universidade federal de goiás - evz

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL
Disciplina SEMINÁRIOS APLICADOS
TRATAMENTO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS INTOXICADOS POR
MONOFLUORACETATO DE SÓDIO:
Revisão de Literatura
Milenna Karoline Fernandes Rodrigues
Orientador: Paulo Henrique Jorge da Cunha
GOIÂNIA
2013
ii
MILENNA KAROLINE FERNANDES RODRIGUES
TRATAMENTO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS INTOXICADOS POR
MONOFLUORACETATO DE SÓDIO:
REVISÃO DE LITERATURA
Seminário
apresentado
junto
à
disciplina
Seminários Aplicados do Programa de Pós
Graduação em Ciência Animal da Escola de
Veterinária
e
Zootecnia
da
Universidade
Federal de Goiás. Nível: Mestrado
Área de Concentração:
Patologia, Clínica e Cirurgia Animal
Linha de pesquisa:
Alterações clínicas, metabólicas e toxêmicas
dos animais e meios auxiliares de diagnóstico.
Orientador:
Prof. Dr. Paulo Henrique Jorge da Cunha
Comitê de Orientação:
Profa. Dra. Maria Clorinda Soares Fioravanti
Prof. Dr. Percílio Brasil dos Passos
GOIÂNIA
2013
iii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1
2 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................... 3
2.1 Ácido monofluoracetato de sódio ................................................................. 3
2.1.2 Fontes naturais de ácido monofluoracetato de sódio ................................ 6
2.1.3 Sinais clínicos ............................................................................................ 8
2.1.4 Diagnóstico.............................................................................................. 11
2.1.5 Prognóstico ............................................................................................. 13
2.1.6 Tratamento .............................................................................................. 13
2.1.6.1 Medidas que dificultam a absorção do agente ..................................... 13
2.1.6.2 Medidas de suporte à vida ................................................................... 15
2.1.6.3 Terapia específica ................................................................................ 16
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 24
4 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 25
1 INTRODUÇÃO
No âmbito da produção, o Brasil detém o maior rebanho bovino
comercial do mundo e desde 2004, assumiu a liderança nas exportações com
vendas em mais de 180 países, de forma que, um quinto da carne
comercializada internacionalmente é brasileira (MAPA, 2012). Para alcançar
este patamar foram estabelecidos programas que visam à saúde animal, numa
visão ampliada, envolvendo questões relacionadas a enfermidades dos animais,
saúde pública e controle dos riscos em toda a cadeia alimentar, garantindo a
oferta de alimentos seguros e o bem estar animal. Um enfoque especial é dado
aos animais de produção com relação às encefalopatias de origem infecciosa
(bacterianas e virais como a raiva), às intoxicações causadas por compostos
inorgânicos (enxofre, chumbo ou cloreto de sódio) e as plantas tóxicas de
interesse pecuário.
Nos animais de companhia a identificação de processos patológicos
é um desafio constante principalmente quando a abordagem é feita nas
afecções com sintomatologia neurológica, que podem ser originadas de
diversas
alterações
como
as
degenerativas,
anômalas,
metabólicas,
malformações, nutricionais, neoplásicas, inflamatórias, imunes, isquêmicas,
traumáticas e tóxicas (FENNER, 1995). Alguns processos tóxicos possuem
curso clínico semelhante às encefalopatias infecciosas como a raiva, que é
uma zoonose.
Os casos de intoxicações são frequentes na rotina veterinária, tanto
em animais de produção como nos de companhia, gerando prejuízos
econômicos, além do óbito de animais de estimação por acidentes domésticos
ou intoxicações intencionais. As intoxicações exigem um amplo conhecimento
para que o diagnóstico correto com a identificação do agente tóxico seja
estabelecido, assim como, o tratamento e a adoção de medidas que evitem a
contaminação de novos animais, principalmente do homem.
Os
pesticidas
como
os
rodenticidas
são
frequentemente
responsáveis por intoxicações por produzirem um quadro de difícil reversão e
rapidamente levarem a morte. No Brasil os rodenticidas permitidos são os que
possuem anticoagulante como efeito tóxico, derivados da cumarina e idantiona.
Mesmo assim, há relatos de intoxicações por rodenticidas de uso ilegal como o
2
ácido monofluoracetato de sódio, alfa-naftil-tioureia, estricnina, tálio e
brometalina (VASSALO & SAKATE, 2011).
O monofluoracetato de sódio, conhecido como componente 1080 é
um importante rodenticida que vem ocasionando intoxicações nos países
latinoamericanos, nos Estados Unidos da América e Europa. Embora seja
proibido desde 1982 (SPINOSA et al., 2008), há evidências do seu uso ilegal
causando intoxicações no homem e nos animais domésticos/ selvagens, como
as que ocorreram no Parque Zoológico de São Paulo em 2004, resultando na
morte de 73 animais intoxicados por essa substância (FOLHA ONLINE, 2005).
Os animais de produção são frequentemente intoxicados pelo ácido
monofluoracetato de sódio por meio de plantas tóxicas que causam morte
súbita e que possuem este composto dentre seus princípios tóxicos, como a
Palicourea marcgravii A. St. Hill, Arrabidaea bilabita, Dichapetalum cymosum,
Acacia georginae, Gastrolobium grandiflorum, Oxylobium spp, entre outras.
Calcula-se que 12% das mortes de bovinos no Brasil são causadas por
sementes, folhas ou raízes de plantas tóxicas. Os animais mais acometidos
são bovinos, ovinos e caprinos, sendo que metade das mortes por plantas
tóxicas são em decorrência de plantas que causam morte súbita.
Devido à potente ação tóxica e o alto índice de mortalidade dos
animais intoxicados tanto pelo ácido monofluoracetato de sódio ou por plantas
que possuem em seu princípio ativo esta substância, com este seminário
objetivou-se relatar as principais formas de tratamento dos animais domésticos
intoxicados pelo referido ácido.
3
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Ácido monofluoracetato de sódio
O ácido monofluoracetato de sódio (MF) é um composto químico de
alta toxicidade para os animais domésticos, também conhecido como ácido
monofluoroacético e fluoroacetato de sódio, veneno de Gibflar e 1080
(CLARKE, 1991). A substância pertence à classe de produtos químicos
conhecidos como fluoroacetatos (PATTISON, 1959), possui a formulação
FCH2COONa, de cor branca, inodora, não volátil e solúvel em água (ANIMAL
HEALTH BOARD, 2002).
O MF foi sintetizado pela primeira vez na Bélgica em 1896
(CHENOWETH, 1949) e patenteado em 1927, como preventivo contra traças
(SAYAMA & BRUNETTI, 1952). As pesquisas foram intensificadas na Segunda
Guerra Mundial (EISLER, 1995), com o objetivo de produzir um potente raticida
que protegesse as tropas aliadas contra doenças transmitidas por roedores.
Em 1944 o Centro de Pesquisa de Animais Selvagens de Denver nos EUA,
comprovou a eficácia como rodenticida, passando a ser empregado
extensivamente (CALVER & KING, 1986).
O MF passou a ter o uso generalizado no controle de pragas,
resultando em mortes acidentais de bovinos, animais selvagens, animais de
estimação (cães e gatos) e humanos (CHENOWETH, 1949; SAYAMA &
BRUNETTI, 1952). Em 1972 o uso do MF tornou-se ilegal nos EUA (CALVER &
KING, 1986), mas em 1985 foi autorizado seu uso no controle de coiotes em
rebanhos de ovinos, através do método chamado livestock protection collars.
No Brasil o MF foi introduzido como rodenticida em 1965, entretanto,
o seu emprego tornou-se restrito a campanhas públicas em 1980. Contudo, em
1982 sua fabricação, comercialização e uso foram proibidos pelo Ministério da
Saúde. Em 1989, três funcionários da empresa Aços Vilares S.A morreram e
76 foram hospitalizados intoxicados por MF devido à manipulação inadequada
do produto (PALERMO NETO & MORAES-MOREAU, 1995). Em 2004, o MF
foi utilizado de forma criminosa na Fundação Parque Zoológico de São Paulo,
onde, pelo menos 73 animais morreram intoxicados por esse composto,
segundo a perícia (FOLHA ONLINE, 2005).
4
2.1.1 Efeito tóxico
A intoxicação pelo ácido monofluoracetato de sódio pode ocorrer por
absorção pelo trato gastrointestinal, feridas abertas, mucosas e epitélio
pulmonar, não havendo absorção pela pele intacta (ATZERT, 1971). É
importante salientar que não existe
diferença na toxicidade
quando
administrado em diferentes vias de aplicação (CHENOWETH et al., 1949;
ATZERT, 1971).
O MF é altamente tóxico para todas as espécies de animais
(HUMPHREYS, 1988), inclusive para o homem (McTAGGART, 1970). A ação
tóxica pode ser produzida por doses letais individuais conforme a espécie
(Quadro 1) ou exposição prolongada a doses sub-letais (EASON & TURK,
2002).
QUADRO 1- Doses orais (mg/kg) letais do ácido monofluorcetato
de sódio (MF) para diferentes espécies animais e
para o homem. *Subcutâneo
Espécie
Dose oral letal
Referências
(mg/kg)
Bovinos
0,15 - 0,62
Humphreys (1988)
Cães
0,06 - 0,20
Parton (2006)
Camundongos
0,50 - 17,0
Chenoweth (1949)
Caprinos
0,30 - 0,70
Humphreys (1988)
Cobaios
0,5 - 1,0
Foss (1948)
Coelhos
0,8
Parton (2006)
Equinos
0,50 - 1,75
Humphreys (1988)
Galinhas
5,0 - 7,50
Chenoweth (1949)
Gatos
0,30 - 0,50
Humphreys (1988)
Homem
2,0 - 10,0
Gajdusek e Luther (1959)
Macacos
10,0 -12,0
Foss (1948)
Ovinos
0,25 - 0,50
Humphreys (1988)
Passeriformes
2,5
Chenoweth (1949)
Ratos
0,10 - 3,0
Chenoweth (1949)
Sapos
150,0 (SC)*
Chenoweth (1949)
Suínos
0,30 - 0,40
Humphreys (1988)
Fonte: PEIXOTO (2010).
O mecanismo de ação do monofluoracetato (Figura 1) inicia-se pela
ligação deste à acetil coenzima A (CoA-SH), formando o fluoroacetil CoA, que
por sua vez, substitui a acetil CoA no ciclo de Krebs e reage com citrato sintase,
produzindo o fluorocitrato. O fluorocitrato é o metabólito ativo do MF e
5
responsável pelo bloqueio da aconitase, impedindo a conversão do citrato em
isocitrato. Consequentemente há o acúmulo de citrato e lactato nos tecidos
corpóreos ocasionando efeitos cardiotóxicos e neurotóxicos em bovinos
(MAXIE & OBINSON, 2007), ovinos (SCHULTZ et al., 1982), equinos, caprinos,
coelhos e macacos e também atua no sistema nervoso central em cães,
cobaias, ratos e hamsters (CHENOWETH & GILMAN, 1946), culminando em
morte. Combinado ao cálcio pode levar a hipocalcemia e agravar os sinais
clínicos da intoxicação (BURGUER & FLECKNELL, 1994). O monofluoracetato
causa também diminuição na produção de ATP e nos demais processos
metabólicos dependentes de energia (CLARKE, 1991). Há ainda acúmulo de
ceto-substâncias no sangue que são excretadas na urina (NOVÁK et al.,1972).
FIGURA 1 – Representação esquemática das reações do ácido
monofluoracetato de sódio no ciclo de Krebs
Adaptado de PEIXOTO (2010)
6
Segundo CHENOWETH (1949) e ATZERT (1971) o MF possui um
período de latência que varia de 30min a 2h e a morte pode acontecer entre 1 a
24h. Os referidos autores afirmaram também que este período de latência é
determinado por três fatores, como o tempo necessário para ocorrer a hidrólise
do
monofluoroacetato
ao
ácido
monofluoroacético,
sua
subsequente
translocação e a penetração celular; o tempo requerido para a síntese
bioquímica de uma quantidade letal de fluorocitrato e o tempo necessário para
o fluorocitrato interferir nas funções intracelulares numa escala suficiente que
induza sinais de intoxicação.
Estudos em ratos relataram que o MF pode permanecer em tecidos
orgânicos por um a quatro dias com redução pela metade dos níveis de
concentração do MF em músculo e fígado após menos de 2h (ANIMAL
HEALTH BOARD, 2002). Os resíduos do MF foram avaliados no sangue,
músculo, fígado e rim, verificando a meia–vida plasmática de 10,8h em ovinos
e 5,4h nos caprinos e concentrações inferiores às do plasma nos demais
órgãos, persistindo em baixa quantidade por até 96h (EASON et al., 1994).
Sendo assim, a eliminção do MF ocorre dentro de uma semana (ANIMAL
HEALTH BOARD, 2002).
2.1.2 Fontes naturais de ácido monofluoracetato de sódio
O monofluoroacetato de sódio é um componente natural de
aproximadamente 40 espécies de plantas na Austrália (TWIGG et al., 1999),
além de ter sido identificada como agente tóxico em várias plantas tóxicas
nativas do Brasil (MORAES- MOREAU et al., 1995) e nas regiões Sul e Oeste
da África (MEYER, 1994).
No Brasil, o prejuízo na pecuária gerado pelas intoxicações por
plantas que causam morte súbita é elevado. Essas mortes repentinas, em
geral, se manifestam sem sinais clínicos prévios e com ausência de achados
macroscópicos significativos na necropsia (TOKARNIA et al., 2012). Até o
momento, foram identificadas 12 espécies que causam a síndrome da morte
súbita (CARVALHO et al., 2009) e existem fortes indícios de que o MF seja o
princípio ativo de várias dessas plantas tóxicas (PEIXOTO, 2010).
OLIVEIRA (1963) identificou o MF na Palicourea marcgravii (Figura
2) pela cromatografia em camada delgada, como princípio tóxico desta planta,
7
e posteriormente foi comprovado por MORAES (1993). O MF também foi
identificada na Arrabidaea bilabiata (KREBS et al., 1994), e foi observado pico
cromatográfico com tempo similar ao relatado por CUNHA (2008). Na África do
Sul, esse composto foi isolado e identificado por MARAIS (1944) em
Dichapetalum cymosum. Na Austrália, o MF foi identificado por cromatografia
gasosa em Acacia georginae (OELRICHS & McEWAN, 1961), Gastrolobium
grandiflorum (McEWAN, 1964), Oxylobium spp, A. georginae e Gastrolobium
spp. (BARON et al., 1987).
FIGURA 2- Exemplar de P. marcgravii com flôr
Fonte: SERODIO (2013)
Por meio de análise quantitativa, utilizando a cromatografia líquida
de alta eficiência acoplada à espectrometria de massa sequencial com
ionização química a pressão atmosférica (HPLC-APCI-MS), o MF foi detectado
em espécies de Palicourea e Amorimia no Brasil (Tabela 1) (LEE et al., 2012).
Neste estudo a concentração do MF foi bem diferente nas espécies, o que
pode explicar as diferenças de toxidades nestas plantas, principalmente
quando comparadas com P. marcgravii. SERODIO (2013) relatou a
concentração de 0,03% de MF nas amostras de P. marcgravii utilizadas em seu
experimento, detectado pela mesma técnica utilizada por LEE et al. (2012).
8
TABELA 1 – Concentração de ácido monofluoroacetato de
sódio (MF) nas plantas P. marcgravii, Amorimia sp e
Mascagnia divaricata
Espécie de planta
Concentração de MF
(%)
P. marcgrvii de Goiás
0,10%
P. marcgrvii de São Paulo
0,17%
Amorimia sp
0,005%
Amorimia amazonica
<0.0007
Amorimia camporum
<0.0007
Amorimia exotropica
0.02
Amorimia kariniana
Amorimia maritima
Amorimia pubiflora
0.006
Amorimia rigida
0.002
Amorimia septentrionalis
0.002
Amorimia velutina
Mascagnia divaricata
Adaptado de LEE et al. (2012).
2.1.3 Sinais clínicos
Os sinais clínicos presentes nos indivíduos intoxicados pelo ácido
monofluoracetato
de
sódio
consistem
em
sinais
cardiovasculares
e
neurológicos que variam de acordo com a espécie animal, com intensidade
dose dependente e variações individuais, aparecendo dentre 30min a 2h após
a ingestão do MF (COLLICHIO-ZUANAZE & SAKATE, 2005). Quanto maior a
dose ingerida, menor será o intervalo entre a ingestão e morte (TOKARNIA et
al., 2012).
CHENOWETH & GILMAN (1946) elaboraram um sistema de
classificação em categorias, de acordo com o efeito provocado pelo MF.
(Quadro 2) Neste estudo não foram avaliados bovinos e ovinos, portanto, estas
espécies não podem ser inseridas na classificação.
QUADRO
2-
Classificação por categoria pela ação do ácido
monofluoracetato de sódio (MF) em diferentes espécies
animais
Classe
Ação do MF
Animais acometidos
Coração e a morte sobrevém, em geral,
I
por fibrilação ventricular
Herbívoros
Adaptado de CHENOWETH & GILMAN (1946)
9
QUADRO
II
2-
Classificação por categoria pela ação do ácido
monofluoracetato (MF) de sódio em diferentes espécies
animais
(Continua)
Coração e SNC, com morte por falha
respiratória durante convulsões e/ou
pela fibrilação ventricular
Onívoros
SNC, com convulsões epileptiformes e
III
a morte associada à parada respiratória
Resposta atípica, caracterizada por
IV
bradicardia e fraqueza
Adaptado de CHENOWETH & GILMAN (1946)
Carnívoros
Ratos e hamsters
Nos bovinos, os sintomas de intoxicação iniciam poucas horas após
ser completada a ingestão da dose letal (FREITAS et al., 1995). Os principais
sinais clínicos identificados foram inapetência, jugular distendida (Figura 3),
apatia, tremores musculares, inquietação, taquicardia, taquipneia, relutância
em movimentar-se e por fim queda repentina do animal ao chão, sobrevindo à
morte dentro de poucos minutos (SERODIO et al., 2012). Segundo TOKARNIA
et al. (2012) o animal, antes de cair, apresenta desequilíbrio dos membros
pélvicos, tremores musculares, respiração ofegante, pulso venoso positivo, o
animal deita ou cai em decúbito, realiza movimentos de pedalagem, mugidos e
convulsão tônica, sendo que exercícios físicos como andar ou correr, podem
precipitar, ou mesmo provocar os sintomas e a morte. Os sinais clínicos e as
lesões
histopatológicas
observadas
em
intoxicações
experimentais
(NOGUEIRA et al., 2010) foram semelhantes às descritas em intoxicações pela
P. marcgravii, em casos experimentais (SERODIO, 2013) e nos surtos
(FREITAS et al., 1995; HELAYEL et al., 2012).
10
FIGURA 3 - Bovino da raça Curraleiro Pé Duro
intoxicado experimentlmente com P.
marcgravi
apresentando
jugular
distendida (seta).
Fonte: SERODIO (2013).
Em ovinos foram descritos sinais clínicos semelhantes aos de
bovinos (PEIXOTO et al., 2010), após indução experimental de intoxicação por
MF os animais apresentaram perda da sustentação do equilíbrio, alterações
respiratórias e cardíacas bem como o decúbito e apoio da cabeça no flanco
(postura de auto-auscultação), tremores musculares e apatia, relutância em
mover-se, prostração, opistótono e presença de líquido espumoso saindo pelas
narinas e boca. Na fase final, em geral, os animais permaneciam em decúbito
lateral, ficavam com membros espásticos, realizavam movimentos de
pedalagem, apresentavam opistótono, nistagmo, respiração ofegante e
morriam em poucos minutos.
Os equinos foram incluídos por CHENOWETH & GILMAN (1946) na
Classe I, entretanto, estes animais quando intoxicados experimentalmente
apresentaram o predomínio de sinais nervosos acompanhados de insuficiência
cardíaca (TOKARNIA et al., 1993). Segundo REED et al. (2004) equinos
intoxicados pelo MF podem ter tremores, agitação, micção e defecação,
gemidos e bruxismo com sudorese profusa e sinais de cólica.
De acordo com PARTON (2001) as alterações neurológicas são
predominantes nos cães. Os sinais clínicos da toxicidade são caracterizados
pela excitação do sistema nervoso central e hipermotilidade do trato
11
gastrointestinal. Inicialmente os animais ficam ansiosos, correm, gritam ou
realizam outras atividades frenéticas, apresentam hiperestesia e convulsões.
Sinais gastrointestinais de salivação excessiva, vômitos e defecação também
são frequentemente observados. OSWEILER et al. (1985) relataram tenesmo,
micção imprópria e hipertermia.
Os gatos, porcos, ratos e hamsters podem apresentar as formas
cardíacas e nervosas, havendo predominância dos efeitos cardíacos nos gatos
(HUMPHEREJS, 1988). Ademais, os gatos intoxicados com o MF ainda podem
apresentar convulsões, vômitos, hipotermia, prostração, dor abdominal,
taquipneia, agitação, marcante hiperexcitabilidade à luz e a estímulos externos,
vocalização e midríase irresponsiva à luz (COLLICCHIO- ZUANAZE et al.,
2006; COLLICCHIO-ZUANAZE et al., 2010).
Em humanos os sinais compreendem alterações respiratórias,
neurológicas e gastrointestinais (CHIH et al., 1999). Inicialmente podem
apresentar náuseas, vômitos e dor abdominal, seguido de angústia respiratória,
ansiedade,
agitação,
espasmos
musculares,
estupor
e
convulsões
(McTAGGARD, 1970). Além disso, foram relatados insuficiência renal aguda,
(CHUNG, 1984) e taquicardia sinusal com hipotensão (McTAGGARD, 1970).
2.1.4 Diagnóstico
O diagnóstico da intoxicação é realizado basicamente por meio do
histórico da ingestão do agente tóxico e evolução clínica (COLLICCHIO
ZUANAZE & SAKATI, 2005) e pesquisa do agente toxicológico.
Alterações bioquímicas sanguíneas são verificadas como o aumento
da glicemia em camundongos (MARRAZI & HOLLIDAY, 1981). Esta alteração
também foi relatada por BOSAKOWSKI & LEVIN (1986), juntamente com o
aumento da ureia, creatinina, alanina aminotransferase e das concentrações
séricas de citrato em cães e gatos intoxicados experimentalmente. Os gatos
durante estudos experimentais com o MF intravenoso, na dose de 3 mmol/kg,
apresentram significativa diminuição no cálcio ionizado e grave acidose
metabólica com aumento nos níveis de lactato e piruvato (COLLICCHIOZUANAZE, 2010). Já SERODIO (2013) verificou alterações hepáticas em
bovinos intoxicados experimentalmente pela P. marcgravii com aumento das
enzimas aspartato aminotransferase e gama glutamil transferase. além da
12
elevação sérica da creatina quinase (SERODIO, 2013). Em outro estudo
utilizando ovinos, foram verificados moderado a acentuado aumento nos níveis
de uréia com alguns casos de leve aumento da creatinina em episódios
experimentais (PEIXOTO, 2010).
A cromatografia em camada delgada e a cromatografia líquida de
alta eficiência foram eficientes na detecção de agentes tóxicos como o MF,
quando empregadas na análise de amostras estomacais de cães e gatos com
quadros toxicológicos (BULCÃO et al., 2010).
Na
necropsia
as
alterações
macroscópicas
são
de
pouca
significância por serem praticamente negativas ou inespecíficas em todas as
espécies animais (TOKARNIA et al., 2012). Na histopatologia uma lesão muito
típica, denominada degeneração hidrópico-vacuolar das células epiteliais dos
túbulos uriníferos contorcidos distais, associada à cariopicnose (Figura 4) foi
identificada (NOGUEIRA et al., 2010; TOKARNIA et al., 2012; SERODIO,
2013). Ovinos também apresentaram lesões histológicas renais semelhantes
aos bovinos, variando de discreta a acentuada degeneração hidrópico-vacuolar
dos túbulos uriníferos contornados distais associada à picnose nuclear
(PEIXOTO et al., 2010).
FIGURA 4 - Degeneração hidrópico-vacuolar
das células epiteliais dos túbulos
uriníferos contorcidos distais de rim
de bovino (setas). HE, obj. 40X
Fonte: SERODIO, 2013
13
Avaliações
alterações
histopatológicas
sugestivas
de
realizadas
processos
em
isquêmicos
gatos
e
revelaram
degenerativos,
especialmente no cérebro, miocárdio, pulmões, fígado e rins (COLLICCHIOZUANEZE et al., 2010). O’HAGAN (2004) relatou várias mortes de cães
intoxicados acidentalmente descrevendo a congestão e hemorragia renal e
pancreática, além da congestão e degeneração gordurosa hepática verificada
no exame histopatológico.
2.1.5 Prognóstico
O prognóstico das intoxicações pelo MF varia de reservado a
desfavorável, com forte influência da dose tóxica ingerida e dos sinais clínicos
apresentados. Quando o diagnóstico e tratamento são estabelecidos
precocemente há a perspectiva de melhora do prognóstico, como nos casos de
administração recente à intoxicação de acetamida ou bicarbonato de sódio
(PARTON, 2006).
2.1.6 Tratamento
A maioria das tentativas de reversão dos efeitos tóxicos do MF tem
falhado e poucos estudos relataram uma terapia de sucesso absoluto contra a
intoxicação em animais domésticos (O’HAGAN, 2004). Um protocolo geral de
conduta de urgência nestas intoxicações deve ser estabelecido incluindo
medidas que dificultam a absorção do agente, medidas de suporte e terapia
específica da intoxicação.
2.1.6.1 Medidas que dificultam a absorção do agente
A via natural de intoxicação pelo MF é através da exposição
gastrointestinal, portanto medidas que impeçam ou reduzam a absorção do MF
podem ser consideradas desde que a ingestão tenha ocorrido recentemente
(SPINOSA et al., 2008).
A indução da êmese é uma manobra que não possui sua eficácia
confirmada, havendo controvérsia em relação à sua eficiência. Dessa forma, há
divergência quanto à indicação do seu uso. Para OLIVEIRA (2009) e BOLFER
(2009), esta técnica é um dos métodos mais rápidos, seguros e fáceis para
14
remover o conteúdo gastrointestinal. Contudo SPINOSA et al. (2008) afirmam
que a êmese não influencia na morbidade e letalidade de animais intoxicados.
A êmese pode ser aplicada na clínica de pequenos animais,
permitindo o esvaziamento de 40 a 60% do estômago (BOLFER, 2009).
Espécies de animais que não podem vomitar (roedores, coelhos, pássaros,
cavalos e ruminantes) não devem ter a êmese provocada (MORGAN, 2008).
Em geral, não é recomendada em casos de ingestão do agente tóxico há mais
de 60min, quando o animal estiver inconsciente ou com grave depressão
(SPINOSA et al., 2008). Os agentes mais utilizados para induzir a êmese são:
a apomorfina em cães na dose única de 0,08 mg/kg (via subcutânea), ou 0,04 a
0,08 mg/kg (via intramuscular) ou 0,03 a 0,04 mg/kg (via intravenosa); a
xilazina em gatos na dose única de 0,44 mg/kg (via intramuscular); o peróxido
de hidrogênio (para cães e gatos) a 3% na dose de 1 a 2 mL/kg por via oral
(podendo ser repetido caso não ocorra o vômito) e xarope de ipeca na dose de
1 a 2,5 mL/kg para cães e 3,3 ml/kg para gatos, por via oral (podendo ser
repetido uma única vez) (SPINOSA et al., 2008).
A lavagem gástrica em pequenos animais deve ser realizada logo
após a ingestão do agente tóxico, quando a indução da êmese falha (MORGAN,
2008). Esta técnica é realizada através de sondagem orogástrica, com o animal
em estado inconsciente ou sob anestesia leve (deve-se considerar o risco
anestésico desses pacientes) e sondado com tudo endotraqueal (NICHOLSON,
1995).
Em equinos a lavagem gástrica é realizada com animal em estação,
através de sondagem nasogástrica com infusão de cerca de 3 L de água morna
e posteriormente a sifonagem do conteúdo infundido, repetindo o procedimento
até o esvaziamento do estômago (THOMASSIAN, 2005).
Algumas substâncias podem transformar o agente tóxico numa
forma não absorvível pela formação de um precipitado ou complexo insolúvel,
através da alteração do pH do trato digestivo ou o uso de adsorventes como o
carvão ativado. O carvão ativado é amplamente empregado na rotina
veterinária, principalmente quando o agente tóxico específico é desconhecido.
Esta substância possui elevado poder adsorvente, sendo que um grama de
carvão ativado pode oferecer uma superfície de adsorção de 100 m² (SPINOSA
et al., 2008). A dose recomendada é de 5 a 50 g para pequenos animais e de
15
250 a 500g para grandes animais, na diluição de 1 g para 3 a 5 mL de água,
por no máximo 48h, administrado por via oral ou sondagem nasogástrica em
equinos e orogástrica nas demais espécies (SPINOSA et al., 2008). Estudos
foram realizados por NORRIS et al. (2000) visando a descontaminação
gastrointestinal de ratos. Neste estudo o carvão ativado e o colestipol se
ligaram ao MF em testes in vitro e a mortalidade dos ratos diminuiu com a
administração do colestipol em até 30min após a intoxicação.
2.1.6.2 Medidas de suporte à vida
As medidas de suporte à vida a serem consideradas incluiem o
emprego de medidas adjuvantes para correção dos sintomas que podem
acompanhar essas intoxicações como convulsão, alterações na temperatura,
dificuldade respiratória, distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-base, excitabilidade,
vômitos persistentes, entre outras alterações. Essas medidas terapêuticas, em
geral, não diferem das utilizadas em outras emergências toxicológicas.
As convulsões tetânicas podem ser controladas com o uso de
anticonvulsivantes,
como
os
benzodiazepínicos
e
principalmente
os
barbitúricos (MELO & SILVA JÚNIOR, 2005). SPINOSA et al. (2008)
recomendaram a administração de diazepam na dose 0,5 a 1,0 mg/kg por via
intravenosa ou de 1 a 4 mg/kg por via retal quando ocorrem episódios
convulsivos; ou a administração de pentobarbital sódico em dose suficiente
para induzir uma leve anestesia na dose de 2 a 4 mg/kg, via intravenosa, para
cães e gatos (VIANA, 2007), seguido pela administração de uma solução de
8,4% de bicarbonato de sódio em solução salina, na dose de 300 mg/kg, por
um período de 15 a 30min. Alternativamente, metade da dose de bicarbonato
de sódio pode ser administrada em bolus e o restante em infusão lenta
(PETERSON & TALCOTT, 2006).
Os barbitúricos administrados em cães intoxicados dentro de 30min
após a intoxicação por MF (em doses quatro vezes maiores para a espécie)
resultou em 80% de sobrevivência destes animais, contudo, quando a terapia
foi dada 3h após a intoxicação, a sobrevivência foi de 17% (TOURTELLETTE &
COON, 1950). Segundo os mesmos autores, repetidas injeções intravenosas
de 20 mg de pentobarbital até 8,5h após a intoxicação por MF, impediu a morte
de um cão cometido.
16
As alterações na temperatura corpórea (hipo e hipertermia) podem
ser tratadas com medidas físicas externas de aquecimento (cobertor térmico)
ou resfriamento (compressas frias, banhos, ventiladores), respectivamente. Em
casos de hipertermias recomenda-se o suporte de oxigênio, soluções
cristalóides por via intravenosae e o controle das convulsões (SPINOSA et al.,
2008).
A fluidoterapia com solução de cloreto de sódio a 0,9%, Ringer
simples ou Ringer com lactato deve ser aplicada para correção hídrica,
contudo, soluções glicosadas não são recomendadas uma vez que o animal
pode apresentar hiperglicemia (HESSE, 2008). O tratamento de suporte
apropriado, incluindo infusão de fluídos, controle de convulsões e correção da
hipóxia é essencial para correção da acidose (TURINI, 2002), juntamente com
a administração de bicarbonato de sódio em casos agudo de acidose
metabólica.
Os cães e gatos que apresentarem casos de vômitos intensos e
repetidos podem ser tratados com metoclopramida na dose 0,2 a 0,4 mg/kg a
cada 8h, enquanto durarem os sinais. Também se indica o uso de antieméticos
nos casos em que os vômitos representam grave risco de broncoaspiração, ou
que possam contribuir para o estabelecimento de distúrbios hidroeletrolíticos
(TURINI, 2002).
2.1.6.3 Terapia específica
a) Gluconato de cálcio
O gluconato de cálcio é empregado rotineiramente na clínica
veterinária na intoxicação por MF para antagonizar o quadro de hipocalcemia
apresentado por algumas espécies como os gatos (COLLICCHIO-ZUANAZE,
2010) e assim, reduzir a agitação muscular, normalizar a retração do miocárdio
e aumentar a sobrevida do animal (ROY et al., 1980).
Em estudos realizados por OMARA & SISODIA (1990) o gluconato
de cálcio foi ineficaz na redução da mortalidade de ratos intoxicados pelo MF.
Entretanto, MELO & SILVA JÚNIOR (2005) relataram que todos os pacientes
que apresentarem hipocalcemia ou tetania devem ser suplementados com este
composto por via intravenosa. Segundo SAKATE (2002), deve-se utilizar este
17
doador de acetato concentrado a 10%, na dose de 130 mg/Kg, por via
intravenosa, muito lentamente a cada 30 minutos, durante 12 horas. DE
PAULA (2000) obteve 75% de sobrevida num experimento com cães
intoxicados pelo MF e tratados com gluconato de cálcio.
A utilização do succinato de sódio e gluconato de cálcio a 10% como
protocolo terapêutico na intoxicação por MF em gatos permitiu a normalização
mais precoce do pH, do bicarbonato de sódio e do cálcio ionizado, revertendo
assim, de maneira mais eficiente os quadros de acidose metabólica e
hipocalcemia (COLLICCHIO- ZUANAZE, 2002). O succinato de sódio, em
combinação com gluconato de cálcio, foi recomendado na dose de 240 mg/kg,
a cada 30min a 1h por 12h (SAKATE, 2002).
b) Tiosulfato de magnésio
O tiossulfato é um oxianião de enxofre produzido pela reação de
iãos sulfito com o elemento enxofre, em água fervente. O prefixo tio- indica que
o íon tiossulfato é um íon sulfato com um oxigênio sendo substituído por um
enxofre. Esta reação é normalmente utilizada para gerar uma suspensão
aquosa. Os tiossulfatos são estáveis apenas em soluções neutras ou alcalinas.
O tiosulfato de magnésio possui mecanismo de ação desconhecido
na intoxicação por MF (PEREIRA & PEREIRA, 2005), contudo sua ação
benéfica pode ser atribuída aos seus vários efeitos positivos no organismo,
visto que o MF possui ação principal no sistema nervoso e cardíaco.
O magnésio é o segundo cátion mais abundante no meio intracelular
e o quarto mais abundante no corpo (NORONHA & MATUSHACK, 2002). É
essencial para a atividade de muitos sistemas enzimáticos e desempenha um
importante papel na transmissão neuroquímica e na excitabilidade muscular.
Ele previne ou controla as convulsões por meio do bloqueio da transmissão
neuromuscular, pela diminuição da acetilcolina liberada pelo nervo motor na
placa motora terminal (GRACIA, 2002).
No sistema respiratório seu mecanismo de ação é multifatorial e
envolve a inibição da contração do músculo liso direto até a liberação atenuada
de histamina a partir de mastócitos, entre outros (NORONHA & MATUSHACK,
2002). A ação do magnésio também pode ser explicada por uma ação
anticálcica que permite o bloqueio das respostas broncoconstritoras atribuídas
18
ao exercício, a metacolina e própria histamina, ao mesmo tempo que é
mediador/potencializador de beta-agonistas.
O magnésio possui um efeito “cardioprotetor”, oferecendo ação
protetora às células cardíacas por derivar o cálcio das mitocôndrias para o
retículo sarcoplasmático, resultando em competição com a ligação do cálcio à
troponina C. Esta propriedade é um efeito potencial imediato que promove a
conservação da energia do miocárdio (função contrátil), evitando o surgimento
de arritmias malignas (FAWCETT et al., 1999).
A
administração
intravenosa
permite
efeito
anticonvulsivante
imediato que dura cerca de 30min. Na administração intramuscular o início da
ação ocorre dentro de cerca de 1h e dura de 3 a 4h. Níveis plasmáticos
adequados para um efeito anticonvulsivante variam de 2,5 a 7,5 mEq/L
(MAGNOSTON®, 2012).
PEREIRA & PEREIRA (2005) estudaram o efeito da atividade tóxica
da P. marcgravii em camundongos brancos e observaram ação antagônica do
tiosulfato de magnésio. Estes autores administraram 50 g da mesma solução,
via intravenosa, num novilho prostrado de 300 Kg intoxicado com a P.
marcgravii e no dia seguinte o animal estava recuperado.
O tiosulfato de magnésio pode ser adquirido em estabelecimentos
especializados em produtos químicos ou pela sua formulação para uso humano
conhecida comercialmente por Magnoston®.
c) Grupos doadores de acetato
A terapia que funciona como antidoto para a intoxicação pelo
monofluoracetato de sódio visa o desenvolvimento de um meio de impedir a
síntese
de fluorocitrato
e
o
bloqueio
na mitocondria
da
aconitase,
proporcionando a tranformação do citrato em isocitrato. Os grupo doadores de
acetato evitam a metabolização do MF em fluorcitrato. Espera-se que
compostos precursores de acetato (referidos como “doadores de acetato”)
sejam capazes de reduzir a inibição competitiva do fluoracetato pelo mesmo
sítio ativo (coenzima A), exercendo um efeito protetor na intoxicação pelo MF,
por meio da diminuição da síntese de fluorcitrato (NOGUEIRA et. al, 2009).
Para alcançarem sucesso terapêutico essas substâncias devem ser solúveis e
penetrar rapidamente nas estruturas celulares (NOGUEIRA et. al, 2009). Com
19
exceção do etanol, estas substâncias não são facilmente encontradas no
mercado de produtos químicos e muito menos nos estabelecimentos que
comercializam medicamentos de uso veterinário, de forma que o fornecimento
é feito por empresas estrangeiras.
ETANOL
O etanol (CH3 CH2OH), também chamado álcool etílico ou
simplesmente álcool é uma substância orgânica obtida da fermentação de
açúcares, hidratação do etileno ou redução a acetaldeído (FREDOM
COMUNICAÇÕES, 2002). O etanol é o mais comum dos álcoois que são
compostos que têm grupos hidroxilo ligados a átomos de carbono sp3. Podem
ser vistos como derivados orgânicos da água em que um dos hidrogênios é
substituído por um grupo orgânico. Seu emprego como medicamento é antigo,
apresentando inúmeras indicações terapêuticas como pneumonias, moléstias
febris,
síncopes,
desfalecimentos,
hemorragias
diversas,
metrorragias,
hidropisias e fraqueza cardíaca (SOUZA, 1932).
A transformação do álcool no organismo é bastante rápida, ou seja,
2 a 3h após a ingestão um quarto já terá sido metabolizado. Sua distribuição
pelo organismo é irregular e o sangue conterá uma proporção muito fraca.
Entre os órgãos, é o cérebro que o atrai mais rapidamente e posteriormente o
fígado, pulmões e rins (SOUZA, 1932).
No organismo, a oxidação do etanol resulta na produção de acetato
(HUTCHENS et al., 1949), exercendo papel de antídoto frente as intoxicações
por MF. Além disso, o etanol catalisa a oxidação do acetato pelas células
acometidas pelo MF. Estudos relataram o efeito protetor do etanol na dose de
800 mg/kg, por via subcutânea, em camundongos e suínos intoxicados com
0,25 e 0,5 mg/kg de MF (HUTCHENS et al., 1949).
Na Antioquia, uma jovem de 18 anos intoxicada pelo MF se
recuperou após tratamento com 48g de etanol e manutenção de 4,8g/h,
durante 24h (DURANGO, 2006)
MONOACETATO DE GLICEROL
O monoacetato de glicerol, conhecido como Monoacetin® é um éster
resultante da acetilação do glicerol. Seu estado físico é líquido higroscópico
20
denso, com fórmula molecular C5H10O4, e solubilidade em água e solventes
polares, vendido para uso em fabricação de explosivos, como agente
gelatinizante e como solvente para tinturas (MOTA et al., 2009).
Observações realizadas por LI et al. (1941) mostraram que
o
monoacetate glicerol possui baixa toxicidade, podendo ser empregado in vivo,
com uso bem sucedido como um doador de acetato no tratamento de
intoxicações por MF (CHENOWETH et al., 1950).
A via de administração mais adequada para o monoacetato de
glicerol é a intramuscular, não sendo necessário a sua diluição, com o risco de
apresentar edema local. Embora seja um material moderadamente irritante e
necrosante, lesões no sítio de injeção não foram observadas. A administração
intravenosa pode ser feita em soluções com concentrações menores que 1%
para que não ocorra hemólise e danos nos capilares pulmonares. Portanto, a
administração pela via intravenosa se torna ineficiente pelo alto volume que
terá que ser infundido. A absorção pelo trato gastrointestinal é lenta, irregular e
geralmente mais prejudicada por vômito em cães e macacos (CHENOWETH et
al., 1950).
Em um estudo realizado com coelhos, cães, macacos e ratos o
monoacetato de glicerol se mostrou eficiente no tratamento da intoxicação pelo
MF, pelas vias intramusculares e intravenosa (CHENOWETH et al., 1950).
Segundo MOUNT (1992), o monoacetato de glicerol pode ser administrado por
via intravenosa e intramuscular na dose de 0,5mg/kg/h, até 20min após a
intoxicação. KIRK (1980) recomendou para cães a doses de 2 a 4 mg/kg/h pela
via intramuscular. RAMMEL et al. (1985) estudaram a eficácia do tratamento da
intoxicação pelo MF em cães com monoacetato de glicerol e concluíram que
são necessárias doses acima de 100mg/kg deste medicamento para se obter
um aumento significativo nos níveis de acetato circulante. De Paula (2000),
obteve 25% sobrevida empregando o monoacetato de glicerol em cães
intoxicados com 0,15 mg/kg de MF via oral. A Organização Mundial de Saúde
(OMS) recomendou em 1982 o uso do monoacetato de glicerol na dose de 0,5
mg/kg, por via intramuscular a cada 30min por 12h, como tratamento das
intoxicações por MF em humanos.
O mecanismo de ação e a eficácia do monoacetato de glicerol ainda
não estão completamente esclarecidos, havendo dúvidas sobre sua ação no
21
sistema nervoso central. Contudo, sabe-se que a ausência de convulsões nos
animais tratados com essa substância indicou diminuição na síntese de
fluorocitrato
ou
a
interferência
na
passagem
deste
pela
barreira
hematoencefálica (COLLICCHIO-ZUANAZE & SAKATE, 2005).
Os efeitos negativos do monoacetato de glicerol compreendem o
agravamento da hiperglicemia e da acidose metabólica, além de danos
capilares e hemólise de eritrócitos (ENGEL et al., 1954). Além disso, este
composto pode aumentar a concentração de citrato em vários órgãos (EGYED
& SHLOSBERG, 1973).
ACETAMIDA
A acetamida é uma substância orgânica que se define por amida do
ácido acético, sua fórmula é C2H5NO e apresenta solubilidade na água
(COLEMAN & ALVARADO, 1923).
Estudos tem empregado a acetamida no tratamento de animais
intoxicados experimentalmente pelo MF ou por plantas que o possuem como
princípio tóxico, devido ao seu papel de substância doadora de acetato
(GONIAK et al., 1994; EGYED & SCHULTZ, 1986; HELAYEL et al., 2011;
PEIXOTO et al., 2011; PEIXOTO et al., 2012;).
Ratos que receberam a acetamida 1h após a intoxicação
experimental pela P. marcgravii sobreviveram sem demonstrarem sinais
clínicos da intoxicação (GORNIAK et al., 1994). Verificou-se também, a eficácia
da utilização desse antídoto em cobaios e ovinos intoxicados por Dichapetalum
cymosum, uma importante planta africana que contém MF como princípio
tóxico (EGYED & SCHULTZ, 1986).
A administração da acetamida por via oral, em doses que variaram
de 2 a 8 g/kg, evitou o aparecimento dos sinais clínicos e o óbito em todos os
ratos intoxicados por MF, bem como pelas folhas frescas de P. marcgravii
(PEIXOTO et al., 2011). Em outro estudo realizado com ovinos, caprinos e
coelhos, a acetamida administrada como tratamento prévio evitou o
aparecimento dos sinais clínicos e o óbito com evolução superaguda nas
intoxicações experimentais por Pseudocalymma elegans, indicando o MF como
princípio tóxico dessa planta (HELAYEL et al., 2011).
22
Em bovinos, a acetamida também demonstrou seu efeito protetor em
intoxicações pelo MF e P. marcgravii nas doses de 1 e 2 g/Kg de peso vivo,
evitando o aparecimento dos sinais clínicos e a morte dos animais intoxicados
(PEIXOTO et al., 2012).
Para cães e gatos pode-se utilizar a acetamida diluída em dextrose a
5%, sendo que a proporção feita é de 15g de acetamida em um litro de
dextrose a 5% (PETERSON & TALCOTT, 2006). Esta solução é administrada
em dose inicial de 20 a 25 ml/kg pela via intravenosa por um período de 60min,
seguidas por aproximadamente 5 mL/kg/hora pelas próximas 12 a 18h
conforme necessário. SPINOSA et al. (2008) sugerem a utilização de 10% de
acetamida associada à 5% de dextrose, por via intravenosa na dose de 7 a 10
mL/kg em um período de 30min e depois a cada 4h, por 24 a 48 horas. No
tratamento de gatos, a dose deve ser reduzida em no mínimo 75%
(PETERSON & TALCOTT, 2006).
A acetamida apresenta efeitos negativos sobre o organismo
semelhantes aos apresentados pelo monoacetato de glicerol, compreendendo
o agravamento da hiperglicemia e da acidose metabólica, além de danos
capilares e hemólise de eritrócitos (ENGEL et al., 1954). Estes compostos
também podem aumentar a concentração de citrato em vários órgãos (EGYED
& SHLOSBERG, 1973).
ACETATO DE SÓDIO
O acetato de sódio também conhecido como sal de sódio, é um
composto cristalino incolor, solúvel em água e etanol. No organismo, ele é
metabolizado sendo transformado em acetilcoenzima A no ciclo de Krebs, até
sua completa oxidação. Quando o acetato é fornecido ao paciente como um sal
de sódio, ele é metabolizado à CO2 e água resultando na formação de um mole
de bicarbonato de sódio para cada mole de acetato de sódio consumido.
Em experimentos in vitro, o acetato de sódio demostrou exercer
proteção contra os efeitos tóxicos do MF (CHENOWETH et al., 1949), bem
como em ratos (TOURTELLOTTE & COON, 1949).
Porém, segundo CHENOWETH et al. (1950) acetato de sódio é
ineficaz no envenenamento pelo MF porque não protegeu coelhos intoxicado
experimentalmente. Acredita-se que pelo fato deste composto não apresentar
23
um caráter neutro e ser altamente carregado de íons resulta em sua ineficácia.
É provável que sua falha seja no desbalanço hídrico eletrolítico in vivo,
podendo ser parcialmente atribuída a perturbações diretas ou indiretas no
balanço de cálcio e potássio.
Para CHENOWETH et al. (1950) apesar da sua capacidade de
fornecer algum acetato utilizável, o acetato de sódio produz alcalose que
potencializ a ação do MF e produzir arritmias. Pontanto o acetato de sódio não
pode ser recomendado como antídoto para animais intoxicados pelo MF.
24
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O êxito do tratamento das intoxicações pelo ácido monofluoracetato
de sódio é difícil devido à sua ação rápida e alta toxidade para os animais
domésticos. Portanto é necessário um diagnóstico rápido e se possível uma
abordagem
terapêutica
ampla
para
correção
dos
danos
causados
principalmente no sistema nervoso, respiratório e cardiovascular.
Diversas substâncias tem sido testadas como tratamento das
intoxicações pelo MF, contudo, nenhuma teve seu efeito sobre os organismos
intoxicados devidamente elucidado. O tratamento sintomático das convulsões,
acidose metabólica, hipocalcemia e demais alterações apresentadas deve ser
realizado, assim como o uso de substâncias que possam diminuir a absorção
do MF no trato gastrointestinal e substâncias eméticas em animais conscientes.
Outras substâncias como o tiosulfato de magnésio precisam ser
melhores estudadas com a perspectiva de serem promissoras no tratamento do
envenenamento por MF. Os compostos doadores de acetato, principalmente o
monoacetato de glicerol, a acetamida e o etanol tem exercido um bom papel
protetor frente ao MF, contudo deve-se observar seus efeitos negativos como o
agravamento da hiperglicemia, acidose metabólica e acúmulo de citrato, além
da necessidade de serem aplicados em pouco tempo após a ingestão do MF.
Estudos que combinem o uso de uma substância doadora de acetato
(monoacetato de glicerol ou acetamida) associado ao tiosulfato de magnésio e
a correção da hipocalcemia podem ser uma alternativa terapêutica eficiente
para essas intoxicações.
25
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