recurso especial nº 0123/2007 - Procuradoria Regional da

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA - 5ª REGIÃO
Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Presidente do Tribunal Regional
Federal da 5ª Região.
Referência : Processo nº 2006.05.00.041329-3
Investigado : Joaquim Neto de Andrade Silva
.
INQ 1670-PE
RECURSO ESPECIAL Nº 0123/2007
O Ministério Público Federal, através da Procuradora Regional da
República, adiante firmada, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com
fundamento no artigo 105, III, alíneas a e c, da Constituição Federal, interpor
recurso especial
consoante razões anexas, contra o acórdão de fls.106-128, proferido pelo plenário desse
egrégio Tribunal Regional Federal, nos autos do processo nº 2006.05.00.041329-3
(INQ 1670-PE), onde se rejeitou a denúncia oferecida por esta Procuradoria Regional
da República da 5ª Região.
Requer que Vossa Excelência receba e processe o presente recurso e, após os trâmites
necessários, requer seja o recurso admitido e que Vossa Excelência faça enviar os autos
ao colendo Superior Tribunal de Justiça, para julgamento.
Pede deferimento.
Recife, 18 de outubro de 2007.
Regina Coeli Campos de Meneses
Procuradora Regional da República
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA - 5ª REGIÃO
Egrégio Superior Tribunal de Justiça
Razões de Recurso Especial
Referência : Processo nº 2006.05.00.041329-3
Investigado : Joaquim Neto de Andrade Silva
(INQ 1670-PE)
Eminente Ministro(a) Relator(a)
Os Fatos e o Direito
1 –Esta Procuradoria Regional da República, denunciou o Sr.
Joaquim Neto de Andrade Silva em razão da omissão no repasse para a previdência
social oficial de quantias recolhidas, a título de contribuição social, de empregados
vinculados à prefeitura de Gravatá/PE, referentes às competências de
Dezembro/2001(parte do 13º salário, junho a dezembro/2003(inclusive 13º salário),
janeiro e julho 2004, sendo as condutas classificadas nos artigos 168-A combinado
com o artigo 71, ambos do Código Penal.
1.2 O Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ªRegião, negou-se à
instauração da ação penal, com a seguinte argumentação:
a) impossibilidade de se colocar o Prefeito como sujeito ativo do
referido tipo, porque a referida autoridade não está na previsão dos
dispositivos que versam sobre o sujeito ativo;
b) ausência de demonstração do animus rem sibi habendi, elemento
inafastável para configuração do crime de “apropriação indébita”
previdenciária.
1.3 O acórdão restou assim ementado:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL.AÇÃO PENAL
PROPOSTA EM FACE DE PREFEITO. OMISSÃO NO
RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
(ART.168-A, CP). AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DO DOLO
ESPECÍFICO.FATO ATÍPICO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.ART.43, I
DO CPP.
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-A lei penal não pode descrever como crime o mero não pagamento,
posto que não é lícito ao legislador comum contornar proibição inserta na
Lei Maior, que vedou a prisão por dívidas, ressalvadas as exceções que
ela própria consagrou.
-O crime de apropriação indébita previdenciária não se exaure com o
mero deixar de pagar, exigindo dolo específico de se apropriar os
valores, iludindo o fisco, razão porque não comete o crime quem registra
todos os débitos em sua contabilidade e não dispõe de ativo suficientes
para a quitação dos tributos questionados.
-A denúncia para ser apta, deve conter a descrição de todos os elementos
constitutivos do ilícito.
-Hipótese em que o Ministério Público Federal não se preocupou em
descrever os elementos essenciais do ilícito penal em questão, máxime o
dolo específico dos agentes de se apropriarem dos valores descontados.
-Ademais a falta de recolhimento das contribuições previdenciárias,
descontadas dos servidores municipais, não qualifica o Prefeito como
sujeito ativo do crime de apropriação indébita. Precedentes do STJ.
-Denúncia que se rejeita a teor do que preceitua o art.43, I do CPP.”
1.4 A decisão em tela, data venia, não fez a melhor aplicação do
direito, razão pela qual vulnerou os tipos indicados na denúncia, justificando a
admissibilidade, o conhecimento e o provimento do presente recurso especial à luz dos
permissivos contidos no art. 105, III, a e c da Constituição Federal, como se passará a
demonstrar.
Da tempestividade
2. O recurso é tempestivo pois, a intimação do Ministério Público
Federal somente se aperfeiçoa com a remessa dos autos à Procuradoria Regional da
República, a entrada dos autos nesta unidade do Ministério Público Federal deu-se no
dia 15 de outubro de 2007, conforme fls.129v., assim, tempestiva a interposição deste
recurso especial.
Negativa de Vigência à Lei Federal
Da vulneração ao artigos 168-A do Código Penal
3. Como a decisão escorou-se em duplo fundamento, cabe a esta
instituição demonstrar a natureza falsa de cada um dos argumentos assentados no
acórdão.
3.1 Necessário, antes do exame de cada situação, registrar o conteúdo
do dispositivo indicado como vulnerado.
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Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as
contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou
convencional.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
3.2 O egrégio Tribunal Regional Federal da 5ªRegião contrariou lei
federal e negou-lhe vigência, como será demonstrado, ao entender ser inafastável
para configuração do crime de “apropriação indébita” previdenciária o dolo
específico, não podendo ser havido como omissivo próprio e que prefeito não pode
ser sujeito ativo do crime de apropriação indébita previdenciária, rejeitando a
denúncia.
Prequestionamento
4. O requisito do prequestionamento está atendido porque a
matéria argüida neste recurso diz respeito ao fundamento do acórdão recorrido e,
encontra-se amplamente debatido nos votos do acórdão recorrido.
Razões do pedido de reforma do acórdão recorrido.
– Do Prefeito como sujeito ativo do tipo contido na denúncia.
5.1
O argumento utilizado para afastar o Prefeito da condição de
sujeito ativo do delito, tem sua gênese em interpretação
“histórica”, externa que a legislação que anteriormente tratava
do crime não o incluía como responsável penal pelas figuras
típicas em exame.
5.2
Os dispositivos da (Lei nº 3.807/60, parágrafo único do art. 86,
e Lei nº 8.212/91, § 3º do art. 95), no entanto, não têm qualquer
objetivo de criar limitação relacionada ao sujeito ativo da
conduta típica, já que o núcleo do seu finalismo dirige-se a fixar
uma presunção juris tantum de que as pessoas indicadas delas
participaram, conquanto estamos de frente a um dos
denominados crimes societários, onde não se deixa registro
acerca do responsável ou responsáveis pelo ato ou atos.
5.3
Em outras palavras, dada a dificuldade de se chegar ao
responsável, presume a lei, até prova em contrário, que a
decisão pela conduta penalmente prevista foi realizada pelo
“titular da firma individual, os sócios solidários, gerentes,
diretores ou administradores das empresas incluídas no regime
desta lei” (Lei nº 3.807/60, parágrafo único do art. 86).
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5.4 Daí, o importante para a fixação da responsabilidade penal é única
e exclusivamente o fato de estar a pessoa física ou jurídica (privada ou de direito
público) submetida ao regime da previdência social oficial. Como esse é um regime
originariamente destinado às pessoas privadas, a opção do Poder Público no mesmo
sentido coloca-o também na situação de ente privado para fins de tratamento legal.
5.5 A propósito, o que se deseja preservar com os tipos indicados é o
recolhimento à previdência social oficial de recursos que têm destinação específica e
absolutamente necessária para concretizar os benefícios da seguridade social, cuja
frustração pode levar o país a uma convulsão social de conseqüências inimagináveis.
5.6 Demais disso, não tem sentido, data venia, à luz do princípio da
isonomia, que todas as pessoas submetidas ao regime da previdência social oficial
estejam sujeitas às sanções penais no caso da omissão de recolhimentos dos valores
descontados a título de contribuição social, enquanto que o Administrador Público, que
deveria ser o exemplo, está das mesmas liberado.
5.7 Em suma, a única interpretação razoável é a possibilidade de
responsabilização penal de todos que optaram pelo regime previdenciário oficial.
5.8 Frágil por igual, o argumento de que o Prefeito (funcionário
público em sentido lato) não poderia ser sujeito ativo de crimes cometidos por
particulares, bastando que se imagine a atipificação de um estelionato cometido pelo
servidor em detrimento da pessoa de direito público a que está ligado pelo vínculo
funcional.
5.9 A propósito, como ensina HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, “são
crimes funcionais (também chamados, impropriamente, “de responsabilidade”) aqueles
em que a qualidade de funcionário público é elementos constitutivo ou condição de
maior punibilidade” (Lições de Direito Penal, Parte Especial, Arts. 213 a 359CP, p.
389, Rio de Janeiro, Forense, 1981), o que não é o caso dos autos, isso sem contar que
há “vários casos em que a condição de funcionário qualifica o crime, fez o legislador
crimes qualificados, ao invés de figuras autônomas de delitos contra a administração
pública” (Op. cit., p.389).
5.10 Em outras palavras, os “Crimes Praticados Por Funcionários
Contra a Administração Em Geral” estão apenas e tão somente submetidos ao
“princípio da especialidade”, tal como ocorre com a apropriação indébita (a real, não
a que estamos tratando, que nada tem de apropriação indébita) em relação ao peculato.
5.11 Em suma, se é verdade que “crimes funcionais são os que
somente podem ser praticados por pessoas que exercem funções públicas” (DAMÁSIO
DE JESUS, Comentários ao Código Penal, Parte Geral, 1º Volume, p. 219, São Paulo,
Saraiva, 1985), também é verdadeiro que eles não impedem que funcionários, mesmo
utilizando dessa condição, cometam crimes comuns.
5.12 Por fim, repita-se, que ao se submeter ao regime da previdência
social oficial, o Município, despindo-se do seu poder de império, equipara-se às
pessoas físicas e jurídicas de direito privado, de tal modo que seu administrador age
como se fosse um particular.
5.13 Evidente, pois, a possibilidade de o Prefeito cometer crimes de
omissão previdenciária.
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6 – Da omissão do recolhimento de contribuição social como crime de
omissão própria.
6.1 O núcleo do art. 168-A, como anteriormente destacado em
negritos, consiste em conduta compatível com “deixar de repassar”, o que significa se
omitir em realizar uma conduta determinada por lei. Ora, conduta dessa natureza se
traduz como uma omissão própria, ou seja, dá azo a um crime de “omissão própria”.
Observe-se a doutrina:
“A conduta típica nesses crimes integra-se com a simples desobediência
ao comando de agir, contido na norma. São crimes em que não se exige
qualquer outro resultado, consumando-se com a abstenção daquela
atividade que a própria norma penal impõe, independentemente de
qualquer dano ou perigo.” (HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Lições de
Direito Penal, A Nova Parte Geral, pp. 238/239, Rio de Janeiro, Forense,
1985).
“Crimes omissivos próprios ou de pura omissão se denominam os que se
perfazem com a simples abstenção da prática de uma ato,
independentemente de um resultado posterior.” (DAMÁSIO DE JESUS,
op. cit., p. 192).
“Enquanto os tipos ativos individualizam a conduta proibida através de
descrições que completam com alguns elementos normativos, os tipos
omissivos o fazem descrevendo a conduta devida e resultando, portanto,
proibida qualquer outra conduta.
............................................................................................................
O autor tem grande importância nos tipos omissivos, dando lugar a uma
classificação fundamental: tipos de omissão própria e tipos de omissão
imprópria.
a) São chamados omissões próprias ou tipos de omissão própria aqueles
em que o autor pode ser qualquer pessoa que se encontre na situação
típica. O art. 135 do CP é um tipo de omissão própria.
Esses tipos de omissão própria caracterizam-se por não ter um tipo ativo
equivalente, e são raros no CP.”(EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e
JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI, Manual de Direito Penal Brasileiro,
Parte Geral, pp. 536 e 539).
6.2 Repetindo, como no dispositivo comentado a conduta é o
equivalente a uma omissão proibida, pois o mandamento legal é a realização da
conduta de repassar os recursos descontados, é evidente a natureza de crime de omissão
própria, que é diverso daqueles de “omissão imprópria” (existe um tipo ativo
equivalente, de tal modo que na previsão omissiva somente pode ser autor aquele que
está na posição de garantidor, a exemplo do “salva-vidas” que deixa o banhista morrer
afogado pela omissão em prestar o devido socorro).
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6.3 Daí, não há qualquer razoabilidade em equiparar a conduta à
apropriação indébita prevista no art. 168, razão pela qual também não há necessidade
de a denúncia demonstrar o animus rem sibi habendi.
7 – Da interpretação divergente entre o acórdão recorrido e
decisão do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça
7.1 O acórdão recorrido, por outro lado, vai de encontro a decisão
proferida pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no âmbito do “Habeas Corpus” nº
72.271-1-SP, relatado pelo Ministro MOREIRA ALVES, publicado na LEX-207/291,
de março/1996, e no DJ de 24.11.1995, onde se acolheu tese diametralmente oposta.
7.2 Observe-se o paralelo entre as duas decisões:
“ O ilícito de apropriação indébita previdenciária (seja na definição
dada antigamente pela Lei nº 8.212/91, seja naquela dada pelo novo
Art.168-A do Código Penal) não pode ser havido como omissivo
próprio, exaurindo-se com o mero inadimplemento. Se o não pagar
constituísse o crime em questão, este seria inconstitucional, vez que a
Constituição interdeitou a prisão por dívida, entendendo que a
liberdade é valor superior ao patrimônio.
Dessarte, não poderia o legislador infraconstitucional superar a
aludida proibição e lograr intento interditado pela Carta Política,
erigindo à condição de crime o não pagar. Com este expediente o
legislador contornaria a vontade constitucional, inserindo a proteção
patrimonial acima da liberdade, na medida em que o inadimplemento,
não podendo ser combatido com a prisão cível, o seria com a prisão
criminal.
Para a configuração do crime, portanto, não basta o não pagamento.
Exige-se a existência do valor, bem como a intenção de apropriar-se
dele, ou de iludir o fisco, inibindo o lançamento.”
....................................................................................................
“Não bastasse o argumento supra, assiste razão ao denunciado quando
afirma que, na condição de representante de pessoa jurídica de direito
público, não poderia figurar como sujeito ativo do delito em questão.
Tal tese defensiva se encontra amplamente amparada na
jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme se
colhe dos seguintes precedentes:...”.
(Acórdão recorrido, fls.109 e 112).
7.3 O acórdão paradigma, no que diz respeito a esses aspectos, ao lado
de deixar claro que o Prefeito pode ser sujeito passivo do crime de omissão no
recolhimento de contribuição social descontada dos segurados ou do público em geral,
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deixa totalmente exteriorizado que sua natureza jurídica é de crime de omissão própria.
Consulte-se:
“Sustenta a impetração que o artigo 2º da Lei 8.137 se encontra na seção
I do capítulo I “Dos crimes contra a ordem tributária”, seção essa que se
intitula “Dos crimes praticados por particulares”, em contraposição aos
que se achavam previstos no art. 3º que está na seção II desse mesmo
capítulo, a qual se intitula “Dos crimes praticados por funcionários
públicos”, o que implica dizer que os crimes do artigo 2º não podem ter
como sujeito ativo Prefeito que, por força do art. 327 do Código Penal, é
considerado funcionário público.
Essa argumentação, no entanto, não procede. Com efeito, a contraposição
dos “crimes praticados por particulares” aos “crimes praticados por
funcionários públicos” implica a contraposição de crimes não-funcionais
a crimes funcionais, por não serem os primeiros somente praticáveis por
funcionário público. Tanto isso é verdade que, no inciso III do artigo 2º
da Lei nº 8.137/90 está previsto crime (“exigir, pagar ou receber, para si
ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela
dedutível ou deduzida de imposto ou contribuição como incentivo
fiscal”) que, não obstante se encontrar na seção I do capítulo I da citada
Lei, pode ser praticado por funcionário público, embora não seja crime
funcional, porque seu sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que ocupe
função em empresas e instituições financeiras, oficiais ou privadas que se
dediquem a esse mister, como salienta RUI STOCO.
............................................................................................................
2. No tocante à alegação de atipicidade quanto ao artigo 95 da Lei
8.212/91, invoca a impetração o disposto no § 3º do mesmo artigo que só
alude, como pessoalmente responsáveis pelos crimes descritos nesse
dispositivo legal, o titular de firma individual, os sócios solidários,
gerentes, diretores ou administradores que participem ou tenham
participado da gestão de empresa beneficiada, assim como o segurado
que tenha obtido vantagens, e não os administradores públicos.
A meu ver, essa objeção, uma vez que o tipo (“Deixar de recolher, na
época própria, contribuição ou outra importância devida à seguridade
social e arrecadada dos segurados ou do público”) não faz qualquer
restrição quanto ao sujeito ativo, é afastada corretamente pelo parecer do
Dr. Cláudio Lemos Fonteles transcrito na manifestação, nestes autos, da
Procuradoria-Geral da República, verbis:
“Seis meses depois, em julho de 1991, surgiu a Lei n. 8212,
propriamente dispondo sobre a organização da Seguridade Social e, na
alínea “d”, de seu artigo 95, preceituou, verbis:
Art. 95: Constitui crime:
d) deixar de recolher, na época, própria, contribuição ou outra
importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou
do público; (grifamos)
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Como se vê, o núcleo do tipo, quer numa, quer noutra realidade
normativa permaneceu absolutamente idêntico: “deixar de recolher”,
marcando delito omissivo.
O 3º, do artigo 95, da Lei nº 8.212/91 não quis operar restrição, nos
possíveis sujeitos ativos desta infração.
Não!
O que fez – e esta é a sua apropriada razão de ser – foi, na ótica das
empresas privadas explicitar que quem quer que nelas participe como
gestor, seja em firma individual, na posição de gerente, diretor ou
administrador, é pessoalmente responsável, vale dizer, faz-se autor, na
prática da infração omissiva.
Quanto ao administrador público, tal é despiciendo esclarecer porque,
tal sucede no caso, o Prefeito Municipal, por óbvio, é sempre o
responsável, porque caracterizadamente gestor ex officio, do dever de
recolher as contribuições previdenciárias.
Nem faria sentido pensarmos diferentemente, sob pena de estarmos a
consagrar derrogação do preceito constitucional, por interpretação
dada à lei penal, lei inferior, na relação.
Com efeito, é claríssimo o disposto no artigo 195, da Constituição
Federal, verbis:
Artigo 195: “A seguridade social será financiada por toda a
sociedade...” (grifamos).
Ora, se se quer excluir o Prefeito Municipal, caracterizadamente gestor
da coisa pública, como retro enfatizamos da possibilidade de ser sujeito
ativo de crime, que justamente pune os que recalcitram ante o dever
constitucionalmente fixado, como ter-se linha de coerência no sistema
jurídico?
Portanto, o parágrafo 3º é explicitação, no plano da autoria, às
empresas privadas. Não tem o condão de subtrair o administrador
público da responsabilidade criminal (fls. 91/92).
7.3 . Quanto à alegação de ausência do elemento subjetivo, ainda que se
entenda que o crime previsto no inciso II do artigo 2º da Lei nº 8.137/90
seja de dano e não de mera conduta, como sustenta, e a meu ver
corretamente, a maioria da doutrina...” (Decisão no “Habeas Corpus” nº
72.271-1-SP, LEX 207, fls. 296, 297 e 298).
7.4 Inegável, pois, não somente o choque entre as posições
respectivamente sustentadas, mas, sem objetivar demérito para a decisão recorrida, a
superior intensidade jurídica da argumentação trazida à baila pelo Excelso Pretório.
7.5 Especial destaque merece decisão da Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial Resp 770167 PE., relator Min. Gilson
Dipp, acórdão publicado em 11.09.2006 ementa a seguir transcrita:
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“CRIMINAL.RESP.PREFEITO
MUNICIPAL.
APROPRIAÇÃO
INDÉBITA
DE
CONTRIBUIÇÕES
RPEVIDENCIÁRIAS. CRIME COMUM.DOLO GENÉRICO. ANIMUS
REM
SIBI
HABENDI.COMPROVAÇÃO
DESNECESSÁRIA.RECURSO PROVIDO.
II-O delito de apropriação indébita de contribuições previdenciárias, em
que o Prefeito foi denunciado não exige qualidade especial do sujeito
ativo, podendo ser cometido por qualquer pessoa, seja ela agente público
ou não.
II- A conduta descrita no tipo penal do art.168-A do Código Penal é
centrada no verbo “deixar de repassar”, sendo desnecessária, para a
configuração do delito, a comprovação do fim específico de apropriar-se
dos valores destinados a Previdência Social. Precedentes.
III- Recurso provido, nos termos do voto do Relator.”
7.6 É mister, pois, a modificação da decisão recorrida que rejeitou a
denúncia. Considerando haver nos autos declaração da Delegacia da Receita
Previdenciária em Recife de que a dívida referente a NFLD nº 35 680 916-1 foi objeto
de parcelamento especial pela Lei nº 11.196/2005 e o pagamento de suas parcelas
estava regular até 08 de março de 2007, requer seja suspenso o curso da ação e da
prescrição do delito de não recolhimento de contribuições previdenciárias, desde a
celebração do termo de parcelamento da dívida previdenciária e durante o período em
que o parcelamento estiver sendo regularmente cumprido, como previsto no art.9º
caput, da Lei nº 10684/2003.
Por todo o exposto, o Ministério Público Federal requer seja
conhecido e provido o presente recurso.
Nestes termos,
pede deferimento,
Recife-PE, 18 de outubro de 2007.
Regina Coeli Campos de Meneses
Procuradora Regional da República
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