bandeiras de luta da classe trabalhadora como um mecanismo de oposição à apropriação do sobretrabalho realizada pelo capital. Para ele, a luta pela redução da jornada de trabalho pode ser uma articulação efetiva tanto de ação contra formas de opressão e exploração do trabalho, como também às formas contemporâneas do estranhamento que se realizam fora do mundo produtivo, ou seja, “pode-se articular a ação contra o controle do capital no tempo do trabalho e contra o controle opressivo do capital no tempo de vida” (ANTUNES, 2009, p.172). O autor também esclarece que a exploração da força de trabalho, nos últimos anos, se tornou ainda mais intensificada, principalmente a partir dos anos de 1970, onde o capital deflagra várias transformações no processo produtivo do trabalho “por meio das formas de acumulação flexível, do downsizing, das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico, dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, especialmente o toyotismo japonês” (ANTUNES, 2009, p. 49). Inclui também nessa reflexão a questão do incremento da contratação da força de trabalho realizada por meio da terceirização, subcontratação, part time, entre outros. Nesse sentido, outros(as) autores(as) também discorrem sobre os efeitos promovidos que os capitalistas realizam nas formas de controle dos(as) trabalhador(a). Para De Decca (1982) a fragmentação e divisão do processo de trabalho coloca o(a) trabalhador(a) a um nível de especialização reduzida, acentuando a atividade mecanicamente repetida promovendo o que ele denominou de “impotência social”, ou seja, embora o trabalhador(a) detenha o domínio das técnicas de produção e do processo de trabalho, este se vê obrigado(a) a se submeter ao controle do capitalista, a vender sua força de trabalho para que a sua produção se efetive (DE DECCA, 1982, p. 12) A autora Machado (1994), considera que o processo de trabalho flexível – modelo empregado no toyotismo - possibilita uma redução dos níveis de divisão e fragmentação do trabalho, pois para a autora a flexibilização do processo produtivo “oportuniza a intercambialidade de funções e a polivalência do trabalhador, ao ser alocado em diferentes tarefas” (MACHADO, 1994, p. 15). Já para a autora Iamamoto (2011, p. 112), esse momento de trabalho flexível é a incorporação de novas tecnologias de produção acompanhadas de ecletismo das formas de organização do trabalho. Para ela, nesse processo ocorre a intensificação da competividade internacional e inter-regional no mercado, processos de trabalho e nos produtos e padrões de consumo. Esse novo contexto, na fala da autora, de liberalização e desregulamentação do capital: [...] impõe mecanismos de ampliação da taxa de exploração via: políticas de gestão; “enxugamento de mão-de-obra”, intensificação do trabalho e aumento de jornada sem correspondente aumento de salário, estímulo à competição entre trabalhadores em um contexto recessivo, que dificulta a organização sindical; chamamentos à participação para garantia das metas empresariais; ampliação das relações de trabalho não formalizadas ou clandestinas [...] (IAMAMOTO, 2011, p. 113,114). Na obra “Adeus ao trabalho” (2011), Antunes traz um panorama do mundo atual do trabalho a partir dos anos de 1980. Segundo o autor, a partir dessa década o universo fabril foi invadido pelo salto tecnológico da automação, robótica e Serviço Social: direitos e políticas sociais 233 Série Sociedade e Ambiente microeletrônica. Também surgem novos processos de trabalho, onde a rigidez é substituída pela “flexibilização da produção, pela especialização flexível, por novos padrões de busca de produtividade e por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado” (ANTUNES, 2011, p. 24). Outra característica trazida pelo autor é sobre o retrocesso dos direitos do trabalho - que conquistados historicamente - estão cada vez mais desregulamentados, substituídos ou eliminados. Segundo Antunes, esse retrocesso dos direitos se dá pelas modalidades de contratação da força de trabalho, que entre elas estão: os empregos em tempo parcial, empregos casuais, por tempo determinado, temporário, subcontratado e treinado com subsídios públicos. Com as mudanças ocorridas no atual mundo do trabalho, Antunes (2011, p. 111-114) chama a atenção para algumas considerações: a) A luta pela redução da jornada ou tempo de trabalho deve estar no centro das ações do mundo do trabalho hoje, em escala mundial. Trata de lutar pela redução do trabalho visando a minimização do brutal desemprego estrutural [...]. Reduzir a jornada para que não prolifere ainda mais a sociedade dos precarizados e dos desempregados. b) O direito ao trabalho é uma reivindicação necessária, não porque se preze ou se cultue o trabalho assalariado, heterodeterminado, estranhado, fetichizado, mas porque estar fora do trabalho [...] desprovidos completamente de instrumentos verdadeiros de seguridade social, significa uma desefetivação, desrealização e brutalização ainda maiores.[...] Portanto, o direito ao emprego, articulado com a redução da jornada e do tempo do trabalho, torna-se uma reivindicação capaz de responder às efetivas reivindicações presentes no cotidiano da classe trabalhadora. c) O tempo fora do trabalho, sem redução de salário, deve estar intimamente articulada à luta contra o sistema de metabolismo do capital que converte o “tempo livre” em tempo de consumo para o capital, onde o indivíduo é estimulado a “capacitar-se” para melhor “competir” no mercado de trabalho, ou ainda, exaurir-se num consumo coisificado e fetichizado, inteiramente desprovido de sentido. Nesse contexto realizado por Antunes (2011) Iamamoto traz a reflexão para o campo do Serviço Social, pois a redução da jornada de trabalho para esta categoria profissional tem como pano de fundo uma profissão que é dependente das relações estabelecidas com os sujeitos sociais que o contratam. De acordo com a autora, são os empregadores que determinam as necessidades sociais que o trabalho do assistente social deve responder, portanto essas relações interferem decisivamente no exercício profissional, o que supõe a mediação do mercado de trabalho por tratar-se de uma atividade assalariada de caráter profissional. Num modelo de produção capitalista, leis que alteram ou rompem com a rigidez empregatícia estabelecida como a redução da jornada de trabalho, também ficam à mercê da prevalência da lógica hegemônica. E qualquer mudança que ocorra no modo de produção capitalista incide diretamente sobre todas as esferas da sociedade, política, econômica e cultural, determinando modificações no próprio processo de trabalho (ALMEIDA, 1993) Desse modo, os(as) assistentes sociais como trabalhadores(as) assalariados(as) sofrem as mesmas opressões e tensões provocadas pelo sistema capitalista. Também ficam expostos às mudanças ocorridas no atual mundo do trabalho, como a flexibilização, a terceirização, e a precarização das condições para o exercício profissional, entre outras, conforme esclarece Boschetti (2011, s/p) Serviço Social: direitos e políticas sociais 234 Série Sociedade e Ambiente São fartamente denunciadas nos Cress e nos eventos organizados pelo Conjunto CFESS/Cress, as condições precárias de trabalho, especialmente na Política de Assistência Social (Suas), nas organizações não governamentais e no sistema sócio jurídico. Nesses espaços, a não realização de concursos públicos em conformidade com as demandas do trabalho tem levado à terceirização do trabalho, à precarização, à super exploração da força de trabalho, à inserção dos (as) profissionais em dois ou três campos de atuação com contratos precários, temporários, o que tem causado adoecimento físico e mental. Essas mudanças que afetam diretamente no exercício profissional dos (as) assistentes sociais, constantemente exigem desses profissionais a promoção de reflexões, debates, organizações de luta e mobilização reivindicatória no intuito de alcançar melhores condições de trabalho e da prática profissional. Entre as discussões que permeiam algumas das lutas da categoria do Serviço Social, e que estão em pauta na Câmara do Senado Federal como Projetos de Lei são: a inserção dos assistentes sociais nas escolas públicas de educação básica, a definição de piso salarial; a inclusão obrigatória de assistentes sociais nas equipes do Programa Saúde da Família e a melhoria das condições de trabalho para o (a) assistente social. As questões relacionadas à organização profissional do Serviço Social devem ser ações contínuas e fortalecidas, principalmente no que implica o fazer profissional e realidade específica da profissão. Nesse sentido a autora Iamamoto descreve que, [...]as lutas são constitutivas da relação capital/trabalho e, da mesma maneira que a burguesia se mantém fortalecida como classe, também se percebe o avanço e ampliação da luta sindical e outras formas de organização da classe trabalhadora, na defesa de seus interesses corporativos e políticos. (IAMAMOTO, 2007, s/p.). No entanto, as lutas e as conquistas realizadas pela categoria têm como pano de fundo uma profissão, como já citado por Iamamoto em várias obras, a atuação no Serviço Social é submetida e determinada pelas organizações empregadoras, e a autonomia profissional é conduzida pelos interesses da instituição ao qual o (a) trabalhador (a) está vinculado. Almeida (1993) também relata que além do campo ocupacional, se deve levar em consideração o contexto histórico social ao qual os(as) trabalhadores(as) estão inseridos, visto a fragilidade a precarização e o retrocesso referente aos direitos trabalhistas que atualmente estão sendo a prioridade no sistema capitalista moderno. E os efeitos resultantes de uma nova configuração trabalhista – redução de jornada de trabalho - podem ser os mais variados e complexos possíveis. 3.2 A REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO, SEM REDUÇÃO SALARIAL NO SERVIÇO SOCIAL O processo de redução da jornada de trabalho, sem redução salarial no Serviço Social iniciou com a tramitação do Projeto de Lei (PL) 1890/2007 elaborado e apresentado pelo Deputado Federal Mauro Nazif (PSB/RO), sendo transformado no Projeto de Lei Complementar (PLC) 152/2008, aprovado e sancionado pelo Presidente Serviço Social: direitos e políticas sociais 235 Série Sociedade e Ambiente da República Luiz Inácio Lula da Silva, sob a Lei 12.317/2010 (CFESS, 2011). Para o autor do Projeto, a proposição da redução da jornada de trabalho para os(as) assistentes sociais tinha por objetivo a contribuição para a melhoria da qualidade de vida, a preservação da saúde desses(as) profissionais e a melhoria da qualidade dos serviços destinados aos usuários. Na apresentação do Projeto, uma das justificativas realizada foi a que as atividades desenvolvidas pelos(as) assistentes sociais estão muito próximas dos(as) profissionais da saúde, que em alguns casos têm direito à jornada de trabalho reduzida . Assim, de acordo com o autor do projeto de lei, Os assistentes sociais integram uma categoria, cujo trabalho leva rapidamente a fadiga física, mental e emocional. São profissionais que atuam junto a pessoas que passam pelos mais diversos problemas, sejam em hospitais, presídios, clínicas, centros de reabilitação ou outras entidades destinadas ao acolhimento e à (re) inserção da pessoa na sociedade (NAZIF, 2007, p.2). Para Nazif (2007) a limitação da jornada de trabalho diminui a exposição à doenças e acidentes de trabalho, em consequência, promovem a melhoria de atendimento aos usuários(as) que utilizam esses serviços. Dessa forma, o autor considera que “atividades com maior exposição à fadiga, causada pelo exercício de determinadas profissões, justifica, portanto, a fixação de jornadas reduzidas de trabalho” (NAZIF, 2007, p. 2). De acordo com o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) a luta pela redução da jornada no Serviço Social foi construída a partir de um projeto coletivo, conduzido politicamente pelas instituições representativas da categoria, Conselhos Federais e Regionais do Serviço Social (CFESS/CRESS), Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO) e da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABPSS) (CFESS, 2011). Foram quase três anos de mobilização e estratégias políticas para a conquista desse direito, com atos públicos, manifestações em frente ao Congresso Nacional, articulações internas com Senadores, participação nas sessões do Senado e mobilização estudantil (CFESS, 2011). Na data de 15 de maio de 2008 as instituições CFESS/CRESS – após realizarem audiências de esclarecimentos sobre a projeto de lei, declararam publicamente seu apoio ao autor do Projeto de Lei (PL) elaborado pelo Deputado Federal Mauro Nazif (PSB/RO), deixando claro o posicionamento de apoio ao PL 152/2008 (BOSCHETTI, 2011). Na Revista “Direito se conquista: a luta dos/as assistentes sociais pelas 30 horas semanais”, o CFESS (2011) contextualiza todo processo na busca dessa conquista para a categoria. A luta por melhores condições de trabalho para assistentes sociais é um compromisso histórico do Conjunto CFESS -CRESS e se insere na luta pelo direito ao trabalho com qualidade para toda a classe trabalhadora, conforme estabelece nosso Código de Ética. Nossa luta pauta-se pela defesa de concurso público, por salários compatíveis com a jornada de trabalho, funções e qualificação profissional, estabelecimento de planos de cargos, carreiras e remuneração em todos os espaços sócio ocupacionais, estabilidade no emprego e todos os requisitos inerentes ao trabalho, entendido como direito da classe trabalhadora (CFESS, 2011, p.11). Serviço Social: direitos e políticas sociais 236 Série Sociedade e Ambiente De acordo com o CFESS (2011), o posicionamento contrário e de resistência à proposta do PL 152/08 foi da Federação Nacional dos Assistentes Sociais – FENAS, que alegava que o Projeto poderia prejudicar os trabalhadores que já tinham conquistado uma jornada de trabalho inferior a 30 horas (conforme levantamento em 2005, 10% dos profissionais atuantes, possuíam jornada inferior a 30 horas). No entanto, a Federação Nacional emitiu uma nota de esclarecimento colocando que a instituição não se posicionava de forma contrária, como foi divulgado pelo CFESS; a preocupação da instituição era referente ao retrocesso nas conquistas que alguns profissionais já haviam realizado por meio de seus sindicatos ou órgãos representativos. Nós da FENAS/CUT/CNTSS, pedíamos que tivesse uma EMENDA de no MÁXIMO 30h semanais; no sentido de garantir aos assistentes sociais à jornada inferior às 30h semanais pela qual a categoria já vem trabalhando, inclusive por edital em concurso público (FENAS, 2010, s/p). Mesmo com embates interno - entre as instituições representativas do Serviço Social -, o CFESS reafirmou seu apoio ao PL 152/08 ressaltando que dentre alguns dos motivos de defesa da redução da jornada, está a melhoria das condições de trabalho dos(as) profissionais do Serviço Social. De acordo com o Conselho, a lei “beneficiará mais de 60% da categoria que hoje tem jornada igual ou superior a 40 horas semanais, o que significa melhoria de condições de trabalho para aproximadamente 60.000 profissionais” (CFESS, 2011, p. 112). Outra questão também ponderada pelo CFESS foi sobre a preservação da saúde do profissional, conforme esse órgão a redução da jornada “contribuirá para a saúde dos profissionais que hoje atuam em longas e extenuantes jornadas” (CFESS, 2011, p. 112). Para Boschetti (2011), a redução da jornada de trabalho para trinta horas semanais sem redução salarial, ainda que não altere estruturalmente a organização do trabalho, possibilita diminuir a sobrecarga do trabalho, o que pode melhorar a saúde do (a) trabalhador (a) e, ainda impor limites à exploração do trabalho pelo capital. No entanto, Iamamoto tem uma fala importante que deve ser considerado para a reflexão sobre a redução de jornada no Serviço Social. Iamamoto (2011) coloca que a condição assalariada dos(as) assistentes sociais envolve a incorporação de parâmetros institucionais e trabalhistas que regulam as relações de trabalho, entre estas, a jornada de trabalho. Dessa forma, os empregadores também definem a particularização de funções e atribuições conforme as normas que regulam o trabalho coletivo, ou seja, mesmo com a existência de instrumentos que norteiam a prática profissional do Serviço Social - Código de Ética e do Projeto ÉticoPolítico – são as instituições empregadoras que impõem as regulamentações específicas aos trabalhadores(as) dessa categoria profissional. Boschetti (2011) considera que a luta por melhores condições de trabalho para os assistentes sociais é um compromisso histórico e se insere na luta pelo direito ao trabalho com qualidade para toda a classe trabalhadora. E que, a luta por direitos se faz presente cotidianamente e extrapola a defesa apenas de uma categoria, mas se soma às lutas sociais e ao fortalecimento dos movimentos sociais da classe trabalhadora. Esses elementos, trazidos por Iamamoto (2011) e Boschetti (2011), se tornam indissociáveis da prática profissional do(a) assistente social, desta forma, a redução da jornada de trabalho apresenta-se como um fenômeno permeado por variados fatores que resultam em ações de luta voltada para a garantia de melhores condições éticas e técnicas para a realização do trabalho. Serviço Social: direitos e políticas sociais 237 Série Sociedade e Ambiente Boschetti (2011) descreve que até a conquista da redução da jornada de trabalho no Serviço Social foram várias as articulações realizadas, e algumas delas foram: a realização de debate público no dia 23 de abril de 2008, durante o IV Seminário Nacional de Gestão Administrativo‑Financeira e V Seminário Nacional de Capacitação das Comissões de Orientação e Fiscalização (Cofis), em Brasília aprofundado com todos os CRESS, com o propositor do projeto e a assessora jurídica do CFESS. Nesse momento o Conselho Federal tratou das questões relativas à legislação da proposta da redução da jornada, no intuito de oferecer segurança aos(às) assistentes sociais que o “PL representaria um ganho e não colocaria em risco a situação daqueles que já tinham essa condição assegurada” (BOSCHETTI, 2011, p. 568). Outra ação foi o contato permanente com o gabinete da Senadora Lúcia Vania, relatora do projeto, reuniões do CFESS com os deputados, líderes das bancadas no Senado e membros das comissões; acompanhamento cotidiano das sessões dessas comissões e, principalmente, mobilização dos CRESS e dos(as) assistentes sociais para envio de e-mail aos parlamentares solicitando a aprovação do projeto. (BOSCHETTI, 2011) Apesar de todos os esforços, articulações e pressão do CFESS junto aos líderes dos partidos no Senado, para inclusão e submissão de votação para o projeto, alguns setores do governo se manifestaram de forma contrária, especialmente o Ministério da Saúde e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Nesse sentido o CFESS buscou novas estratégias de apoio, principalmente com a assistente social Márcia Helena Carvalho Lopes, recém‑empossada ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (CFESS, 2011). A partir do momento que o CFESS se deu conta da morosidade e da forte manifestação contrária da aprovação do PL, passou a fortalecer a estratégia de pressão coletiva pública em conjunto com CRESS, ABEPSS e ENESSO. No início de julho de 2010 as entidades organizadoras do XIII do Congresso Brasileiro de Assistente Social (CBAS) lançaram a Carta Convocatória para o XIII CBAS e para o Dia Nacional de Luta, conclamando os(as) assistentes sociais a participarem do evento que teve como tema central “lutas sociais e exercício profissional no contexto da crise do capital: mediações e consolidação do Projeto Ético‑Político Profissional” (BOSCHETTI, 2011). O chamamento foi atendido por profissionais e estudantes do Serviço Social, representantes de diversos setores dos movimentos sociais, partidos de esquerda, como Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) e Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Liga Brasileira de Lésbicas, o Grupo em Defesa da Diversidade Afetivo‑Sexual do movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), o Movimento dos Trabalhadores Sem‑Teto, representantes dos indígenas, entre outros (CFESS, 2011). Desse modo, Boschetti (2011) considera que o ato público foi o firme posicionamento dos(as) assistentes sociais em defesa do trabalho com a garantia de direitos e por uma sociedade emancipada, livre do domínio da lógica capitalista. A autora ainda ressalta que a luta da categoria do Serviço Social pela redução da jornada de trabalho vem de encontro com o que está disposto nos compromissos ético‑políticos, materializados no Código de Ética dos(as) assistentes sociais. A autora coloca essa luta como uma opção por um projeto profissional que está “vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero” (BOSCHETTI, 2011, p. 577). Enfim, a redução de jornada de trabalho, sem redução salarial no Serviço Serviço Social: direitos e políticas sociais 238 Série Sociedade e Ambiente Social foi sancionada pelo Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva em 26 de agosto de 2010, sob a Lei 12.317/2010. E para os(as) profissionais do Serviço Social, esta conquista passou a ser considerada um marco na luta por direitos e um avanço no que se refere à mobilização e organização dessa categoria (CFESS, 2011). No dia seguinte ao da aprovação da Lei, o CFESS encaminhou uma carta a todos(as) profissionais do Serviço Social, conforme o texto apresentado originalmente (CFESS, 2011, p. 127). Caros/as assistentes sociais, Obtivemos uma grande vitória com a aprovação da jornada de 30 horas sem redução salarial. Todos sabemos que no tempo presente vem prevalecendo a restrição e redução de direitos. Lutar e conquistar um direito trabalhista tão importante nesse momento histórico faz da nossa conquista uma vitória ainda mais saborosa. Nossa luta segue pela ampliação de direitos para toda a classe trabalhadora. Como trabalhadores/as que somos, vamos comemorar cada dia e cada minuto esse importante ganho, fruto da articulação, pressão e mobilização dessa categoria aguerrida que são os/as assistentes sociais brasileiros/ as. A luta continua e conclamamos todos e todas para ficarem "firmes e fortes" na defesa da implementação dessa Lei. A luta agora e de todos/as e de cada um/a, para fazermos valer esse direito. Cada assistente social, em cada município desse país, deve divulgar esse direito em todos os espaços e convocar os empregadores a implementar a Lei. Após a sanção presidencial do PLC 152/2008 no dia 26 de agosto de 2010, o Diário Oficial da União (DOU) de hoje, 27 de agosto de 2010, na seção 1, publica Lei n0. 12.317, de 26 de agosto de 2010 que altera o artigo 5° da Lei de Regulamentação Profissional (Lei 8662/1993), que passa a vigorar com a seguinte redação: "Art.5°-A. A duração do trabalho do Assistente Social e de 30 (trinta) horas semanais". A Lei 12.317/2010 ainda estabelece em seu artigo 2°: Aos profissionais com contrato de trabalho em vigor na data de publicação desta Lei e garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução do salário". O artigo 3° complementa: "Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação". Desse modo, as 30 horas semanais para assistentes sociais estão asseguradas na Lei 12.317/2010, que altera a Lei 8662/1993. Vamos agora, juntos, mobilizar as instituições empregadoras para adequar a jornada e fazer cumprir a Lei publicada hoje. Os profissionais devem procurar os setores jurídicos e de recursos humanos de sua instituição e apresentar a Lei, mobilizando-se para sua implementação imediata. O CFESS está adotando os seguintes encaminhamentos para fortalecer essa mobilização: 1. Produção de cartazes e adesivos divulgando a Lei, que serão enviados aos Conselhos Regionais de Serviço Social na próxima semana, para serem amplamente distribuídos nas instituições e para os profissionais. A partir de 06 de setembro os/as assistentes sociais podem procurar os CRESS para pegar esse material e levar para suas instituições. 2. Entre os dias 09 e 13 de setembro de 2010, o CFESS e os CRESS estarão reunidos no Encontro Nacional CFESS/CRESS, instancia máxima de deliberação da categoria, e definirão outras estratégias para acompanhar a implementação da Lei. 3. O CFESS fara nova impressão da Lei de Regulamentação Profissional (Lei 8662/1993), com a alteração do artigo 50. Essa foi uma grande conquista dos/as assistentes sociais, defendida e articulada pelas entidades da categoria – Conjunto CFESS -CRESS, ABEPSS e ENESSO -. Seguimos atentos e firmes na defesa dos direitos e estamos convictos de que muitas outras conquistas virão se fortalecermos nossas organizações e participarmos coletivamente das lutas que são de todos/as. Parabéns, assistentes sociais do Brasil! Essa carta reflete a preocupação do Conselho que - antevendo possíveis resistências por parte das instituições empregadoras -, chamavam a atenção dos(as) profissionais para a realização de ações importantes para que a Lei pudesse ser implantada nos espaços organizacionais, assim efetivando as conquistas decorrentes da redução da jornada de trabalho, Serviço Social: direitos e políticas sociais 239 Série Sociedade e Ambiente Passados alguns meses após a sanção da Lei, já começam a existir ações de resistência de parte das instituições empregadoras, confirmando as preocupações do CFESS. No âmbito do setor privado, que a Confederação Nacional de Saúde (CNS) foi a instituição que mais se opôs à lei e protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, (ADIN 4468 de 05/10/2010) no Supremo Tribunal Federal, alegando que a “redução da jornada de trabalho e a redução salarial necessitam de negociação coletiva, com a indispensável intervenção da entidade sindical que, após a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, se tornou obrigatória” (CNS, 2010, s/p). Em 19 de outubro de 2011 o CFESS emite uma nota pública demonstrando sua indignação e repúdio à ação, esclarecendo que, [...] os argumentos expostos na ação que pretende declarar a inconstitucionalidade da lei têm caráter estritamente econômicos e defendem a manutenção dos lucros dessas instituições pela exploração da força de trabalho, cada vez maior e mais intensa. A lógica perversa do lucro a qualquer preço é traduzida em argumentos que não admitem nenhuma diminuição do seu ganho e ainda ameaçam com inflação, quando afirmam, na ação proposta que os custos serão repassados ao consumidor, e com desemprego, porque muito provavelmente optarão por demitir os(as) assistentes sociais e, dessa forma, o serviço prestado será menos eficiente (CFESS, 2011, p. 129). Já no setor público, a resistência de manifestou de diversas formas, mobilizando os(as) profissionais do Serviço Social no sentido de recorrer às instâncias trabalhistas (sindicatos, Ministérios Públicos, entre outros) a garantia do direito de uma jornada reduzida de trabalho (CFESS, 2011). Entende-se que o CFESS sempre buscou e busca o fortalecimento da efetivação da Lei, visto os documentos, notas e informações que constantemente foram encaminhadas à categoria para esclarecimentos, abordando todas as questões que são inerentes da prática profissional (distribuição da carga horária na semana, aplicabilidade de nomenclatura de cargos genéricos, demissão de profissionais, contratação de profissionais com salário reduzido, concurso público e outros). No entanto, o próprio Conselho relata que “a conquista de direitos políticos e sociais nas sociedades capitalistas jamais ocorreu sem luta da classe trabalhadora e sem resistência às investidas do capital” (CFESS, 2011, p. 130). Dada a complexidade das variáveis que compõem a conquista da redução da jornada de trabalho para os(as) assistentes sociais que atuam no Brasil, se faz necessário identificar as forças que restringem ou promovem a efetivação/consolidação da Lei 12.317/2010, sob a perspectiva dos(as) assistentes sociais; analisar a percepção desses(as) profissionais que estão vivenciando essa conquista; identificar a implantação da redução da jornada de trabalho nos espaços organizacionais a que pertencem; avaliar a repercussão da lei na melhoria das condições de saúde e qualidade de vida desses(as) trabalhadores(as), e também das horas livres para o(a) profissional do Serviço Social. Somente através da revelação desses elementos, será possível elaborar uma avaliação sobre quais são foram os impactos da redução da jornada de trabalho, sem redução salarial para os(as) profissionais do Serviço Social. Serviço Social: direitos e políticas sociais 240 Série Sociedade e Ambiente 4 A IMPLANTAÇÃO DAS 30 HORAS NO SERVIÇO SOCIAL: UMA PESQUISA EXPLORATÓRIA Neste capítulo será apresentada a metodologia utilizada na pesquisa, a apresentação dos depoimentos das profissionais que fizeram parte do grupo de pesquisa, a análise das informações obtidas e as considerações finais deste estudo. 4.1 CONCEITUAÇÃO E METODOLOGIA DA PESQUISA A pesquisa possibilita a compreensão e a reconstrução dos fatos ou informações, através de um estudo reiterado e crítico do objeto que é apresentado como campo de estudo. Nesse sentido o(a) pesquisador deixa de ser mero observador do real, pois se transforma em um agente capaz de romper com algo que já está posto como estabelecido, traduzindo no conhecimento o pensamento científico (SUGUIHIRO, ano). Para Gatti, pesquisar é o exercício sistemático de indagação da realidade observada, com vistas à apreensão do conhecimento com um fim determinado, para ultrapassar o senso comum. De acordo com a autora, uma pesquisa bem fundamentada oferece subsídios ao(à) profissional para desenvolver práticas comprometidas capazes de promover mudanças significativas no contexto em que o pesquisador(a) e sujeitos estão inseridos. (GATTI, 2002 apud BOURGUIGNON, 2007). Bourguignon (2007, p. 49) entende que a pesquisa é “constitutiva e constituinte da prática profissional do Serviço Social, sendo determinada pela sua natureza interventiva e pela inserção histórica na divisão sócio técnica do trabalho”, pois se desenvolve socialmente, ao revelar a complexidade da realidade e nela buscar as possibilidades de intervenção. Para Sposati (2007), o campo de estudo do Serviço Social situa-se dentre as manifestações sociais e nas relações entre os sujeitos Estado-Sociedade-Mercado, em toda sua complexidade constitutiva, viabilizando a construção de um conhecimento contra-hegemônico produzido a partir de um topos, de um dado modo de ver e de olhar, revelando a leitura do objeto a partir de uma determinada perspectiva, permitindo a reconstrução de novos elementos. Dessa forma o(a) pesquisador(a) se torna capaz de captar e interpretar as informações que se apresentam no objeto de pesquisa. Na perspectiva de conhecer e entender o objeto de estudo se fez necessário buscar os elementos para a análise dos impactos da redução da jornada de trabalho, sem redução salarial no Serviço Social. Para tanto, foi delimitado o grupo de pesquisa com profissionais do Serviço Social, desenvolvendo suas atividades na cidade de Curitiba – PR e inseridos no mercado de trabalho, no regime celetista (CLT). Outro requisito para compor o grupo de pesquisa era atuar como assistente social no momento em que a Lei foi implantada nas instituições a que o (a) profissional pertence ou pertencia. Os sujeitos significativos da pesquisa foram 3 (três) profissionais do Serviço Social que atuam em organizações da sociedade civil - educação/capacitação de adolescentes e jovens - que tiveram alteração da carga horária de trabalho, como resultado da aprovação da Lei 12.317/2010. A definição pelo número de pessoas que fizeram parte do grupo de pesquisa foi motivada pela compreensão que neste momento, a pesquisa possuía um caráter exploratório. De acordo com a visão de Gil (2010, p. 27), As pesquisas exploratórias têm como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a Serviço Social: direitos e políticas sociais 241 Série Sociedade e Ambiente construir hipóteses. Seu planejamento tende a ser bastante flexível, pois interessa considerar os mais variados aspectos relativos ao fato ou fenômeno estudado. Pode-se afirmar que a maioria das pesquisas realizadas com propósitos acadêmicos, pelo menos num primeiro momento, assume o caráter de pesquisa exploratória, pois neste momento é pouco provável que o pesquisador tenha uma definição clara do que irá investigar. Como instrumento de coleta de dados foi elaborado um roteiro de entrevista, com 5 (cinco) questões na modalidade semiestruturada, pois considerou-se a ferramenta mais adequada para coleta de dados investigativo na identificação de um problema social (Anexo 1 – Instrumento de Pesquisa). O pesquisador possui a liberdade e informalidade para conduzir a entrevista como julgar necessário; e as perguntas abertas possibilitam respostas que se assemelham a um diálogo informal perfeitamente aceitáveis partindo deste princípio (LAKATOS e MARCONI, 2003). O roteiro de entrevista foi previamente submetido para avaliação pela orientadora do campo de estágio (PRAE/UFPR), pela professora orientadora do TCC (Faculdade Bagozzi). Desse modo, o instrumento de coleta de dados foi considerado adequado, por se tratar de uma pesquisa exploratória. As entrevistas foram realizadas no próprio local de trabalho, em espaço reservado, sem nenhum tipo de constrangimento ou desconforto. A pesquisadora realizou a apresentação da proposta da pesquisa, como também esclareceu que o roteiro das perguntas serviria como apoio e norte da conversa. Assim, a pesquisadora deixou claro que as profissionais podiam ficar à vontade para expor outros elementos que não estavam previamente estabelecidos, caso considerassem relevantes. Com a finalidade de realizar uma breve preparação do entrevistador e entrevistado para o momento da aplicação da pesquisa, optou-se realizar algumas perguntas sobre as características da instituição, das atividades que o profissional realizava e do perfil dos usuários que utilizavam os serviços oferecidos pela instituição, aqui a pesquisadora já tinha esclarecido que já tinha buscado algumas informações no sitio eletrônico da instituição. Após a conclusão da etapa de entrevistas, os depoimentos gravados foram transcritos e organizados para posteriormente realizar a análise de conteúdo com base em Bardin (1977). Para ela a análise de conteúdo, enquanto método, torna-se um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens entre emissor e receptor. A análise de conteúdo é uma técnica de investigação que tem por finalidade• a descrição objetiva, sistemática, qualitativa e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação. Pode ser uma análise dos significados, embora possa ser também uma análise dos significantes (BARDIN, 1977, p.17). A partir das respostas procurou-se identificar os elementos – comuns, divergentes, questionadores -, apresentados nos depoimentos das profissionais entrevistadas que puderam ser agrupados em duas categorias de análise atendendo aos objetivos específicos deste trabalho. Assim, ao mesmo tempo em que a revisão teórica permitiu identificar os elementos que seriam norteadores do roteiro de entrevista, esta revisão permitiu a mesma estrutura de análise. Serviço Social: direitos e políticas sociais 242 Série Sociedade e Ambiente 4.2 ANÁLISE DOS DADOS: A PERCEPÇÃO DAS ASSISTENTES SOCIAIS DA LEI 12.317/2010 Com a finalidade de ampliar a compreensão sobre a lei a partir dos depoimentos apresentados pelas profissionais entrevistadas e das reflexões já realizadas por meio da fundamentação teórica e conceitual, o instrumento de pesquisa contemplou cinco questões, agrupadas em duas categorias. Considerou-se que utilizando essa metodologia, as análises construídas a partir de alguns recortes propiciariam melhores subsídios e apoio teórico para realizar a síntese desta pesquisa. Desse modo, ficou definido que as categorias de análise seriam: a avaliação dos(as) assistentes sociais do processo de implantação das 30 horas e os desdobramentos nos seus espaços de atuação; a percepção dos(as) assistentes sociais quanto aos limites e possibilidades da efetivação da Lei 12.317/2010. Os depoimentos das assistentes sociais estão transcritos em itálico, respeitando a forma pessoal e coloquial das respostas. 4.2.1 A avaliação dos(as) assistentes sociais do processo de implantação das 30 horas e os desdobramentos nos seus espaços de atuação As respostas obtidas nesse item apareceram de forma bem distinta umas das outras. Das três profissionais entrevistadas, somente uma delas respondeu que não poderia descrever com clareza como foi a discussão realizada na implantação das 30 horas na instituição. No entanto, as respostas da pergunta como se deu a implantação da jornada reduzida na instituição a que pertence – trouxeram para a pesquisa alguns elementos que podem servir de análise de questões já abordadas na literatura do Serviço Social, conforme fragmentos dos depoimentos. Entrevistada 1 – Eu passei para 30 horas faz pouco tempo, eu entrei para trabalhar na instituição realizando bem poucas horas (20 horas semanais), até porque eu trabalhava em outra instituição fazendo complemento de horas, então eu não participei do processo de quando começou. Entrevistada 2 – A instituição antes não tinha nenhuma assistente social de 40 horas, a instituição sempre teve assistentes sociais por projeto, então o que aconteceu ... chegou um momento em que a instituição cresceu e teve que ampliar a carga horária dos assistentes sociais, e ao mesmo tempo contratar outras a mais, então a gente não passou por essa redução. Entrevistada 3 – Me fizeram a proposta para trabalhar 30 horas, mas não aceitei. Eu mesma com 20 horas, a maioria de nós, tem meses ... 02, 03 meses ou até mais que fazemos mais horas de trabalho pelo volume de atividades ... aí eu trabalho como horista, aí tenho uma recompensa financeira ou um pouco mais de folga. Nos depoimentos descritos acima, percebe-se algumas características da precarização na prática profissional do Serviço Social, resultado das várias modalidades de vínculos empregatícios fragilizados, como trabalho terceirizado, temporário, por hora, por projeto, etc. Iamamoto (2015) esclarece que esses tipos de vínculos, são constatações da retração do Estado no campo das políticas, que transfere a responsabilidade para a sociedade civil no campo da prestação de serviços sociais. Diante dessa transferência das responsabilidades sociais, acontece um considerável crescimento de instituições com caráter não governamental - as ONGs – realizando atividades nas mais diversas áreas como família, educação, saúde, habitação, entre outras. Serviço Social: direitos e políticas sociais 243 Série Sociedade e Ambiente A autora contextualiza como se dá a forma de contração da força de trabalho dos(as) profissionais do Serviço Social em instituições dessa modalidade. Como a contratação das ONGs tende a se efetivar segundo projetos temporários ou tarefas preestabelecidas, esse caráter eventual também imprime os contratos de trabalho do corpo técnico recrutado pelas ONGs. Este passa a ser submetido à precarização das relações de trabalho e à restrição de direitos sociais e trabalhistas (IAMAMOTO, 2015, p. 126). De acordo com Antunes (2011) no século XX houve uma substituição predominante do trabalho regulamentado por outras diversas formas de contratação, entre estas, o cooperativismo, o trabalho voluntário, o trabalho atípico (conforme se observa no terceiro depoimento). De acordo com o autor, esses modelos de vínculo empregatício dissimulam a precarização dos direitos do trabalho. Essas modalidades de contratação são verdadeiros empreendimentos para destruir direitos e aumentar ainda mais as condições de precarização da classe trabalhadora. [...] se configuram como formas ocultas e dissimuladas de trabalho, permitindo a proliferação, nesse cenário aberto pelo neoliberalismo e pela reestruturação produtiva, de distintas formas de precarização do trabalho, frequentemente sob o manto da ‘flexibilização’, seja salarial, de horário, funcional ou organizativa (ANTUNES, 2011, p. 108). 244 Diante das ponderações de Iamamoto e Antunes, percebe-se que os depoimentos indicam fragilidade dos vínculos empregatícios, deixando os(as) trabalhadores(as) assalariados(as) expostos às estratificações e fragmentações estruturais dos processos de trabalho. Nesse sentido, mesmo que os modelos de vínculo empregatício não estejam focalizados neste trabalho, esse elemento contribui na análise dos impactos da redução da jornada para os(as) assistentes sociais e indica a necessidade de aprofundamento sobre a questão. Ainda relacionado a esse item, destacam-se algumas falas sobre os desdobramentos que resultaram da redução da jornada nos espaços organizacionais. A entrevistada 1, relata que a redução da jornada de trabalho fez com que ela se decidisse por apenas um vínculo empregatício e considera que a implantação da jornada de 30 horas foi uma das iniciativas “bacanas” da instituição. Conforme a entrevistada, esse posicionamento da instituição ofereceu um suporte para que os profissionais tivessem “fôlego” para atender às demandas institucionais. Ainda a entrevistada 1 aponta para os fatores positivos da redução da jornada de trabalho, que promoveu maior qualidade para sua vida pessoal e profissional. Entrevistada 1 - Para mim assim foi um alivio (risos), é muito mais tranquilo eu consigo assim focar melhor nas minhas atuações, naquilo que eu tenho que fazer. A qualidade do trabalho fica mais... a gente consegue dar muito mais resposta a todas essas atribuições que são feitas. Mesmo que a gente pense assim reduz a hora vai reduzir o trabalho, vai precisar de mais tempo e tal. Quando a instituição entende o valor disso, ela também vai abrindo novos campos de trabalho. [...] Hoje eu tenho um período maior junto a família que eu acho que isso também é importante e quando você tá num processo... às vezes que não dá esse fôlego que eu falava anteriormente, você acaba se afastando da família, você chega em casa, sem estrutura. Para mim a redução, quando eu consegui fazer as 30 horas, eu consegui assim ter uma maior proximidade em casa, respirar melhor diante das atribuições que eu faço, buscar mais Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente integração com outras profissionais e ao mesmo tempo ter essa flexibilização que a gente acaba tendo. Já para a entrevistada 2, um dos desdobramentos causados pela redução da jornada foi o aumento do ritmo de trabalho e a perda da qualidade de atendimento aos usuários. De acordo com o depoimento da profissional existe uma contradição entre a jornada de trabalho reduzida e o volume de atividades que devem ser realizadas. Entrevistada 2 - O que a gente percebe é o seguinte: a instituição às vezes tenta sugar o máximo com 30 horas, às vezes ela quer que a gente fique um pouco mais, mas o que fica a mais é banco de horas, raramente sai um pagamento, por exemplo, de horas extras quando a gente precisa [...]. Às vezes principalmente com as famílias (refere-se às famílias atendidas profissionalmente) é ruim, porque você tem menos horas lá, e o familiar não tem o horário que você está lá disponível e daí se você não for flexível para estar em outros horários para atender esse familiar, usuário, você acaba, ele acaba perdendo essa oportunidade de ter esse atendimento especial. A entrevistada 3 também apresenta os elementos contraditórios que se apresentam com a redução da jornada. Para essa profissional, o volume das demandas e o compromisso com o atendimento aos usuários se tornam um impeditivo para que se consiga cumprir a jornada de trabalho semanal que é vigente no seu contrato de trabalho. Entrevistada 3 - Você não consegue, você estando aqui, você não consegue, vai dando 5, 6 horas (de trabalho) e você não consegue sair... não pode chegar pro usuário que às vezes só tem uma passagem de ônibus; você tem que se colocar também no lugar dele: que ele só tem uma passagem de ônibus, que ele veio com o adolescente gastando ali com passagem, aí vou lá e digo não vou te atender, ‘ó’ já deu meu horário, 5 horas tchau, venha na próxima semana. Referente aos desdobramentos que ocorreram nesses ambientes ocupacionais, constata-se que mesmo com uma jornada de trabalho estabelecida pela instituição de 20 e 30 horas, ainda não há um número suficiente de profissionais para atender as demandas da instituição sem a necessidade de as profissionais estenderem seus horários de trabalho. Nesse aspecto todas as entrevistadas apresentam em comum essa característica de extensão da carga horária, seja por flexibilidade, seja por comprometimento com o trabalho ou com a instituição, seja pelo respeito ao usuário. Dessa forma, podemos aventar uma hipótese que as instituições ainda não se adequaram plenamente para o cumprimento efetivo da Lei. Aparentemente as organizações que empregam esses trabalhadores(as) não se prepararam para dimensionar adequadamente o número de profissionais com a demanda de atendimento. Bernardo (1987 apud ANTUNES, 2011, p. 111) chama a atenção para essas questões que foram apresentadas pelas entrevistadas, pois o autor entende que “a redução da jornada de trabalho não implica necessariamente a redução do tempo de trabalho”. Um trabalhador contemporâneo, cuja atividade seja altamente complexa e que cumpra um horário de sete horas por dia, trabalha muito mais tempo real do que alguém de outra época, que estivesse sujeito a um horário de catorze horas diárias. A redução formal de horário corresponde a um aumento real do tempo de trabalho despendido durante esse período. (BERNARDO, 1987 apud ANTUNES, 2011, p. 111). Serviço Social: direitos e políticas sociais 245 Série Sociedade e Ambiente Assim, Antunes (2011) ressalta que lutar pela redução da jornada de trabalho, implica necessariamente lutar pela redução do tempo opressivo do trabalho, pois se ocorrer o contrário, a redução da jornada será uma duplicação da intensidade do ritmo empregado da atividade anteriormente realizada. 4.2.2 A percepção dos(as) assistentes sociais quanto aos limites e possibilidades da efetivação da Lei 12.317/2010 Para realizar a análise desse item, a pergunta elaborada foi “qual sua avaliação sobre a redução da jornada de trabalho, sem redução salarial para o Serviço Social?”. Duas entrevistadas avaliaram a redução de forma positiva, porém com algumas ressalvas, principalmente na questão salarial e aumento dos postos de trabalho. E uma das entrevistadas considera que as 30 horas sem redução salarial é só no papel e que a prática não é essa, para ela a Lei promoveu uma significativa perda dos espaços ocupacionais para os(as) profissionais do Serviço Social, principalmente nos setores industriais. Outra questão levantada pela profissional é que deve ser ampliado o debate sobre a Lei, além de haver um melhor acompanhamento e fiscalização do CRESS/PR nos espaços organizacionais em que esses(as) profissionais atuam. Com relação a esse item, em virtude de as respostas abordarem aspectos distintos da avaliação da Lei, optou-se por realizar as análises separadamente e para melhor contextualização dos depoimentos serão destacados alguns fragmentos das falas das entrevistadas. 246 Entrevistada 1 - eu acredito que se existe um bem-estar ao profissional, a profissão só tem a ganhar com isso [..]. Primeiramente tem que pensar nisso, no bem-estar profissional, de um profissional que possa dar o melhor de si e com qualidade, então assim, a qualidade do serviço, ela não se reduz por conta da carga horária, mas é feita dentro daquela carga horária com a mesma co-responsabilidade que precisa ser feita. Eu acho que também com a redução há uma possibilidade maior de o profissional buscar meios de conhecimento, dele buscar novos cursos, participar de outras atividades, então só vem agregar na profissão isso, trazer outros elementos que as vezes a gente não tinha essa possibilidade [...]. O que importa é não deixar que a redução (jornada de trabalho), não reduza o salário, tem que tomar cuidado com isso, muitas instituições acabam às vezes até ameaçando o profissional “vocês querem ganhar as 30 horas, então vai ganhar muito menos, isso e isso, não sei o que”, a gente sabe que não é essa a luta, é uma outra discussão que precisa cada vez mais se ampliar. Com relação ao depoimento dessa profissional, percebe-se que a mesma avalia a redução da jornada de trabalho de forma bastante positiva, pois relaciona a diminuição do tempo do trabalho com a promoção do bem-estar do(a) profissional, com a oportunidade de ampliação dos conhecimentos e com a disponibilidade do tempo livre para que o(a) profissional de Serviço Social possa participar de outras atividades de aprimoramento. No entanto, nesse depoimento o que chama a atenção é o modo como os elementos são trazidos na fala dessa profissional, pois vão ao encontro de um discurso ideológico dominante, e não da classe trabalhadora, [...] primeiramente tem que pensar nisso, no bem-estar profissional, de um profissional que possa dar o melhor de si e com qualidade, então assim, a qualidade do serviço ele não se reduz por conta da carga horária, mas é feita dentro daquela carga horária com a mesma coresponsabilidade que precisa ser feita (ENTREVISTADA 1). Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente Iamamoto na obra “O Serviço Social na Contemporaneidade” chama a atenção dos(as) profissionais do Serviço Social para o risco da reprodução de discursos sofistas, estranhados, alienados. Para Antunes (2011) o debate sobre a redução da jornada de trabalho deve ultrapassar a esfera da imediaticidade do uso do tempo do trabalho, e sim, permitir uma reflexão sobre os sentidos fora do trabalho. Antunes (2011, p. 112) ressalta que não é possível “compatibilizar trabalho assalariado, fetichizado e estranhado com tempo (verdadeiramente) livre”, se esta redução da jornada estiver em sintonia com a lógica do capital, ou seja, o tempo livre for convertido em tempo para consumo desprovido de sentido, ou o trabalhador (a) for impelido a capacitar-se para ter maior competitividade no mercado de trabalho, terá sido pervertido o sentido proposto nas lutas para a redução da jornada de trabalho. Entrevistada 2 - Eu falo assim, no papel é sem redução salarial, só que a prática não é essa. A prática é “eu demito um funcionário de 40 horas, eu até fico com ele por um tempo e depois eu justifico uma demissão para contratar um por 30 ganhando menos”. [...] hoje nas indústrias em especial que tínhamos até um número de assistente sociais para trabalhar benefícios, para trabalhar o acompanhamento, atendimento do trabalhador nas necessidades [...] agora a gente vê outros profissionais atuando [...]. O debate das 30 horas existe no serviço público, nos outros existem lamentações, não existem discussões, quando você está no terceiro setor, no privado são só lamentações porque daí é a lei do mais forte [...]. Também acho que o que precisa é o próprio CRESS, que hoje tem poucas pessoas fiscalizando é fazer a fiscalização mesmo, olhar para esse trabalhador. Entrevistada 3 – Eu participo de um grupo de debate há bastante tempo e percebo que o trabalho com 40 horas, no final do dia a tua cabeça não aguenta, então as 30 horas foi isso, ajudou muito [...] com relação ao aumento de postos de trabalho, para mim, continua a mesma coisa, só reduziu o tempo de trabalho, não promoveu o aumento de contratação, eu não percebo isso e nem o grupo do qual eu participo. (Nesse momento surgiu uma demanda institucional e a profissional que estava sendo entrevistada, não pode prosseguir a entrevista, assim a pesquisadora optou por encerrar a entrevista). Os depoimentos das entrevistadas 2 e 3 são constatações da materialização da precarização profissional que os(as) assistentes sociais vem sofrendo no mundo atual do trabalho. Esse contexto é evidenciado por Santos (2003), quando relata que é através de diferentes estratégias capitalistas que é percebida a precarização profissional, entre estas estão a relação salarial e o declínio dos contratos de trabalho por tempo indeterminado (SANTOS, 2003). Outros autores que também tratam dessa questão (CASTEL, 1998; SENNET, 1998; OFFE. 1997), esclarecem que a precarização profissional está acontecendo em vários países, o que está sendo caracterizado como a crise atual do trabalho. E os fenômenos dessa crise, que já foram citados anteriormente, são marcados pela disjunção entre a inserção no mercado de trabalho e um nível de vida e proteção social adequados, com o desmoronamento do contrato de trabalho e do paradigma do pleno emprego como pilares da ordem social (LEITE, et al., 2005). Diante dos depoimentos apresentados, percebe-se que a precarização do trabalho pode ser um fator restritivo para que a implantação da redução da jornada de trabalho se torne efetiva nos vários postos de trabalho do Serviço Social. Em 23 de abril de 2008 o CFESS partiu do princípio que a aprovação da Lei traria ganhos e benefícios a todos(as) os(as) profissionais do Serviço Social, no entanto após a aprovação da Lei, esta não conseguiu transformar a atuação profissional da maneira como os profissionais da categoria almejavam, como também não foi implantada em vários postos de trabalho. Ou seja, há indicadores, tanto nos Serviço Social: direitos e políticas sociais 247 Série Sociedade e Ambiente depoimentos quanto nos fundamentos teóricos abordados, que a transformação social, embora possa ser expressa na legislação, como é o caso da Lei em análise, engloba outros fatores que envolvem diversos atores sociais cuja ação pode potencializar ou restringir os ganhos propostos pela legislação. A cada avanço pode ser consolidada a premissa que subsidiou a promulgação da lei. E a cada retrocesso novas lutas podem ser empreendidas pela categoria profissional. Mesmo com os vários esforços que os órgãos representativos da categoria realizam para o cumprimento da Lei seja efetivo, não se tem conhecimento de nenhuma produção científica desses órgãos com a finalidade de explicitar os resultados que essa conquista promoveu para a categoria. Faleiros (2007) aporta para o debate alguns fatores relevantes em relação às pesquisas no Serviço Social, o autor relata que os(as) assistentes sociais brasileiros não fundamentam sua atividade profissional a partir de resultados de pesquisas, não promovendo melhorias da sua prática profissional, ou principalmente rejeitam aquelas que apresentam críticas ou resultados negativos para sua prática. Com relação à Lei 12.317/2010, deve-se levar em consideração que somente após o debate exaustivo sobre os aspectos positivos ou não, é que os Conselhos ou outros órgãos da categoria poderão planejar ações mais assertivas para corrigir as possíveis fissuras que resultaram no processo de implantação nos espaços ocupacionais do Serviço Social. Os depoimentos das assistentes sociais enfatizam a necessidade de que os órgãos de classe possam ser os dinamizadores de um processo amplo de reflexão sobre os impactos decorrentes da redução da jornada de trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ressaltam-se alguns aspectos importantes, decorrentes deste estudo, que serão sintetizados para que este estudo possa despertar novas investigações. Um dos aspectos aborda a questão metodológica, pois diz respeito ao reduzido número de participantes que prejudicou uma análise mais profunda e consistente, pois com três entrevistas, identifica-se a fragilidade da avaliação sobre os impactos da jornada de trabalho, embora tenha sido possível identificar vários dos tópicos elencados na revisão de literatura. Ou seja, o número de participantes promoveu reflexões importantes, mas alguns aspectos podem ser ampliados a partir de coleta com um número maior de profissionais, agrupando em vínculos com instituições públicas ou privadas, ou mesmo ONGs. O instrumento se mostrou adequado para os objetivos, no entanto foram elencadas três categorias, mas a análise da terceira categoria demandaria aprofundamento na fundamentação teórica e não era escopo deste trabalho. Assim, optou-se neste estudo, em realizar a análise somente de duas categorias. Embora tivesse sido possível identificar alguns elementos relevantes, já abordados na literatura, para abordar de forma mais ampla o impacto da redução da jornada de trabalho, é necessário conhecer melhor o perfil dos(as) trabalhadores(as) que atuam no Serviço Social, a última publicação sobre o perfil dos profissionais foi publicada em 2005 (CFESS, 2005). Também se considera necessário conhecer quais os setores da economia que mais empregam esses profissionais, qual a formação e o nível salarial, em relação ao mercado e a outras profissões; essas questões não puderam ser abordadas ou respondidas neste estudo, pela delimitação do escopo do trabalho, mas são questões importantes que podem nortear futuras pesquisas na área, enriquecendo a compreensão sobre a temática. Na trajetória histórica do Serviço Social constata-se uma consolidação dos Serviço Social: direitos e políticas sociais 248 Série Sociedade e Ambiente aspectos teóricos da profissão, embora ainda seja possível identificar resquícios de uma atuação profissional pautada no conservadorismo. Isso apareceu em uma das falas, quando uma das entrevistadas diz “você tem que amar o usuário”, refletindo uma preocupação em fortalecer o relacionamento pessoal ao invés do relacionamento profissional ou, podendo ser interpretada como uma dificuldade de estabelecer os limites e possibilidades de atuação profissional. Outro depoimento afirma que “seria preferível trabalhar como voluntário”, quando a profissional entrevistada fala da compensação das horas extras e do acúmulo de atividades quando ocorre o seu retorno à instituição. Este estudo permitiu identificar que o debate prevalece sobre a intervenção na realidade, e só o fato de parar para refletir sobre a temática contribuiu para sair da “zona de acomodação”, conforme relata Faleiros (2007). Quanto aos resultados deste estudo, o objetivo era analisar os impactos da redução da jornada de trabalho para os(as) assistentes sociais que estavam inseridos(as) no mercado de trabalho quando a Lei foi aprovada. Este TCC atingiu parcialmente o objetivo de estudo quando constatou que a precarização profissional presente no mundo atual do trabalho aparece como uma força restritiva, que limita a efetividade da Lei. Mas como um estudo exploratório, este localizou elementos relevantes para dar continuidade no estudo e incentivar o início de outros. Enfim, o percurso construtivo deste estudo foi permeado de questionamentos, e hipóteses sobre o tema, num esforço de oferecer subsídios suficientes para responder à problematização com postura ética, respeitando toda a trajetória histórica que foi realizada até a conquista da Lei. 249 REFERÊNCIAS AGUIAR, A. G. Serviço Social e Filosofia – Das Origecns a Araxá, 3 ed. São Paulo: Cortez, 1985. ALCENO, Joice Macedo. O Reflexo da Redução da Carga Horária dos Assistentes Sociais no Cotidiano Profissional. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2011. Disponível em: <http://tcc.bu.ufsc.br/Ssocial303405.pdf>. Acesso em: 15/03/2015. ALMEIDA, A. A. Possibilidades e limites da teoria do Serviço Social. 2 ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1980. _________. Considerações para o exame do processo de trabalho no Serviço Social. In: Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 52, 2ª ed., 1994, p. 24-47. 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Serviço Social: direitos e políticas sociais 252 Série Sociedade e Ambiente SOBRE A SÉRIE SOCIEDADE E AMBIENTE 253 A Série Sociedade e Ambiente seleciona parte dos trabalhos acadêmicos produzidos pelos acadêmicos na disciplina de Projeto Integrador na área das Ciências da Vida e Sociedade, e os publica em formato de E-book, com a intenção de valorizar a pesquisa acadêmica fruto da relação professor e aluno, e também, socializar com a comunidade o conhecimento produzido na Faculdade. O destaque dos “Projetos Acadêmicos” é uma iniciativa do Núcleo de Inovação, Pesquisa e Extensão (NIPE) da Faculdade Padre João Bagozzi, que fomenta a interdisciplinaridade entre as unidades curriculares e visa reconhecer os Projetos Integradores desenvolvidos pelos acadêmicos dos diferentes cursos ao longo do semestre letivo, que se destacaram pela sua inovação, qualidade acadêmico-científica e relação com a prática profissional. Maiores informações no site da Faculdade: www.faculdadebagozzi.edu.br ou no e-mail [email protected]. Serviço Social: direitos e políticas sociais Série Sociedade e Ambiente 254 Serviço Social: direitos e políticas sociais