DISTÂNCIA DA PLANTA‐MÃE E ESTABELECIMENTO DE PLÂNTULAS DE Scleronema micranthum (MALVACEAE) EM UMA FLORESTA DE TERRA FIRME NA AMAZÔNIA CENTRAL Daniel Magnabosco Marra possui robustez física suficiente para INTRODUÇÃO o enfrentar recrutamento de novos indivíduos pode extremas. determinar a riqueza de espécies, a mortalidade distribuição espacial das populações e a desenvolvimento funciona como um dinâmica da composição florística ao filtro seletivo para sementes e plântulas longo do tempo (Clark et al., 1999; e define a dinâmica demográfica de um Schupp et al., 2002). Assim como a determinado ambiente (Kitajima & disponibilidade de recursos (Brokaw & Fenner, 2000). Em florestas tropicais, condições A elevada nesta ambientais taxa fase de de Busing, 2000), o recrutamento também Além da vulnerabilidade das influencia a distribuição e a densidade plantas jovens e das limitações abióticas de indivíduos nesses ambientes (Muller‐ como as variações na quantidade de Landau et al., 2002). luz, o encharcamento e o ressecamento A fase de estabelecimento do solo (Kitajima & Fenner, 2000), a corresponde a um dos momentos mais ausência de sementes ou a chegada de críticos na dinâmica de populações e o um número reduzido de sementes sucesso de uma planta nesta fase nem viáveis também limitam o recrutamento sempre é garantido (Muller‐Landau et e o crescimento das populações al., 2002). O período entre a germinação (Muller‐Landau e o estabelecimento de um indivíduo é estabelecimento de espécies também é um dos períodos mais vulneráveis no influenciado por eventos aleatórios ciclo de vida de uma planta, pois ainda (Brokaw & Busing, 2000) e os limites da que esta tenha germinado, ainda não dispersão de sementes possivelmente et al., 2002). O contribuem para a manutenção da quando as árvores estão localizados em diversidade de comunidades com altos declives (van der Pijl, 1982) ou grande riqueza de espécies (Dalling et serem dispersas pela fauna. Scleronema al., 2002). micranthum Segundo o modelo de Janzen‐ conhecida Ducke (Malvaceae), popularmente como Connell, quanto mais próximo da cardeiro, é uma árvore de grande porte, planta‐mãe maior é a probabilidade de com ampla distribuição nas florestas de mortalidade dos descendentes. Essa terra firme da Amazônia Central (Tello, mortalidade pode ser atribuída a 1994; Carneiro, 2004; Camargo, 2004) e fatores relacionados ao aumento da cujos frutos redondos são dispersos por densidade de indivíduos, que leva a barocoria (Camargo, 2004). competição interespecífica, ao ataque Tanto a ampla distribuição de patógenos e ao consumo de quanto o meio de dispersão fazem de S. sementes e plântulas. Portanto, existe micranthum um organismo adequado uma mortalidade diferencial em relação para à distância da planta‐mãe. Nesse padrões e limites de dispersão para contexto a dispersão torna‐se um fator espécies arbóreas com síndrome de importante de dispersão barocórica das florestas de estabelecimento de algumas espécies. terra firme. Neste contexto, verifiquei a Para com influência da distância de dispersão sementes grandes, o sucesso na sobre o sucesso no estabelecimento de dispersão espécies barocóricas utilizando S. para espécies o sucesso barocóricas pode ainda ser mais importante. desenvolver estudos sobre micranthum como modelo. Nessas espécies, a dispersão Para tanto, testei duas secundária pode ser um fator essencial hipóteses: (i) Existe variação na no processo de regeneração natural, densidade de plântulas em relação à pois os frutos de plantas com síndrome distância da planta‐mãe. Segundo o de quando modelo de Janzen‐Connell, espera‐se dispersos podem rolar sobre o solo que embaixo da planta‐mãe haja menor dispersão barocórica, 2 densidade de plântulas devido à com grande diversidade de espécies mortalidade dependente da densidade; lenhosas e herbáceas (Ribeiro et al., (ii) Existe uma relação direta entre a 1999). Na área da reserva ocorrem altura das plântulas de S. micranthum e basicamente três fitofisionomias: baixio a distância da planta‐mãe. Para esta (sob influência de cursos de água), hipótese, plântulas vertente e platô. A distribuição e a estabelecidas mais distantes da planta‐ densidade de espécies no platô, mãe sejam maiores. vertente e baixio estão relacionadas, entre outros fatores, com as variações MATERIAIS & MÉTODOS na textura e nutrientes do solo (Lima et al., 2003). espero que Área de estudo Estudos realizados em duas Realizei este estudo na reserva reservas do Instituto Nacional da florestal do Km 41 administrada pelo Pesquisas Projeto de próximas ao Km 41, descreveram uma Fragmentos Florestais (PDBFF). A elevada diversidade e densidade de reserva está situada a 80 km ao norte espécies arbóreas nas áreas de platô de Manaus (02˚26’S; 059˚46’O) e (Tello, 1994; Carneiro, 2004). S. abrange uma área 10.000 ha dentro de micranthum é considerada uma das uma área de floresta contínua. A espécies mais abundantes na região, o precipitação média anual é de 2.500 quê mm e a temperatura média é de 26,7 ˚C estabelecimento (Ribeiro et al., 1999; (RADAMBRASIL, 1978). De acordo com Carneiro, a classificação de Köppen, o clima da caracterizada região é do tipo Am ou tropical chuvoso aparentemente simples, alternas e na e pode ser caracterizado como quente maioria das vezes com presença de e úmido durante todo o ano. pêlos estrelados e esbranquiçados Dinâmica Biológica da confirma Amazônia seu 2004). por A (INPA) sucesso espécie possuir de é folhas A vegetação da região é de sobre as nervuras em ambas as faces. O floresta tropical úmida de terra firme fruto tem forma de cápsula e as 3 sementes estão envoltas por uma fina próximo (0‐10 m), intermediário (10‐20 camada de tecido que protege o m) e distante (20‐30 m). endocarpo (Ribeiro et al., 1999). O peso Localizei e contei todos os médio das sementes de S. micranthum é indivíduos de S. micranthum com até 3 de 89 g podendo chegar a 220 g. Em m de altura, dos quais medi o diâmetro média as sementes germinam dois do colo (zona de inserção do caule), a meses após caírem no solo, mas podem altura total e a distância dos indivíduos germinar até 18 meses depois. O tempo jovens até a base da planta‐mãe. Para entre a germinação e a formação da excluir a interferência de sementes e plântula é de 15 dias e o tamanho médio estabelecimento das plantas recém formadas é de 40 cm provenientes de árvores vizinhas da (Camargo et al., 2008). mesma indivíduos isolados por pelo menos 50 Desenho amostral e análise de dados m do vizinho mais próximo. Amostrei plântulas amostrei plântulas apenas S. A fim de padronizar a influência micranthum encontradas ao longo de da topografia na dispersão das 120 transectos originados na base da sementes, defini áreas com declividade copa de 30 indivíduos adultos (planta‐ máxima de 10˚. Para cada planta‐mãe mãe) desta mesma espécie. Em cada estimei o raio da copa e o diâmetro a árvore adulta foram estabelecidos altura do peito (DAP). quatro transectos de espécie, de cardealmente orientados (leste, oeste, norte e sul). Análise de dados Fixei a largura de cada transecto em 3 m e o comprimento, que extrapolou a da planta‐mãe sobre a densidade de área de projeção da copa das plantas‐ indivíduos por meio de uma análise de mãe, em 30 m. Ao longo do variância de medidas repetidas, que comprimento do transecto defini três comparou as densidades de plantas nas categorias de distância da planta‐mãe: três categorias de distância da planta‐ Analisei a influência da distância mãe. Para saber se a altura é uma 4 variável que responde bem às variações médio das árvores adultas em que de diâmetro do colo, realizei uma encontrei plântulas foi de 44,5 ± 6,8 cm regressão linear simples a fim de (IC = 95%) e o raio médio das copas foi escolher uma delas como variável 7,15 ± 1,5 m (IC = 95%), com valores que preditora variaram de 3,5 e 14 m. do sucesso de estabelecimento de plântulas. A altura média das plântulas Para detectar a relação entre a amostradas foi de 148,8 ± 26,2 cm (IC = distância da planta‐mãe e o porte dos 95%), enquanto que o diâmetro médio indivíduos utilizei uma análise de do colo foi de 14,2 ± 2,4 cm (IC = 95%). A covariância. Nessa análise considerei distância média até a planta‐mãe foi de cada planta‐mãe como um bloco e 13,4 ± 2,3 m (IC = 95%) e a declividade utilizei a distância da planta‐mãe como média nos transectos amostrados foi de variável independente e a altura das 4,7 ± 1,9˚ (IC = 95%). plântulas como variável dependente. tenham sido encontrados na primeira RESULTADOS categoria de distância da planta‐mãe, Embora 47% (24) das plântulas Em 17 (57%) das árvores adultas não houve diferença significativa na amostradas não encontrei plântulas, densidade de indivíduos ao longo das enquanto que nas 13 demais (43%), três categorias de distância estipuladas registrei 51 plântulas que estavam (F(2,24) = 0,93; p = 0,41) (Figura 1). distribuídas em 21 transectos. O DAP 5 Figura 1. Densidade de plântulas (altura ≤ 300 cm) de Scleronema micranthum ao longo de três categorias de distância da planta‐ mãe em uma floresta de terra firme na reserva do Km 41 (PDBFF), Amazônia Central. Os círculos pretos indicam os valores máximos e mínimos; os quadrados maiores indicam o erro padrão; os quadrados menores indicam a média; as linhas horizontais indicam a mediana; e a as linhas verticais indicam o desvio padrão. de duas variáveis podem ser utilizadas para covariância foi possível observar que a predizer o crescimento das plântulas de altura dos indivíduos, ao contrário da S. micranthum. Por meio da análise Abaixo da copa da planta‐mãe densidade, é altamente relacionada com a distância da planta‐mãe (F(1,12) = (categoria 19,1; r = 0,81; p = 0,004) (Figura 2). O concentração de plantas com altura diâmetro do colo e a altura dos inferior a 100 cm (Figura 2). Contudo, indivíduos são variáveis de crescimento quanto maior a distância da planta‐mãe, altamente correlacionadas (F(1, 49) = 194; maior é a freqüência de indivíduos com r = 0,89; p ≤ 0,001), o que indica que as altura média superior. 6 próximo) há grande 300 Altura (cm) 250 200 150 100 50 0 0 5 10 15 20 25 30 Distância até a planta-mãe (m) Figura 2. Correlação entre altura e distância da planta‐mãe para 51 plântulas de Scleronema micranthum amostrados em uma floresta de terra firme, reserva do Km 41 (PDBFF), Amazônia Central, e sua correlação com a distância da planta mãe. DISCUSSÃO patógenos (Augspurger, 1984) ou com pressões ambientais. Como embaixo da planta‐mãe existem mais plântulas jovens, mas a Ainda que 47% das plântulas densidade de indivíduos é semelhante a tenham sido encontradas embaixo da diferentes distâncias da planta‐mãe, planta‐mãe, com o passar do tempo, o concluo que existe um padrão de consumo de sementes, a competição mortalidade diferencial para indivíduos por recursos, a herbivoria em plântulas jovens de S. micranthum e que, e o ataque de patógenos parecem agir conforme proposto pelo modelo de como filtros e reduzem a densidade de Janzen‐Connell, estar plantas (Kitajima & Fenner, 2000). O relacionado a alta densidade de padrão de alta mortalidade observado sementes. Esse padrão pode estar em 82,5% dos transectos amostrados, explicado pela vulnerabilidade física das nos quais não encontrei regeneração, plântulas (Kitajima & Fenner, 2000), corrobora tal hipótese. A maior altura pela competição por luz no sub‐bosque das da floresta ou pelo ataque de categorias mais afastadas das plantas‐ parece 7 plântulas estabelecidas nas mãe também é outra evidência de que pela oportunidade de fazer parte deste existe grande mortalidade embaixo da seleto grupo. Meu muito obrigado copa e que sugere maior probabilidade também a todos os colegas de curso, de plântulas com quem convivi esse mês de muito formadas mais distantes da planta‐mãe. aprendizado e alegria. Saudações ao sobrevivência Como área corpo técnico (Alexandro Santos e amostrada é insuficiente para as Alaércio Marajó) e à indispensável dupla sementes rolarem a grandes distâncias, da cozinha (Maria Eduarda da Costa a presença de plântulas fora da zona da Benício e Lucélia dos Santos Almeida). copa da planta‐mãe confirma a Valeu saci. existência de dispersão secundária em S. micranthum e corrobora a segunda REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS hipótese proposta neste trabalho. Ao Augspurger, C.K. 1984. Seedling survival possuírem o para declive grande na quantidade de of tropical tree species: reserva nutritiva (Camargo et al., 2008) interations of dispersal distance, é possível que as sementes sejam light‐gaps, consumidas ou carreadas para locais Ecology, 65: 1705‐1712. and pathogens. mais afastados por roedores, como Brokaw, N. & R.T. Busing. 2000. Niche cutias, cutiaras e veados. A maior versus chance and tree diversity densidade de plântulas estabelecidas in forest gaps. Trends in Ecology (maior altura) longe da copa da planta‐ and Evolution, 15: 183‐188. mãe corrobora este fato e indica que a Camargo, J.L.C. 2004. Alterações na dispersão secundária é importante para dinâmica a manutenção das populações de S. árvores micranthum. fragmentação Amazônia AGRADECIMENTOS doutorado, Inpa/Ufam, Manaus. 145 pp. Agradeço ao corpo docente e a todos os organizadores do EFA 2008 8 e demografia tropicais florestal Central. de após na Tese I.D.K.; limitation of neotropical pioneer Mesquita, M.R.; Santos, B.A. & species. Journal of Ecology, 90: Brum, H.D. 2008. Guia de 714–727. Camargo, J.L.C.; Propágulos Ferraz, e Plântulas Janzen, D.H. 1970. Herbivores and the da Amazônia. v.1. Editora Inpa. number of tree species in Carneiro, V.M.C. 2004. Composição tropical florística e análise estrutural da bacia Manaus/AM. do Rio Kitajima, K. & M. Fenner. 2000. Ecology Cuieras, Dissertação American Naturalist, 104: 501‐528. floresta primária de terra firme na forests. of seedling regeneration, pp. de 331‐359. Em: Seeds: The Ecology mestrado, Inpa/Ufam, Manaus. of 67 pp. Communities (M. Fenner, ed.). 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