UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS – UEA FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DOAMAZONAS - FMTAM MESTRADO EM DOENÇAS TROPICAIS E INFECCIOSAS AVALIAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NO PRÉ E PÓSOPERATÓRIO DE NEURÓLISE EM PACIENTES PORTADORES DE HANSENÍASE COM DANO NEURAL RAUIRYS ALENCAR DE OLIVEIRA MANAUS 2005 ii RAUIRYS ALENCAR DE OLIVEIRA AVALIAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NO PRÉ E PÓSOPERATÓRIO DE NEURÓLISE EM PACIENTES PORTADORES DE HANSENÍASE COM DANO NEURAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Medicina Tropical da Universidade do Estado do Amazonas em convênio com a Fundação de Medicina Tropical do Amazonas para a obtenção do grau de Mestre em Doenças Tropicais e Infecciosas. Orientadora: Profª Dra. Maria da Graça Souza Cunha Co-orientador: Prof. Dr. Sinésio Talhari MANAUS 2005 iii FICHA CATALOGRÁFICA OLIVEIRA, Rauirys Alencar de. Avaliação Fisioterapêutica no Pré e Pós-Operatório de Neurólise em Pacientes Portadores de Hanseníase com Dano Neural / Rauirys Alencar de Oliveira. Manaus: Universidade do Estado do Amazonas, 2005. 77 p. Dissertação (Mestrado em Doenças Tropicais e Infecciosas) – Universidade do Estado do Amazonas. Orientação: Profa. Dra. Maria da Graça Souza Cunha 1. hanseníase; 2. Fisioterapia; 3. Neurólise; 4. Incapacidade física; 5. Neurite. iv Dedicatória Dedico este trabalho a todos que buscam entender melhor os eventos da Hanseníase com o intuito de ajudar a tantas pessoas que sofrem por esta doença em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento, bem como aos meus pacientes que, apesar das dificuldades, estão sempre buscando melhorar suas condições de vida e de saúde. v Agradecimentos Agradeço: Ao ser supremo, conhecedor de todos os mistérios do universo pela sua bondade em nos conceber o acesso à ciência e ao conhecimento; À minha família pelo apoio, principalmente à minha esposa e companheira Andréa; À minha orientadora, Dra. Maria da Graça Souza Cunha, pela sua dedicação e empenho em me ajudar nesta tarefa tão árdua; Meu co-orientador, Dr. Sinésio Talhari, pelo auxílio; Aos funcionários da Fundação Alfredo da Matta que tanto me ajudaram desde o início de meu projeto de pesquisa até todas as suas fases de execução, em especial à equipa da Gerência de Fisioterapia e Prevenção de Incapacidades, departamento de pesquisa e departamento de epidemiologia e controle de doenças; À minha coordenadora no Centro Universitário Nilton Lins, Mônica Romitelli de Queiroz; Aos médicos Prof. Ms. Wilson Duarte Alecrim e Profª. Dra. Maria das Graças Costa Alecrim que, desde o início, acreditaram no meu trabalho; Ao amigo Jéferson Jurema pelo grande trabalho que vem realizando em prol da pesquisa; Aos colegas de mestrado pelo apoio e incentivo; À Universidade do Estado do Amazonas e Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, bem como à Coordenação e secretaria do Curso, em nome da Profª Dra. Maria das Graças Vale Barbosa e senhora Maria da Conceição dos Santos Tufic; À Superintendência da Zona Franca de Manaus pelo financiamento e incentivo do Curso. vi RESUMO A hanseníase é uma doença de caráter infecto-contagioso e também incapacitante, causada pelo Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen (1873), um bastonete álcool-ácido resitente. O Estado do Amazonas apresentou, em 2004, um coeficiente de prevalência de 6,74/10.000 habitantes, ocupando o 11° lugar no Brasil. Município de Manaus apresentou, neste mesmo ano, uma prevalência de 5,79 casos por 10.000 habitantes, o que é considerado alto pela Organização Mundial de Saúde. No mesmo ano foram detectados 918 casos novos no Estado, dentre os quais, 94,88% foram avaliados quanto ao grau de incapacidade, onde 23,06% apresentaram grau I ou II de incapacidade, trazendo prejuízos por perda de força de trabalho e gastos governamentais com previdência e investimentos em prevenção terciária. O presente estudo teve como objetivo analisar, através do exame neurofuncional, a eficácia da cirurgia de neurólise em pacientes com neurite hansênica operados na Fundação Alfredo da Matta (FUAM-AM), município de Manaus, Estado do Amazonas. Esta cirurgia está indicada nos estados de neurite que não respondem adequadamente à corticoterapia. Tratou-se de um estudo prospectivo, do tipo descritivo. Teve como universo de estudo a população portadora de neurite hansênica do Estado do Amazonas, tratada na FUAM-AM. Foram selecionados 27 participantes os quais foram triados para cirurgia eletiva de neurólise, respeitando os critérios de inclusão e exclusão, no período de outubro de 2004 a janeiro de 2005. Ao todo foram realizadas 64 cirurgias nos pacientes selecionados durante o período de acompanhamento, sendo que 22 pacientes realizaram neurólise em dois nervos e 5 pacientes realizaram neurólise em 5 nervos. Os pacientes realizaram uma avaliação neurofuncional pré-operatória em cada cirurgia, compreendendo o teste de força muscular manual, teste de sensibilidade pelos estesiômetros de Semmes-Weinstein, avaliação da dor através de escala analógica visual e classificação do grau de incapacidade. A mesma avaliação foi repetida um mês após a cirurgia. Os principais nervos operados foram, em ordem decrescente, medial e ulnar, fibular comum e tibial posterior. A maioria dos pacientes operados (70,3%) pertencia a faixa etária entre 20 e 40 anos de idade. A forma clínica mais comum entre os mesmos foi a virchowiana (67%), seguida da dimorfa-virchoviana (19%), tuberculóide (7%) e dimorfatuberculóide (7%). Setenta e quatro por cento dos pacientes operados encontravam-se em alta clínica e 26% ainda realizavam tratamento por poliquimioterapia. A principal queixa apresentada foi dor (55%). Entre os 64 nervos operados, 38 eram responsáveis por algum grau de comprometimento de força na musculatura correspondente à sua inervação no préoperatório. Em relação ao grau de incapacidade, 70% apresentaram grau I e 30% apresentaram grau II. No pós-operatório, foi relatada melhora da dor em 64% das cirurgias, 30% não apresentaram alteração e 6% apresentaram piora. Cinqüenta e seis por cento dos nervos com comprometimento motor não apresentaram melhora, 32% melhoraram em até um grau e 12% apresentaram piora em até um grau. Trinta e quatro por cento dos pacientes apresentaram melhora da sensibilidade, e 66% se mostraram com quadro inalterado. Quanto ao grau de incapacidade não houve modificações quando comparamos o pré ao pós-operatório. De acordo com os resultados apresentados, concluímos que, pelo menos durante o período de acompanhamento do estudo, correspondendo a um mês de pósoperatório, não houve evolução significativa na funcionalidade dos segmentos correspondentes aos nervos operados, sob o ponto de vista da força muscular. A dor, como principal queixa relatada e também como fator incapacitante, apresentou melhoras importantes promovendo satisfação quanto aos resultados por parte dos pacientes, bem como a melhora da sensibilidade. Palavras chaves: hanseníase, fisioterapia, neurólise, incapacidade física, neurite. vii ABSTRACT The Hansen’s disease has a infectant, contagious and disability character, and it's caused by the Mycobacterium leprae or Hansen's bacillus (1873), a small alcohol-acid resistant bacillus. The State of Amazonas presented, in 2004, a prevalence coefficient of 6,74/10.000 inhabitants, occupying the 11° place in Brazil. Municipal district of Manaus presented, on this same year, the prevalence of 5,79 cases per 10.000 inhabitants, what is considered high by the World Organization of Health. In the same year 918 new cases were detected in the State, among them, 94,88% were assessed to the degree of disability, and we found that 23,06% presented degree I or II of disability, bringing damages for manpower loss and government expenses with retirement and investments in tertiary prevention. The objective of this study is analyze, using the neurofunctional exam, the effectiveness of the decompression surgery of nerves in patients with nerve trunk due Hansen's disease, operated at Alfredo da Matta Foundation (FUAM-AM), municipal district of Manaus, State of Amazonas. This surgery is suitable in the nerve trunk states which do not reply appropriately to the use of corticoids. It was a prospective and descriptive study. Our study object was the population carried by nerve trunk due Hansen's disease of the State of Amazonas, treated in FUAM-AM. Twenty-seven participants were selected to surgery of nerve decompression, obeying the inclusion and exclusion approaches, during the period of October of 2004 to January of 2005. Sixty-four surgeries were accomplished in the patients selected during the study period, 22 patients were submitted to surgery in two nerves and 5 patients in 5 nerves. The patients were assessed with the neurofunctional exam in pré-operative period in each surgery, witch includes the manual test of muscular force, sensibility test using the SemmesWeinstein monofilaments, pain evaluation using a analogical visual scale and classification of the disability degree. The same evaluation was repeated one month after the surgery. The main operated nerves were, in decreasing order, medial and ulnar, common fibular and posterior tibial. Most of the operated patients (70,3%) it belonged the age group between 20 and 40 years. The most common clinical form among them were lepromatous (67%), followed by the boderline-lepromatous (19%), tuberculoid (7%) and boderline-tuberculoid (7%). Seventy-four percent of the operated patients had still finished they clinical treatment and 26% were still accomplished by poliquimioterapia. The main complaint referred by the patients was pain (55%). Among the 64 operated nerves, 38 were responsible for some degree of muscle weakness in the pre-operative period. Seventy percent presented degree I and 30% presented degree II of disability. In the postoperative period, we found an improvement of the pain in 64% of the operated nerves, 30% didn't present alteration and 6% presented worsening. Fifty six percent of the nerves with muscle weakness didn't present improvement, 32% improved at least one degree and 12% presented worsening in until one degree. Thirty four percent of the patients presented improvement of the sensibility and 66% were shown unaffected. About to the degree of disability, we can't found any modifications when we compared the pre-operative to the postoperative periods. In agreement with the presented results, we concluded that, at least during the period of the study accompaniment, corresponding to one month of postoperative, there was not significant evolution in the functionality of the segments corresponding to the operated nerves, under the point of view of the muscular force. The pain, told as the main complaint and also a disability factor, presented important improvements promoting satisfaction mentioned by the patients about the results, as well as the improvement of the sensibility. Key words: Hansen's disease, physiotherapy, nerve decompression surgery, physical disability, neuritis. viii LISTA DE ABREVIATURAS COFFITO FUAM-AM FUNASA GECD/FUAM-AM OMS Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional Fundação Alfredo da Matta – Amazonas Fundação Nacional de Saúde Gerência de Epidemiologia e Controle de Doenças da Fundação Alfredo da Matta Organização Mundial de Saúde ix LISTA DE FIGURAS Pág. 10 Figura 01 Classificação espectral de Ridley e Jopling. Figura 02 Pontos de avaliação por estesiômetro e referências topográficas da inervação sensitiva cutânea nos membros superiores. Figura 04a – região dorsal da mão; figura 04b – região palmar. 18 Figura 03 Pontos de avaliação por estesiômetro e referências topográficas da inervação sensitiva cutânea nos membros inferiores. Figura 05a - região plantar do pé; figura 05b – região dorsal do pé. 18 Figura 04 Uma interferência de EMG é retificada e integrada, e o sinal resultante (EMG integrada) apresenta um paralelo com a mudança na força. 20 Figura 05 Fascículos nervosos e suas bainhas de tecido conjuntivo. P – perineuro, EP – epneuro, EN – endoneuro, VA – vaso sanguíneo, VEM – vênula. 29 Figura 06 Procedimentos de neurólise. a) neurólise simples, b) epineurotomia, c) epineurectomia e d) neurólise intrafascicular. 39 Figura 07 Incisões cirúrgicas. a) incisão para o nervo ulnar; b) incisão para o nervo mediano; c) incisão para o nervo tibial posterior e; d) incisão para o nervo fibular comum 41 Figura 08 Distribuição dos pacientes quanto ao sexo. 50 Figura 09 Forma clínica apresentada pelos pacientes ativos e forma tratada nos pacientes em alta, submetidos à neurólise durante o período do estudo. 51 Figura 10 Situação de tratamento. 51 Figura 11 Forma clínica apresentada entre os pacientes ativos. 52 Figura 12 Forma clínica tratada entre os pacientes em alta. 52 Figura 13 Estado reacional. 54 Figura 14 Grau de Incapacidade. 54 Figura 15 Queixas principais relatadas pelos pacientes durante a avaliação pré-cirúrgica. 55 x Figura 16 Nervos operados. 55 Figura 17 Grau de dor provocado pelos nervos pré-operados entre os pacientes que referiam este sintoma como queixa principal. 56 Figura 18 Grau de dor provocado pelos nervos pré-operados entre os pacientes que referiam outros sintomas como queixa principal. 57 Figura 19 Evolução comparativa da sensação dolorosa relatada pelos pacientes através da escala analógica visual de dor antes e após a cirurgia. 57 Figura 20 Evolução da dor nos pacientes operados. 58 Figura 21 Valores de tendência central do grau atribuído de dor no pré e pós-operatório. 58 Figura 22 Comprometimento motor no pré-operatório. Dados referentes à musculatura inervada especificamente pelo nervo comprometido. 59 Figura 23 Evolução da força muscular no pós-operatório. Dados referentes à musculatura especificamente inervada pelo nervo operado. 60 Figura 24 Comprometimento de força muscular no pré-operatório 60 através da quantificação pela escala de teste manual de força muscular. Figura 25 Comprometimento de força muscular no pósoperatório através da quantificação pela escala de teste manual de força muscular. 61 Figura 26 Evolução da força muscular no pós-operatório segundo o grau de comprometimento pré-operatório. 61 Figura 27 Resultados dos testes de sensibilidade por estesiômetros. O dados foram analisados comparando os resultados do pré-operatório com o pós-operatório. Foi atribuída a classificação de melhora, piora ou quadro inalterado para os pacientes que apresentaram evolução em pelo menos um nível na área de sensibilidade específica do nervo operado. 62 xi LISTA DE TABELAS Pág. 49 Tabela 01 Número de pacientes com indicação de neurólise no período de setembro de 2004 a janeiro de 2005 e número de cirurgias realizadas. Tabela 02 Número de nervos operados nos 27 pacientes. 49 Tabela 03 Faixa etária do pacientes operados. 50 Tabela 04 Tempo de tratamento por PQT dos ativos até o dia da última cirurgia (em meses). 53 Tabela 05 Tempo de alta até a última cirurgia (em meses). 53 Tabela 06 Estatística descritiva da evolução das respostas musculares correspondentes às fibras motoras dos nervos operados. 62 xii SUMÁRIO FOLHA DE ROSTO ii DEDICATÓRIA iii AGRADECIMENTOS iv RESUMO v ABSTRACT vi LESTA DE ABREVIATURA vii LISTA DE FIGURAS viii LISTA DE TABELAS x 1.0 INTRODUÇÃO 01 1.1 A HANSENÍASE 01 1.2 EPIDEMIOLOGIA 02 1.3 IMUNOPATOGENIA 06 1.4 DIAGNÓSTICO CLÍNICO 08 1.5 1.4.1 Classificação de Madrid 1.4.2 Classificação de Ridley e Jopling 1.4.3 Classificação Operacional PROVAS COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO 1.5.1 Prova de Histamina 1.5.2 Prova de Pilocarpina 1.5.3 Baciloscopia 1.5.4 Teste de Mitsuda 1.5.5 Histopatologia 11 1.6 TRATAMENTO POR POLIQUIMIOTERAPIA 15 1.7 EXAME NEUROFUNCIONAL 16 1.8 1.7.1 Teste de Sensibilidade 1.7.2 Provas de Função Muscular 1.7.3 Avaliação da Dor 1.7.4 Avaliação do Grau de Incapacidade ESTADOS REACIONAIS 1.8.1 Reação Tipo I 1.8.2 Reação Tipo II 24 xiii 1.9 A NEURITE HANSÊNICA 1.9.1 28 Principais Nervos Acometidos 1.10 A CIRURGIA DE NEURÓLISE 1.10.1 Técnicas Cirúrgicas 1.11.2 A cicatrização cirúrgica 2.0 OBJETIVOS 37 42 2.1 OBJETIVO GERAL 42 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 42 3.0 METODOLOGIA 43 3.1 MODELO DE ESTUDO 43 3.2 UNIVERSO DE ESTUDO 43 3.2.1 População de referência 3.2.1 População de estudo 3.2.3 Participantes 3.3 PROCEDIMENTOS 44 3.4 EXAME NEUROFUNCIONAL 46 3.4.1 História da patologia 3.4.2 Inspeção e palpação dos nervos 3.4.3 Classificação do estado reacional 3.4.4 Teste de força muscular 3.4.5 Teste de sensibilidade 3.4.6 Sintomatologia dolorosa 3.4.7 Avaliação do grau de incapacidade 4.0 RESULTADOS 49 5.0 DISCUSSÕES 64 6.0 CONCLUSÕES 71 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXOS 73 1 1.0 INTRODUÇÃO 1.1 A Hanseníase A hanseníase é uma doença de caráter infecto-contagioso e incapacitante, transmitida pelo Mycobacterium leprae, um parasita intracelular obrigatório com afinidade por células cutâneas e células de nervos periféricos, levando a comprometimentos nestas estruturas, caracterizados principalmente por ulcerações, manchas hipocrômicas ou eritematosas com alteração de sensibilidade, pápulas, nódulos e infiltrações. Poderá acometer também as estruturas do olho, como córnea, pálpebra e aparelho lacrimal. Sua localização intracelular obrigatória no sistema fagocítico-mononuclear imprime a característica crônica da doença. Possui uma evolução lenta, com início insidioso do dano neural. O Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen (1873) é um bastonete álcoolácido resitente quando corado pela fucsina, como no método de Ziehl-Neelsen. Apresenta características muito semelhantes ao Mycobacterium tuberculosis, diferenciando deste por apresentar uma tendência para a formação de aglomerados do tipo feixes ou massas compactas e arredondadas, conhecidas como glóbias, que são unidas por uma substância denominada gléia. Ainda não foram desenvolvidas técnicas eficazes de cultivo do bacilo de Hansen em laboratório, meio artificial ou em cultura de células. Seu cultivo pode ser desenvolvido em cultura por inoculação de bacilos em tecidos de camundongos ou em Dasypus novemcinctus, uma espécie de tatu (LEVINSON e colaboradores, 1998). Acredita-se que a infecção é adquirida principalmente pelo contato prolongado com pacientes que possuem formas virchowiana e dimorfa, as quais são consideradas contagiantes, sem tratamento (TALHARI e NEVES, 1997), que disseminam grandes quantidades de M. leprae nas secreções nasais. Considerando as vias aéreas superiores como a mais provável porta de entrada do M.leprae no organismo, um estudo realizado por Vilani-Moreno e colaboradores (1999, p. 115120), avaliou o comportamento do bacilo inoculado experimentalmente por instilação na via intranasal em camundongos. Os animais foram sacrificados em tempos 2 diferentes e realizado lavado broncoalveolar e análise histopatológica. Os resultados obtidos revelaram que a inoculação de M. leprae, via intranasal, em camundongos Suíços, não levou ao desenvolvimento da doença nem a multiplicação dos bacilos. Contudo, os estudos não são conclusivos em relação ao comportamento do bacilo nas vias aéreas. É possível ocorrer a transmissão da doença através da pele quando há solução de continuidade, como erosões e fissuras (TALHARI e NEVES, 1997). O papel dos reservatórios naturais e a transmissão zoonótica de outras espécies para o homem ainda permanece não muito bem esclarecido. Acredita-se que o solo, vegetações, água e artrópodes possam ser potenciais reservatórios do Mycobacterium leprae (DEPS, 2001). O bacilo possui 1,5 a 8 micra de comprimento por 0,2 a 0,5 micra de largura. Resiste, em temperatura ambiente, por cerca de 36 horas, ou aproximadamente 9 dias em temperaturas entre 36,7° e 77,6% de umidade média. Seu tempo de multiplicação, no indivíduo infectado, é lento, podendo levar de 11 a 16 dias. 1.2 Epidemiologia Desde a descoberta do agente causal da hanseníase, no final do século XIX, os seus aspectos epidemiológicos têm sido observados, embora toda a complexidade envolvida em seus fatores causais, predisponentes e desencadeantes ainda não esteja bastante clara. Alguns estudos mostram que fatores ecológicos podem estar relacionados com a prevalência da enfermidade em algumas regiões (CAMARGO, LEMOS e OROZCO, 1994), embora ainda não possam ser conclusivos para estabelecer as possíveis relações entre temperatura média, índices pluviométricos, umidade média relativa do ar, altitude, entre outras variáveis, e a prevalência de hanseníase. De acordo com os seus aspectos epidemiológicos, a hanseníase continua sendo um problema de saúde pública que necessita de ações preventivas, intervencionistas e de controle. De acordo com as metas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde, a hanseníase deveria 3 ser eliminada até 2005 como problema de saúde pública, apresentando prevalência inferior a 1 caso por 10.000 habitantes e, apesar dos indicadores epidemiológicos demonstrarem uma tendência de queda no número de detecção e prevalência, acreditamos que ainda não poderemos eliminá-la no prazo previsto. Os dados epidemiológicos mundiais mais recentes datam do ano de 2003. Naqueles anos foram detectados mais de 500 mil novos casos de hanseníase, sendo a maior parte deles, mais de 400 mil, no Sudeste da Ásia, incluindo a Índia, país de maior índice de detecção e prevalência mundial. Os países que apresentam maiores prevalências e maior número de detecção até o ano de 2003 são, em ordem decrescente, Índia e Brasil, responsáveis juntos por 89,9% da prevalência, seguidos do Nepal e da Tanzânia. Em termos de coeficiente de prevalência, o Brasil apresenta o primeiro lugar, com 4,6 casos por 10.000 habitantes, seguido de Madagascar e Moçambique com 3,4 cada um. As Américas apresentaram uma prevalência de 0,99 caso por 10.000 habitantes até o início de 2004, com 51.082 casos novos registrados no ano de 2003. Os dados parciais do ano de 2003 mostram que o Brasil apresentou, naquele ano, 49.405 novos casos, com um coeficiente de detecção de 2,79 novos casos por 10.000 habitantes. A prevalência foi de 80.786 casos com coeficiente de 4,57 casos de hanseníase por 10.000 habitantes. A região Nordeste apresentou maior prevalência no ano de 2003, segundo dados parciais fornecidos pela GECD-FUAM-AM, com 41% dos casos, seguida do Sudeste com 22% e Norte com 20%. No entanto, quando levamos em consideração o coeficiente de detecção, a região Norte apresenta o primeiro lugar, com 11,44 casos por 10.000 habitantes, seguida pela região Centro-Oeste com 8,75. O Estado do Amazonas possui uma população de 3.100.136 habitantes (DataSus, outubro de 2004) e ocupou, no ano de 2003, o 11º. lugar no coeficiente de prevalência e o 13° em detecção de casos de hanseníase no Brasil. Segundo dados parciais da Gerência de Epidemiologia e Controle de Doenças da Fundação Alfredo da Matta (GECD\FUAM-AM), centro de referência para o tratamento da hanseníase, 4 o Estado apresentou em 2004 uma prevalência de 6,74/10.000 habitantes com 2.089 pacientes em tratamento e um coeficiente de detecção de 2,96/10.000 habitantes, sendo detectados 918 casos novos. No ano de 1988 esses índices eram de 127,3/10.000 habitantes e 9,3/10.000 habitantes respectivamente. Nos últimos dezesseis anos a prevalência no Estado apresenta redução de 68,17%, como resultado da implementação da poliquimioterapia e a aplicação de medidas administrativas recomendadas pelo Ministério da Saúde. Apesar desta redução o Estado ainda vem mantendo-se com níveis altos de prevalência (5├ 10 casos por 10.000 habitantes). O Estado possui ao todo 62 municípios que, até o ano de 2001, 98,39% dos mesmos possuía ações de controle da hanseníase (FUAM-AM, 2004). Eram 715 serviços ambulatoriais no Estado no ano de 2002, excluindo-se os ambulatórios de pronto socorro, serviços de diagnose e terapia, unidades móveis e de atenção psicossocial e outros no mesmo nível. No total, 110 serviços (15,38%) possuíam ações de controle da hanseníase, sendo 45 (40,9%) na capital – Manaus – e 65 (59,1%) no interior, realizando uma cobertura populacional de 96,66% no Estado, sendo que no município de Manaus havia uma cobertura de 100% e 97,3% no interior (GECD/FUAM-AM, 2003). O coeficiente de prevalência no interior do Estado no ano de 2004 foi 7,7/10.000 habitantes e o coeficiente de detecção foi 3,08/10.000 habitantes, segundo dados parciais da Fundação Alfredo da Matta. A capital do Amazonas, Manaus, está situada à margem esquerda do Rio Negro, abrangendo uma área terrestre de 11.648 Km2. A população é constituída de 1.565.709 habitantes (DataSus, março de 2005), que não ocupam uniformemente as suas superfícies geográficas, concentrando-se em núcleos periféricos com saneamento básico pouco satisfatório. De acordo com dados parciais da Gerência de Epidemiologia e Controle de Doenças da Fundação Alfredo da Matta (GECDFUAM-AM), Manaus apresentou em 2004 uma prevalência de 5,79/10.000 habitantes com um coeficiente de detecção de 2,84/10.000 habitantes. Esses níveis vêm caindo progressivamente desde 1988 mas tem se tornado cada vez mais estáveis nos últimos quatro anos. Acredita-se que as medidas de prevenção, de controle e de tratamento sejam responsáveis por esta redução. 5 O coeficiente de detecção da hanseníase em menores de 15 anos é considerado um indicador importante que determina a tendência da doença. Esse coeficiente era de 3,52/10.000 habitantes no ano de 1988. Houve uma redução de mais de 68% nos últimos dezesseis anos, passando para 1,12/10.000 habitantes em 2004, de acordo com dados parciais. No entanto, apesar da redução, o Amazonas ainda apresenta-se hiperendêmico (≥ 1,0/10.000 habitantes) de acordo com o gráfico 06. Em 2004 foram detectados 97 novos casos em menores de 15 anos (GECD/FUAM-AM). Além do caráter infecto-contagioso, a hanseníase é uma doença incapacitante com início insidioso do dano neural. Um dos indicadores que possibilitam avaliar o diagnóstico precoce da hanseníase é o de percentual de casos com deformidades físicas entre os casos novos detectados e avaliados no ano. Em 2004, dos 918 casos detectados, 94,88% (871 pacientes) foram avaliados quanto ao grau de incapacidade e destes, 79,56% (693 pacientes) apresentaram grau 0 e 18,36% (178 pacientes) apresentaram algum grau de deformidade. Destes, 4,7% (59 pacientes) apresentaram grau II ou III. No Estado, o percentual de casos detectados com deformidades nos últimos dez anos vem mantendo-se em níveis considerados médios (10├ 5%). Quarenta e sete pacientes (5,11) não foram avaliados quanto ao grau de incapacidade no ano de 2004. Os dados relativos ao ano de 2004 são parciais e informados pela GECD/FUAM-AM, em março de 2004. Em relação à proporção de casos detectados de hanseníase segundo a classificação operacional para fins de tratamento, no ano de 2004, 50,2% dos casos novos detectados era do tipo paucibacilar e 48,4% multibacilar. De todos os 918 casos detectados, 1,3% ainda não possuía classificação de acordo com dados parciais da GECD/FUAM-AM. Embora a meta de eliminação da hanseníase esteja mais próxima de ser atingida se comparada à década anterior, os indicadores epidemiológicos mostram que alguns países, entre eles o Brasil, irão necessitar de um tempo maior. No caso do Estado do Amazonas, provavelmente mais 05 (cinco) anos serão necessários para que seja atingida a eliminação da doença como problema de saúde pública. Ainda assim, os cuidados quanto ao diagnóstico, prevenção e tratamento das 6 incapacidades físicas, deverão nortear novas pesquisas e investimentos na área de hanseníase. 1.3 Imunopatogenia O estudo dos mecanismos da regulação da resposta imune humana têm sido bastante desenvolvido nos últimos anos, principalmente com o advento de doenças infecciosas importantes como a AIDS e as necessidades de elucidação dos mecanismos de defesa. Embora a hanseníase seja uma doença infecciosa já conhecida por alguns anos, esta doença possui particularidades importantes no mecanismo de resposta do portador, sendo a base para o desenvolvimento da doença e de suas formas. A predominância da doença na pele, mucosas e nervos periféricos bem como a diversidade de suas formas clínicas, são devidas às características do M. leprae e as respostas imunológicas do indivíduo contra este agente. A hanseníase possui várias formas de manifestação clínica, as quais possuem classificações específicas, dentre elas a mais utilizada é a de Ridley e Jopling (página 14), a qual introduz uma abordagem espectral caracterizada principalmente pela presença de dois pólos clínicos: o tuberculóide e o virchowiano. Entre estes dois extremos existem as manifestações intermediárias apresentando características clínicas dos dois extremos. O entendimento imunológico é a base para o desenvolvimento e explicação de suas manifestações clínicas. O teste de Mitsuda é positivo em pacientes com a forma tuberculóide da doença, caracterizada por uma resposta celular potente, presença de poucos bacilos nos exames histopatológicos e número pequeno de lesões de pele e nervos periféricos. Este teste, conhecido também como lepromino-reação, é um tipo de intradermorreação onde uma suspensão realizada com substâncias lipídicas dos bacilos e células em solução salina fenolada, é inoculada intradermicamente no indivíduo suspeito. A presença dessa substância poderá induzir uma resposta imunológica celular do tipo tardia, com manifestações inflamatórias cutâneas no local da inoculação. Já nos paciente com a forma virchowiana possuem uma grande susceptibilidade ao M. leprae, apresentando uma proliferação disseminada do bacilo, em torno de 1010 por grama de tecido (GOULAR, PENNA e CUNHA, 2002, p. 366). O resultado desta alta 7 concentração de bacilos é o maior número de lesões dérmicas e nervosas. Estes indivíduos possuem resposta negativa à lepromino-reação, ou seja, não há uma resposta imunológica celular adequada. No entanto pode-se evidenciar uma resposta humoral potente, com a produção de imunoglobulinas anti-M. leprae, o que não é evidenciado nos pacientes com a forma tuberculóide. Como mencionamos, esta doença é do tipo espectral e existem formas clínicas intermediárias entre estes dois pólos. Nos pacientes classificados como dimorfos, existe a progressiva redução da resposta imune celular com conseqüente aumento do número de lesões cutâneas e nervosas e aumento da carga bacilar nos tecidos, à medida que partimos da forma dimorfa com características clínicas mais próximas da forma tuberculóide, os chamados dimorfos-tuberculóides, e nos deparamos na seqüência das formas dimorfa-dimorfa e dimorfo-virchoviana. Como resultado também encontramos resposta ao Mitsuda cada vez menores e baciloscopias com carga bacilar cada vez maiores. Na hanseníase, a resposta imunológica mediada por células com padrão TH1 possui um importante papel, pois oferece uma proteção contra o desenvolvimento da doença e disseminação do bacilo. Isto acontece nos indivíduos Mitsuda positivos que representam 90% da população (GOULART, PENNA e CUNHA, 2002) e na forma tuberculóide. A resposta imunológica do tipo humoral, ou seja, mediada por anticorpos com padrão TH-2, está presente no pólo virchowiano do espectro de Ridley e Jopling. Os pacientes portadores desta forma exibem altos títulos de anticorpos específicos contra o antígeno presente na membrana do M. leprae, denominado do glicolipídio fenólico 1 (PGL-1), descrito por Brenner e Barrow em 1980, principalmente da classe IgM. No entanto, este mecanismo de resposta não confere proteção a estes indivíduos, uma vez que existe a disseminação bacilar, evidenciada pela baciloscopia, porque a imunidade celular é falha. A determinação dos níveis de anticorpos anti-PGL-1 pode ser realizado pelo método de ELISA (ensaio imunoenzimático). Está técnica tem sido descrita como meio de monitorização da resposta terapêutica, servindo como marcador de recidiva 8 da doença pois existe uma correlação entre os níveis de anti-PGL-1 e índice baciloscópico, indicando que o nível deste anticorpo específico no soro é proporcional à carga bacilar no exame histopatológico (CUNHA, 1998). 1.4 Diagnóstico Clínico O diagnóstico clínico é realizado através da diferenciação das quatro formas clínicas da hanseníase, de acordo com a classificação do Congresso de Leprologia, realizado em 1953, simplesmente conhecida como classificação de Madrid, sendo elas a indeterminda, tuberculóide, virchowiana e dimorfa. 1.4.1 Classificação de Madrid a) Indeterminada – A forma indeterminada se caracteriza clinicamente por apresentar áreas de hipo ou anestesia, parestesias, manchas hipocrômicas ou eritemato-hipocrômicas, rarefação dos pelos, podendo apresentar também diminuição da sudorese (BRASIL, 1998). As lesões são planas, ou seja, não fazem relevo na superfície da pele. Suas bordas são imprecisas na maioria delas. As manifestações clínicas iniciais podem se caracterizar apenas por áreas com distúrbios sensitivos térmicos, sem o aparecimento de manchas. As manifestações sensitivas poderão progredir com comprometimento da sensibilidade dolorosa. Os casos indeterminados podem evoluir, quando não tratados, para o pólo tuberculóide ou virchowiana ou ainda evoluir para a forma dimorfa. A evolução para o tipo tuberculóide é mais rápida que para as forma virchowiana. De acordo com Talhari e Neves (1997) as alterações cutâneas poderão se manifestar em qualquer parte do corpo e em quantidade variável. O número de manchas pode indicar o prognóstico da doença. b) Tuberculóide – Poderá evoluir à partir da forma indeterminada não tratada, em indivíduos que apresentam predominância de resposta imunológica do tipo Th1. Os testes diagnósticos revelam Mitsuda positivo com baciloscopia negativa. A forma tuberculóide manifesta-se por placas eritematosas ou eritemato-hipocrômicas bem delimitadas, como áreas de hipoestesia ou até mesmo anestesia e comprometimento nervoso (BRASIL, 1998). As lesões se 9 manifestam nos locais onde já existiam manchas iniciais, possuindo uma tendência de não se disseminarem. Diferencia-se, inicialmente, da forma indeterminada, por apresentar pápulas ou tubérculos nas regiões maculares, que poderão aumentar em número, formando uma lesão em placa, com uma involução central que aparecerá no decorrer da doença. É comum encontrarmos a presença de filetes nervosos espessados próximos à lesão. c) Virchowiana – Esta forma pode evoluir à partir da indeterminada não tratada, em indivíduos sem resistência ao M. leprae, apresentando, conforme mencionado na abordagem de sua imunopatogenia, uma resposta do tipo TH2, mediada por anticorpos anti-PGL-1. Os pacientes apresentam teste de Mitsuda negativo e baciloscopia positiva. Caracteriza-se por infiltrações acompanhadas por eritemas difusos e placas eritematosas infiltradas com bordas mal definidas, tubérculos e nódulos, lesões das mucosas, alterações de sensibilidade e madarose – queda das sobrancelhas – (BRASIL, 1998). As bordas tornam-se cada vez mais indefinidas, perdendo os limites das manchas com a pele normal. Algumas lesões circunscritas são chamadas de hansenomas. Poderão surgir hansenomas em várias regiões do corpo, como na face e nas sobrancelhas, acompanhados de madarose, acentuação dos sulcos faciais, dando um aspecto conhecido como “facies leonina”, devido à sua semelhança fisionômica com a face leonina. d) Dimorfa – Pode evoluir de indivíduos que apresentam a forma indeterminada não tratados, os quais apresentam uma resposta imunológica complexa, caracterizada por uma resistência maior que os indivíduos da forma virchowiana e menor que os tuberculóides. Na forma dimorfa observase manchas eritematosas planas, com centro claro ou eritematopigmentares de tonalidade ferruginosa ou pardacenta. As alterações de sensibilidade são freqüentes (BRASIL, 1998). Poderão coexistir lesões características da forma tuberculóide em algumas áreas do corpo, e lesões características da forma virchowiana em outras áreas. 10 1.4.2 Classificação de Ridley e Jopling Este tipo de classificação mantém o conceito de polaridade da doença – pólo tuberculóide (TT) e pólo virchowiano (LL) – e estabelece um arranjo espectral entre os pólos, o que foi fortemente defendido à partir dos conhecimentos imunológicos, discutidos anteriormente na imunopatogenia. A forma mais simples de se entender este arranjo espectral é através da representação esquemática, a qual representa as diversas manifestações clínicas (Figura 01). Figura 01 – Classificação espectral de Ridley e Jopling. Adaptado de Talhari e Neves (1997). As formas intermediárias apresentam as seguintes características: a) Dimorfa-tuberbulóide (DT) – possuem baciloscopia negativa, apresentado entre 5 e 25 lesões semelhantes à forma tuberculóide, o que é considerado um grande número, com tendência à simetria. Um grande número de nervos podem estar comprometidos, principalmente durante os estados reacionais, levando à deformidades graves e de evolução rápida. b) Dimorfa-dimorfa (DD) – apresentam baciloscopia positiva, desenvolvem um número grande de lesões cutâneas, normalmente maiores que 25, não simétricas, de bordas bem definidas e região central involuída, o que dá o aspecto de “queijo suíço”. Durante os estados reacionais a doença poderá evoluir para a forma dimorfa-tuberculóide ou dimorfa-virchowiana. As 11 deformidades têm uma tendência em serem graves, porém, o acometimento nervoso é menor, comparado ao tipo dimorfo-tuberculóide. c) Dimorfa-virchowiana (DV) – possuem baciloscopia positiva, com o aparecimento de múltiplas lesões com características variadas, apresentando placas, nódulos, infiltrações eritematosas e bordas mal definidas. As lesões possuem uma tendência de não serem simétricas e com o comprometimento de um grande número de filetes nervosos próximos, podendo evoluir com deformidades menos graves que as formas dimorfa-dimorfa e dimorfatuberculóide. 1.4.3 Classificação Operacional Uma classificação operacional é recomendada pela Organização Mundial da Saúde – OMS, e adotada pelo Ministério da Saúde, visando a alocação dos pacientes nos diferentes esquemas de tratamento, apresentando abordagens terapêuticas diferentes. São os tipos paucibacilar, normalmente com baciloscopia negativa e as lesões na pele geralmente não excedem a cinco e o comprometimento nervoso se limita a apenas um tronco. Estão enquadrados neste grupo pacientes indeterminados, tuberculóides e dimorfo-tuberculóides. O tipo multibacilar, apresenta baciloscopia positiva e as lesões na pele excedem ao número de cinco, comprometendo mais de um tronco nervoso. Estão enquadradas neste tipo os dimorfo-dimorfos, dimorfo-virchowianos e virchowianos (TALHARI e NEVES, 1997). 1.5 Provas Complementares de Diagnóstico As provas complementares utilizadas no diagnóstico da hanseníase utilizadas pelos clínicos são: prova de histamina, prova de pilocarpina, baciloscopia, teste de Mitsuda e a histopatologia. Os testes sorológicos e as técnicas de detecção de bacilos por biologia molecular ainda não estão incorporados às rotinas, embora os mesmos talvez tenham aberto novas possibilidades para o estudo do comportamento epidemiológico da hanseníase (BRASIL e colaboradores, 1997, p. 35-43). 12 1.5.1 Prova de Histamina Realiza-se a aplicação de uma gota de histamina diluída de 1/1000 na área da mancha e outra na pele normal. Nos pontos onde foram colocadas as gotas fazse uma escarificação leve, evitando sangramento, e espera-se pela reação. Em caso positivo, observa-se, em um primeiro momento, um eritema de poucos milímetros em torno do ponto de inoculação. Algum tempo depois aparece um grande halo eritematoso que poderá medir mais que dois centímetros de diâmetro. Por último, em uma terceira fase, aparecerá uma pápula. Essa seqüência de reações é conhecida como tríplice reação de Lewis. Na pele comprometida pela hanseníase não irá aparecer a segunda fase, ou seja, um eritema significante, pois este depende da integridade dos ramos nervosos superficiais (CUCÉ e NETO, 2001). Nas regiões da pele onde existem eritemas esta prova se torna difícil pois a percepção das reações se torna prejudicada. Indivíduos de pele escura também apresentam maiores dificuldades para a percepção das reações por parte do examinador. 1.5.2 Prova de Pilocarpina Quando a pilocarpina é inoculada em pele normal induz a produção de sudorese. Em áreas comprometidas pela hanseníase e que envolvem comprometimento de ramos nervosos do sistema autônomo a produção de suor é bastante diminuída ou até mesmo ausente. A técnica consiste em aplicar tintura de iodo na superfície da pele comprometida, injeta-se 0,1 mL de pilocarpina (cloridrato a 0,5%) intradermicamente e, depois de secá-la, pulveriza-se com amido. Realiza-se o mesmo procedimento em área de pele normal para efeito de comparação. Na pele normal o suor dissolverá o iodo em torno de dois minutos; o iodo se combinará com o amido e promoverá uma reação química, dando uma coloração violácea na área. Nas áreas de lesão essa reação não ocorrerá ou será bem diminuída, permanecendo o amido inalterado (CUCÉ e NETO, 2001). 1.5.3 Baciloscopia É realizada através da pesquisa de bacilos álcool-ácido resitentes por meio da técnica de Ziehl-Neelsen. É uma técnica que permite, em algumas situações, o 13 diagnóstico, assim como a classificação das formas clínicas e o acompanhamento terapêutico adequado. A identificação das glóbias permite afirmar que o agente etiológico é o Mycobacterium leprae, visto que esta bactéria é a única a apresentar essa característica morfológica, distinguindo-a, inclusive, de outros tipos de Micobacterias. 1.5.4 Teste de Mitsuda Conhecido também como lepromino-reação, é um tipo de intradermorreação onde uma suspensão realizada com substâncias lipídicas dos bacilos e células em solução salina fenolada, é inoculada intradermicamente no indivíduo suspeito. Este teste não é específico para diagnosticar a Hanseníase, sendo importante para avaliar a resposta imunológica do indivíduo. Ao nascerem todos os indivíduos têm resposta negativa ao teste de Mitsuda, à medida que se expõem a algum tipo de micobactéria, como o M. leprae ou M. tuberculosis, desenvolvem resposta positiva. Um parte da população poderá não apresentar reação positiva, seja por ausência de exposição às micobacterias ou exposição pouco significativa, ou seja por falha da imunidade celular. A população que não apresenta resistência representa uma classe anérgica de indivíduos. Esses indivíduos são desprovidos de um fator natural de defesa – Fator “N” ou seja, não têm reatividade constitucional, o que representa 10% a 20% da população (CUCÉ e NETO, 2001). Os indivíduos Mitsuda negativos teriam maior probabilidade de desenvolverem a doença nas formas multibacilares. Este tipo de teste também é importante para acompanhamento familiar ou de comunicantes de indivíduos hansenianos. 1.5.5 Histopatologia O estudo hitopatológico poderá contribuir no diagnóstico da doença como também ser útil na classificação. Os dois pólos da hanseníase, tuberculóide e virchowiano, desenvolvem características histopatológicas bastante diferentes. 14 Na forma clínica tuberculóide há a formação do “granuloma tuberculóide”, constituído por agregados de células do sistema fagocítico-mononuclear diferenciadas na forma epitelióide e presença de células gigantes multinucleadas do tipo Langhans no centro da lesão. Há também a presença de linfócitos, predominantemente linfócitos TCD4+, conferindo um halo denso contornando o granuloma. As alterações estendem-se desde a derme profunda até a papilar, podendo também atingir a camada basal. A lesão histopatológica na forma clínica virchowiana é caracterizada por um extenso infiltrado celular composto de histiócitos, ou seja, macrófagos com a presença de bacilos no citoplasma. Estes histiócitos apresentam uma grande quantidade de lipídeos em sua parede, o que confere o aspecto “espumoso” dessas células. Algumas vezes podem se apresentar com múltiplos vacúolos. Por estas características morfológicas, essas estruturas também são chamadas de células de Virchow. A epiderme está achatada e a zona sub-epidérmica não está envolvida. O infiltrado não atinge a camada basal da epiderme, ficando separado por uma faixa de fibras colágenas correspondente à derme papilar retificada, chamada de “faixa de Unna”. Os grupos classificados pelas formas dimorfa tuberculóide, dimorfa-dimorfa e dimorfa-virchowiana apresentam características histopatológicas bastante complexas, além da instabilidade clínica destas formas. A indiferenciação progressiva da célula macrofágica, a diminuição do número de linfócitos e o aumento do número de bacilos nos granulomas e ramos nervosos servem como base para a diferenciação na progressão da forma dimorfa-tuberculóide para dimorfa-virchowiana. Na forma dimorfa-tuberculóide as lesões podem mostrar raros bacilos e o granuloma é formado por células epitelióides circundadas perifericamente por linfócitos e com a presença de células de Langhans, muitas vezes em grande quantidade. A forma dimorfa-virchowiana se caracteriza por apresentar a faixa de Unna e apresentar granuloma composto por macrófagos indiferenciados que contém grande 15 número de bacilos em seu citoplasma e áreas de infiltração linfocitária densa, o que não ocorre no granuloma da forma virchowiana. As formas dimorfa-dimorfa geralmente tendem a evoluir clinicamente para um dos pólos. Possuem um número maior de bacilos com células epitelióides difusamente espalhadas por todo o granuloma e não se encontram circundadas por zonas de linfócitos. Células gigantes e linfócitos são pouco encontrados e, quando encontrados, são difusos. Há também edema intra e intercelular. 1.6 Tratamento por Poliquimioterapia O tratamento é realizado nos serviços básicos de saúde de forma ambulatorial onde se administra uma associação de medicamentos, recomendado pela Organização Mundial de Saúde, conhecido como Poliquimioterapia, ou pela sigla PQT/OMS (Poliquimioterapia de acordo com a Organização Mundial de Saúde). O paciente em tratamento deverá manter regularidade no esquema terapêutico adotado, que inclui, além da PQT/OMS, a prevenção das deformidades (BRASIL, 1998). No ano de 1998 a Organização Mundial de Saúde padronizou o esquema de tratamento dos indivíduos multibacilares, com a associação, para adultos, de Rifampicina 600 mg 01 vez ao mês, Dapsona 100 mg 01 vez ao dia e Clofazimina 300 mg uma vez ao mês com 100 mg em dias alternados ou 50 mg uma vez ao dia. Durante este período o paciente deverá fazer visitas mensais ao serviço de saúde durante o tratamento, que deve durar de 24 a 36 meses (BRASIL, 1998). Para os paucibacilares, o tratamento recomendado inclui Rifampicina 600 mg 01 vez ao mês em dose supervisionada, Dapsona 100 mg 01 vez ao dia autoadministrada, e comparecimento mensal ao serviço de saúde para acompanhamento e administração das doses supervisionadas, durante o período de 6 até 9 meses. 16 1.7 Exame Neurofuncional As provas e testes aplicados na rotina para a avaliação neurofuncional, imprescindível no acompanhamento fisioterapêutico do paciente hanseniano, compreende a palpação das estruturas anatômicas envolvidas, testes de sensibilidade e provas de função musculares, os quais complementam as inspeções realizadas com o objetivo de verificar alteração tróficas, morfológicas, funcionais e cinesiopatológicas. A avaliação da dor também constitui em um ponto importante no estudo funcional. 1.7.1 Testes de sensibilidade Os testes de sensibilidade empregados têm como objetivo avaliar os possíveis comprometimentos da sensibilidade protopática ou de proteção, e epicrítica ou de discriminação. Assim, são verificadas rotineiramente as sensibilidades térmica, dolorosa e tátil. A sensibilidade térmica permite a discriminação do quente ou frio, enquanto a sensibilidade dolorosa confere proteção aos possíveis danos estruturais. Estes dois tipos de sensibilidade são abordados juntos, pois embora os estudos sobre o assunto se mostrem controvertidos quanto aos mecanismos e as possíveis vias, sabe-se hoje que ambos possuem como receptores as terminações nervosas livres (MACHADO, 2002). Existem duas vias principais comprovadamente responsáveis pela condução supra-segmentar do sistema nervoso de temperatura e dor. As duas vias estão filogeneticamente distinguidas, de acordo com os seus graus de evolução. A mais recente, chamada de via neoespino-talâmica é formada pelo trato espino-talâmico lateral e a outra, considerada mais antiga filogeneticamente, é formada pelo trato espino-reticular e as fibras reticulo-talâmicas. O trato espino-talâmico lateral é conhecido como a via “clássica” da condução de estímulos dolorosos e térmicos. Através deste trato chegam ao córtex cerebral os impulsos provenientes de receptores térmicos e dolorosos situados no tronco e nos 17 membros do lado oposto, projetados somatotopicamente. Este tipo de sensibilidade poderá ser testado pedindo que o indivíduo relate a temperatura de água quente, de aproximadamente 40° C ou fria, de aproximadamente 10° C, dentro de um tubo de ensaio tocado levemente em sua pele. Acredita-se que esta via seja responsável apenas pela sensação localizada de dor aguda, ou seja, uma dor em pontada. Esta sensibilidade poderá ser testada através de um leve toque com alfinete na área a ser testada. Para uma melhor discriminação, poderemos utilizar um estímulo com objeto rombóide para que o individuo possa diferenciá-lo do estímulo em “alfinetada”. O teste de sensibilidade térmica é importante, principalmente no diagnóstico precoce nas formas indeterminadas, pois, como sabemos, poderá ser a única alterada, podendo estar ou não acompanhada por alterações na coloração da pele (TALHARI e NEVES, 1997). O teste da sensibilidade tátil é a mais empregada como recurso auxiliar no diagnóstico da hanseníase, talvez por necessitar apenas de recursos simples e seguros. Para isto são empregados filamentos de nylon disponíveis em conjuntos de diferentes pressões de dobra, conhecidos como monofilamentos de SemmesWeinstein, ou estesiômetro. As pressões de dobra variam de 0,05g a 300g, convencionalmente registrados por cores específicas, cada uma correspondendo a uma interpretação clínica específica, resumidas no anexo VII. Marciano e Garbino (1994) realizaram uma pesquisa comparando os monofilamentos de Semmes-Weinstein e os testes de condução nervosa por eletromiografia para o monitorização da neuropatia hansênica, estudando 30 nervos, 06 medianos e 24 ulnares, em pacientes com neuropatia hanseniana. Na avaliação inicial, foi detectado se os nervos avaliados apresentavam ou não alteração e nas avaliações de seguimento, verificou-se a condição de melhora, piora ou estado funcional inalterado. Os estudos estatísticos realizados demonstraram que os testes apresentam a mesma eficiência na detecção de déficits funcionais neurológicos e monitoração da neuropatia hanseniana. São registradas rotineiramente as respostas encontradas em pontos específicos correspondendo a determinados feixes nervosos sensitivos. 18 Nos membros superiores são testados os pontos representados esquematicamente na figura 02 com seus respectivos correspondentes nervosos sensitivos. a) b) Nervo radial Nervo mediano Nervo ulnar Figura 02 – Pontos de avaliação por estesiômetro e referências topográficas da inervação sensitiva cutânea nos membros superiores. Figura 04a – região dorsal da mão; figura 04b – região palmar. Nos membros inferiores são testados os pontos representados esquematicamente na figura 03 com seus respectivos correspondentes nervosos sensitivos. a) b) Ramo sural Nervo tibial posterior Ramo safeno Nervo fibular, ramo profundo Figura 03 - Pontos de avaliação por estesiômetro e referências topográficas da inervação sensitiva cutânea nos membros inferiores. Figura 05a - região plantar do pé; figura 05b – região dorsal do pé. 1.7.2 Provas de Função Muscular A prova de função muscular também é um recurso simples e importante na avaliação funcional. Poderá evidenciar e quantificar alterações musculares 19 decorrentes de lesões nas vias nervosas motoras periféricas. Daniels, Williams e Worthingham (1987) proporam uma escala analítica que consta na aplicação de seis níveis de graus para a contração muscular, verificadas através a aplicação de resistência manual, também chamado de teste de força muscular manual, tendo como referência as técnicas descritas por Daniels e Worthingham (1987), resumidas no anexo VI. Outros recursos com valores quantitativos mais precisos poderão ser empregados para a avaliação cinesiológica-funcional muscular, com uma melhor sensibilidade e especificidade. Dentre estes recursos encontram-se a dinamometria de apreensão, dinamometria computadorizada com celular e força, dinamometria computadorizada isocinética e eletromiografia cinesiológica de superfície. A utilização de dinamômetros é largamente difundida entre os fisioterapeutas para avaliação quantitativa da força muscular. Para o teste são empregados diversos tipos de dinamômetro e sob diversas condições. O mais simples é o dinamômetro confeccionado com uma mola com resistência elástica definida, o qual mensura a força muscular exercida para deformar a mola em kilograma-força (KgF). O dinamômetro computadorizado utiliza células de força acopladas a uma placa conversora analógico-digital (placa CAD) a qual transmite os sinais para um micro-computador, onde o mesmo processará as informações através de um software específico. As células de força deverão ser adaptadas para cada teste muscular a ser realizado, devendo as mesmas serem posicionadas no sentido de resistir ao movimento. Uma outra forma de dinamometria computadorizada é realizada através de movimentos isométricos, ou seja, de torque constante. Este tipo de teste necessita de dispositivos eletrônicos que calcula a resistência empregada pelo paciente em cada momento de força, bem como a aceleração angular desenvolvida pelo mesmo, na intenção de manter o torque no mesmo valor durante toda a amplitude do movimento. Esses quantitativos mais dispositivos confiáveis, eletrônicos, necessitam apesar de maior de oferecerem preparo valores técnico pelo fisioterapeuta, além de serem questionados em relação ao custo-benefício, pois 20 sendo os mesmos de alta tecnologia e de custos de aquisição e manutenção elevados. Por essas razões talvez não é rotina encontrarmos esses instrumentos na prática clínica, embora possam ser úteis em laboratórios de pesquisas. A eletromiografia cinesiológica com eletrodos de superfície permite um registro dos potenciais elétricos gerados pelos músculos em atividade espontânea realizando uma associação entre os sinais integrados de EMG comparados com a força exercida pelo músculo. No entanto, essa associação é limitada a condições isométricas em que os músculos se contraem sem mudanças no comprimento total. Podemos representar esquematicamente essa relação através da figura 04. Nessas condições, pode haver uma relação linear ou uma curvilínea entre a EMG integrada e a força de acordo com os estudo de Duchene e Goubel (1993). Isso quer dizer que a magnitude da EMG provê uma razoável estimativa de força exercida pelo músculo. Quando o comprimento do músculo se altera, o local dos eletrodos em relação às fibras musculares ativas, se desloca causando uma mudança na EMG que não está relacionada com o impulso recebido pelo músculo proveniente do sistema nervoso, representado na figura 04. Isso pode ser considerado como um fator limitante da técnica e por essa reação, é difícil quantificar a EMG em condições não isométricas, como é no caso da contração isotônica concêntrica e excêntrica , exigidas para coleta das amostragens nos pacientes selecionados. Figura 04 - Uma interferência de EMG é retificada e integrada, e o sinal resultante (EMG integrada) apresenta um paralelo com a mudança na força. (FONTE: ENOKA, R. M., Bases neuromecânicas da cinesiologia, São Paulo: ed. Manole, p. 161, 2000). 21 Assim com as técnicas computadorizadas de quantificação da força muscular, a eletromiografia exige maior preparo técnico do fisioterapeuta ou da equipe de prevenção de incapacidades. Não existem registros na literatura da utilização deste instrumento, com uma abordagem cinesiológica por eletrodos de superfície como forma de avaliação do comprometimento muscular na hanseníase. Os estudos eletrofisiológicos são importantes para a realização de diagnóstico diferencial, revelando alterações importantes na velocidade de condução nervosa. 1.7.3 Avaliação da Dor Em relação ao estudo da dor, existem várias formas de ser avaliar este sintoma e a maioria delas tenta quantificar e objetivas a resposta do paciente para as indagações do avaliador. Trata-se de uma investigação bastante complexa e que envolve componentes sensoriais e emocionais, ou seja, o paciente poderá descrever a intensidade da dor sob o ponto de vista sensorial, e o desagrado, fundamentado basicamente pelo envolvimento emocional do paciente com o dano. Por considerarmos a dor como um fator multidimensional e uma vez que os mecanismos de avaliação focalizam apenas o componente sensorial, os erros clínicos estão possíveis de ocorrer. O estudo da dor experimentalmente focaliza-se na dimensão sensorial da dor e não na análise da totalidade dos componentes envolvidos na dor clínica. A percepção da dor é simulada por muitos fatores e de acordo com esses fatores poderá ser útil na avaliação da efetividade das intervenções terapêuticas, como no caso da cirurgia de neurólise simples em pacientes com dano neural hansênico. A avaliação da dor inicia-se com o processo de entrevista do paciente, onde podemos evocar uma história pregressa e atual com uma série de indagações, as quais não devem ser capciosas nem induzir respostas. Faz-se necessário indagar da localização, quando começou, o que desencadeou, fatores que melhoram, fatores que pioram, irradiações, entre outras perguntas de interesse objetivo. 22 Embora as informações fornecidas pelo paciente durante da entrevista não possam assegurar a fidedignidade dos sintomas nem consiga claramente especificar as suas características, a entrevista poderá guiar o examinador em sua investigação clínica. Outros meios de avaliação da dor incluem em esboços de simulações da dor, questionários, escalas de classificação verbais, escalas analógicas visuais e medidas indiretas tais como a avaliação do uso de analgésico ou os níveis relativos de atividade. Esboços da dor são representações visuais da distribuição e da qualidade da dor do paciente. Os esboços da dor podem ser completados pelo examinador, pelo paciente ou por ambos. A evidência sugere que as versões do paciente e do examinador para os esboços da dor podem ser muito diferentes. A segurança e a validade desses esboços não foram demonstradas por estudos metodologicamente aceitáveis. Em relação aos questionários de avaliação da dor, um modelo comumente usado é o de McGrill. Que existe em versões mais resumida ou completa. Este questionário é uma ferramenta de avaliação global que usa variações de esboços da dor e escalas. Utiliza expressões agrupadas na tentativa de quantificar as características da dor dos pacientes. Uma entrevista com fins de avaliar a dor, um esboço e uma escala de classificação verbal fazem parte deste questionário. Melzack e colaboradores (1983) consideraram aceitável este método e sua validade duvidosa. Os questionários de estados funcionais têm sido utilizados para medir a dor e a incapacidade associada com as condições de dor crônica. Estes questionários levam ao centro da questão se a disfunção associada com a dor é afetada pelo tratamento. Escalas analógicas visuais são linhas de 10 cm de comprimento e convencionalmente numeradas de 1 a 10. Algumas não são numeradas. Essas escalas variam deste muito detalhadas até bem esparsas. O paciente é geralmente questionado a descrever a intensidade da dor no momento da avaliação. Uma variação neste tipo de escala é a forma com classificação gráfica, que possui expressões igualmente espaçadas na linha. Essas escalas podem ser verticais ou 23 horizontais, e tanto a margem esquerda como a direita podem representar a intensidade máxima de dor. Escalas de classificação verbais usam palavras descritivas que melhor categorizem a dor segundo o paciente. Tanto para a escala analógica visual quanto para a escala de classificação verbal, a escolha das expressões ou âncoras para as respostas é importante. Expressões como “nenhuma dor” ou “pior dor imaginável” como âncoras não levam em conta a discriminação dos componentes sensoriais e emocionais da dor. O uso de âncoras como “sem dor”, “dor mais intensa”, “agradável” ou “extremamente desagradável” leva em conta a diferenciação que tem importantes implicações clínicas e experimentais. Para o nosso estudo utilizamos uma escala analógica visual de dor com representação numérica de 1 a 10 e variações de cor como representada no anexo V. 1.7.4 Avaliação do grau de incapacidade O Ministério da Saúde possui um formulário específico para registrar as principais alterações funcionais que podem ocasionar incapacidades no paciente portador de hanseníase (anexo II). São registrados os sinais e sintomas encontrados, separadamente, para o lado direito e esquerdo, nos olhos, mãos e pés. É avaliado se há perda da sensibilidade na córnea, nas regiões palmares e plantares com objetivo de determinar se o pacientes perdeu a sensibilidade protetora. Sua perda ou diminuição poderá predispor o paciente a traumatismos. A perda ou diminuição isolada da sensibilidade caracteriza o grau I de incapacidade. Para o grau II é evidenciado se o paciente possui sinais de lagoftalmo e/ou ectrópio, triquíase, opacidade corneana, acuidade visual menor que 0,1 ou não conta dedos a 6 metros de distância, presença de úlceras tróficas, lesões traumáticas, deformações em garras nas mãos, pés caídos, contraturas nos tornozelos ou absorção óssea. 24 Não havendo nenhuma das manifestações clínicas descritas para o grau I ou II, o paciente é classificado como grau 0 de incapacidade. 1.8 Estados Reacionais São intercorrências de caráter agudo que poderão ocorrer nos pacientes portadores de Hanseníase. São devidas a manifestações do sistema imunológico e podem aparecer antes e durante tratamento, e após a alta, não exigindo a suspensão ou reinício da poliquimioterapia. As manifestações clínicas resultam de alterações no balanço imunológico entre hospedeiro e o M.leprae, acometendo principalmente pele e nervos, muitas vezes levando a instalação de incapacidades. O bacilo poderá estar vivo ou não. As reações podem ser classificadas em 2 tipos, de acordo com Ridley-Jopling: Reação tipo I ou reação reversa e Reação tipo II ou eritema nodoso hansênico, acometendo principalmente pele e nervos, podendo também afetar o sistema ocular. Outras considerações são feitas em relação à própria quimioterapia, infecções recorrentes, uso de drogas imunossupressoras, vacinações, transfusões sanguíneas, estados de ansiedade e estresse, gravidez e períodos menstruais relacionados à ocorrência de estados reacionais. 1.8.1 Reação do tipo I Caracteriza-se por eritema e edema das lesões ou espessamento de nervos, acompanhada de dor à palpação. Ocorre mais freqüentemente em pacientes com hanseníase tuberculóide e dimorfa tuberculóide (paucibacilares) e parece estar relacionada com o aumento abrupto da resposta imune mediada por células contra antígenos do M. leprae. Ao exame histopatológico pode-se verificar a expansão do granuloma com presença de edema e um influxo de células CD4+. O número de receptores para interleucina-2 (IL-2R) bem como a expressão de HLA-DR em células do infiltrado e em queratinócitos na epiderme estão aumentados, o que caracteriza um evidente aumento na produção de interferon-γ (MODLIN e colaboradores, 1988, p. 1213-1217). 25 Yamamura e colaboradores (1992), utilizando uma técnica de PCR, demonstraram que a expressão de mRNA da citocinas interleucina-1β (IL-1β), fator de necrose tumoral-α (TNF-α), interleucina-2 (IL-2) e interferon-γ (IFN- γ) está aumentada nas lesões, demonstrando um padrão típico de resposta TH1. outras citocinas do padrão TH2, como IL-4, IL-5 e IL-10 estavam diminuídas. Através de técnica imunohistoquímica, os autores também conseguiram demonstrar a presença de IFN- γ e TNF- α associados à enzima óxido nítrico sintetase induzível (iNOS) no citoplasma de macrófagos, determinando uma atividade macrofágica competente. Opromolla, Ura e Ghidella (1994) selecionaram 20 casos entre aqueles considerados reacionais com reação tipo I generalizada, com manifestações clínicas e histopatológicas semelhantes e com Mitsuda positivo, igual ou maior que 6mm. Os pacientes foram estudados pelos autores, abordando os pontos de vista clínico, baciloscópico, histopatológico e evolutivo. As lesões clínicas apresentadas pelos pacientes estudados se apresentavam como pápulas e placas eritematosas bem delimitadas e com pouco comprometimento neural. A baciloscopia foi negativa ou positiva fraca e a histopatologia exibia granulomas tuberculóides frouxos devido ao edema intra e extracelular e à congestão vascular. Os episódios reacionais se repetiram no máximo mais uma vez durante o período de acompanhamento, levando os autores a acreditarem que deveriam ser ocasionados pela multiplicação do bacilo, induzindo as defesas orgânicas a responderem aos antígenos que desencadeariam uma reação de hipersensibilidade tardia, que é o surto reacional. Com o objetivo de descrever a época de aparecimento da reação tipo 1 e os nervos acometidos, nos pacientes portadores de hanseníase dimorfa-tuberculóide (BT), durante a poliquimioterapia recomendada pelo Ministério da Saúde, Carvalho e colaboradores (1995) realizaram um estudo longitudinal, no período de 1989 a 1993, envolvendo 71 pacientes mostrando que 89,3 por cento dos pacientes hansenianos BT com reação tipo 1 apresentaram esse surto até a sexta dose de tratamento. O nervo ulnar foi o mais acometido nas reações tipo 1, correspondendo a 37% dos casos. 26 O tratamento medicamentoso indicado pelo Ministério da Saúde é a administração de Prednisona via oral 1-2mg/kg/dia, com redução a intervalos fixos, conforme avaliação clínica. 1.8.2 Reação do Tipo 2 Caracteriza por formação de nódulos eritematosos, dolorosos, em qualquer parte do corpo. Pode evoluir com neurite. O eritema nodoso hansênico ocorre mais freqüentemente em indivíduos multibacilares e é considerada uma importante causa de morbidade, podendo ocasionar danos neurais, paralisias e deformidades, ocorrendo mesmo em indivíduos em tratamento. Por se tratar de uma reação inflamatória sistêmica, além da pele e dos nervos periféricos, vários outros órgãos poderão ser acometidos, dentre eles linfonodos, fígado, baço, peritônio, testículos, olhos, articulações, tendões, músculos e ossos. São comuns também os casos de irite e iridiciclite. Atualmente, os episódios de eritema nodoso estão entre as principais causas de hospitalização desses pacientes em muitas regiões endêmicas brasileiras (GUERRA e colaboradores, 2002, p. 389-407). Não existe consenso entre os trabalhos desenvolvidos sobre o envolvimento da imunidade celular neste tipo de reação. No entanto existem indicativos do envolvimento do IFN-γ pela presença de receptores para IL-2 e para HLA-DR nas células imunocompetentes presentes nestas lesões. Também tem sido mostrado que durante os episódios reacionais do tipo II há um aumento seletivo na expressão de mRNA para síntese de IL-6, IL-8 e IL-10, uma indicação de resposta do tipo TH-2. Vieira (1991) estudou 51 pacientes multibacilares com diagnóstico clínico de hanseníase LL e BL que apresentaram episódios de eritema nodoso durante a poliquimioterapia e no período de acompanhamento sem tratamento quimioterápico. Esses pacientes foram classificados segundo à gravidade dos episódios em 3 grupos clínicos que foram correlacionados com parâmetros epidemiológicos e imunológicos. Os episódios reacionais ocorreram antes do início do tratamento em 15,69% dos pacientes. Os demais foram observados predominantemente no primeiro ano de quimioterapia. Em 52,54% o eritema nodoso foi precedido da queda do índice bacteriológico. Os autores verificaram também que a idade e o sexo não 27 influenciaram no aparecimento de eritema nodoso, nem na sua intensidade. Verificando os possíveis papeis das citocinas TNF-α e IL-1, todos os pacientes do grupo III mostraram níveis elevados de TNF-α o que também foi observado em 50 dos demais pacientes, sugerindo o possível efeito destas citocinas nos sintomas clínicos. Através da análise dos níveis de anticorpos contra antígenos neurais no soro de alguns pacientes, observou-se que estes anticorpos estavam presentes em todo espectro da hanseníase. Verificou-se ainda que a maioria dos pacientes manteve o mesmo grau de incapacidade observado no início do tratamento, enquanto que 37,25% apresentaram melhora. Os autores não estabeleceram correlações entre os parâmetros imunológicos estudados e o desenvolvimento de lesão neural. Foram encontradas a presença da enzima óxido nítrico sintetase induzível em neutrófilos e níveis séricos de TNF e IL-1. Uma pesquisa analisando culturas de células mononucleares do sangue periférico de portadores de hanseníase e de pessoas sadias mostrou que a prostaglandina-1 estimula a produção de TGF-β, conferindo níveis 5 vezes maiores que os pacientes paucibacilares com reação reversa e 60 vezes maiores que os encontrados em pacientes tuberculóides sem reação, indicando que o TGF-β pode ter diferentes papéis em hanseníase, que vão desde a mediação de uma ação supressiva localmente associada com a presença de prostaglandina-1, e induzindo diferentes efeitos inflamatórios quando secretado sistemicamente por monócitos, atuando como uma citocina moduladora., associada com a resposta imune Th2 nas formas multibacilares (GOULART, PENNA e CUNHA, 2002) e (GOULART, 1999). O tratamento medicamentoso indicado pelo Ministério da Saúde é a administração de Talidomida via oral, 100/400 mg/dia, restringindo o uso em mulheres em idade fértil devido seu efeito teratogênico. Nessa situação está indicada a prednisona via oral,1-2mg/kg/dia. A retirada também é feita em intervalos fixos, após avaliação clínica. Um trabalho realizado por Nery e colaboradores (1999) analisando os aspectos clínicos e histopatológicos dos estados reacionais de 169 pacientes multibacilares submetidos à poliquimioterapia, encontraram 51% de reação tipo II 28 predominando nos portadores da forma LL, 42% de reação tipo I prevalecendo em pacientes BB e 7% dos pacientes apresentaram neurite pura sem manifestações cutâneas. Os pesquisadores verificaram que os episódios reacionais são complicações freqüentes, ocorrendo em qualquer momento da doença. Observaram também que 77% dos pacientes com reação tipo I e 43% dos pacientes com reação tipo II desenvolveram manifestações sistêmicas. A alta por cura da hanseníase se dá quando o esquema de doses recomendadas para o tratamento se completa sem irregularidades nas suas administrações ou interrupções por parte do paciente. No entanto, os estados reacionais poderão, como já mencionado, ocorrer mesmo após a alta. Rodrigues e colaboradores (2000, p. 7-16) revisando os prontuários de 149 pacientes que completaram a poliquimioterapia, recebendo alta no período de 1994 a 1999 em um Centro de Saúde, verificaram que 23% dos pacientes apresentaram reação pós-alta, sendo que destes 11,76% eram paucibacilares e 88,23% multibacilares, com uma média de 3 episódios entre pacientes dimorfos e 4 entre pacientes virchowianos. Uma vasculite necrotizante pode acometer os pacientes quando apresentam estados reacionais, principalmente entre os casos virchowianos ou próximos deste pólo e também em indivíduos com hanseníase avançada e não tratados. Esta manifestação clínica é chamada de fenômeno de Lúcio. 1.9 A Neurite Hansênica Os nervos periféricos, envolvidos no processo de infecção pelo M. leprae, constituem-se de feixes de axônios dispostos paralelamente e circundados por três bainhas de tecido conjuntivo: o endoneuro, o perineuro e o epineuro. O endoneuro separa axônios individualmente; o perineuro circunda feixes de axônios e epineuro envolve todo o tronco nervoso (figura 05). Os nervos periféricos recebem suprimento sanguíneo por ramos arteriais que penetram no tronco nervoso. Dentro do nervo os axônios são eletricamente isolados uns dos outros pelo endoneuro e por uma bainha de mielina que é fornecida pelas células de Schwann, as quais circundam parcialmente um grupo de axônios de pequeno diâmetro ou envolvem totalmente uma seção de um único axônio de grande tamanho. Os axônios de pequeno 29 diâmetro, que compartilham células de Schwann, são designados como nãomielinizados ou parcialmente mielinizados, enquanto os axônios de grande diâmetro que estão totalmente envolvidos por células de Schwann são designados como mielinizados. Figura 05 – Fascículos nervosos e suas bainhas de tecido conjuntivo. P – perineuro, EP – epneuro, EN – endoneuro, VA – vaso sanguíneo, VEM – vênula. Adaptado de Butler, 2003. São geralmente mistos, ou seja, possuem axônios sensitivos, motores e autônomos. Os ramos sensitivos cutâneos suprem a pele e os tecidos sub-cutâneos, bem como também possuem axônios eferentes simpáticos às glândulas sudoríparas e arteríolas; os ramos motores suprem os músculos, tensões e articulações também possuindo axônios sensitivos proprioceptivos. A neurite hansênica é considerada a maior causa de morbidade entre os pacientes portadores de hanseníase, a qual é responsável pelo desenvolvimento de deformidades e incapacidades físicas. Este termo é aceito para definir o comprometimento neural devido a hanseníase. O M. leprae possui uma grande afinidade para as células de Schwann e macrófagos do sistema retículoendotelial. Existe uma predileção do bacilo para troncos nervosos periféricos mais superficiais, principalmente os que estão em áreas anatômicas com menor temperatura e mais expostos ao trauma, envolvidos por estruturas que poderão comprimi-lo, como os canais osteoligamentares do carpo e epitrocleo-olecraniano, ou onde passam os nervos. 30 Acredita-se que o M. leprae possa penetrar nas células de Schwann por diferentes mecanismos. Primeiro seria uma forma direta de penetração através da sua fagocitose nas lesões dérmicas pelas células de Schwann. Essas células podem hospedar o bacilo, favorecendo o seu desenvolvimento e multiplicação. O bacilo se movimentaria ao longo dos filetes nervosos seguindo o movimento axonal. Os macrófagos presentes nas camadas mais superficiais da derme captam inicialmente os bacilos que posteriormente são liberados e fagocitados pelas células perineurais. Estas, por sua vez, impregnam as células de Schwann. Segundo, poderá ocorrer também a infiltração de macrófagos infectados no perineuro. Alguns estudos tentam mostrar a relação entre o bacilo e as células de Schwann através de culturas destas células infectadas utilizando modelos in vitro de células de ratos o que permite uma grande proximidade das características morfofisiológicas das células de Schwann humanas e suas interações com o bacilo. As células de Schwann compreendem a maior população de células nervosas utilizadas para cultivo de gânglios dorsais e seu número declina quando existem altas taxas de mitose fibroblástica. Desta forma são empregados agentes ativadores da adenosima monofosfato cíclica (AMP-cíclico) no enriquecimento de cultivo para inibir o crescimento de fibroblastos sem causar toxicidade à célula de Schwann, permitindo a sua proliferação. A través desta técnica pesquisadores conseguiram cultivos enriquecidos destas células, o que permitiu análises a partir de suas características morfológicas e sua atividade imunológica frente a proteína S-100, a qual é reguladora da concentração de cálcio intracelular, associada a filamentos intermédios, presente na célula de Schwann e ausente nos fibroblastos. Muñeton Gómez (1996) obtiveram cultivos com 88% de células de Schwann as quais foram usadas em ensaios de infecção. Para tanto utilizou-se bacilos obtidos a partir de lepromas, material colhido de pacientes com a forma virchowiana, possibilitando os estudos através de microscopia óptica, usando a coloração de Ziehl-Neelsen, permitindo a quantificação do número de bacilos por célula infectada e a porcentagem de células infectadas. Talvez a via mais freqüente de entrada do bacilo no nervo seja pela corrente sanguínea via capilares intraneurais, o que facilita o transporte de microorganismos às estruturas nervosas. Um trauma mínimo poderá aumentar a aderência das 31 células endoteliais dos capilares intraneurais e também pode comprometer a barreira neuro-sanguínea. As células de Schwann irão fagocitar o bacilo trazido para o nervo pela microcirculação sanguínea neural. A sua fisiopatogenia se dá tanto por uma processo inflamatório crônico quanto sub-agudo, nos quais células epitelióides e macrófagos com bacilos em seu citoplasma podem estar presentes. Também poderão ocorrer respostas inflamatórias do nervo frente a restos bacilares, o que é a principal causa de neurites que ocorrem pós-alta em paciente hansenianos. De acordo com Renzo e Panciera (1987), poderemos ter episódios de reações agudas com exacerbação do quadro inflamatório que poderá complicar o curso crônico da doença e também síndromes de compressões nervosas. Uma das conseqüências do processo inflamatório é a ocupação por infiltrado do endoneuro, perineuro e epineuro, levando a compressão tanto de fibras mielínicas quanto amielínicas que evoluem com um processo de fibrose, contribuindo para o dano neural. Essa compressão também causa lesão isquêmica do nervo. A compressão externa do nervo se dá principalmente pelo seu espessamento e poderá ser intermitente, parcial ou completa. Poderão acometidas tanto fibras do sistema nervoso periférico sensitivo, como motor e autonômico. O espessamento do nervo poderá ocorrer uniformemente por toda a sua via periférica, ou poderá ser fusiforme ou em rosário. Uma necrose do tipo caseosa poderá ocorrer nos granulomas tuberculóides dos nervos, resultando em sua completa destruição por abscessos. Estes abscessos contribuem para a compressão de fascículos nervosos. O material caseoso poderá ser eliminado através de fístulas cutâneas ou ao longo da bainha do nervo. De acordo com Talhari e Neves (1997), três fatores poderão estar envolvidos no processo de dano neural: a) A relação entre os tecidos do paciente e as formas clínicas da doença, pois as paralisias são muito mais precoces e intensas na forma tuberculóide, onde, nestes casos, as lesões são em pequeno número e o tratamento precoce prevenirá as 32 graves lesões nervosas. Nas formas dimorfas o acometimento nervoso é significativo e a possibilidade de lesões graves é grande, principalmente na forma próxima ao pólo tuberculóide, o que proporciona cuidados na prevenção de incapacidades. Na forma virchowiana poderá ocorrer um envolvimento de maior quantidade de nervos. No entanto a possibilidade de paralisia é menor. De acordo com esses postulados e compreendendo os complexos imunológicos envolvidos nas duas formas polares, nos leva a crer que o dano neural tem uma íntima relação com a resposta imunológica do hospedeiro, pois a resposta tipo TH1, como já mencionada, é mais efetiva pois o número de nervos lesionados é menor, que por outro lado tem a possibilidade de danos mais graves aos filetes nervosos. b) O espessamento das fibras nervosas aumenta os danos por compressão mecânica e isquemia. Quanto maior o número de fibras envolvidas, maior será a possibilidade de comprometimento motor, principalmente acompanhado de fibrose. c) A distância perpendicular entre o nervo e a superfície cutânea teria uma influência no dano neural, pois acredita-se que quanto mais próximo o nervo se encontra da superfície cutânea mais susceptível será para traumas e mais fácil é a passagem de bacilos existentes no infiltrado cutâneo para o tecido nervoso. A dor é o sintoma persistente e predominante podendo vir acompanhada de alterações sensitivas e motoras (JOPLING, 1978) e é classificada, de acordo com as suas manifestações clínicas, em: I) neurite irritativa, II) neurite deficitária parcial e III) neurite deficitária total (Renzo e Panciera, 1987). No entanto existem casos de desenvolvimento de dano neural na hanseníase sem manifestações clínicas, o que é conhecida como “neurite silenciosa”. Morgulis, Nóbrega e Lima (1988) realizaram um acompanhamento de 95 pacientes hansenianos submetidos à avaliação neurológica completa e estudo eletroneuromiográfico com medidas da velocidade de condução nervosa motora e sensitiva, concluíram que a eletromiografia apresentava alterações em um número significativo de casos com exame neurológico normal, mostrando que o dano neural poderá ocorrer mesmo antes do início das manifestações clínicas neurológicas. 33 O envolvimento do músculo estriado na lepra é considerado secundário à lesão dos nervos periféricos, mas alguns estudos relataram acometimento muscular primário. A fim de verificar esta controvérsia, Wernewck, Teive e Scola (1999) estudaram 40 pacientes com hanseníase, sendo 23 da forma virchowiana, 13 da tuberculóide, 2 dimorfa e 2 indeterminada, através de estuda da neurocondução do nervo fibular comum, junto com eletromiografia e biópsia do músculo tibial anterior. Os pesquisadores encontraram redução de velocidade de condução, da amplitude e algumas vezes ausência de potenciais no nervo fibular comum. A eletromiografia do tibial anterior mostrou sinais de desnervação recente e crônica em 77,5% dos casos e não foi encontrada evidência de padrão "miopático". A biópsia do músculo tibial anterior revelou desnervação em 45% dos casos, miopatia inflamatória intersticial em 30% e padrão misto de aspecto miopático e neuropático, em 12,5%. Bacilos álcool-ácido resistentes foram encontrados em 25% dos casos, sempre localizados no perimísio e endomísio. Na forma virchowiana, a reação inflamatória estava presente no espaço intersticial. Os dados histológicos claramente definiram a presença de uma entidade que os autores chamaram de "Miosite Lepromatosa Intersticial" sobreposta às alterações histológicas encontradas em desnervação. Alguns pacientes desenvolvem neuropatia sem o desenvolvimento de lesões cutâneas. Estas neuropatias são chamadas de “neurites puras” ou “neurites hansênicas puras”. Os pacientes com esta forma da doença desenvolvem sinais e sintomas de deterioração nervosa periférica, como parestesia, espessamento neural, dor no trajeto do nervo e fraqueza muscular. Estes casos apresentam maiores dificuldades para o diagnóstico, principalmente nos serviços onde não existem recursos diagnósticos complementares, com a possibilidade de realização de estudo histopatológico e eletroneuromiográfico. A neurite pura poderá estar presente em até 16% dos pacientes portadores de hanseníase em regiões endêmicas, de acordo com Girdhar (1996, p.35-42). Skacel e colaboradores (2000) avaliaram 44 pacientes com sinais de neuropatia periférica, acompanhados no Ambulatório de Hanseníase da Fundação Oswaldo Cruz por período que variou de 4 meses até 4 anos, com o intuito de confirmar ou afastar o diagnóstico de neuropatia hanseniana. Analisando os sinais e sintomas dos pacientes encontraram hipoestesia em 41 , parestesia em 28, 34 espessamento neural em 22, dor no trajeto do nervo em 20, paresia em 20 e amiotrofia em 8 pacientes. Dez pacientes dos 44 tiveram o diagnóstico de hanseníase confirmado. A confirmação diagnóstica se deu através da biópsia de áreas hipoestésicas sem lesão dermatológica em 3 pacientes, pelo aparecimento de estados reacionais sendo duas reações reversas e 4 neurites reacionais, e pelo aparecimento de lesão cutânea não reacional característica da forma dimorfalepromatosa. Os autores concluíram que o acompanhamento clínico regular dos pacientes sem diagnóstico no primeiro exame mostrou ser um método que permitiu o diagnóstico da forma neurítica pura da hanseníase, quando os métodos objetivos de diagnóstico não confirmam de imediato a doença. 1.9.1 Principais Nervos Acometidos Nos membros superiores, os principais nervos acometidos pelo M. leprae são o nervo ulnar, o mediano e o radial. Nos membros inferiores os principais nervos acometidos são tibial posterior e fibular comum. a) Nervo ulnar: O nervo ulnar é formado pelas raízes de C8-T1 e em algumas variações anatômicas poderá ter uma pequena participação de ramos provenientes de C7 que contribui para suprir a inervação do músculo flexor ulnar do carpo. A sensibilidade da região medial dorsal e ventral da mão é fornecida por este nervo. A inervação sensitiva cutânea mediano-ulnar é dividida classicamente da seguinte forma: o nervo ulnar é responsável pela inervação sensorial para a região cutânea do quinto dedo e região medial do quarto dedo e suas superfícies dorsal e volar; o nervo mediano fornece ramificações sensoriais para a região palmar dos outros dedos. O nervo radial fornece a sensibilidade cutânea da região dorsal dos dedos. Pela sua proximidade do cotovelo, o nervo ulnar apresenta uma ramificação para o músculo flexor ulnar do carpo e depois passa pelo sulco ulnar para penetrar entre as cabeças do flexor ulnar do carpo, uma área onde é comum termos a compressão deste nervo em situações patológicas. O nervo cutâneo dorsal surge acima do pulso, sendo um ramo externo ao túneo de Guyon e inerva a região dorsal 35 da mão. O nervo cutâneo palmar ulnar também surge dentro do antebraço, sendo externo ao canal de Guyon, para fornecer a sensibilidade da região volar da palma. Quando o nervo ulnar atravessa o túneo do carpo, divide-se em uma ramificação superficial e outra profunda. A ramificação superficial fornece a sensibilidade para a eminência hipotênar e a ramificação profunda inerva os músculos abdutor e flexor curto do polegar e interósseos. Também inerva o abdutor, flexor e oponente do mínimo, lumbricais III e IV. Pode ser palpado facilmente na fossa entre o epicôndilo medial e o olécrano quando o paciente flexiona o cotovelo a 90°. Quando espessado torna-se mais fácil de ser identificado. Caso o paciente tenha um processo de neurite deste nervo, ele referirá dor intensa na região palpada e até mesmo sensação de choque ou latejamento. As lesões deste nervo produzirão parestesia ou anestesia na região ulnar do ante-braço e da mão, bem como na região dorsal. O comprometimento motor envolve paresia ou paralisia dos músculos inervados pelo ulnar. b) Nervo mediano O nervo mediano possui ramificações sensoriais apenas para as mãos. Seu ramo que passa através do túneo do carpo (canal de Guyon) encontra-se dividido em ramificações motoras para os músculos abdutor curto, oponente e flexor curto do polegar e para os dois primeiros lumbricais, e ramificações sensitivas para o primeiro dedo, através do terceiro e da articulação interfalangeana distal dorsal. A sensibilidade para a região palmar lateral é fornecida pelo nervo cutâneo palmar mediano que tem suas origens acima do carpo e é externo ao canal de Guyon. Pode ser palpado na região do canal de Guyon, face anterior do punho. Em situações normais a sua palpação é bastante difícil, principalmente devido a grande quantidade de tendões presentes nesta região. Caso esteja espessado, será mais facilmente identificado. Em caso de neurite é comum o paciente referir dor quando pressionamos esta área. 36 c) Nervo radial O nervo radial é responsável pela sensibilidade da região posterior do braço e ante-braço, com exceção da região dorsal lateral da parte superior do braço que é suprida pelos ramos sensitivos do nervo axilar. O nervo cutâneo braquial surge na axila junto com ramificações musculares para as porções longa e medial do tríceps braquial. No nível do sulco espiral, a inervação muscular é dada para as porções medial e lateral do tríceps com uma pequena ramificação estendendo-se abaixo do cotovelo para inervar o músculo ancôneo. Além disso, o nervo cutâneo ante-braquial posterior proporciona sensibilidade para a região dorsal do ante-braço até o carpo. Antes que o nervo radial cruze o eixo da articulação do cotovelo, ele emite ramificações para os músculos braquiorradial, extensor radial do carpo e braquial, apesar deste músculo ser inervado em sua maior parte pelo nervo musculocutâneo. No ante-braço o nervo radial divide-se em uma ramificação superficial, responsável pela sensibilidade cutânea na região dorsal lateral do ante-braço inferior e carpo, e uma ramificação muscular chamada de nervo interósseo posterior que é responsável pela inervação dos músculos extensores do carpo. Poderá ser palpado no canal de torsão do úmero. Seu ramo chamado de radial cutâneo poderá ser palpado no carpo, face dorsal, próximo à tabaqueira anatômica. d) Nervo tibial posterior A porção tibial posterior inerva todos os músculos posteriores da coxa, exceto a porção menor do bíceps femoral, que é inervada pela divisão fibular. No joelho, o nervo tibial posterior supre ramificações para o gastrocnêmio lateral e medial, sóleo e outros músculos menores. À medida que o nervo continua seu trajeto na região inferior da perna, sofre ramificações para o músculo tibial posterior, flexor longo dos dedos e do hálux. Proporciona uma ramificação adicional para o sóleo na parte inferior da perna. Uma ramificação une-se com a ramificação da divisão fibular para formar o nervo sural, inervando a superfície cutânea na região lateral do pé. Após emitir suas ramificações musculares na parte inferior da perna, enrola-se ao redor do maléolo medial e passa pelo túneo do tarso. 37 O nervo plantar medial supre o abdutor e flexor curto do hálux e os primeiros músculos lumbricais. A região cutânea plantar medial do pé e dos três primeiros dedos também é suprida por este nervo. O nervo plantar lateral se ramifica para os músculos quadrado plantar e abdutor do quinto dedo e então se divide em um componente superficial e um profundo. O componente superficial supre os interósseos lateral e os músculos flexores do quinto dedo e a região cutânea plantar lateral do pé. A ramificação profunda inerva os outros músculos profundos do pé. Poderá ser palpado atrás e abaixo do maléolo medial, sendo fácil a sua localização em pessoas normais. e) Nervo fibular comum A porção fibular comum, após ramificar-se para a porção menor do bíceps femural, inerva a região cutânea antero-lateral superior da perna e então divide-se em ramificações superficial e profunda após passar em volta da cabeça da fíbula. O nervo fibular superficial inerva o músculo fibular longo e curto e então continua como nervo cutâneo dorsal intermediário e dorsal medial. Esses fornecem inervação cutânea para a superfície dorsal do pé com exceções da face lateral do quinto dedo, inervado pelo sural, e o espaço entre o primeiro e segundo dedos,inervado pelo fibular profundo. O nervo fibular profundo apresenta ramificações para o músculo tibial anterior, extensor longo dos dedos e do hálux, com variações anatômicas oferecendo ramificações para o músculo fibular terceiro. No pé, ele supre o músculo extensor curto dos dedos, terminando no primeiro músculo interósseo dorsal. Poderá ser palpado por trás e um pouco abaixo da cabeça da fíbula. 1.10 A Cirurgia de Neurólise O dano neural em hanseníase deve-se ao fator inflamatório agudo ou crônico dos nervos periféricos, podendo ocasionar dor ou não – no caso da neurite silenciosa – comprometendo funções sensitivas e/ou motoras, conforme especificado no capítulo sobre o dano neural. Nos casos de neurite silenciosa, sem a manifestação de dor, também existe o risco de perda da função e instalação de incapacidades. 38 A monitorização da função nervosa nos pacientes portadores de hanseníase tem como finalidades a detecção precoce do comprometimento neural para adotar a medida terapêutica adequada o mais breve possível. Para tal finalidade, observamos nos estudos literários que a avaliação quantitativa da sensibilidade através dos monofilamentos de Semmes-Weinstein (MARCIANO e colaboradores, 1994, p. 0510) e da prova manual de função muscular de Daniels e Worthingham (1987) são eficazes para esta função. As condutas da monitorização incluem: a) a detecção de melhora, piora ou estabilização do quadro clínico; 2) subsidiar a conduta terapêutica clínica ou cirúrgica e; 3) avaliar os resultados da intervenção. Um dos mecanismos envolvidos no dano neural e nas manifestações clínicas é a compressão mecânica intra e extraneural como resultado do processo inflamatório, infiltrações e edema. A neurólise é uma cirurgia cujo objetivo é a liberação de um nervo comprimido (DUCLOYER e colaboradores, 1990, p.1-18). Poderá ser de quatro tipos: a) Simples, onde há a liberação do nervo comprimido por elementos adjacentes, envolvendo toda a área adjacente com zonas de retração, realizando intervenção apenas no tecido responsável pela compressão. Neste caso o nervo não é dissecado. Como exemplo nós temos a liberação no nervo mediano no túneo do carpo por abertura simples do ligamento anular anterior do carpo (Figura 06-a); b) Epineurotomia, que consiste na abertura do epineuro, completando uma neurólise simples. É realizada com bisturis de precisão, permitindo a liberação do nervo comprimido por um epineuro fibroso (Figura 06-b); c) Epineurectomia, consistindo na excisão do epineuro aberto por uma epineurotomia, devendo ser limitado em altura e largura para não comprometer a vascularização do nervo (figura 06-c); d) Neurólise intra-fascicular, que é a dissecação dos fascículos, um a um, quando estão envoltos por uma fibrose endoneural (Figura 06-d). 39 a) b) c) d) Figura 06 – Procedimentos de neurólise. a) neurólise simples, b) epineurotomia, c) epineurectomia e d) neurólise intra-fascicular. Adaptado de Ducloyer e colaboradores, 1990. A cirurgia está indicada quando: 1) tem sinal de compressão neural, não respondendo à terapia com corticóides; 2) quando há formação de abscessos com produção de material caseoso sendo necessária a sua drenagem; 3) quando o paciente não responde ao tratamento clínico durante 4 semanas; 4) em casos de neurites subentrantes e 5) pacientes com dor não controlada e/ou crônica (BRASIL, 2002). É considerada neurite subentrante os casos onde o paciente responde bem aos esquemas de corticoterapia,porém, tão quanto diminua a dose, as manifestações agudas recrudescem. Considerações especiais são feitas em relação à neurólise do nervo tibial posterior em hanseníase pois, de acordo com estudos realizados, a sua liberação pode prevenir o aparecimento de úlceras plantares bem como poderá auxiliar no tratamento das mesmas (BRASIL, 2002, p. 13). São realizadas uma média de quatro cirurgias semanais de neurólise na Fundação Alfredo da Matta. No ano de 2004 foram realizadas neurólises simples em 97 pacientes, sendo que, alguns destes, passaram por mais de um procedimento 40 cirúrgico, em datas diferentes. O total de cirurgias realizadas foi de 234. Quando está indicada, é comum a intervenção em troncos nervosos, envolvendo dois nervos próximos como alvo, como a neurólise do mediano juntamente com o ulnar e do fibular comum juntamente com o tibial anterior. A técnica de neurólise empregada pela FUAM é do tipo simples, ou seja, apenas as estruturas adjacentes que envolvem a área de retração são liberadas, não havendo intervenção direta nos fascículos nervosos. Embora seja conhecido que em muitas situações de espessamento neural existe um aumento da pressão intraneural evidenciando a necessidade de uma epineurotomia, esta técnica requer material micro-cirúrgico preciso, não disponíveis na grande maioria dos centros. Desta forma, a intervenção limita-se apenas aos mecanismos externos de compressão. Okamura, Onita e Miyabe (1981) realizaram um estudo com 48 microcirurgias em pacientes portadores de neurite hansênica que não respondiam à terapêutica por dexametasona e bloqueios anestésicos. O pós operatório foi acompanhado através de exame neurológico, eletromiografia e neurografia. Os autores concluíram que a microcirurgia possibilita a preservação das fibras nervosas e também dos vasos que irrigam o nervo, além de dar ao cirurgião melhores condições para uma limpeza e debridamento dos tecidos fibróticos, abscessos e tecidos hialinizados, sem traumatizar demasiadamente as fibras componentes. Uma outra técnica mencionada na literatura para o tratamento cirúrgico da neurite hansênica é a transposição do nervo ulnar, dando ao mesmo uma nova rota em posição anterior, com a finalidade de prevenir o estiramento do mesmo quando se encontra fibrosado ou aderido. Trata-se de transpor o nervo para o plano muscular profundo, sob o bíceps, associando a epineurotomia (SILVA, 1988, p.167176). No entanto esta técnica oferece muitos riscos, principalmente de danos à vascularização do nervo (BRASIL, 2002, p.14). 1.10.1 Técnicas Cirúrgicas Os procedimentos técnicos das cirurgias de neurólise simples mencionados aqui têm como referência as orientações da Organização Mundial de Saúde (World Health Organization), também recomendadas pelo Ministério da Saúde do Brasil, 41 através de seu manual de cirurgia dos Cadernos de Reabilitação em Hanseníase (BRASIL, 2002). A anestesia é realizada pela administração de lidocaína a 1% por infiltração local ou bloqueio de plexos. As incisões devem atingir os planos mais profundos, procurando preservar ao máximo as estruturas vasculares e nervosas da região. Os locais de incisão estão representados na figura 07. Os ligamentos e demais estruturas adjacentes à região comprimida são incisionados. Quando existem condições de micro-cirurgia, é realizada a epineurotomia. Após os procedimentos, é realizada a sutura com fio de nylon 5/0 e o membro operado é imobilizado por sete dias através de tala gessada de acordo com o quadro do anexo IV. Os pontos são retirados no décimo dia. a) b) c) d) Figura 07 – Incisões cirúrgicas. a) incisão para o nervo ulnar; b) incisão para o nervo mediano; c) incisão para o nervo tibial posterior e; d) incisão para o nervo fibular comum. 1.10.2 A cicatrização cirúrgica O processo de cicatrização da incisão cirúrgica na neurólise envolve as fases de proliferação e remodelamento, com tempo de duração variável compreendendo um período de três a quatro semanas. 42 2.0 OBJETIVOS 2.1 GERAL Este estudo objetivou analisar, por meio do exame neurofuncional – envolvendo teste de sensibilidade por estesiômetros, avaliação da dor e teste de força muscular – a eficácia da cirurgia de neurólise nos pacientes com neurite hansênica, operados na Fundação Alfredo da Matta. 2.2 ESPECÍFICOS Identificar os nervos mais freqüentemente acometidos; Avaliar os benefícios funcionais diretamente relacionados à cirurgia de neurólise simples; Identificar os tipos de estados reacionais apresentados pelos pacientes incluídos no estudo; Avaliar o grau de incapacidade no pré e pós-operatório; Verificar o tempo decorrido desde o diagnóstico até a realização da cirurgia e a existência de interrupções ou abandonos do tratamento. 43 3.0 METODOLOGIA 3.1 Modelo de Estudo Trata-se de um estudo prospectivo do tipo descritivo, para avaliar os resultados do pós-operatório de neurólise em pacientes com hanseníase apresentando neurite, sem resposta satisfatória ao uso de corticoterapia. 3.2 Universo de Estudo 3.2.1 População de referência O estudo tem como alvo a população portadora de hanseníase do Estado do Amazonas submetidos a cirurgia de neurólise. 3.2.2 População de estudo A população de estudo foi formada por pacientes com hanseníase e submetidos a neurólise, atendidos na Fundação Alfredo da Matta, centro de referência estadual para o tratamento desta patologia, no período de outubro de 2004 a janeiro de 2005. 3.2.3 Participantes No período de outubro de 2004 a janeiro de 2005 foram selecionados os pacientes com diagnóstico clínico de hanseníase, com indicação para tratamento cirúrgico por neurólise. Os pacientes foram avaliados ambulatorialmente, dentro do serviço de Fisioterapia e Prevenção de Incapacidades da Fundação Alfredo da Matta, antes da cirurgia e um mês após o procedimento. Foram classificados clinicamente quanto ao padrão da doença em tuberculóides, dimorfo-tuberculóides, dimorfos-dimorfos, dimorfos-virchowianos e virchowianos, segundo a classificação de Ridley e Jopling e conforme a rotina da Fundação Alfredo da Matta. 44 Para a definição de um caso de hanseníase foram seguidas as normas do Ministério da Saúde, que considera para diagnóstico um ou mais critérios abaixo listados: • Lesão(ões) de pele com alteração de sensibilidade; • Espessamento neural acompanhado de alteração de sensibilidade; • Baciloscopia positiva para Micobacterium leprae. No período proposto para o desenvolvimento do estudo, foram realizadas 66 cirurgias em 28 pacientes. Obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 27 pacientes que realizaram, ao todo, 64 cirurgias. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo VIII). A amostra representa cerca de 33% do total de cirurgias realizadas em um ano e a Fundação Alfredo da Matta é considerada Centro de Referência Nacional, acompanhando a maioria dos portadores de hanseníase do Estado do Amazonas. 3.3 Procedimentos Os pacientes, os quais geralmente são encaminhados à Fundação Alfredo da Matta pelas unidades de saúde do município, ou procuram a assistência diretamente, primeiramente foram avaliados e triados para cirurgia eletiva de neurólise. Previamente à cirurgia foi realizada a primeira avaliação neurofuncional. No dia seguinte à cirurgia, os pacientes foram encaminhados novamente ao serviço para realizar uma outra avaliação com a equipe que acompanha, recebendo instruções para dar continuidade ao tratamento conservador pós-operatório. Após um mês de cirurgia foi realizada uma nova avaliação, adotando os mesmos indicadores quantitativos e qualitativos da avaliação prévia à cirurgia e empregado um questionário semi-estruturado para avaliação do acompanhamento clínico e fisioterapêutico durante o período. Foram incluídos no estudo os indivíduos com diagnóstico clínico de hanseníase, obedecendo aos critérios recomendados pelo Ministério da Saúde, sendo os mesmos classificados clinicamente quanto ao padrão da doença em 45 tuberculóides, dimorfo-tuberculóides, dimorfos-dimorfos, dimorfos-virchowianos e virchowianos. Os testes diagnósticos foram realizados de acordo com a rotina da Fundação Alfredo da Matta, ficando os mesmos a critério da equipe médica responsável. Houve um caso de menor de idade incluído no estudo com autorização do responsável, assinando pelo mesmo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos do estudo os indivíduos que tiveram diagnóstico de hanseníase sem indicação de cirurgia de neurólise. Pacientes com dificuldades para dar prosseguimento ao tratamento recomendado, pacientes com distúrbios neurológicos ou do sistema locomotor secundários e gestantes também foram excluídos. Não houve recusas para participação no estudo. Algumas variáveis foram identificadas e analisadas por meio de estatística descritiva. Foram elas: a) Dados pessoais dos pacientes, como sexo e idade; b) Forma clínica da doença; c) Os nervos mais freqüentemente comprometidos e com indicação de cirurgia; d) Classificação do estado reacional Tipo I ou Reação Reversa, Tipo II ou Eritema Nodoso Hansênico e neurite sem manifestações cutâneas; e) Grau de incapacidade na avaliação pré-cirúrgica e um mês de pós-operatório; f) Realização ou não de acompanhamento fisioterapêutico pré e pós-operatório; g) Situação clínica do paciente, classificando como ativo os que ainda estavam realizando a poliquimioterapia e inativos os pacientes com alta clínica; h) Tempo de tratamento da doença nos casos ativos; 46 i) Tempo de cura clínica nos casos inativos; j) História de interrupção ou abandono do tratamento; k) Resultados do exame neurofuncional, envolvendo teste de sensibilidade por estesiômetros, avaliação da dor e teste de força muscular. 3.4 Exame neurofuncional O termo “neurofuncional” é empregado na Fisioterapia quando se refere aos distúrbios cinesiológicos e funcionais em decorrência de disfunções do sistema nervoso, definindo a Fisioterapia Neurofuncional como a especialidade desta Ciência que trata deste tipo de disfunção, de acordo com resolução do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional de N.º 189/1998 (COFFITO, 1998). O formulário utilizado para realização deste exame consta no anexo I. Fazem parte do exame neurofuncional de rotina para as neuropatias periféricas os seguintes procedimentos: 3.4.1 História da patologia Consiste na coleta das informações sobre as queixas do paciente, estado atual e pregresso da doença e antecedentes pessoais e familiares. Como itens importantes que deverão constar neste tópico, estão: a) Queixas do paciente: dor, parestesia, paresia ou paralisia do segmento afetado, total ou parcialmente, de forma difusa ou localizada; b) Estado atual e pregresso da doença: seu início, tempo de evolução, tratamentos que já realizou e seus resultados; c) Antecedentes pessoais e familiares: presença ou não de neuropatia secundária, diabete melitus, doenças neuromusculares e processos infecciosos recentes; 3.4.2 Inspeção e palpação dos nervos 47 É parte integrante do exame físico do paciente, constando da ectoscopia direta e palpação dos segmentos nervosos supostamente comprometidos, a fim de identificar queixas de dor ou choque espontâneo ou à palpação no trajeto do nervo, simetria, tamanho, forma, consistência e presença de nódulos. 3.4.3 Classificação do estado reacional Consta de uma categorização do comprometimento neural devido ao estado reacional apresentado pelo paciente como reação tipo I ou reversa e reação tipo II ou eritema nodoso. Esses dados foram fornecidos pela equipe médica que acompanhou os pacientes, através de registro em prontuário. 3.4.4 Teste de força muscular Tem como objetivo analisar o comprometimento neuromuscular. Foi utilizado o teste manual proposto por Daniels e Worthingham (1997), descrito no anexo VI. 3.4.5 Teste de sensibilidade Teve como objetivo testar a variável de sensibilidade. Foi realizado através de estesiômetros de Semmes-Weinstein, também conhecidos como monofilamentos, seguindo as orientações técnicas propostas por Lehman (1997), em área de pele diretamente relacionada à distribuição segmentar do nervo supostamente envolvido (anexo VII). Os resultados foram registrados na ficha específica de avaliação neurofuncional dos pacientes (anexo I). 3.4.6 Sintomatologia dolorosa Constou da avaliação subjetiva da dor através de uma escala visual, conforme proposta por Robinson e Snyder-Mackler (2001) e Reed (2001), a qual quantifica a dor em dez graus e classifica em leve (1-3 graus na escala), moderada 48 (4-7 graus) e intensa (8-10 graus). A escala analógica visual de dor está ilustrada no anexo V. 3.4.7 Avaliação do grau de Incapacidade Consta da avaliação do estado do nervo e da função sensitiva ou motora. Indica a existência de perda da sensibilidade protetora e/ou deformidades visíveis em conseqüência de lesão neural e/ou cegueira. É importante também para monitorar mudanças no estado do nervo e da função neural, identificar neurites precocemente, determinar o tratamento necessário, monitorar a resposta ao tratamento das neurites e determinar a necessidade de intervenção cirúrgica. Segundo o Ministério da Saúde, a classificação de grau de incapacidade é utilizada em indicador epidemiológico para avaliar programas e para determinar a precocidade do diagnóstico. Uma manifestação de deformidades visíveis indica diagnóstico tardio (anexo II). 49 4.0 RESULTADOS No período de setembro de 2004 a janeiro de 2005 foram realizadas 64 cirurgias ao todo em 27 pacientes que estavam sendo acompanhados no setor de Fisioterapia e Prevenção de Incapacidades da Fundação Alfredo da Matta. Estes pacientes obedeciam aos critérios para indicação de cirurgia de neurólise, ou seja, apresentavam-se com sinais de compressão neural não respondendo ao uso de corticóide, possuíam abscessos, apresentavam neurites subentrantes ou eram pacientes com dor não controlada e/ou crônica (tabela 1). Tabela 01 – Número de pacientes com indicação de neurólise no período de setembro de 2004 a janeiro de 2005 e número de cirurgias realizadas. Descrição N Pacientes Acompanhados 27 Cirurgias Realizadas 64 Pacientes que faltaram à cirurgia 11 No período do estudo, 22 pacientes operaram dois nervos no mesmo ato cirúrgico e 5 operaram quatro nervos, sendo dois deles por ato cirúrgico, conforme resume a tabela 02, perfazendo um total de 64 cirurgias. Tabela 02 – Número de nervos operados nos 27 pacientes. Quantidade de nervos operados Dois Quatro Total de Cirurgias Número de pacientes 22 5 64 Em relação ao sexo, a maioria dos indivíduos pertencia ao sexo masculino, 85% (23), em comparação ao sexo feminino, 15% (4). Os dados estão representados na figura 08. 50 Feminino; 4; 15% Masculino; 23; 85% Figura 08 – Distribuição dos pacientes quanto ao sexo. Em relação à faixa etária, 21 pacientes (70,3%) apresentaram idade entre 20 e 40 anos. Dois pacientes (7,4%) eram menores de 20 anos e 6 pacientes (22,2%) eram maiores de 40 anos. A idade mínima entre os pacientes foi de 13 anos e a máxima de 60 anos com uma média aritmética de 34,1 anos (tabela 3). Tabela 3 – Faixa etária do pacientes operados. Idade Faixa (em anos) Quantidade % 10 a 20 2 7,4 21 a 30 8 29,6 31 a 40 11 40,7 41 a 50 4 14,8 51 a 60 2 7,4 Média 34,1 Desvio Padrão 10,3 Mínimo 13 Máximo 60 Moda 25 A forma clínica foi classificada de acordo com a classificação espectral de Ridley e Jopling. A maioria dos pacientes eram portadores da forma virchowiana, 18 51 (67%), seguidos das formas dimorfa-virchowiana, 5 (19%), tuberculóide 2 (7%) e dimofa-tuberculóide, 2 (7%), como mostra a figura 09. Tuberculóide 2; 7% Dimorfa-tuberculóide 2; 7% Dimorfa-dimorfa 0% Dimorfa-virchowiana 5; 19% Virchowiana 18; 67% Figura 09 – Forma clínica apresentada pelos pacientes ativos e forma tratada nos pacientes em alta, submetidos à neurólise durante o período do estudo. Setenta e quatro por cento dos pacientes operados (20) já haviam recebido alta da poliquimioterapia, sendo pois, considerados clinicamente curados. Vinte e seis por cento (7) ainda estavam em tratamento (figura 10). Ativo ; 7; 26% Alta; 20; 74% Figura 10 – Situação de tratamento clínico. 52 Se levarmos em consideração os pacientes separadamente, as formas clínicas dos pacientes em tratamento e as formas tratadas dos pacientes em alta que realizaram neurólise, verificamos que há uma pequena diferença. No primeiro caso, 72% dos pacientes apresentaram formas multibacilares comparados com 28% apresentando formas paucibacilares (figura 11). No segundo caso, 90% dos pacientes apresentaram formas multibacilares comparados a 10% de formas paucibacilares (figura 12). Tuberculóides 1; 14% Dimorfo-tuberculóides 1; 14% Virchowianas 4; 58% Dimorfo-virchowianas 1; 14% Figura 11 – Forma clínica apresentada entre os pacientes ativos. Tuberculóides 1; 5% Dimorfo-tuberculóides 1; 5% Dimorfo-virchowianas 4; 20% Virchowianas 14; 70% Figura 12 – Forma clínica tratada entre os pacientes em alta. 53 Os pacientes que ainda estavam realizando o tratamento pela PQT, apresentaram um tempo médio de 8,14 meses de terapia quando foram submetidos à última cirurgia de neurólise acompanhada pelo presente estudo. Este valor teve variações entre o mínimo de 1 mês e o máximo de 12 meses de uso dos medicamentos. Esses valores estão resumidos na tabela 04. Tabela 04 - Tempo de tratamento por PQT dos ativos até o dia da última cirurgia (em meses). N Mínimo Máximo Média Desvio Padrão Tempo de Tratamento 7 12 8,14 3,33 N válidos 7 2 Entre os pacientes que já haviam concluído o esquema terapêutico de PQT, ou seja, considerados clinicamente curados, portanto, de alta clínica, observamos que o tempo médio decorrido desde a administração da última dose dos medicamentos até a realização da última cirurgia durante a pesquisa, foi de 29,15 meses, como o tempo mínimo de 1 mês e o máximo de 151 meses ou cerca de 12,5 anos. Estes resultados estão resumidos na tabela 5. Apenas um paciente apresentou história de abandono do tratamento. Tabela 5 - Tempo de alta até a última cirurgia (em meses). N Mínimo Máximo Média Tempo de Alta (meses) 20 1 N válidos 151 29,15 Desvio Padrão 38,13 20 Quanto ao estado reacional apresentado pelos 27 sujeitos estudados, verificamos que 11 (41%) apresentavam reação tipo I, ou reversa, 7 (26%) apresentavam reação tipo II ou eritema nodoso hansênico e 9 (33%) apresentavam características clínicas dos dois tipos (figura 13). A classificação foi colhida através dos registros dos prontuários feitos pela equipe médica responsável. 54 Tipo II; 7; 26% Tipo I e II; 9; 33% Tipo I; 11; 41% Figura 13 – Estado reacional. Em relação ao grau de incapacidade avaliado, a maior parte dos pacientes, 70%, apresentava grau I de incapacidade, enquanto 30% apresentavam grau II (figura 14). Grau de Incapacidade Grau 0; ; 0% Grau II; 8; 30% Grau I; 19; 70% Figura 14 – Grau de Incapacidade no pré-operatório Na avaliação pós-cirúrgica não encontramos alterações significativas que justificassem alguma modificação no grau de incapacidade dos pacientes. Desta forma os resultados permaneceram os mesmos, ou seja, 19 pacientes (70%) apresentaram grau I e 8 pacientes (30%) apresentaram grau II. 55 A dor foi referida por 55% dos pacientes como a principal queixa, seguida de parestesia (30%), fraqueza muscular (11%) e câimbras (4%), como refere a figura 15 Queixa Principal Parestesias 30% Dor 55% Fraqueza Muscular Caimbras 11% 4% Figura 15 – Queixas principais relatadas pelos pacientes durante a avaliação pré-cirúrgica. Dos 64 procedimentos de neurólise realizados, 10 foram de nervo fibular comum esquerdo (17%), 10 de nervo tibial posterior esquerdo (17%), 8 de fibular comum direito (13%), 8 de tibial posterior direito (13%), 7 para ulnar direito, ulnar esquerdo, mediano direito e mediano esquerdo correspondendo a 11% cada um. Os números de cirurgias realizadas de cada nervo estão resumidos na figura 16. Numero de nervos operados 10 8 6 4 2 0 Ulnar Mediano Fibular Tibial Direito 7 7 8 8 Esquerdo 7 7 10 10 Figura 16 – Nervos operados. 56 A dor foi a principal queixa apresentada pelos pacientes, conforme já mencionamos. No entanto trata-se de um sintoma analisado através de avaliação subjetiva, a qual de informações orientadas fornecidas pelo paciente, por meio de auxílio da escala analógica visual de dor (anexo V). Esta escala possui uma variação de 10 graus ao todo. Para a classificação e análise estatística, agrupamos os pacientes que apresentavam graus semelhantes de queixa de dor espontânea, não levando em consideração o grau de dor durante o movimento ou palpação do nervo. A classificação foi feita por nervo operado, independente se um único paciente realizou mais que uma cirurgia. Dos 27 pacientes acompanhados pela pesquisa, 15 (55%) tinham a dor como principal queixa. Entre os mesmos foram realizadas 32 cirurgias. Entre os nervos operados, 25 (73%) eram responsáveis por sintomas dolorosos classificados entre 4 e 6 na escala, segundo os pacientes. Contudo, três nervos provocavam dores classificadas como 10, ou seja, o nível mais intenso (figura 17). Dor grau 7; 0; 0% Dor grau 8; 0; 0% Dor grau 6; 6; 18% Dor grau 5; 10; 29% Dor grau 9; 3; Dor grau 1; 4; 9% 12% Dor grau 2; 0; 0% Dor grau 3; 2; 6% Dor grau 4; 9; 26% Figura 17 – Grau de dor provocado pelos nervos pré-operados entre os pacientes que referiam este sintoma como queixa principal. Entre os outros 12 pacientes (45%) que não referiam a dor como a principal queixa, foram realizadas também 32 cirurgias. Dentre os nervos operados, 28 (93%) 57 provocavam dor classificadas entre 1 e 5 na escala, segundo relatos dos pacientes, sendo que 16 (50%) apresentavam grau 5 (figura 18). Dor grau 1; 2; 6% Dor grau 5; 16; 50% Dor grau 3; 12; 38% Dor grau 4; 2; 6% Figura 18 – Grau de dor provocado pelos nervos pré-operados entre os pacientes que referiam outros sintomas como queixa principal. Quando comparamos os resultados do pré e pós-operatório, referentes à sintomatologia dolorosa, observamos que 41 nervos operados (64%) tiveram melhora, 19 (30%) não apresentaram alterações no quadro doloroso e 4 (6%) tiveram piora após um mês de cirurgia. Dentre os 41 nervos que proporcionaram melhora da dor, 21 apresentaram apenas 1 grau de diferença. Entre os 4 nervos que proporcionaram piora, todos apresentaram 1 grau de diferença (figura 19). Inalterado; 19; 30% Melhora 01; 21; 33% Piora 01; 4; 6% Melhora 03; 7; 11% Melhora 02; 13; 20% Figura 19 – Evolução comparativa da sensação dolorosa relatada pelos pacientes através da escala analógica visual de dor antes e após a cirurgia. 58 Ao analisarmos a evolução da sintomatologia dolorosa, tomando como base os pacientes individualmente e não os nervos operados, verificamos que 19 deles (70%) relataram alguma melhora em uma ou mais das cirurgias realizadas, 4 (15%) permaneceram com o quadro inalterado em todas as cirurgias e 4 (15%) apresentaram piora em alguma cirurgia realizada no período de um mês de pósoperatório (figura 20). Piora; 4; 15% Inalterado; 4; 15% Melhora; 19; 70% Figura 20 – Evolução da dor nos pacientes operados. A figura 21 mostra, de forma comparativa, os maiores e menores valores atribuídos à dor no pré-operatório e no pós-operatório, bem como as médias aritméticas e a moda. O maior valor atribuído no pré-operatório foi 10, enquanto no pós-operatório foi 7; o menor valor atribuído à dor no pré-operatório foi 1, o mesmo para o pós-operatório. 10 10 7 4,9 4 5 5 4 1 1 0 Maior valor atribuído Menor valor atribuído Pré Média Moda Pós Figura 21 – Valores de tendência central do grau atribuído de dor no pré e pós-operatório. 59 A força muscular, quantificada através do teste manual, o qual atribui uma escala de valores de força variando de 0 a 5, ou seja, seis graus diferentes, foi analisada de acordo com a musculatura inervada pelo nervo especificamente estudado, no pré-operatório e após um mês de pós-operatório. Uma vez que cada nervo poderá ser responsável pela atividade de vários músculos e normalmente testamos dois ou três músculos de um mesmo tronco nervoso, consideramos as maiores variações encontradas. Dos 64 nervos operados, foram avaliadas as suas fibras motoras através da quantificação do grau de força muscular manual dos principais músculos por ele inervados. Os resultados mostraram que 38 apresentavam algum tipo de comprometimento de força, o que corresponde a 61%. Vinte e quatro (39%) não possuíam nenhum tipo de comprometimento (figura 22). Sem comprometimento; 24; 40% Comprometidos; 36; 60% Figura 22 – Comprometimento motor no pré-operatório. Dados referentes à musculatura inervada especificamente pelo nervo comprometido. Sob o ponto de vista dos pacientes, evidenciamos que 8 pacientes (30%) não apresentavam nenhum tipo de comprometimento de força, respondendo com grau 5 na escala. Dos outros 19 pacientes forma avaliados , em 8 (42%) houve melhora de pelo menos 1 grau de força em algum músculo testado, correspondente ao nervo operado, 8 (42%) não apresentaram diferença de força em nenhum músculo correlato testado e 3 pacientes (16%) apresentaram piora de 1 grau em pelo menos um músculo após um mês de cirurgia (figura 23). 60 Piora; 3; 16% Melhora; 8; 42% Inalterado; 8; 42% Figura 23 – Evolução da força muscular no pós-operatório. Dados referentes à musculatura especificamente inervada pelo nervo operado. Ao fazermos as análises tomando por base os nervos operados e as condições pré e pós-cirúrgicas, encontramos, no pré-operatório 22 nervos com comprometimento motor grau 4 (58%), 15 com comprometimento grau 3 (39%) e 1 com comprometimento grau 2 (3%) conforme a figura 24. No pós-operatório, 23 nervos permaneceram sem alterações em suas respostas motoras, o que corresponde a 56%, 13 apresentaram melhora de até 1 grau (32%) e 5 (12%) apresentaram piora de até um grau (figura 25). Nenhum músculo respondeu com melhora ou piora superior a 1 grau na escala de força muscular. Comprometimento de Força Muscular no Préoperatório Comprometimento motor grau 2; 1; 3% Comprometimento motor grau 3; 15; 39% Comprometimento motor grau 4; 22; 58% Figura 24 – Comprometimento de força muscular no pré-operatório através da quantificação pela escala de teste manual de força muscular. 61 Evolução do grau de força muscular Piora 1 grau; 5; 12% Melhora 1 grau; 13; 32% Indiferente; 23; 56% Figura 25 - Comprometimento de força muscular no pós-operatório através da quantificação pela escala de teste manual de força muscular. A figura 26 nos mostra as correlações entre os graus de força apresentados no pré-operatório e a evolução após um mês de neurólise, por nervo operado, levando-se em consideração as melhoras, pioras e os quadros estagnados. Para uma melhor compreensão em termos quantitativos, a tabela 6 no traz uma avaliação em termos de médias aritméticas e modas, levando-se em consideração os nervos com comprometimento de força. 25 20 15 10 5 0 Pré-operatório Melhora no Pósoperatório Piora no pósoperatório Indiferentes Comprometimento motor grau 4 22 9 2 11 Comprometimento motor grau 3 15 3 0 12 Comprometimento motor grau 2 1 1 0 0 Figura 26 – Evolução da força muscular no pós-operatório segundo o grau de comprometimento préoperatório. 62 Tabela 6 – Estatística descritiva da evolução das respostas musculares correspondentes às fibras motoras dos nervos operados. Pré-operatório Pós-operatório Média 3,65 3,85 Moda 4 4 N = 38 Dos 24 nervos sem comprometimento motor no pré-operatório, ou seja, que apresentavam grau 5 de força muscular, nenhum deles evoluiu com piora. Para a avaliação quantitativa do teste de sensibilidade foi atribuída uma escala de pontuação, de acordo com a tensão de flexão dos estesiômetros. Quando o paciente relatava sensibilidade a um monofilamento imediatamente de menor tensão de flexão que o registrado no teste de pré-operatório, ou seja, se na primeira avaliação o paciente relatou sensibilidade ao monofilamento azul (0,20g de tensão de flexão) e na segunda avaliação relatou sentir o toque do monofilamento verde (0,05g de força de flexão) era atribuído um ponto, e assim sucessivamente. Os resultados mostraram que 9 pacientes (34%) apresentaram melhora, de um a dois pontos, em pelo menos uma das cirurgias realizadas. Dezoito pacientes (66%) permaneceram com o quadro inalterado após as cirurgias (figura 27). Teste de Sensibilidade Piora; 0; 0% Melhora 01 ponto; 8; 30% Melhora 02 pontos; 1; 4% Inalterado; 18; 66% Melhora > 02 pontos; 0; 0% Figura 27 – Resultados dos testes de sensibilidade por estesiômetros. O dados foram analisados comparando os resultados do pré-operatório com o pós-operatório. Foi atribuída a classificação de 63 melhora, piora ou quadro inalterado para os pacientes que apresentaram evolução em pelo menos um nível na área de sensibilidade específica do nervo operado. Analisamos os pacientes quanto a realização ou não de fisioterapia tanto no pré-operatório quanto no pós-operatório e verificamos que a grande maioria, 22 pacientes (81%), não era acompanhada por estes profissionais no pré-operatório, enquanto apenas 5 pacientes (19%) eram tratados (figura 28a). Em relação ao pósoperatório, verificamos que os mesmos pacientes continuavam o acompanhamento iniciado no pré-operatório, ou seja, os mesmos 5 pacientes (figura 28b). Não foi possível estabelecer uma relação fidedigna entre os resultados da cirurgia de neurólise comparando pacientes com e sem acompanhamento fisioterapêutico, devido ao tamanho amostral insuficiente. Sim; 5; 19% Não; 22; 81% a) p p Sim; 5; 19% b) Não; 22; 81% Figura 28 – Situação de acompanhamento fisioterapêutico no pré- operatório (a) e pós-operatório (b). 64 5.0 DISCUSSÕES No período de setembro de 2004 a janeiro de 2005 foram estudados 27 pacientes que estavam sendo acompanhados no setor de Fisioterapia e Prevenção de Incapacidades da Fundação Alfredo da Matta, os quais obedeciam aos critérios para indicação de cirurgia de neurólise, ou seja, apresentavam-se com sinais de compressão neural não respondendo ao uso de corticóide, possuíam abscessos, apresentavam neurites subentrantes ou eram pacientes com dor não controlada e/ou crônica. Apesar da indicação cirúrgica, 11 pacientes não realizaram a cirurgia por não comparecerem no dia agendado para o procedimento (tabela 1). Não foi possível investigar as causas reais de faltas para a cirurgia, que representam 28,9% do total de agendamentos, mas evidenciamos que muitos destes pacientes eram procedentes de cidades do interior do Estado, com difícil acesso ao serviço e que, esporadicamente, vinham à FUAM-AM para realizar consultas médicas. Talvez, pelo menos na maioria dos casos, este seja um motivo relevante para o não comparecimento dos mesmos, sendo que sua comprovação não pode ser realizada por este estudo. Foram realizadas 64 cirurgias ao todo nos 27 sujeitos estudados. Muitos pacientes apresentavam envolvimentos em mais de um tronco nervoso, necessitado de um número maior de intervenções cirúrgicas. Como é de rotina da FUAM-AM, as cirurgias são realizadas com procedimentos de descompressão de pares de nervos pertencentes a um mesmo seguimento. O nervo ulnar é operado juntamente com o nervo mediano e o nervo tibial posterior com o fibular comum. Isto se deve ao fato de que os seus danos, na maioria das vezes, não estão restritos a apenas um nervo do segmento, mesmo nos pacientes paucibacilares. No período do estudo, 22 pacientes operaram dois nervos no mesmo ato cirúrgico e 5 operaram quatro nervos, sendo dois deles por ato cirúrgico, conforme resume a tabela 07, perfazendo um total de 64 cirurgias. Também havia pacientes que realizaram cirurgias anteriores ao desenvolvimento desta pesquisa que, por ser prospectiva, não levou em consideração os resultados das mesmas. 65 A possível indagação que surge sobre o momento ideal para a realização da cirurgia é pertinente, principalmente quando os procedimentos são duplos, pois comumente temos um nervo mais comprometido que o outro. É difícil concluirmos com uma resposta substancial para esta questão por meio deste estudo, uma vez que todos os pacientes operados no período já possuíam manifestações clínicas que justificasse, segundo a literatura, o procedimento. Mesmo quando um nervo apresentava maior grau de comprometimento, o outro já apresentava condição que justificasse a sua intervenção cirúrgica. Assim, o questionamento necessita de estudos experimentais com intervenções realizadas em várias fases de evolução do dano neural para avaliar a evolução funcional. Em relação à faixa etária, podemos observar que a maioria do pacientes operados encontrava-se em idade produtiva sob o ponto de vista econômico e laboral, compreendendo 21 pacientes (70,3%) entre 20 e 40 anos de idade. Esta constatação mostra a importância da abordagem do dano neural em hanseníase sob o ponto de vista de interesse da saúde pública, uma vez que poderá comprometer o desempenho no trabalho, afetando a economia. No entanto, sabe-se e podemos constatar que a doença, ou o dano neural especificamente, poderá acometer qualquer faixa etária (tabela 08). A necessidade de desempenhar as funções laborais, principalmente as que necessitam de habilidades manuais, leva o indivíduo a procurar cuidados, cura e principalmente a prevenção de incapacidades. A disfunção poderá evoluir para incapacidade e, de acordo com as necessidades sociais do meio em que o indivíduo vive, uma simples disfunção poderá representar uma invalidez. Esta situação exclui o trabalhador dos postos de trabalho em regiões onde a economia é movimentada por trabalhadores da indústria ou da agricultura, os quais desempenham atividades manuais e necessitam de deslocamento. Um paciente de hanseníase em fase produtiva possui um risco considerável de tornar-se um inválido do ponto de vista laboral. Este fato pode comprometer os rendimentos familiares e a auto-estima, uma vez que o trabalhador se sente improdutivo. 66 O tempo de afastamento do trabalho dos pacientes com hanseníase é longo e oneroso à Previdência Social, pela provisão de numerário ao paciente, interrupção da contribuição financeira do mesmo à instituição, assim como a geração de impostos administrativos pelo Estado. O diagnóstico precoce e a efetividade das ações de prevenção de incapacidades e tratamento clínico é a melhor forma de solucionar este problema. Embora na sociedade moderna as estatísticas mostrem evidências de que a mulher está cada dia mais participando da economia da família e até mesmo chefiando-as, as participantes deste estudo relataram desempenhar apenas atividades domésticas ou, no caso de uma paciente menor, atividades escolares. É bom lembrar que tanto a hanseníase como o dano neural no paciente hansênico poderá ocorrer em qualquer faixa etária. Um estudo realizado por Robles Ortega (2002) focalizou o levantamento dos benefícios de auxílio-doença concedidos a pacientes portadores de hanseníase em uma micro-região do centro sul do Estado do Paraná, verificou que existe uma grande participação destes pacientes na concessão dos benefícios, principalmente para os que estão em idade produtiva. O longo tempo em que os trabalhadores permaneciam afastados de suas atividades laborativas, com recebimento mensal de Salário-Benefício, além de investimentos financeiros voltados para o diagnóstico clínico-laboral, tratamento medicamentosos, fisioterapêutico, cirúrgico, prevenção de incapacidades, vigilância sanitária e profilaxia repercutiam de modo significativo na economia da sociedade. A forma clínica foi classificada de acordo com a classificação espectral de Ridley e Jopling. A maioria dos pacientes era portadora da forma virchowiana, 18 (67%), seguidos das formas dimorfa-virchowiana, 5 (19%), tuberculóide 2 (7%) e dimofa-tuberculóide, 2 (7%), como está representado na figura 27. Todos os pacientes que realizaram cirurgia em mais de um par de nervos eram pertencentes à forma virchowiana. Apesar da maioria pertencer ao grupo multibacibacilar, é importante ressaltar que as formas baucibacilares – tuberculóide e dimorfa-tuberculóide – freqüentemente desenvolvem danos neurais mais intensos, com maior comprometimento funcional. Se analisarmos estes dados, tendo em vista 67 as informações epidemiológicas dos últimos anos, podemos verificamos que existe uma pequena diferença entre as prevalências da formas clínicas multibacilares e paucibacilares, com maior número de paucibacilares em relação a multibacilares. Quando analisamos as formas clínicas apresentadas pelos pacientes ativos ou as formas tratadas dos pacientes em alta, os quais foram submetidos à cirurgia, verificamos que os multibacilares representam a grande maioria, ou seja, 96% (23). O dano neural é insidioso e poderá acometer o indivíduo a qualquer fase durante o tratamento que, dependendo da forma clínica da doença, poderá durar de 12 a 24 meses em pacientes assíduos, ou seja, que não interrompem o tratamento. Reações são ocorrências comuns no curso da hanseníase e são responsáveis pelo agravamento das lesões neurais. Um estudo de coorte realizado por Nery e colaboradores (1998) com 162 pacientes recém-diagnosticados, baciloscopicamente positivos, em acompanhamento no Ambulatório de Hanseníase da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) observou-se que 46% dos pacientes multibacilares submetidos a 24 doses fixas de poliquimioterapia (PQT) apresentaram reações durante o tratamento. Quatorze por cento foram classificados como dimorfos-dimorfos, 52% como dimorfovirchowianos e 33% foram classificados como virchowianos. Nenhuma das variáveis em estudo, tais como: sexo, idade, forma clinica, tempo de doença, extensão das lesões dermatológicas, índice baciloscópico, ou grau de incapacidade associaram-se a reação entre os pacientes estudados. A literatura relata história de manifestação de estados reacionais com dano neural insidioso em até 10 anos após a alta do tratamento clínico (MARTELLI e colaboradores, 2002, p. 105-111). São as reações tardias, representadas por episódios agudos produzidos pelo aumento da resposta imunológica do indivíduo após o término de seu tratamento clínico medicamentoso. Nestas circunstâncias, o diagnóstico diferencial com a recidiva da doença é, na maioria das vezes, difícil, e implica em conduta terapêutica diferente. Entre os pacientes que já haviam concluído o esquema terapêutico de PQT, ou seja, considerados clinicamente curados, portanto, de alta clínica, observamos que o tempo médio decorrido desde a administração da última dose dos 68 medicamentos até a realização da última cirurgia durante a pesquisa, foi de 29,15 meses, como o tempo mínimo de 1 mês e o máximo de 151 meses ou cerca de 12,5 anos. Estes resultados estão resumidos na tabela 5. Apenas um paciente apresentou história de abandono do tratamento. Este paciente estava tratando uma forma multibacilar e não conseguiu dar prosseguimento e, por isso, teve que iniciar um novo esquema de poliquimioterapia, porém já havia concluído o mesmo quando da realização do nosso estudo. Mesmo com as metas de eliminação da hanseníase como problema de saúde pública atingida, em termos de prevalência de até 1 caso por 10.000 habitantes, os cuidados com os pacientes considerados de alta continuam por um período longo, muitas vezes não inferior a dez anos. Esta prerrogativa leva a crer que, mesmo atingidas as metas de prevalência, a hanseníase continuaria sendo importante para a saúde pública, pois as seqüelas cinesiológicas e funcionais dos pacientes considerados curados, poderão ainda apresentar uma ameaça, o que gera a necessidade de investimentos em centros de prevenção de incapacidades e de recuperação funcional. O grau de incapacidade avaliado é um indicativo importante sobre a eficácia no diagnóstico dos casos de hanseníase. Acredita-se que quanto mais precoce ocorre este diagnóstico, menos incapacidades o indivíduo deverá apresentar neste momento. No caso de avaliação pré-cirúrgica de neurólise, estima-se que todos os pacientes apresentem algum tipo de incapacidade, caracterizada por alterações funcionais, pois é possível que o dano neural já esteja instalado. Entre os pacientes operados e acompanhados pelo presente estudo, a maior parte, (70%) apresentava grau I de incapacidade, enquanto 30% apresentavam grau II (figura 32). As principais queixas apresentadas pelos pacientes estão resumidas na figura 33 e representam, também as principais causas de alterações cinesiológicas e funcionais, as quais justificam o grau de incapacidade atribuído. Verificamos que a dor é a principal queixa, representando 55% do total. Este sintoma não está relacionado diretamente a alguma causa de incapacidade, segundo os critérios de avaliação recomendados pelo Ministério da Saúde. Acreditamos que, pelo fato de ser uma avaliação subjetiva, com diversos vieses conflitantes e influências emocionais, torna-se difícil a sua quantificação e qualificação. No entanto, a dor 69 poderá ser responsável pela incapacidade ou limitação de movimentos, levando a perda ou diminuição funcional. A parestesia é a segunda maior queixa apresentada pelos pacientes, representando 30 % do total. A perda da sensibilidade, principalmente tátil é a mais facilmente percebida pelos pacientes quando estão desenvolvendo a doença. É também a principal causa de classificação de incapacidades no grau I. A diminuição ou perda de sensibilidade compromete alguns mecanismos de proteção contra danos biomecânicos e traumáticos. A fraqueza muscular devida ao dano na fibra nervosa motora representa 11% das queixas. Embora essa variável possa ser testada através do teste manual de força muscular, algumas vezes este teste pode ser prejudicado, comprometendo sua fidedignidade, pela dor referida por parte paciente. Em alguns casos, os movimentos podem ser possíveis de serem realizados, do ponto de vista da força muscular, porém limitados antalgicamente. Um pequeno número de pacientes (4%) relatou a sensação de câimbras. Embora a queixa principal faça referência ao motivo maior de ter levado o paciente a procurar assistência e a realizar a cirurgia de neurólise, todos os pacientes (100% da amostragem) possuíam queixas de dor. A princípio os resultados apresentados em relação à sintomatologia dolorosa não demonstram melhoras significativas após um mês de cirurgia de neurólise. Quando comparamos estes resultados em termos de medidas de tendência central de graus de dor atribuídos no pré e pós-operatório, nos levar a crer que existe pelo menos 1 grau de diferença para menos no segundo caso, o que corresponde proporcionalmente a 10% de melhora tomando como base a referência do paciente pela escala (figura 39). A implementação de um programa de fisioterapia no pré e pós-operatório de neurólise é recomendada pela literatura e principalmente pelo Ministério da Saúde. Este tipo de terapia complementar é importante para a recuperação funcional do paciente, através de técnicas específicas. Estamos certos de que o fato do paciente ser acompanhado ou não pela equipe de fisioterapia influencia de modo substancial em sua recuperação. Desta forma, analisamos quantos pacientes realizavam 70 fisioterapia tanto no pré-operatório quanto no pós-operatório e verificamos que a grande maioria, 22 pacientes (81%), não era acompanhada por estes profissionais no pré-operatório, enquanto apenas 5 pacientes (19%) eram tratados (figura 47a). Em relação ao pós-operatório, verificamos que os mesmos pacientes continuavam o acompanhamento iniciado no pré-operatório, ou seja, os mesmos 5 pacientes (figura 47b). Não foi possível estabelecer uma relação fidedigna entre os resultados da cirurgia de neurólise comparando pacientes com e sem acompanhamento fisioterapêutico, devido ao tamanho amostral insuficiente. A eliminação da hanseníase como problema de saúde pública não está atrelada apenas à diminuição da prevalência, como se crê. Entram nas estatísticas de prevalência os casos ativos ou seja, os pacientes não tratados ou que ainda não concluíram o tratamento clínico por poliquimioterapia. As necessidades permanentes de cuidados e prevenção de incapacidades, que inclui assistência médica clínica, cirúrgica, assistência fisioterapêutica, terapêutica ocupacional, entre outras, fazemse necessárias por longos períodos de tempo, principalmente em regiões endêmicas. 71 6.0 CONCLUSÕES De acordo com os resultados, podemos concluir que o dano neural em um único segmento isoladamente foi pouco comum entre os pacientes estudados. Muitos deles necessitaram realizar cirurgias em vários nervos ao longo do tempo, independente se ainda esteja em tratamento por poliquimioterapia ou não. Apesar de termos acompanhado 27 pacientes, onde 22 dos quais realizaram cirurgias em dois nervos e 5 em quatro nervos em um total de 64 cirurgias, muitos deles já haviam realizado outras cirurgias de neurólise anteriores ao estudo. Outros também apresentavam evidências de indicação de outras cirurgias futuras. Não foram verificadas possíveis necessidades de re-incidência cirúrgica. A neurólise dupla é uma rotina estabelecida pela equipe cirúrgica da FUAMAM. A fundamentação para tal prática se baseia no fato de que, como podemos observar pelas nossas avaliações, os pacientes sempre desenvolvem danos neurais em mais de um nervo do mesmo segmento mais cedo ou mais tarde Todos os pacientes apresentaram danos no nervo ulnar associados ao nervo mediano ou danos no nervo tibial posterior associados ao nervo fibular comum, mesmo que um dos segmentos apresentasse maiores evidências de comprometimento que o outro. A maioria dos pacientes pertencia ao sexo masculino, correspondendo a 85% dos casos. Quando observamos a faixa etária, verificamos que a grande maioria (70,3%) está entre os 20 e 40 anos de idade, ou seja, pertencem a um grupo economicamente ativo e que representa força produtiva. Em relação à forma clínica, verificamos que as multibacilares eram mais freqüentemente indicadas para cirurgia, tanto nos pacientes em tratamento clínico como nos que já haviam recebido alta por cura. Os dados relativos aos tipos de estados reacionais apresentados pelos pacientes operados não nos mostra evidências de que exista uma predominância de indicações de neurólise para qualquer um deles. Tanto pacientes com reações tipo I como pacientes com reações tipo II apresentaram números próximos de indicação 72 cirúrgica. Também não foram encontradas evidências de que um tipo de estado reacional responde melhor à neurólise. Não registramos casos de neurite pura, ou seja, danos neurais pelo M. leprae sem lesões cutâneas. Os principais nervos acometidos foram, em ordem decrescente, o fibular comum e tibial posterio, seguidos do ulnar e mediano. Não foram realizadas neurólises no nervo radial, pois não houve indicações. A cirurgia, no período de um mês, não foi eficaz para promover melhora no grau de incapacidade, pois na avaliação pós-cirúrgica todos os pacientes apresentaram o mesmo grau evidenciado no pré-operarório, embora tenha havido melhora sensitiva e motora. A dor foi relatada como a principal queixa pelos pacientes, ou seja, o principal motivo que levou essas pessoas a se submeterem a neurólise. Este sintoma foi relatado por todos os pacientes, sendo que 55% deles atribuíam à dor que sentiam o fator de maior incômodo ocasionado pela doença, sendo também uma causa importante de incapacidade. Em relação à força muscular, pelo menos no período de acompanhamento, a cirurgia não se mostrou eficaz para a melhora dos déficits motores. A disfunção motora não apresentou recuperações. Os testes de sensibilidade mostraram melhora em 34% dos pacientes em pelo menos uma das cirurgias realizadas. Por entendermos que a hanseníase e suas complicações ainda permanecerão requerendo atenção especial como problema de saúde pública, as atenções para as medidas de prevenção de incapacidades precisam crescer ainda mais. Faz-se necessário facilitar o acesso dos pacientes aos serviços de recuperação funcional e envolver, por meio de capacitações, os profissionais da rede básica de saúde nas ações de prevenção de incapacidades físicas. 7.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIENFAIT, M. As bases da fisiologia da terapia manual, São Paulo: Summus, 2000. BRASIL, Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, resolução 189, 1998. 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Membros Superiores 1.˚ ___/___/___ 2.˚ ___/___/___ 3.˚ ___/___/___ D D D Queixa Principal Palpação de Nervos E E E Ulnar Mediano Radial Legenda: N= normal NERVO Radial Mediano Ulnar E= espessado D= dor (Usar a Escala Visual de Dor, identificar como leve, moderada ou intensa). AVALIAÇÃO DE FORÇA (GRAU) DESCRIÇÃO Movimento: extensão do carpo Músculos: extensor radial longo e curto do carpo Raiz: C5; C6; C7 e C8. Movimento: flexão do carpo Músculo: palmar longo Raiz: C7 e C8. Movimento: abdução do polegar Músculo: abdutor curto do polegar Raiz: C6, C7, C8 e T1. Movimento: oponência do polegar ao dedo mínimo Músculo: oponente do polegar Raiz: C6, C7, C8 e T1. Movimento: abdução do dedo mínimo Músculo: abdutor do dedo mínimo Raiz: C8 e T1. Movimento: abdução do indicador Músculo: primeiro interósseo dorsal Raiz: C8 e T1. 1.˚ ___/___/___ D E 2.˚ ___/___/___ D E 3.˚ ___/___/___ D E Legenda: Grau 5 – Forte (normal), Grau 4 – Resistência parcial, Grau 3 – Movimento contra a gravidade, Grau 2 – Movimento sem resistência da gravidade, Grau 1 – Esboço de contração, Grau 0 – Ausência de contração (Paralisia). INSPEÇÃO E AVALIAÇÃO SENSITIVA 1.˚ ___/___/___ 2.˚ ___/___/___ D E D E vi 3.˚ ___/___/___ D E vii Legenda: Monofilamentos / R= Garra Rígida M= Garra Móvel Reabsorção Ø Ferimento ≡ Membros Inferiores Nervo: ______________________________________________________ Cirurgia em: _____/_____/_____ Paciente: _____________________________________ Sexo: M F Data Nascimento ___ / ___ / ___ N. Registro _________ FORMA CLÍNICA: I TT BT BB BV VV Legenda: I- Indeterminada, TT- Tuberculóide, BT- Dimorfa tuberculóide, BB- Dimorfa dimorfa, BV- Dimorfa virchowiana, VVVirchowiana. ESTADO REACIONAL: Tipo I Tipo II Legenda: Reação Tipo I – Reação reversa, Reação Tipo II- Reação tipo eritema nodoso. NEURITE: Legenda: NI= Neurite Irritativa NDPa= Neurite Deficitária Parcial NDPe= Neurite Deficitária Permanente. Marcar com “X”. 1.˚ ___/___/___ D E AVALIAÇÃO DE FORÇA (GRAU) NERVO DESCRIÇÃO Fiblular Comum Músculo: extensor longo do hálux Movimento: flexão dorsal do hálux Raiz: L4 e S1. Músculo: tibial anterior Movimento: flexão dorsal do pé Raiz: L4 e S1. Músculo: fibular longo Movimento: eversão do pé Raiz: L4 e S1. Tibial Posterior Músculo: flexor longo do hálux Movimento: flexão plantar do hálux Raiz: L5 e S2. Músculo: tibial posterior Movimento: inversão do pé Raiz: L5 e S1. Músculo: tríceps sural Movimento: flexão plantar do pé Raiz: S1 e S2. 2.˚ ___/___/___ D E 3.˚ ___/___/___ D E Legenda: Grau 5 – Forte (normal), Grau 4 – Resistência parcial, Grau 3 – Movimento contra a gravidade, Grau 2 – Movimento sem resistência da gravidade, Grau 1 – Esboço de contração, Grau 0 – Ausência de contração (Paralisia). INSPEÇÃO E AVALIAÇÃO SENSITIVA 1.˚ ___/___/___ 2.˚ ___/___/___ D E D E vii 3.˚ ___/___/___ D E viii Legenda: Monifilamentos / R= Garra Rígida M= Garra Móvel Reabsorção Ø Ferimento ≡ ANEXO II – CLASSIFICAÇÃO DO GRAU DE INCAPACIDADE PADRÃO OMS CLASSIFICAÇÃO DO GRAU DE INCAPACIDADE (OMS) Avalie e gradue cada membro separadamente com relação às incapacidades indicando na coluna correspondeste à presença ou ausência dos sinais e sintomas: X – Presente Ø – Ausente Graus Olhos 1.ª 2.ª Mão 1.ª 2.ª Pé 1.ª 2.ª Aval. Aval. Aval. Aval. Aval. Aval. Sinais e Sintomas D E D E Sinais e D E D E Sinais e Sintomas D E D E Sintomas Nenhum problema com os Nenhum problema Nenhum problema com 0 olhos devido a hanseníase 1 Diminuição ou perda da sensibilidade 2 Lagoftalmo e/ou ectrópio Triquíase Opacidade corneana central Acuidade visual menor que 0,1 ou não conta dedos a 6m Maior Grau Atribuído NA com as mãos devido a hanseníase Diminuição ou perda da sensibilidade Lesões tróficas e/ou lesões traumáticas Garras Reabsorção os pés devido a hanseníase Mão caída Pé caído Diminuição ou perda da sensibilidade Lesões tróficas e/ou lesões traumáticas Garras Reabsorção Contratura do tornozelo 1.ª Avaliação: 0 1 viii 2 NA 2.ª Avaliação: 0 1 2 ix ANEXO III – QUESTIONÁRIO SEMI-ESTRUTURADO Primeira Avaliação ___/___/___ Última Avaliação ___/___/___ 01. Cirurgia de Neurólise: Não-indicada Indicada Data da Cirurgia ___/___/______. Tipo de Cirurgia: Epineurotomia Simples Epineurectomia Neurólise intrafascicular Não-realizada. Motivo ___________________________________ 02. Realizando Poliquimioterapia Sim, há quanto tempo? ____ meses. Não 03. Realizando Fisioterapia: Sim Na Unidade do Alfredo da Matta 01. Continua realizando poliquimioterapia Sim. Há quanto tempo? ____ meses. Não. Por que interrompeu? __________________________________________ 02. Continua realizando Fisioterapia: Sim Na Unidade do Alfredo da Matta Em outra unidade: Qual Unidade_____________________ Motivo _________________________ Nível de satisfação com o tratamento: Bom Regular Insuficiente Não. Por que interrompeu? __________________________________________. 03. Ainda sente dificuldades para ter acesso ao tratamento fisioterapêutico. Sim. Qual? ______________________________ Não 04. Continua seguindo as orientações para prevenção de incapacidades Sim Não. Qual o motivo? __________________________________________. Em outra unidade: Qual Unidade?____________________ Motivo _________________________ Não, Qual motivo? ______________________ 04. Sente dificuldades para ter acesso ao tratamento fisioterapêutico Sim, qual a principal dificuldade? ________________________________________ Não 05. Segue as orientações para prevenção de incapacidades Sim Não. Qual o motivo? _________________________________________. ix x ANEXO IV – PROTOCOLO: TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO PÓSCIRÚRGICO, SEGUNDO AS ORIENTAÇÕES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. PESQUISADOR: Rauirys Alencar de Oliveira O programa de recuperação funcional após neurólise deve contemplar todas as estruturas anatômicas que sofrem repercussões do processo inflamatório no nervo em questão. A importância da terapia física após neurólise é: • Controlar a dor, o edema e o espasmo muscular. • Manter a integridade e a mobilidade de tecidos moles e articulares. • Manter ou melhorar a força muscular. • Manter ou melhorar a independência funcional nas atividades da vida diária e prática. IMOBILIZAÇÃO A imobilização em tala ou gesso circular após neurólise é necessária para auxiliar a reduzir o processo inflamatório e proteger o nervo. No Quadro 1, estão referidos os posicionamentos indicados após a neurólise do ulnar, mediano, fibular comum e tibial. Quadro 1 - Ângulos articulares nas imobilizações após neurólise do ulnar, mediano, fibular comum e tibial. Nervos Ulnar Mediano Fibular comum Tibial Segmentos Anatômicos Cotovelo Posicionamentos Ângulos Extensão 110˚ a 120˚ Antebraço (prono/supino) Neutro 0˚ Punho Neutro 0˚ Dedos Livres Punho Neutro Cotovelo e dedos Livres Joelho Flexão 20˚ a 30˚ Pé Neutro 0˚ Joelho Livre Tornozelo Neutro 0˚ Pé Inversão 10˚ a 20˚ x 0˚ xi (Anexo IV cont.) CINESIOTERAPIA E OUTROS MÉTODOS O momento de iniciar os exercícios na articulação diretamente relacionada ao nervo acometido deve ser planejado com o clínico e/ou o cirurgião. Genericamente, no dia seguinte à cirurgia é possível iniciar as ações de reabilitação, conforme indicado nos Quadros 2 e 3. As indicações para o início e a dosagem de exercícios devem ser baseadas na intensidade da resposta inflamatória e da dor, conforme indicado nos Quadros 2 e 3. Os esforços para recuperar as amplitudes de movimento articular e a força muscular devem ser implementados gradualmente. Se houver aumento da inflamação e/ou da dor, recomenda-se investigar as possibilidades de indicar a mobilização e a dosagem adequada. Quadro 2 - Programa de tratamento nas cirurgias de neurólise na primeira semana pós-operatória Principais Metas de Plano de Métodos ocorrências tratamento tratamento Inflamação, dor, edema e espasmo muscular. Controlar a inflamação, dor, edema e espasmo muscular. Imobilização. Exercícios. Elevação do membro superior e/ou inferior. MMSS: Repouso em tala com tipóia. MMII: Repouso em tala. Obs: Se houver quebra do material ou posicionamento incorreto, discutir com o cirurgião quanto à necessidade de confeccionar nova tala (Quadro 1). Exercícios de drenagem venosa. Elevação do membro superior e/ ou inferior. Redução da amplitude de movimento articular e da força muscular. Manter ou aumentar a amplitude de movimento articular e a força muscular. Exercícios. Exercícios isométricos para os músculos dos segmentos imobilizados. Exercícios para os músculos das áreas associadas (ombro, dedos da mão e do pé, etc.), compatíveis com as possibilidades e necessidades, considerando as conseqüências secundárias da neuropatia e da cirurgia. Nota: Não retirar a tala. Limitação no uso funcional de áreas associadas. Manter ou melhorar a independência funcional nas atividades da vida diária (domésticas, lazer, trabalho, etc). Práticas de atividades da vida diária. Praticar as atividades de acordo com as possibilidades e necessidades do paciente (exemplo: o uso de muletas, uso do membro superior operado como auxílio). xi xii (Anexo IV cont.) Quadro 3 - Programa de tratamento nas cirurgias de neurólise após a primeira semana pós-operatória. Principais ocorrências Contraturas e fraqueza muscular em desenvolvimento. Metas de tratamento Aumentar progressivamente a mobilidade dos tecidos moles, músculos e articulações. Aumentar a força muscular. Plano de tratamento Exercícios para o segmento operado. Exercícios para os segmentos secundariamente envolvidos. Cicatriz. Diminuição do uso funcional de áreas associadas. Aumentar a mobilidade da cicatriz. Massagem. Controlar a hipertrofia da cicatriz. Compressão. Manter ou melhorar a independência funcional nas atividades da vida diária (domésticas, de lazer, trabalho, etc.). Práticas de atividade da vida diária. xii Métodos MMSS 7˚ dia em diante MMII: 7˚ ao 9˚ dia Manter o uso da tala dia e noite, retirando-a apenas para os exercícios. Progredir gradualmente com exercícios passivos, ativo-assistidos e ativos livres, respeitando o limite da dor. Utilizar técnicas específicas para redução de contraturas, quando presentes. Alongamento passivo cuidadoso. MMII: 10˚ dia em diante Iniciar ortostatismo e progredir com marcha com apoio (muletas, barras paralelas). MMII: 15˚ dia em diante Iniciar marcha livre. Exercícios passivos, ativo-assistidos, ativos livres ou resistidos, progressivos, compatíveis com as possibilidades e necessidades, considerando as conseqüências da lesão primária. Após a retirada dos pontos (10˚ dia) Massagem leve, próximo à cicatriz, para melhorar a circulação, manter a mobilidade do tecido conjuntivo, auxiliar o fluxo linfático, diminuir edema e dor. Aplicar espuma ou borracha macia sobre a cicatriz cirúrgica, proporcionando compressão contínua suave. Iniciar o uso do membro superior e/ou inferior operado nas atividades da vida diária e prática, evitando movimentos repetitivos e posições de flexão extrema por períodos prolongados. Modificar e/ou adaptar a forma de executar xiii atividades que resultem em dor no nervo acometido. ANEXO V – ESCALA ANALÓGICA VISUAL DE DOR Dor leve Dor moderada Dor intensa ANEXO VI – TESTE DE FORÇA MUSCULAR GRAU DE FORÇA MUSCULAR 5 4 3 2 1 0 OBSERVAÇÃO CLÍNICA Amplitude de movimento completo contra a gravidade e resistência máxima Amplitude de movimento completa contra a gravidade e resistência manual moderada Amplitude de movimento completa contra gravidade Amplitude de movimento incompleta Evidência de contração muscular, sem movimento articular Sem evidência de contração muscular xiii CONDIÇÃO FUNCIONAL Normal Paresia Paresia Paresia Paresia Paralisia xiv ANEXO VII – AVALIAÇÃO PELOS ESTESIÔMETROS DE SIEMMES-WAINSTEIN. Legenda Verde Azul ● ● violeta ● Vermelho (fechado) ● Vermelho (marcar com X) Vermelho (circular) Preto Cada filamento corresponde a um nível funcional representado por uma cor 0,05g – sensibilidade normal na mão e no pé 0,2g – sensibilidade diminuída na mão e normal no pé – dificuldade para discriminar textura (tato leve) 2,0g – sensibilidade protetora diminuída na mão – incapacidade de discriminar textura – dificuldade para discriminar formas e temperatura 4,0g – perda da sensibilidade protetora da mão e às vezes do pé – perda da discriminação de textura – incapacidade de discriminar formas e temperatura 10g – perda da sensibilidade protetora no pé – perda da discriminação de textura – incapacidade de discriminar formas e temperatura 300g – permanece apenas a sensação de pressão profunda na mão e no pé -sem resposta. Perda da sensação de pressão profunda na mão e no pé. xiv xv ANEXO VIII - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (Uma cópia deste documento deverá ser guardada pelo sujeito da pesquisa) Eu, ______________________________________________________ RG ______________________________ , domiciliado nesta cidade no endereço _____________________________________________________ declaro que, de livre e espontânea vontade, aceito participar do estudo: AVALIAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NO PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO DE NEURÓLISE EM PACIENTES HANSÊNICOS COM DANO NEURAL, Autorizo o uso de informações obtidas na minha participação somente para estudo e que se guarde sempre o sigilo absoluto sobre minha pessoa. Declaro que me foi explicado que as informações que fornecerei ajudarão no melhor conhecimento da minha doença. Foi-me informado também que a minha participação será apenas em realizar avaliações de rotina com o Fisioterapeuta, as quais não trazem nenhum tipo de desconforto ou risco à minha saúde. Essas avaliações procuram esclarecer melhor os benefícios do tratamento de fisioterapia e da cirurgia para esta doença. Os participantes deste estudo são voluntários e escolhidos entre os pacientes da Fundação que realizam tratamento para o mesmo problema. Sei que posso negar a participação neste estudo, como também me retirar do mesmo a qualquer momento que desejar, sem que com isso nem eu nem minha família venhamos a sofrer qualquer tipo de prejuízo no meu tratamento. Embora eu saiba que os riscos de minha participação na pesquisa são mínimos, também fui informado que se, eventualmente, minha saúde vier a sofrer danos em decorrência da pesquisa, terei o apoio, inclusive indenizatório, do responsável pela pesquisa. Minha participação é inteiramente voluntária e não receberei qualquer quantia em dinheiro ou outra espécie. Também sei que, em caso de dúvida, posso procurar informação ou ajuda com o responsável pelo estudo, o pesquisador RAUIRYS ALENCAR DE OLIVEIRA, na Fundação Alfredo da Matta, Rua Codajás, N°. 24, Cachoeirinha, no turno da manhã, durante o período em que o estudo está sendo desenvolvido. ________________________ ____________ Assinatura do Paciente Data __________________________ Nome _________________________ __________________________ ____________ Assinatura do Pesquisador Nome Data Este formulário foi lido _____________________________________________ xv para (nome do xvi paciente) em __/__/___ pelo pesquisador Rauirys Alencar de Oliveira, enquanto eu estava presente. _____________________ _______________________________ ____________ Assinatura da Testemunha Nome Data xvi