A POLÍTICA DE SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL - cress-mg

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A POLÍTICA DE SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL: DE SUA GENESE ÀS
INTERVENÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL
Viviane Arcanjo de Oliveira 1
RESUMO
Este artigo tem como objetivo iniciar uma discussão sobre a Política de Saúde no Brasil, a participação dos (as)
assistentes sociais em seu quadro funcional e os desafios encontrados pela categoria em suas mediações pela
efetivação dos princípios previstos nas Leis 8080/ 90 e 8142 /90, bem como da Carta dos Direitos dos Usuários
da Saúde de 2006, elaborada de acordo com os princípios fundamentais que, juntos, asseguram ao cidadão o
direito basilar ao ingresso nos sistemas de saúde públicos ou privados. 2
Palavras-chave: Serviço Social; Saúde; Políticas públicas, Reforma Sanitária .
1
Assistente Social, especialista em saúde pública com ênfase em Urgência e Trauma pelo Hospital Municipal
Odilon Behrens. Conselheira -1º Secretaria do Conselho Regional de Serviço Social - MG- Gestão 2014-2017
2
Para maiores detalhes ver a Carta dos “Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde” — Ministério da Saúde,
2006.
1 INTRODUÇÃO
A iniciativa de produzir este artigo se deu a partir da experiência de atuação em um
programa de Residência Multiprofissional de um hospital de urgência e emergência em Belo
Horizonte - MG, e tem como objetivo problematizar os conflitos entre a prestação de serviço
ao “cliente”, imposta pelas unidades de saúde e o compromisso ético e profissional do Serviço
Social.
Para sua realização, foi feita uma incursão bibliográfica a fim de compreender
conceitualmente o que foi a Reforma Sanitária e a partir dos princípios pilares desta reforma,
compreender quais os desafios encontrados pelos (as) assistentes sociais na tentativa de
garantir um atendimento qualificado aos usuários à luz da Lei de Regulamentação da
Profissão – Lei 8662/ 93; do Código de Ética Profissional /93; Parâmetros para atuação de
assistentes sociais na política de saúde - CFESS, 2010 em contraponto com a lógica de
Contrarreforma que impera na atualidade.
Iniciaremos explanando sobre A Política de Saúde Pública no Brasil fazendo um raso
resgate histórico, desde seu processo de construção em meio à administração portuguesa do
século XVIII até a Reforma Sanitária. Posteriormente, faremos um breve relato entre a este
período histórico e a promulgação da atual Carta Magna brasileira. Para finalizar, iniciaremos
nosso debate sobre o Serviço Social como uma profissão reconhecida como área da Saúde e
seus desafios para uma ação coerente, autônoma e em consonância com os preceitos e
diretrizes do Projeto Ético e Político da profissão.
2. A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL
2.1 Sucinto panorama do início do século até a Reforma Sanitária.
A administração portuguesa no Brasil no século XVIII não se caracterizou pela
organização do espaço social visando ao combate às causas das doenças [...] a atuação do
Estado e dos médicos era de evitar a morte (MACHADO, 1978).
No século XIX, inicia-se um processo de modificações entre as práticas políticas e
sociais das potências imperiais sob o pano de fundo de uma economia que estava em
constante transformação, saindo de um Sistema Capitalista pensado em bases Liberais, para
transformar-se num Capitalismo Monopolista, marcando este século por um intenso
desenvolvimento tecnológico e científico nos países industrializados da Europa (BANDEIRA,
2010).
Para Bertolli Filho (2004), o avanço do sistema capitalista, trouxe consigo uma
redefinição dos trabalhadores brasileiros como capital humano. Esta ideia tinha por base o
reconhecimento de que as funções produtivas são as fontes geradoras de riquezas das nações
[...] neste contexto, a medicina assumiu o papel de guia do Estado para assuntos sanitários,
cujo objetivo era o de garantir a melhoria da saúde individual e coletiva e, por extensão, a
defesa do projeto de modernização do referido país.
No âmbito das políticas sociais, pela Constituição de 1891 i·, cabia aos Estados a
responsabilidade pelas ações de saúde, de saneamento e de educação. (CONASS/2011).
No intuito de amenizar as intensas manifestações ocorridas devido às más condições
de trabalho e saúde, em 1923 foi implementada no Brasil através do deputado Eloy Chaves
(1875 -1964) a Lei Eloy Chaves 3 que instituía a previdência social dos ferroviários, através
das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs).
No Brasil, após a Segunda Guerra Mundial, na tentativa de garantia das proteções
sociais, o Governo de Vargas desenvolve a legislação trabalhista. Neste período conhecido
como a Era Vargas (1930 a 1945), o Estado buscava ao mesmo tempo controlar as greves e os
movimentos operários e estabelecer um sistema de seguro social. Criou-se o Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio em 1931; a instituição da Carteira de Trabalho Obrigatória em
1932; a transição do modelo previdenciário por empresa, CAPs, para o modelo por categoria
profissional, chamado Instituto de Aposentadorias e Pensões- IAPs, em 1933 e em 1940 a
instituição do salário mínimo. Cria-se o Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), a
quem cabia a saúde pública, ou seja, tudo que dissesse respeito à saúde da população que não
se encontrava na área da medicina previdenciária (LIMA, 2005 apud, CONASS/2011).
Em 1946 ocorre no Brasil a promulgação de uma nova Constituição Federal, e, neste
período, a saúde pública teve sua estrutura centralizada, os programas e serviços eram
3 Decreto Legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923 (
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DPL)
pautados em campanhas e ações sanitárias, assim como sua burocracia foi confrontada com
novos contextos e contornos políticos e sociais que caracterizaram o Brasil até 1964 [...]
Seguidos pela criação do Ministério da Saúde, em 1953; reorganização dos serviços nacionais
no Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU) 4, em 1956; implementação da
campanha nacional contra a lepra e das campanhas de controle e erradicação de doenças,
como a malária, de 1958 a 1964; realização da 3ª Conferência Nacional de Saúde 5, em 1963.
(CONASS/2011).
Em 1964 tem uma significação na particularidade brasileira: a ditadura militar foi a
solução política, via mecanismos repressivos, que, devastando o campo da democracia,
inaugurou o que Florestan Fernandes qualifica de um “padrão compósito e articulado de
dominação burguesa”, visando beneficiar as classes proprietárias NETTO, (1989); e
MARTINS (1977).
Em tal contexto, sindicatos das diversas categorias profissionais da saúde,
principalmente médicos, acadêmicos e cientistas — debatiam em seminários e congressos as
epidemias, as endemias e a degradação da qualidade de vida do povo. Um movimento pela
transformação do setor de saúde fundiu-se com outros movimentos sociais, mais ou menos
vigorosos, que tinham em comum a luta pelos direitos civis e sociais percebidos como
dimensões imanentes à democracia (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005).
A Conferência Internacional sobre a Atenção Primária à Saúde, realizada em AlmaAta (localizada no atual Cazaquistão), em 1978, foi o ponto culminante na discussão contra a
elitização da prática médica, bem como contra a inacessibilidade dos serviços médicos às
grandes massas populacionais.
O ano de 1974 marcou o começo de uma importante inflexão política do regime
militar que inicia o processo de abertura, completada pelo último presidente militar (19791984). Esses anos são marcados pelas críticas ao regime, destacando-se, o ressurgimento do
movimento estudantil e o surgimento do movimento pela anistia e do novo sindicalismo, além
do início do movimento sanitário (CORDEIRO, 2004).
Para Maria Inês Bravo (2011), a VIII Conferência Nacional de Saúde realizada entre
os dias 17 e 21 de março de 1986 em Brasília- DF foi considerada um fato marcante para a
4 A criação do DNERu em 6 de março de 1956, pela lei nº 2.743.
5
A 3ª CNS ocorreu em 1963, 10 anos após a criação do Ministério da Saúde, e representou a proposta inicial de
descentralização na área de saúde.
discussão sobre a saúde pública no Brasil. Neste evento estiveram presentes mais de 4500
pessoas, dentre as quais mil delegados (as). Ainda segundo a autora, essa Conferência
representa inegavelmente um marco, pois introduziu a sociedade no cenário da discussão da
saúde. Para ela, os debates saíram dos seus fóruns específicos (Abrasco 6,Cebes 7, Medicina
Preventiva , Saúde Pública) , e assumiram outra dimensão com a participação das entidades
representativas da população: moradores , sindicatos , partidos políticos, associações de
profissionais, parlamento.
Assim, foi na 8ª Conferência Nacional de Saúde realizada no ano de 1986, que se
aprovou a criação de um Sistema Único de Saúde, que se constituísse em um novo arcabouço
institucional, com a separação total da saúde em relação à Previdência. Enquanto se
aprofundavam as discussões sobre o financiamento e a operacionalização para a constituição
do Sistema Único de Saúde, em julho de 1987, criou-se o Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (SUDS), que tinha também como princípios básicos: a
universalização; a equidade; a descentralização; a regionalização; a hierarquização e a
participação comunitária. (CONASS/2011).
Cabe lembrar que, antes da criação do Sistema Único de Saúde, o Ministério da Saúde
desenvolvia quase que exclusivamente ações de promoção da saúde e prevenção de doenças,
como campanhas de vacinação e controle de endemias. A atuação do setor público na
chamada assistência médico-hospitalar era prestada por intermédio do Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), autarquia do Ministério da Previdência
e Assistência Social, e a Assistência à Saúde desenvolvida beneficiavam apenas os
trabalhadores da economia formal, segurados do INPS e seus dependentes, não tendo caráter
universal (SOUZA, 2002).
2.2 A Constituição Federal de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde- SUS
Em 05 de dezembro de 1988, concluiu-se o processo constituinte e foi promulgada a
oitava Constituição do Brasil. Conhecida como a “Constituição Cidadã” se tornou um marco
fundamental na redefinição das prioridades da política do Estado na área da saúde pública.
6
7
Associação Brasileira de Saúde Coletiva.Ver http://www.abrasco.org.br/sobre
O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde é uma entidade nacional criada em 1976.
A concepção de Seguridade Social representa um dos maiores avanços da Constituição
Federal de 1988, no que se refere à proteção social e no atendimento às históricas
reivindicações da classe trabalhadora (CFESS,2010).
Para a autora Ivanete Boschett (2007), o conceito de seguridade social defendido pela
Carta de Maceió 8 (2000), reforça o avanço, mas, vai além: sustenta um modelo que inclui
todos os direitos previstos no artigo 6º da Constituição Federal (educação, saúde, trabalho,
moradia, lazer, segurança, previdência e assistência social), de modo a conformar um amplo
sistema de proteção mais consoante às condições gerais dos cidadãos brasileiros.
A saúde foi uma das áreas em que os avanços constitucionais foram mais
significativos. O Sistema Único de Saúde (SUS), integrante da Seguridade Social e uma das
proposições do Projeto de Reforma Sanitária, foram regulamentados, em 1990, pela Lei
Orgânica da Saúde (LOS) 9.(CFESS.2010).
O SUS é constituído pelo conjunto das ações e de serviços de saúde sob a gestão
pública. Está organizado em redes regionalizadas e hierarquizadas e atua em todo o território
nacional, com direção única em cada esfera de governo [...] atual texto constitucional
brasileiro estabelece em seu artigo 196, Seção II que a saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação (C.F 1988/90).
Em 19 de setembro de 1990 é sancionada a Lei 8080 que dispõe sobre as condições
para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes [...] Essa lei regula em todo o território nacional as ações e os
serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual,
por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privadas. Suas ações e serviços
públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o SUS.São
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal de
1988, obedecendo ainda a princípios organizativos e doutrinários, tais como: universalidade
de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; integralidade de assistência,
8
A Carta de Maceió foi elaborada e aprovada pelos participantes do XXIX Encontro Nacional CFESS/ CRESS,
realizado em Alagoas, em 2000. Documento encontra-se no Relatório do XXIX Encontro Nacional CFESS/
CRESS, organizado pelo CFESS.
9
Lei 8080. Dispõe sobre as condições sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde.
com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
equidade; descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera de
governo; conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União,
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios na prestação de serviços de assistência à
saúde da população; participação da comunidade; regionalização e hierarquização. Por sua
vez a Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, dispõe sobre a participação da comunidade na
gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de
recursos financeiros na área de saúde, entre outras providências. Também instituiu as
Conferências e os Conselhos de Saúde em cada esfera de governo (BRASIL, 1990).
3. O DIFERENCIAL DO SERVICO SOCIAL NAS UNIDADES DE SAÚDE
O Serviço Social é uma profissão cuja identidade é marcadamente histórica. Seu
fundamento é a própria realidade social e sua matéria-prima de trabalho são as múltiplas
expressões da questão social 10, o que lhe confere uma forma peculiar de inserção na divisão
social e técnica de trabalho. Como profissão de natureza eminentemente interventiva, que atua
nas dinâmicas que constituem a vida social, participa do processo global de trabalho e tem,
portanto, uma dimensão sócio histórica e política que lhe é constitutiva e constituinte.
(MARTINELLI, 2011. p. 497-508).
Para BRAVO (2011), o Serviço Social sofreu profundas modificações no pós – 64,
que tiveram rebatimento na prática do (a) assistente social na saúde com novas exigências
advindas da política de saúde e da reorganização institucional do setor, dos movimentos
sociais e da conjuntura em questão.
José Paulo Netto (1989, p.360 -63 apud BRAVO, 2011 p.119) complementa que o
Serviço Social na “autocracia burguesa”
11
teve uma renovação significativa, que pode ser
visualizada através da alteração de muitas demandas práticas a ele colocadas, que
modificaram as condições do exercício profissional [...] o processo de rearranjo da profissão
não teve como causalidade apenas as condições internas, mas, foi por múltiplos
determinantes, destacando - se fundamentalmente a dinâmica e a crise do ciclo ditatorial, na
sua dimensão macroscópica.
10
11
Sobre Questão Social ver também em SANTOS. Josiane ( 2011).
Ver mais em (NETTO,1989,e MARTINS, 1977).
Para Maria Inês Souza Bravo, (2011.p.125) o serviço social nos órgãos de assistência
médica da previdência foi regulamentado em 1967 e previa ações de caráter preventivo e
curativo; grupal de caráter educativo- preventivo, comunitária, para mobilização de recursos e
reintegração dos pacientes às famílias e ao trabalho.
Segundo Mioto (2006, apud, MIOTO; NOGUEIRA, 2006), o entendimento da ação
profissional se estruturam sustentada no conhecimento da realidade e dos sujeitos e para os
quais são destinadas, na definição dos objetos, nas escolhas de abordagens e dos instrumentos
apropriados às abordagens definidas.
O projeto ético político da profissão, construído nos últimos trinta anos, pauta-se na
perspectiva da totalidade social e tem na questão social a base de sua fundamentação. CFESS
(2010.p.37).
Essas expressões da questão social devem ser compreendidas, segundo Iamamoto
(1982) ,como um conjunto das desigualdades da sociedade capitalista, que se expressam por
meio de determinações econômicas, políticas e culturais que impactam as classes sociais.
(IAMAMOTO, 1982, apud, CFESS, 2010.p.37).
Com a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) através da Constituição de
1988, a saúde passou a ser entendida como algo que envolve o mais completo estado de bemestar social do indivíduo, considerando para tanto os aspectos sociais que se caracterizam pela
habitação, pela renda, pela educação, pelo transporte, dentre outros. Neste contexto, o SUS foi
instituído como categoria de direito universal concebido ao trabalhador e a toda população
[...] O SUS pode ser definido como um sistema que visa à prestação de serviços de saúde a
toda população do Brasil, regulamentado, controlado e fiscalizado no que se refere à execução
de suas ações pelo Estado, que tem como principal objetivo o bem comum. Seus princípios
são universalidade, equidade, integralidade e organizado de maneira descentralizada,
hierarquizada e com participação da população (BRASIL, 2003).
O exercício profissional, expressão material e concreta do processo de trabalho do
assistente social, explicita a dimensão política da profissão e o reconhecimento da condição
de sujeitos de direitos daqueles com os quais atua, tendo por fim último a sua emancipação
social [...] Para tanto, em cada ato profissional são mobilizados conhecimentos, saberes e
práticas que, mediante uma ampla cadeia de mediações e do uso adequado de instrumentais de
trabalho, visam alcançar os resultados estabelecidos. MARTINELLI, 2011(p. 497).
Ainda conforme a autora, cada um desses momentos é saturado de determinações
políticas, econômicas, históricas, culturais que estão presentes no atendimento demandado e
nas respostas oferecidas, pautadas sempre em valores éticos que fundamentam a prática do
Serviço Social, com base no Projeto Ético Político 12 profissional, como expressão que é do
Código de Ética, aprovado pela Resolução do CFESS n. 273/93, com alterações posteriores,
bem como da Lei n. 8662, de junho de 1993, que regulamenta o exercício profissional [...] A
dimensão ética é constitutiva da identidade da profissão, juntamente com as dimensões
técnico operativo e teórico metodológicas, articulando se em termos de poderes, fazeres e
saberes como mediações da prática profissional e expressões de nossa práxis humana. Há um
fim último que buscamos com nossas ações profissionais e que configuram a particularidade
histórica da profissão. Cada um de seus atos profissionais, até mesmo o menor deles, é
dimensionado eticamente, direciona-se à emancipação humana e, portanto, sua vocação é
sempre a humanização da prática profissional. MARTINELLI, 2011(p. 497).
O (a) assistente social é reconhecidamente um (a) profissional da saúde. As
Resoluções do conselho Nacional de Saúde n. 218, de seis de março de 1997, e do Conselho
Federal de Serviço Social n. 383, de 29 de março de 1999, além da Resolução n. 196, de
1996, que trata da ética em pesquisa, envolvendo seres humanos. (Rosa ET al., 2006, p. 6364) são expressões concretas desta afirmativa. No âmbito desses marcos legal e normativo,
torna-se indispensável ressaltar a importância dos Parâmetros para Atuação de Assistentes
Sociais na Política de Saúde, elaborados a partir de ampla participação da categoria
profissional e promulgados pelo CFESS, com o objetivo de “referenciar a intervenção dos
profissionais na área da saúde” (CFESS, 2010, p. 11).
Para Maria Lucia Martinelli (2011), tais parâmetros reforçam a importância de
reconhecer os usuários da saúde como sujeitos de direitos, em um contexto de cidadania e de
democracia [...] Este é o compromisso que nos cabe assumir e que somente pode ser
alcançado por meio de práticas interdisciplinares, pautadas em um horizonte ético de
humanização e de respeito à vida. Isto exige um contínuo processo de construção de
conhecimentos, pela via da pesquisa e da intervenção profissional competente, vigorosa e
crítica, alicerçada a Política Nacional de Saúde e no Projeto Ético-Político do Serviço Social.
12
Ver texto: A Construção do Projeto Ético Político do Serviço Social de José Paulo Netto apud, BRAVO, 2009
p. 141.
Corroborando com a autora, Critelli (2006, p. 2 apud MARTINELLI p.5), defende que
é desse trabalho crítico e competente sob o ponto de vista ético-político que estamos falando,
pois trata- se de um trabalho que é ético porque se movimenta no campo dos valores; porque
parte do reconhecimento da condição humana dos sujeitos, e que é político porque aspira
sempre à sua emancipação, abrangendo a relação saúde, doença, cuidados, a população
atendida, seus familiares e a própria comunidade. Torna-se evidente, portanto, que
necessitamos da ética, pois é ela que nos permite atentar para os fundamentos valorativos de
nossos atos profissionais.
Na área da saúde, CHAUI (2000) afirma que as várias dimensões da ética são
imprescindíveis, especialmente no que se refere à ética dos cuidados; à ética da proteção
social; à ética militante [...] onde há múltiplas identidades em interação, este é um desafio
cotidiano, que se transforma em um verdadeiro imperativo ético, pois o que está em jogo é a
construção de uma prática competente, na qual o valor humano, a qualidade de vida e a
dignidade sejam alicerces fundantes e objetivos comuns para toda a equipe.
Para um aprofundamento na discussão do fazer profissional de assistentes sociais
atuante na Política de Saúde Publica, há uma necessidade de definir com maior precisão os
elementos constitutivos da dimensão técnico - operativa 13, indicando como um caminho,
explicitar a relação existente entre ações profissionais, procedimentos e instrumentos bem
como a orientação teórico- metodológico e ético-político dos agentes sociais. (SANTOS,
BACK, GUERRA, 2013.p. 27).
Para Agnes Heller (1989), a questão da demanda deve ser levada em consideração.
Para ela o cotidiano, compreendido como o espaço em que se realiza a intervenção, nos
permite pensar na forma como as demandas chegam às instituições e aprecem para os (as)
assistentes sociais: imediatizadas, fragmentadas e heterogêneas.
Logo, segundo SANTOS,BACKE GUERRA (2013.p 27) se a percepção do (a)
profissional não ultrapassar essa forma, ou seja, não refletir sobre como essa forma se
apresenta, sem refletir sobre suas determinações e conexões, implicará em uma utilização do
instrumental técnico-operativo de modo conservador, sobretudo em função do significado e
das características contraditórias das organizações / serviços nos quais assistentes sociais
exercem suas atividades profissionais: com uma lógica de intervenção (pública) sobre as
13
Sobre as três dimensões ler texto: As Dimensões Éticas-Políticas e Teórico-Metodológicas no Serviço Social
Contemporâneo. Marilda Villela Iamamoto apud BRAVO 2009.p.161.
expressões da questão social, interferindo sobre o cotidiano especialmente dos trabalhadores
pobres (âmbito privado).
Para as autoras, é necessário entender o espaço onde o exercício profissional se
realiza; como as demandas chegam ao serviço;quais as necessidades apresentadas pelos (as)
usuários (as) e como a política social se operacionaliza na organização. Portanto, lançar mão
do instrumental técnico sem entender o conjunto de mediações 14 necessárias, faz com que a
resposta profissional fique aquém das possibilidades de uma ação consciente, crítica e
competente [...] As ações são profissionais apresentam uma abrangência maior e expressam o
fazer profissional: Orientar, encaminhar, avaliar, estudar, planejar e outras ações previstas
como competências e atribuições na legislação profissional 15, que é desenvolvido em um
serviço prestado pela instituição que pode ter variadas formas [...] Para desenvolver as ações,
os (as) profissionais utilizam as ferramentas que são os instrumentos já os procedimentos são
os
conjuntos
de
atividades
que
o
profissional
realiza
mobilizando
esses
instrumentos.SANTOS,BACKE,GUERRA (2013.p 27).
Netto (1996) sustenta que as respostas dadas apoiam-se (ou deveriam) apoiar- se em
um projeto de sociedade, em um conjunto de proposições teóricas, em valores e princípio
éticos e dão uma determinada direção estratégica à intervenção profissional.
Assim, a definição sobre o que fazer e como fazer tem que ser articulado com o pra que fazer
e o que fazer. GUERRA, (2013apud. SANTOS, BACKE GUERRA p.49).
No campo profissional, mais precisamente na política de saúde, os (as) assistentes
sociais encontram quatro características que segundo Yolanda Guerra (2013 p.50), se divide
em quatro, a saber: I) heterogeneidade: as demandas do cotidiano são essencialmente
diversas, o que exige do sujeito que orienta sua atenção totalmente às mesmas; II)
espontaneidade: característica dominante da vida cotidiana, em razão desta os sujeitos se
apropria de maneira espontânea e naturalizada dos costumes e dos comportamentos da
sociedade. III) imediaticidade: as ações desencadeadas na vida cotidiana tendem a responder,
fundamentalmente, as demandas imediatas da reprodução social dos sujeitos e, por fim, IV) a
superficialidade extensiva: considerando as características das demandas do cotidiano, os
sujeitos acabam por encaminhá-las de maneira superficial.
14
15
Sobre Mediações, ler: PONTES, Reinaldo Nobre. Mediação e Serviço Social. 7ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2011.
Lei 8662 de 07 de 1993 alterada pela Lei 12.317 de 26 de agosto de 2010. CFESS
Reduzir o fazer profissional à sua dimensão técnico - instrumental significa tornar o
Serviço Social um meio para alcance de quaisquer finalidade. (SANTOS BACKE GUERRA
p.50).
Concordando com as autoras, Agnes Heller (1994), faz uma reflexão de que é usual na
vida cotidiana a requisição de respostas funcionais. Esta é a esfera da vida social mais
propensa a alienação, tendo em vista os mecanismos e demandas de hierarquias ,
limitação,esponteneismo, probabilidade, pragmatismo , economicismo, o uso de precedentes ,
juízos entre outros. Reflexão que corrobora com Marilda Iamamoto (1992, p.42), que
considera que:
O (a) assistente social é solicitado (a) não tanto pelo caráter
propriamente especializado de suas ações, senão antes basicamente,
por suas funções de cunho educativo, moralizadora e disciplinador
[...] o (a) assistente social aparece como profissional da coerção e do
consenso, cuja ação recai em um campo político (IAMAMOTO,
1992, p.42).
Toda intervenção encontra-se imbuída de um conjunto de valores que e princípios que
permitem ao (a) assistente social fazer escolhas teóricas, técnicas, éticas e políticas. É no
cotidiano que o (a) profissional se depara com demandas e interesses contraditórios e com um
leque de possibilidades, o que lhe permite exercitar sua autonomia que será sempre relativa
[...] no cotidiano profissional, a lógica fordista e gerencial expressa nas políticas sociais
através da adoção acrítica dos critérios da racionalidade instrumental, muitas de maneira
imperceptíveis [...] passam a ser analisadas segundo a lógica pragmática e produtivista que
conforma valores: rentabilidade alcance de metas de produtividade, eficiência e eficácia como
critério para referenciar a analise e intervenção no cotidiano da vida dos sujeitos. (SANTOS
BACKE GUERRA p.69).
Ao participar do trabalho em equipe o (a) assistente social dispõe de ângulos
particulares de observação na interpretação das condições de saúde do usuário e uma
competência também distinta para o encaminhamento das ações, que o diferencia dos demais
profissionais que atuam na saúde. CFESS (2010 p. 44) Iamamoto (2002) concorda que o
trabalho coletivo não dilui as competências e atribuições de cada profissão, pelo contrario
,exige maior clareza no trato das mesmas. A atuação da equipe então vai requerer do (a)
assistente social a observância dos seus princípios ético-politico, explicitados nos diversos
documentos legais 16 que regem a profissão.
4. CONCLUSÄO
Os (as) assistentes sociais têm encontrado dificuldades de compreensão por parte da
equipe de saúde, das suas atribuições e competências em face à dinâmica de trabalho imposta
nas unidades de saúde determinadas pelas pressões com relação à demanda e a fragmentação
do trabalho ainda existente (CFESS, 2010 p.45).
Parafraseando COSTA (1999, apud. BRAVO 2009) as atividades realizadas pelos (as)
profissionais do serviço social, estão concentradas em campos de ações de caráter
emergencial assistencial 17; educação, informação e comunicação em saúde 18; mobilização e
participação social 19.
Este trabalho não tem a menor pretensão de esgotar a discussão sobre a Política de
Saúde Publica no Brasil e o protagonismo do Serviço Social . Ao contrário, almeja-se
contribuir para que outras pesquisas sejam iniciadas a partir das provocações encontradas
nestes parágrafos a fim de fortalecer os (as) assistentes sociais atuantes nos serviços de saúde
publico ou privados, uma vez que, sua atuação é imbuída de grandes volumes de tarefas das
mais diversas formas, trazendo lhes o desafio de ser capaz de lidar com inúmeras demandas
bem como as contradições sejam por parte dos empregadores ou advindas dos contextos
históricos, internos ou externos ao seu campo de atuação.
É necessário que os (as) profissionais conheçam e tenham domínio das legislações,
códigos de ética e direção criticam da profissão para que a lógica cultural e rotineira dos
serviços de saúde não os (as) transformem em meros reprodutores de ações definidas por
demais categorias profissionais, perdendo de vista o norte dos princípios basilares da Reforma
16
(Legislação Código de Ética Profissional e Lei de Regulamentação da Profissão ambas de 1993; Diretrizes
Curriculares da ABEPSS datada de 1996).
17
Ações de caráter emergencial – estas se expressam nas atividades voltadas para a agilização de obtenção de
transportes, medicamentos, órteses e próteses e abrigamento no pós-alta hospitalar.
18
Educação, informação e comunicação em saúde consistem em orientações e abordagens individuais e
coletivas/ grupais ao usuário e família acerca de problemática que envolve a colaboração destes na solução de
problemas individuais e coletivos.
19
Mobilização e participação social são ações voltadas para a mobilização da comunidade; São as participações
em Conselhos de Saúde em âmbito local.
Sanitária reforçada pela Constituição Federal de 1988 tais como: universalidade,
integralidade, equidade.
Conforme defende Maria Dalva Horacio (2009), a participação do Serviço Social na
equipe de saúde cumpre um papel de particular de estabelecer um elo “perdido”, quebrado
pela burocratização das ações, tanto internamente entre os níveis de prestação de serviços de
saúde, quanto, sobretudo, entre as políticas de saúde e as demais políticas sociais e/ou
setoriais.(COSTA, 2009 apud BRAVO 2009 p.340 - 341).
REFERÊNCIAS
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Saúde Publica de Minas Gerais.
BRAVO.Maria Inês Souza.2009.Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional.
4ª Edição . Editora Cortez
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Profissionais.4ª Ed. Editora Cortez
CHAUI, M. de Souza. Público, privado, despotismo. In: NOVAES, A. (Org.). Ética. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 345- 390.
CONSELHO NACIONAL DE SECRETARIOS DE SAÚDE - CONASS 2011 – 1ª Edição –
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Brasília:
____________,2010. Parâmetros para atuação de assistentes sociais na política de saúde.
Brasília: CFESS, 2010.
COSTA. Maria Dalva Horacio. 2009.O Trabalho nos Serviços de Saúde e a Inserção dos (as)
Assistentes Sociais apud.BRAVO.Maria Inez 2009.Serviço Social e Saúde: Formação e
Trabalho Profissional.
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em http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/relatorio_3.pdf [acessado em 10.12.13]
SANTOS, Josiane. 2012 .Questão Social:Particularidades no Brasil.São Paulo. ED. Cortez
SANTOS,Claudia Monica; BACK.Sheila; GUERRA.Yolanda. A dimensão técnica –
operativa no Serviço Social : desafios contemporâneos.Org.2ª Edição.Ed.Juiz de Fora ,2013.
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