Relato de Caso Tireóide lingual Fabiano José Bedin da Costa1 Michelle Manzini2 Christian Deon2 Liliam Dalla Corte2 Luciana Boff de Abreu2 Lingual thyroid RESUMO A tireóide lingual é uma doença rara, definida como presença de tecido glandular tireóideo localizado ectopicamente em base de língua. Deve ser suspeitada em paciente que apresente massa de aspecto submucoso em base de língua, sem tireóide identificada no pescoço. Apresenta-se o relato do caso de uma paciente de 45 anos, discutindo-se as características clínicas, diagnóstico e opções terapêuticas. ABSTRACT Lingual thyroid is a rare disease, defined as the presence of ectopic glandular thyroid tissue localized in the base of tongue. It must be suspected in a patient who presents a mass of submucous aspect in the base of tongue without the thyroid gland identifiable in the neck. It is presented a case report of a 45-year-old woman patient discussing the clinical aspects, diagnose and therapeutic options. Key words: Lingual Thyroid. Thyroid Gland. Descritores: Tireóide Lingual. Glândula Tireóide. INTRODUÇÃO A tireóide lingual é definida como tecido glandular tireóideo ectópico localizado na linha média da base da língua1. Noventa por cento dos casos de ectopia da tiróide apresentam sua localização na língua2. Dois terços desses pacientes não possuem tecido tireóideo cervical. Sua patogênese não está esclarecida, contudo, foi postulado que anticorpos antitireoidianos maternos dificultariam a descida da glândula tiróide durante a embriogênese3. A incidência varia de 1: 100.0001 a 1: 3.000 pessoas2, com predominância no gênero feminino entre 3:1 a 7:11,2. Apresenta dois picos etários de maior incidência: o primeiro por volta dos 12 anos e, depois, aos 50 anos de idade. Todavia, a incidência varia de 6 a 74 anos3. direito, na base da língua e do lobo esquerdo que se encontrava na bainha jugulo-carotídea nível 3, não havendo comunicação entre ambos (Figura 2). O laudo do anátomo-patológico revelou bócio nodular hiperplásico ectópico em associação com tireoidite linfocítica e o tecido lateral ectópico não se mostrou como doença neoplásica metastática. A paciente foi mantida em reposição hormonal, evoluindo satisfatoriamente. RELATO DE CASO Paciente feminina, de 45 anos, foi encaminhada para avaliação de tumor em base de língua após tentativa frustrada de biópsia. À oroscopia, visibilizou-se tumefação de linha média da base da língua, de aspecto submucoso, medindo cerca de 3cm. À palpação cervical, não foi encontrada tireóide tópica levantando a suspeita de tireóide lingual. Foram solicitadas cintilografia de tireóide – a qual evidenciou bócio ectópico (Figura 1) com captação lingual de linha média e um raro achado de captação cervical lateral – e provas de função tireóidea (TSH e T4 livre), que foram normais. Iniciou-se supressão com levotiroxina na tentativa de redução do volume glandular para posterior planejamento cirúrgico. A paciente foi reavaliada após quatro meses de tratamento, havendo pouca redução do bócio com melhora parcial dos sintomas. Cinco meses depois, a paciente foi submetida à tireoidectomia total com cervicotomia transversa supra-hióidea e remoção do lobo Figura 1 – Cintilografia de tireóide: captação mostrando ectopia glandular. 1) Cirurgião de Cabeça e Pescoço da Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul/RS, Brasil. 2) Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul/RS, Brasil. Instituição: Departamento de Clínica Cirúrgica do Ambulatório Central de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil. Correspondência: Christian Deon, Rua Caetano Belincanta, 763 – 95034-300 Caxias do Sul, RS. E-mail: [email protected] Recebido em: 30/11/2007; aceito para publicação em: 05/11/2008; publicado online em: 10/05/2009. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 116 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 2, p. 116 - 117, abril / maio / junho 2009 Figura 2 – Imagem trans-operatória, mostrando o lobo esquerdo da tireóide. DISCUSSÃO A tireóide ectópica desenvolve-se devido a não migração total ou incompleta do tecido tireóideo durante a embriogênese, podendo estar localizada em qualquer ponto entre o forâmen cego e a região caudal do pescoço. Existem relatos de tecido tireóideo ectópico intracardíaco, em orofaringe, esôfago, pericárdio, mediastino e diafragma1. Os pacientes podem ser eutireóideos, hipotireóideos ou, com menor frequência, hipertireóideos. Além da ectopia existe uma outra alteração tão rara quanto, que é a malformação da glândula tireóide, ocorrendo ausência de uma ou mais unidades (lobos ou istmo). O tecido ectópico lateral e junto à bainha jugulocarotídea mais frequentemente está associado a tecido metastático em linfonodo de uma neoplasia diferenciada da tireóide. O quadro clínico do tecido ectópico consiste em alterações ocasionadas pelo aumento glandular com obstrução de vias aéreas ou angústia respiratória em crianças, sendo o estridor mais comum em neonatos1, disfagia, hemoptise, tosse, dor, disfonia, dispnéia e, até mesmo, apnéia do sono em adultos. Esses sintomas dependem diretamente da localização do tecido ectópico. O paciente pode também apresentar sintomas relacionados à disfunção glandular como o hipotireoidismo e raramente o hipertireoidismo. À oroscopia, observa-se uma massa rosada elevada na base da língua. Deve ser feita a avaliação endoscópica das vias aéreas superiores a fim de determinar o tamanho da glândula e a existência de ulceração ou hemorragia, além de avaliar laringe e hipofaringe. A palpação cervical deve ser realizada a fim de saber se a glândula está em posição tópica. Solicitam-se provas de função da tireóide, contudo, geralmente se mostram normais. A cintilografia com tecnécio é o teste para confirmação Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 2, p. 116 - 117, abril / maio / junho 2009 diagnóstica e também serve para a diferenciação com cisto tireoglosso, ao mostrar atividade do radionuclídeo na base da língua. A tomografia computadorizada pode ser utilizada para demonstrar o tamanho da tireóide na base da língua, o envolvimento da musculatura cervical e, até mesmo, a ausência de tecido tireóideo no pescoço. O exame histopatológico confirma o diagnóstico2. A escassez de dados na literatura não permite concluir por um método terapêutico3. A supressão da tireotrofina com o uso de levotiroxina está indicada em pacientes sintomáticos ou para aqueles assintomáticos a fim de prevenir o hipotireoidismo, que poderá ser desenvolvido posteriormente, uma vez que a glândula ectópica pode não produzir hormônios em quantidades fisiológicas adequadas3. A cirurgia deve ser considerada para pacientes com obstrução ou hemorragia provocadas pela glândula ectópica, para pacientes que não respondem bem ao tratamento clínico, ou quando houver suspeita de malignidade. Como abordagens cirúrgicas estão o acesso supra-hióideo ou o acesso cervical combinado com o intra-oral. A combinação de técnicas expõe melhor a lesão e facilita a abordagem. Caso o paciente não apresente tecido tireóideo em outro local do corpo, a tireóide lingual pode ser retirada e implantada nos músculos do pescoço2. Outra opção de tratamento é o uso de laser de CO2, usado por endoscopia4. REFERÊNCIAS 1. Tincani AJ, Martins AS, Del Negro A, Araújo PPC, Barreto G. Lingual thyroid causing dysphonia: evaluation and management. Case report. São Paulo Med J. 2004;122(2):67-9. 2. Anand SS, Sood V, Kumar PG, Suryanarayana KM, Kotwal N. Lingual thyroid. MJAFI. 2006;62(2):184-5. 3. Kumar V, Nagendhar Y, Prakash B, Chattopadhyay A, Vepakomma D. Lingual thyroid gland: clinical evaluation and management. Indian J Pediatr. 2004;71(12):e62-4. 4. Hafidh MA, Sheahan P, Khan NA, Colreavy M, Timon C. Role of CO2 laser in the management of obstructive ectopic lingual thyroids. J Laryngol Otol. 2004;118(10):807-9. 117