História da Educação AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Bem vindo(a)! Olá, alunas e alunos! Este material, sobre a História da Educação, está dividido em quatro unidades. A primeira unidade intitulada História da Educação: conceitos e fatores, terá como proposta a compreensão de qual é a gênese da educação, como ela surge e de que maneira está arraigada às tradições dos grupos humanos, sejam primitivos ou atuais. Prosseguiremos resgatando as primeiras formas de educação e a sua sistematização nas primeiras civilizações ocidentais e orientais, até a contemporaneidade. Nesta unidade, cujo título é História da Educação: da Antiguidade à Contemporaneidade, compreenderemos como o processo de sistematização leva à criação da instituição escola, muitas vezes confundida com o ato de educar. Descobriremos também qual a importância e o papel da escola e os diversos tipos de educação nestas sociedades, bem como o que herdamos, direta ou indiretamente, delas. É nessa fase histórica que as paidéias, no plural, surgem e se fortalecem como pedagogias orientadoras dos modelos educacionais. Ainda na unidade II, abordaremos a educação em diferentes períodos do Império Romano até o declínio dessa sociedade e o fortalecimento do cristianismo e de uma proposta de educação que se afasta do humanismo proposto pelos romanos. Com o fenômeno histórico da queda do Império Romano e o início do período Medieval, surgem novos personagens sociais, a ascensão da Igreja Católica e a formulação da educação pela fé. A partir dessa nova sociedade, a re exão terá como orientação o modelo católico educacional, cujas propostas sofreram mudanças ao longo do milênio em que o mundo medieval se organizou e se desarticulou. Os tópicos relativos à educação no Renascimento e na Modernidade buscam demonstrar como o processo de transformação na educação decorrida das novas ideias gestadas nesses períodos in uenciaram os séculos e movimentos posteriores, como o Iluminismo, por exemplo. É a partir da Modernidade que veremos como se construíram os novos modelos educacionais em uma sociedade anteriormente agrária, confessional, para uma civilização urbana, industrializada e na busca da laicidade do ensino do século XIX. Nesse período, surgem pedagogias mais expressivas, como a de Augusto Comte, Maria Montessori, John Dewey dentre outros. Foi durante o processo de laicização da sociedade que a rede de escolas públicas se ampliou em muitos países, com o interesse em educar a sociedade, desde a mais tenra idade, para o mundo do trabalho industrializado e tecnológico. Por isso, à pedagogia somam-se estudos psicológicos como forma de melhor compreender os indivíduos e melhorar a produção. Na terceira unidade, denominada Atualismo pedagógico e Nova Escola, serão estudados três modelos educacionais especí cos do início do século XX, assim como também abordaremos a história da educação no Brasil. Os modelos educacionais estudados são o proposto pelo italiano Gentile, que pode ser compreendido como uma proposta de educação totalitária, seguido pela educação marxista com ênfase em três modelos especí cos e que vigoraram sobretudo na extinta União Soviética e, por m, o modelo democrático proposto por John Dewey. São, portanto, três modelos educacionais que buscam atender aos programas políticos e aos modelos de indivíduos ou cidadãos desejados pelos governos estabelecidos. Ainda neste tópico apresentaremos um breve histórico da educação no Brasil, que tem sua origem na Contrarreforma ocorrida na Europa, passando pela chegada dos europeus às Américas e a primeira fase da ocupação portuguesa. A partir desse evento faremos uma re exão concisa dos principais momentos da construção do saber nacional. Por m, encerraremos o tópico apresentando os fatos importantes, a saber, em todo o processo da formação educacional no Brasil, com o intuito de orientar o (a) aluno (a) para futuras pesquisas neste tema. No quarto e último tópico – Diretrizes e políticas –, a discussão recai sobre as políticas educacionais que norteiam a educação no Brasil nos dias atuais. Serão analisados, para isso, três documentos, em especial: as Diretrizes Curriculares Nacionais, o Plano Nacional de Educação e a Base Nacional Comum Curricular. Tais documentos norteadores são apenas uma parte das políticas educacionais brasileiras adotadas, sobretudo pós processo de redemocratização da sociedade, e devem ser lidos em conjunto com a legislação educacional e a Constituição Federal de 1988, assim como também com as diretrizes elaboradas por Estados e Municípios, que, junto com a União, são os responsáveis pela educação no Brasil. Sabemos que essas poucas páginas não esgotam o tema sobre a História da Educação no Brasil ou no mundo e seria ousado acreditar que isso é possível. Por isso, além de desejarmos a você bons estudos, desejamos ainda que esta obra colabore para sua formação e que seja o ponto de partida para novas contribuições e discussões na educação. Abraço terno, Marcia Regina de Oliveira Lupion Sumário Essa disciplina é composta por 4 unidades, antes de prosseguir é necessário que você leia a apresentação e assista ao vídeo de boas vindas. Ao termino da quarta da unidade, assista ao vídeo de considerações nais. Unidade 1 Unidade 2 Unidade 3 Unidade 4 História educação: conceitos fatores História da Educação da Antiguidade à Contemporaneida Atualismo pedagógico e a Nova Escola Diretrizes Políticas da e e Unidade 1 História da educação: conceitos e fatores AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Introdução Caríssimo(a) estudante, o objetivo desta unidade é apresentar e discutir como se desenvolveu o conhecimento por meio do processo educativo pautado pela organização sociocultural dos agrupamentos humanos ao longo da história. Portanto, a educação será apresentada como uma construção social que se renova e se fortalece quando saberes são adquiridos, transformados ou superados. Intenta-se, ainda, demonstrar as singularidades das pedagogias produzidas nas diferentes sociedades e tempos históricos, como forma de compreender a relação entre educação e complexidade. Iniciaremos estudando o signi cado do conceito de educação, geralmente confundido com a instituição “escola”. A questão educação deve ser compreendida por meio de sua gênese, do processo de humanização do homem, de sua capacidade de cognição que foi, ao longo do tempo e do espaço, transformando esses saberes em conhecimento adquirido que se con gura na educação primitiva de caráter difuso. Adquiridos cotidianamente, tais conhecimentos capacitaram os seres humanos na compreensão e na interpretação do mundo, que passou a ser concebido por meio de signi cações e ressigni cações dadas por eles próprios e, também, por sua capacidade de reprodução pela comunicação junto ao grupo, possibilitando sua disseminação e perpetuação. Com o domínio da agricultura e dos animais, a complexidade gerada trouxe novas formas de organizações sociais que, por sua vez, levaram certos grupos a um processo de institucionalização e divisão interna conhecida por hierarquia. Com ela, o processo de aprendizagem adquire novos sentidos que irão se con gurar em sistemas de ensino com objetivos claros e especí cos. É o momento em que a educação se institucionaliza, tornando-se ferramenta de manutenção da organização social, bem como de legitimação do poder vigente, do tradicionalismo, não como memória somente, mas como elemento de perpetuação da dominação de alguns grupos sobre outros. Plano de Estudo Gênese da educação. Origens e desenvolvimento nos diferentes momentos históricos. Objetivos de Aprendizagem Estudar o conceito de educação. Compreender a educação como uma construção social e complexa. Analisar as singularidades das pedagogias em diferentes momentos históricos. Estudar a gênese e as transformações da educação no período Neolítico. A Gênese educacional AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Buscar por uma data ou evento especí co que se con gure como a gênese da educação é adentrar num campo perigoso cuja única certeza é a de que não é possível estabelecer tal ou tais eventos. Entretanto, é convenção entre os historiadores da educação que, desde o instante em que os primeiros grupos humanos passaram a construir uma cultura, ou seja, em que saberes, fazeres e formas de pensar passaram a ser criados, reproduzidos e modi cados, iniciou-se processos de aprendizagens diversos e informais con gurando-se no “modelo” educacional primitivo baseado na imitação e na disseminação difusa ocorrida entre os primeiros hominídeos. Figura 01: Pinturas rupestres, região de Tadrart Acacus, Líbia, 12.000 a.C a 100 d.C Fonte: @Luca Galuzzi em wikimedia Antes, porém, de estudarmos o modelo primitivo de educação, veremos o signi cado do termo educação. O Conceito de Educação De um modo geral, sempre que ouvimos o termo “educação” costumamos reduzi-lo a um período que, normalmente, ca situado entre os anos de estudo vividos por uma determinada pessoa. Portanto, é claro que sempre relacionamos educação com estudo em um processo sistematizado. A educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados, estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas estes não são absolutos. A ação educativa implica um conceito de homem e de mundo concomitantes, é preciso não apenas estar no mundo e sim estar aberto ao mundo. Captar e compreender as nalidades deste a m de transformá-lo, responder não só aos estímulos e sim aos desa os que este nos propõe. Não posso querer transmitir conhecimento, pois este já existe, posso orientar tal indivíduo a buscar esse conhecimento existente, estimular a descobrir suas a nidades em determinadas áreas (FREIRE, 1986, p. 46). Conforme descrito acima, podemos compreender que a educação não está limitada ao espaço físico que denominamos escola, sala de aula etc. Os estudos acadêmicos fazem parte do processo educacional do homem de forma que seria errôneo associar educação às diferentes etapas de estudo. O processo de ensino e aprendizagem faz parte de uma dinâmica que precisa ser buscada e vivida durante toda a existência humana. A educação engloba os processos de ensinar e aprender, de ajuste, adaptação e de socialização. É um fenômeno observado em qualquer sociedade e nos grupos constitutivos destas; responsável pela sua manutenção e perpetuação às gerações que se seguem, dos modos culturais de ser, estar e agir necessários à convivência e ao ajustamento de um membro no seu grupo ou sociedade. Enquanto processo de socialização, a educação é exercida nos diversos espaços de convívio social, seja para a adequação do indivíduo à sociedade, do indivíduo ao grupo ou dos grupos à sociedade. A prática educativa formal (observada em instituições especí cas) se dá de forma intencional e com objetivos determinados, como no caso das escolas quando pode ser de nida como Educação Escolar. Já no caso especí co da educação exercida para a utilização dos recursos técnicos e tecnológicos e dos instrumentos e ferramentas de uma determinada comunidade, dá-se o nome de Educação Tecnológica. Para além desses modelos, atualmente con gura-se um modelo educacional que busca juntar saberes, ou seja, o fazer e o pensar devem estar alinhados para que a formação seja completa. O conceito de Noosfera, como utilizado por Chevallard (2000), trata de espaço no qual as ideias produzem e são produtoras de saberes com interação com a cultura, colocando a educação na atualidade como uma das áreas essenciais para a formação do indivíduo de ns do século XX e início do XXI para uma vida complexa. Em última análise, educação é passar de uma mentalidade ou de um senso comum a uma consciência. Signi ca sair de uma concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista, para assumir uma concepção unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional, ativa e cultivada, como de ne Libâneo (1990, p. 62): o ato pedagógico pode, então, ser de nido como uma atividade sistemática de interação entre seres sociais, tanto no nível do intrapessoal como no nível da in uência do meio, interação essa que se con gura numa ação exercida sobre sujeitos ou grupos sujeitos visando provocar neles mudanças tão e cazes que os tornem elementos ativos desta própria ação exercida. Sendo assim, só podemos compreender a educação por meio do contexto históricosocial concreto e da cultura existente, quando a prática social se coloca como ponto de partida, mas, também, como ponto de chegada da ação educacional. Portanto, a educação tem intencionalidades geradas pelo processo de necessidades dos setores a serem atendidos. Estes, por sua vez, determinam dentro dos meios sociais especí cos, de nindo e explicitando, dentro de sua práxis, os ns a serem atingidos no processo. A Gênese Educacional Como visto na conceituação acima, muito antes da criação de instituições de ensino já havia o processo de educação que, de certa forma, permanece em nosso meio social, como a primeira educação. Estamos nos referindo ao papel da família no processo de iniciação da criança como sujeito cultural, uma tarefa que se repete desde os primeiros grupos humanos organizados, instrução inicial esta que faz parte do que chamamos de educação primitiva e que pode ser considerada como a gênese da educação. [...] sob o regime da tribo, a educação tem como característico essencial o de ser difusa; ela é dada por todos os membros do clã, indistintamente. Não há mestres determinados, encarregados especiais da formação da juventude; são todos os anciãos, é o conjunto das gerações anteriores, que desempenha esse papel (DURKHEIM, 1978, p. 61). Figura 2 - Cotidiano de povos primitivos Fonte: MORABAD, Mahantesh C. Esboços de guerreiros a cavalo com espadas nas mãos desenhadas por povos primitivos nas Cavernas Bhimbetka perto de Bhopal, Madhya Pradesh, Índia, Ásia O saber da comunidade, aquilo que todos sabem, o saber próprio dos homens, mulheres, velhos e jovens. Os que sabem, ensinam, orientam, vigiam, demonstram, corrigem, punem, premiam. Os que não sabem observam, imitam, são treinados, corrigidos. Estamos diante da fase anterior ao período Neolítico quando, [...] o Homo Sapiens, que já tem as características atuais: possui linguagem, elabora múltiplas técnicas, educa os seus “ lhotes”, vive da caça, é nômade, é “artista (de uma arte naturalista e animalista), está impregnado de cultura mágica, dotado de cultos e crenças, e vive dentro da “mentalidade primitiva” marcada pela participação mística dos seres e pelo raciocínio concreto, ligado a conceitos-imagens e prélógicos, intuitivo e não-argumentativo (CAMBI, 1999, p. 58, grifos no original). Entre os povos primitivos, as crianças aprendiam por meio do método da imitação. Naquele contexto, a aprendizagem ocorria naturalmente enquanto a criança participava progressivamente das atividades comuns de seu grupo, forma denominada por Aranha (2012) como uma educação difusa, ou seja, o aprendizado se dava a partir da vivência cotidiana e não de forma sistêmica ou esquematizada. Ao crescer, o papel que desempenha na comunidade se torna mais importante e de nido. Nessa fase, a educação consistia em um processo iniciado no interior do núcleo familiar e prosseguia nas atividades desempenhadas pelo grupo social, conforme seu potencial físico e intelectual. O homem atua sobre o meio ativamente e o transforma dentro de sua perspectiva cultural e econômica, obtendo bens materiais necessários para sua sobrevivência ou em outras instâncias superando esta barreira. Para isso, desenvolve instrumentos necessários para a otimização do trabalho e, em cada nova geração que recebe estes instrumentos das gerações anteriores, são modi cados e melhorados. Nesse sentido, de acordo com estudos realizados por arqueólogos, a capacidade humana de produzir cultura teria sido o elemento essencial para o desenvolvimento humano há mais de 100 mil anos antes do presente. Os ossos humanos da foz do rio Klasies e de outros sítios africanos mostram que pessoas anatomicamente semelhantes a nós, o que inclui o tamanho do cérebro, apareceram nesse continente entre 120 e 100 mil anos atrás. Seu comportamento, entretanto, não teria seguido o mesmo ritmo de progresso percebido no aspecto físico. A arqueologia relaciona a expansão geográ ca dos seres humanos moderna à sua capacidade altamente desenvolvida de inventar utensílios, formas sociais e ideias. Isso é, sua habilidade absolutamente atual de produzir cultura (MOREIRA; QUINTEIROS, 2011, p. 18). Nesse sentido, a transformação de instrumentos obedece a uma ordem organizada por uma necessidade de aprimoramento em virtude de alguma superação com um m maior. Ou seja, o trabalho não é uma atividade isolada, mas uma atividade social e à medida que essa sociedade se transforma, junto com ela também, os meios de produção e reprodução. Para Oliveira (2001), o trabalho primitivo era diversi cado, descontínuo e cessava toda vez que se alcançava o objetivo da manutenção da sobrevivência. Uma vez que estas comunidades não produziam ou não obtinham mais do que o necessário, não havia, a produção de excedentes. A humanidade contava com elementos de trabalho muito rudimentares: pau, machado de pedra, faca de pederneira e lança com ponta de pederneira; mais tarde foram inventados o arco e a echa. A alimentação era produto da caça e a colheita de frutos silvestres; posteriormente começa a agricultura na base do trabalho com picareta. A única forma conhecida era o músculo do homem. Com somente este instrumento e armas, o homem tinha sérias di culdades para enfrentar as forças da natureza e fornecer seu alimento; unicamente o trabalho em comum podia garantir a obtenção dos recursos necessários para a sua vida (OLIVEIRA, 2001, p. 31). Os grupos humanos eram nômades e colhiam vegetais ou faziam pequenas caçadas. Somente com a melhoria dos instrumentos de trabalho é que foi possível organizar um sistema de trabalho em que se pudesse melhorar as condições de sobrevivência do grupo. Armadilhas, lanças, facas e outros instrumentos aperfeiçoados, além do desenvolvimento da comunicação, aliada a uma primeira divisão do trabalho, foram determinantes para que estes grupos pudessem conseguir obter mais recursos alimentares, bem como a melhoria das condições de vida. Eiroa (2000) nos informa que, há aproximadamente 8.000 a.C., vários grupos espalhados em regiões do Oriente promoveram mudanças que transformariam profundamente a organização social, inclusive o trabalho. Estou me referindo ao que historiadores chamam de revolução agrícola, ocorrida durante o período conhecido como Neolítico. Com o homem do Neolítico: A comunidade primitiva entra em fase de desintegração e as caçadas se tornam especializadas. O aporte de carne, agora, passa a servir tanto para o consumo quanto para a troca. O homem aprende a fazer a fundição de metais, criando novas ferramentas. A invenção e o uso do arado nas plantações permitiram um grande rendimento na produção. Como garantia, o homem passa a domesticar os animais para o uso no trabalho e, também, para o consumo. A partir deste momento, os grupos deixam de ser nômades para se tornarem sedentários. As relações sociais se aprimoram e encontramos as primeiras civilizações mais complexas, nas quais a divisão do trabalho passa a ter um contexto não mais de igualdade coletiva, mas de diferentes hierarquias. A reprodução do conhecimento, que, inicialmente, tinha um cunho de informação mais voltada às tarefas que davam condições de sobrevivência dentro da economia focada na obtenção de alimentos, sofre drástica alteração. À medida que os grupos foram se aglomerando e se estabelecendo em de nitivo nas áreas ocupadas, outros fatores se tornaram importantes, como a defesa territorial e dos integrantes da aldeia. Saberes especiais, como questões espirituais em um momento em que o pensamento mítico era o que predominava, portanto, as respostas dos sacerdotes eram entendidas como leis. ATENÇÃO Nas sociedades que atingiram um grau mínimo de desenvolvimento, ocorreu a divisão de trabalho, o que denota um aprimoramento nas relações internas. A primeira divisão se dá pelo sexo, onde homens e mulheres executam tarefas distintas, orientados por diferentes parâmetros, nos quais a força física é, comumente, o que norteia a classi cação das tarefas. É possível notar esta divisão mais claramente dentro dos grupos que deixaram de ser nômades e aplicaram o recurso do plantio e da colheita. São grupos nos quais amplia-se a possibilidade de obtenção de alimentos bem como o estímulo para tornaram mais complexas as relações. Isso foi possível porque dentro destas sociedades ocorreram as hierarquizações e a divisão dos trabalhos de maneira a otimizar as operações de reprodução da economia de subsistência. Além da força física, o outro parâmetro utilizado também é o dote intelectual. A revolução neolítica é também uma revolução educativa: xa uma divisão educativa paralela à divisão do trabalho (entre homem e mulher, entre especialistas do sagrado e da defesa e grupos de produtores); xa o papel-chave da família na reprodução das infraestruturas culturais: papel sexual, papéis sociais, competências elementares, introjeção da autoridade; produz o incremento dos locais de aprendizagem e de adestramento especí cos (nas diversas o cinas artesanais ou algo semelhante; nos campos; no adestramento; nos rituais; na arte) que, embora ocorram sempre por imitação e segundo processos de participação ativa no exercício de uma atividade, tendem depois a especializar-se, dando vida a momentos e locais cada vez mais especí cos para a aprendizagem (CAMBI, 1999, p. 59). Posteriormente e já entre as sociedades complexas, como a mesopotâmica e a egípcia, por exemplo, a linguagem e as técnicas (linguagem mágica e técnicas pragmáticas) passam a regular, “de maneira cada vez mais separada – dois modelos de educação” (CAMBI, 1999, p. 59): a formal e institucionalizada e a familiar e cotidiana. À medida que crescem e se tornam mais capazes, as crianças deixam o núcleo familiar para serem assistidas por um preceptor ou um o cial, que, aos poucos, vai passando seu conhecimento ao aprendiz. A partir deste momento, a educação perpassa a fronteira familiar e passa a compor o interesse da comunidade. Nesta estrutura de educação, somente no campo dos ritos e das crenças é que havia uma especialização educativa, também para uma atividade de trabalho exclusiva e qualitativamente distinta dos demais grupos. Aos poucos, com o processo de especialização de tarefas dentro dos grupos sociais, desenvolveram-se sistemas de aprendizagem diferenciados. Da cristalização deste processo surgiram as divisões sociais mais complexas muitas vezes denominadas de castas. As castas, com interesses próprios e antagônicos, vão utilizar mediante a educação diferenciada, um meio de aumentar as divisões em hierarquias cada vez mais distintas e distantes entre si. Neste contexto é onde irá surgir a escola, ou seja, surge da necessidade de estabelecer a divisão de tarefas, separando de forma hierárquica os saberes e sistematizando as diferentes formas de trabalho. É a partir desse novo olhar sobre a educação que, ao ensino, soma-se a necessidade de uma “pedagogia” capaz de traçar as teorias que determinarão as práticas de transmissão do saber. Algumas sociedades aprimoraram de tal forma esse processo de educação que acabaram por eleva-lo a um nível complexo de especialização. Diante dessa complexidade, em um breve período de tempo, o saber acumulado propiciou o desenvolvimento de tecnologia em diversos segmentos da vida em sociedade, de nindo as estruturas econômicas, políticas e culturais. Foram civilizações muito poderosas e que deixaram um rico legado que chegam aos nossos dias sob as mais diversas formas: literatura, matemática, loso a, organização política etc. Na próxima unidade discutiremos a educação desde a Antiguidade Oriental até a Contemporaneidade, considerando os modelos educacionais propostos por diferentes sociedades. Origens e desenvolvimento nos diferentes momentos históricos AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Nesta unidade, vamos abordar de forma panorâmica os modelos educacionais adotados nos diferentes momentos históricos. Contudo, devemos levar em conta que a análise será feita de forma genérica, tendo em vista que, na próxima unidade, os modelos aqui apresentados serão melhor detalhados. Como a “educação por difusão” ou educação primitiva foi abordada no subtópico acima, iniciamos esse tópico a partir das propostas presentes no Oriente Antigo. Figura 01 - escola de Atenas, 400 a.C Fonte: Pixabay Os Modelos de Educação no Oriente Antigo Neste subtópico, vamos abordar a questão da educação nas sociedades do Oriente Próximo, considerando as aproximações existentes entre os modelos presentes no Egito, na Mesopotâmia, na Índia, China e Japão. Nesse sentido, partimos do princípio de que a maior característica dessas sociedades é a manutenção da tradição. Do ponto de vista da educação – por serem sociedades de forte teor religioso –, o que há de comum em todas elas é o seu caráter estático ou de muito lenta mutação. Devido à complexidade delas, a educação exigiu a criação da escola, apesar de restrita a poucos e muito tradicionalista (ARANHA, 2012, p. 45). De forma geral, essas sociedades se organizaram a partir de governos despóticos e teocráticos, como, por exemplo, no Egito, onde o faraó era tido como de origem divina, ou na China, onde o imperador era o próprio Filho do Céu. Nesse tipo de organização política, a prioridade era manutenção das tradições, assim como o apego ao passado (ARANHA, 2012, 46). Essas sociedades desenvolveram, então, um tipo de estudo marcado pelo dualismo escolar que diferenciava o ensino para os lhos do povo em geral do ensino ofertado para os lhos dos nobres e altos funcionários. Esse dualismo levou, ainda, a uma diferenciação entre “os destinados aos estudos do sagrado e da administração e aqueles voltados ao adestramento para os diversos ofícios especializados” (ARANHA, 2012, p. 52). Contudo, não havia uma re exão propriamente pedagógica nesse período e o aprendizado se dava a partir dos livros sagrados com ênfase nas normas de conduta e preceitos religiosos e morais, de forma a não haver transgressão de normas ou mudança nos costumes, o que caracteriza o elemento tradicionalista dessas sociedades. As Paidéias Grega e Romana Dada a originalidade cultural e política da Grécia, autores como Cambi (1999) consideram ser possível conceituar como o “milagre grego” as mudanças que essa sociedade trouxe em todos os setores de uma sociedade, dentre elas no espaço educacional. Quer seja pelo caráter democrático de sua política, quer seja pela elaboração de uma forma de pensar racional, laica, crítica, humanizante e ideal (a loso a), o fato é que, com os gregos, a educação passou a se pautar pelo pensamento crítico, individual e a se universalizar. Além disso, estabeleceu uma nova pedagogia, que passa da prática e tradição para uma pedagogia teorizada cujos modelos in uenciaram os sistemas educacionais desde então. O modelo pedagógico desenvolvido pelos gregos desde o período arcaico resultou numa série de Paidéias, ou seja, em modelos educacionais que se iniciaram no período arcaico. Desse modelo inicial se desenvolvendo outras pedagogias até alcançarem sua maturidade com os so stas e a proposta de formação humana baseada na universalidade do saber e na capacidade individual dos homens. CONCEITUANDO Paidéia é um conceito complexo que não se deixa compreender de imediato, mas que exprime, de maneira geral, as diversas formas de educar que visam a formação integral do homem grego e que têm em Homero e Hesíodo os modelos iniciais, passando pelos so stas como Protágoras de Abdera (484-411 a. C.) e Geórgias de Lentini (484-376 a. C.) e, posteriormente, por lósofos como Sócrates (470-399 a. C.), Platão (427-347 a. C.), Isócrates (436-338 a. C.) e Xenofonte (435-354 a. C.), até chegar à Paidéia helenística, última etapa da evolução da escola na Grécia, quando a formação linguístico-literária e a formação do caráter tornam-se centrais na pedagogia proposta. A mudança operada pelos gregos “no âmbito da organização social e política e na visão da cultura” (CAMBI, 1999, p. 71), realizada em direção à laicização, à racionalização e à universalização levou a uma fuga dos estudos baseados nas práticas mágicas e esotéricas que eram exclusivas dos sacerdotes e iniciados para se transformar em conhecimento próprio da mente de cada homem que, por meio da crítica, demonstração e rigor irá validar ou não esse conhecimento. Ou seja, no centro da cultura grega está o racionalismo: A racionalidade grega, de fato, tem este duplo aspecto: é regra universal na reconstrução da experiência, pela sua interpretação; e é um valor em si, um m a desejar por si mesmo, que realiza o aspecto mais alto do homem: sua vocação à “vida contemplativa” (CAMBI, 1999, p. 71, grifo no original). Com isso, o conhecimento laicizado e democratizado gera a universalidade do saber e da cultura, permitindo, inclusive, a mobilidade social, algo impensável até o surgimento do pensamento so sta. Essa noção de “ser humano” é delineada na antiguidade arcaica e atinge a maturidade com os so stas quando a “Paidéia” tornase a base da pedagogia grega. Com essa introdução, pretendemos demonstrar que o modelo ou os modelos de educação na Grécia antiga estão ligados à concepção de ser humano expressa acima, ou seja, de uma humanidade que não é grega, nem egípcia ou mesopotâmica, mas, sim, algo inerente ao ser humano e, portanto, universal. O milagre grego, cujas características são o racionalismo, a laicidade e a universalidade, foi possibilitado por pelo menos duas condições postas com a formação da ideia de uma Grécia uni cada, diferente da organização política arcaica baseada em reinos independentes. São estas portanto, [...] as condições-chave para compreender a “virada” que se opera no mundo antigo com a civilização grega: virada que investe em particular sobre cultura, tornando-a mais autônoma, mais enciclopédica (articulada sobre todos os saberes e vista como sua reunião orgânica), mais propriamente humana (basta pensar na noção de paideia , de “formação humana” por meio de atividades mais próprias do homem, culturais portanto), mais teorética e submetida ao regulador da teoria (aspecto que a torna mais independente da tradição e a contrapõe a ela) (CAMBI, 1999, p. 73). Com relação à pedagogia, a contribuição grega e inovadora e irá estabelecer as bases da educação ocidental até a modernidade. A primeira contribuição é dada pela “passagem da educação (como práxis e como tradição) à pedagogia (como teoria e como construção de modelos autônomos e inovadores em relação à tradição)” (CAMBI, 1999, p. 74). Depois, tem-se a Paidéia, que pode ser compreendida como um ideal de formação humana no qual o ser humano é visto como tal por “meio do comércio íntimo com a cultura, que deve estruturá-lo como sujeito e torná-lo indivíduo-pessoa” (CAMBI, 1999, p. 74). Somam-se às duas condições anteriores os estudos históricos e literários próprios dos “studio humanitates” que privilegiam os saberes do homem e pelo homem, eixo cultural da escola e dos programas de estudo. Um último elemento da Paidéia grega é a divisão da formação e da escola em dois âmbitos, sendo um teórico, contemplativo e cultural e outro técnico, pragmático e de caráter aplicativo realizado nas o cinas e destinado ao aprendizado. Roma e a Humanitas Para Manacorda (1992), em Roma, a educação tinha um cunho humanista que caracteriza o homem em todos os tempos e lugares. Essa educação era conhecida como “humanitas”. A Humanitas – palavra era usada por Cícero para descrever a formação de um falante ideal (orador), que ele julgava que deveria ser educado para possuir um conjunto de virtudes do caráter apropriado para uma vida ativa de serviço público; estas incluem um fundo de aprendizagem adquirida com o estudo das litterae bonae (“boas letras”, ou seja, a literatura clássica, especialmente a poesia), que também seria uma fonte de cultivo contínuo e prazer no lazer e aposentadoria, a juventude e a velhice, bem e mal, boa sorte (MANACORDA, 1992, p. 63, grifo no original). Uma educação moral, cívica e religiosa com características próprias, mas, também, com in uência grega, inclusive o estudo das letras. Ao que tudo indica, a sociedade romana valorizava o papel primordial da família no processo educativo da criança, o primeiro educador é o pater famílias, ou seja, o pai. Esta educação no seio da família é frequentemente exaltada por diversos escritores romanos. Diferente da mulher grega, a mulher romana, ou melhor, a mãe (nutriz), tem um papel importante na educação da criança, a qual, em seus primeiros anos, passará mais tempo ao lado da nutriz do que do pater, ou pai. Por um longo tempo, a Roma antiga não oferecerá educação às crianças, cando, portanto, a primeira fase da educação sob a tutela e responsabilidade da família, fenômeno que também acontece em outras civilizações que estudamos anteriormente. ATENÇÃO Fato relevante é que este processo, ao mesmo tempo em que dá à família a responsabilidade de transmitir as tradições ancestrais, também é o pequeno núcleo social regido pela gura paterna. Portanto, a obediência encontra aí não somente o espaço para ser reproduzido no mundo externo como também favorece os laços familiares e o que representa a família dentro dessa sociedade. Nesta primeira fase, os pais ensinam aos lhos as letras, o direito e as leis. Inclusive, a mãe ensina os primeiros traçados das letras por meio de jogos e brincadeiras, uma vez que a brincadeira é largamente utilizada nesta primeira fase do aprendizado, como descreve Manacorda (1992, p. 75): entre os jogos, por exemplo, Horácio enumera a brincadeira de construir casinhas, de amarrar ratos a um carrinho, de tirar par ou ímpar, de andar a cavalo em uma cana; Pérsio lembra o jogo das nozes e, até, o parar de brincar como sinal do m da infância; e sabemos que se brincava de mora, de pião e de aro empurrado por um bastãozinho. Existiam também jogos de re exão como a dama, o xadrez, os astrágalos e os dados; outros jogos, como a altilena, cabra cega, a raia, talvez tenham sido importados da Grécia. A partir do m da primeira infância, aos sete anos, as crianças cavam mais sob os cuidados do pai, que transmitia as tradições familiares e da pátria, exercícios físicos e militares, como também as primeiras formas do saber. Com o tempo, parte da educação será transferida aos pro ssionais do ensino. No entanto, continua sendo de responsabilidade do pai os ensinamentos ou a garantia ao acesso destes. De acordo com Aranha (2012), podemos dividir a educação romana em três momentos distintos: Quadro 1 - Períodos da educação romana 1. Educação latina original, de natureza patriarcal. 2. A in uência do helenismo, criticada pelos defensores da tradição. 3. A fusão entre a cultura romana e helenística, com elementos orientais e de fortes valores gregos. Fonte: Aranha (2012). A Educação e o Cristianismo Nascente Um fato histórico preponderante ocorrido durante o Império romano é o surgimento do cristianismo. O cristianismo começou a expandir-se para além dos "pobres" que compunham a comunidade de Jerusalém e Paulo iniciou a pregação do Evangelho para todos os homens, não apenas para os judeus, como tinha sido nos primeiros anos após a morte de Jesus. Paulo distinguia os ensinamentos de Cristo da religião tradicional dos judeus, defendendo uma doutrina distinta da dos israelitas. Por mais de vinte anos, Paulo viajou e pregou, pelo Mediterrâneo Oriental, até ser preso em 58 d.C. Como Paulo tinha a cidadania romana, em 60 d.C. pediu para ser julgado em Roma. Em 64 d.C. ocorreram as primeiras perseguições aos cristãos, tendo Pedro e Paulo sido martirizados em Roma, por essa época (FUNARI, 2002, p. 82). Somente com o imperador Constantino é que os cristãos terão liberdade de culto, algo em torno do ano 313. Até esse período, eram travados muitos embates entre pagãos e cristãos, tornando-se religião o cial do Império no século IV e já bastante modi cada nos seus fundamentos ancestrais, adquirindo uma estrutura muito parecida com a organização política de Roma. Quando o cristianismo se tornou a religião do Estado, o culto aos antigos deuses [...] começou a ser combatido, ainda que persistisse, por muitos séculos. Não foi combatido à toa, mas porque o cristianismo tornou-se uma religião de Estado e os que não o aceitassem estariam, de certo modo, des ando o poder. Nos lugares mais distantes, no campo, o cristianismo demorou a rmar-se, daí que os que cultuavam deuses tenham sido chamados de "pagãos", os habitantes das aldeias. O cristianismo foi, assim, fundamental para a mudança da sociedade e o m do mundo antigo liga-se, diretamente, à sua transformação em religião o cial (FUNARI, 2002, p. 84). A sociedade forjada pelo cristianismo organizou uma forma particular de educar seus integrantes. Para isso, atacou a cultura dos pagãos e suas escolas por transmitirem valores diferentes dos presentes nos Evangelhos. No entanto, reconheceram que a Paidéia grega e romana eram ideais para propagação da cultura cristã precisando apenas ser atualizada no sentido cristão (CAMBI, 1999). Assim, se a Paidéia cristã segue as normas das Paidéias grega e romana, seus “materiais de estudo” são de outra categoria. A mensagem educativa formativa cristã tinha como documentos essenciais os Evangelhos, as Epístolas de Paulo, o Apocalipse de João e os Atos dos Apóstolos (CAMBI, 1999). A igreja desenvolveu, ainda, ações educativas sobre a família, que, além de se dedicar ao amor recíproco e à criação dos lhos, deve ser uma instituição baseada na autoridade do pai. Assim como a comunidade, que recebe a ação educativa a partir dos pressupostos cristãos que, cada vez mais, sobretudo a partir de Constantino, assume o poder civil até tomar o lugar do Estado, ou transformar-se em uma igreja-estado (CAMBI, 1999, p. 126). A igreja adota, então, uma cultura de governo religiosa e civil baseada no direito romano. Estamos num momento posterior aos primeiros séculos do cristianismo, quando acontece a fusão entre a máquina cristã e o imperialismo. Desse modelo de governo teológico-secular surgem dois modelos educativos: um centralizado na imitação da pessoa de Jesus Cristo e o outro com foco na formação por meio da cultura clássica, literário-retórica e losó ca gregos (CAMBI, 1999). O diálogo entre pensamento grego e cristianismo fundou a primeira tradição losó ca da nova religião e tocou em particular o âmbito da teorização pedagógica que incorporou e transcreveu a noção de Paidéia, embora a experiência cristã deixasse conviver ao lado uma visão educativa rigorista e anti-intelectual, de inspiração rigidamente religiosa. A ruptura cristã também em pedagogia foi sensível, mas as categorias que vinham organizando aquela experiência mantiveram uma profunda continuidade com a re exão clássica que operou durante toda a Idade Média e, depois, na própria Idade Média (CAMBI, 1999, p. 130). Por essas condições, segundo Cambi (1999), o cristianismo foi responsável por uma profunda revolução cultural no mundo antigo, pois propunha não somente uma nova sociedade mas, também, um novo tipo de homem, no qual a igualdade, a solidariedade, a humildade, o amor universal, a dedicação pessoal, a castidade e a pobreza são virtudes essenciais a serem desenvolvidas. A Idade Média e os Modelos Educacionais Segundo Aranha (2012), a educação na Idade Média é marcada pela fé, notadamente a fé católica. O período histórico que compreende a Idade Média Ocidental se estende desde o século IV até o século XV e apresenta diferentes modelos de educação e de escolas. Durante a Idade Média ainda, são criadas as primeiras Universidades, que visam, num primeiro momento, atender à formação especí ca de pro ssionais que colaborem com as necessidades da nascente sociedade burguesa e, também, dos nobres investidores. Nesse sentido, grande parte do investimento no sistema educacional do período se destinava à formação de trabalhadores para os diversos ofícios artesanais, assim como também para construtores de mapas, visando as navegações e o comércio marítimo, por exemplo. Será um longo período, onde a Igreja Católica se tornará senhora tanto das questões do espírito quanto do Estado. Seu modelo mais expressivo de educação cou conhecido como escolástica, um tipo de “ loso a das escolas cristãs ou das doutrinas da igreja” (ARANHA, 2012, p. 176). A atividade docente na universidade era desenvolvida conforme o método da Escolástica, baseado na lectio (leitura) e na disputatio (discurso), pelas quais os estudantes exercitavam as artes da dialética, discutindo proposições controvertidas (ARANHA, 2012, p. 172). O método escolástico entra em declínio em ns do século XIV, quando, inclusive as universidades, limitadas pelo dogmatismo do método, entram em decadência. O Modelo de Educação Praticado no Renascimento Neste momento histórico, o próprio pensamento antropocêntrico, que leva o homem a ser o grande responsável pelas suas ações, irá in uenciar, irremediavelmente, um ensino laico, longe dos dogmas da Igreja. O interesse da burguesia era, justamente, a libertação para que se desenvolvesse o processo cientí co. A grande novidade da nova ciência foi a valorização da técnica, ao privilegiar o método experimental, mérito que coube a Galileu Galilei (1564-1642). Em oposição ao discurso formal da física aristotélicotomista, Galileu valorizou a experiência e o testemunho dos sentidos. Seu método resultou do feliz encontro da experimentação com a matemática, da ciência com a técnica. Tais procedimentos não provocaram simples evolução na ciência, mas uma verdadeira ruptura com a tradição, decorrente da nova linguagem cientí ca, de um novo paradigma (ARANHA, 2012, p. 245). Este novo paradigma, exposto acima, foi um marco que separou séculos de uma educação clássica, religiosa e determinista, como resultado da interdependência entre ciência e técnica, no qual a ideia de ação humana como elemento capaz de incidir sobre a natureza foi ampliada para além das limitações impostas pelo pensamento medieval. Em certo sentido, essas mudanças inauguram o que se convencionou denominar de Período Moderno. A Educação na Modernidade Apesar destas conquistas, o século XVII será o momento em que os colégios religiosos alcançarão números de instituições fundadas jamais vistos antes. A disseminação da escola jesuítica, com o ensino tradicional, apesar de bem organizado, não conseguirá se manter por muito mais tempo neste formato já ultrapassado para uma época em que os valores burgueses, bem como o seu poder, se fortalecerão muito, principalmente depois da Revolução Francesa. Algumas outras escolas religiosas, como dos oratorianos, relata Aranha (2012), da Congregação do Oratório, fundada em 1614, serão opositores do sistema jesuítico, acolhendo as novas ciências e a loso a de Descartes. Esta congregação será herdeira dos colégios da Companhia de Jesus, quando esta for dissolvida no século XVIII. O discurso de educação popular toma força também neste período, na Alemanha, por meio dos protestantes que pregavam uma formação universalista e se concentravam principalmente na importância ao estudo secundário, portanto, de cunho elitista. Na França, o abade Charles Démia (1636-1689), conforme Aranha (2012), publicou um livro defendendo a educação popular. Sob sua direção e in uência foram fundadas diversas escolas gratuitas para crianças pobres e um seminário para a formação de mestres. Outros lugares na Europa também baixaram decretos ou apresentavam projetos de obrigatoriedade escolar, pelo menos do ensino elementar. SAIBA MAIS Charles Démia (Carlos Démia) foi um eclesiástico francês, fundador do Seminário Saint-Charles, primeiro lugar de formação de professores na França. Charles Démia é reconhecido como um dos precursores da educação mútua 4 . Em seu Regulamento para as escolas da cidade e diocese de Lyon, ele apresenta seus conceitos pedagógicos. Para conhecer mais sobre sua história acesse ACESSAR A Educação na Contemporaneidade Não há datas especí cas para determinar o início e o m do período denominado modernidade. Costuma-se utilizar alguns fatos como referência, como, por exemplo, a transição teórica entre o pensamento medieval ou renascentista e o pensamento moderno racional. Mas, sobretudo, tem-se como referência a elaboração do método experimental proposto por Descartes (1596-1650) que irá perdurar até a Revolução Francesa em 1789. Já o século XVIII é palco de grandes transformações, que vão abalar toda a Europa, culminando na mais simbólica e profunda: a Revolução Francesa, em 1789. Entre outros fatores, esta revolução marcou o m do domínio da Igreja e do absolutismo real. Na América, os EUA declararam sua independência, momento em que a democracia deixa de ser uma teoria e passa a existir por meio do presidencialismo norte-americano. A nova ordem do mundo é resumida em “igualdade, liberdade e fraternidade” e insere-se nessa discussão a proposta de uma educação democrática. REFLITA Re ita acerca de como o corpo passou a ser objeto de disciplinarização, sobretudo a partir do século XVIII, por meio das instituições sob o domínio dos governos nacionais, como hospitais, escolas, manicômios etc. A minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle das mínimas parcelas da vida e do corpo darão em breve, no quadro da escola, do quartel, do hospital ou da o cina, um conteúdo laicizado, uma racionalidade econômica ou técnica a esse cálculo místico do ín mo e do in nito. E uma História do Detalhe no século XVIII, colocada sob o signo de Jean-Baptiste de La Salle, esbarrando em Leibniz e Buffon, passando por Frederico II, atravessando a pedagogia, a medicina, a tática militar e a economia, deveria chegar ao homem que sonhara no m do século ser um novo Newton, não mais aquele das imensidões do céu ou das massas planetárias, mas dos “pequenos corpos”, dos pequenos movimentos, das pequenas ações; ao homem que respondeu a Monge (“Só havia um mundo a ser descoberto”) (FOUCAUT, 1987, p. 02). A Educação em Fins do Século XX Atualmente, pensadores como Edgar Morin elevaram ainda mais a relevância da educação e suas atribuições ao considerarem a necessidade de uma educação que privilegie a complexidade da sociedade contemporânea. Enquanto o século XIX se caracterizou pela fragmentação dos saberes, ao nal do século XX a exigência é de um novo paradigma de complexidade “que, ao mesmo tempo disjunte e associe, que conceba os níveis de emergência da realidade sem reduzi-los às unidades elementares e às leis gerais” (MORIN, 2002, p. 53). Esse novo paradigma se faz necessário, uma vez que, no mundo atual, é consenso que “as ideias e, mais amplamente, as coisas do espírito, nascem dos próprios espíritos, em condições socioculturais que determinam as suas características e as suas formas, como produtos e instrumentos de conhecimento” (MORIN, 1991, p. 95). @freepik A esse mundo das ideias, produtor e renovador das culturas e formas de pensar e agir Morin denominou Noosfera. O termo Noosfera, entretanto, está diretamente ligado ao didata francês Yves Chevallard (1946), algo que pode ser compreendido como um espaço ou uma esfera “donde se piensa” (CHEVALLARD, 2000, p. 28). É assim que, ao nal do século XXI, a educação toma novos rumos e parte da pedagogia para tornar-se ciência da educação (CAMBI, 1999, p. 595) e responder às demandas da complexidade da sociedade onde novos sujeitos, saberes, interesses e necessidades se apresentam notadamente no campo da tecnologia e das mídias digitais. SAIBA MAIS O sistema educacional como conhecemos hoje teve muitas contribuições. Uma delas foi o estudo realizado pelo sociólogo Norbert Elias (1897 - 1990), plasmado na obra O Processo Civilizador. Nessa obra o autor analisa a história dos costumes a partir da formação do Estado Moderno e suas in uências sobre a civilização e nos leva a pensar no que aconteceria se um homem da sociedade contemporânea fosse, de repente, transportado para uma época remota de sua própria sociedade. É possível que encontrasse um modo de vida muito diferente do seu. Alguns hábitos e costumes lhe seriam atraentes, convenientes e aceitáveis do seu ponto de vista, enquanto outros seriam inadequados. Estaria diante de uma sociedade que, para ele, não seria civilizada. No Processo Civilizador, Elias procura analisar questões fundamentais como quais os motivos e de que forma ocorreu essa mudança. Leitura agradável que nos convida a pensar acerca da importância da cultura como elemento essencial para pensar as sociedades e, com isso, valorizar as diferenças bem como combater a discriminação e outras formas de preconceito. Fontes: Elias (1993) e Elias (1994). Conclusão - Unidade 1 Nesta unidade, procuramos compreender a gênese da educação, desde sua prática no interior das comunidades paleolíticas e neolíticas, até a transformação e sistematização do ensino formal e não formal. Nosso principal foco foi a análise da estruturação da educação dentro do contexto do desenvolvimento cultural das sociedades humanas como diretriz para a formação dos diferentes modelos de educação que se estabeleceram nas diversas sociedades em tempos históricos distintos. Num segundo momento, abordamos, de forma introdutória, como a educação foi se desenvolvendo junto aos primeiros povos organizados em forma de Estado e marcados pelas teocracias, como os povos egípcios e mesopotâmicos. Junto a esses, somam-se os povos orientais da China e do Japão com características escolares marcadas pela manutenção da tradição e, portanto, modelos educacionais estáticos. Com as Paidéias gregas, ocorreu o que Cambi (1999) denominou como revolução educacional quando, mais do que formar pessoas para o trabalho, passou-se a valorizar a formação intelectual dos indivíduos. Esse modelo educacional gerou, por sua vez, a dualidade entre trabalho manual e trabalho intelectual. In uenciados pelo mundo grego, os romanos adotam a última fase da revolução grega e instituem o modelo educacional baseado na humanitas, que será, por sua vez, transformado a partir do momento em que o cristianismo propõe um novo homem marcado pela caridade e pela humildade. Esse modelo de homem seria modi cado ainda mais durante a Idade Média, fase em que a medida de todos os homens passa a ser a fé. Transformada em poder político e econômico, a religião Católica impõe modelos educacionais baseados em dogmas religiosos que terão na Escolástica seu maior exemplo. Entretanto, mudanças na ordem social e econômica, oriundas tanto da Reforma Protestante quanto do fortalecimento da burguesia, ao negarem a hegemonia do poder católico, passaram a elaborar outras formas de educar que, ao longo do tempo, gestaram o que viria a ser conhecido como escolas laicas. As escolas laicas, embora tenham existido durante a Idade Média, são características, sobretudo, do mundo moderno e contemporâneo. Isso não exclui a existência, ainda nos dias atuais, de escolas proselitistas. Entretanto, o mundo pós-industrialização e com foco nas democracias e na constituição do indivíduo-cidadão apostou nas ciências como a psicologia e a psicanálise como elementos essenciais dessa formação. Por m, vimos brevemente como o século XX, sobretudo a partir dos anos 1950, gestou modelos educacionais diversos. Algo que já acontecia desde o nal do XIX mas, que se intensi cou depois da Segunda Grande Guerra. Na próxima unidade, vamos analisar as singularidades das pedagogias em diferentes momentos históricos. Leitura complementar No artigo abaixo, Jean-Claude Filloux apresenta a re exão feita por Durkheim acerca da educação: FILLOUX, Jean-Claude. Émile Durkheim. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. ACESSAR Em O processo civilizador, o sociólogo Norbert Elias estuda como a evolução nos costumes e hábitos colaborou para a constituição da civilização moderna. ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. V. I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. Em Vigiar e punir, Michel Foucault analisa como as instituições colaboram para coibir e educar os indivíduos. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987. Livro Filme Acesse o link Unidade 2 História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Introdução Querido (a) aluno (a), Nesta unidade analisaremos como a educação se desenvolveu em diversos momentos históricos. Por exemplo estudaremos a educação praticada pelos mesopotâmicos e egípcios que permitirá compreendermos como o ensino tornouse relevante para a organização econômica daquelas sociedades e passou a contar com espaços destinados ao aprendizado sistêmico, como templos por exemplo, ainda que ocupados por outros eventos. Ao se institucionalizar, no entanto, a “escola” ou “casas de vidas” passou a ser algo esquemático e excludente. Já na Grécia a abordagem irá recair sobre o exemplo clássico de educação baseada na paidéia que organiza os planos de estudo ocidentais ainda em nossos dias. Com a paidéia, a formação educacional ultrapassa o modelo presente na sociedade egípcia no qual a educação visava a obediência e a submissão além da aquisição de conhecimentos técnicos. No modelo grego o racionalismo, a re exão e o questionamento dos saberes passam a fazer parte da formação do homem grego, depois cidadão e, posteriormente, como ser universal. Filosofar acerca do homem, da sociedade, dos saberes, dos mitos, das religiões, etc., leva a elaboração da ideia de um indivíduo ideal, modelo a ser buscado não só para o desenvolvimento e manutenção da pólis, mas, para o próprio crescimento humano. Educa-se para a humanização. E, na Roma antiga veremos como a educação baseada na humanitas permeia a formação do cidadão romano, mas, acima de tudo, do homem romano. No tópico destinado à educação durante a Idade Média, observaremos que esse período, por ser dividido em suas partes (Alta Idade Média e Baixa Idade Média), apresentam modelos educacionais diversi cados. As escolas monásticas por exemplo, são mais expressivas durante a Alta Idade Média mas, com o surgimento da burguesia e os novos interesses desse grupo teremos as escolas seculares e palacianas que se preocupam com um conhecimento voltado para a vida prática, o que as afasta o modelo monástico cujo privilégio eram os estudos voltados para a espiritualidade. Durante a Alta Idade Média surge também a escolástica, que pode ser compreendida como uma loso a voltada para explicar o mundo a partir dos dogmas cristãos. Entretanto, em meio a burgueses e catolicismos, surgem as universidades e os saberes dogmáticos então, passam a ser, cada vez mais questionados. A Reforma protestante e o fortalecimento do pensamento burguês irão inaugurar outras formas de educar, cada uma de acordo com seus interesses e que culminará com mudanças que terão sua expressão durante os anos do Renascimento, algo em torno dos séculos XIV a XVI. Com o advento da Modernidade (XVII – XIX), o pensamento racional toma forma também nos modelos educacionais que buscam estender os ensinamentos para o maior grupo de pessoas possíveis, ainda que não priorizem o mesmo saber para as diferentes camadas sociais. Com a industrialização a escola técnica assume a incumbência de formar mão de obra capaz de atender a demanda do mundo do trabalho. Pedagogicamente, no entanto, tem-se nesse período uma inovação que irá mudar de forma radical as propostas educacionais. É no século XIX que o homem passa a ser visto como fruto da interação social e não somente educacional e assim, a criança torna-se o foco do sistema educacional. Esse movimento foi conhecido como Escola Nova e in uenciou a educação em ns do dezenove e grande parte do século XX como veremos na Unidade 3. Bons estudos! Plano de Estudo A educação no Oriente Antigo. A educação no Ocidente Antigo. A educação na Idade Média. A educação no Renascimento. O mundo moderno e a educação. A educação na contemporaneidade. Objetivos de Aprendizagem Visualizar como a educação acontecida no Oriente Antigo criou bases para a institucionalização do ensino formal. Compreender os modelos educativos existentes na Grécia Antiga e na Roma Antiga. Conhecer as fases da educação romana. Analisar os modelos educacionais desenvolvidos durante a Alta e a Baixa Idade Média. Estudar a educação perante as mudanças ocorridas no Renascimento e na Modernidade. This is some text inside of a div block. A Educação no Oriente Antigo AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Os povos aos quais denominamos antiguidade oriental surgiram no norte da África e na Ásia (Oriente Próximo, Oriente Médio e Extremo Oriente) e são civilizações que transformaram a estrutura da antiga aldeia ou grupos de aldeias em cidades, com templos, palácios, setores de administração e, pelo processo de transformação das relações sociais, o desenvolvimento da escrita, da matemática e da política. Todas estas civilizações são fundadas em fortes bases religiosas, outras características que podemos ressaltar é o caráter estático onde a mudança nos processos sociais é muito lenta. Como re exo de sua complexidade de estruturação surge a escola restrita à classe dominante ou aos nobres e de cunho tradicionalista. A maior parte dessas sociedades se formou ao longo de planícies sulcadas por grandes rios os quais foram por elas controlados sobretudo quanto ao uso das águas para desenvolvimento da agricultura. Em geral apresentavam forte divisão do trabalho e nítida distinção entre as classes sociais com forte controle social, tendendo portanto a desenvolver a gestão do poder na dimensão do Estado (= governo gerido pelo soberano e pela burocracia administrativa, guerreira, religiosa)/ que dão corpo a uma tradição de rituais, de mitos, de técnicas, de saberes que, por sua vez, levanta o problema da sua transmissão/transformação/incremento e que é gerada pela estabilidade e pela colaboração que marca tais sociedade (CAMBI, 1999, p. 60). Os modelos mais estudados para a antiguidade oriental são a China e a Índia na região dos oceanos Pací co e Índico e as sociedades mesopotâmicas e egípcia. De forma sintética, Cambi (1999), enumera três características para a educação desenvolvida e praticada nessas sociedades: ela é, ainda, transmissão da tradição e aprendizagem por imitação, mas tende a tornar-se cada vez mais independente deste modelo e a de nir-se como processo de aprendizagem e de transformação ao mesmo tempo; liga-se cada vez mais à linguagem – primeiro oral, depois escrita -, tornando-se cada vez mais transmissão de saberes discursivos (ou discursos-saberes) e não somente de práticas, de processos que são apenas, ou sobretudo, operativos; reclama uma institucionalização desta aprendizagem num local destinado a transmitir a tradição na sua articulação de saberes diversos; a escola (CAMBI, 1999, p. 61). Aponta ele também, que a escola se torna cada vez mais central como organismo instrutor de saberes, sobretudo com o fortalecimento dos trabalhos especializados. Com as sociedades estamentais surgidas então, a escola torna-se uma escola dúplice uma vez que atende ao conhecimento da cultura e do trabalho; forma pro ssionais e acentua o enrijecimento dos papéis sociais em classes separadas e hierarquias diversas além de transmitir a tradição dos povos. De forma esquemática, abordaremos nos próximos tópicos e subtópicos, dados básicos história da educação na China, na Índia, no Japão, no Egito e na Mesopotâmia. Sociedades altamente hierarquizadas, sectárias e autoritárias. Mesopotâmia Os mesopotâmicos provavelmente tenham se organizado como civilização a partir do quinto ou quarto milênio a.C., às margens dos rios Eufrates e Tigre, como atestam diversos achados arqueológicos. Standage a descreve assim: a maioria de seus habitantes era formada por fazendeiros que viviam entre os muros da cidade e saíam a cada manhã para tomar conta de seus campos. Administradores, artesãos que não trabalhavam nos campos foram os primeiros a levar vidas inteiramente urbanas. Veículos com rodas circulavam pelas ruas, e as pessoas compravam e vendiam mercadorias em mercados movimentados. Cerimônias religiosas e feriados públicos ocorriam num ciclo regular que traziam conforto (STANDAGE, 2005, p. 27). Cidades com estruturas bem construídas, inclusive para compensar questões geográ cas, como enchentes dos rios, sistemas de irrigação, levam a crer que havia ali naquela região uma intensa atividade de produção e escoamento de produtos através dos rios também. Figura 1 - Mesopotâmia Nínive Babilônia Hamurábi 1792 - 1750 a.C. Assur Tig Mari re E uf ra te s Esnuna 100 200 Quis Susa 0 Malgium? Babilônia Elã Sipar o Nipur Isim 1792 a.C. 1750 a.C. Larsa Eridu Lagaxe Ur Fonte: wikimedia Sabemos que vários povos se sucederam no decorrer de sua história, dentre os quais: sumérios, acádios, assírios e os persas. Sendo os sumérios, um povo de origem incerta, os responsáveis por organizar a vida social mesopotâmica fundando cidades, “canalizando as águas, cultivando grãos, cevada, palmáceas e vendo em paz, sem “políticas de poder” e adorando deuses nos templos” (CAMBI, 1999, p. 64). Utilizavam diversos instrumentos feitos por meio de fundição de metais, o que denota conhecimentos tecnológicos importantes para tal fabricação. Compreende-se, portanto, uma constante atividade econômica que deveria ser controlada por pessoas de alta con ança, no caso os sacerdotes, mas mediante um registro concreto: para tudo isso funcionar, os sacerdotes e seus súditos tinham de ser capazes de registrar o que tinha trazido e recebido. Recibos de impostos foram inicialmente mantidos em formas de chas dentro de envelopes de barro [...]. Os documentos escritos mais antigos, que datam de 3.400 a.C., da cidade de Uruk, são tabuletas pequenas e lisas de barro que cabem confortavelmente na palma da mão [...]. Cada compartimento contém um grupo de símbolos, alguns obtidos pela pressão das chas no barro e outros rabiscados utilizando estiletes (STANDAGE, 2005, p. 32). Com o desenvolvimento e expansão econômica a necessidade de registros diversos, inclusive leis, levou ao desenvolvimento de um sistema de escrita chamada de cuneiforme (pela maneira como era modelada) em placas de argila e que tinham diversas funções. Por volta de 3.000 a.C., alguns símbolos surgiram para representar sons especí cos. Ao mesmo tempo, pictogramas feitos de impressões profundas com o formato de cunha tomaram o lugar daqueles compostos por rabiscos super ciais. Isto tornou a escrita mais rápida, porém reduziu a qualidade pictográ ca dos símbolos, de tal modo que a escrita começou a parecer de forma mais abstrata (STANDAGE, 2005, p. 34). Parece-nos, portanto, que o ato da escrita compunha não somente uma prática diária, mas também uma necessidade organizacional, sendo assim compunha parte do aprendizado de algumas castas, diferente do que veremos nos primeiros tempos no Egito. Apesar de as informações sobre a educação serem poucas, sabemos que desenvolveram estudos sobre a astronomia, medicina, engenharia. A educação predominante na era dos sumérios (3.800 – 3.500 a.C.) era doméstica, os saberes eram transmitidos dentro do núcleo familiar, geralmente por meio do chefe desta. Os ensinamentos eram, como pressupõem-se, carregados de misticismo, no entanto com o passar dos séculos ocorrem mudanças signi cativas: Após 1240 a.C., quando os assírios conquistaram a Babilônia, foram criadas escolas públicas, com a intenção de impor valores conquistadores. Com o tempo surgiram instâncias de educação superior – os centros de estudos de história natural, astronomia, matemática criados nos palácios reais – a que os historiadores chamaram de “Universidade Palatina da Babilônica”. Também proliferaram ricas bibliotecas no interior dos templos, em que os “livros” eram tabuletas ou cilindros gravados com caracteres cuneiformes e versavam sobre os mais diversos assuntos (ARANHA, 2012, p. 56). Vale dizer que as bibliotecas já existiam com os sumérios, mas se multiplicaram em várias regiões com os assírios, o que também nos leva a crer que parte da simpli cação da escrita, conforme relatamos acima, facilitou a disseminação do conhecimento e do ofício de ler e escrever. Mesmo este processo de estruturação do ensino, não nos fornece dados de que houve uma inovação nos processos de ensino, sendo mais claro a rmar que mesmo sendo criados novos espaços para a educação, esta permanecia tradicionalista, atendendo basicamente as classes mais abastadas ou dirigentes, em detrimento das camadas de servos e trabalhadores. ATENÇÃO A classe sacerdotal gozava de grande poder e prestígio e eram depositários do conhecimento e encarregada pela educação. éis Ainda no segundo milênio a.C., o rei Hamurabi institui uma lei que será conhecida na história pelo seu nome, lei esta que resultava da autoridade divina, portanto imutáveis e não passíveis de transgressão, que con rmam a emanação divina do rei e dos sacerdotes e levadas à cabo pela população. A classe sacerdotal era depositária da palavra, conhecedora das técnicas da leitura e da escrita nas línguas suméria e acadiana, ambas presentes na sociedade mesopotâmica. Esse acúmulo de conhecimentos e responsabilidades tornava os sacerdotes depositários também das formações escolares, tecnocráticas e médicas “ligadas a um “processo de iniciação” e conferida com “extrema seriedade”, segundo um sistema gradual: primeiro aprendia-se a língua oralmente, depois “de forma criptográ ca”, por m na dimensão escrita comum” (CAMBI, 1999, p. 64). Por suas capacidades, os sacerdotes eram os responsáveis por formar os escribas que tinham a função de ler e reproduzir os textos religiosos, registrar transações comerciais, entre outras produções muitas vezes encomendadas pelos reis. Egito Thoth, deus egípcio representado pela gura com corpo humano e cabeça de íbis é considerado deus da sabedoria e “criador de toda atividade intelectual de todos os povos” (MANACORDA, 1992, p. 10). Ele representa a maturidade cultural e instrucional da sociedade egípcia, ou seja, Thoth representa um momento em que o mundo egípcio já se encontrava em pleno desenvolvimento educacional instituído por meio da valorização do pro ssional responsável pela produção, manutenção e transmissão dos saberes assim como, pela constituição de espaços especí cos para a transmissão desses conhecimentos. Figura 2 - Thoth, a esquerda, deus da sabedoria Fonte: @DEZALB em pixabay Com essa assertiva, Manacorda nos leva a considerar que houveram, na sociedade egípcia, diferentes momentos na dimensão educacional e que culminaram com a representação em sua plenitude na gura do deus da sabedoria Thoth. Cada período histórico egípcio determinou alterações nas formas de ensinar. Com base nesse fato, dividiremos nossa apresentação considerando os quatro períodos clássicos daquela sociedade: o Antigo Império, o Segundo Império, o Novo Império e, por m, o período Demótico. A educação no Antigo Império egípcio A civilização egípcia que se formou ao longo do rio Nilo é fruto da fusão de diversos grupos étnicos, politeístas e organizados politicamente sob a instituição dos faraós. Sua economia era agrária e representava a grande riqueza daquele país (CAMBI, 1999, p. 66). Durante o antigo império, ainda sob o governo de Menés (3.100 a.C.), o faraó tonou-se símbolo da unidade do país. Investido de conotações divinas e governava exercendo controle sobre os demais membros da sociedade como os altos funcionários da corte, os sacerdotes, os burocratas, os guerreiros e os técnicos. A educação nesse período não fazia uso de livros sagrados nem havia magistérios instituídos. De acordo com Aranha (2012, p. 54), embora a sociedade egípcia tivesse vastos conhecimentos em botânica, zoologia, mineralogia, geogra a, geometria e matemática, o volume de informações sob seu domínio não vinha acompanhado de questões teóricas, demonstrações, princípios ou leis cientí cas. Caberia aos gregos a grande contribuição nesse sentido. NA PRÁTICA Em um Estado centralizado e teocrático como o egípcio, a transmissão do conhecimento religioso e técnico se restringia aos sacerdotes que por sua vez, instruíam os demais por meio de ritos de iniciação (ARANHA, 2012, p. 54). As escolas, já institucionalizadas, eram frequentadas por mais de vinte alunos e “não funcionavam em prédios especialmente construídos para essa função, mas sim, em templos e algumas casas” (ARANHA, 2012, p. 54). Para as aulas, Os mestres sentavam-se em uma esteira e os alunos ao redor dele, muitas vezes ao ar livre, “sob uma gueira”, como atesta a rica iconogra a egípcia. Os textos eram aprendidos mediante a repetição mnemônica, isto é, pela leitura em voz alta, em conjunto, para facilitar a memorização. O ensino autoritário tinha por nalidade curvar o aluno à obediência (ARANHA, 2012, p. 54). Além da obediência, a educação formal egípcia valorizava o “falar bem”. Considerado elemento essencial para o desempenho político, o falar bem contribuia na arte de convencimento tanto dos conselheiros reais quanto das multidões (ARANHA, 2012, p. 54). Durante o antigo império predominava a educação por meio da literatura sapiencial, que são os livros voltados para o ensinamento via moral e comportamentos. Os autores desses primeiros ensinamentos, fossem eles príncipes ou escribas-funcionários, constituíram uma tradição tornando-se os clássicos por excelência da literatura egípcia, dado que seus escritos chegaram até nós em muitas coletâneas escolásticas mais recentes. Mencionamos Kares, Heigedef (Gedefor), Khety, Neferty, Ptahemgiehuti, Khakheper-ra-seneb, Pthhotep e Imhotep, do qual não nos restou nada: são “os sábios que prediziam o futuro”, pois, isto é, são os autores de uma literatura que poderíamos chamar de profética ou sapiencial, como aquilo que costumamos encontrar na Bíblia (MANACORDA, 1992, p. 11, grifo no original). É possível dizer que a “relação pedagógica” existente no período era marcada por uma educação mnemônica na qual se valorizava a repetição e era passada de pai para lho (MANACORDA, 1992, p. 12). Somado aos ensinamentos ético-comportamentais os exercícios físicos. Ainda durante a antiguidade egípcia, atividades físicas como natação passam a ser ensinadas aos jovens juntamente com o uso do arco, a corrida, a caça e a pesca. Nesse período, a técnica do “escrever bem” não fazia parte da educação voltada para o “falar bem”. O ensino da escrita era voltado para um grupo especí co de técnicos como os escribas encarregados dos registros de atos o ciais ou registros de comércio (ARANHA, 2012, p. 54). No nal do terceiro milênio a.C. e do advento do segundo, os escribas passaram a ter mais prestígio assim como as técnicas de escritas. Dada a relevância desse técnico da escrita, responsável pela leitura das escrituras antigas; redator dos escritos do rei, mestre das crianças e lhos do rei (nascidos ou ascensos), esse pro ssional será introduzido na dinâmica de sua majestade o que o levará a tornar-se “além de funcionário da administração, também – se não sobretudo – mestre dos grandes (por nascimento ou ascensão socialmente) e, particularmente, dos “ lhos do rei” e dos lhos de outros grandes” (MANACORDA, 1992, p. 20, grifo no original). A educação no Médio Império Durante o Médio Império (2100 – 1780 a. C), o livro uso do livro texto se generaliza. Já não são mais usados somente sapienciais e sim, escritos realizados pelos próprios escribas. Escriba que pode ser o próprio pai, “con rmando que, originalmente, a intuição era um fato interno à família, com para qualquer outra atividade pro ssional, ou um escriba que está formando seu aprendiz” (MANACORDA, 1992, p. 20), como se ensina a um lho. A escola não pública, mas, coletiva e privada. Nessa época, a pro ssão de escriba se apresenta como uma possibilidade, inclusive de prestígio e ascensão social (MANACORDA, 1992, p. 21). O saber técnico, expresso por um pro ssional ou um mestre, se especializa em si mesma e um escriba pode ser um conhecedor dos hieróglifos; um escriba da casa dos escritos (biblioteca) ou da casa da vida (escola). Mas, acima de tudo, um escriba é a pessoa que domina o saber da escrita e irá atuar tanto no palácio quanto no comércio. CONCEITUANDO A sabedoria torna-se cultura, isto é, “em conhecimento erudito e em assimilação da tradição com seus rituais e a correlativa constituição da escola com seus materiais didáticos, os rolos de papiro (os atuais livros)” (MANACORDA, 1992, p. 21, grifo no original). ACESSAR São fortalecidas nesse momento, a obediência submissão aprendidas quer seja na escola da vida ou em casa, e, os estudos apreendidos com um escriba para tornar-se também um escriba se transformam em ações favoráveis para uma vida proveitosa e ideal para a promoção social, resume Manacorda (1992, p. 23). Figura 3 – Hieróglifos egípcios Fonte: photosforyou em Pixabay A educação no Novo Império No novo império ocorrerá a generalização das escolas, a educação passa a ser não somente física (militar), mas também uma formação intelectual. Nas escolas, os materiais didáticos passam a ser empregados de maneira sistêmica, o uso de coletâneas escolares que são compostos por textos e cadernos de exercícios, continham hinos, orações, sentenças morais, sátira dos ofícios e a exaltação dos antigos escribas, aliás, é preciso salientar que o per l deste ofício muda também neste período: o escriba Hori, após ter exibido sua capacidade estilística, provoca o adversário a responder questões de matemática, geometria, geogra a, engenharia e outras. Temos aqui um exemplo vivo da cultura técnica e não sapiencial como outrora, que um escriba deveria possuir. Todas as questões são muito concretas: cálculo das rações para os soldados, dos tijolos para a construção de uma rampa, da mão-de-obra para o levantamento do obelisco ou para o esvaziamento de um armazém (MANACORDA, 1992, p. 34). O saber universal passa a ser uma referência de ensino em um mundo real e concreto, dominado pelas exigências práticas e, portanto, o escriba tem um papel fundamental na preparação desta nova realidade. Os métodos educativos, preservados sobretudo nos textos sapienciais e também nos escritos dos próprios escribas mostram que a punição ainda é um elemento disciplinador no Novo Império. Ensina-se por meio da punição e pela aceitação do aspecto técnico do ofício de escriba que é exatamente o domínio da arte da escrita e da leitura. A primeira adquire-se com o adestramento das mãos e dos dedos e a segunda, por meio da leitura em voz alta ainda que haja presentes na sala (MANACORDA, 1992, p. 33). Os métodos de ensino da matemática são inexistentes nesse período segundo Manacorda (1992, p. 34). Explica ele que não havia então pressupostos teóricos para o ensino da matemática sendo que os algoritmos eram fornecidos pelos mestres e deviam ser repetidos até estarem decorados. Nesse período, “qualquer raciocínio, teoria ou justi cativa lógica eram reservados aos graus superiores dos estudos” (MANACORDA, 1992, p. 35). Outro elemento da cultura educacional criada pelos egípcios são as Onomásticas. A Onomástica, juntamente com o ensino mnemônico, ajudava a controlar uma complexa administração estatal e são consideradas as ancestrais das nossas enciclopédias. SAIBA MAIS Consideradas como obras de saber universal, as Onomásticas apresentavam um interesse não tão lológico, mas de conteúdo, isto é, são listas de coisas reais e não de palavras, como em nossos vocabulários. Nelas estão contidos em setores as listas do que se deve saber sobre: o céu, a água e a terra. Sobre pessoas, ofícios, pro ssões e, sobre classes: tribos, tipos de seres humanos; as cidades; edifícios e suas partes; terrenos agrícolas (MANACORDA, 1992, p. 35). Com estas classi cações eram feitas catalogações que eram utilizadas na pro ssão do escriba enquanto funcionário do Estado, bem como nos recursos a serem ensinados aos seus discípulos. A educação no período Demótico O período Demótico, que compreende os anos de 1069 a 333 a.C., inaugura uma forma de educação cujo objetivo não é mais formar para o bem falar. Não mais a oratória política capaz de convencer conselheiros do reino ou a população em geral é o foco da educação realizada quer seja institucionalmente quer seja nos lares. Ainda que a educação continue pautada em questões morais, nas tradições ancestrais e no falar bem, um novo elemento se soma a esses saberes. Agora foco da instrução não é mais exclusivamente a formação para o universo da política, mas sim para a vida cortesã, cabendo aos escribas prepararem os mais jovens por meio da escrita, leitura obediência e submissão (MANACORDA, 1992, p. 36). Via de regra, a formação contínua no todo tradicionalista dividindo a escola com objetivos intelectuais ou pro ssionais (práticos), sendo a primeira destinada aos nobres para a política e a guerra, a segunda o ensino dos ofícios que além dos prestigiados escribas formavam médicos, engenheiros, arquitetos. A instrução intelectual continua a ser exclusivamente dos grupos dominantes, nobres e funcionários. “Trata-se, portanto, ou da enculturação ético-comportamental do homem de qualidade ou da instrução pro ssional do administrador do Estado” (MANACORDA, 1992, p. 38). A grande massa, pressupõe-se, que continuava a aprender com a família ou com os adultos depois de uma certa idade um ofício menor. China Os chineses com várias dinastias já estabelecidas em meados do segundo milênio a.C., mantiveram no decorrer de sua história uma tradição educacional que irá romper os séculos e serão mantidas sem mudança até um período bem recente de sua história. Esta sociedade, assim como a mesopotâmica, tem em seus escritos religiosos a base do conservadorismo pedagógico, pois orientavam-se no I Ching (livro das mutações), como alerta Aranha (2012, p. 59), Lao Tsé e Confúcio (séc. VI a.C.) se inspiraram neste livro para fundar o Taoísmo e o Confucionismo. Figura 4 - Caligra a Chinesa Fonte: freepik CONECTE-SE Para conhecer mais sobre a nobre arte da caligra a chinesa acesse o link: ACESSAR Como sociedade, a estrutura chinesa se organiza por meio da tradição profundamente marcada pela família, pelo patriarcalismo e pelo autoritarismo. Esses elementos tidos como de coesão social terão nos mandarins (altos funcionários de extrema con ança do imperador) a gura que irá dominar o ofício da educação, ao invés dos sacerdotes como foi entre os mesopotâmicos. A educação também é tradicional: dividida em classes, opondo cultura e trabalho, organizada em escolas fechadas e separadas para a classe dirigente (para as quais se compilam livros e estudam técnicas de aprendizagem com exame), nas o cinas para os artesãos ou nos campos para os camponeses (CAMBI, 1999, p. 63). Essa forma autoritária e sectária de educar não diferente de outras sociedades que veremos no decorrer desta obra. Índia A Índia Antiga formou-se a partir de grupos organizados em sociedades sedentárias ao longo do segundo milênio a.C., nas regiões próximas aos rios Ganges e Indo. A tradição religiosa é marcada pelo hinduísmo e o budismo, sendo que esta última foi a que se difundiu até o extremo oriente. Sob a dominância do hinduísmo em sua maioria in uenciados pelo bramanismo, a sociedade indiana vai se organizar mediante as divisões de castas muito fechadas, bastante radicais e de extrema discriminação. Nesta sociedade são os sacerdotes os líderes que mantêm ensinamentos dogmáticos imutáveis e excludentes. Devido à crença de que todos saíram do corpo do deus Brahman, os brâmanes eram considerados os mais importantes por terem sido gerados da cabeça do deus. No outro extremo, os párias, por nem sequer terem origem divina, não pertenciam a nenhuma casta e por isso eram intocáveis e reduzidos a uma condição miserável (ARANHA, 2012, p. 58). Marcada pela imutabilidade e incomunicabilidade entre as castas, a possibilidade de combate à hierarquização da sociedade indiana não era uma possibilidade. E, a educação indiana se estruturava da mesma forma que a sociedade, isto é, discriminatória e privilegiando os membros das castas superiores: Segundo tão rígida hierarquia, que predeterminava as condições de casamentos e a escolha de pro ssões, a educação também era discriminadora, privilegiando os brâmanes. Encaminhados por mestres, eles aprendiam os textos sagrados do Vedas, compilados em sânscrito a partir da tradição oral [...] O mestre era venerado, e a disciplina não abusava de castigos. Os estudos tinham fundo religioso e moral, e o aprendizado era mnemônico (ARANHA, 2012, p. 58). Os brâmanes estudavam, além da religião a gramática, a loso a, direito, astronomia, medicina, somente depois de muito tempo outros segmentos puderam ter acesso aos estudos, mas de formação elementar, lembrando que os párias continuavam excluídos por serem intocáveis. Importante ressaltar que os indianos sob o domínio da religião hindu permanecem na mesma situação até os dias atuais. Japão O Japão se caracteriza por ser uma sociedade marítima e feudal em seus primórdios. Organizada sob uma rígida sociedade de classes e por pro ssões, desenvolveu “uma religião naturalista que valorizava a submissão à natureza e à ordem social, e durante séculos hegemonizada pelos modelos da civilização chinesa” (CAMBI, 1999, p. 63). Como no modelo chinês, a educação no Japão se caracteriza por ser excludente opondo classe dirigente e demais classes; cultura e trabalho. Sendo que aos grupos privilegiados, ligados ao poder político e econômico, eram reservadas as escolas enquanto artesãos e camponeses aprendiam em o cinas e no próprio campo. A educação no Ocidente Antigo AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Grécia Arcaica No período arcaico grego encontramos duas as formas de educação: a homérica e a hesíodeica e, segundo Cambi (1999, p. 77), se caracteriza por ser uma “pedagogia do exemplo” por ter como base as ações dos heróis-guerreiros, como Aquiles por exemplo. Essa concepção se baseia, portanto, nos escritos poéticos e, segundo Jaeger (1995): a concepção do poeta como educador do seu povo – no sentido mais amplo e profundo da palavra – foi familiar aos gregos desde a sua origem e manteve sempre a sua importância. Homero foi apenas o exemplo mais notável desta concepção geral e, por assim dizer, a sua manifestação clássica (JAEGER, 1995, p. 61). No entanto, é preciso compreender que não se trata da poesia em sua estrutura estética e sim, a não separação entre a estética e a ética é característica do pensamento grego. O procedimento de separá-las surge relativamente tarde. Para Platão, ainda, a limitação do conteúdo de verdade da poesia homérica, acarreta imediatamente uma diminuição do seu valor. Foi a antiga retórica que fomentou pela primeira vez a consideração formal da arte e foi o Cristianismo que, por m, converteu a avaliação puramente estética da poesia em atitude espiritual dominante (JAEGER, 1995, p. 61). Figura 1: Quíron e Aquiles, num afresco de Herculano, no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles. Fonte: wikipedia As diretrizes para a concepção de educação no conceito homérico são dadas principalmente pela Ilíada. Produzida no século VIII a. C., o poema relata um tempo de heróis, homens-guerreiros cujos atos eram transmitidos às tradições vivas da aristocracia de seu tempo. a educação heróica esboçada na Ilíada retoma aspectos da formação de Aquiles e se delineia como uma educação prática, que une “língua” e “mão” e versa sobre o cuidado com o corpo, mas não exclui a oratória guiada pelo “centauro Quirão”, ou seja, organizada por uma relação pessoal entre mestre e aluno, que remete, talvez, à própria prática dórica da pederastia; da formação do jovem guerreiro através de uma amizade (até carnal) com um guerreiro mais velho que, funcionava como treinador e guia [...] (CAMBI, 1999, p. 76, grifo no original). SAIBA MAIS Quirão ou Quíron era um centauro como conhecimento ímpar e, por esse motivo, auxiliou na educação dos heróis Jasão e Aquiles tornandose também amigo de ambos (WILLIS, 2007, p. 164) embora centauros e homens fossem, historicamente, inimigos entre si (JULIEN, 2005, p. 48). Portanto, o valente é sempre o nobre, homem de posição social elevada, sendo a luta e a vitória a distinção mais alta e o conteúdo próprio da vida. Se na Ilíada são revelados o gosto pela guerra e a aspiração à honra como autênticos representantes de uma classe, quando inclusive são poucos os quadros de uma vida cotidiana, fora do campo de batalha, na Odisseia o herói que se liga de forma natural à guerra, representa o homem dentro do contexto também dos tempos de paz, demonstra a existência do herói depois da guerra, as viagens de aventuras, a vida em casa com família e amigos. Baseia-se, portanto, em um mundo mais real e um estilo de vida dos nobres daquele tempo mais primitivo. Representa muito bem uma classe de nobres e senhores em seus palácios, suas aventuras, a saga vista de maneira poética. Na Ilíada a nobreza é demonstrada em uma forma ideal de fantasia, criada a partir de traços transmitidos pela tradição dos antigos cantos heroicos. Na Odisseia é possível observar um sentimento de humanidade entre pessoas comuns, apesar de não haver muito claro a separação orgulhosa do nobre e o homem do povo, uma proximidade entre o patriarca e seu servo, pressupõe-se que mesmo assim não haja formação consciente fora da casta privilegiada. O adestramento como formação da personalidade humana, mediante o conselho constante e a direção espiritual, é uma característica típica da nobreza de todos os tempos e povos. Só esta classe pode aspirar à formação da personalidade humana na sua totalidade, o que não pode conseguir sem o cultivo consciente de determinadas qualidades fundamentais. Não basta crescer, como as plantas, de acordo com os usos e costumes dos antepassados. A posição e o domínio preeminente dos nobres acarretam a obrigação de estruturar os seus membros desde a mais tenra idade segundo os ideais válidos dentro de seu círculo (JAEGER, 1995, p. 44). Está aqui um modelo de educação, um ideal de formação propondo a modelagem do homem integral pautado em um padrão xo de classe. Homero assinala nitidamente, que toda a educação tem como ponto de partida a formação de um tipo humano nobre que dá origem ao cultivo das qualidades próprias de senhores e heróis. Um dos elementos mais claros nos escritos de Homero são as qualidades inatas e hereditárias do sangue e da raça, além dos conceitos de raça e povo. Por esses motivos, a in uência homérica irá perpassar os séculos vindouros permeados pela sua in uência no que tange a consciência de nação. Fonte: wikimedia Outra referência de educação para os gregos, ao lado de Homero, está Hesíodo (VIII a. C.). Nele está uma cultura da vida no campo, a produção da terra, principalmente o tema especí co, o trabalho. Hesíodo, nos trabalhos e os dias, revela então o trabalho como fonte de cultura, demonstrando que o heroísmo não se manifesta somente nas batalhas, entre os guerreiros nobres e seus adversários, mas também e, principalmente, na batalha diária e pontual da lida com o cultivo da terra e com os elementos da natureza, que exigem disciplina e norte, formando de fato o heroísmo do homem. Um parêntese aqui para pontuar o trabalho no mundo grego e de sua importância para a educação daquele povo, como a rma Jaeger (1995, p. 85), não “foi em vão que a Grécia foi o berço da humanidade que põe acima de tudo o apreço pelo trabalho”. É preciso esclarecer que a geogra a das regiões dominadas pela Grécia não tem as mesmas características de outros povos como os mesopotâmicos e os egípcios que contavam com grandes planícies e áreas alagadas, terras extremamente férteis para o cultivo abundante e variado. O solo grego é formado de muitos vales estreitos e paisagens cortadas por montanhas, basicamente não se encontram planícies, que são em geral mais fáceis de cultivar, fato este que, obriga a uma luta constante e diária com o solo para conseguir extrair deste o que ele pode produzir. ATENÇÃO O pastoreio e o cultivo da terra são as ocupações mais importantes dos gregos, o comércio e a navegação só ocorrerão muito mais tarde, portanto no período arcaico o que predomina é o cultivo agrícola. Logo, em Hesíodo podemos compreender como um patrimônio de sabedoria e moralidade camponesa conforme a a rmação de Manacorda (1992, p. 44): Muito pouco chegou até nós: somente quatro fragmentos autênticos e alguns outros incertos, onde se encontra a exortação de honrar o pai e escutar a outra parte. O seu poema “Os trabalhos e os dias” constitui um testemunho excepcional de uma moral do trabalho, contra os poderosos e os prepotentes. Considera ainda Manacorda (1992), que posteriormente ao mundo de Hesíodo, a tradição grega contrapôs os dois modelos ideais de educação, isto é, as duas tradições culturais do campo e da polis. De um lado a aristocracia guerreira e de outro a população de agricultores que neste momento ainda não eram subjugados pela casta nobre, pelo contrário mostram neste momento um espírito de independência e uma clareza jurídica muito concreta. Este con ito se aliará mais adiante a outros fatores como o nascimento. A partir daí se dará a discussão de excelência por nascimento e excelência adquirida, entre virtudes inatas e virtudes aprendidas, con ito entre natureza e educação, este pensamento levará por meio dos mais conservadores a uma posição de preconceito e desprezo por aqueles que ascendem socialmente mediante a educação (MANACORDA, 1992). Em face destas tradições da nobreza guerreira, religiosas, éticas e sociais reveladas em Homero, para Hesíodo cam em segundo plano, pois a atitude original do homem face à natureza, à sua existência, se formam no mito, levando a crer que independente de qual classe pertença, todas têm seus próprios mitos. Assim relata Jaeger (2001, p. 90), Ao lado dos mitos, o povo guarda a sua antiga sabedoria prática, adquirida pela experiência imemorial de incontáveis gerações e que se compõem de conhecimentos e conselhos pro ssionais, e de normas morais e sociais, concentrados em fórmulas breves, de modo a permitir conservá-los na memória. Ou seja, vemos que há nitidamente uma constante discussão das diferentes classes que compõem o cenário da antiga Grécia, cada qual tentando senão impor, mas defender seu ponto de vista sobre o que entendem como civilização ideal. Se temos um modelo de educação voltada para as classes mais nobres e outro que a rma o trabalho enquanto o centro da discussão, não temos aqui a rigidez dos modelos que foram vistos anteriormente em outras civilizações como a mesopotâmica e a egípcia, pelo contrário, entre os gregos prevalece um ambiente favorável ao debate, à democracia. Durante a educação no período arcaico há ainda o processo de aculturação moral, religiosa, patriótica, o ensino das técnicas e da arte de governar e reproduzir uma educação focada na fala e na escrita conforme descreve Manacorda (1992, p.46): as “palavras e as ações” de Homero e de Fênix reaparecerão na Grécia histórica como educação através da “música” (mousiké) e da “ginástica” (gymnastiké) : por música entende-se a aculturação do patrimônio ideal, transmitidos através dos hinos religiosos e militares, cantados em coro pelos jovens (naquele tempo não havia transmissão escrita, portanto o verso cantado era necessário para a memória e a prática coral para a sociabilidade), e por ginástica entende-se a preparação do guerreiro. Este mesmo autor complementa ainda que: Além da oposição das duas paideias de Homero e Hesíodo, dos guerreiros e dos camponeses (que em Laerte tem um ponto em comum), historicamente o ideal de educação ginástica sofrerá as críticas e as oposições de um outro ideal, quando em confronto com os áristos surgirem novas forças sociais. Fonte: Akerraren Adarrak em Pixabay Vemos aqui a formação de uma escola que defende não somente a formação por meio do ideal moral, mas também voltada ao conhecimento e à prática política para uma sociedade que está passando por grandes transformações estruturais, como no caso da última citação acima as “novas forças sociais”, compreende o fortalecimento da classe dos comerciantes. Nessa sociedade que se transforma, a educação heróica destina-se a adolescentes da aristocracia que se reúnem no palácio real para serem treinadas no combate por meio de jogos competições e jogos (dardo, disco, arco, carros) e nos quais exercitam a força, a astúcia, a inteligência e, sobretudo o espírito de luta. Formados a partir dessas práticas e critérios, os jovens ainda contam com a formação para a vida na corte, a oratória, a música, o canto e a dança. O universo religioso se apresenta com a aquisição de saberes e prática de rituais acerca dos deuses que compõem o panteão religioso grego. Para Cambi, “estamos diante de uma “pedagogia do exemplo” na qual Aquiles encarna a areté (o modelo ideal mais complexo da formação) ligada à excelência e ao valor” (CAMBI, 1999, p. 77). Com a chegada do século V a. C., essa pedagogia sofrerá críticas severas de parte dos so stas e dos lósofos e as paideias baseadas nos poemas de Homero e Hesíodo são superadas por modelos baseados desenvolver o pensamento racional, laico e universal. A Educação Grega no Período Clássico (séc. V a. C. – IV a. C.) No período conhecido como Grécia Clássica (V a IV a. C.), a sociedade grega fortaleceu o conceito de unidade política e territorial que teve, na pólis, sua concretude. Como um estado que se autogoverna, a pólis congregava em seu interior interesses diversos num universo que mesclava o contato com o mar, o comércio, a política e diferentes grupos sociais. Organismo complexo, a pólis se orientava internamente em torno de valores e ns comuns e, externamente, mantinha relações comerciais, territoriais, culturais e marítimas nem sempre amistosas (CAMBI, 1999, p. 77). Na pólis desenvolveu-se o pensamento democrático. Os homens, voltados para os interesses comuns presentes no espaço citadino, cada vez mais utilizavam a palavra como instrumento político desde o período arcaico quando o saber argumentar tornou-se um elemento essencial para o cidadão, isto é, aquele que toma as decisões na pólis. Na formação desse homem que argumenta, existe ainda outro componente que é a religiosidade. Em sua cultura religiosa, a sociedade grega possuía um panteão de deuses caracterizado pelo fato de que também os deuses são cidadãos (CAMBI, 1999, p. 78). Figura 2 - Platão e Aristóteles Fonte: wikimedia Cultuados no interior dos lares ou em templos especí cos, eram homenageados em jogos agonísticos ou ginásticos masculinos e femininos, continua Cambi (1999, p. 79), e no teatro. Dois momentos da religiosidade grega que tinham função educativa no âmbito da pólis. Nos lares, primeiro espaço de socialização, a família patriarcal ditava as regras morais e éticas que educavam para a obediência, mas, também, para a vida na pólis. Os modelos de atuação no espaço urbano regulam a divisão de gênero no qual às mulheres cabe a submissão ao marido e ao lar, seu reino por excelência. As crianças são educadas primeiro pelas mulheres e submetidas ao poder paterno. O conceito de infância como conhecido atualmente inexiste, sendo considerado apenas uma idade de passagem (CAMBI, 1999, p. 81). Na estrutura social da vida na pólis, a cultura grega atinge de fato sua forma clássica. Mesmo em um mundo rodeado pelos campos, mesmo a aristocracia rural sendo ligada às tomadas de decisão na sociedade, a cultura que de ne o modelo de vida é citadina. A pólis é o ambiente onde se engloba todas as esferas da vida espiritual e humana, determinando de forma decisiva sua estrutura, ela é, em outros termos, o marco social da história da formação grega. Dessa sociedade surgem dois modelos distintos de educação, a ateniense e a espartana. Até seus ideais e modelos educativos se caracterizavam de maneira oposta pela perspectiva militar de formação de cidadãos guerreiros, homogêneos à ideologia de uma sociedade fechada e compacta, ou por um tipo de formação cultural e aberta, que valorizava o indivíduo e suas capacidades de construção do próprio mundo interior e social. Esparta e Atenas deram vida a dois ideais de educação: um baseado no conformismo e no estatismo, outro na concepção de paidéia, formação humana livre e nutrida de experiências diversas, sociais, mas também culturais e antropológicas (CAMBI, 1999, p. 82). Neste cenário Esparta era uma importante cidade-estado e, mesmo depois do período arcaico valoriza muito as atividades guerreiras, muito diferente das outras polis, e, será conhecida por isso em sua história. A educação em Esparta era severa e militar com a característica de o Estado passa a representar, pela primeira vez na história, uma força educadora. Ao contrário do que é analisado por Aristóteles de que a educação espartana era uma preparação somente voltada para a guerra, para o mundo das armas, os espartanos evoluíram e inovaram no campo da educação, somente no período de declínio desta pólis é que a austeridade da educação se aproximará da vida na caserna. No período áureo, no entanto, além do ensino militar, era ensinado a música e a prática dos esportes. Figura 3 - A disciplina espartana Fonte: freepik Havia uma seleção dos melhores seres para a formação na qual, Os cuidados com o corpo começavam com uma política de eugenia – prática de melhoramento da espécie – que recomendava fortalecer as mulheres para gerarem lhos robustos e sadios, bem como abandonar as crianças de cientes ou frágeis demais (ARANHA, 2012, p. 85). A primeira educação ocorria em família, até a idade de sete anos, quando recebiam por parte do Estado educação pública, lembrando que obrigatória para ambos, a família de encaminhar os lhos e o Estado de ofertar a educação. Nesta primeira fase estudavam música, dança e canto, estas disciplinas eram comuns, aliás, em toda Grécia. As crianças espartanas do sexo masculino eram, a partir dos sete anos de idade, retiradas de suas famílias e submetidas a uma formação no estilo militar que favorecia a força e a coragem. Em Esparta será formado o cidadão-guerreiro que terá o domínio das armas, da coragem e da força. Obediente, o jovem cidadãoguerreiro espartano recebia poucas instruções na área da escrita e da leitura, mas, aprendem e memorizam as obras de Homero, Hesíodo ou do poeta Tirteu (CAMBI, 1999, p. 83). Após os doze anos o rigor da aprendizagem e o treino da educação física se aproximavam da prática do que era aplicado no exército, tinham de preparar o corpo para todas as situações limites como fome, frio, desconforto, a aprendizagem da obediência mediante a educação moral também era uma tônica neste processo de formação. ATENÇÃO As mulheres, nesta sociedade, também terão oportunidade de formação, inclusive dos exercícios. Aos jovens era imposto o castigo como parte da metodologia de aprendizagem que servia também para reforçar os laços de hierarquia, principalmente com os mais velhos e, deixar claro conceitos de vida comunitária, ou seja, pertenciam à um corpo onde eles eram membros integrantes e responsáveis pelo bom e correto funcionamento e manutenção social (ARANHA, 2012, p. 86). Esparta de ne como sua educação não somente uma forma de agir, mas funda o conceito, o próprio Estado, é o que propõe Jaeger: A contribuição das demais cidades gregas para a formação do homem político estão de nidas com menor precisão do que a contribuição de Esparta. Não se pode mencionar nenhum Estado que tenha dado passos tão decisivos quanto Esparta neste sentido. É na Atenas do séc. VI que voltaremos a encontrar uma tradição sólida. Foi lá e, nessa época, que se exprimiu nas criações de Sólon o novo espírito que se apoderou do Estado. O Estado jurídico ético pressupõe, todavia, uma longa evolução, dado que Atenas é a última das grandes cidades a aparecer na História (JAEGER, 1995, p. 130). Logo após o con ito do Peloponeso (451-404 a. C.), Esparta entra em declínio sendo sobrepujada por outras cidades gregas que tinham na escrita e no intercâmbio comercial a base de suas relações. O cidadão-guerreiro torna-se, segundo Cambi (1999, p. 83), “atração para os turistas”. Já Atenas encontra-se num momento de “esplêndido orescimento em todos os campos: da poesia ao teatro, da história à loso a” (CAMBI, 1999, p. 84). Tendo saído fortalecida do con ito com Esparta e tendo se tornado a cidade mais in uente de toda a Grécia, Atenas precisava de uma burocracia culta e assim, a escrita se difundiu por todo o povo e os cidadãos livres que passaram a se dedicar à escrita, à oratória, à loso a, à leitura enquanto desprezavam o trabalho manual e comercial. Com isso, a educação ateniense tendeu a universalização e ultrapassou os limites da pólis (CAMBI, 1999, p. 84). Todo esse processo contou com a escola de escrita que foi aberta a todos os cidadãos: na Grécia, com a escrita alfabética, surge um meio democrático de comunicação e educação, e a escola da escrita se abre tendencialmente a todos os cidadãos. Junto aos mestres de ginástica e de música surge um novo mestre, o das letras do alfabeto, o grammatistés, que certamente não tem a autoridade do escriba egípcio, mas exerce uma importante função social (MANACORDA, 1995, p. 48). Os recursos utilizados para a aprendizagem da leitura era a silabação, repetição, memorização e declamação, a escrita era feita em tábuas. O mestre reunia as crianças em um cômodo, em uma tenda ou ainda em praças para o ensino. Os textos utilizados eram como havíamos dito anteriormente de Homero e de Hesíodo. Esta educação se iniciava aos sete anos para os meninos que, além da alfabetização, aprendiam a educação física e a música (ARANHA, 2012, p. 88). As crianças eram acompanhadas de um escravo, este tinha o dever de não somente conduzi-los, mas também vigiá-los e orientá-los na concentração e disciplina. Numa primeira fase, a educação era dada aos rapazes que frequentavam a escola e a palestra, onde eram instruídos através da leitura, da escrita, da música e da educação física, sob a direção de três instrutores: o grammatistes (mestre), o kitharistes (professor de música), o paidotribes (professor de gramática). O rapaz (pais) era depois acompanhado por um escravo que o controlava e guiava: o paidagogos (CAMBI, 1999, p. 84). A criança, ainda na fase elementar, participava da competição em jogos, para praticar a educação física, sendo corrida, salto, luta, lançamento de dardo, natação. O fundamento desta prática na educação não perdia o foco da moral, mas tinha uma forte ênfase no contexto estético. A dança também faz parte da modalidade de exercícios e, são complementados mediante a educação musical, que além do ensino de um instrumento, ainda propunha o canto como parte integrante deste saber. As meninas também recebiam instrução só que recebiam os conhecimentos em casa e, aprendiam essencialmente funções dos afazeres domésticos. A partir dos treze anos iniciava-se uma outra fase da formação masculina, as crianças mais pobres saíam em busca de um ofício, enquanto as de família rica prosseguiam os estudos, sendo encaminhadas ao ginásio [...] com o tempo, as atividades musicais se direcionaram para discussões literárias, abrindo espaço para assuntos gerais, como matemática, geometria e astronomia, sobretudo sob a in uência dos lósofos. Com a criação de bibliotecas e salas de estudo, o ginásio adquiriu feição mais próxima do conceito de local de educação secundária (ARANHA, 2012, p. 88). Aos poucos, o ginásio ca cada vez mais próximo da ideia que fazemos da escola enquanto instituição, com locais desenvolvidos para a prática de vários saberes, dos físicos, aos teóricos, inclusive da escrita e leitura. No século IV a.C., entre os 16 e 18 anos, os jovens tinham formação militar, com ensinamentos cívicos, no entanto com a abolição do serviço militar este espaço será ocupado pelo ensino da literatura juntamente com a loso a. Os lósofos terão papel preponderante na educação a partir do século V a.C., como os so stas por exemplo. Os so stas indicam, segundo Cambi (1999, p. 85), uma virada na cultura grega pois remetem ao homem atenção quase que exclusiva assim como aos problemas que o cercam. Assim, a loso a so sta buscava, a partir do discurso e para além da cultura tradicional, naturalista e religiosa, elaborar uma nova cultura baseada no reconhecimento de que existem conhecimentos e capacidades distintos da “sapiência do sacerdote, da produção teórica do cientista, das habilidades do técnico especialista” (CAMBI, 1999, p. 86). CONCEITUANDO Para os so stas, a Nova Cultura era “entendida como a formação moral, retórico-linguística, histórica do homem político enquanto tal” (CAMBI, 1999, p. 86) e que se baseia na leitura e na escrita e, que irá, ao m, levar cada indivíduo a cultivar seus aspectos humanos, “elevando-o a uma condição de excelência, que todavia não se possui por natureza, mas se adquire pelo estudo e pelo empenho” (CAMBI, 1999, p. 86). Dada a complexidade da formação proposta pelos so stas, inicia-se um declínio da sociedade ateniense marcada pela substituição da tradição aristocrática-religiosa por uma visão menos orgânica da sociedade e na qual os indivíduos, livres de etnia, casta e de cidadania, podem realizar “sua própria “livre universalidade humana”” (CAMBI, 1999, p. 86 grifo do autor). A Paidéia que se seguiu à so sta, foi a dos lósofos e se caracterizava por ser uma proposta baseada nas re exões de Sócrates, Platão, Isócrates, Xenofonte e Aristóteles. As Paidéias propostas por esses pensadores torna-se ainda mais complexa que a Paidéia so sta porque se articula numa série de modelos que “re etem tanto a problemática da nação quanto as diversas perspectivas segundo as quais [o homem] pode desenvolver-se” (CAMBI, 1999, p. 88). Assim como os so stas, lósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles também ministraram educação superior. Enquanto Sócrates se reunia informalmente na praça pública, Platão utilizou um dos ginásios de Atenas, a Academia, e mais tarde seu discípulo Aristóteles ensinou em outro ginásio, o Liceu. Ainda em Atenas, Isócrates abriu uma escola muito concorrida, que valorizava a retórica (ARANHA, 2012, p. 89). Das Paidéias propostas pelos lósofos encontramos como aspecto comum a educação voltada para a formação integral que propõe que o indivíduo deve estar em constante amadurecimento, tornando-se seu próprio mestre. Que ele seja um pesquisador, duvide e problematize sempre por meio do diálogo de forma que o saber assim produzido possa tornar-se universal. Esse modelo educacional vigorou por praticamente toda a Grécia Clássica, mas, com o declínio do poder grego em ns no século IV frente aos macedônios, a educação baseada na virtude e no conhecimento também entrou em declínio sendo sobrepujada por uma educação ao modelo espartano sob a orientação de Xofonte (435-354 a. C.). Para esse lósofo, somente uma educação militar poderia fazer Atenas sair da crise do período: [...] deve-se retornar a uma educação familiar tradicional, com a mulher ligada aos trabalhos domésticos, com a valorização de uma inteligência apenas prática, com centralidade na disciplina e nas atividades guerreiras, opondo-se à identi cação platônica da virtude e do conhecimento (CAMBI, 1999, p. 93). A partir do período helênico (séc. IV a.C.), em função das dominações estrangeiras e a decadência das cidades-estados, a educação passará por transformações, ampliando os estudos teóricos, com a predominância do saber erudito com base na ética. É a substituição da antiga Paideia pela enciclopédia. Nesta nova concepção a retórica toma uma importância ainda maior e fundamental no ensino secundário. A educação física é reduzida a um tempo menor. O ensino é estruturando em sete artes liberais sendo três humanísticas (trivium): gramática; retórica e dialética e, quatro disciplinas denominadas de cientí cas (quadrivium): astronomia; música; aritmética e geometria. Já no período de dominação romana pode ser encontrada uma grande quantidade de escolas losó cas, inclusive a Universidade de Atenas. Os romanos mantiveram e preservaram algumas práticas educacionais dos gregos, transformaram outras constituído seu próprio modelo, como veremos no tema seguinte. A Educação na Roma Antiga - Humanitas AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Estes diferentes momentos estão ligados aos períodos de organização política também diferentes, que são: Realeza; República e Império. Nesse último período teremos ainda a in uência do cristianismo, movimento surgido no século I da nossa era. Realeza Esse período que vai entre 753 a.C. a 509 a.C., é marcado pelo intenso desenvolvimento das urbs, o centro urbano de Roma, onde se desenvolve a vida política e religiosa da “civitas” que passa a dividir espaço com a antiga economia agrícola e do pastoreio. Quando ocorre também a divisão das terras que deixam de ser comunais, gerando com isso a propriedade privada e com ela a aristocracia, baseados na formação de classes sociais. Os donos de terras eram chamados de patrícios enquanto a maioria da população livre era denominada de plebeus, estes inclusive não tinham direitos políticos. Aos poucos os escravos também comporão esta sociedade, como mão de obra (ARANHA, 2012, p. 127). No período da realeza, a aristocracia recebia uma educação que tinha como objetivo perpetuar os valores da nobreza e conhecer as obras e valorizar os ancestrais, esta fase da educação em Roma é denominado de latina original ou como heroicopatrícia. Praticamente a educação moral do jovem romano era, como a do grego, alimentada por uma escolha de exemplos oferecidos à sua admiração, mas, eram tirados da história nacional e não da poesia heroica; o fato de muitos destes exempla serem legendários pouco importa: é como históricos que eram apresentados e revividos (MARROU, 1973, p. 366, grifo no original). Vamos abrir um parêntese aqui para comentar sobre esta primeira fase da educação em Roma. Como se pode perceber há uma semelhança também com outras civilizações, inclusive a educação da classe dominante perpetuando sua classe por meio da educação voltada também aos alunos que irão dirigir a sociedade na posteridade, daí a educação tradicionalista. Voltando a nossa apresentação, no período da realeza, as crianças permaneciam com a família, como foi dito anteriormente, sob a orientação dos pais, aprendiam a ler e escrever, os primeiros rudimentos do saber e sobre as leis, onde os meninos deveriam decorar a Lei das Doze Tábuas para o desenvolvimento do patriotismo e da consciência histórica. SAIBA MAIS As Doze Tábuas foi o texto-base da educação romana desde 451 a. C. Escritas no bronze, as Doze Tábuas costumavam car expostas no fórum para que todos pudessem lê-las. Foi por meio dessa fonte que se soube que os romanos tinham como princípios educativos a tradição – espírito, costumes, disciplina dos pais -, e o código civil baseado no poder do pai. Além disso, as Doze Tábuas “ xavam a dignidade, a coragem, a rmeza, como valores máximos, ao lado, porém, da pietas e da parcimônia” (CAMBI, 1999, p. 105). Aranha (2012, p. 133) explica que: Por viver em uma sociedade agrícola, o menino aprendia a cuidar da terra, atividade que de início, colocava lado a lado o senhor e escravo. Aprendia também a ler, escrever e contar, bem como desenvolvia habilidades no manejo das armas, na natação, na luta e equitação. Os exercícios físicos visavam à preparação do guerreiro, mais do que propriamente do esporte. Como podemos ver, a educação está voltada às atividades práticas e o trabalho é valorizado, diferente do que percebemos com os gregos. Já aos 15 anos os meninos aprendiam o civismo, mediante a ação do pai que levava o lho à praça central apresentando o comércio, os espaços públicos, os monumentos. Aos dezesseis anos era encaminhado para função militar ou política, dependo da sua posição na hierarquia social (ARANHA, 2012, p. 133). Nesse período, a educação pouco se voltava para o preparo intelectual e mais para a formação moral, baseado na convivência cotidiana e na imitação de modelos apresentados pelos pais e dos antepassados, sendo o pai o guia e o exemplo a ser seguido (CAMBI, 1999, p. 105). República De acordo com Aranha (2012, p. 127), com a queda do último rei etrusco, teve início a República, fase em que os patrícios dominam a política e, por consequência, representavam seus interesses particulares. A duração da República romana foi de aproximadamente cinco séculos, sendo delimitada pelos anos de 509 a. C. até 27 a. C. Luzuriaga (1984, p. 86) nos situa sobre a organização política: O poder executivo era representado por dois cônsules eleitos. O senado, composto por membros vitalícios, constituía o principal órgão da República. Com o enriquecimento de algumas camadas da plebe – sobretudo as que se dedicavam ao comércio –, intensi caram-se as lutas pela igualdade de direitos políticos e civis. Os plebeus obtiveram diversas conquistas nos séculos V e IV a.C., como a criação do Tribunato da Plebe, a permissão do casamento misto, a publicação da Lei das Doze Tábuas. A importância desta última decorre do fato de constituir o primeiro o primeiro código escrito romano. Estas mudanças são fruto de uma nova aristocracia, determinada agora pela riqueza ao invés do nascimento como era anteriormente. Estes tinham a intenção de ascenderão poder, mediante altos cargos públicos. Os plebeus pobres, por outro lado, tiveram sua situação piorada em função de uma política expansionista que visava à entrada de mais escravos que competiam para a mão de obra mais barata. Além disso, continuavam sem ter acesso ao ensino. Estes escravos trabalhavam nas mais diversas funções desde serviços públicos aos privados, como construção, comércio, serviço de urbanização. Dentro deste ambiente alguns vão conseguir a liberdade, por recompensa pelo serviço prestado. Com relação a educação, os escravos passaram, segundo Manacorda (1992, p. 78), por uma evolução histórica. Do escravo pedagogo e “mestre na própria família ao escravo mestre das crianças de várias familiae e, en m, ao escravo libertus que ensina em sua própria escola” (MANACORDA, 1992, p. 78). Após 146 a. C., com o processo de expansão militar as tradições romanas serão alteradas profundamente com a anexação da Grécia em 146 a. C. Este período é caracterizado pelo helenismo com o contato cultural de diversas civilizações, dentre elas a Índia e o Egito, acarretando em uma transformação da postura política, a saber, o despotismo típico dos regimes do Oriente. Neste cenário ocorrerá a fase da educação cosmopolita, com a forte in uência do helenismo e com fortes divergências de uma parcela da população éis defensores da tradição latina. Com essa aproximação entre culturas, a noção de Paidéia, de formação humana pela cultura com vistas à universalização das características próprias do homem, desenvolveu-se com Marco Túlio Cícero (106 -43 a. C.), a noção de Paidéia romana, ou humanitas (CAMBI, 1999, p. 109). A partir de Cícero surgem pedagogias ligadas ao estoicismo, à Paidéia retórica e à concepção enciclopédica do saber. Assim, com Cícero temos, o [...] nascimento de uma pedagogia no sentido próprio, como saber re etido sobre a educação [...], mais universal, menos contingente e local, elaborado através de um discurso racional. São criados assim, modelos de pedagogia estreitamente ligados ao saber que se manifesta como mais universal e mais autônomo, o saber losó co (CAMBI, 1999, p. 111). CONECTE-SE Marco Túlio Cícero (106-43 a.C) foi uma gura proeminente da política romana que ocupou vários cargos públicos. Ele fez muitas contribuições de para a Política e o Direito Romano. In uenciado pelas ideias de Platão, Cícero escreveu Da República, onde defende o modo republicado de governo adotado em Roma. Para saber mais acesse ACESSAR As escolas, primeiro ligadas à formação na língua e retórica gregas no século II a. C., passam, no século seguinte a formar também na língua latina e a se organizarem como espaços distintos para o saber (CAMBI, 1999, p. 114). Após os séculos III e II a.C., por meio da expansão romana em território grego, aqueles serão in uenciados pela cultura helênica e a partir deste momento a educação em Roma se tornará mais diversi cada, como o ensino da língua grega juntamente com a língua latina. As chamadas escolas do gramático surgirão neste período, onde jovens entre doze e dezesseis anos aprendiam várias disciplinas de origem helênica, tal como geogra a, literatura, aritmética, geometria, astronomia e parte da loso a. Ilustramos melhor com o que descreve Aranha (2012, p. 134): Segundo a tradição helenística, o indivíduo livre devia ter uma formação encíclica [...] enciclopédia signi ca literalmente “educação geral” e consiste na ampla gama de conhecimentos exigidos para a formação da pessoa culta. Essa nova exigência assustava os mais conservadores, como Catão, o Antigo, que criticava a in uência grega, por achá-la deformadora da tradição romana. Não obstante as reservas de Catão o antigo, em Roma as escolas vão se disseminar por todo o Império e atender a dois grupos especí cos: os lhos das classes dirigentes e funcionários públicos e para os grupos inferiores. Frequentam a primeira, jovens da elite, sendo estes preparados para a vida política ou militar enquanto que o segundo grupo frequenta “escolas técnicas, escolas pro ssionalizantes, ligadas aos ofícios e às práticas de aprendizado das diversas artes e ofícios” (CAMBI, 1999, p. 115). ATENÇÃO Das transformações ocorridas com o expansionismo romano associado à in uência estrangeira proveniente das regiões dominadas e a reformulação na educação, veremos esta sociedade mudar substancialmente a partir do nal século I a.C., nosso próximo tema. A educação durante o império romano No interior da frágil República, manobras para a tomada do poder absoluto ocorrem e, em 27 a.C., Otávio (titulado Augusto), implanta o Império. Neste período veremos orescer em Roma um grande desenvolvimento urbano, contemplando várias construções como termas, aquedutos, edifícios públicos, uma grande extensão de estradas, especialização de produção no campo (ARANHA, 2012, p. 129). No campo das artes também a produção será bem profícua, são desta época Ovídio, Virgílio, Horácio, Tito Lívio. Aranha (2012, p. 129) a rma que ao atingir sua extensão máxima no início do século II d.C., e como necessitava de uma complicada máquina burocrática, o Império aumentou seu contingente de funcionários do governo, inclusive para a arrecadação de impostos. O império começa a sofrer a partir do século II d. C., com o desmantelamento do modelo político, a corrupção, lutas internas pelo poder, a dissipação dos costumes e o luxo exacerbado. Também ocorrerão mudanças no sistema de mão de obra, como descrevendo que no século III ao cessarem as guerras é sentido a crise do sistema de escravidão que aos poucos será substituída pelo regime de colonato, onde os camponeses estão ligados diretamente a terra e não podem ser desvinculada dela, ainda devem pagar com parte do que produzem aos proprietários da terra (ARANHA, 2012, p. 131). Figura 4 - Constantino, imperador (272-337) Fonte: @Nirvana2013 em wikimedia. Perceptível também é a crise urbana, do comércio inclusive que gera um movimento de parte da população para os campos. Os chamados bárbaros, por serem externos ao império, aos poucos, se in ltraram em território romano ora como colonos ora como soldados. Segundo Aranha (2012, p. 131), no ano de 395 o Império Romano dividiu-se em Oriental, com sede em Roma e Oriental com sede em Constantinopla. Neste cenário em que a República perece sob a mentalidade imperial, serão formuladas algumas mudanças na educação, com a constante intervenção do Estado com interesse em montar uma grande máquina burocrática, composta por funcionários que tenham sido educados no mínimo na educação elementar. De início, o Estado interferia de forma mais sugestiva, com o passar do tempo controlava a educação por meio de legislação, por m tomou para sua inteira responsabilidade. Luzuriaga (1984, p. 75) destaca que: já no século I a.C., o Estado estimulava a criação de escolas municipais em todo o Império. O próprio César concedera o direito de cidadania aos mestres liberais. No século I d.C., Vespasiano liberou de impostos os professores de ensino médio e superior e instituiu o pagamento a alguns cursos de retórica, de que se bene ciou o mestre Quintiliano. Pouco tempo depois, Trajano mandou alimentar os estudantes pobres. Aranha (2012, p. 136) complementa que: mais tarde, outros imperadores legislaram sobre a exigência de as escolas particulares pagarem com pontualidade os professores e também de niram o montante a ser pago. Coube ao imperador Juliano (ano 362) praticamente o cializar toda nomeação de professor, feita pelo Estado. Aos poucos os Imperadores passaram a administrar todas as etapas didáticas das escolas, utilizando a instituição da escola como aparelho do Estado. Neste mesmo período permanecem as escolas de ensino superior com a formação de retórica, loso a sendo acrescentadas as cátedras de direito, mecânica e medicina. Os funcionários públicos ocupavam cargos conforme seu grau de formação, sendo que algumas funções eram exercidas sem uma formação especí ca, mas elementar e, eram che ados por funcionários de cargos mais elevados, sendo estes, com formação superior (ARANHA, 2012, p. 137). A educação na Idade Média AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion O período denominado Idade Média costuma ser dividido em dois momentos: o primeiro vai do século V ao século X e outro que percorre os séculos XI ao XV. Esses períodos são denominados Alta Idade Média e Baixa Idade Média respectivamente. Cada um deles apresenta uma constituição social, econômica, política e cultural que os caracterizam. Enquanto na Alta Idade Média predominavam a reclusão da vida nos feudos, na Baixa Idade Média tem-se o fortalecimento da vida urbana e com ela, de novas relações sociais, econômicas e culturais. Nos dois momentos da sociedade medieval existiam modelos educacionais. Como já visto na Unidade anterior, o cristianismo em ascensão desde o nal do século III impôs ao mundo europeu um novo modelo de homem baseado na vida de Jesus Cristo, mas, esse modelo seria superado por outras formas de pensar propostas pelo mundo medieval centrado na Igreja Católica. A Igreja foi o “palco xo” por trás do qual se moveu toda a história da Idade Média e um dos motores do seu inquieto desenvolvimento (ao lado do Império e das cidades), talvez o motor por excelência. A Europa, de fato, nasceu cristã e foi nutrida de espírito cristão, de modo a colocála no centro de todas as manifestações, sobretudo no âmbito cultural (CAMBI, 1999, p. 145). Essa sociedade marcada pelo poder do catolicismo desenvolve uma educação em estreita simbiose com a Igreja e a fé cristãs que se tornam os únicos veículos aceitos para formar e conformar a população. Da instituição católica emergem modelos educacionais diferenciados para o povo e para as classes privilegiadas, demonstrando uma continuidade no dualismo educacional que perdurava desde o mundo antigo (CAMBI, 1999, p. 146). Cambi (1999), ensina ainda, que a escola conhecida por nós é produto da Idade Média. Modelo assim de nido por ele: A sua estrutura ligada à presença de um professor que ensina a muitos alunos de diversas procedências e que deve responder pela sua atividade à Igreja ou a outro poder (seja ele local ou não); as suas práticas ligadas à lectio e aos autores, à discussão, ao exercício, ao comentário, à arguição etc.; as sua práxis disciplinares (prêmios e castigos) e avaliativas vêm daquela época e da organização dos estudos nas escolas monásticas e nas catedrais e sobretudo nas universidades. Vêm de lá também alguns conteúdos culturais da escola moderna e até mesmo contemporânea: o papel do latim; o ensino gramatical e retórico da língua e imagem da loso a, como lógica e metafísica (CAMBI, 1999, p. 146 grifo do autor). Com base nesses dados, em seguida nos debruçaremos sobre os três modelos escolares praticados pela sociedade medieval representados pelas: Escolas Monásticas ou Abaciais Escolas Catedrais Escolas Palatinas ou Palacianas De acordo com Aranha (2012, p. 154), embora tenha havido retrocessos em diversos setores, dependendo da época e lugar, a Idade Média se caracterizou por ser um período de intensas transformações. Basicamente, a educação na Idade Média “resulta, portanto, em determinados comportamentos que conduzem as pessoas ao respeito a Deus e aos homens, condição imprescindível ao convívio social” (OLIVEIRA, 2010, p. 26) além de se constituir sobre um sistema hierárquico de sociedade. A alta idade média A Alta Idade Média – caracterizada pelas invasões bárbaras e pela formação dos primeiros reinos germânicos -, teve por base a educação patrística no Ocidente de tradição cristã. Este período é descrito assim por Manacorda (1992, p. 111): No início do século VI veri cam-se fenômenos políticos signi cativos. De um lado, alguns reinos romano-bárbaros já se implantavam rmemente em territórios do Império do Ocidente, onde a única autoridade política autenticamente romana é a Igreja e especialmente o papado; do outro lado o Império do Oriente conserva ainda sua unidade e a sua força, o que lhe permitirá tentar a reconquista do Ocidente. Estes três centros de poder, tão diferentes entre si, se enfrentarão numa complexa luta ideológica e militar. Esta desagregação da antiga ordem que irá gerar insegurança entre a população levará ao fenômeno de despovoamento das cidades e uma maciça migração para o campo. Este processo de ruralização se estendeu até o século X e foi caracterizado como feudalismo. Neste panorama constata-se o desaparecimento gradual da escola clássica e a formação da escola cristã. Figura 1 - Grupos sociais da Idade Média Fonte: @macrovector em freepik Segundo Cambi (1999, p. 156 grifos do autor), a sociedade medieval era dividida hierarquicamente entre clérigos (oratores); guerreiros (bellatores) e camponeses e artesãos (laboratores), ou seja, o povo. Nessa sociedade, os vínculos entre homem e homem são os de sangue e não mais interesses ligados à pólis ou às civitas assim como tampouco às comunidades cristãs. Para essa população compartimentada foram desenvolvidas formas diferentes de educar. Escolas Monásticas: Em princípio as Escolas Monásticas ou abaciais (Abadias), dedicavam-se a uma cultura ascética, ligada a leituras de “textos sagrados e do saltério, dedicado à formação espiritual e à meditativo” (CAMBI, 1999, p. 158). Somente a partir do século VII é que a educação medieval começa a tomar forma e se estabelecer como uma educação a cargo da Igreja Católica responsável por formar o menino-monge ou noviço por meio da leitura, memorização, cálculo e do canto (CAMBI, 1999, p. 158). Escolas Catedrais: Como o próprio nome enseja, se instalaram junto a igrejas de grandes cidades da França e da Bélgica como Paris, Liége e Orléans. Nessas “escolas” investia-se em mestres e docentes e no ensino da gramática e artes para jovens sacerdotes e aspirantes CAMBI, 1999, p. 159). Ou seja, era uma escola voltada para formação do clero secular, e, nessas escolas, [...] cultivava-se o estudo do trívio (gramática, retórica, dialética), mas sobretudo do quadrívio (aritmética, geometria, astronomia, música) e se difundia um saber enciclopédico tirado de Boécio, Cassiodoro e Isidoro de Sevilha, caracterizado pela “tradição e submissão”, vinculado pela auctoritas, fosse ela representada pela Sagrada Escritura, pelos textos dos Padres ou elaboração dos Concílios, e destinado a xar a ordo e a regula: o primeiro “estabelece invariavelmente o antes e o depois, os meios e os ns” e, portanto, uma hierarquia entre os saberes; a segunda “requer a virtude mais apreciada na ética de toda a Idade Média: a delidade ( des)”, como própria do intelectual (Aléssio) (CAMBI, 1999, p. 159 grifos do autor). As escolas catedrais mantiveram um estudo conservador e não criativo e, somente com o renascimento das cidades esse modelo foi questionado e modi cado quando, diante da nascente sociedade burguesa, outros saberes tornaram-se necessários. Modelo palaciano: Paralelamente ao ensino monástico e catedrático, desenvolveuse o modelo palaciano ou palatino de educação. Voltado para a formação da nobreza da corte e administradores do Império – geralmente eclesiásticos -, o ensino palaciano iniciado ainda no governo de Carlos Magno (742-814), era voltado ao poder laico. Nessa escola ensinava-se a gramática e a retórica e foram elaborados manuais diversos como a Sulla gramaticae, a Sulla retórica e a Sulla ortogra a. O método de ensino era “organizado em escalas ordenadas de argumentos e resumos” (CAMBI, 1999, p. 160). Por volta do Ano Mil, o mundo medieval dominado pelo poder descentralizado dos feudos começa a se alterar. Toma corpo a burguesia, grupo social ligada à vida nas cidades, ao comércio local e intercambial. Esse novo grupo social compartilha de valores e princípios que diferem dos impostos pela Igreja Católica como a ideia de indivíduo, de liberdade e de produtividade. ATENÇÃO É no século XI que veremos o germe de valores que irão se fortalecer durante a Modernidade. Estamos diante do segundo momento da Idade Média, denominado Baixa Idade Média e que durou do século XI ao XV. A baixa idade média No período denominado como Baixa Idade Média (XI a XV), as mudanças na educação serão ainda mais complexas que as ocorridas até então. Em ns do século XI, depois de várias incursões das Cruzadas e com elas a liberação do Mar Mediterrâneo, o comércio volta aos poucos a se organizar, com isto as cidades também voltaram a se estabelecer, oriundas dos antigos burgos e, com o tempo, estes burgos se transformarão em cidades livres. Por volta do século XI, o comércio ressurgiu, as moedas voltaram a circular, os negociantes formaram ligas de proteção, montaram feiras em diversas regiões da Europa e passaram a depender das atividades dos banqueiros. As cidades cresceram graças ao comércio orescente. Como resultado das lutas contra o poder dos senhores feudais, as vilas se libertaram aos poucos, transformando-se em comunas ou cidades livres (ARANHA, 2012, p. 167). Com a expansão das cidades, por meio do crescente comércio, as necessidades de formação também se transformaram. As modi cações exigidas no sistema de educação zeram surgir as escolas seculares, não religiosas, os burgueses necessitavam de uma educação que atendesse os objetivos da vida na cidade, em especí co a manufatura e o comércio. Mas, também surgiram formas diferentes de educar os nobres cavaleiros e as mulheres e com isso, observa-se que são criados modelos de educação diversos que atendessem aos interesses de cada um dos diferentes grupos que compunham a sociedade. Um desses modelos visava formar as “gentes de ofício” como o alfaiate, ferreiro, boticário, tecelão, marceneiro, etc. Com o incremento comercial e as exigências por luxo e conforto da nascente burguesia e da já existente nobreza, os artesãos passaram a se organizar em Corporações de Ofício. Assim, para aprender uma pro ssão, o jovem deveria viver sob o mesmo teto que o mestre e passava a ser chamado de “aprendiz”. Não recebia pagamento e só se tornavam mestres o ciais após serem submetidos a um exame autorizado pelo mestre. Se aprovados, poderiam abrir suas próprias o cinas (ARANHA, 2012, p. 169). Outra modalidade de formação não religiosa foi a dos cavaleiros, também denominada educação militar e fundamentalmente composta por nobres, haja vista que para ser um cavaleiro era necessário certo investimento em uma montaria e armadura por exemplo, o que somente os nobres tinham condições para prover. O cavaleiro era geralmente o segundo lho da família de nobres, uma vez que ao primeiro cabia o direito de propriedade pela primogenitura. Segundo Aranha (2012, p. 170), o Cavaleiros eram formados em três etapas como exempli cado abaixo: Quadro 1 - Etapas da formação do Cavaleiro: Pajem Dos 7 aos 15 anos o menino servia como pajem no Castelo, aprendia música, poesia, jogos de salão, convivia com as damas, aprendia a falar bem, exercitava-se nos esportes e adquiria maneiras cortesãs; 2. Escudeiro Aprendia a montar e a manejar armas com vistas a uma formação para guerras; Era introduzido em assuntos políticos e rudimentos amorosos; Continuava a estudar poesias e música; 3. Cavaleiro Aos 21 anos era sagrado Cavaleiro após cerimônia religiosa de grande pompa. 1. Fonte: Elaborado de acordo com Aranha, 2012, p. 170. A educação das mulheres não foi prioridade no mundo medieval, no entanto, a ela foram destinados alguns espaços de instrução como nos mosteiros onde, desde o século VI, lhes foi dada a permissão de aprenderem a ler e escrever a m de serem educadas e consagradas a Deus. Já as lhas dos nobres podiam receber instruções dentro do próprio Castelo onde aprendiam além de ler e escrever, música, religião e rudimentos das artes liberais (geogra a e história por exemplo). Conduto, sua educação era geralmente voltada para atividades consideradas exclusivamente femininas (ARANHA, 2012, p. 174). Os servos, geralmente trabalhadores das regiões agrícolas, não recebiam qualquer tipo de instrução formal. Bastava apenas que fossem educados para serem cristãos. As formas de educar essa população eram baseadas em grandes edi cações como Catedrais que remetiam a uma espiritualidade transcendental; em afrescos e cantos com temas religiosos; festas e literatura voltada para a biogra a de santos, as hagiogra as. Todos esses mecanismos visuais e auditivos educavam para a devoção e o comportamento cristão (ARANHA, 2012, p. 174). ATENÇÃO Não podemos deixar de incluir uma das mais importantes instituições de ensino surgidas neste período, as Universidades. Estas representaram um modelo inovador na educação superior e a primeira Universidade que se tem notícia surgiu em Salerno na Itália ainda no século X e oferecia o curso de medicina (ARANHA, 2012, p. 172). De início eram conhecidas como assembleias corporativas, aliás, o corporativismo será uma organização frequente em diversos setores, neste caso era a corporação dos mestres e estudantes. Esse espírito das corporações resultou da in uência da classe burguesa que desejava ascender socialmente. Dawson (2014) explica que estes mestres ensinavam principalmente a partir do método escolástico que foi o método responsável “pela preparação da mentalidade ocidental” (DAWSON, 2014, p. 334). Quando falamos em Escolástica e escolásticos, normalmente nos referimos ao desenvolvimento posterior do pensamento medieval que se seguiu à descoberta de Aristóteles. No sentido etimológico estrito, contudo, a Escolástica nada mais é que a tradição educacional das escolas medievais – o currículo das sete artes liberais, o Trivium e o quadrivium – gramática, retórica e dialética (lógica). De início era a lógica de Aristóteles que norteava os estudos, depois com a tradução de suas obras para o latim, a Escolástica tomará poder no processo de educação superior, no século XIII. Temos como o maior expoente Tomás de Aquino para quem, o m do homem é o aperfeiçoamento de sua natureza, o que somente poderá se cumprir em Deus. A nalidade última das ações humanas transcenderia, portanto, ao próprio homem, cuja vontade, mesmo que ele não o saiba, leva-o a dirigir-se ao supremo. Para que a pessoa seja considerada boa, a vontade deve conformar-se à norma moral que se encontra nos homens como re exo da lei eterna da vontade divina. Na política, São Tomás distingue três tipos de lei, que dirigem a comunidade ao bem comum: 1. O primeiro é constituído pela lei natural (conservação da vida, geração e educação dos lhos, desejo da verdade). 2. O segundo inclui as leis humanas ou positivas, estabelecidas pelo homem com base na lei natural e dirigida a utilidade comum. 3. Por m, a lei divina guiaria o homem à consecução de seu sobrenatural, enquanto alma imortal. m As Universidades serão locais onde a atividade cultural será uma constante, gerando novas ideias e constantemente criando con itos com a Igreja. Aos poucos a hegemonia da fé católica começa a ser afrontada, sendo também estes espaços de educação, a partir do século XII, um dos locais de ação do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição) na busca de heresias. Esse modelo de educação universitária sofre duras críticas a partir do século XIV, quando [...] as universidades entraram em decadência, as xiadas pelo dogmatismo decorrente da ausência de debate crítico. Resistindo às mudanças, tentavam manter a in uência escolástica de recusa à observação e experimentação, distanciando-se, portanto, das tendências que prenunciavam o nascimento da ciência moderna (ARANHA, 2012, p. 171). Além da educação formal superior discutida nos últimos parágrafos, existiram ainda modelos educacionais ofertados a crianças e jovens que eram instruídos de acordo com as ocupações geralmente de suas famílias. Por exemplo, o lho do comerciante costumava frequentar pequenas escolas na cidade, as escolas seculares, assistido por um professor leigo nomeado pela administração municipal. Essas escolas, é claro, eram independentes umas das outras. Forrava-se o chão com palha, e os alunos aí se sentavam. (…) Então, o mestre esperava pelos alunos, como o comerciante espera pelos fregueses. Algumas vezes, um mestre roubava os alunos do vizinho. Nessa sala, reuniam-se então meninos e homens de todas as idades, de 6 a 20 anos ou mais (ARIÈS, 1986, p. 167). Nas escolas seculares, os alunos recebiam instrução em língua vulgar – não em latim portanto –, e noções de história, geogra a e ciências naturais, saberes em acordo com os interesses da burguesia em ascensão. O Trivium e o Quadrivium não faziam parte desse sistema educacional (ARANHA, 2012, p. 127). REFLITA Como a mudança na mentalidade do homem medieval plasmou uma nova sociedade e com ela uma nova forma de compreender a educação e seu papel social. Educação no Renascimento AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion No período renascentista (Séc. XIV-XVI), veremos que com o fortalecimento da burguesia o crescimento da manufatura alterou signi cativamente as formas de trabalho, onde a produção doméstica feita por artesãos foi sendo substituída por uma produção em maior escala, dentro dos moldes capitalistas em franco desenvolvimento então. Com isso, a nova ordem do Mercantilismo, levou, dentre outras medidas políticas e econômicas, uma aliança entre burgueses e a alta nobreza. Outra característica do período foram modi cações no pensamento religioso passa por modi cações pautadas pelo racionalismo que, por sua vez, é a retomada do pensamento losó co presente na Antiguidade Clássica. Retoma-se nesse período, a tradição do ensino elitizado no qual a formação cortesã assume seus contornos mais expressivos. O ensino enciclopédico e literário recupera os valores laicos da cultura greco-latina (ARANHA, 1990, p. 79). Muitos se opunham aos critérios rígidos da fé e buscavam na capacidade humana a libertação para uma sociedade mais livre para construir seus caminhos, baseados em seus interesses pessoais. O antropocentrismo resgata a dimensão humana sobre todos os aspectos, favorecendo a quebra com vários laços medievais, tendendo sempre a uma negação de antigos dogmas e levando a um senso crítico que, aos poucos, ui para uma laicização do saber, contrários ao preconceito e às intolerâncias. CONCEITUANDO Renascença ou Renascimento, signi ca a libertação do homem quando “o olhar humano desvia-se do céu para a terra, ocupando-se mais com as questões do cotidiano” (ARANHA, 2012, p. 196). A vida passa a estar em suas mãos e não mais de nida, imutavelmente pela vontade de Deus. O homem se liberta da antiga loso a e passa a construir um mundo totalmente novo, com novas ideias, novos conhecimentos, valores, regras e um pensamento ético diferente. Neste momento de transição, o pensamento humanista orienta os intelectuais em sua forma de entender o mundo. O espírito inovador do Renascimento manifestou-se inclusive e, sobretudo, na religião. Desde o século XII a fé católica enfrentava seus oponentes por meio da Inquisição, mas esta atividade não conseguiu frear o desenvolvimento urbano e as relações comerciais que delas emanavam. Portanto, movimentos contra a Igreja serão uma constante a partir do século XII e tomarão corpo cada vez maior nos séculos seguintes. As causas dos movimentos não eram exclusivamente religiosas, mas as restrições econômicas, como a condenação da Igreja do lucro, o empréstimo, praticados pela própria Igreja inclusive, vão aos poucos atormentando as operações dos burgueses e se tornando um entrave ao desenvolvimento comercial. Esta situação, à medida que as relações comerciais crescem, se torna insustentável. No entanto, o maior embate ocorrido foi a Reforma Protestante, proclamadas por Lutero e Calvino, que viam no enriquecimento um sinal de favorecimento divino, logo os nobres e a burguesia começaram a aderir à nova crença que se instalava. No século XVI, surge uma proposta de implantação de instrução universal. A ideia parte de Lutero e Melanchthon, iniciadores da Reforma protestante que consideram a educação para todos uma atribuição do Estado. Conscientes da importância da alfabetização como instrumento de divulgação da Reforma, os protestantes muito in uenciaram na organização da escola elementar, na esperança de possibilitar a leitura e a interpretação da Bíblia, já então traduzida para o vernáculo (ARANHA, 1990, p. 79). Mesmo com a Contrarreforma da Igreja promovida pela Igreja Católica perante a Reforma protestante por meio do recrudescimento maior da Inquisição, não foi possível deter este movimento que abrirá, inclusive, precedentes na reformulação do ensino e a liberdade que a ciência necessitará para orescer. E, para combater a expansão do protestantismo, Aranha (2012, p. 202) relata que a Igreja Católica incentivou a criação de ordens religiosas, deste processo descendem os colégios jesuítas, tendo por seu organizador Inácio de Loyola, ex-militar que não podendo mais exercer suas funções por motivos da guerra, resolveu utilizar seus conhecimentos de regimento fundando a Companhia de Jesus. Com esta característica, a Ordem estabelecia rígida disciplina militar e tinha como objetivo inicial a propagação da fé cristã, contra os heréticos, no entanto com o tempo perceberam que arregimentar almas novas era mais e ciente do que adultos, estes esforços foram desviados para a fundação dos colégios. Neste sentido, Aranha (2012, p. 203) complementa nossa abordagem: A e ciência da pedagogia dos jesuítas deveu-se ao cuidado com o preparo rigoroso do mestre e à uniformidade de ação. Em 1550 foi fundado o Colégio Romano, para formar professores. Como unidade centralizadora, recebia os relatórios das experiências realizadas em toda a parte do mundo. (ARANHA, 2012, p. 203). Tinham como diretriz o Ratio Studiorum (organização escolar), com regras práticas sobre a ação pedagógica bastante rígida dividida entre estudos inferiores e estudos superiores, a organização administrativa, toda a hierarquia dos pro ssionais da educação. O Ratio também organizava o andamento do colégio e dos estudos, desde funções do reitor e professores passando pela didática e disciplina estudantil, sempre com ns éticoreligiosos (CAMBI, 1999, p. 261) . Fonte: wipedia No Renascimento as crianças passam a ser vistas e cuidadas de forma especial, sendo separadas inclusive nas escolas dos adultos, fato que esta mistura anteriormente era comum: Os contratos [...] de pensão escolar, raramente mencionavam a idade do menino, como se isso não tivesse importância. Se considerarmos esta indiferença com relação à idade, se nos lembrarmos do que foi dito atrás sobre métodos pedagógicos utilizados, sobre a simultaneidade e a repetição do ensino, não nos surpreenderemos em ver na escola medieval todas as idades confundidas no mesmo auditório. E essa mistura de idade continuava fora da escola. Velhos ou jovens, os alunos eram abandonados a si mesmos. Alguns, muito raramente, viviam com os pais. Outros viviam em regime de pensão, quer na casa do próprio mestre, quer na casa de um padre ou cônego [...]. (ARIÈS, 1986, p. 166). Com o m de proteger as crianças de más in uências foi proposto a hierarquia diferente, com disciplina severa, a meta da escola não se restringia à transmissão do conhecimento, mas também à formação moral. Em todos os setores da sociedade ocorreram mudanças profundas, e a educação será um deles, em todas as dimensões. Um campo também que recebeu um grande impulso foi a ciência, inclusive com interesse da burguesia em desenvolver novas formas mais e cientes de produção e exploração, que será o futuro das grandes companhias e indústrias. Nesta nova ordem, o saber não correspondia a um acúmulo de conhecimento encerrado em si, mas o saber correspondia a “transformar”. Este período se constrói dentro de uma contradição entre o absolutismo real em um mundo cada vez mais liberal, onde os valores burgueses cavam cada vez mais evidentes enquanto se fortaleciam gradualmente. As novas formas de vida obrigavam cada vez mais pessoas a educarem-se, a especialização dos saberes ganha forma. Nas palavras de Arruda (1995, p. 53) podemos veri car as áreas que se desenvolveram nesse período histórico: O renascimento deu grande privilégio à matemática e às ciências da natureza. A exatidão do cálculo chegou até mesmo a in uenciar o projeto estético dos artistas desse período. Desenvolvendo novas técnicas de proporção e perspectiva, a pintura e a escultura renascentista pretendiam se aproximar ao máximo da realidade. Em consequência disso, a riqueza de detalhes e a reprodução el do corpo humano formavam alguns dos elementos correntes nas obras do Renascimento. (ARRUDA, 1995, p. 53). A partir desta realidade burguesa, notamos um re exo na educação que se desenvolvia para uma pedagogia realista, aspirando um conhecimento universal, estendido para todos, no entanto a maior parte do ensino ainda estava na mão dos religiosos que, além de prevalecer um conhecimento baseado ainda nos termos da Igreja, formava uma nobreza aburguesada, uma vez que a educação se estendia a um número um pouco maior, mas tendo a grande maioria fora dos domínios da educação. No entanto, uma grande massa de trabalhadores precisa cada vez mais de uma formação mínima para atender as novas formas de produção, deixando claro o que a sociedade viverá em termos de educação depois do século XVII, uma escola dualista, um tipo de formação para a elite e outra para o povo. A educação na Modernidade AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion O século XVIII é conhecido por meio da de nição dos livros didáticos por “Século das Luzes”, é denominado também por alguns teóricos de “Século da Educação”, apesar de ainda persistirem antigas contradições decorrentes da decadência do regime feudal e da ascensão da burguesia, mesmo assim, as luzes traduzem o poder da razão humana de interpretar e reorganizar o mundo. Assim relata Manacorda (1992, p. 236): Educar humanamente todos os homens torna-se o grande objetivo da educação moderna: de várias maneiras, com diferentes iniciativas e não sem graves recaídas no paternalismo e no assistencialismo, os iluministas, os novos utopistas, os reformadores e os revolucionários deste século tentam concretizar este ideal. Do pensamento humanista, nem o antigo patrimônio cultural serão mais su cientes, com o surgimento da ciência moderna, será colocado em xeque também o latim que não se adéqua aos novos tempos. É o momento de cisão e negação do período medievo, do mundo feudal. A economia capitalista nesse período investe na necessidade de escolas e legislações referentes a obrigatoriedade de estudos baseados em programas, níveis e métodos que atendam às necessidades da produção (ARANHA, 1990, p. 79). Destaca-se em Lyon na França, o abade Charles Démia (1636-1689), “defensor da educação popular e fundador de diversas escolas gratuitas para crianças pobres” (ARANHA, 1990, p. 80). Aranha informa ainda que, de instrução religiosa, essas escolas formavam mão de obra para o trabalho nas indústrias e comércio bem como para trabalhos domésticos em residências de pessoas ricas. O momento da iluminação, 1791. Fonte: wikimedia Outro destacado estudo voltado para a educação moderna é oriundo do trabalho desenvolvido por João Amós Comênio (1562-1670), para quem o ideal de educação é o democrático no qual o acesso devia ser garantido a todos “fossem homens ou mulheres, ricos ou pobres, inteligentes ou ineptos” (ARANHA, 1990, p. 80). São muitos os pensadores deste rico e intenso período, podemos citar principalmente Jean-Jacques Rosseau (1712-1778), um dos ícones do pensamento iluminista. Ele pregava uma educação nova, baseado no desenvolvimento dos dons naturais da criança (teoria de forte in uência pedagógica para outros autores posteriores, inclusive na atualidade) ideia esta que será implantada e posta em prática nos séculos posteriores. Por esses motivos, Rousseau será chamado de “pai da pedagogia contemporânea” (CAMBI, 1999, p. 342). Podemos dizer que quando se inicia a Idade Moderna, junto com ela vem uma nova forma de pensar que tem como ponto de partida o problema do conhecimento. Filósofos como Descartes, Bacon, Locke, Hume, Espinosa abriram o espaço para a discussão da teoria do conhecimento segundo questões do método, isto é, colocando em discussão os procedimentos da razão na investigação da verdade, antes de se permitir teorizar sobre qualquer tema. Neste sentido, a autonomia do pensamento, bem dirigido pelo “método” leva a razão a encontrar a verdade. REFLITA O povo, durante a Idade Média – e durante muito tempo também na Idade Moderna -, é analfabeto. Seus conhecimentos estão ligados a crenças e tradições ou observações de senso comum: seu horizonte cultural é muito limitado, mas bem rme na centralidade atribuída à fé cristã e à visão do mundo, que chega a ele por muitas vias alternativas à escrita: sobretudo através da palavra oral e da imagem, que são duas vias de acesso à cultura por parte do povo. (CAMBI, 1999, p. 178). A educação na Contemporaneidade AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion No século XIX, são muitos os teóricos ligados direta ou indiretamente à educação. Eles in uenciaram e contribuíram à sua maneira com a proposta de uma nova escola, que mesmo tendo se mantido ainda de forte tendência individualista, mostraram a nítida preocupação com os ns sociais da educação. Um exemplo é Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) em seu trabalho com a educação elementar das crianças pobres (ARANHA, 2012, p. 353). Havia neste momento uma preocupação de fato de preparar as crianças para uma vida social mais justa e equilibrada, preocupada com o bem-estar social, com o progresso e a transformação. É o período das escolas técnicas, do desenvolvimento gigantesco das disciplinas cientí cas das quais algumas foram reformuladas, dividiram-se ou criaram-se novas. Segundo Aranha (2012, p. 361) o lósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), ao examinar a cultura de seu tempo lamentou o estilo de educação praticado uma vez que o modelo proposto, segundo ele, era depositário de uma erudição vazia e, portanto, separada da vida. Observaremos neste século também o momento da escola pelo Estado, em uma tentativa de organização da educação pública, como aponta Aranha (2012, p.336): Enquanto o Estado se esforçava para oferecer a escola gratuita para os pobres, é bem verdade que os ricos ainda procuravam as escolas tradicionais religiosas[...] Apesar das críticas dos religiosos à educação laica, lentamente os governos conseguiram intervir inclusive nas escolas particulares, mediante legislação que buscava uniformizar o calendário escolar, o controle de tempo, o currículo, os procedimentos criando os “sistemas educativos nacionais”. A autora supracitada ainda a rma que nesse período, veri cou-se uma nítida separação entre pedagogos, ou teóricos da educação, e os educadores propriamente ditos, que exerciam sua função em sala de aula. No ensino secundário a formação segue duas vertentes, a propedêutica ou o ensino clássico, para as elites, na outra ponta a disseminação de escolas técnicas para os pobres e operariados. No ensino superior um dado importante que além da ampliação dos currículos foi o aumento das escolas politécnicas que visavam atender as exigências de uma sociedade baseada nas novas experiências tecnológicas. No século em que a razão humana é exaltada, a escola leiga, livre e universal tornase o modelo democrático proposto pelo Marquês Condorcet (1743-1794), Lepelletier (1760-1973) e Diderot (1713-1784) (ARANHA, 1990, p. 80). Por outro lado, Voltaire (1694-1778) e Filangieri (1752-1788), irão defender uma educação pública para todas as classes, mas, não a mesma educação para todos (ARANHA, 1990, p. 80). O que con gura em ns do século XVIII como uma instituição excludente e recheada de privilégios para as elites. Esse modelo de educação, foi superado no século seguinte quando surge o movimento que cou conhecido como Escola Nova e sobre o qual nos iremos nos debruçar na próxima unidade. SAIBA MAIS A EDUCAÇÃO E O ESTADO ROMANO Apesar de sua vigência relativamente longa, a República em Roma (509 a 27 a.C.) não adotou uma política educacional propriamente dita. Esse fato adquire um grande signi cado quando se tem em conta que Roma incorporou à sua cultura muitos aspectos do helenismo, menos o tratamento que era dado à educação. Enquanto entre os gregos a educação foi um assunto de grande interesse do Estado, o mesmo não aconteceu com Roma. Em comparação com um povo intelectual e artista como o grego, o romano era um povo de camponeses, que valorizava o “pro ssional”, o negotium militar, político e agrícola, entre outros. Os romanos provavelmente admitiram a diferenciação estabelecida pelos gregos entre a formação “liberal” e a formação “pro ssional”, porém demonstrava clara preferência pela última. Neste caso, introduziram outros elementos, como a possibilidade de utilização prática e o caráter utilitário, conferindo à formação intelectual um novo per l. Outro indicativo desta pragmática é a concepção de que a educação deveria preparar para a vida. Fonte: Mais informações em: MELO, José Joaquim Pereira. A educação e o estado romano. ACESSAR REFLITA Como visto, a Igreja Católica dominou o setor educacional durante a Idade Média. Tanto a produção escrita quanto a imagética foram determinadas por essa instituição que também determinava o acesso da população a essa cultura. Com base na a rmativa feita pelo educador italiano Franco Cambi (1940 -), re ita acerca do poder das mídias na sociedade atual. Conclusão - Unidade 2 Querido (a), Nosso objetivo nesta unidade foi estudar aspectos elementares da educação praticada desde os povos da Antiguidade Oriental e Ocidental até o nal do século XX. E, enquanto sociedades como a mesopotâmica e a egípcia inauguraram a institucionalização das escolas, vimos que os modelos educacionais propostos tinham por base a paidéia grega. Vimos também que não é mais possível falarmos apenas em paidéia no singular e sim, em paideias como a homérica e a hesiódica assim como também as paideias propostas pelos lósofos e pelos so stas cada qual partindo das realidades econômicas, sociais e políticas presentes em suas sociedades. Anexados pelo poderoso império romano, o mundo grego e sua cultura in uenciam seus dominadores com sua cultura re nada e suas propostas educacionais. Com o cristianismo tendo se tornado uma igreja com poderes estatais, um novo modelo de homem é proposto e, nem sempre com base no racionalismo e sim, baseado numa educação marcada pela fé e pelo dogmatismo católico. Vimos que a educação, neste período, se manterá estática por muito tempo, mas talvez menos que nas civilizações do período clássico. A Igreja teve o papel importante de preservar e transmitir parte da cultura antiga no decorrer dos séculos, no entanto o processo do conhecimento gerou com o tempo o germe da dúvida, da oposição e, por m, da libertação. Quanto a esse processo a Igreja não pode fazer nada de concreto por muito tempo, mesmo que tivesse tentado de todas as formas. Vimos, portanto, a libertação do pensamento humano a partir do século XV e o processo de transformação na educação alcançou uma nova dimensão e velocidade. À medida que se libertava do dogma católico, uma nova forma de compreender o mundo, de se relacionar com as diversas áreas do conhecimento levou o homem a patamar de gura principal, é o fazer-se, construir-se, o homem pelo próprio homem num antropocentrismo que gestou o Renascimento e a própria sociedade Moderna. A partir deste momento a transformação na educação desenvolverá uma velocidade e proporcionará uma variedade de ideias, métodos, jamais vistos na história da humanidade sobretudo a partir do século XVIII quando a velocidade das máquinas se re etirá no tempo do homem, da sua necessidade de formação e no elaborar e reelaborar os projetos educacionais ideais que foram pensados sobretudo pelo lósofo estadunidense John Dewey em ns do século XIX e início do XX. De forma geral, veri camos nessa unidade, como foi fértil a discussão sobre a educação e a riqueza de ideias e proposições desde os ideais Iluministas. O processo de laicização da educação mais as revoluções ocorridas na sociedade desde aquele momento histórico permitiram um ambiente de mais liberdade de discussão e recebeu uma atenção maior, juntamente com a contribuição de vários pensadores que viam na educação a única via para a transformação da sociedade. Muito além disto, a educação para todos deixou de ser um ideal e se transformou em uma necessidade, inclusive por causa da ciência moderna e as inovações tecnológicas. Tudo isso permitiu novas teorias e a sistematização de métodos para que a escola e o saber se adequassem dentro das necessidades da sociedade moderna. Leitura complementar Obra que aborda em detalhes a formação da cristandade desde a tradição judaico-cristã até a ascensão e queda do mundo medieval. DAWSON, Christopher. A formação da cristandade: das origens na tradição judaico-cristã à ascensão e queda da unidade medieval. São Paulo: É Realização Editora, 2014. Nesta obra Marrou narra minuciosamente como se deu a educação na Antiguidade: MARROU, Henri-Irénée. História da educação na antiguidade. São Paulo: Editora da Usp, 1973. ACESSAR Livro Filme Acesse o link Unidade 3 Atualismo pedagógico e a Nova Escola AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Introdução Caríssimo(a), Nesta Unidade iremos estudar situações de atualismo pedagógico ocorridas, sobretudo, na primeira metade do século XX, juntamente com o Movimento Pedagógico Nova Escola. Para isso, veremos como a escola laica e sob a tutela do Estado contou com uma série de modelos educacionais desenvolvidos para atender às demandas políticas e econômicas da sociedade moderna, industrializada e do entre-guerras. Como noutros períodos históricos, cada sociedade em particular desenvolveu suas próprias propostas e, em países como o Brasil, muitas dessas teorias foram absorvidas e adaptadas à nossa realidade. Assim como as escolas ativistas tiveram seu auge nos anos 1930 com os escolanovistas, a pedagogia do estadunidense John Dewey também encontrou seu espaço numa sociedade em busca da democracia. Se os modelos democráticos ocuparam seu espaço no ocidente, no mundo soviético as pedagogias marxistas gestaram modelos educacionais diversos, tendo por base, sobretudo, a disciplina e o trabalho. Houve espaço, inclusive, para as pedagogias fascistas, como a de Giovanni Gentile na Itália e suas propostas idealistas e atualistas. Outra proposta educacional que mereceu nossa atenção foi a teoria do pensamento complexo, de Edgar Morin. De acordo com esse teórico, a compartimentalização dos saberes, iniciada no século XVI e acentuada no XIX, não respondia mais às necessidades dos indivíduos contemporâneos. Para o autor, o viver em sociedade demanada saberes complexos capazes de resolverem problemas planetários envolvendo o pensamento teórico, mas, também loso a, ética e moral. Sem esgotar o universo das pedagogias do século XX, essa Unidade pretende ser uma introdução ao tema cuja complexidade pode ser conhecida por meio da bibliogra a sugerida ao nal do texto. Vamos a ele! Plano de Estudo Situações de atualismo pedagógico. O Movimento Pedagógico na Nova Escola. Objetivos de Aprendizagem Estudar algumas das pedagogias mais in uentes durante o século XX. Analisar as características do Movimento Pedagógico na Escola Nova. Situações de atualismo pedagógico AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Segundo Franco Cambi (1999), a renovação escolar ocorrida no início do século XX se deu a partir das teorias propostas pelo italiano Giovanni Gentile (1875-1944), por John Dewey e pelo marxismo. Esses três modelos, geralmente denominados modelos idealistas, compõem situações de atualismo pedagógico dentro do período a que estão submetidos: [...] de modo especí co, vieram rearticular a fronteira teórica da pedagogia, mas, ao mesmo tempo, realça sua identidade teóricolosó ca e, portanto, a necessidade de enquadrar os problemas educativos e as vias de sua solução num horizonte mais autônomo, mais coerente, mais rigorosamente fundamentando, ao qual deve referir-se sobretudo a loso a (CAMBI, 1999, p. 534). Os modelos idealistas colocam-se entre os mais radicais do século em pedagogia e em muitos sentidos alimentaram e atuaram na história da educação desde suas criações até a atualidade (CAMBI, 1999, p. 536). Vejamos alguns detalhes de cada uma dessas propostas e dos contextos históricos que as gestaram: Giovanni gentile e a pedagogia do fascismo Giovanni Gentile nasceu 1875, em Castelvetrano, na Itália, e foi assassinado por membros do antifascismo italiano em abril de 1944, na cidade de Florença. Formado em loso a, tonou-se ministro da Instrução Pública em 1922 e 1924, quando aprovou a reforma escolar de 1923. Figura 1 - Giovanni Gentile. 1875-1944 fonte: wikipedia Apoiador do regime de Mussolini, para Gentile: a verdadeira pedagogia cientí ca é aquela que pensa a educação e o homem que é seu protagonista, em termos de espírito, de desenvolvimento dialético e de unidade, mediante o princípio da síntese a priori. Desse modo, a verdadeira ciência é só a loso a, como verdadeira educação é auto-educação (CAMBI, 1999, p. 537). A teoria proposta por Gentile para uma educação escolar oscilava entre a espontaneidade e a necessidade de disciplinar e retomar a centralidade da pessoa do professor. Gentile afastava-se, ainda, da concepção positivista e laica da educação vendo na religião uma forma de “orientação ideal da escola, quase uma loso a inferior adaptada às crianças e às massas” (CAMBI, 1999, p. 539). Segundo Aranha (2012, p. 432), enquanto a Escola Nova teve por ideal educar para a liberdade, no sentido de possibilitar a autogestão do educando e a construção da sociedade democrática, as escolas nos governos totalitários representaram um desvio e um retrocesso, além de evidente violência simbólica. Com a crítica realizada por Aranha, podemos observar que a educação é, desde as sociedades arcaicas, um veículo utilizado pelos governos para educar o indivíduo, seja ele súdito, servo ou cidadão, de acordo com interesses da sociedade que desejam estabelecer ou manter. Sigamos com outro modelo de educação surgido no mesmo período que a pedagogia de Gentile, que é o modelo democrático, proposto pelo estadunidense John Dewey. A pedagogia de John Dewey John Dewey nasceu em Burlington, nos Estados Unidos, no dia 20 de outubro de 1859 e faleceu em Nova York, em 1º de junho de 1952. Considerado o maior pedagogo do século XX, Dewey era também lósofo e considerava que o indivíduo não é um ser isolado e, sim, participante da sociedade. Figura 2 - John Dewey 1859-1952 Fonte: wikpedia Sua loso a de educação foi concebida a partir de uma visão democrática de instituição e in uenciou, sobretudo, a educação no pós Segunda Guerra. Antes, porém, de ter sua pedagogia aceita e difundida, ele tornou-se diretor do Departamento de Filoso a, Psicologia e Educação da Universidade de Chicago, em 1894. O pensamento de Dewey in uenciou grandes transformações sociais e cognitivas no século XX ligadas “à industrialização, à difusão da ciência, ao advento da sociedade de massa e ao desenvolvimento da democracia” (CAMBI, 1999, p. 548). Sua pedagogia visava a promoção humana, uma vez que se voltava para resolver os problemas da sociedade industrial moderna e pôde ser caracterizada por três pontos especí cos: Quadro 1 – Características da pedagogia democrática de John Dewwy 1. Inspirada no pragmatismo e, portanto, em um permanente contato entre o momento teórico e o prático, de modo tal que o “fazer” do educando se torne o momento central da aprendizagem; 2. Entrelaçada intimamente com as pesquisas das ciências experimentais, às quais a educação deve recorrer para de nir corretamente seus problemas, em particular à psicologia e à sociologia; 3. Empenhada em construir uma loso a da educação que assume um papel muito importante também no campo social e político, enquanto a ela é delegado o desenvolvimento democrático da sociedade e a formação do cidadão dotado de uma mentalidade moderna, cientí ca e aberta à colaboração. Fonte: Cambi (1999). Devido a essas características, a pedagogia de John Dewey se tornou o modelo-guia dentro do movimento escola-ativa, que vigorou desde ns do XIX até 1930 e in uenciou as pedagogias europeia e americana. Os modelos marxistas de pedagogia Os modelos marxistas de educação foram concebidos entre 1900 e 1945 e estiveram atrelados às lutas revolucionárias do período, seus princípios doutrinários e estratégias de consolidação da política soviética. Os principais modelos propostos por especialistas e políticos soviéticos foram: A pedagogia da II Internacional; Lenin e as orientações da pedagogia soviética; Anton Semionovitch Makarenko e a pedagogia revolucionária; Gramsci e a loso a da práxis. Figura 3 - Bandeira Soviética Fonte: slon em freepik Cambi (1999), considera ser possível resumir em cinco tópicos os aspectos especí cos comuns à pedagogia marxista, presentes em maior ou menor medida nos quatro modelos acima: 1. uma conjunção “dialética” entre educação e sociedade, segundo a qual todo tipo de ideal formativo e de prática educativa implica valores e interesses ideológicos, ligados à estrutura econômico-política da sociedade que os exprime e aos objetivos práticos das classes que a governam; 2. um vínculo, muito estreito, entre educação e política, tanto em nível de interpretação das várias doutrinas pedagógicas, quanto em relação às estratégias educativas voltadas para o futuro, que recorrem (devem recorrer) explícita e organicamente à ação política, à práxis revolucionária; 3. a centralidade do trabalho na formação do homem e o papel prioritário que ele vem assumir no interior de uma formação integralmente humana de todo homem, libertado de condições, inclusive culturais, de submissão e alienação; 5. oposição, quase sempre exclusivamente frontal, a toda forma de espontaneísmo e de naturalismo ingênuo, dando ênfase, pelo contrário, à disciplina e ao esforço, ao papel de “conformação” que é próprio de toda educação e caz” (CAMBI, 1999, p. 555, grifo no original). É preciso considerar que a pedagogia marxista buscou responder ao modelo soviético de sociedade em diferentes momentos históricos, nos quais se destacam o pré e o pós Revolução de 1917 e o governo de Stálin. Para essa sociedade, a pedagogia era concebida como algo orgânico, cuja orientação estava centralizada pela categoria do trabalho. A educação, nesse sentido, deveria ser emancipativa e igualitária, delegada a uma escola renovada por um modelo histórico-crítico, dialético, cientí co e cujos ns políticos eram explícitos, isto é, o desenvolvimento do modelo soviético de sociedade. SAIBA MAIS Vladimir Lênin, 1870-1924 Vladimir Lenin foi um revolucionário russo que, in uenciado pela teoria marxista, tornou-se um dos grandes nomes por trás da Revolução de Outubro, o evento que levou os bolcheviques ao poder na Rússia de 1917. Sua adesão à teoria marxista aconteceu pela in uência da morte de seu irmão e pelos contatos que teve com esses ideais no seu período de universidade. Para saber mais, acesse Acesse o link Anton Semionovich Makarenko, 1888-1939 Anton Semyonovich Makarenko, foi um pedagogo e pedagogista ucraniano que se especializou no trabalho com menores abandonados, especialmente os que viviam nas ruas e estavam associados ao crime. Para saber mais acesse: Acesse o link Antonio Gramsci, 1891-1937 Antonio Francesco Gramsci foi um lósofo marxista, jornalista, crítico literário, linguista, historiador e político italiano. Escreveu sobre teoria política, sociologia, antropologia, história e linguística. Para saber mais acesse: Acesse o link Movimento pedagógico na Nova Escola AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion O movimento pedagógico na escola nova Com todas as discussões realizadas no campo da loso a, da política e da economia, muitas serão as teorias apontadas para uma nova forma de ver e entender a educação. Neste processo, se desenvolve a chamada escola nova e, enquanto na escola tradicional, o centro de tudo era o conteúdo: nas escolas “novas”, a espontaneidade, o jogo e o trabalho são elementos presentes: é por isso que depois foram chamadas “ativas”. São frequentemente escolas nos campos, no meio de bosques, equipados com instrumentos de laboratório, baseadas no autogoverno e na cooperação, onde se procura ao máximo respeitar e estimular a personalidade da criança. Portanto, o conhecimento da psicologia infantil e da psicologia da idade evolutiva, tanto da criança individual como da infância e da adolescência em geral, como idade que tem em si suas leis e suas razão de ser, são temas essenciais da pedagogia das escolas novas. O próprio trabalho, nessas escolas, não se relaciona tanto ao desenvolvimento industrial, mas ao desenvolvimento da criança: não é preparação pro ssional, mais elemento de moralidade e, junto de modalidade didática (MANACORDA, 1992, p. 305). Neste contexto, a ênfase da educação não se concentra na acumulação de conhecimentos, mas na capacidade de aplicá-los às situações vividas. Neste modelo de escola há uma preocupação voltada para a formação do cidadão, na formação de uma sociedade democrática, plural. De acordo com a organização de Aranha (2012), podemos distinguir quatro períodos principais para a escola nova: Quadro 2 - Principais períodos da Escola Nova 1889 a 1900 Criação das primeiras escolas novas na Europa e na América; 1900 a 1907 Formulação d as novas ideias ou teorias da educação nova, de, na qual começam suas duas principais correntes pedagógicas: a do pragmatismo ou instrumentalismo de John Dewey; 1907 a 1918 Criação e publicação dos primeiros métodos ativos; 1918 até nossos dias Difusão, consolidação e o cialização das ideias e métodos da educação nova. Baseado na mesma autora (ARANHA, 2012), ainda é possível utilizar outro critério para classi car os métodos: Quadro 3 - Métodos de trabalho da Escola Nova • Métodos de trabalho individual: Montessori, Mackinder, Plano Dalton; • Métodos de trabalho individual – coletivo: Decroly, Sistema de Winnetka, Plano Howard; • Métodos de trabalho coletivo: O de projetos, o de ensino sintético, Técnico de Freiner; • Métodos de trabalho por grupos: De equipes, Cousinet, Plano Jena; • Métodos de caráter social: As cooperativas escolares, a autonomia dos alunos, as comunidades escolares. Aranha (2012) de ne que é sob o binômio da psicologia e do trabalho que podemos entender a iniciativa da nova escola. Maria Montessori (1870-1952), médica italiana, criadora da Casa dei Bambini, escola para atender crianças, lhos de operários, [...] estimulava a atividade livre concentrada, com base no princípio da autoeducação. Nesse método marcantemente ativo, o aluno usa o material na ordem que quiser, cabendo ao professor apenas dirigir a atividade, e não propriamente ensinar. As crianças cuidam da higiene pessoal e da limpeza das salas, recolocando em ordem todo o material usado. A atenção ao ritmo de cada um, no entanto, não se contrapõe à socialização, antes facilita a integração no grupo (ARANHA, 2012, p. 305). Theodore Schultz (1973), em sua teoria do capital humano, a rma que a educação deve estar com vistas ao crescimento econômico. Um trabalhador quali cado consegue produzir mais e ser mais bem remunerado, contribuindo para o crescimento do país. Nesse ponto, como a rma abaixo o autor, podemos dizer que, aos poucos, o próprio trabalhador se torna capitalista. “Os trabalhadores transformaram-se em capitalistas, não pela difusão da propriedade das ações da empresa, mas pela aquisição de conhecimentos e capacidades que possuem valor econômico” (SCHULTZ, 1973, p. 35). Para Dewey (1859-1952), conforme Aranha (1990), educação era ação. Desse modo, o aspecto instrucional da educação cava relegado a um segundo plano. Dewey imaginava o processo educacional como algo contínuo, no qual, permanentemente, reconstruía-se a experiência concreta, ativa e produtiva de cada ser humano. Para ele, a escola não deveria preparar para a vida, pois a escola deveria ser a própria vida. Muito do que pregava Dewey foi utilizado, principalmente, no ensino fundamental, in uenciando, inclusive, a escola nova no Brasil, por meio de Anísio Teixeira (19001971) que, após intenso contato com Dewey, foi o principal divulgador das teorias em nosso país, as quais tiveram uma grande força entre as décadas de 1920 a 1940 (ARANHA, 2012, p. 531). De maneira geral, podemos a rmar que, como vimos anteriormente, as propostas educacionais amplamente debatidas no decorrer do século XIX rea rmam, no século seguinte, a necessidade da escola pública, leiga, gratuita e obrigatória. Inevitavelmente, esta proposta deveria ser implantada, veri cando a explosão demográ ca e o desenvolvimento industrial e tecnológico. Também podemos dizer que a organização dos estudos em três níveis distintos – fundamental, médio e superior –, pautados dentro de métodos novos, levaram as pessoas a perceberem a escola como local de preparo para a ascensão social ou, pelo menos, de garantida de manutenção da vida em sociedade. Esta visão de escola e educação foi, com certeza, a contribuição da reforma proposta pela escola nova. Edgar Morin e a teoria do pensamento complexo Reservemos algumas palavras para discorrer sobre o pensamento do intelectual francês Edgar Morin (1921) e a sua teoria do pensamento complexo. Dada sua formação eclética (antropologia, direito, história, geogra a, sociologia e loso a), é difícil de nir o pensamento de Morin ou classi cá-lo em apenas uma tendência ou teoria educacional. Contudo, em páginas anteriores nos referimos ao fato de que ele é um dos representantes da Escola Nova, mas suas proposições não se resumem a esse modelo. De forma geral, no entanto, é possível considerar que Morin criticou o pensamento racionalista e cienti cista, caracterizante do pensamento moderno. Esse paradigma surgido no século XVI seria, segundo Morin, reducionista e estaria em declínio no século XX, uma vez que o conhecimento passou a ser fragmentado, sobretudo a partir do século XIX. Nesse período, surgiram as disciplinas e seus campos especí cos do saber, o que teria levado a “incapacidade de captar ‘o que está tecido em conjunto’, isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo” (MORIN, 2002, p. 16). Outro ponto criticado por ele é a separação entre a cultura humanista e a cultura cientí ca, uma vez que a primeira valoriza as obras do passado e as revitaliza enquanto que a segunda valoriza apenas aquelas obras adquiridas no presente. Assim, a ausência de interlocução entre ambas traria, segundo ele, “graves consequências uma para a outra” (MORIN, 2002, p. 17), uma vez que, na ausência dessa comunicação, os problemas fundamentais do ser humano (cuja re exão é feita por meio da loso a, do ensaio e da literatura) não encontram eco na cultura cientí ca que se assenta sobre a teorização e não sobre o “futuro da própria ciência” (MORIN, 2002, p. 17). Essa fragmentação e falta de comunicação entre os saberes foi conceituada por Morin como uma crise planetária e, por isso, sua teoria do pensamento complexo propõe romper com o conhecimento compartimentado e assumir uma postura complexa na qual o conhecimento deve mobilizar não apenas uma cultura diversi cada, mas também a atitude geral do espírito humano para propor e resolver problemas. Quanto mais potente for essa atitude geral, maior será sua aptidão para tratar de problemas especí cos. Daí decorre a necessidade de uma cultura geral e diversi cada que seja capaz de estimular o emprego total da inteligência geral, ou melhor dizendo, do espírito vivo (MORIN, 2002, p. 19). Nesse sentido, podemos dizer que Morin aposta na transdisciplinaridade como elemento essencial para uma formação humana, na qual as fronteiras entre as disciplinas sejam superadas de forma a tornar os indivíduos capazes de lidar com os problemas cotidianos, agindo a partir de conhecimentos diversos, como, por exemplo, saber lidar com problemas ecológicos, considerando aspectos biológicos, sociais, éticos, morais, geográ cos e econômicos. Segundo Aranha (2012), essa abordagem global do conhecimento já está presente em algumas universidades que já possuem centros transdisciplinares que se dedicam ao estudo especí co das disciplinas sem a substituição dos departamentos. Nesses centros, encontram-se especialistas que, sem perder o alto nível nas pesquisas, buscam interação e integração entre as disciplinas. SAIBA MAIS ANÍSIO TEIXEIRA - Educador Brasileiro Anísio Teixeira (1990-1971) foi um educador brasileiro, responsável pelas reformas educacionais que mudaram a educação no Brasil. Anísio Spínola Teixeira nasceu em Caetité, no sertão baiano. Estudou em colégios jesuítas em Salvador. Formou-se em direito no Rio de Janeiro, em 1922. Na Bahia, ocupou o cargo de diretor geral da instituição pública de 1924 e 1929. Anísio Teixeira reformou o sistema escolar baiano. Em 1928, publicou “Aspectos Americanos da Educação”, concluindo, no ano seguinte, a formação em educação, o Teacher's College da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos. Regressou ao Brasil em 1929 e assumiu a cadeira de loso a e história da educação da Escola Normal de Salvador. Anísio Teixeira foi funcionário do Ministério da Educação do Distrito Federal. Em 1932, foi signatário dos Pioneiros da Escola Nova, que propunha uma escola leiga, obrigatória e gratuita. Foi responsável pelo aumento do número de escolas no Brasil e programas de aperfeiçoamento dos programas de treinamento para professores. Também aprimorou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Anísio Teixeira escreveu os livros “A Universidade e a Liberdade Humana” (1954) e Educação no Mundo Moderno (1969). Morreu no Rio de Janeiro, em 1971. Fonte: Biogra a de Anísio Teixeira. ACESSAR REFLITA A educação proposta por Gramsci está centrada no valor do trabalho e na tarefa de superar as dicotomias existentes entre o fazer e o pensar, entre cultura erudita e cultura popular. Para tanto, a escola classista burguesa precisaria ser substituída pela escola unitária, oferecendo a mesma educação para todas as crianças, a m de desenvolver nelas a capacidade de trabalhar manual e intelectualmente. Nesse caso, entrar em contato com a técnica do seu tempo não signi ca deixar de lado a cultura geral humanista, formativa (ARANHA, 2012, p. 464). Considerando o fragmento acima, re ita em que medida a proposta pedagógica de Gramsci faz uma crítica ao modelo marxista de educação. Conclusão - Unidade 3 O que o século XIX pregou, o século XX teve de colocar em prática: a escola para todos, laica, obrigatória e como papel do Estado. Mesmo ainda que uma escola dualista, muito se avançou em termos de inclusão, apesar de que este desa o ainda é um dos principais debates entre educadores e líderes mundiais. Ao passo que o século XX se deparou com mudanças muito rápidas e radicais, a educação também se viu obrigada a, ao menos, acompanhar em parte estas transformações e a proposta de Edgar Morin, de uma educação baseada na complexidade planetária, procura dar respostas a essas expectativas recentes, ainda que não tenha se tornado um paradigma amplamente utilizado. Graças ao novo papel da escola em sociedade, fruto da escola nova e compreendendo que a educação só pode ser compreendida em determinado contexto histórico, os novos rumos são também de uma educação que precisa ser construída, tendo, inclusive, como ponto principal aqueles que permanecem à margem da sociedade, excluídos não somente, mas principalmente, da educação. Leitura complementar A pesquisa do prof. Marcos Fonseca procura analisar o nível de relação entre este processo e o segmento mais expressivo dentro da estrutura demográ ca de Minas Gerais, ou seja, a população negra livre que era classi cada através de diferentes terminologias (pretos, pardos, crioulo, cabras), que demarcavam proximidades e distâncias com o mundo da escravidão e o sistema educacional, sendo a escola espaço de a rmação social para esse grupo marginalizado. Fonte: Fonseca (2007). Livro Filme Acesse o link Unidade 4 Diretrizes e Políticas AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Introdução Olá, aluno(a)! Chegamos a última unidade de nossa apostila. Depois de termos feito um estudo sistemático da educação desde os povos primitivos do Paleolítico até a contemporaneidade, passamos a analisar alguns documentos norteadores da política educacional brasileira. Os temas que irão orientar nossa discussão serão as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN –, o Plano Nacional de Educação – PNE – e a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, uma vez que é sob esses três documentos que se encontram estruturadas as bases nacionais da educação brasileira juntamente com a Carta Magna de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394 de 1996. Além disso, faremos um voo panorâmico sobre a história da educação no Brasil de forma que esse voo nos permita compreender os contextos geradores dos documentos citados acima e seus conteúdos. Num primeiro momento, discutiremos as DCNs, que foram o último documento a ser produzido acerca do tema. Analisar, em primeiro lugar, as Diretrizes, nos permite partir de um campo conhecido que é a forma como a educação está estruturada na atualidade para compreender, em retrospectiva, como chegamos a essa proposta educacional. Em seguida, analisaremos o Plano Nacional de Educação, documento cuja previsão de existência já constava da LDB 9394/96, assim como as DCNs e a BNCC, esta última resumida ao nal deste texto. Com esses temas e conteúdos, acreditamos ser possível compreender as políticas públicas e as diretrizes que norteiam o sistema educacional brasileiro desde 1988 até a atualidade. Tenha um bom estudo! Plano de Estudo Conceitos e De nições de Diretrizes Educacionais. Campo das Políticas Públicas Educacionais no Brasil. Breve histórico da educação no Brasil. Objetivos de Aprendizagem Compreender as atuais diretrizes e políticas da educação brasileira. Conceituar e contextualizar as políticas educacionais brasileiras pós 1988. Estudar características do PNE e das DCN. Desenvolver um breve histórico da educação no Brasil. Breve histórico da educação no Brasil AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Antes de iniciarmos com o tema deste tópico, vamos conhecer algumas características da história da educação no Brasil, considerando tanto os contextos que geradores quanto as pedagogias utilizadas. Nesse sentido, não é objetivo abordar em detalhes a história da educação no Brasil, até porque precisaríamos de um livro exclusivo para esta proposta. No entanto, faremos uma síntese ao que chamamos de Breve Histórico da Educação no Brasil, para ligar nosso sistema de ensino ao que foi debatido na Europa desde o século XVI, sendo possível que se faça uma analogia dos fatos ocorridos fora de nosso país e a ligação que tiveram e as particularidades dos interesses coloniais em nosso território. Muito de nossa história, inclusive educacional, dependeu de como Portugal e Espanha se situaram no cenário do desenvolvimento econômico e cultural europeu. Neste sentido, em relação à França e Espanha, que privilegiavam a manufatura, a classe burguesa portuguesa estava arraigada a um modelo medieval no qual o absolutismo real era o epicentro da estrutura. Descreve-nos assim Aranha (2012, p. 224): por ser um país católico, que resistiu ao movimento protestante com a Contra-Reforma e a Inquisição, Portugal condenava os juros, o que restringiu a acumulação de capital e retardou a implantação do capitalismo. Além disso, enquanto a Europa renascentista preparava para o livre pensar que se consolidaria no Iluminismo do século XVIII, Portugal permanecia cioso da herança cultural clássico-medieval, preservando o latim, a loso a e literatura cristã. Portanto, herdaremos uma cultura escolar muito antiga e reacionária, se comparada com o que estava acontecendo em regiões onde o capitalismo havia orescido e a reforma era uma realidade. Fica claro entendermos porque o nosso primeiro fundamento educacional está ligado ao processo da Contrarreforma, daí os Jesuítas são os primeiros, em solo nacional, a iniciarem o trabalho de “catequização”. CONECTE-SE O que eram os Jesuítas? O que eram os Jesuítas? Eles foram padres vinculados à Companhia de Jesus, que foi uma ordem da Igreja Católica criada por Inácio de Loyola. Leias mais sobre em ACESSAR Essa, portanto, é a fase jesuítica da educação colonial que irá perdurar entre 1549 até 1759, culminando com a expulsão dos Jesuítas por ferir interesses econômicos portugueses. Conforme Ribeiro (2003), o objetivo dos colonizadores era o lucro e a função da população colonial era propiciar tais lucros às camadas dominantes metropolitanas. Portanto, a colonização, em termos de povoamento e cultivo da terra, se torna uma meta a se cumprir. Neste cenário, os Jesuítas caram responsáveis por criar colégios para a formação gratuita de sacerdotes, onde deveriam catequizar os nativos e escravos vindos de fora, recebendo subsídios do governo português. Ribeiro (2003, p. 21) aponta os objetivos da educação neste momento: o plano de estudos propriamente dito foi elaborado de forma diversi cada, com o objetivo de atender à diversidade de interesses e de capacidades. Começando pelo aprendizado do português, incluía o ensino da doutrina cristã, a escola de ler e escrever. Daí em diante, continua, em caráter opcional, o ensino de canto orfeônico e de música instrumental, e uma bifurcação tendo em um dos lados o aprendizado pro ssional e agrícola e, de outro, aula de gramática e viagem de estudos à Europa. Como vemos, existem dois tipos de educação. O plano legal era, na verdade, catequizar e instruir os índios, porém, o que ocorre na realidade é que os lhos dos colonizadores receberão instrução e os índios serão apenas catequizados, sendo os colégios jesuíticos instrumento de formação da elite colonial. A ação sobre os indígenas, portanto, resumiu-se a cristianizar, tornando-os dóceis para o trabalho, ao passo que à elite colonial era oferecida o estudo elementar, podendo se estender até instrução superior na Europa. No século XVIII, a Europa passa por uma crise entre o absolutismo real frente ao mercantilismo. Nesse cenário, a Inglaterra está à frente e faz uma profunda reforma econômica e política, levando-a ao capitalismo industrial. Os ingleses impõem a alguns países europeus, incluindo Portugal, sua política capitalista em troca de proteção: me re ro, em especí co, ao conhecido Tratado de Methuen (1703), que obrigava os portugueses a comprarem produtos da Inglaterra quando o pagamento era feito em parte com os produtos de origem das colônias. Como Portugal não acompanha o processo de transformação do mercantilismo na Europa, o primeiro ministro Marquês de Pombal propôs uma reorganização do reino na busca de modernizá-lo e de manter o regime absolutista. Conforme expõe Aranha (2012), no Brasil, a esta época, predominava a cultura canavieira. Logo, a estrutura social era baseada na classe dominante, formada pelos senhores de engenho, que fundavam seu poder na propriedade da terra e na exploração agrícola por meio de mão de obra escrava. Ainda ocorre o início do processo de mineração, que modi ca a organização social, pois desencadeia não somente o processo de urbanização como, por meio do comércio, desenvolve uma classe burguesa. Quando a extração do ouro retraiu, Pombal exige a arrecadação de impostos das cidades estabelecendo um valor mínimo a ser cumprido, agindo de forma arbitrária, utilizando as tropas para fazer valer sua vontade. Além desta medida, irá controlar o comércio e proibir toda atividade manufatureira. Esta será uma época de grandes revoltas por conta da política pombalina. O Marquês de Pombal pretendia não só tirar o maior proveito possível das colônias para a recuperação econômica portuguesa como, também, pretendia transformar aquela sociedade em capitalista. Para isso, então, recorre à instrução defendida pelo Iluminismo que vigorava na época na Europa. Do ponto de vista educacional, a orientação adotada foi formar o perfeito nobre, agora negociante; simpli car e abreviar os estudos fazendo com que um maior número se interessasse pelos cursos superiores; propiciar o aprimoramento da língua portuguesa; diversi car o conteúdo, incluindo o de natureza cientí ca; torná-los os mais práticos possíveis. Surge, com isso, um ensino público propriamente dito. Não mais aquele nanciado pelo Estado, que formava o indivíduo para Igreja, e sim nanciado pelo e para o Estado (RIBEIRO, 2003, p. 33). Portanto, a Companhia de Jesus não tem mais espaço e não corresponde aos interesses dentro deste novo contexto proposto por Pombal. Em 1579, então, são expulsos. Ribeiro (2003) ainda nos aponta que o Alvará de 28 de junho de 1759 criava o cargo de diretor geral dos estudos, através do qual todos os professores são obrigados a prestarem exames e terão direitos de nobres. Importante ressaltar que o ensino particular passa a ser proibido, sendo feito, inclusive, um levantamento dos professores sem a licença para exercer o cargo. Como se vê, há um cuidado com o policiamento do que se ensina e de quem ensina. Persistia o programa do analfabetismo e do ensino precário, restrito a poucos. O que predominou foi um programa de estudo clássico que valorizava a literatura e a retórica, desprezando, assim, a ciência e a atividade manual, aumentando cada vez mais a distância entre as classes e mantendo uma maioria de analfabetos. Este panorama se estende até 1808, quando, por motivos da expansão e das guerras de Napoleão, obrigam a corte de Portugal a se transferir para o Brasil. Com a vinda de D. João VI, algumas regiões passam por uma reestruturação muito grande, de início, somente para receber a Monarquia, mas servindo também para preparar o terreno de um futuro país independente. No período joanino, primeira metade do século XIX, não havia ainda uma política de educação sistemática e planejada. No entanto, no Brasil, enquanto sede da Coroa Portuguesa, precisou-se tomar diversas medidas para a estruturação intelectual, como nos aponta Ribeiro (2003, p. 40): [...] se fez necessária uma série de medidas atinentes ao campo intelectual geral, como: a criação da Imprensa Régia (13-5-1808); Biblioteca Pública (1810 – franqueada o público em 1814); Jardim Botânico do Rio (1810), Museu Nacional (1818)[...] em razão da defesa militar são criadas, em 1808, a Academia Real da Marinha e, em 1810 a Academia Real Militar(que em 1858, passou chamar-se Escola Central; em 1874, Escola Politécnica, e hoje é a Escola Nacional de Engenharia), em 1808 é criado o curso de cirurgia (Bahia) no hospital Militar, e os cursos de cirurgia e anatomia no Rio de Janeiro. Assim que chegou, tomou decisões, portanto, para montar um sistema educacional que respondesse às necessidades da corte. São criados vários cursos próprios para a construção de um território que estava todo por fazer-se. ATENÇÃO Por este motivo é que alguns dizem que o Brasil só começou de fato a ser construído a partir da vinda da coroa. Diversas outras escolas são criadas, como serralheiro, espingardeiro, curso de economia na Bahia, estudos de botânica, química industrial e geologia e Ribeiro (2003) a rma que, no Rio, o laboratório de química (1812) e o curso de agricultura (1814) são cursos responsáveis pela formação de técnicos em economia, agricultura e indústria e que representam a inauguração do nível superior no Brasil. No que diz respeito ao ensino elementar, a situação continuava caótica: o método em funcionamento, voltado mais para o modelo econômico agrário não correspondia à realidade do país, que se desenvolvia, mesmo que timidamente, para outras atividades, como a indústria. Somente após a Independência, e in uenciados pelo Ideal da Revolução Francesa, alguns políticos aspiravam à educação para todos que, na verdade, não obteve resultados, até porque perceberam que tal projeto era inexequível. O que de concreto ocorreu foi a instituição da lei de 1827, que reservou para o ensino elementar algo menos ambicioso: a necessidade e a urgência da criação de um sistema de instrução pública foram, durante todos os debates, associadas diretamente ao caráter do regime político nacional e liberal: educar homens livres, capazes de sustentar o novo sistema representativo (XAVIER, 1990 apud ARANHA, 2012. p. 279). O projeto foi protelado por não haver um levantamento da realidade nacional. Portanto, mesmo que outorgada na constituição de 1824 – o “sistema nacional de educação” –, nada de novo foi operacionalizado, até porque não era exigida a comprovação de estudo primário para se cursar outros níveis, o que revela que a elite poderia ensinar em casa, inclusive com professores particulares, e a plebe continuava sem instrução, com a oferta de poucas escolas públicas, que ofertavam em seu ensino elementar ler, escrever e contar. Somente em 1834 é que o ensino elementar passará a ser responsabilidade das províncias, cando os cursos superiores à cargo do poder central. Foi fundada em 1835, na Escola de Niterói, as escolas normais, procurando melhorar a formação dos mestres. No entanto, com o funcionamento precário e com a falta de alunos, foram fechadas em 1849. A educação brasileira segue, ao longo de todo o século XIX, anárquica, desorganizada e totalmente desagregada. O golpe de misericórdia é dado quando, em 1834, com a descentralização do ensino, a formação elementar, que ca à cargo das províncias, não tem uma política efetiva e organizada para garantir o ensino de qualidade, nem há uma unidade sobre a metodologia e o programa das disciplinas. Quanto ao ensino secundário, em 1937 é fundado, no Rio, o Colégio D. Pedro II. Ficando sob a jurisdição da Coroa, servia de modelo para os demais liceus e era destinado à formação da elite intelectual, sendo ainda o único a realizar exames para o título de bacharel. Portanto, os outros liceus deveriam utilizar os mesmos materiais didáticos que o colégio padrão, muitas vezes mais com o intuito de preparar para os exames do que uma formação concreta. A partir de 1860, alguns debates começam a surgir em torno do modelo de uma escola mais liberal, pautada nos moldes do que acontecia na educação NorteAmericana. Sobre este aspecto, Aranha (2012, p. 384) relata que: Leôncio de Carvalho – “o inovador de ensino mais audacioso e radical do período do Império”, segundo Fernando de Azevedo – estabeleceu normas para o ensino primário, secundário e superior na reforma de 1879. Nesta lei, defendia a liberdade de ensino (inclusive sem a scalização do governo) de frequência, de credo religioso (os não católicos cavam desobrigados de assistir a aula de religião) a criação de escolas normais e o m da proibição de matrícula de escravos. Estimulou ainda a criação de colégios com propostas divergentes, como, por exemplo, de tendência positivista [...]. Esta reforma, infelizmente, teve pouca duração. Leôncio de Carvalho pretendia, inclusive, com a escola positivista, valorizar as ciências. Também com a liberdade de matrícula a todos, pensava na superação do analfabetismo que ameaça o desenvolvimento interno. Esta tentativa de Leôncio de Carvalho irá repercutir principalmente no período da República, mas desde o desenvolvimento da indústria, modesta, com o surgimento de outras classes como a burguesia, as ideias positivistas começam a enfrentar a tradição do pensamento católico e o ideal de escolas liberais e leigas vão, aos poucos, abrindo terreno nas discussões sobre a educação no Brasil. Em 1882, o conselheiro Dantas, Rodolfo Dantas, apresenta ao parlamento um projeto de reforma, que é analisado por aquela casa que formará uma comissão para tal; dentre eles gurava Rui Barbosa. Deste processo, resultou uma proposta em face ao que se fazia de mais adiantado no mundo em termos de educação vinculado com a realidade nacional, que se tornou também inexequível. No entanto, estava aberto o procedente para uma sistematização escolar renovada no país. Com a queda do Império, é instaurada, no Brasil, a Primeira República: uma república oligárquica e que, baseada em interesses de determinadas classes, vai gerar uma política do desequilíbrio, inclusive do desenvolvimento social em determinadas províncias, ou melhor, estados da federação. Portanto, a base do desenvolvimento educacional que veremos a partir daqui está concentrada nas regiões mais desenvolvidas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Como característica dos últimos anos do século XIX, o Estado havia encaminhado uma educação seriada, processo que toma força nas décadas seguintes do século XX. Nesse modelo são adotados métodos, procedimentos especí cos bem como se iniciam ponderações sobre construção de prédios para as instalações das escolas. Estes ambientes atendem às especi cações do que se praticaria de correto no sentido de ordem, porém tais ambientes de ensino servem, não distante, para promover os ideias republicanos: o projeto político republicano visava implantar a educação escolarizada, oferecendo o ensino para todos. É bem verdade que se tratava ainda de uma escola dualista, em que para elite era reservada a continuidade dos estudos, sobretudo cientí cos – já que os republicanos recusavam a educação tradicional humanista –, enquanto o ensino para o povo cava restrito ao elementar e ao pro ssional (ARANHA, 2012, p. 523). Neste cenário, a educação se rea rmava organizada da seguinte maneira: a União era responsável pela educação superior, enquanto o ensino elementar era papel dos estados, rea rmando o per l elitista de provimentos educacionais. A reforma positivista não vai ocorrer por diversos problemas, inclusive alguns estruturais. Aliás, a in uência positivista da Primeira República no plano educacional teve efeitos passageiros, além de que vários projetos nunca foram implantados de fato. No entanto, os republicanos vão redesenhar todo um traçado de sistema educacional e, à medida que o século avança, o resultado de vários embates abrirá cada vez mais espaços para novos projetos, principalmente depois da Primeira Guerra Mundial. A partir deste fenômeno, ocorre um aumento da implantação de novas indústrias e, com eles, vem a consolidação da burguesia industrial e o operariado. Por um lado essa burguesia que se relaciona com outros setores econômicos, vai, aos poucos, impondo seus interesses, afetando o sistema político e se tornando a base do processo da revolução que ocorrerá em 1930. Do outro lado, o operariado, enquanto expressão política e totalmente insatisfeito, irá se manifestar mediante a organização de atos públicos. Os primeiros trintas anos do século XX no Brasil serão férteis em discussão sobre educação e pedagogia. No entanto, diversos interesses se opunham. Neste cenário, o governo promulgava suas reformas, a maioria delas muito conservadoras e que não atendiam as reivindicações, principalmente, dos setores mais radicais. Os conservadores representados pela Igreja Católica pregavam a pedagogia tradicional estruturada por Herbart, enquanto os liberais democráticos pregavam a transformação da sociedade por meio da escola – as escolas novistas. Como cita Aranha (2012), são conhecidos como educadores pro ssionais devido à especialização de seus interesses, focados na educação, além de vários deles terem participado de reformas de ensino. Entre eles, estão guras bem conhecidas dos historiadores e pedagogos, como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. Apesar da difusão das ideias da Escola Nova, que reagiam ao individualismo e ao academicismo da educação tradicional, propondo escola única, obrigatória e gratuita, não foi possível aplicar esses ideais de maneira uniforme, cando restritos a alguns locais. Um dos pontos culminantes deste ideal de educação foi o Manifesto dos Pioneiros da Educação, fato que ocorreu principalmente dentro do clima de con ito que havia em 1932 com a revolução de Vargas. Em oposição, a ala católica reagia pregando um modelo de educação baseado no tomismo ou neotomismo, que era a releitura da loso a perene de Tomás de Aquino, conforme relata Aranha (2012). Os pensadores católicos rejeitavam a educação laica, pregada pela escola nova e implantada pela república, assim como também eram ferrenhos combatentes contra o comunismo, movimento político em alta, e suas ideias presentes no Brasil por meio da fundação do Partido Comunista na década de 1920. Em meio a todos estes embates, o que veremos de concreto na década de 1930 é o esforço do Estado em fundar e organizar universidades. Em 1934, a USP é implementada, sendo a primeira com nova organização educacional que permitiu a anexação de diversas faculdades. A universidade do Rio de Janeiro também é implementada a partir de 1936, assim como outras instituições confessionais ou laicas serão implementadas. Na vigência do Estado Novo, período que abrange 1937 a 1945, na ditadura Vargas, o ministro Gustavo Capanema, responsável pela pasta da educação, regulamenta diversos decretos-leis e a in uência do movimento renovador era presente. O curso secundário reestruturado passou a ter quatros anos de ginásio e três anos de colegial, como escreve Romanelli (1986, p. 157): em síntese, a julgar pelo texto da lei, o ensino secundário deveria: a) proporcionar cultural geral e humanística; b) alimentar uma ideologia política de nida em termos de patriotismo e nacionalismo de caráter fascista; c) proporcionar condições para o ingresso no curso superior; d) possibilitar a formação de lideranças. Como vemos, a prática da escola atende também os interesses da a rmação do estado fascista de Vargas. No entanto, já é possível veri car uma organização metodológica da educação. O ensino primário não receberá, neste período, reformas, as quais ocorrerão somente após 1945. Outro tema a ser lembrado é o fato de que o processo de industrialização vem em crescente ascendência. O ministro Capanema, por meio da lei Orgânica, de ne dois tipos de curso pro ssionalizante: em 1942 é criado o SENAI, mantido e organizado pela Confederação Nacional das Indústrias e, em 1946, surge o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Era uma resposta, mesmo que tímida ainda, a um processo de pro ssionalização principalmente das classes operárias. A partir de 1945, com o m da Ditadura, as mudanças econômicas geram transformações internas, como a vinda de capital estrangeiro e a implantação de indústrias multinacionais. Na educação, começam debates importantes que irão resultar na proposição da Lei de Diretrizes e Bases, discussão que irá se estender até 1961. Quando a Lei nº 4.024 (LDB) foi publicada em 1961, já se encontrava ultrapassada, porque nesse meio tempo um país semi-urbanizado, com economia predominantemente agrícola, passará a ter exigências diferentes, decorrentes da industrialização (RIBEIRO, 2003, p. 172). Ribeiro (2003) ainda complementa dizendo que, embora o anteprojeto de lei fosse avançado na época da apresentação, envelhecera no decorrer dos debates e do confronto de interesses. No curso da década de 1960, a educação popular e a disseminação da educação vão tomando corpo e um dos pontos de discussão era de nir nossa identidade nacional. Os intelectuais da educação, entre eles Darcy Ribeiro, descendente direto das ideias de Anísio Teixeira. Darcy Ribeiro será o responsável por fundar a Universidade de Brasília em 1961, instituição organizada sob os novos moldes da organização acadêmica e do ensino superior. Vários grupos discutiam ideias novas e propunham mudanças, fundando organizações, como Centros Populares de Cultura, Movimentos de Cultura Popular e Movimentos de Educação de Base criados pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Importante ressaltar a intensa atividade, também, nestes movimentos, da UNE – União Nacional Estudantil –, pois tudo indicava que a educação tomaria outros rumos, tendo como norte uma estruturação baseada nas discussões de várias bases, de cunho eminentemente democrático. Entretanto, o Golpe Militar de 1964 desativou estes movimentos de conscientização popular, considerando-os subversivos e perseguindo seus líderes. Durante vinte anos (de 1964 a 1985) os brasileiros viveram o medo gerado pelo governo do arbítrio e da ausência do estado de direito. Esses anos de chumbo, além do sofrimento dos torturados e “desaparecidos”, foram desastrosos para a cultura e educação. Também provocaram prejuízos econômicos e políticos ao país (ARANHA, 2012, p. 550). Uma das primeiras providências da Ditadura foi a extinção de todos os movimentos que vinham acontecendo. Como havíamos dito anteriormente, somente a CNBB foi poupada, mas seu papel passou a ser somente sugestivo de aconselhamento. A UNE passa a ser, então, uma pedra no sapato do governo, pois mesmo extinta, funcionará clandestinamente, atuando, inclusive, com movimentos de guerrilha. A resposta do governo será dura: as perseguições e a caçada são implacáveis, o aparelho do Estado está munido de todos os meios para vigiar e impedir qualquer atividade popular e, para fazer valer suas atitudes, é promulgado o AI-5, que retirava todas as garantias individuais, públicas ou privadas e concedia ao presidente da República poderes para atuar nos poderes executivo e legislativo. Na educação, o Decreto-lei nº 477, promulgado no início de 1969, proibia professores, alunos e funcionários das escolas de toda e qualquer manifestação de caráter político e, ainda, foram inseridos no currículo do ensino médio (secundário), as disciplinas de Educação Moral e Cívica, das quais o professor encarregado era uma pessoa de con ança da direção da escola. O governo militar vai fechando o cerco em todos os setores, promulgando quantos decretos-leis achar necessário. Para implantar o projeto de educação proposto, o governo militar não revogou a LDB de 1961 (Lei nº 4.024), mas introduziu alterações e fez atualizações. Enquanto essa lei fora antecedida por amplo debate na sociedade civil, ao contrário, a Lei nº 5.540/68(para o ensino universitário) e a lei nº 5.692/71 (para o 1º e 2º graus) foram impostas por militares e tecnocratas (ARANHA, 2012, p. 555). Veremos aqui o modelo tecnicista sendo aplicado na escola, baseado no modelo empresarial, por meio do sistema de racionalização, característica do sistema capitalista, assim, os teóricos adaptaram a formação de acordo com o que necessitavam os industriais, o comércio e a tecnologia. Em outras palavras, investir em educação se traduzia em possibilitar crescimento econômico para a elite, impreterivelmente. Durante o período de transição democrática, nos anos 1980, em face do fracasso da LDB podemos citar a Lei nº 7.044/82, que dispensava a formação técnica e retomava o caráter de formação geral os currículos educacionais. Após a Ditadura, os debates acerca da educação retomam de maneira tímida no início, mas de forma constante e, em 1988, com a aprovação da Nova Constituição, seria proposta uma elaboração de uma nova LDB que só ocorreu de nitivamente em 1996, com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394. Inicialmente, o projeto proposto para a nova lei de educação, tendo por relator Jorge Hage, sofrerá mudanças. Uma vez que este projeto era fruto do debate democrático da comunidade de educadores, o então senador Darcy Ribeiro propõe um novo projeto, amplamente discutido e aprovado em 1996. Desta nova LDB, uma série de novos embates metodológicos irá surgir, dando origem a modelos escolares, curriculares, com propostas ora avançadas, ora conservadoras. Mesmo tendo sido acusada de neoliberal, a nova LDB permitiu caminhar e muito para uma construção democrática de educação, mais permitiu de fato uma organização mais efetiva da educação nos moldes nacionais. A Lei não está encerrada: pelo contrário, ela gera novas possibilidades de discussão e construção e, por isso, em termos técnicos, elementos citados na LDB 9394/96 foram sendo implantados, como veremos a seguir, iniciando com as DCNs. Diretrizes atuais da educação AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Uma diretriz pode ser tanto uma linha que determina um traçado quanto o esboço de um plano um projeto, ou seja, é algo que indica um caminho, uma orientação. No que tange às Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, uma diretriz signi ca orientação para o pensamento e a educação em âmbito escolar e se con gura como uma das políticas públicas educacionais vigentes no Brasil. O documento contendo as diretrizes está disponível na internet e foi aprovado no ano de 2010 sob o Parecer emitido pelo Conselho Nacional de Educação – CNE/CEB nº 07/2010. Historicamente a produção das DCNs segue o protocolo estabelecido pelo artigo 9º alínea “c” da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394/1996 publicada em 1996 e pela Resolução CNE/CEB nº 02/1998. A imagem abaixo mostra como a educação pós redemocratização foi sendo organizada a partir da Constituição Federal de 1988: Figura 1 - Trajetória das Políticas Educacionais no Brasil Pós 1988 Fonte: a autora. Como podemos observar, as DCNs são um dos últimos documentos elaborados desde que, em 1988, a Constituição Federal instituiu a educação para todos. Contudo, iniciar essa unidade trabalhando esse documento nos aproxima do nosso cotidiano, de forma que iremos vislumbrar, retroativamente, como se organizou o ensino no Brasil redemocratizado. De acordo com a Resolução 02/1998, cabe à DCN de nir, [...] sobre princípios, fundamentos e procedimento da educação básica, expressas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas (BRASIL, 1998a). E, são seus objetivos, de acordo com o próprio documento das Diretrizes: I – Sistematizar os princípios e diretrizes gerais da Educação Básica contidos na Constituição, na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os em orientações que contribuam para assegurar a formação básica comum nacional, tendo como foco os sujeitos que dão vida ao currículo e à escola; II – Estimular a re exão crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação, execução e avaliação do projeto político-pedagógico da escola de Educação Básica; III – Orientar os cursos de formação inicial e continuada de pro ssionais – docentes, técnicos, funcionários – da Educação Básica, os sistemas educativos dos diferentes entes federados e as escolas que os integram, indistintamente da rede a que pertençam (BRASIL, 2013, p. 07). Com base nos objetivos acima, as DCNs foram pensadas considerando que a sociedade tem uma história própria marcada por tramas, nas quais as diferentes dimensões sociais se encontram, se entrelaçam e se distanciam num movimento simultâneo, contínuo e complexo, pois, a sociedade contemporânea movimenta-se na continuidade e na descontinuidade, na universalização e na fragmentação (BRASIL, 2013). Diante dessa complexidade, às DCNs cabe garantir o direito humano universal e social inalienável à educação, de forma a potencializar o cidadão de forma plena em sua dimensão planetária. Nesse sentido, “a educação é, pois, processo e prática que se concretizam nas relações sociais que transcendem o espaço e o tempo escolares” (BRASIL, 2013, p. 15) e, por isso, deve atender à essa demanda social plural. Neste viés, para que esse cidadão pleno se efetive, é necessária a socialização da cultura da vida, espalho de construção, manutenção e transformação dos saberes, conhecimentos e valores. Para levar a campo seus objetivos, as Diretrizes estabelecem as bases comuns nacionais aos diversos níveis e modalidades da educação no Brasil, como podemos ver na imagem abaixo: Figura 2 - Níveis e Modalidades de Educação e de Ensino no Brasil Fonte: A autora. Para atender a demanda educacional de níveis e modalidades de ensino, as DCNs se constituíram operacionalizando e atuando diretamente nas escolas, orientando o projeto político pedagógico, o regimento escolar, o sistema de avaliação, a organização escolar e a gestão democrática. A formação inicial e continuada do professor e o compromisso com uma educação integral para todos são outros elementos que constituem as Diretrizes e que foram elaborados de acordo com os princípios constitucionais de 1988 e com a LDB 9394/1996. A seguir, estudaremos o Plano Nacional de Educação – PNE –, outro documento que direciona o sistema educacional brasileiros e que também estava previsto na Lei de Diretrizes de Bases da Educação Brasileira em 1996. O Plano Nacional de Educação - PNE AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion Embora esteja consolidado o uso no singular do Plano Nacional de Educação, na realidade, nós já estamos na terceira versão deste documento. O primeiro deles foi elaborado no ano de 1962 e atendeu aos pressupostos da LDB n.º 5692/61; o segundo Plano foi organizado durante o processo de redemocratização da sociedade brasileira e se alinhou com as diretrizes da LDB n.º 9394/96, assim como também ocorreu com o Plano em vigor desde o ano de 2014 e com prazo de avaliação e término para o ano de 2024. Nesse sentido, podemos dizer que, no Brasil, houve Planos Nacionais de Educação que se alinharam aos momentos históricos decorridos desde os primeiros anos da década de 1960 até os dias atuais e que, certamente, sofrerão novas intervenções e modi cações, uma vez que os Planos são elaborados de acordo com as demandas da sociedade e dos modelos educacionais pretendidos pelos governos. Com relação aos históricos dos Planos, o primeiro deles, adotado em 1962, foi divido em duas partes e, num primeiro, momento buscava “traçar metas para um Plano Nacional de Educação e, numa segunda parte, estabelecer as normas para a aplicação dos recursos correspondentes aos Fundos de Ensino Primário, do Ensino Médio e do Ensino Superior” (COMISSÃO, 2020). Esse primeiro Plano foi superado por propostas pedagógicas que estavam de acordo com o contexto histórico dos anos 1980, marcado pelo processo de redemocratização da sociedade brasileira. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Plano de educação foi mencionado no artigo 214 desse documento que visava fomentar uma sociedade nos modelos democráticos de administração, educação e cidadania, dentre outros aspectos. A Carta Magna, portanto, se opunha ao período militar que vigorou entre 1964 e 1985 no Brasil. Sobre o PNE, assim está exposto na CF/88: Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e de nir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, cientí ca e tecnológica do País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto (BRASIL, 1988b). Na LDB n.º 9394 de 1996, é referido como sendo de incumbência da União a elaboração do PNE em colaboração com Estados, o Distrito Federal e os municípios. De acordo com o Artigo 87, parágrafo 1º da LDB 9394/96: §1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (BRASIL, 1996). Esse segundo Plano foi sancionado pela Lei nº 10.172 de nove de janeiro de 2001 e teve, como indicado pela LDB 9394/96, vigência decenal. Atualmente, a educação brasileira se organiza a partir do PNE publicado em junho de 2014 e tem vigência até o ano de 2024. De acordo com esse documento, os objetivos do PNE são: induzir e articular os entes federados na elaboração de políticas públicas capazes de melhorar, de forma equitativa e democrática, o acesso e a qualidade da educação brasileira. Como sintetiza o documento do Ministério da Educação (MEC), “Planejando a Próxima Década – Conhecendo as 20 Metas do Plano Nacional de Educação” (Brasil. MEC, 2014, p. 7), um plano “representa, normalmente, reação a situações de insatisfação e, portanto, volta-se na direção da promoção de mudanças a par r de determinadas interpretações da realidade, dos problemas e das suas causas, re etindo valores, ideias, atitudes políticas e determinado projeto de sociedade” (BRASIL, 2015, p. 11, grifo no original). Para atender aos desa os presentes na sociedade brasileira e colocar em prática os objetivos pretendidos, o PNE 2014-2024 estabeleceu dez diretrizes e metas, sintetizadas da seguinte forma: Quadro 1 - Síntese das dez metas propostas no PNE 2014-2024 SÍNTESE DAS DEZ METAS PROPOSTAS NO PNE 2014-2024 • Metas estruturantes para a garantia do direito à educação básica com qualidade • Metas voltadas à redução das desigualdades e à valorização da diversidade • Metas para a valorização dos pro ssionais da educação • Metas referentes ao ensino superior Fonte: BRASIL, 2015, p. 13. Com esses dados, encerramos a discussão acerca dos documentos que sustentam a política educacional no Brasil. É bem provável que, nos próximos anos, novas discussões sejam realizadas em âmbito ministerial para a concepção de Plano Educacional que será adotado a partir de 2024. Por enquanto, mantêm-se, ainda que com perdas cada vez mais expressivas, as propostas de uma educação democrática, inclusiva, diversi cada e que busca desenvolver a equidade na oferta do ensino. A Base Nacional Curricular Comum - BNCC AUTORIA Marcia Regina de Oliveira Lupion O que é a BNCC A Base Nacional Comum Curricular, ou BNCC, é o documento que direciona os conteúdos das disciplinas escolares em escolas públicas e privadas e foi elaborado por especialistas, com a participação de pro ssionais de ensino e da sociedade civil, nalizado no ano de 2017 e publicado em 2018. Consiste em um documento plural, contemporâneo e estabelece o conjunto de aprendizagens essenciais para as diversas etapas da Educação Básica, que, como vimos, se divide em três momentos: Educação Infantil, Educação Fundamental e Ensino Médio, o que o con gura como uma política educacional nacional sob a orientação do Ministério da Educação, o MEC. De forma objetiva a BNCC é: [...[ um documento de caráter normativo que de ne o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades a Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2018, p. 07, grifo no original). Por ter fundamento nas Diretrizes Curriculares Nacionais, visa a formação humana integral e a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. SAIBA MAIS Histórico da BNCC “A demanda por uma BNCC está presente na Constituição Federal (CF/88), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/96) e no Plano Nacional de Educação (PNE/2014). O texto da CF/88 estabeleceu conteúdos mínimos nacionais e conteúdos especí cos em âmbito local e regional. A LDBEN/96 determinou a necessidade de uma base comum nacional equilibrada com conteúdos especí cos mediante a diversidade étnica, geográ ca e cultural do Brasil. O PNE, aprovado em 2014, reiterou essa demanda por meio de metas e estratégias para serem alcançadas até o ano de 2024. A CF/88 e a LDBEN/96 regulamentaram documentos para a Educação Básica, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997; 2000) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998; 2010; 2011). Os Parâmetros são documentos de caráter não obrigatório com referências para a elaboração do currículo de todas as etapas da Educação Básica. As Diretrizes, por sua vez, são normas obrigatórias que orientam o planejamento curricular das escolas e sistemas de ensino e xadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). O texto da BNCC faz alusão ao pacto federativo de nidor da República brasileira, às profundas desigualdades sociais e à acentuada diversidade do país para a rmar que a busca por equidade na educação exige currículos diferenciados e adequados a cada sistema, rede e instituição escolar. Para tanto, propõe o alcance da equidade por meio de um conjunto de aprendizagens e desenvolvimento a que todos têm direito: “Daí a importância da articulação entre a BNCC e os currículos e de um intenso regime de colaboração entre todos os atores educacionais” (BRASIL, 2017, p. 11)”. Como está organizada a BNCC A BNCC se organiza a partir do desenvolvimento, nos estudantes, de dez competências gerais, presente no próprio documento. 1. Conhecimento — Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 2. Pensamento Cientí co, Crítico e Criativo — Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a re exão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 3. Repertório Cultural — Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversi cadas da produção artístico-cultural. 4. Comunicação — Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e cientí ca, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 5. Cultura Digital — Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, signi cativa, re exiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 6. Trabalho e Projeto de Vida — Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 7. Argumentação — Argumentar com base em fatos, dados e informações con áveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 8. Autoconhecimento e Autocuidado — Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. 9. Empatia e Cooperação — Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de con itos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 10. Responsabilidade e Cidadania — Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, exibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. Fontes: Texto da terceira versão da BNCC Infantil e Fundamental, MEC, Porvir e Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare e integrante do Movimento Pela Base (leitura crítica) CONECTE-SE Você pode ter acesso ao documento na integra. O documento está estruturado em: Textos introdutórios (geral, por etapa e por área); Competências gerais que os alunos devem desenvolver ao longo de todas as etapas da Educação Básica; Competências especí cas de cada área do conhecimento e dos componentes curriculares; Direitos de Aprendizagem ou Habilidades relativas a diversos objetos de conhecimento (conteúdos, conceitos e processos) que os alunos devem desenvolver em cada etapa da Educação Básica — da Educação Infantil ao Ensino Médio. ACESSAR Figura 3 – Estrutura da BNCC Fonte: BRASIL, online 2018, p. 24. Por competências, compreende-se a “mobilização de conhecimentos – conceitos e procedimentos –, habilidades – práticas, cognitivas e socioemocionais –, atitudes e valores” (BRASIL, 2018, p. 08) que colaborem na formação de cidadãos capazes de “resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 08). Além disso, as competências gerais se articulam nas três etapas da Educação Básica. Uma das maiores características da BNCC é sua capacidade de se adequar às realidades regionais sendo o tripé igualdade, diversidade e equidade as palavras chave para compreender essa capacidade de adequação. Assim, o documento enseja a igualdade de oferta de educação para todos os brasileiros, respeitando as singularidades regionais, assim como também a diversidade econômica, social e de raça dos brasileiros. A equidade, portanto, pressupõe ofertar ensino educacional, de forma que sejam contempladas as diferenças presentes na sociedade. A BNCC e os currículos Para assegurar as aprendizagens essenciais, a BNCC adequou os currículos disciplinares às realidades locais da seguinte forma: Quadro 2 - BNCC - Aprendizagens Essenciais BNCC – Aprendizagens Essenciais • contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares, identi cando estratégias para apresentá-los, representálos, exempli cá-los, conectá-los e torná-los signi cativos, com base na realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendizagens estão situadas; • selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos didáticos e tecnológicos para apoiar o processo de ensinar e aprender; • decidir sobre formas de organização interdisciplinar dos componentes curriculares e fortalecer a competência pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais dinâmicas, interativas e colaborativas em relação à gestão do ensino e da aprendizagem; • criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores, bem como manter processos permanentes de formação docente que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem; • selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-pedagógicas diversi cadas, recorrendo a ritmos diferenciados e a conteúdos complementares, se necessário, para trabalhar com as necessidades de diferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura de origem, suas comunidades, seus grupos de socialização etc.; • manter processos contínuos de aprendizagem sobre gestão pedagógica e curricular para os demais educadores, no âmbito das escolas e sistemas de ensino. • construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as condições de aprendizagem, tomando tais registros como referência para melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos; • conceber e pôr em prática situações e procedimentos para motivar e engajar os alunos nas aprendizagens; Fonte: BRASIL, 2018, p. 16. Todas as modalidades de ensino devem seguir às diretrizes da BNCC. Críticas à BNCC Alguns estudiosos, como Silva e Santos (2020), questionam o fato de que a BNCC possa trazer melhorias para a educação no Brasil. O argumento dos autores é o de que a Ementa Constitucional n.º 55/2016, que estabelece um limite para os gastos públicos nos próximos vinte anos, possa comprometer o investimento na educação, elemento essencial para a efetivação da BNCC. Questionam, ainda, se a BNCC irá reduzir as desigualdades educacionais e sociais, como propõe o texto do documento, tendo em vista a homogeneização dos conteúdos, o que, para os autores, contribui para um distanciamento dos sujeitos de conhecimento (SILVA; SANTOS, 2020). Tema que certamente será contemplado pela História da Educação brasileira do início do século XXI. REFLITA A reforma necessária do pensamento é aquela que gera um pensamento do contexto e do complexo. O pensamento contextual busca sempre a relação de inseparabilidade e as interretroações entre qualquer fenômeno e seu contexto, e deste com o contexto planetário. O complexo requer um pensamento que capte relações, interrelações, implicações mútuas, fenômenos multidimensionais, realidades que são simultaneamente solidárias e con itivas (como a própria democracia que é o sistema que se nutre de antagonismos e, que, simultaneamente os regula), que respeite a diversidade, e ao mesmo tempo que a unidade, um pensamento organizador que conceba a relação recíproca entre todas as partes (MORIN, 2002, p. 19). Seria o atual modelo educacional adotado no Brasil capaz de atuar de acordo com o modelo de complexidade proposto por Morin? Conclusão - Unidade 4 Nesta Unidade, nosso objetivo foi estudar algumas das políticas educacionais mais expressivas da história da educação brasileira. Iniciamos nossa discussão abordando a educação no Brasil desde a chegada dos jesuítas no Brasil até as nova Base Curricular Nacional publicada em 2018. Nesse período, diversos foram os modelos educacionais adotados pelos governos brasileiros, em sua maioria, excludentes e elitistas. Vimos que, a partir do Manifesto dos Pioneiros até a atualidade, muitas foram as leis e diretrizes educacionais estabelecidas como parâmetros para a educação no Brasil. Observamos que a educação em nossa sociedade ainda está longe de promover a igualdade, a equidade e a dignidade de seus cidadãos, mas, por outro lado, atualmente estamos diante de novas bases curriculares e planos educacionais nacionais e regionais que ditam normativas para o ensino baseado, sobretudo, na formação democrática e em valores humanos. Esses documentos não são isentos de intenções políticas governamentais, mas representam um posicionamento democrático por parte de seus organizadores e colaboradores, pois tanto a sociedade civil quanto especialistas em educação e políticos de carreiras foram os responsáveis pela redação dos textos e pelas proposições ali presentes. Se há um projeto de cidadão presente nessa documentação desejado pelos governos que os elaboraram, também há tendências pedagógicas modernas que direcionam essa formação e que nem sempre permitem que os governos sejam os únicos a interferirem nessa formação. Leitura complementar Nesta é possível conhecer um pouco dos modelos educacionais desenvolvidos na Amazônia. São diversos artigos que abordam experiências e possibilidades de trabalho na região. ESTÁCIO, Marcos André Ferreira; NICIDA, Lucia Regina de Azevedo. (Orgs.). História da educação na Amazônia. Manaus: EDUA; UEA Edições, 2016. ACESSAR Livro Acesse o link Filme