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Apontamentos para o exame nacional 2007
Filosofia 10º/ 11º anos
I. Iniciação à Atividade Filosófica
1. Abordagem introdutória à filosofia e ao filosofar
1.3. A dimensão discursiva do trabalho filosófico
Define-se por vezes as disciplinas em termos de objeto e método:
� O objeto de estudo da aritmética elementar é as principais propriedades da adição, da
subtração, etc. O seu método é a demonstração matemática.
� O objeto de estudo da biologia é as propriedades dos organismos vivos. O seu
método é a observação e a elaboração de teorias que depois são testadas, por vezes em
laboratórios.
Objeto e método da filosofia:
� A filosofia tem como objeto os conceitos mais básicos que usamos nas ciências, nas
artes, nas religiões e no dia a dia. A filosofia estuda conceitos como os seguintes: o bem
moral, a arte, o conhecimento, a verdade, a realidade, etc.
� O seu método é a troca de argumentos, a discussão de ideias.
As definições deste tipo não são muito informativas. Para compreender o que é a
filosofia o melhor é ver alguns exemplos do que se faz em filosofia.
Exemplos de problemas da filosofia:
� Será que tudo é relativo?
� Será que a vida tem sentido? E se tem, qual é?
� Como se justifica a existência do Estado, das Leis, e da Polícia?
� Será que não faz diferença fazer sofrer os animais?
� Será que Deus existe realmente, ou será que os ateus têm razão e os crentes estão
enganados?
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-Hugo Araújo-
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Estes problemas surgem naturalmente da nossa capacidade para pensar, em contacto
com o mundo. Outros problemas surgem da nossa reflexão sobre as ciências, as
religiões e as artes:
� O que é realmente a arte? E o que é a música?
� Como poderemos conciliar a existência de um Deus bom e sumamente poderoso e
sábio com tanto sofrimento no mundo?
� O que é realmente uma lei da física? E como podemos ter a certeza que essas leis são
verdadeiras?
A filosofia é uma reflexão que surge naturalmente.
Mas nem toda a reflexão que surge naturalmente é filosófica.
� As respostas pessoais às perguntas filosóficas não são respostas filosóficas.
� Podemos e devemos partir das nossas convicções pessoais.
� Mas só começamos a fazer filosofia quando exigimos justificações públicas para
essas convicções.
Características importantes da filosofia:
� A filosofia é uma atividade crítica;
� A filosofia é consequente;
� A filosofia é um estudo conceptual ou a priori;
� A filosofia é diferente da história da filosofia.
O que significa dizer que a filosofia é uma atividade crítica? Significa que temos de
justificar as nossas conclusões. E justificar conclusões é apresentar argumentos.
A importância dos argumentos em filosofia:
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-Hugo Araújo-
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� Precisamos de argumentos para mostrar que os problemas que estamos a estudar não
são meras ilusões e confusões. Por exemplo, será que o problema do sentido da vida faz
sentido? Porquê?
� Precisamos de argumentos para avaliar as respostas que os filósofos e nós próprios
damos aos problemas da filosofia. Por exemplo, será que a resposta que Platão dá ao
problema da imortalidade da alma é boa?
� E precisamos de saber avaliar argumentos porque os filósofos passam grande parte
do seu tempo a apresentar argumentos a favor das suas ideias e contra as ideias que eles
acham que estão erradas. Por exemplo, será que o argumento de Santo Anselmo a favor
da existência de Deus é bom?
Porque a filosofia é uma atividade critica, avalia cuidadosamente os nossos
preconceitos mais básicos.
O objetivo do estudo da filosofia não é repetir o que diz o professor ou o manual. O
objetivo é aprender a pensar sobre os problemas, as teorias e os argumentos da
filosofia.
Em filosofia, o estudante tem a liberdade de defender o que quiser, mas tem de adotar
uma atitude crítica:
� Tem de sustentar o que defende com bons argumentos;
� Tem de aceitar discutir os seus argumentos.
� Ser crítico não é «dizer mal». Ser crítico é olhar com imparcialidade para todas as
ideias para podermos avaliar se são verdadeiras ou não.
� Ser crítico não é ser extravagante. Ser crítico não é dizer «Não» só para marcar a
diferença. Ser crítico é dizer «Sim», «Não», ou até «Talvez», mas com base em bons
argumentos.
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-Hugo Araújo-
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A filosofia é uma atividade dialogante: consiste em trocar e discutir ideias. A
diferença entre uma discussão filosófica e uma gritaria, por exemplo, é esta: em
filosofia discutimos para chegar à verdade das coisas, independentemente de saber
quem «ganha» a discussão; numa gritaria discute-se para «ganhar» a discussão,
independentemente de saber de que lado está a verdade.
O pensamento filosófico é consequente. Ser consequente é aceitar as consequências das
nossas ideias.
� Somos livres para defender as posições que queremos; mas teremos de ser
responsáveis pelas consequências do que defendemos. Se defendemos que toda a vida é
sagrada e que isso quer dizer que nunca devemos matar um ser vivo, não podemos ao
mesmo tempo defender que se pode comer salada de alface. Se defendemos que tudo é
relativo e que não há verdades, não podemos defender que esta ideia é verdadeira.
Os três elementos centrais da filosofia:
� Problemas
� Teorias
� Argumentos
Os filósofos, ao longo dos séculos, têm proposto teorias que tentam resolver os
problemas filosóficos. Essas teorias apoiam-se em argumentos.
O nosso papel perante os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia é duplo:
1. Saber formulá-los claramente.
2. Saber discuti-los com rigor.
Os problemas da filosofia não se resolvem olhando para o mundo para recolher
informação. É por isso que dizemos que a filosofia é um estudo a priori ou conceptual.
Queremos dizer que a filosofia se faz unicamente com o pensamento.
� Conhecimento empírico ou a posteriori: baseia-se na experiência.
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Exemplos: para saber se há vida em Marte é necessário enviar sondas e fazer
observações. Para saber qual é a natureza da SIDA é necessário fazer observações e
experiências laboratoriais.
� Conhecimento conceptual ou a priori: baseia-se no pensamento apenas.
Exemplos: para saber se 7 é um número par basta dividi-lo por dois e ver se o resultado
é um número inteiro. Para saber se todos os objetos verdes têm cor basta pensar no
conceito de verde e de cor.
O estudo filosófico é a priori, mas temos de ter informações sobre tudo o que for
importante para a solução dos problemas que estamos a tratar.
� A filosofia é inevitável porque não é mais do que a procura sistemática de
justificações sensatas para as nossas ideias mais básicas.
� A filosofia opõe-se ao dogmatismo porque nenhuma ideia tem o direito de suplantar
quaisquer outras ideias, enquanto não mostrar que é realmente melhor do que as outras.
A filosofia é diferente da sua história. Em história da filosofia estudamos o que os
filósofos dizem só para saber o que eles dizem. Na filosofia estudamos o que os
filósofos dizem para discutir as suas ideias.
� Estudar filosofia é como estudar música e estudar história da filosofia é como estudar
história da música. Num caso, aprendemos a tocar um instrumento ou a compor peças
musicais; no outro, aprendemos apenas a apreciar a música do passado. Num caso,
aprendemos a discutir ideias e a propor ideias e a defendê-las; no outro, aprendemos
apenas a formular as ideias dos outros.
Para que serve a filosofia?
� A filosofia serve para alargar a nossa compreensão das coisas, como as ciências, as
artes e as religiões.
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� A filosofia serve para mudar as nossas vidas, como as ciências, as artes e as
religiões.
Exemplos:
� John Stuart Mill, A Submissão das Mulheres (1869)
� Peter Singer, Libertação Animal (1975).
Comparações de utilidade:
� A religião é útil porque fornece orientação e conforto espiritual aos seus crentes. A
filosofia fornece orientação a qualquer pessoa.
� A ciência é útil porque nos ensina a curar a tuberculose, por exemplo. A filosofia
ensina-nos a enfrentar os problemas morais levantados pela ciência.
� As artes são úteis porque produzem obras que nos inspiram e maravilham. A
filosofia produz ideias e argumentos que nos inspiram e maravilham, e põe a descoberto
problemas que nos convidam a dar o nosso melhor para tentar resolvê-los.
As razões pelas quais a filosofia serve para alguma coisa são a razões pelas quais as
artes, as ciências e as religiões servem para alguma coisa.
� Muitos dos problemas, teorias e argumentos da filosofia não têm qualquer utilidade
prática.
� Mas também a maior parte do que constitui as religiões, as artes e as ciências não tem
qualquer utilidade prática.
� E as coisas sem utilidade prática podem ter valor porque o conhecimento é algo
suficientemente importante para ter valor em si.
� Mesmo que só as coisas úteis tivessem valor, nunca poderíamos saber à partida quais
das nossas ideias se viriam a revelar úteis.
� A filosofia é útil para a vida pública de um país porque nos ensina a pensar melhor
sobre qualquer assunto, desde que se disponha da informação adequada.
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Quem sabe argumentar bem toma melhores decisões, porque as decisões que tomamos
são baseadas em argumentos. A filosofia ajuda a tomar melhores decisões.
Os argumentos
� Um argumento é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma
delas é a conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam
as premissas.
Nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Só os conjuntos de proposições
organizadas de tal modo que justifiquem ou defendam a conclusão apresentada são
argumentos.
Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram
explicitamente apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso
pensamento é uma parte importante da discussão filosófica.
Perante um texto que defende ideias devemos fazer o seguinte:
1. Descobrir o que o autor quer defender. Isso é a conclusão.
2. Descobrir que razões ele dá para defender essa conclusão. Essas razões são as
premissas.
3. Se o autor omitiu premissas, acrescentá-las.
4. Formular o argumento de maneira completamente explícita.
Definição dos conceitos nucleares
Problema: algo que se pretende resolver;
Conceito: é uma abstração elaborada pela razão, a partir dos dados obtidos na
experiência, e que serve para designar toda uma classe de objetos ou seres;
Tese: é uma proposição que se apresenta para ser defendida, no caso de impugnação.
Tema, assunto a tratar;
Argumento: é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma delas é a
conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam
premissas.
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As disciplinas da Filosofia e os problemas de que tratam
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II. A ação humana e os valores
1. A ação humana – análise e compreensão do agir
1.1. A rede conceptual da ação
� A Filosofia da Ação é uma área interdisciplinar que colhe contributos da
Metafísica, da Filosofia da Mente, da Psicologia e da moderna Teoria da Decisão.
� O objeto de estudo da Filosofia da Ação é a justificação da crença na racionalidade
da ação humana.
� Distingue-se da Ética por não considerar os aspetos morais do agir, analisando
apenas o que está na base da ação – crenças, desejos, intenções, motivos e causas.
� O seu método consiste na análise das frases de ação, mediante as quais os agentes
descrevem e explicam o que fazem:
«Por que fizeste X?» - «Fiz X porque __________ »
� O problema central da Filosofia da Ação é o de saber:
Como compatibilizar a crença de que somos seres racionais com o facto de agirmos
frequentemente de forma irracional?
� Exemplos de problemas discutidos em Filosofia da Ação:
1. O que são ações? Que acontecimentos contam enquanto ações?
2. Como individuar ou distinguir as ações umas das outras?
3. Como explicar a existência de preferências irracionais?
4. Como compreender o fenómeno da acrasia?
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «O que é uma ação?»,
analisemos o seguinte exemplo:
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1. João deseja herdar uma fortuna e crê que o melhor a fazer para satisfazer o seu desejo
é matar o seu pai abastado. Mas este pensamento põe-no tão nervoso que, ao conduzir
desajeitadamente o seu carro, mata um peão que é, afinal, o seu pai! Cometeu ou não
um parricídio?
� A atribuição da responsabilidade depende de determinarmos se a morte de seu pai
constitui, ou não, uma ação de João.
Temos, então, de procurar qual é o aspeto que nos permite dizer que um
acontecimento é uma ação.
� Será a sua associação a um ser humano? Mas há acontecimentos que envolvem
pessoas, mas que claramente não são ações – por exemplo, escorregar.
� Será a existência de movimentos corporais? Mas há ações sem movimento
corporal (estar imóvel a estudar) e há movimentos corporais que não são ações
(respirar).
� Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue
os acontecimentos que contam como ações:
Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a
exibir a presença de uma intenção no agente.
� O que é uma intenção? É um estado mental mediante o qual se concretiza, se anula
ou se mantém um certo estado de coisas.
Os desejos e as crenças, e o seu discutido papel causal nas ações, são exemplos de
estados mentais intencionais.
� No exemplo 1, existe claramente um desejo (herdar uma fortuna) e uma crença, e
parece que à custa deles João concretiza um acontecimento – a morte de seu pai. Tudo
aponta, pois, que se trate de uma ação de João. Concordas?
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como distinguir as
ações umas das outras?», analisemos o seguinte exemplo:
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2. Os membros de uma família estão sentados à mesa a comer uma feijoada. Estão
todos a fazer a mesma ação ou ações diferentes?
� Por um lado, podemos dizer que todos os familiares estão a comer a mesma coisa,
no mesmo local e à mesma hora;
� Por outro lado, cada pessoa poderá possuir intenções diferentes ao comer (apenas
matar a fome, regozijar-se com o sabor dos feijões, etc.) e os seus movimentos físicos
não são inteiramente coincidentes nem no espaço nem no tempo.
� Existem, então, duas respostas possíveis para aquela pergunta:
1. Diremos «sim» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como sendo um ato
genérico definido como «ingestão de feijões».
2. Diremos «não» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como algo realizado
concretamente por alguém, nalgum lugar, a alguma hora e com movimentos físicos
individualizados.
� Cada uma destas respostas traduz duas conceções filosóficas diferentes da ação:
1. A ação como uma entidade genérica e abstrata; para os filósofos que, como
Jaegwon Kim, a concebem deste modo, uma ação é algo meramente ideal (tal como a
ideia de Triângulo) e que pode ser exemplificado cada vez que um agente a perfaz (tal
como exemplificamos a ideia de Triângulo ao desenharmos uma figura triangular);
2. A ação como acontecimento concreto; para filósofos que, como Donald Davidson, a
concebem deste modo, as ações são acontecimentos localizados no espaço e no tempo
(têm lugar num certo sítio e a uma dada hora) e são individualmente realizados
(feitas por alguém);
Qual destas conceções consideras correta? Porquê?
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como explicar a
existência de preferências irracionais?», analisemos o seguinte exemplo:
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Filosofia 10º/ 11º anos
3. Uma pessoa afirma que prefere os Limp Bizkit a Norah Jones e esta cantora a Bach.
No entanto, diz preferir Bach aos Limp Bizkit. Como explicar esta irracionalidade das
suas preferências?
� Dizemos que as suas preferências são irracionais porque são não transitivas.
� O que é a transitividade? É uma propriedade de relações: se uma entidade X tem
uma certa relação com uma entidade Y e se esta entidade Y tem o mesmo tipo de
relação com uma entidade Z, então a entidade X está nesse tipo de relação com a
entidade Z. Exemplos:
1. O Zé é mais alto do que o Chico; o Chico é mais alto do que o Quim. Logo, o Zé é
mais alto do que o Quim. A relação ser mais alto do que é transitiva.
2. O Guilherme é o pai do Pedro; o Pedro é o pai da Joana. Mas o Guilherme não é o
pai da Joana! A relação ser pai de é não transitiva.
� Ora, as ações são objeto de preferências e as nossas preferências, se forem
racionais, deverão ser transitivas:
Se preferes comer feijoada a comer filetes de pescada
e se preferes comer filetes de pescada a comer Nestum,
o que será racional que prefiras — feijoada ou Nestum?
� É legítimo pensar que qualquer comportamento racional terá de se conformar à
transitividade das preferências. Mas os estudos empíricos da Psicologia mostram que
isto nem sempre acontece, o que intriga muito os filósofos.
Como explicar a irracionalidade das preferências?
� Chama-se «acrasia» a uma falta de força de vontade. Um agente tem falta de força
de vontade se tiver o desejo de produzir um certo efeito e tiver a crença de que uma
dada ação é a melhor forma de produzir esse efeito e, no entanto, não realizar esta ação.
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� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como compreender o
fenómeno da acrasia?», analisemos o seguinte exemplo:
Se desejas verdadeiramente respeitar os direitos dos animais e se acreditas que a melhor
maneira de o fazer é deixando de comer carne, peixe, leite ou ovos, como compreender
que o continues a comer tudo isto?
� Aristóteles refletiu sobre a acrasia e pensou que a explicação das ações acráticas só
poderia ser feita se dispusesse de um modelo de explicação de ações racionais. Esse
modelo explicativo ficou conhecido como «silogismo prático»:
1. O agente tem o desejo de produzir um efeito E.
2. O agente crê que fazer a ação A é o melhor modo de alcançar E.
3. Logo, o agente faz A
� Neste modelo as premissas 1 e 2 são a justificação racional da ação enunciada na
conclusão, em 3. Se os agentes forem racionais, deverão poder explicar as suas ações
com base nos seus desejos e crenças, com os quais as ações devem ser coerentes.
� Numa ação acrática, isto não acontece. Vejamos o exemplo do fumar como
resultado de fraqueza irracional da vontade:
1. O António tem o desejo de ser saudável.
2. O António acredita que não fumar é a melhor maneira de ser saudável.
3. No entanto, o António fuma.
Assim concluímos que para falar de ação, implica falar de um agente, uma intenção e
uma motivação.
Sendo resumido neste quadro:
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Intenção
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Motivo
Agente
� o mesmo que projeto, isto � identifica aquilo que explica e � o autor da intenção e da
é, aquilo que nos propomos permite compreender a intenção, ação ,isto é, o que pratica a
fazer ou o propósito da ação isto é, as suas razões;
(implica
a
tomada
ação;
de � refere-se ao porquê da intenção, � identifica aquele que, por
consciência do sentido dos ou seja, «o que é que levou A a
nossos atos);
fazer X»;
sua
iniciativa
voluntariamente),
� o sentido da ação, isto é, o � distingue-se do conceito de alterações
significado atribuído a uma
(livre
no
e
produz
decorrer
causa, porque ao identificarmos os normal das coisas;
ação, identificado através da motivos não podemos considerar � por ser o autor, isto é,
resposta à pergunta «o quê?»;
que existe sempre entre eles e a aquele que pratica uma ação
� o objeto da decisão e a intenção uma relação necessária; há intencionalmente, é aquele a
estratégia escolhida para o que ter em conta a intervenção da quem
concretizar.
se
atribui
a
vontade. A causa faria ocorrer a responsabilidade da ação,
ação independentemente da vontade isto é, aquele que responde
do agente.
por ela.
Definição dos conceitos nucleares
Ação: é uma interferência consciente e voluntária de um ser humano (o agente), dotado
de razão e de vontade, no normal decurso das coisas, que sem a sua inferência seguiriam
um caminho distinto;
Agente: é o ser humano que realiza consciente e voluntariamente uma ação;
Intenção: é o para quê, isto é, o propósito que o agente quer atingir;
Motivo: é a razão pela qual ele age.
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II.A ação humana e os valores
1. A ação humana – análise e compreensão do agir
1.2. Determinismo e liberdade na ação humana
� A liberdade de ação é um importante tópico discutido em Filosofia. Na tradição
ocidental moral, religiosa e jurídica, conceitos como os de responsabilidade, culpa e
imputabilidade estão vinculados ao de liberdade.
� Nessa tradição, um agente é responsabilizável por uma ação apenas no caso de ter
sido livre para agir como agiu. Por exemplo, um indivíduo é culpado aos olhos de Deus
se tiver pecado quando podia não o ter feito; um criminoso é imputável aos olhos da
Justiça se tiver cometido um crime quando podia evitá-lo.
Mas se alguém é forçado a agir de uma certa forma, será legítimo responsabilizá-lo
pela sua «ação»?
� Que “forças” condicionam as nossas ações? Podemos reconhecer três tipos de
condicionantes da ação:
1. Físicas: as ações dependem da estrutura anatómica e fisiológica do agente e das leis
naturais que regem os fenómenos do mundo;
2. Psicológicas: a personalidade, o caráter, a força de vontade ou a falta dela, os
estímulos e as motivações são aspetos que influenciam o tipo de ações que
empreendemos;
3. Culturais: as vivências, as normas, as tradições, os hábitos e costumes, e todas as
circunstâncias políticas, económicas e sociais que, enquanto agentes, nos relacionam
com outros agentes, condicionam claramente as nossas ações.
� Será que as condicionantes da ação impossibilitam a liberdade de ação? Seremos
realmente livres ou a será a liberdade apenas uma ilusão?
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Para compreendermos o significado desta pergunta, teremos de dominar uma noção
essencial – a de causalidade.
� Uma cadeia causal é uma sucessão de acontecimentos na qual cada um deles é causa
do acontecimento que lhe sucede e cada um deles é efeito do acontecimento que o
antecede:
� Uma conceção determinista da ação salienta que as ações são acontecimentos que
têm lugar no mundo e que, portanto, estão integradas em cadeias causais: ora são
efeitos de acontecimentos anteriores (mentais ou físicos); ora são causas de
acontecimentos posteriores.
� Por outro lado, pensamos que devemos responder por muitos dos nossos atos, de que
somos responsáveis em consequência da nossa liberdade. Esta é uma visão não
determinista da ação.
� Isto gera um dilema, conhecido como «dilema de Hume»:
Se o determinismo for verdadeiro, então as nossas ações são causadas por
acontecimentos remotos que não controlamos, tornando-se inevitáveis, não sendo nós
responsabilizáveis pelo que fazemos; se o determinismo for falso, então as nossas
ações são aleatórias, pelo que também não somos responsabilizáveis por elas.
Conclusão: em qualquer caso, não há livre arbítrio nem responsabilidade.
� O problema do livre arbítrio pode agora ser precisamente formulado:
Como compatibilizar a crença de que todos os acontecimentos, incluindo as ações, são
causalmente determinados, segundo as leis da natureza, com a crença de que o
Homem é livre e responsável pelas ações?
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� As respostas tradicionais ao problema do livre-arbítrio podem ser divididas em
teorias compatibilistas e teorias incompatibilistas.
� As primeiras defendem que o livre-arbítrio é compatível com o determinismo; as
segundas defendem que o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo.
� Teorias que respondem ao problema do livre-arbítrio:
Exemplo do problema do livre-arbítrio
� O problema do livre-arbítrio, um dos mais antigos e intratáveis da filosofia, começa
com uma certa inadequação terminológica. A expressão portuguesa "livre-arbítrio",
assim como a expressão "liberdade da vontade", que é tradução do inglês "freedom of
the will", são enganosas, pois nem o juízo nem a vontade são os fatores preponderantes.
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Menos comprometida seria a expressão "liberdade de decisão" ou "liberdade de
escolha" ou, melhor ainda (posto que mais abrangente), "liberdade de ação".
� Feita essa advertência terminológica, passemos à exposição do problema. Ele diz
respeito ao conflito existente entre a liberdade que temos ao agir e o determinismo
causal. Podemos introduzi-lo considerando as três proposições seguintes:
1. Todo o evento é causado.
2. As nossas ações são livres.
3. Ações livres não são causadas.
� A proposição 1 parece geralmente verdadeira: cremos que no mundo em que vivemos
para todo evento deve haver uma causa. A proposição 2 também parece verdadeira:
quando nos observamos a nós mesmos, parece óbvio que as nossas decisões e ações são
frequentemente livres. Também a proposição 3 parece verdadeira: se as nossas ações
fossem causalmente determinadas, elas não poderiam ser livres.
� O problema do livre-arbítrio surge quando percebemos que as três proposições acima
formam um conjunto inconsistente, ou seja: não é possível que todas elas sejam
verdadeiras! Se admitimos que todo evento é causado e que a ação livre não é
causalmente determinada (que as proposições 1 e 3 são verdadeiras), então não somos
livres, posto que as nossas ações são eventos (a proposição 2 é falsa). Se admitimos que
as nossas ações são livres e que como tais elas não são causalmente determinadas (que 2
e 3 são proposições verdadeiras), então não é verdade que todo o evento seja causado (a
proposição 1 é fa1sa). E se admitimos que todo o evento é causado e que somos livres
(que as proposições 1 e 2 são verdadeiras), então deve haver a1go de errado com a ideia
de liberdade expressa na proposição 3.
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� Cada uma dessas alternativas possui um nome e foi classicamente defendida. A
primeira delas é chamada de determinismo; ela consiste em negar a verdade da
proposição 2, ou seja, que somos realmente livres. Ela foi mantida por filósofos como
Espinosa, Schopenhauer e Henri d'Holbach. A segunda alternativa chama-se libertismo:
ela não tem problemas em admitir que o mundo ao nosso redor é causalmente
determinado, mas abre uma exceção para muitas de nossas decisões e ações, que sendo
livres escapam à determinação causal. Com isso o libertismo rejeita a validade universal
do determinismo expressa pela proposição 1. Essa é a posição de Agostinho, Kant e
Fichte. Finalmente há o compatibilismo, que tenta mostrar que a liberdade de ação é
perfeitamente compatível com o determinismo, rejeitando a ideia de liberdade expressa
na proposição 3. Historicamente, Hobbes, Hume e Mill foram famosos defensores do
compatibilismo. No que se segue, quero considerar isoladamente cada uma dessas
soluções, argumentando finalmente a favor do compatibilismo.
1. Determinismo
� O determinismo parte da consideração de que, da mesma forma que podemos sempre
encontrar causas para os eventos físicos que nos cercam, podemos sempre encontrar
causas para as nossas ações, sejam elas quais forem. Com efeito, sendo como somos
produtos de um processo de evolução natural, seria surpreendente se as nossas ações
não fossem causadas do mesmo modo que o são outros eventos biológicos, tais como a
migração dos pássaros e o fototropismo das plantas. Mesmo que o princípio da
causalidade não seja garantido e que no mundo da microfísica ele tenha sido inclusive
colocado em dúvida, no mundo humano, constituído pelas nossas ações, pensamentos,
decisões, vontades, esse princípio parece manter-se plenamente aceitável. De facto,
admitimos que as decisões ou ações humanas são causadas. Alguns poderão dizer que
Napoleão invadiu a Rússia por livre decisão da sua vontade. Mas os historiadores
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consideram parte do seu ofício encontrar as causas, procurando esclarecer as motivações
e circunstâncias que o induziram a tomar essa funesta decisão. Na determinação das
nossas ações, as causas imediatas podem ser externas (alguém decide parar o carro
diante de um sinal vermelho) ou internas (alguém resolve tomar um refrigerante), sendo
geralmente múltiplas e por vezes muito difíceis de serem rastreadas. No entanto, teorias
biológicas e psicológicas (especialmente. a psicanálise) sugerem que as nossas ações
são sempre causadas; "Fiz isso sem nenhuma razão" raramente é aceite como desculpa.
� Com base em considerações como essas, a conclusão do filósofo determinista é a de
que o livre-arbítrio na verdade não existe, posto que se a ação fosse realmente livre ela
não seria determinada por outros fatores independentes dela mesma. A liberdade que
parecemos ter ao tomarmos as nossas decisões é pura ilusão, produzida por uma
insuficiente consciência das suas causas. Mesmo quando pensamos que poderíamos ter
agido de outro modo, o que queremos dizer não é que éramos realmente livres para agir
de outro modo, mas simplesmente que teríamos agido de outro modo se o sentimento
mais forte tivesse sido outro, se soubéssemos aquilo que agora sabemos etc. O
argumento a favor do determinismo pode ser assim esquematizado:
1. Todo o evento é causado.
2. As ações humanas são eventos.
3. Portanto, todas as ações humanas são causadas.
4. As ações humanas só são livres quando não são causadas.
5. Portanto, as ações humanas não são livres.
� A posição determinista encontra, porém, dificuldades. Não é só o sentimento de que
somos livres que perde a validade. Também o sentimento de arrependimento ou
remorso parece perder o sentido, pois como se justifica que nós possamos arrepender-
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nos das nossas ações, se não fomos livres para escolhê-las? Também a responsabilidade
moral perde a validade. Se nas nossas ações somos tão determinados como uma pedra
que cai ao ser solta no ar, faz tão pouco sentido responsabilizar uma pessoa pelos seus
atos quanto faz sentido responsabilizar a pedra por ter caído. Tais dificuldades levamnos a considerar a posição oposta.
2. Libertismo
� O libertista rejeita o determinismo por considerar as conclusões acima inaceitáveis.
Ele também rejeita a primeira premissa do argumento determinista. O princípio da
causalidade, enunciável como "Todo o evento tem uma causa", não parece ter a sua
validade universal garantida. Certamente, esse princípio é extremamente útil, valendo
em geral para o mundo que nos circunda e mesmo para muitas de nossas ações. Mas
nada nele garante que a sua validade seja universal. Não podemos pensar que A = ~A
ou que 1 + 1 = 3, mas podemos perfeitamente conceber um evento no universo surgindo
sem nenhuma causa. A isso o libertarista poderá adicionar que nós simplesmente
sabemos que somos livres. Há uma grande diferença entre um comportamento reflexo e
um comportamento resultante da decisão da vontade. Nós sentimos que no último caso
somos livres, que podemos decidir sempre de outro modo.
� Para justificar essa posição, o libertista costuma lançar mão de uma teoria da ação, tal
como foi defendida por Richard Taylor ou por Roderick Chisholm. Segundo essa teoria
às vezes, ao menos, o agente causa os seus atos sem qualquer mudança essencial em si
mesmo, não necessitando de condições antecedentes que sejam suficientes para
justificar a ação. Isso acontece porque o eu é uma entidade peculiar, capaz de iniciar
uma ação sem ser causado por condições antecedentes suficientes! Você poderá
perguntar-se como isso é possível. A resposta geralmente oferecida é que não pode
haver explicação. Para responder a uma pergunta como essa teríamos de interrogar o
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próprio eu, considerando-o objetivamente. Mas, como quem deve considerar
objetivamente o eu só pode ser aqui o próprio eu, isso é impossível. Tentar interrogar o
próprio eu é tentar, como o barão de Münchausen, alçar-se sobre si mesmo pondo os pés
sobre a própria cabeça. O eu da teoria da ação é um eu esquivo [...]. Ele é um eu
autodeterminador, capaz de iniciar ações sem ser causado. Somos, quando agimos,
semelhantes ao deus aristotélico: somos causas não causadas, motores imóveis. O
argumento que conduz à teoria da ação tem a forma:
1. Não é certo que todo o evento é causado.
2. Sabemos que as nossas ações são frequentemente livres.
3. As ações humanas livres não podem ser causadas.
4. Portanto, a ação humana não precisa de ser causada.
� Embora essa solução preserve a noção de livre agência, ela tem o inconveniente de
explicar o obscuro pelo que é mais obscuro ainda, que é um mistério a ser aceite sem
questionamento. A pergunta que permanece é se não há uma solução mais satisfatória.
A solução que veremos a seguir, o compatibilismo, é hoje a mais aceite, sendo uma
maneira de tentar preservar as vantagens das outras duas sem as correspondentes
desvantagens.
3. Compatibilismo: definições
� Segundo o compatibilismo, também chamado de determinismo moderado ou
reconciliatório, nós permanecemos livres e responsáveis, mesmo sendo causalmente
determinados nas nossas ações. O raciocínio que conduz ao compatibilismo tem a
forma:
1. Todo o evento é causado.
2. As ações humanas são eventos.
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3. Portanto, todas as ações humanas são causadas.
4. Sabemos que as nossas ações são às vezes livres.
5. Portanto, as ações livres são causadas.
� Um bom exemplo de argumento em defesa do compatibilismo é o de Walter Stace,
para quem nós confundimos o significado da noção de liberdade na sua conexão com o
determinismo. Segundo Stace, o determinista acredita que a liberdade da vontade é o
mesmo que a capacidade de produzir ações sem que elas sejam determinadas por causas.
Mas isso é falso. Se assim fosse, uma pessoa que se comportasse arbitrariamente,
mesmo que contra a sua própria vontade, seria um exemplo de pessoa livre. Mas o
comportamento arbitrário não é visto como um comportamento livre. A diferença entre
a vontade livre e a vontade não-livre não deve residir, pois, no facto de a segunda ser
causalmente determinada e a primeira não. Além disso, tanto no caso de ações livres
como no caso de ações não-livres, nós costumamos encontrar determinações causais,
como mostram os seguintes exemplos, os três primeiros tomados do texto de Stace:
A. Atos livres
B. Atos não-livres
1. Gandi passa fome porque quer libertar
Um homem passa fome num deserto
a Índia.
porque não há comida.
2. Uma pessoa rouba um pão porque está
Uma pessoa rouba porque o seu patrão a
com fome.
obrigou.
3. Uma pessoa assina uma confissão
Uma pessoa assina uma confissão porque
porque quer dizer a verdade.
foi submetida a tortura.
4. Uma pessoa decide abrir uma garrafa
Uma pessoa toma uma dose de aguardente,
de champanhe porque quer brindar ao
mesmo contra a sua vontade, porque é
Ano Novo.
alcoólica.
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� Note-se que a palavra "porque", que denota causalidade, é comum a ambas as
colunas. Assim, a coluna A não difere da coluna B pelo facto de não podermos
encontrar causas das ações, decisões e volições dos agentes. E às causas apresentadas
podemos adicionar ainda outras, como razões psicológicas e biográficas de Gandi, o
costume de brindar ao Ano Novo abrindo uma garrafa de champanhe etc. Mesmo nos
casos de decisões arbitrárias (como quando alguém decide lançar uma moeda no ar para
que a sorte decida o que deve fazer), a decisão de escolher arbitrariamente também
possui alguma causa.
� A diferença notada por Stace entre as ações livres da coluna A e as não-livres da
coluna B é que as primeiras são voluntárias, enquanto as segundas não. Daí que ele
defina a diferença entre a vontade livre e não-livre como residindo no facto de que as
ações derivadas da vontade livre são voluntárias, enquanto as ações derivadas da
vontade não-livre são involuntárias, no sentido de se oporem à nossa vontade ou de
serem independentes dela. Se Gandi passa fome para libertar a Índia, se alguém rouba
um pão por estar com fome, essas são ações livres, posto que voluntárias; mas se uma
pessoa assina uma confissão sob tortura ou toma uma dose de aguardente contra a sua
vontade, essas são ações que se opõem à vontade dos agentes, por isso mesmo não são
livres.
� Embora a explicação de Stace seja geralmente bem-sucedida, ela não se aplica
satisfatoriamente a alguns casos. Considere os seguintes:
A. Atos livres
B. Atos não-livres
5. Uma pessoa abre a janela porque faz
Uma pessoa abre a janela por efeito de
calor.
sugestão pós-hipnótica.
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6. Um membro de uma equipa de
Um psicopata explode uma bomba porque
cinema explode uma bomba para efeitos
ouve vozes que o convenceram a realizar
de filmagem.
essa ação.
� No exemplo B-5 a pessoa abre a janela porque o hipnotizador lhe disse que meia hora
após ser acordada da hipnose deveria abrir a janela, sem se lembrar de que faz isso por
decisão do hipnotizador (curiosamente, se interrogada, a pessoa submetida a esse tipo de
experiência costuma fornecer uma razão qualquer, como a de que está sentindo calor).
� Nesse caso a pessoa realiza a ação voluntariamente, pensando que o faz por livre e
espontânea vontade, embora na verdade o faça seguindo a instrução de quem a
hipnotizou. No exemplo B-6, o psicopata também age voluntariamente, e o mesmo
poderíamos dizer de casos de fanáticos, de neuróticos e, em geral, de pessoas presas a
valores e padrões de conduta excessivamente rígidos, que sofrem por isso limitações na
capacidade de livre deliberação, apesar de agirem voluntariamente. A ação livre deve
aproximar-se de um ideal de racionalidade plena, o que aqui está longe de ser o caso.
� Na minha opinião a diferença mais importante entre os casos apresentados, nas
colunas A e B é que em B, em que a ação não é livre, o agente age sob restrição,
coerção ou limitação externa (exemplos 1, 2, 3 e 5) ou interna (exemplos 4 e 6),
enquanto nos casos da coluna A, em que a ação é livre, o agente age motivado por
razões não-limitadoras ou "plenas". É difícil explicar o que sejam razões nãolimitadoras, mas a ideia é intuitiva: considere a diferença entre as razões de Gandi e as
razões de quem age por sugestão pós-hipnótica, por força de um delírio psicótico ou de
uma crença fanática; mesmo não-admiradores de Gandi admitiriam que as suas razões
são comparativamente menos limitadoras, menos restritivas, mais legítimas. Admitindo
essa distinção de grau entre razões limitadoras e não-limitadoras, chegamos a uma
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definição inerentemente negativa da ação livre, que é mais abrangente do que a de
Stace:
A ação livre é aquela em que o agente não é restringido fisicamente, nem
coagido na sua vontade, nem limitado na sua racionalidade ao realizá-la.
Livre-arbítrio versus determinismo
� O problema do livre-arbítrio versus determinismo surge devido a uma aparente
contradição entre duas ideias plausíveis. A primeira é a ideia de que os seres humanos
têm liberdade para fazer ou não fazer o que queiram (obviamente, dentro de certos
limites ― ninguém acredita que possamos voar apenas por querermos fazê-lo). Esta é a
ideia de que os seres humanos têm vontade livre ― ou livre-arbítrio. A segunda é a
ideia (...) de que tudo o que acontece neste universo é causado, ou determinado, por
acontecimentos ou circunstâncias anteriores. Diz-se de aqueles que aceitam esta ideia
que acreditam no princípio do determinismo e chama-se-lhes deterministas. (De
aqueles que negam esta segunda ideia diz-se que são indeterministas.)
� Pensa-se frequentemente que estas duas ideias conflituam porque parece que não
podemos ter livre-arbítrio ― as nossas escolhas não podem ser livres ― se são
determinadas por acontecimentos ou circunstâncias anteriores.
Definição dos conceitos nucleares
Determinismo: princípio segundo o qual todo o fenómeno é rigorosamente
determinado por aqueles que o precederam ou acompanham, (leis da natureza: físicas e
biológicas) ou (plano sobrenatural: vontade de Deus, força do destino) sendo a sua
ocorrência necessária e não dependente da vontade do agente;
Liberdade: é ter a possibilidade de escolher e de decidir o que fazer de nós próprios,
que tipo de pessoa nos propomos construir tendo em conta todos os fatores e
condicionalismos circunstanciais que o contexto vivencial nos proporciona e que são
simultaneamente limitações e desafios;
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Liberdade humana: capacidade de autodeterminação, ou seja, a possibilidade e a
necessidade de sermos nós a orientar a nossa ação e, desse modo, a definir e a moldar a
nossa personalidade, tendo em conta as condicionantes da ação;
Causalidade: acontecimento que sucede à cadeia causal;
Finalidade: acontecimento que antecede à cadeia causal.
II.A ação humana e os valores
2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa
2.1. Valores e valoração – a questão dos critérios valorativos
Os valores são qualidades que se atribuem aos objetos. Estes orientam a nossa ação,
isto é, a nossa ação é determinada pelos valores; pelo que é considerado justo/injusto;
correto/incorreto pelo sujeito.
Os valores não existem efetivamente nos objetos, ou seja, não são características dos
objetos. Orientam as nossas ações; agimos em função daquilo que gostamos e achamos
correto.
Características dos valores
Os valores são:
� Subjetivos – quando dependem do sujeito, isto é, dois sujeitos perante um objeto
podem ter opiniões diferentes acerca do mesmo. (Ex.: uma pessoa pode achar o objeto
bonito e outra feio).
� Não são coisas nem características sensíveis dessas mesmas coisas
� São hierarquizáveis – não têm todos a mesma importância, cada sujeito tem a sua
própria hierarquia.
� Existem em pólos opostos – existem valores positivos e valores negativos. (Ex.:
beleza ≠ fealdade).
� Valor-fim e valores-meio:
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 Valor-fim – são aqueles que valem por si mesmo (encontram-se no topo da
hierarquia);
 Valores-meio – são aqueles que nos permitem alcançar o valor-fim.
� Valores espirituais e valores materiais – produzem prazer sensível

Valores éticos/morais

Valores religiosos

Valores estéticos
produzem prazer espiritual
� São relativos – variam de época para época; de cultura para cultura, não quer dizer
que uns sejam mais corretos que outros.
� São perenes – não morrem, apesar da sua subjetividade e da sua relatividade estes
continuarão a determinar a visão que o homem tem do mundo e as suas ações.
Critério Valorativo: Juízos e Factos
� Facto é o aspeto da realidade, aspeto esse que pode ser descrito de uma forma
objetiva. Quando queremos descrever objetivamente um facto, elaboramos os juízos de
facto.
� Juízo é enunciado onde se afirma ou nega uma coisa de outra coisa.
� Os Juízos de facto são proposições onde se descrevem objetivamente os aspetos da
realidade (factos). Descrevem a realidade tal como ela é, fornecendo assim informação
sobre o mundo. São objetivos pois não dependem da perspetiva do sujeito que os
enuncia, dependendo exclusivamente do objeto ou do facto.
� Pelo facto de eles serem objetivos possuem valor de verdade. Quando o conteúdo do
juízo corresponde verdadeiramente aos factos, é verdadeiro; quando, pelo contrário, não
corresponde, é falso.
� Os juízos de facto são os únicos que aparecem nas ciências (Ex.: leis científicas)
� Estes são descritivos, descrevendo certos aspetos da realidade.
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� Os Juízos de valor servem para expressar/traduzir/mostrar a avaliação, positiva ou
negativa, que cada um de nós faz da realidade.
Contrariamente aos juízos de facto que são objetivos, os juízos de valor são subjetivos,
porque dependem exclusivamente da avaliação que cada sujeito faz da realidade.
Ao fazer a sua avaliação, o sujeito pretende influenciar os outros, levando-os a fazer o
mesmo tipo de avaliação de um acontecimento sendo, por isso, parcialmente,
normativos.
� Assim temos:
Exemplos:
� Os juízos morais são os juízos de valor mais discutidos pelos filósofos.
Estas são duas questões importantes sobre a natureza desses juízos:
1. Os juízos morais têm valor de verdade?
2. Se têm valor de verdade, são verdadeiros ou falsos independentemente da perspetiva
de quaisquer sujeitos?
� As teorias objetivistas respondem afirmativamente a ambas as questões.
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� Vamos examinar apenas teorias que não são objetivistas.
Subjetivismo
� Subjetivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, mas o seu valor de verdade
depende da perspetiva do sujeito que faz o juízo.
� Existem factos morais, mas estes são subjetivos, pois só dizem respeito às atitudes de
aprovação ou reprovação das pessoas.
Duas razões para ser subjetivista:
� Se as distinções entre o certo e o errado não forem fruto dos sentimentos de cada
pessoa, então serão imposições exteriores que limitam as possibilidades de ação de cada
indivíduo. O subjetivismo preserva a liberdade individual.
� Quando percebemos que as distinções entre o certo e o errado dependem dos
sentimentos de cada pessoa e que os sentimentos de uma não são melhores nem piores
que os de outra, tornamo-nos mais capazes de aceitar as ações contrárias às nossas
preferências.
O subjetivismo promove a tolerância entre indivíduos.
Objeções ao subjetivismo:
� O subjetivismo permite que qualquer juízo moral seja verdadeiro.
Por exemplo, se uma pessoa pensa que devemos torturar inocentes, então para essa
pessoa é verdade que devemos torturar inocentes.
� O subjetivismo compromete-nos com uma educação moral que consiste apenas em
ensinar que devemos agir de acordo com os nossos sentimentos.
� O subjetivismo tira todo o sentido ao debate moral. Torna absurdo qualquer esforço
racional para encontrar os melhores princípios éticos e fundamentá-los perante os
outros.
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Para aprofundar esta última objeção, vejamos como o subjetivista entende os casos de
desacordo moral:
� Se a tradução do subjetivista é correta, então não há qualquer desacordo genuíno
entre o João e a Maria. Mas há um desacordo genuíno entre o João e a Maria. Logo, a
tradução do subjetivista não é correta. (Portanto, o subjetivismo é falso.)
Emotivismo
� Emotivismo: Os juízos morais são apenas frases em que as pessoas exprimem os
seus sentimentos de aprovação ou reprovação ou tentam suscitar esses mesmos
sentimentos nos outros.
� Os juízos morais não têm valor de verdade. Não são proposições.
Vantagens do emotivismo sobre o subjetivismo:
� Não implica que qualquer juízo moral pode ser verdadeiro.
� Proporciona um modelo mais aceitável da educação moral: esta pode ser vista como
a tentativa de influenciar os sentimentos das crianças de várias maneiras.
� Não implica que não há desacordos genuínos e, portanto, não exclui totalmente a
possibilidade do debate moral.
Duas objeções emotivismo:
� Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de
aprovação ou reprovação.
� Os juízos morais nem sempre exprimem emoções.
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Valor: não é uma propriedade dos objetos em si, mas uma propriedade adquirida por
esse objetos graças à sua relação dom o Homem como ser social, embora os objetos,
para poderem valer, tenham de possuir realmente certas propriedades objetivas.
Juízo de facto: são juízos que descrevem a realidade, sendo por isso considerados
objetivos, verificáveis e suscetíveis de serem considerados verdadeiros ou falsos.
Juízo de valor: Expressam uma apreciação de alguém a respeito de algo, traduzindo
uma opção de natureza emotiva e afetiva; são subjetivos, discutíveis e relativos.
II.A ação humana e os valores
2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa
2.2. Valores e cultura – a diversidade e o dialogo de culturas
Relativismo moral
� Relativismo moral: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são verdadeiros
ou falsos. Por isso, existem factos morais.
� A verdade ou falsidade dos juízos morais é sempre relativa a uma determinada
sociedade.
� Um juízo moral é verdadeiro numa sociedade quando os seus elementos acreditam
que ele é verdadeiro, falso quando acreditam que ele é falso.
� O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas dentro de
cada sociedade.
Podemos chamar «relativismo cultural» à ideia de que muitos costumes e práticas que
variam de sociedade para sociedade, como os hábitos alimentares, as cerimónias de
casamento ou o estilo de vestuário, são relativos à cultura: não há uma maneira de
comer, casar ou vestir que seja universalmente melhor do que todas as outras.
O relativista moral estende esta ideia quase trivial à ética. Aplicada à ética, no entanto, a
ideia deixa de ser trivial.
Duas razões para ser relativista moral:
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� O relativismo promove a coesão social. Esta coesão é fundamental para a
sobrevivência da sociedade e assim para o nosso bem-estar.
� O relativismo promove a tolerância entre sociedades diferentes.
Leva-nos a não ter qualquer impulso violento e destrutivo em relação aos outros povos e
culturas.
Objeções ao relativismo moral:
� O relativismo moral conduz ao conformismo. Um conformista limita-se a agir de
acordo com as ideias dominantes na sociedade. Na ausência de algum inconformismo,
não pode haver qualquer progresso moral.
� O relativismo moral só aparentemente promove a tolerância entre culturas diferentes:
 A afirmação do valor universal da tolerância é incompatível com o relativismo.
 Um relativista teria de aprovar atitudes de extrema intolerância se estas fossem
consideradas boas no interior de uma dada sociedade.
A teoria dos mandamentos divinos
� Teoria dos mandamentos divinos: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja,
são verdadeiros ou falsos. Por isso, existem factos morais.
� A verdade ou falsidade dos juízos morais depende da vontade de
Deus.
� O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas por Deus.
O dilema de Êutifron
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A relação entre a diversidade cultural, o relativismo e a tolerância
� Os valores são simultaneamente absolutos e relativos. São absolutos porque existem
em todas as sociedades e porque há valores universalmente aceites, tais como os valores
consignados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. São relativos porque
variam as qualidades que têm de possuir para poderem ser consideradas bens. De facto,
todas as sociedades distinguem o bem do mal, considerando o bem um valor positivo e
o mal um valor negativo ou contra valor. Porem, o conceito de bem e de mal é definido
culturalmente; os valores têm um caráter histórico e mudam à medida que a sociedade e
a cultura se transformam (dependem da época, da geografia, dos regimes políticos, das
classes sociais, da cultura, etc.); por outro lado, a par dos valores universais como o
valor da vida ou da liberdade, há valores em que a subjetividade é predominante,
dependendo dos gostos e das preferências pessoais como é o caso dos valores estéticos,
por exemplo.
� A evolução e progresso social acarretam o aparecimento de novos problemas e novas
mentalidades e a necessária transformação dos valores. Hoje, o relativismo cultural é
um valor positivo e nega-se a existência de padrões axiológicos absolutos. Isto não
significa que não deva haver valores universais a preservar para além desse relativismo
como é o caso do valor da vida e da dignidade da pessoa, qualquer que seja a sua
condição (cultura que adotou, classe social, sexo, religião, cor da pele, etnia, etc.). A
todos os seres humanos, pelo facto de seres humanos, é devida igualdade de direitos e
de deveres, por isso, não podemos tolerar praticas culturais atentatórias da dignidade
humana e devemos usar todos os meios para garantir o respeito pelos direitos humanos
fundamentais em todos os países do mundo.
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Definição dos conceitos nucleares
Absoluto (etnocentrismo): uma tendência para colocar no centro a nossa cultura,
considerando os seus valores e os seus padrões culturais como medida daquilo que é
desejável e estimável para todos.
Relativo (relativismo): aceita que comportamentos socialmente aprovados e os
sistemas de valores dos povos com os quais se entra em contacto sejam julgados e
avaliados sem referencia a padrões absolutos, a necessidade de tolerância pelas
diferenças (raciais, étnicas, religiosas, sexuais) e o valor do respeito mútuo.
Cultura: em sentido amplo, pode ser definida como os aspetos de ordem material e de
ordem espiritual que, em relação com uma sociedade ou grupo, foram adquiridos com
base em formas de vida ancestrais comuns. Pode-se afirmar “Sem homem não há
cultura. Mas sem cultura não há homem.”
II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial
3.1.1. Intenção ética e norma moral
� Os conceitos de ética e moral são usualmente utilizados indiferentemente, para nos
referirmos a um código ou a um conjunto de princípios que as pessoas seguem na sua
vida.
� A ética, deriva do grego ethos, que designava os comportamentos habituais, os
costumes, aquilo que permite ao ser humano construir uma segunda natureza, referindose, pois, à sua interioridade.
� Assim a Ética, mantendo o significado mais próximo daquele que o próprio conceito
grego de ethos, remete mais para uma reflexão acerca dos princípios que devem orientar
a ação humana, para uma fundamentação das normas do agir, e também para a definição
dos fins orientadores da existência de cada um, tendo em vista a autoconstrução de si na
prossecução duma vida boa e feliz. Interroga-se sobre o que dá sentido ou valor à
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existência humana. A Ética remete, portanto, para uma sabedoria de vida, algo que
aponta já para uma certa espiritualidade e realização pessoal autónoma.
� A moral utiliza-se hoje para designar o âmbito da formação das normas obrigatórias,
da sua hierarquização e aplicação a casos concretos no interior duma comunidade
humana.
� Assim a Moral constitui, portanto, um conjunto de imperativos e de interditos,
traduzindo o sentido de obrigatoriedade, o conjunto dos deveres do ser humano, isto é,
uma deontologia, as normas validas no interior de um grupo. Desenvolve-se na pratica
social, no contexto de uma cultura, no seio da qual os valores, os hábitos e os costume
geram as leis ou códigos que definem o que é desejável e o que é permitido ou proibido,
distinguindo o bem do mal. Apresenta-se, portanto, com uma função normativa, isto é,
de institucionalização de normas que regulam a conduta. A Moral responde-nos, pois, às
questões: Que devo fazer? Como é correto agir em tal circunstância?
� Apesar desta distinção, quer a Ética quer a Moral são importantes guias da ação
humana, no sentido em que relacionam com uma vida com projetos e ideais a alcançar.
O sentido da palavra «desmoralizado» ajuda-nos a compreender bem, embora pela
negativa, a sua importância: diz-se «desmoralizado» de alguém a que perdeu a
orientação e o interesse pela vida ou pelos seus objetivos. E a Moral e a Ética apelam
exatamente para a realização pessoal do indivíduo. Apesar desta distinção conceptual,
muitos autores continuam a usar os dois conceitos como sinónimos.
Definição dos conceitos nucleares
Ética: (do conceito grego “ethos”) é o domínio da reflexão teórica sobre esses
princípios e normas tendo em vista a sua definição e, sobretudo, a sua justificação
racional. À ética diz ainda respeito a definição dos fins universais que deverão orientar a
ação humana na autoconstrução de cada indivíduo tendo em vista tornar-se pessoa. A
ética pode então ser entendida como fundamentação das normas morais do agir ou como
definição dos fins orientadores da existência de cada um.
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Moral: (do latim “mores”) designa o âmbito da formação das normas, da
hierarquização e aplicação a casos concretos, traduzindo o conjunto dos deveres do ser
humano.
II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial
3.1.2. A dimensão pessoal e social da ética – o si mesmo, o outro e as instituições
� A responsabilidade é a capacidade de responder e prestar contas pelos atos
praticados. A responsabilidade tem duas vertentes: a responsabilidade civil, prestar
contas pelas consequências perante terceiros, e a responsabilidade moral, prestar conta
perante a nossa consciência pelos atos e intenções dos mesmos.
� A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados; assumir esta
autoria implica uma reflexão prévia que pode e deve conduzir a uma opção livre de
constrangimentos, isto é, autónoma; esta autonomia ou liberdade é condição para se ser
pessoa. A responsabilidade implica maturidade moral.
� A existência humana é uma existência partilhada, isto é, vivida em coexistência com
os outros ou, dito de outro modo, o ser humano é um ser eminentemente social. Como
nos diz F. Savater «ninguém chega a tornar-se humano se está só: tornamo-nos
humanos uns aos outros».
� Os Gregos foram os primeiros a salientar a importância desta dimensão social e
politica do ser humano, como é vísivel na definição apresentada por Aristóteles ao
afirmar «o Homem é um animal político; aquele que vive só ou é um deus ou um
louco», sendo por isso que a pena mais cruel infligida a um indivíduo era a condenação
ao ostracismo, isto é, a condenação a viver isolado dos outros.
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� Sendo assim, a dimensão ética implica que não se considerem exclusivamente os
interesses individuais e se avaliem as situações tendo em conta também os interesses
dos outros.
� A relação eu-outro implica, portanto, que os nossos juízos avaliativos adotem um
ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que são afetados
pelas nossas ações, isto é, implica que nos coloquemos numa perspetiva de
universalidade do agir. A ação ética exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista
pessoal e nos coloquemos, na medida do possível, no lugar do outro (entendendo-se por
outro todos os seres com quem nos relacionamos). Em vez do egoísmo a Ética valoriza
o altruísmo e a solidariedade. Em vez do benefício pessoal, a Ética promove, elogia e
estimula a consideração de valores comuns aos membros duma comunidade.
� Valorizando os comportamentos comuns, a Ética procura assim promover a
realização da vida social, em que a existência individual ganha sentido na vivência
partilhada com os outros.
� A relação com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstrução,
evidenciando que a realização de cada um supõe também a realização dos outros, numa
convergência de vontades particulares tendo em vista a realização de fins comuns. Mas
o antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem sempre se
conseguem compatibilizar e, por isso, as diferentes formas de relacionamento social
expressas quer em competição/solidariedade, que em cooperação/hostilidade, exigem o
estabelecimento de regras de conduta, de normas e leis que definam os direitos e
deveres de cada um num espaço de convivência.
� Esta convivência com os outros não deve ser determinada por uma força instintiva ou
biológica, antes se estabelece no interior duma comunidade, em função de objetivos,
valores e opções livremente definidos por cada sociedade. É esta convergência de ideais
que procura dar sentido à existência da sociedade e de cada indivíduo.
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� Nesta interação social forma-se em cada um de nós uma instância interior de
orientação e de critica do nosso agir, a que chamamos consciência moral.
� Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciência moral,
costumamos compará-la a uma espécie de «juiz interior» que julga o que fazemos,
provocando-nos, em certas situações, aquilo a que chamamos remorsos por termos
praticado uma ação considerada má (ter a consciência pesada, ou ter um peso na
consciência), ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos
bem (estar de consciência tranquila).
� O conceito de consciência moral inclui, então:
 Um sentido apelativo, para valores e normas ideais a que não devemos renunciar
(uma «bússola» orientadora do sentido da ação);
 Um sentido imperativo (obrigação), que nos ordena uma ação compatível com os
valores que defendemos (index);
 Um sentido judicativo, pois assume-se como instância julgadora dos nossos atos e das
próprias intenções do agente, conforme estão ou não de acordo com os valores e ideais
a que aderimos (judex);
 Um sentido de censura e de remorso, ou de elogio e satisfação, conforme a nossa
vivência obedece ou não aos ideais e valores assumidos (vindex).
� Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos,
a consciência moral constitui-se na conjugação de duas orientações:
CONSCIÊNCIA MORAL
 Por um lado, cresce à medida que o  Por outro, amadurece e assume-se como
indivíduo interioriza as regras e padrões
uma dimensão pessoal no sentido em
do grupo (heteronomia).
que cada um se autodetermina por
princípios
racionalmente
justificados
(autonomia).
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� Há pois, uma interação entre as estruturas do indivíduo e as influencias do meio
social, uma articulação do querer individual com os padrões sociais, que conduz à
transformação do indivíduo em pessoa.
Noção de pessoa
� Por pessoa entende-se o individuo humano que:
 Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigações, para consigo mesmo,
para com os outros e para com as instituições;
 Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social;
 Assume o caráter racional da sua autonomia e, portanto, a capacidade de agir livre e
responsavelmente, isto é, em nome próprio;
 Tem consciência do caráter inter-relacional da sua autonomia, uma vez que autonomia
não significa autossuficiência nem indiferença pelos outros;
 Assume a dignidade como atributo essencial do Homem, dignidade que se expressa
numa exigência perante si mesmo, perante os outros e perante as instituições.
� Podemos dizer então que ser pessoa exige viver em sociedade, reconhecer e respeitar
princípios universais de relação com os outros, reconhecer-se como sujeito de direitos e
deveres, estar aberto aos outros.
Neste sentido foram fundadas, ao longo dos tempos, instituições políticas e sociais que
visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e
que demonstram a aceitação pelas sociedades da personalidade humana.
Definição dos conceitos nucleares
Responsabilidade: deriva etimologicamente da palavra latina «respondere», que
significa responder pelos atos e ter a obrigação de prestar contas pelos atos praticados.
A responsabilidade pode assumir diferentes formas: responsabilidade civil – referindose ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social; responsabilidade
moral – referindo-se à obrigação de responder perante a nossa própria consciência.
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II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial
3.1.3. A necessidade de fundamentação da moral – análise comparativa de duas
perspetivas filosóficas
Ética utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 d.C)
� Filósofo e economista, considerado o mais importante representante do utilitarismo
inglês. Embora mantenha a identificação base do utilitarismo da felicidade com prazer,
Stuart Mill classifica os prazeres segundo um critério qualitativo, considerando em
primeiro lugar a dignidade do Homem, e defende que o fim das nossas ações deve ser
uma utilidade altruísta e não meramente egoísta.
Duas objeções ao utilitarismo
� O utilitarismo não funciona na prática, pois exige que estejamos sempre a calcular as
consequências das nossas ações.
� O utilitarismo, como não leva em conta as normas ou regras morais comuns,
predispõe-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir, roubar ou matar.
Uma resposta às objeções
O utilitarismo é primariamente uma teoria sobre o que torna as ações certas ou erradas.
O utilitarismo não é uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisões.
Por isso, o utilitarismo não implica que:
1. Temos de tomar todas as decisões calculando as consequências prováveis dos nossos
atos.
2. Temos de ser indiferentes às normas morais comuns quando decidimos o que fazer.
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O utilitarista dirá que se tomássemos todas as decisões calculando as suas
consequências acabaríamos por não promover o bem.
O utilitarista dirá que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisões que,
de uma maneira geral, serão boas.
Dois níveis de pensamento moral
� Nível intuitivo: Como o nosso conhecimento é muito limitado, tomamos as nossas
decisões quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos, obedecendo às
inclinações do nosso caráter, sem aplicar o princípio utilitarista.
� Nível crítico: Aplicamos o princípio utilitarista para (1) tomar decisões em situações
em que as regras morais comuns não nos permitem saber o que fazer, (2) avaliar
criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou não o bem-estar.
Duas objeções ao utilitarismo que não afetam as teorias deontológicas:
1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que não são moralmente obrigatórios.
É por isso, em certos aspetos, uma teoria moral demasiado exigente.
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que não são moralmente permissíveis.
É por isso, noutros aspetos, uma teoria moral demasiado permissiva.
Integridade
A excessiva exigência do utilitarismo ameaça a nossa integridade pessoal: para agir em
conformidade com o utilitarismo, teríamos que abdicar de quase todos os nossos
projetos e compromissos pessoais.
Respeito e direitos
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviço do fim
do bem geral.
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Dois egoísmos
� Egoísmo psicológico: As pessoas agem sempre apenas em função do seu interesse
pessoal.
� Egoísmo ético: As pessoas devem agir sempre apenas em função do seu interesse
pessoal.
Somos todos egoístas?
Dois argumentos a favor do egoísmo psicológico:
1. Quando agimos voluntariamente, fazemos sempre aquilo que mais desejamos. Por
isso, somos todos egoístas.
2. Sempre que fazemos bem aos outros, isso dá-nos prazer. Por isso, só fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer. Ora, isso é o mesmo que dizer que somos todos
egoístas.
Em ambos os argumentos, a premissa não sustenta a conclusão:
� Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntários as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam, daí não se segue que todos esses atos sejam egoístas.
� Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros, isso não quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da ação.
Devemos ser egoístas?
Três objeções ao egoísmo ético:
� O egoísmo ético tira todo o sentido a uma parte importante da ética, que consiste na
atividade de aconselhar e julgar.
� O egoísmo ético é moralmente inconsistente: não pode ser adotado universalmente.
� O egoísmo ético derrota-se a si próprio: se uma pessoa optar por agir de forma
egoísta, terá uma vida pior do que teria se não fosse egoísta.
Utilitarismo
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J. S. Mill defendeu o princípio utilitarista da maior felicidade: «As ações estão certas
na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a
produzir o reverso da felicidade.»
� O utilitarismo, tal como o egoísmo ético, é uma perspetiva consequencialista.
� Segundo o consequencialismo, agir moralmente é apenas uma questão de produzir
bons resultados.
� O egoísta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si próprio.
� O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles
que poderão ser afetados pela sua conduta.
� Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de ação é aquele que apresentada a
maior utilidade esperada.
� Para determinar a utilidade esperada de um curso de ação, temos de pensar nas suas
várias consequências possíveis e na probabilidade de essas consequências se
verificarem.
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa?
� Hedonismo: O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausência de dor.
� Hedonismo quantitativo de Bentham: Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor, que em última análise é determinado apenas pela
duração e intensidade.
� Hedonismo quantitativo de Mill: Alguns tipos de prazeres são, em virtude da sua
natureza, intrinsecamente superiores a outros. Para vivermos melhor devemos dar uma
forte preferência aos prazeres superiores, recusando-nos a trocá-los por uma quantidade
idêntica ou mesmo maior de prazeres inferiores.
O argumento da máquina de experiências contra o hedonismo:
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� A máquina de experiências é um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente aprazível.
� Se o hedonismo é verdadeiro, então seria melhor ligarmo-nos para sempre à máquina
de experiências. Mas é melhor não nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real.
Logo, o hedonismo é falso.
Satisfação de preferências
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo:
� O bem-estar consiste unicamente na satisfação dos desejos ou preferências.
Os utilitaristas de preferências defendem esta teoria do bem-estar.
Sustentam que a melhor maneira de agir é maximizar a satisfação das preferências
daqueles que poderão ser afetados pela nossa conduta.
O argumento da maioria fanática contra o utilitarismo de preferências:
� Uma maioria fanática deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva.
� Se o utilitarismo de preferências é verdadeiro, seria bom exterminar a minoria
inofensiva. Mas é profundamente errado exterminar minorias inofensivas. Logo, o
utilitarismo de preferências é falso.
Ética deontológica de Kant
Célebre filósofo alemão, um dos mais importantes filósofos da época moderna europeia.
As mais notáveis das suas obras são a Crítica da Razão Pura (sobre gnoseologia), a
Crítica da Razão Prática (sobre ética) e a Crítica da Faculdade de Julgar (sobre
estética).
Teorias deontológicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontológicas colocando duas questões:
1. O que torna as nossas ações certas ou erradas?
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2. Quando é que nossas ações são certas ou erradas?
No que diz respeito à primeira questão, temos estas respostas:
� Utilitarismo: Apenas as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas.
As nossas ações são certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar.
� Deontologia: Nem só as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas.
Muitas ações são intrinsecamente erradas, ou seja, erradas independentemente das suas
consequências. Podemos dizer, aliás, que todos temos de respeitar certos deveres que
proíbem a realização dessas ações.
No que diz respeito à segunda questão, temos estas respostas:
� Utilitarismo: Uma ação é certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou seja,
quando promove tanto quanto possível o bem-estar. Qualquer ação que não maximize o
bem-estar é errada.
� Deontologia: Uma ação é errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres. Qualquer ação que não seja contrária a esses deveres não tem
nada de errado.
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas:
� Fidelidade: Mantém as tuas promessas.
� Reparação: Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito.
� Gratidão: Retribui fazendo bem àqueles que te fizeram bem.
� Justiça: Opõe-te às distribuições de felicidade que não estejam de acordo com o
mérito.
� Desenvolvimento pessoal: Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento.
� Beneficência: Faz bem aos outros.
� Não-maleficência: Não prejudiques os outros.
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Deontologia
� É na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática, que
Kant procura esclarecer as bases teóricas em que assenta a ação moral.
� Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura, isto é, estabelecida a partir da análise da própria
racionalidade humana e, deste modo, independentemente de tudo o que seja baseado na
experiência. A razão é a autoridade final para a moralidade e esta não pode ter
fundamento, isto é, não pode ser estabelecida e justificada, na observação dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos. Todas as ações precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razão, e nenhuma ação realizada por
interesse ou somente por obediência a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral. A ação moralmente boa é a que obedece exclusivamente à lei moral em si
mesma. A moral Kantiana é, assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendências naturais ou sensíveis e está centrada sobre a noção de dever e não na noção
de virtude e felicidade como em Aristóteles.
� Kant faz distinção entre o bem e o agradável. O bem é função da lei moral, não deve,
pois, ser determinado antes da lei moral, mas só depois dela e mediante ela.
� Além disso, para classificar uma ação como moralmente boa não basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer. Por isso, se diz que a moral
Kantiana é uma moral de intenção. Assim, nada é bom ou mau em si mesmo; Kant
afirma que a única coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo é a vontade
humana.
� A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem não é simplesmente racional.
Ele é, simultaneamente, racional e natural/sensível, espírito e corpo, razão e desejo, por
isso, a vida moral é uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigação, como uma certa coação, que a sua parte racional terá de exercer sobre a sua
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parte sensível. O dever obriga, força-nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou que
pelo menos não nos agradaria, porque o homem não é perfeito e sim dual. Assim, a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma, uma lei
cuja autoridade não está fora do Homem mas representa a voz da razão, a que o sujeito
moral deve obedecer. Então, para que cumpra integralmente a lei moral, é preciso que o
domínio da vontade livre (vontade não submetida a nenhuma lei a não ser a sua própria)
sobre a vontade psicológica seja cada vez mais íntegro e completo. Kant chama vontade
santa à vontade que dominou por completo toda a influência e determinação oriunda
dos fenómenos concretos, físicos, fisiológicos e psicológicos, para sujeitá-la à lei moral.
� Para uma vontade desse tipo não haveria distinção entre razão e inclinação. Um ser
possuído de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e não haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigação moral, os quais somente têm sentido e
existência porque o Homem é dual, razão e desejo, e estes encontram-se em oposição. É
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento – um
imperativo categórico (categórico porque ordena incondicionalmente): “Age de tal
modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princípio de uma legislação universal”. – Kant reconhece que esta é apenas uma
fórmula e a única regra segura para podermos agir.
� Como imperativo categórico, Kant forneceu-nos, na prática, um critério para o agir
moral.
� Se queres agir moralmente, (isto é, para Kant, racionalmente) – o que aliás tu tens de
fazer – age então de uma maneira realmente universalizável. A universalização das
nossas máximas (em si subjetivas) é o critério moral. O imperativo categórico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o único princípio de todas as leis morais.
A liberdade é condição da moralidade
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� A condição necessária para que seja possível apenas a razão determinar a ação é a
liberdade. A vida moral somente é possível, para Kant, na medida em que a razão
estabeleça, por si só, aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral, o que
só é possível pressupondo que o Homem é um ser dotado de liberdade.
� As ideias éticas de Kant são um resultado lógico da sua crença na liberdade
fundamental do indivíduo. Esta liberdade não é sinónimo de ausência de leis ou de
anarquia; significa, antes, autogoverno, a liberdade de poder realizar o que a razão
ordena, isto é, obedecer ao imperativo categórico.
� Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito no mundo, tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza. O homem, neste sentido, é livre,
legislador e membro de uma sociedade ética: é legislador porque é ele que determina o
que deve ser feito, e é membro ou súbdito porque obedece aos deveres que a sua própria
razão fórmula. Neste sentido, ele não tem um preço, mas uma dignidade, e é por isso
que a segunda fórmula do imperativo categórico diz para agirmos de modo a não tratar
jamais a humanidade, em nós ou nos outros, como um meio, mas sempre como um fim
em si. A ética Kantiana é uma ética do respeito à pessoa. A ética Kantiana é moderna
porque confia no homem, na sua razão e na sua liberdade, condena todas as situações
sociais de instrumentalização do Homem (a escravatura, a prostituição, o trafico de
pessoas, etc.) e reconhece à sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressão da lei moral racional.
A felicidade não é o bem supremo
� Kant também reflete sobre a felicidade e a virtude, mas subordina-as ao dever. Para
Kant a felicidade é do domínio do sensível; é um desejo que está presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente. Ora se a lei
moral tem origem na razão (a condição da sua objetividade e universalidade) e se cada
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ser humano não concebe sempre do mesmo modo aquilo que é ser feliz, alcançar a
felicidade não pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificação. A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude são apenas as consequências do esforço humano para praticar atos moralmente
bons. A felicidade de que Kant fala é a da consciência do dever cumprido, a
tranquilidade da boa consciência. Temos obrigação de fazermos tudo para sermos
felizes. A única condição é que tudo o que fizermos possa ser universalizável. Não é a
felicidade a qualquer preço.
� Ser feliz é, assim, uma aspiração que o homem concretiza através do seu mérito, mas
mesmo que esse aspiração existisse ou a felicidade não fosse concretizável e atingível
através da moralidade, mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigação moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categórico.
Em conclusão de Kant:
Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princípio ético fundamental.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que sabemos por simples intuição quais são
os nossos deveres.
Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres são absolutos: nunca
podemos desrespeitá-los.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que os nossos deveres são prima facie: por
vezes podemos desrespeitá-los.
Duas distinções
Alguns deontologistas, por oposição aos utilitaristas, atribuem relevância moral às
distinções ato/omissão e intenção/previsão, defendendo o seguinte:
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� Atos e omissões: É pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra. Por
exemplo, é pior matar uma pessoa que deixá-la morrer.
� Intenção e previsão: É pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que não pretendemos produzir, ainda que saibamos que o mesmo resultará da
nossa conduta. Por exemplo, é pior torturar alguém que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral.
Quadro síntese da Ética utilitarista de Stuart Mill e a Ética deontológica de Kant
Fundamentação da Moral
Kant (deontológica)
Stuart Mill (utilitarista)
 A felicidade é algo exterior à razão, é  O valor moral das ações está nas suas
consequências
subjetiva;
 A ação moral tem por base a boa
 Só as ações por dever têm valor moral;
nos
seus
efeitos
práticos;
 Bem
vontade;
e
é
aquilo
que
trouxer
mais
felicidade global;
 As ações por dever impõem-se-nos pelo  O utilitarismo adota um relativismo
ético face à perca de critérios absolutos
imperativo categórico;
 O imperativo categórico, ao impor leis
e universais;
universais, constitui o fundamento da  O
utilitarismo
é
um
reflexo
da
tecnicização da produção e da sociedade
autonomia humana;
 O agir moral autónomo confere-nos
pós – moderna.
dignidade.
II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial
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3.1.4. Ética, direito e politica – liberdade e justiça social; igualdade e diferenças;
justiça e equidade
O que legitima a autoridade do estado – Respostas de Aristóteles e de Locke
A justificação aristotélica do estado
� Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristóteles
(384-322 a. C.) num livro intitulado Política. Neste livro, Aristóteles estuda os
fundamentos e a organização da cidade (polis, em grego, que deu origem ao termo
«política»). Naquele tempo, as principais cidades gregas eram estados independentes –
tinham os seus próprios governos e exércitos, além de leis e tribunais próprios. Por isso
lhes chamamos cidades-estado.
� Assim, ao falar da origem da cidade, Aristóteles está a falar da origem do estado.
Aristóteles defende que a cidade-estado existe por natureza. Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado é simplesmente
impensável. Viver numa sociedade governada pelo poder político faz parte da natureza
humana. Quem conseguir viver à margem da cidade-estado não é um ser humano: «é
uma besta ou um deus», diz Aristóteles. Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificação do estado é naturalista.
� O argumento central de Aristóteles é o seguinte:
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades.
Essas faculdades só poderão ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado).
Logo, faz parte da natureza humana viver na cidade-estado.
Fora da cidade-estado seríamos, pois, incapazes de desenvolver a nossa natureza. Isso
torna-se claro, pensa Aristóteles, quando verificamos que os seres humanos não se
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limitaram a formar pares de macho e fêmea para procriar, ao contrário dos outros
animais.
Constituíram também comunidades de famílias (as aldeias) e estabeleceram a divisão
entre governantes e súbditos, com vista à autopreservação. Mas a comunidade mais
completa, que contém todas as outras, é a cidade-estado. Esta é autossuficiente e não
existe apenas para preservar a vida, mas sobretudo para assegurar a vida boa, que é o
desejo de todos os seres racionais. É por isso que a cidade-estado é a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos têm tendência para se
tornarem estados.
� Ou seja, a finalidade de todas as comunidades é tornarem-se estados.
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristóteles: que a
natureza de uma coisa é a sua finalidade. Assim, a finalidade dos seres humanos é viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que há um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em família para a vida em pequenas
comunidades de lares, e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado. Daí Aristóteles afirmar que «o homem é, por natureza, um animal
político».
� Outra ideia importante para Aristóteles é que o todo é anterior à parte, no sentido em
que fora do todo orgânico a que pertence, a parte não seria o que é. O que o leva a dizer
que a cidade estado é por natureza anterior ao indivíduo, pois não há indivíduos auto-suficientes e, portanto, nem sequer existiriam fora dela. Tal como uma mão não
funciona separada do resto do corpo, também não há realmente seres humanos isolados
da comunidade.
Alguém que viva fora da sociedade sem estado não chega a ser um ser humano
(é uma besta) ou é mais do que um ser humano (é um deus).
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� Assim, submetemo-nos à autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos. Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si. Daí que, para
Aristóteles, o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado é melhor
para garantir a vida boa.
Críticas ao naturalismo aristotélico
� A principal crítica ao naturalismo é que a noção aristotélica de «natureza» é
incoerente e enganadora. Aristóteles encara a natureza das coisas como uma espécie de
princípio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas. Neste sentido, a
natureza da cidade-estado seria comparável à natureza das plantas e de outros
organismos vivos, que se desenvolvem a partir do embrião até atingirem a maturidade.
� Este desenvolvimento é meramente biológico, sem qualquer intervenção da
racionalidade.
� Contudo, a finalidade da vida na cidade é permitir uma vida boa. Mas o desejo de ter
uma vida boa é um desejo racional, na medida em que é uma aspiração de seres
racionais como nós – até porque não se verifica nos outros animais. Assim, este desejo é
fruto da deliberação racional dos seres humanos e não simplesmente de um impulso
biológico ou natural.
A justificação contratualista de Locke
� Uma justificação do estado bastante mais influente do que a de Aristóteles é dada por
John Locke (1632-1704). Este filósofo defende que o estado tem origem numa espécie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se à autoridade de
um governo civil. Locke considera que esse contrato dá origem à transição do estado de
natureza para a sociedade civil. Por isso se diz que a teoria da justificação do estado de
Locke é contratualista.
� Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato? Vejamos, em primeiro
lugar, como eram as coisas antes do contrato, isto é, como eram as coisas antes de haver
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estado – quando ninguém detinha o poder político e não havia governo nem tribunais
nem polícias.
A lei natural e o estado de natureza
� No estado de natureza as pessoas viviam, segundo Locke, em perfeita liberdade: cada
um era «senhor absoluto da sua pessoa e bens», não tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for. As pessoas viviam também num estado de
completa igualdade, não havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra. Além
disso, viviam segundo a lei natural, a qual dispõe que ninguém infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas não se ofendam mutuamente.
� Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razão natural, pelo que é
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenções humanas. Deste
modo, Locke distinguia a lei natural das chamadas «leis positivas» da sociedade civil. �
� As leis positivas são leis que resultam das convenções humanas; são as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados.
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada têm acima de si a não ser a lei natural,
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se à autoridade de um governo. A
única lei que vigora no estado de natureza é, pois, a lei natural. Locke distingue a lei
natural da lei positiva, mas também da lei divina:
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� Locke não encara a lei natural como uma lei científica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza. Locke defende que a lei natural é normativa: determina como as
pessoas racionais devem agir e não como de facto agem. Por outro lado, a lei natural e a
lei divina, apesar de não serem a mesma coisa, não podem ser incompatíveis, pois Deus
é a origem de ambas.
� Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural, têm os
direitos decorrentes da aplicação dessa lei. Assim:
1. Todas as pessoas são iguais, pois têm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais;
2. Todas as pessoas têm o direito de ajuizar por si que ações estão ou não de acordo com
a lei natural, pois ninguém tem acesso privilegiado à lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros;
3. Todas as pessoas têm individualmente o direito de se defender – usando a força, se
necessário – daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural, pois
esta existiria em vão se ninguém a fizesse cumprir;
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4. Todas as pessoas têm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural, assim como direito de aplicar essa pena, dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazê-lo é rigorosamente a mesma para todos.
� O estado de natureza é não só diferente da sociedade civil como, segundo Locke, do
estado de guerra, pois neste não há lei que vigore e as pessoas não têm direitos.
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situação de abundância de recursos e
em que cada pessoa é livre de se apropriar das terras e bens disponíveis, através do seu
trabalho e esforço. Sendo assim, que razões teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza, aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual têm de se
submeter?
O contrato social e a origem do governo
� Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas – excetuando os casos de
autodefesa ou de execução da lei natural – só é legítimo se tiver o seu consentimento.
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais.
� Assim, a existência de um poder político só pode ter tido origem num acordo, ou
contrato, entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil. E
esse acordo só faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso.
� Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito, não deixa de reconhecer alguns inconvenientes que, mais cedo ou mais tarde,
iriam tornar a vida demasiado instável e insegura. Isto porque há sempre quem, movido
pelo interesse, pela ganância ou pela ignorância, se recuse a observar a lei natural,
ameaçando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia. Locke dá o
nome genérico de «propriedade» não apenas aos bens materiais das pessoas, mas a tudo
o que lhes pertence, incluindo as suas vidas e liberdades.
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� Assim, parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteção e
estabilidade que só o governo pode garantir. Locke torna esta ideia mais precisa
indicando três coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
político está em condições de garantir:
1. Falta uma lei estabelecida, conhecida e aceite por consentimento, que sirva de padrão
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicação da lei natural.
Isto porque, apesar de a lei natural ser clara, as pessoas podem compreendê-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicação a casos concretos.
2. Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei, evitando que haja
juízes em causa própria. Isto porque quando as pessoas julgam em causa própria têm
tendência para ser parciais e injustas.
3. Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenças
justas, evitando que aqueles que são fisicamente mais fracos ou em menor número
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior número.
� É para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir mão dos
privilégios do estado de natureza, cedendo o poder de executar a lei àqueles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade. E ainda que se possa dizer que ninguém
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil, Locke defende
que, a partir do momento em que usufruímos das suas vantagens, estamos a dar o nosso
consentimento tácito. Caso contrário, teríamos de recusar os benefícios do estado e de
viver à margem da sociedade.
Críticas ao contratualismo de Locke
� Têm sido feitas várias críticas ao contratualismo de Locke. Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes.
O consentimento tácito é uma ficção
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� Quando Locke fala do contrato social não está a pensar num procedimento formal,
como quando se assina um documento ou se faz um juramento público. O contrato a
que se refere revela-se no consentimento tácito das pessoas que, ao usufruírem dos
benefícios do estado, dão implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas. Por exemplo, se alguém pede proteção à polícia quando se sente
ameaçado, está tacitamente a consentir que a polícia tenha poder sobre si também.
� Mas há boas razões para pensar que não há efetivamente qualquer consentimento
tácito das pessoas. Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento tácito das pessoas dessa altura, isso não inclui as gerações atuais, as
quais não tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso. Há até pessoas que, apesar de
estarem sujeitas a um dado governo, o combatem e o consideram ilegítimo, pelo que tal
governo não tem seguramente o seu consentimento tácito.
� Além disso, é incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional. Mas para que seja intencional, uma pessoa tem
de ter consciência daquilo a que está implicitamente a dar o seu acordo. Todavia, parece
claro que muitas pessoas não têm consciência de terem dado qualquer acordo. De modo
semelhante, há pessoas cujas condições de vida não lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um território onde essa autoridade não exista.
� Assim, não chega a haver verdadeiro consentimento.
Os contratos podem ser injustos
� Outra crítica é que há contratos que não são justos, pelo que nem sempre devem ser
cumpridos. Assim, o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
não o torna, só por isso, legítimo.
� Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condição de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso. Não é por ambos terem feito um contrato
que as suas ações se tornam legítimas. Assim, o consentimento inerente a qualquer
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contrato é, na melhor das hipóteses, condição necessária para a sua legitimidade, mas
não é suficiente. Analogamente, o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres também não é suficiente para legitimar a sua autoridade.
O contrato é desnecessário
� Locke pensa que, no estado de natureza, cada indivíduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e até de usar a força para punir quem a violar.
� Imagine-se então que há apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza. Se, na
opinião de uma delas, a outra violar a lei natural, não precisa do consentimento do
prevaricador para, com todo o direito, o punir. Suponha-se agora que várias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicação da lei natural mais efetiva e que é detetado
alguém exterior a esse grupo que, em sua opinião, está a violar a lei natural. Mesmo que
a pessoa que viola a lei não tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertença ao
grupo, este pode recorrer à sua força coletiva para submeter e punir o prevaricador.
� Locke defende precisamente que isso seria ilegítimo, a não ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que, portanto, estivéssemos já não no estado de
natureza mas na sociedade civil. Mas por que razão é ilegítimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua força sem o consentimento do visado e não é ilegítimo no caso de
ser uma só pessoa a fazê-lo?
� Isto sugere que, além do poder coletivo das pessoas, não é necessário qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a força. Nesse caso, o contrato não
desempenha qualquer papel na legitimação do uso da força.
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Em conclusão:
Como é possível uma sociedade justa – a resposta de Rawls
� Quando discutimos certas questões relacionadas com a organização social, é muito
comum ouvir expressões como «Isso é injusto» ou «Fazer isso não seria justo». De
algum modo, todos temos uma noção do que é justo e injusto, e todos queremos viver
numa sociedade justa. Mas o que é realmente uma sociedade justa?
� Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas é muito pobre,
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas. Será que uma
sociedade assim pode ser justa? Porquê?
� Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza.
� Uma sociedade como esta será forçosamente justa? Porquê?
� Este é o problema da justiça social. Para responder às questões acima precisamos de
compreender o que é uma sociedade justa. Muitos filósofos entendem que isso implica
identificar os princípios da justiça corretos. Entre esses filósofos destaca-se John Rawls
(1921-2002), que desenvolveu a teoria da justiça como equidade. É essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir.
A posição original
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� Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade, sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais, propunha determinados
princípios da justiça. Nesse caso, o mais certo seria não se chegar a qualquer acordo. Os
mais ricos, por exemplo, tenderiam a opor-se a princípios da justiça que os forçassem a
pagar impostos elevados para benefício dos mais pobres. E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos, sem se preocuparem muito
com os que por natureza são menos talentosos. Nestas circunstâncias, como poderíamos
descobrir quais são os princípios da justiça corretos?
� Rawls sugere que, para encontrar os princípios da justiça corretos, devemos fazer
uma experiência mental: temos de imaginar uma situação em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princípios da justiça sem se favorecerem
indevidamente a si próprios pelo facto de serem ricos, pobres, talentosos ou poderosos.
� Ou seja, temos de imaginar que os membros de uma sociedade estão a avaliar
princípios da justiça numa situação que garanta a imparcialidade da sua avaliação.
Rawls designa essa situação imaginária por posição original e descreve-a na seguinte
passagem:
Parto do princípio de que as partes estão situadas ao abrigo de um véu de ignorância.
Não sabem como as várias alternativas vão afetar a sua situação concreta e são
obrigadas a avaliar os princípios apenas com base em considerações gerais. […] Antes
de mais, ninguém conhece o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou estatuto
social; também não é conhecida a fortuna ou a distribuição de talentos naturais ou
capacidades, a inteligência, a força, etc. Ninguém conhece a sua conceção do bem, os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas características psicológicas
especiais. […] Mais ainda, parto do princípio de que as partes não conhecem as
circunstâncias particulares da própria sociedade. […] É dado adquirido, no entanto,
que conhecem os factos gerais da sociedade humana.
John Rawls, Uma Teoria da Justiça, 1971,trad. de Carlos Pinto Correia, p. 121
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� As «partes» a que Rawls se refere são pessoas singulares, e não pessoas coletivas,
como associações ou empresas. Aquilo que as caracteriza na posição original é o facto
de estarem sob um véu de ignorância: sofreram uma espécie de amnésia que as faz
desconhecer quem são na sociedade e quais são as suas peculiaridades individuais. Por
isso, são forçadas a avaliar princípios da justiça com imparcialidade. Como quem está
na posição original não sabe, por exemplo, se é rico ou talentoso, não vai escolher
princípios da justiça que favoreçam indevidamente os ricos ou os talentosos.
� Na posição original, as partes não sabem sequer qual é o seu «projeto de vida». Não
sabem, portanto, o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas. No entanto,
estão interessadas em escolher o que é melhor para si. Por isso, diz-nos Rawls, têm
interesse em obter bens primários, ou seja, coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida específico. A liberdade, as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primários.
Os princípios da justiça
� Os princípios da justiça corretos são aqueles que seriam escolhidos na posição
original.
� Nessa posição, os membros da sociedade, estando todos sob o mesmo véu de
ignorância, ficam numa situação equitativa – daí que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiça como equidade. A questão que se coloca agora é saber que princípios
da justiça seriam escolhidos na posição original. Rawls defende que esses princípios são
os seguintes:
Primeiro princípio: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de
liberdade para todos.
Segundo princípio: as desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas de
forma que, simultaneamente:
A. Redundem nos maiores benefícios para os menos beneficiados […];
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B. Sejam a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos em
circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades.
John Rawls, Uma Teoria da Justiça, 1971, trad. de Carlos Pinto Correia, p. 239
� Dado que o segundo princípio se decompõe em dois princípios distintos, a teoria da
justiça de Rawls oferece-nos, na verdade, três princípios da justiça. Estes princípios não
têm a mesma importância, pois Rawls estabelece prioridades entre eles. Apresentandoos em função da sua prioridade, obtemos a seguinte lista:
1. Princípio da liberdade (primeiro princípio).
2. Princípio da oportunidade justa (segundo princípio B).
3. Princípio da diferença (segundo princípio A).
� O princípio da liberdade tem prioridade sobre os restantes. Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indivíduos beneficiam das mesmas liberdades básicas. Entre
estas, Rawls inclui a liberdade política (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos públicos), a liberdade de expressão e de reunião, a liberdade de consciência e
de pensamento, e ainda as «liberdades da pessoa» (que proíbem, por exemplo, a
agressão e a prisão arbitrária).
� O direito de possuir escravos, por exemplo, não se pode contar entre as liberdades
básicas, já que a escravatura é incompatível com uma igual liberdade para todos.
� Ao afirmar a prioridade do princípio da liberdade, Rawls defende que não se pode
violar as liberdades básicas dos indivíduos de modo a alcançar vantagens económicas e
sociais.
� Por exemplo, não se pode suprimir a liberdade de expressão com o objetivo de obter
uma melhor distribuição da riqueza. No entanto, nenhuma das liberdades básicas é
absoluta.
� Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos. Por exemplo, em algumas circunstâncias pode justificar-se limitar a liberdade de
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expressão – proibindo, suponhamos, a difusão de ideais políticos ou religiosos
extremamente intolerantes – de modo a proteger a liberdade política.
� De acordo com o princípio da oportunidade justa, as desigualdades na distribuição
da riqueza são aceitáveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades.
� Se numa sociedade há grandes desigualdades que se devem, por exemplo, ao facto de
os mais pobres não terem acesso à educação, então essa sociedade não é justa.
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades, sustenta Rawls, o governo deve
providenciar, entre outras coisas, iguais oportunidades de educação e cultura para todos.
� O princípio da diferença favorece também uma distribuição equitativa da riqueza.
No entanto, este princípio não afirma que a riqueza deve estar distribuída tão
equitativamente quanto possível. Se as desigualdades na distribuição da riqueza
acabarem por beneficiar todos, especialmente os mais desfavorecidos, então justificamse.
� Para esclarecer o princípio da diferença, imaginemos duas sociedades: na primeira,
todos têm a mesma riqueza, mas todos são muito pobres; na segunda, há desigualdades
na distribuição da riqueza, mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos, de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos são muito pobres. O princípio da
diferença sugere que a segunda sociedade é, apesar das desigualdades que a
caracterizam, preferível à primeira. Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitária.
� Dado que o princípio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princípios da
justiça, numa sociedade justa não se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuição da riqueza à custa de um sacrifício das liberdades básicas iguais para todos.
� No entanto, uma sociedade justa não se caracteriza simplesmente pela existência de
tais liberdades individuais: é também uma sociedade em que a riqueza está
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equitativamente distribuída, já que as desigualdades socioeconómicas são aceitáveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos.
O princípio maximin
� Por que razão pensa Rawls que, na posição original, as partes escolheriam os
princípios da justiça por si indicados? Afinal, por que razão não escolheriam antes, por
exemplo, um princípio da justiça de caráter utilitarista? Se o fizessem, conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que há um maior total de bem-estar, sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas.
�Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princípios da justiça ao utilitarismo
porque, na posição original, as escolhas devem obedecer ao princípio maximin.
� Segundo este princípio de escolha, se não sabemos quais serão os resultados que cada
uma das opções que se nos colocam terá efetivamente, é racional jogar pelo seguro,
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer. Assim, devemos identificar o pior
resultado possível de cada alternativa, e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possível seja melhor do que o pior resultado possível de cada uma das restantes
alternativas. Veja-se o seguinte cenário:
� Imaginando-nos na posição original, a coberto do véu de ignorância, a escolha mais
racional seria optar por C. Apesar de nas opções A e B podermos vir a ser mais ricos,
seria mais seguro optar por C, caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada.
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� Em suma, o princípio maximin diz-nos o seguinte:
Cada alternativa tem vários resultados possíveis, sendo uns melhores do que outros.
Entre as alternativas disponíveis, deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possível.
Imaginemos agora que as partes estão a escolher entre o utilitarismo e os princípios da
justiça de Rawls. À partida, numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuição do bem-estar, já que, sob esta
teoria, a distribuição do bem-estar não é intrinsecamente importante. Por exemplo, se a
existência de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social, existiriam
escravos numa sociedade utilitarista. Pelo contrário, os princípios da justiça de Rawls
são, como vimos, incompatíveis com a existência da escravatura.
� Nestas circunstâncias, uma pessoa raciocinaria do seguinte modo, se estivesse na
posição original:
Se eu escolher o utilitarismo, estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo. No entanto, se eu escolher os princípios da justiça que Rawls propõe, nada
de tão mau poderá acontecer-me. Mesmo que acabe por ficar na pior situação possível,
terei garantidamente certas liberdades básicas que me permitirão desenvolver o meu
projeto de vida, seja ele qual for. Além disso, dificilmente serei muito pobre, já que
numa sociedade em conformidade com os princípios de Rawls as desigualdades na
distribuição da riqueza só são aceitáveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades. Por isso,
prefiro os princípios de Rawls ao utilitarismo.
� Sob o véu de ignorância, o pior resultado possível de se escolher os princípios da
justiça de Rawls é muito melhor do que o pior resultado possível de se escolher um
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princípio utilitarista. Por esta razão, raciocinando segundo o maximin, as partes
escolheriam os princípios de Rawls em vez do utilitarismo.
Em conclusão:
Definição dos conceitos nucleares
Estado: organização e estrutura de governo de um país e de uma nação. Conjunto de
instituições que zelam pela administração do poder numa dada sociedade.
Justiça social: conceito ético-politico designa o objetivo genérico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence, traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiça legal) com o bem individual
(justiça comutativa e distributiva), promovendo o princípio da igualdade.
Liberdade: pode ter dois sentidos:

Sentido relativo, a liberdade é a capacidade humana de autodeterminação, pois a
vontade humana, embora condicionada, pode e tem de fazer opções. Refere-se à
capacidade/possibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou
internos.

Em sentido absoluto ou metafísico, expressa a possibilidade ideal de agir na
ausência de qualquer coação e constrangimentos, isto é, a possibilidade de fazer
o que se quer independentemente das circunstancias e das condições concretas
em que decorre a nossa integração no mundo. Trata-se daquilo a que, numa
linguagem mais filosófica, se designa o poder de agir independentemente de
quaisquer obstáculos ou determinismos, uma conceção designada por alguns
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filósofos como «livre-arbitrio» e que se traduz na possibilidade inerente à nossa
natureza humana de poder ou não fazer alguma coisa.
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade jurídico-política (é a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesão a valores e implica a orientação da conduta pela razão, que
estabelece metas para a própria existência).
Sociedade civil: conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum, sinónimo
de comunidade estruturada por laços de interdependência recíproca com vista à
realização desse fim.
Equidade: A equidade é uma forma de aplicar o direito, mas sendo o mais próximo
possível do justo, do razoável. O fim do Direito é a justiça, além de valores suplentes
como a liberdade e igualdade. Mas é difícil definir o "justo", pois pode existir na
conceção de quem ganhou a causa e não existir na de quem perdeu. É necessário um
ideal de justiça universal. Para isso existe a equidade. Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades, suas características próprias, consequentemente originando uma
decisão para aquele caso especificamente, aproximando-se ao máximo possível do justo
para as duas partes. É preciso salientar também, que a equidade é fonte do direito. Ela é
usada para no caso de existirem lacunas na lei. A partir dessa permissão, o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisões para atingir a justiça. Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso prático, sem a necessidade de qualquer adaptação; outras se
revelam rigorosas para o caso específico. Nesse momento, surge o papel da equidade,
que é o de adaptar a norma jurídica geral e abstrata às condições do caso concreto.
Equidade é a justiça do caso particular.
II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.2. A dimensão estética – Análise e compreensão da experiência estética
3.2.1. A experiência e o juízo estéticos
Distinção da experiência estética dos outros tipos de experiência – a resposta de
Kant e a noção de desinteresse
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� Uma das primeiras e mais importantes tentativas para distinguir o que é do que não é
estético foi levada a cabo pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804) Este filósofo
começa por referir a experiência estética para caracterizar o juízo estético, sendo
impossível desligar uma noção da outra. Kant defende que um juízo só é estético se for
determinado por um prazer desinteressado. Quando fala de prazer, Kant está a referir
um determinado sentimento de que temos experiência. E quando caracteriza essa
experiência como desinteressada, está a diferenciá-la de outros tipos de experiência. O
facto de o juízo estético se referir a um sentimento e não a um objeto indica-nos que se
trata de um juízo subjetivo.
� Assim, Kant pensa que o juízo estético assenta num determinado tipo de experiência,
que ele identifica como um sentimento de prazer desinteressado. Mas o que é
exatamente um prazer desinteressado? Será um prazer a que não damos importância ou
a que não prestamos muita atenção?
� Para esclarecer melhor a noção de desinteresse, Kant confronta os juízos estéticos
com os juízos cognitivos (ou juízos de conhecimento).
� Kant defende que os juízos cognitivos, como os expressos pelas frases «A relva é
verde» ou «Os metais dilatam quando são aquecidos», resultam da colaboração entre a
sensibilidade e o entendimento com vista ao conhecimento objetivo. A sensibilidade e
o entendimento são as nossas duas principais faculdades cognitivas. Kant defende que,
isoladamente, nenhuma dessas faculdades permite chegar ao conhecimento dos objetos.
� A sensibilidade é a faculdade que os nossos sentidos têm de receber impressões dos
objetos que nos rodeiam; as impressões recolhidas são as sensações de cor, brilho,
textura, etc. Por outras palavras, a faculdade da sensibilidade é aquilo a que hoje
chamamos de perceção. O entendimento é a faculdade racional que organiza essas
impressões, dando-lhes forma através da aplicação de conceitos. Kant defende que os
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dados dos sentidos fornecidos pela sensibilidade são a matéria-prima do conhecimento;
os conceitos que o entendimento aplica a essa matéria são a forma do conhecimento.
� Assim, o conteúdo da nossa experiência só pode referir-se aos objetos por meio de
conceitos. Só há conhecimento quando a sensibilidade fornece os seus dados com o
propósito de lhes ser aplicado um conceito, e quando um conceito lhes é efetivamente
aplicado.
� Por exemplo, o juízo expresso pela frase
«Os metais dilatam ao ser aquecidos» depende dos dados que os nossos sentidos obtêm
do exterior quando tocamos o metal e o sentimos quente, e quando olhamos para ele e
vemos que dilatou. Mas depende também de algo que está fora do alcance dos nossos
sentidos: a aplicação do conceito de causalidade para relacionar as sensações de calor
com a de dilatação dos metais.
� Kant defende que os juízos de gosto, como o expresso pela frase «O pôr do sol é
belo», que são um dos tipos de juízos estéticos, não se referem à existência dos objetos.
� Referem-se sim ao nosso próprio estado subjetivo de prazer ou desprazer acerca do
conteúdo da experiência.
� Kant pensa que o belo não é um objeto, pelo que não pode ser referido através de
conceitos.
� Porém, pensa que as nossas faculdades cognitivas intervêm na mesma nos juízos
estéticos. A diferença é que essas faculdades estão agora livres de qualquer finalidade
cognitiva, dado que não é o conhecimento de objetos que está em causa. Referindo-se
apenas ao nosso sentimento de prazer, as faculdades entram numa espécie de jogo
completamente livre, sem qualquer propósito ulterior. Por isso, o entendimento nunca
chega a aplicar qualquer conceito, devolvendo a matéria recebida à imaginação – uma
faculdade intermédia entre a sensibilidade e o entendimento – num processo que se
repete continuamente. Kant pensa que é este livre jogo das faculdades, decorrente da
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ausência de qualquer finalidade cognitiva ou outra, que nos coloca perante a simples
representação dos objetos, provocando em nós um sentimento de prazer contemplativo.
� Este prazer é desinteressado precisamente porque é meramente contemplativo. Isto
significa que:
 Não visa satisfazer qualquer interesse prático ou propósito ulterior.
 Não se funda em conceitos.
 Não depende sequer da existência real do objeto representado.
� Tudo o que conta é a simples contemplação da representação em si e o livre
sentimento de prazer que a acompanha. Assim, dizer que algo é belo é dar voz a um
determinado tipo de experiência ou sentimento de prazer. Ou seja, dizer que algo é belo
é só dar voz a uma certa experiência e nada mais. Essa experiência não se pode
descrever, ao contrário da experiência de ver um copo, que podemos descrever através
do juízo expresso pela frase «Está um copo à minha frente». Não podemos descrever a
experiência estética dizendo «Está uma beleza à minha frente» porque o que está à
minha frente é o objeto que provoca em mim a experiência estética, e não a experiência
estética. Ao contrário do prazer do belo, Kant defende que os outros dois tipos de
prazeres que refere – o prazer do bom e o prazer do agradável – não são independentes
de qualquer interesse.
 O prazer do bom é o prazer que se obtém da satisfação de uma necessidade prática,
como o prazer que se tem ao resolver um problema doméstico.
 O prazer do agradável é o que se obtém da satisfação de algum desejo pessoal ou
inclinação natural dos nossos sentidos, como o prazer que temos ao comer doces.
� Portanto, ambos são determinados por algum tipo de interesse – Kant pensa que a
satisfação de desejos é a satisfação de um interesse pessoal.
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Em suma, Kant pensa que a experiência estética é desinteressada, mas não por não ser
importante ou valiosa; é desinteressada porque é completamente livre e independente
dos nossos desejos, necessidades ou conhecimentos. Tudo o que conta para a
experiência estética é a própria experiência.
Em conclusão:
A justificação do juízo estético: subjetivismo estético e objetivismo estético
� O principal problema que os filósofos costumam discutir acerca deste tipo de juízos é
a sua justificação. Quando uma pessoa afirma que algo é belo, que tipo de razões
apresenta para justificar o que afirma? O que nos faz dizer que algo é belo? Na verdade,
este não é um problema que ocupe apenas os filósofos. Ouvimos muitas vezes uma
pessoa dizer que algo é belo (ou feio) e, surpreendidos, queremos saber porquê.
Por que razão algumas pessoas acham bonitas as canções do Tony Carreira e outras
não? Será que as pessoas estão todas a falar da mesma coisa quando usam a palavra
«belo»? Será que todas as opiniões acerca do que é ou não é belo são corretas? Será que
quando afirmamos que uma pintura é bela estamos a referir algo que está realmente na
pintura, ou é apenas uma maneira de manifestar os nossos sentimentos ao ver a pintura?
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� Entre os filósofos, este é conhecido como o problema da justificação do juízo
estético.
� Em termos mais populares costuma-se formular através da seguinte pergunta:
A beleza está nas coisas ou nos olhos de quem a vê?
� Há duas teorias rivais que procuram responder a esse problema: o subjetivismo
estético e o objetivismo estético.
Subjetivismo estético
� Para simplificar, pensemos apenas no caso particular do chamado «juízo do belo» –
um dos vários juízos estéticos. O subjetivismo estético é a perspetiva acerca da
justificação do juízo estético que defende basicamente que a beleza resulta do que
sentimos quando observamos as coisas; ou seja, a beleza está nos olhos de quem a vê.
 O subjetivismo estético defende que os objetos são belos em virtude do que
sentimos quando os percecionamos.
 Percecionar um objeto é obter informação dele através dos sentidos.
� Achar algo bonito ou feio é, segundo esta teoria, uma questão de gostos ou
preferências pessoais. Um dos heterónimos de Fernando Pessoa resume bem esta
perspetiva nos seguintes versos:
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe,
Que eu dou às coisas em troca do agrado que elas me dão.
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos, XXVI, 1912
� Assim, os objetos são belos ou feios de acordo com os sentimentos de prazer ou
desprazer que fazem surgir em nós. Os juízos estéticos não são, neste caso, objetivos.
Ou seja, o que está em causa não são as propriedades dos objetos, mas antes os
sentimentos que tais objetos despertam em nós. Por isso se diz que são juízos de gosto.
Dizer «O Guardador de Rebanhos é belo» é, para o subjetivista, o mesmo que dizer
«Gosto d’O Guardador de Rebanhos». De maneira que se alguém perguntar a um
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subjetivista que razões tem para dizer que O Guardador de Rebanhos é belo, ele dirá
que sente prazer ao lê-lo. Ou, mais simplesmente, que gosta desse poema.
Subjetivismo radical
� Uma forma extrema de subjetivismo defende que, na medida em que traduzem aquilo
que cada um sente, os gostos não se discutem. Mas esta forma de subjetivismo levanta
quatro problemas óbvios. Vejamos quais.
1. Contraria o modo como falamos. De acordo com o subjetivismo radical, as frases
«X é belo» e «X não é belo» só seriam a negação uma da outra se fossem proferidas
pela mesma pessoa. Proferidas por pessoas diferentes – digamos, pela Rita e pelo
Carlos, respetivamente – apenas querem dizer «A Rita gosta de X» e «O Carlos não
gosta de X»; assim, ambas podem ser verdadeiras, não havendo qualquer contradição.
Ora, isto não está de acordo com o modo como falamos.
2. Torna impossível a comunicação. Se belo for simplesmente aquilo que cada um
acha, então quando utilizamos a palavra «belo» numa conversa não chegamos
verdadeiramente a comunicar: a palavra tem um significado diferente para cada pessoa,
o que torna impossível a comunicação.
3. Torna os juízos estéticos autobiográficos. No seguimento da objeção anterior, se o
subjetivista radical tiver razão, os juízos estéticos são autobiográficos: quando uma
pessoa diz «X é belo» não está, em rigor, a falar de X, mas de si própria e das suas
preferências.
Porém, não é assim que as coisas são geralmente entendidas.
4. Torna irracional a discussão estética. Esta forma de subjetivismo parece esvaziar
grande parte das discussões estéticas, admitindo implicitamente que qualquer debate
sobre o valor estético das obras de arte é irracional. Mas tanto as conversas mais banais
como a autoridade que reconhecemos aos críticos de arte e especialistas parecem
contradizer tal coisa.
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Objetivismo estético
� A teoria oposta ao subjetivismo estético é o objetivismo. Chama-se por vezes
«realismo estético» a esta teoria, mas esta designação é enganadora.
� O objetivismo estético defende que os objetos são belos em virtude das suas
propriedades intrínsecas e independentemente do que sentimos quando os observamos.
� As propriedades intrínsecas dos objetos são independentes dos sentimentos ou das
reações de quem os observa.
� Por exemplo, o tamanho é uma propriedade intrínseca de um morango: o tamanho do
morango é independente do modo como o vemos ou saboreamos. Mas o sabor dos
morangos não depende apenas dos morangos: depende também de quem os come.
Pessoas com palatos diferentes podem ter diferentes reações aos morangos, e há até
pessoas que são alérgicas aos morangos.
� Os objetivistas não negam que temos certos sentimentos estéticos perante a arte; nem
afirmam que tais sentimentos estão nas próprias obras de arte, o que seria absurdo.
� Mas defendem que os nossos sentimentos estéticos são causados por certas
características intrínsecas dos objetos.
� Assim, o objetivista defende que quando dizemos que um objeto é belo, o que
sentimos não é determinante. Quer o objeto nos agrade quer não, as propriedades que
estão na base da beleza existem mesmo nele; nós é que podemos ou não ser sensíveis a
tais propriedades. A beleza não depende, portanto, dos gostos pessoais: um objeto não é
bonito ou feio consoante nos agrada ou não. Ainda que as coisas belas nos agradem, não
é por isso que são belas. Acontece apenas que há certas características intrínsecas a
esses objetos que provocam em nós uma sensação agradável. Em termos populares, isto
equivale a dizer que a beleza está nas coisas e não nos olhos de quem as vê.
� O objetivista argumenta que se a beleza (e a fealdade) dependesse apenas dos nossos
gostos pessoais e não das características dos objetos, seria muito estranho e inexplicável
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haver objetos que quase todas as pessoas acham bonitos (ou feios). Haverá alguém que
ponha em causa a beleza do Ave Maria, de Schubert?
� O objetivista admite que ajuizar um objeto como belo não implica que o objeto seja
considerado belo por todas as pessoas que o avaliem esteticamente; pode haver quem
não o considere belo. Mas isso, pensa o objetivista, apenas significa que essas pessoas
fazem juízos errados porque partem de uma deficiente perceção do objeto. � Também
um daltónico faz juízos errados se disser que é azul aquilo que as outras pessoas dizem
ser verde; o problema está apenas nele e não nos outros, pois algo se passa que o
impede de percecionar corretamente as cores.
� Além disso, o objetivista argumenta que é falacioso concluir que as coisas não são em
si belas só porque não há acordo entre as pessoas que as observam. É como dizer que no
tempo de Galileu o movimento da Terra era subjetivo só porque as pessoas discordavam
acerca disso. Tem, pois, de haver critérios objetivos que permitam justificar a verdade
dos juízos estéticos. Afinal de contas, até mesmo entre os cientistas há desacordo. E não
é por isso que deixa de haver critérios objetivos na ciência.
A influência do objetivismo estético
� O facto de o objetivismo defender a existência de critérios objetivos acerca dos juízos
estéticos torna-o atraente, pois permite resolver muitas das discussões aparentemente
insolúveis sobre a arte e a beleza. Pelo menos, permite colocar em termos mais racionais
algumas dessas discussões. Sem critérios objetivos tudo poderia ser afirmado e, nesse
caso, não valeria a pena perder tempo com discussões.
� Até ao séc. XVIII a maior parte dos filósofos identificavam-se naturalmente com o
objetivismo estético. Acreditavam que havia critérios ou regras gerais acerca das
características que os objetos tinham de possuir para terem valor estético. E até os
artistas tinham em consideração essas regras – a que se dava o nome de «cânones» –
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quando criavam as suas obras. Assim, era a própria arte a conformar-se aos princípios
do objetivismo estético.
� Não admira, pois, que o desacordo entre os críticos de arte da altura fosse bastante
reduzido. O objetivismo parecia ser um ponto de vista perfeitamente natural e bastante
razoável para a época.
� Contudo, a arte contemporânea é muito diferente da arte dos séculos anteriores.
Mesmo assim, o objetivismo estético não é uma doutrina historicamente ultrapassada.
Continua ainda a ser defendido por filósofos contemporâneos, como Monroe Beardsley
(1915-1985).
Em conclusão:
Definição dos conceitos nucleares
Estética: disciplina filosófica que procura descobrir os princípios e os critérios gerais
dos chamados objetos estéticos (o que é belo, o que é uma obra de arte, etc.). O termo
estética procede do grego aísthesis, que significava sensação, remetendo, por isso, para
uma experiência sensível. O objeto torna-se estético quando é capaz de despertar e
estimular a nossa sensibilidade e provocar uma emoção. Assim, contemplar uma
paisagem, ouvir musica, saborear uma boa refeição ou apreciar um bailado podem ser
experiências estéticas.
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Experiência estética: sendo a atitude estética uma atitude valorativa, a experiência
estética consiste na capacidade, própria de qualquer ser humano dotado de uma
sensibilidade, de reagir de um certo modo perante determinadas formas, naturais ou
artísticas (uma paisagem, a leitura de uma poesia, a audição de uma sonata de Chopin, a
contemplação de um bailado, etc.). A dimensão sensorial e emocional desta experiência
sobrepõe-se aos elementos cognitivos e racionais, o que não dispensa os elementos
cognitivos, embora haja quem considere desnecessária a sua presença neste tipo de
experiências. Na verdade, se para apreciar uma boa refeição não se exige nenhuma
intervenção do intelecto, já para apreciar um quadro de Van Gogh, um poema, ou uma
cantata de Bach, exige-se um certo tipo de conhecimentos e uma compreensão do
significado que se experimenta. Por isso, a experiência estética não se reduz a uma
vivência meramente sensorial e emocional. A experiência estética pode ser
desencadeada pela contemplação de uma obra de arte ou da própria Natureza, da sua
beleza, do seu poder, grandiosidade e magnificência, e pode ser experimentada pelo
artista enquanto criador de uma obra de arte. A experiência estética a que podemos
aceder é sempre pessoal e subjetiva, uma verdadeira criação, realizada tanto pelo artista
como por quem contempla.
Juízo estético: são os que expressão uma apreciação pessoal e subjetiva acerca de um
objeto, considerando o sentimento de prazer e de agrado que ele nos proporciona.
Belo: que agrada aos olhos, que desperta agradavelmente os sentidos; que apraz à
inteligência e ao coração como obra de arte;
Gosto: sentido que nos permite distinguir o sabor das coisas; paladar, sabor;
II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.2. A dimensão estética – Análise e compreensão da experiência estética
3.2.2. A criação artística e a obra de arte
O que é arte?
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� Muitas pessoas que visitam museus de arte contemporânea, ou que assistem a
concertos de música experimental e a espetáculos de dança moderna perguntam-se: Mas
isto é arte?
� Por que razão um urinol colocado num recinto de exposições pelo artista Marcel
Duchamp é arte e não são arte os urinóis das casas de banho da minha escola?
� Este é um problema filosófico, dado que não existe qualquer característica empírica
que possa ser diretamente observada nos objetos de arte e que nos permita distingui-los
dos objetos que não são arte.
� O que está em causa é o próprio conceito de arte. Conceito que deve poder aplicar-se
a todos os objetos que geralmente são classificados como objetos de arte.
� Uma dificuldade em definir arte: chamamos arte a coisas tão diferentes entre si como
uma canção, um poema, um edifício, uma escultura, um filme, um quadro, uma
fotografia, etc.
� A discussão acerca da definição de arte implica ter algum conhecimento da história
da arte, principalmente das artes moderna e contemporânea.
� As teorias da definição de arte são teorias descritivas e não normativas.
� Uma boa maneira de testar as teorias propostas é procurar contraexemplos (daí a
importância de ter conhecimentos de história da arte).
� Algumas teorias procuram dar definições explícitas de arte. Uma definição explícita
deve apresentar as condições necessárias e suficientes do conceito a definir.
� Se as condições apresentadas não são necessárias, então a definição é demasiado
exclusiva, pois exclui coisas que costumam ser consideradas arte.
� Se as condições não são suficientes, então a definição é demasiado inclusiva, pois
inclui coisas que não devia incluir.
� As teorias da definição de arte que vamos discutir são:
 Teoria da imitação
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 Teoria da expressão
 Teoria formalista
Teoria da imitação: x é um objeto de arte só se é uma imitação
� Esta não é, em bom rigor, uma verdadeira definição explícita, dado que só apresenta
condições necessárias. Se fosse uma definição explícita, em vez da expressão «só se»
deveria estar «se, e só se».
É esta expressão que indica que as condições são simultaneamente necessárias e
suficientes.
� O que se quer dizer é, então, o seguinte: todas as obras de arte imitam algo, embora
não seja suficiente uma coisa imitar para ser arte.
� Exemplos de comentários (em tom depreciativo) de quem encara a arte do ponto de
vista desta teoria:
 Não vejo nada neste quadro a não ser riscos e manchas de tinta.
 Qual é a história do filme, afinal?
 Aquela dança representa o quê?
 Não consigo ver qualquer significado nesta escultura.
� Mas, ao contrário do que a definição indica, a imitação nem sequer uma condição
necessária. Há inúmeros casos de obras que todos consideramos arte e não imitam nada.
� Houve tempos em que os artistas procuravam sempre imitar algo com as suas obras,
pelo que esta teoria parecia plausível aos filósofos que apenas encontravam à sua volta
obras de arte que imitavam. Foi assim com Platão e Aristóteles.
� As palavras de um romance, os sons de uma sinfonia e muita da arte abstrata não
imitam nada que se reconheça. Algumas obras podem até evocar certas coisas ou ideias,
mas evocar algo não é o mesmo que imitar algo.
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� Alguns defensores desta teoria procuraram melhorá-la e, em vez de afirmarem que a
arte imita, afirmam que a arte representa. Assim, as pinturas abstratas podem não
imitar nada, mas seguramente representam alguma coisa.
� Mesmo assim há contraexemplos: em muitas obras musicais e de arquitetura nada
está a ser representado.
� Mas a definição pode ainda ser melhorada: pode-se dizer que algo representa desde
que tenha um assunto, ou refira alguma coisa.
� A definição seria então: x é um objeto de arte só se x tem um assunto acerca do
qual diz algo.
� A ideia é a de que se uma obra pode ser interpretada, então é porque é acerca de algo
(tem conteúdo semântico).
� Esta reformulação parece finalmente ser capaz de se aplicar a todas as obras de arte.
� Mas será que todas as obras de arte têm mesmo um assunto?
� Tudo indica que isso não é verdade: há obras de música repetitiva em que o que
interessa é o mero efeito sonoro, assim como pinturas em que nada mais conta a não ser
o efeito estritamente visual que provocam. Não requerem qualquer interpretação.
� Conclusão: esta teoria parece deixar de fora obras que são consideradas arte, embora
seja verdade que muita da arte imita ou representa algo. Contudo, isso é ainda
insatisfatório.
Teoria da expressão: x é arte só se consegue fazer o público sentir os mesmos
sentimentos que o artista, de facto, sentiu.
� Ao contrário da teoria da imitação, esta teoria não encara a arte como uma espécie de
espelho colocado diante da natureza, no qual ela se reflete. A teoria da expressão
(fortemente influenciada pelo romantismo) encara a arte como um veículo para exprimir
emoções.
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� O que conta não é tanto a realidade exterior, mas os sentimentos que se encontram no
interior do artista. Era isso que interessava aos artistas românticos. Daí que a ideia de
imitação já não servisse para explicar o que se passava na arte.
� Exemplos de comentários de quem encara a arte do ponto de vista desta teoria:

" Isto não é arte porque não consegue emocionar ninguém.

" Uma coisa só é arte se mexe com as pessoas.

" Essa obra não é arte, pois falta-lhe autenticidade.

" Trata-se de uma obra sem chama, sem qualquer interesse artístico.
� Há diferentes versões da teoria da expressão, Tolstoi defende uma delas. Para ele a
arte é uma forma de comunicação. Mas a diferença entre, por exemplo, uma notícia de
jornal e a arte é que esta expressa sentimentos e não outra coisa qualquer.
� A arte é um meio de unir as pessoas através desses sentimentos. Por isso há três
condições sem as quais uma obra não pode ser arte:
1. o artista
2. o público
3. um mesmo sentimento partilhado por ambos
� Isto significa que:
a) não há arte se o artista não sente qualquer emoção
b) não há arte se o público não sente qualquer emoção
c) não há arte se as emoções do artista e do público não são as mesmas
� A teoria implica também a autenticidade das emoções do artista, pois se assim não
for, não consegue partilhar as mesmas emoções com o público.
� Mas não é suficiente transmitir sentimentos; é preciso que os mesmos sentimentos
passem do artista para o público de forma intencional e que tais sentimentos não sejam
sentimentos generalizados, mas sentimentos resultantes de experiências individuais.
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� Objeção: podemos transmitir intencionalmente sentimentos individualizados e isso
não ser arte. Exemplo: contas à tua mãe a tristeza que sentes por o teu namorado ter
cortado contigo, esperando que ela sinta a tua tristeza. Transmites intencionalmente um
sentimento individualizado, mas ao fazê-lo não estás a criar uma obra de arte.
� Resposta: ao transmitir intencionalmente sentimentos individualizados, o artista
também trabalha, examina e explora os sentimentos de modo a encontrar a forma mais
adequada de os transmitir.
� O artista não se limita a apresentar os sentimentos tal como surgem: o seu trabalho é
clarificar sentimentos. Por isso se diz que a arte nos ensina algo.
� A ideia é a de que se a ciência nos dá a conhecer o mundo exterior, a arte dá-nos a
conhecer o mundo interior, descobrindo o mundo das emoções e das suas variações. Por
isso atribuímos valor à arte.
� Objeção: se a intencionalidade na transmissão de sentimentos é uma condição
necessária (embora não suficiente) para a arte, então há obras que são consideradas arte
e não transmitem intencionalmente sentimentos. Exemplo: as Cartas Portuguesas de
Mariana Alcoforado nem sequer se destinavam a ser publicadas.
� Outra objeção: outra das condições necessárias é o artista e o público partilharem os
mesmos sentimentos. Mas quando um ator de cinema está prestes a ser morto e isso
transmite angústia ao espectador, será que ator e espectador experimentam efetivamente
o mesmo sentimento?
� Outra objeção: a autenticidade dos sentimentos do artista é também uma condição
necessária para a arte. Mas há obras de arte que provocam sentimentos no espectador
que o artista não teve realmente. O cinema está cheio de exemplos desses.
� Outra objeção: clarificar emoções é uma condição necessária para a arte, diz o
expressivista, mas muita arte não clarifica emoções, limitando-se a apresentá-las em
estado bruto. Exemplos: música punk, filmes como Feios, Porcos e Maus.
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� Será que a arte exprime, ao menos, sentimentos? Isso é muito duvidoso, por exemplo,
no caso da música chamada aleatória e em muita da chamada arte minimalista.
� Conclusão: a teoria da expressão não é suficientemente abrangente para incluir obras
que são geralmente consideradas arte. Porém, muita arte exprime sentimentos.
Teoria formalista: x é arte se, e só se, tem forma significante.
� A explosão da arte moderna, nomeadamente da arte abstrata, veio mostrar que a
diversidade de obras de arte é maior do que as teorias da imitação e da expressão
supunham. A teoria formalista tem em vista dar uma definição de arte que não exclua as
obras de arte moderna.
� O filósofo e crítico de arte Clive Bell defendeu que as obras de arte são aquelas que
provocam em nós um determinado tipo de experiência pessoal e peculiar, a que dá o
nome de emoção estética.
� Em relação à emoção estética há 3 aspetos a esclarecer:
1. Aos objetos que provocam emoções estéticas chamamos «obras de arte».
2. Diferentes obras de arte podem provocar diferentes emoções, mas essas emoções têm
de ser do mesmo tipo.
3. A emoção estética é apenas o ponto de partida para compreender a arte.
� A emoção estética é o ponto de partida porque é uma emoção que só temos quando
estamos perante obras de arte.
� Mas as obras de arte não provocariam emoções estéticas em nós se não houvesse
nelas qualquer característica capaz de despertar tais emoções.
� A característica que existe em todas as obras de arte, e só nelas, capaz de provocar
emoções estéticas é a forma significante.
� Exemplos de comentários característicos de quem encara a arte de um ponto de vista
formalista:
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 Este quadro revela uma grande unidade e sentido de equilíbrio.
 É um romance bem estruturado, com um fio condutor onde se encaixam
perfeitamente as personagens.
 É uma dança com grande dinamismo e complexidade, mas consistente.
 Esta é uma canção com uma melodia simples, sóbria e elegante.
� Identificar a forma significante exige sensibilidade, mas também inteligência. A
forma significante é uma característica essencial e individuadora da arte.
� A forma significante na pintura reside numa certa combinação de linhas e cores; na
música reside numa certa organização temporal de sons.
� Objeção: há objetos que têm forma e a sua forma é significante mas não são
considerados arte. Exemplo: as placas de sinalização de trânsito.
� Resposta: Mas a finalidade das placas de sinalização de trânsito é informar-nos de
algo e não exibir a sua forma, como acontece com as obras de arte. As obras de arte são
concebidas apenas para exibir a sua forma.
� Para o formalista, mesmo que uma pintura represente algo, tal facto é esteticamente
irrelevante.
� Uma das vantagens desta teoria é que pode incluir todo o tipo de obras de arte. Desde
que provoque emoções estéticas, qualquer objeto é arte. O caráter restritivo das teorias
anteriores é ultrapassado.
� Dificuldade: mas em que consiste exatamente a forma significante?
Quando é que uma forma é significante e quando não é significante?
� Resposta: qualquer pessoa sensível percebe quando uma obra tem forma significante,
pois sente uma emoção estética perante elas.
� Objeção: dizer que as pessoas que não têm emoções estéticas perante certas obras de
arte são insensíveis à forma significante é apenas uma maneira de evitar dificuldades.
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Por exemplo, que diferença existe entre a Caixa de Brillo de Andy Warhol e as caixas
vulgares que ela imita rigorosamente?
� Outra objeção: a forma significante na pintura é diferente da forma significante na
escultura, na literatura, no cinema, na música, no teatro, etc. Ora, isso faz com que a
forma significante seja formada por um conjunto de características tão vasto que acaba
por se tornar um conceito vago (dificilmente se imagina o que é um contraexemplo).
� O formalista pode ainda dizer que a forma significante é a propriedade que provoca
em nós emoções estéticas. Mas isso levanta o problema de saber o que são emoções
estéticas. Só que não se pode agora dizer que uma emoção estética é aquele tipo de
experiência provocada pela forma significante. Esta resposta é insatisfatória, pois é
circular.
� Contudo, a forma é um dos aspetos importantes de muita da arte moderna.
Definição dos conceitos nucleares
Arte: a arte é uma estilização do real, uma transfiguração enraizada na realidade e que
produz outra realidade, u processo duplamente criador (do artista/criador que produz a
obra e do espectador que a contempla e lhe recria um sentido). A arte pode ser encarada
e abordada como produção humana, autêntica e original, reflexo da personalidade do
artista (abordagem psicológica); como reflexo da sociedade, traduzindo, de certo modo,
a identidade cultural de um povo e de uma cultura (abordagem sociológica); como
expressão de novos modos de «ver» e de dar sentido à realidade, esclarecendo e
enriquecendo a nossa experiência na medida em que contribui para a desocultação e
revelação do ser das coisas (abordagem ontológica); como produto da atividade humana
ao qual se confere, para além de valor estético, valor económico e se trata como uma
mercadoria numa sociedade em que a industrialização e o consumo se estenderam
também a cultura e, portanto, ao mundo da arte; como uma forma de comunicação ou
como uma linguagem. Há uma imensa variedade de obras de arte de diferentes tipos: a
pintura, a escultura, a arquitetura, a literatura, a musica, a dança, a fotografia e o
cinema.
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II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.2. A dimensão estética – Análise e compreensão da experiência estética
3.2.3. A Arte – produção e consumo, comunicação e conhecimento
O que torna a arte valiosa?
� É um facto que as pessoas de todos os países e épocas dão valor à arte. O que tem a
arte de especial, que leva as pessoas a atribuir-lhe tanta importância?
� O problema do valor da arte é um problema filosófico, pois não somos capazes de
identificar uma qualquer característica empírica nas obras de arte que lhes confira valor.
� O problema do valor da arte não deve ser confundido com o problema da avaliação
das obras de arte.
� Os filósofos divergem em relação àquilo que torna uma obra de arte valiosa. Há dois
tipos de teorias filosóficas acerca do valor da arte: esteticismo e funcionalismo.
Esteticismo (ou teoria da arte pela arte): a arte tem valor em si mesma,
independentemente de quaisquer critérios exteriores.
� A arte é inútil e não tem qualquer finalidade ou função, o que, segundo Oscar Wilde,
a coloca acima de qualquer outra atividade.
Está acima da ética, da política, da religião, etc.
� É certo que muitas obras de arte foram criadas com alguma finalidade (finalidades
religiosas, políticas, etc.), mas não é isso que as torna valiosas. Razão pela qual até um
ateu pode valorizar obras de arte religiosa.
� Objeção: é uma teoria elitista, pois encara a arte como uma espécie de luxo a que só
algumas pessoas se podem dedicar. Mas a arte é valorizada por quase todas as pessoas.
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� Outra objeção: conduz ao decadentismo, pois a arte torna irrelevantes quaisquer
outros valores, como a verdade, o bem, etc.
Mas não são muitas as pessoas a dar valor à arte se, por exemplo, ela for
manifestamente imoral.
� A teoria de que a arte tem valor em si mesma parece insatisfatória, pois as pessoas
não dão valor algo sem que haja alguma razão para isso.
Há várias teorias que defendem que a arte tem valor porque tem uma função importante.
Os que as distingue é identificarem funções diferentes para a arte. São as teorias
funcionalistas, também chamadas instrumentalistas.
Arte e prazer: a arte tem valor porque é um meio de nos proporcionar prazer.
� Hume considerava que era a sensação de agrado que as obras de arte nos dão que as
torna valiosas e desperta o nosso interesse por elas.
� Objeção: mas o simples agrado não pode explicar por que razão dá-mos tanto valor à
arte. Há muitas outras coisas que nos agradam e a que não atribuímos a mesma
importância: podemos ficar deliciados com uma tablete de chocolate mas não a
comparamos com Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marquez.
� Resposta: o agrado, ou prazer, devem ser entendidos como divertimento. Comer
chocolate não é um divertimento.
� Objeção: praticar desporto é um divertimento. Contudo não valorizamos o desporto e
a arte da mesma maneira.
� Outra objeção: há muitas obras de arte que não proporcionam prazer; algumas
provocam até sensações contrárias às de prazer, como sucede com os filmes de terror.
� Resposta: o prazer proporcionado pelas obras de arte é um prazer de tipo superior e
não meramente sensível.
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� Ainda que a arte não tenha valor por proporcionar prazer, é um facto que muitas
obras de arte dão prazer.
Arte e moral: a arte tem valor porque exprime sentimentos que contribuem para o
progresso moral da humanidade.
� Já Platão e Aristóteles defendiam que a arte tinha importantes implicações morais.
Platão considerava essas implicações moralmente nefastas, enquanto Aristóteles as
considerava benéficas.
� Platão considerava que a arte leva a um comportamento pouco racional, na medida
em que apela à imitação de emoções. A arte apresenta-nos, pois, falsos modelos,
moralmente reprováveis.
� Aristóteles considera, pelo contrário, que a imitação de tais modelos nos oferece a
possibilidade de, por um lado, exaltar os bons sentimentos e de, por outro, libertar os
maus (catarse), contribuindo para um maior equilíbrio emocional das pessoas.
� Mas uma coisa é dizer que muitas obras de arte têm implicações morais, outra
diferente é afirmar que o valor da arte em geral reside na sua função moral. É esta
última a teoria defendida por Tolstoi.
� Para Tolstoi a arte não tem valor em si mesma, nem tem valor porque proporciona
prazer. A arte tem valor porque o artista apela à união entre as pessoas, contagiando-as
com os seus sentimentos.
Contribui, assim, para uma maior humanidade e harmonia social.
� Objeção: como já se viu antes, muitas obras de arte nem sequer procuram exprimir
qualquer sentimento, pelo que também não podem ter uma função moral.
� Resposta: essas obras são, de acordo com Tolstoi, obras de arte falhadas.
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� Entre as obras de arte falhadas, Tolstoi inclui óperas de Wagner e até dois dos seus
mais importantes romances (consideradas por muitos como obras-primas da literatura
universal). Mas isso parece inaceitável.
Arte e conhecimento: a arte tem valor porque alarga o nosso conhecimento.
� Esta teoria é conhecida como cognitivismo estético. Para os cognitivistas, só o facto
de a arte contribuir para aumentar o nosso conhecimento pode explicar o valor que lhe
atribuímos, pois o conhecimento é algo que valorizamos muito (mais do que o prazer e
do que o eventual conteúdo moral das obras de arte, o qual nem todas as pessoas
partilham).
� O cognitivista considera que podemos aprender com poemas, músicas, pinturas,
peças de dança, etc.
� Objeção: mas como pode um poema ou uma melodia ensinar-nos algo, uma vez que
o conteúdo dos poemas e melodias não é verdadeiro nem falso, como o das teorias
científicas.
� Resposta: o conteúdo das obras de arte não deve ser interpretado em sentido literal.
A arte, argumenta o filósofo Nelson Goodman, funciona de modo simbólico,
metafórico e não literal. É desse modo que a arte consegue ensinar-nos algo que de
outra maneira não seria fácil de compreender.
� Além disso, a arte pode alargar o nosso conhecimento, pois enriquece muitos aspetos
da experiência humana, os quais acabam, por sua vez, por influenciar a maneira como
olhamos para o mundo.
� O conhecimento proporcionado pelas obras de arte pode não ser de tipo proposicional
(como o das teorias científicas), mas não deixa de ser conhecimento. Em vez de
rivalizarem entre si, arte e ciência complementam-se para aumentar o nosso
conhecimento.
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III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia
1. Argumentação e lógica formal
1.1. Distinção validade/verdade
� A lógica permite avaliar se as afirmações são ou não corretamente inferidas,
distinguindo os argumentos validos dos inválidos e identificar as regras que permitem
afirmar se são ou não validos. A lógica, ajuda-nos a aprender a construir e a avaliar
argumentos validos, garantindo deste modo que partindo de premissas verdadeiras
consegue-se chegar a uma conclusão verdadeira. Ou seja, a lógica investiga as regras de
carência dos raciocínios e permite a formalização do pensamento, independentemente
dos seus possíveis conteúdos materiais. Dentro da lógica existe também a lógica formal,
que é uma ciência que estuda as leis que permitem estruturar corretamente o nosso
pensamento através da explicitação das propriedades dos argumentos válidos.
� Um conceito é uma representação lógica abstrata que designa na mente, um conjunto
ou uma classe de objetos.
� Um termo é a expressão verbal do conceito, sendo os conceitos representações
mentais abstratas dos termos.
� Um juízo é a ligação mental de um ou mais conceitos. Desta forma, exprime-se por
uma proposição, ou seja, uma expressão verbal, oral ou escrita do juízo.
� O raciocínio é o encadeamento de juízos em que a verdade de um depende da
verdade e da sua ligação com os outros. No entanto, o raciocínio exprime-se por
argumentos, os quais constituem discursos de três diferenciados tipo: dedutivo,
indutivo e analógico. Por exemplo, o raciocínio analógico parte, então, de uma
suposição inicial, que pode ser um pressentimento, uma ideia, uma hipótese, para uma
similaridade de estrutura, enquanto que o indutivo, parte de um certo numero de casos
estudados e induz que o que se verificou nos casos analisados também se verificará em
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todos os casos do mesmo género. Finalmente, o raciocínio dedutivo é uma operação
intelectual mediante a qual o pensamento, a partir de uma ou mais proposições dadas
(premissas) e relacionadas entre si, retira uma conclusão que deriva logicamente das
primeiras.
A extensão e compreensão dos conceitos
� Extensão (denotação) de um conceito – é o conjunto de seres, coisas, membros que
são abrangidos por ele, ou seja, são os elementos da classe lógica que é definida pelo
conceito.
Ex: o conceito “ovo” abrange e estende-se a vários seres, pardais, melros, pintainhos,
águias, falcões, andorinhas, periquitos.
� Compreensão (intensão) de um conceito – é o conjunto de qualidades,
propriedades, notas, características ou atributos que definem esse conceito.
Ex: o conceito de “cavalo” contém as seguintes características: ser, animais vertebrados,
mamíferos, não racionais.
� A Compreensão e a extensão variam na razão inversa ou seja, à medida que
aumenta a extensão, diminui a compreensão. Á medida que a extensão diminui,
aumenta a compreensão. Por outras palavras, quanto maior é o numero de elementos a
que o conceito se aplica (extensão), menor é a quantidade de características comuns
(compreensão).
� Estes conceitos estão dispostos por ordem decrescente quanto á extensão e por ordem
crescente quanto à compreensão.
Ser

Extensão
Ser vivo
Animal
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Vertebrado
Compreensão
Mamífero
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
Cão
Ordem decrescente de extensão
« - » Ordem crescente da compreensão
Assim sendo:
Crescente de extensão: + específico para o – específico
Decrescente de extensão: - específico para o + específico
Crescente de compreensão: - específico para o + específico
Decrescente de compreensão: + específico para o – específico
Proposição
� Uma proposição/ juízo é uma frase ou enunciado que relaciona conceitos entre si,
afirmando ou negando algo em relação a cada um, possuindo valor de verdade.
Ex: A Física é uma ciência (é proposição porque relaciona entre si dois conceitos e tem
valor de verdade verdadeiro)
A Biologia não é uma ciência (é proposição com valor de verdade falso)
Só as frases declarativas podem exprimir proposições. As frases interrogativas,
exclamativas, prescritivas e as promessas não exprimem proposições.
Argumento:
� Um argumento/raciocínio é um conjunto de proposições organizadas de tal modo
que uma delas é a conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se
chamam as premissas.
Nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Só os conjuntos de
proposições organizadas de tal modo que justifiquem ou defendam a conclusão
apresentada são argumentos.
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Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram
explicitamente apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso
pensamento é uma parte importante da discussão filosófica.
Validade e verdade:
� A verdade depende unicamente da matéria/conteúdo das proposições
(premissas/conclusão), se são verdadeiras ou falsas.
� A validade depende unicamente da forma dos argumentos, se são válidos ou
inválidos.
O que é a argumentação?
A lógica estuda a argumentação. Mas o que é argumentar?
� Argumentar é defender ideias com razões.
De certo modo, a argumentação é como a gramática: está sempre presente no nosso dia
a dia, sempre que pensamos e conversamos, mas não nos damos conta, geralmente, da
sua existência. Só ao estudar lógica somos levados a pensar diretamente em algo que
estamos sempre a usar sem reparar.
Proposições, valor de verdade e frases
Tanto as ideias que queremos defender nos nossos argumentos como as razões que
usamos para as defender são proposições.
� Uma proposição é o pensamento que uma frase declarativa exprime literalmente.
Só as frases declarativas podem exprimir proposições. As frases interrogativas,
exclamativas, prescritivas e as promessas (incluindo as ameaças) não exprimem
proposições. As frases seguintes não exprimem proposições:
 «Fecha a janela!» (Frase imperativa.)
 «Será que há água em Marte?» (Frase interrogativa.)
 «Quem me dera ter boas notas a Filosofia!» (Frase exclamativa.)
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 «Prometo que te devolvo o livro amanhã.» (Promessa.)
As frases imperativas, interrogativas e exclamativas, assim como as promessas, não
exprimem proposições porque não exprimem pensamentos que possam ter valor de
verdade.
� O valor de verdade de uma proposição é a verdade ou falsidade dessa proposição.
Como é evidente, uma pergunta não pode ser verdadeira nem falsa. E uma exclamação
também não pode ser verdadeira nem falsa; nem uma promessa ou uma ordem. Uma
promessa, por exemplo, pode ser cumprida ou não, e pode ser feita com a intenção de a
cumprir ou não; mas não pode ser verdadeira nem falsa. Só as frases declarativas podem
exprimir proposições.
Não faz sentido dizer que a exclamação «Quem me dera ir a Marte!» é falsa ou
verdadeira, mas faz sentido perguntar se a frase declarativa «Há gelo em Marte» é
verdadeira ou falsa.
E o que é uma frase?
� Uma frase é uma sequência de palavras que podemos usar para fazer uma asserção
ou uma pergunta, dar uma ordem ou exprimir um desejo.
Assim, as seguintes sequências de palavras são frases:
 Está a chover.
 Emprestas-me o teu carro?
 Se não me devolveres a carteira, vou à Polícia.
Mas as seguintes sequências de palavras não são frases:
 Se vieres comigo.
 Ou te calas ou.
 Verde se pimenta ou caderno não.
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Argumentos, premissas e conclusões
Para compreender o que é um argumento vamos começar por ver o seguinte exemplo:
João — Este quadro é horrível! É só traços e cores! Até eu fazia isto!
Adriana — Concordo que não é muito bonito, mas nem toda a arte tem de ser bela.
João — Não sei… por que razão dizes isso?
Adriana — Porque nem tudo o que os artistas fazem é belo.
João — E depois? É claro que nem tudo o que os artistas fazem é belo, mas daí não se
segue nada.
Adriana — Claro que se segue! Dado que tudo o que os artistas fazem é arte, segue-se
que nem toda a arte tem de ser bela.
A Adriana está a argumentar que nem toda a arte é bela. Estamos perante um argumento
sempre que alguém apresenta um conjunto de razões a favor de uma ideia.
� Um argumento é um conjunto de proposições em que se pretende que uma delas (a
conclusão) seja apoiada pelas outras (as premissas).
O argumento da Adriana percebe-se melhor se o escrevermos assim:
Premissa 1: Nem tudo o que os artistas fazem é belo.
Premissa 2: Tudo o que os artistas fazem é arte.
Conclusão: Nem toda a arte é bela.
O argumento da Adriana tem duas premissas e uma conclusão. Mas os argumentos
podem ter apenas uma premissa, ou mais de duas; contudo, só podem ter uma
conclusão.
� Uma premissa é uma proposição usada num argumento para defender uma
conclusão.
� Uma conclusão é a proposição que se defende, num argumento, recorrendo a
premissas.
Um argumento é um conjunto de proposições. Mas nem todos os conjuntos de
proposições são argumentos. Para que um conjunto de proposições seja um argumento é
necessário que essas proposições tenham uma certa estrutura: é necessário que uma
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delas exprima a ideia que se quer defender (a conclusão), e que a outra ou outras sejam
apresentadas como razões a favor dessa ideia (a premissa ou premissas).
Se nos limitarmos a apresentar ideias, sem as razões que as apoiam, não estamos a
apresentar argumentos a favor das nossas ideias. E se não apresentarmos argumentos, as
outras pessoas não terão qualquer razão para aceitar as nossas ideias. Argumentar é
entrar em diálogo com os outros.
Um raciocínio ou uma inferência é um argumento. Raciocinar ou inferir é retirar
conclusões de premissas.
Validade dedutiva e forma lógica
A distinção validade-verdade
Em lógica e filosofia chama-se válido a um argumento correto, independentemente de
as suas premissas serem verdadeiras ou falsas. O termo «validade» não se aplica a
proposições. E os argumentos não podem ser verdadeiros nem falsos.
� Os argumentos podem ser válidos ou inválidos, mas não podem ser verdadeiros nem
falsos.
� As proposições podem ser verdadeiras ou falsas, mas não podem ser válidas nem
inválidas.
Este é um uso especializado da palavra «validade». Este uso da palavra, que se faz em
lógica e filosofia, é diferente do uso popular, que se faz no dia a dia. No dia a dia diz-se
que uma proposição é válida querendo dizer que é interessante ou verdadeira. E diz-se
que um argumento é verdadeiro quando é correto. Mas este uso tem de ser abandonado
em filosofia e lógica, porque confunde duas coisas muito diferentes: a validade e a
verdade.
Como vimos, as premissas e a conclusão dos argumentos são proposições.
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Portanto, os argumentos contêm proposições, e as proposições podem ser verdadeiras
ou falsas. Mas isto é diferente de dizer que o próprio argumento é verdadeiro ou falso.
Um argumento não pode ser verdadeiro nem falso.
Do facto de um argumento ser um conjunto de proposições não se segue que o próprio
argumento é uma proposição. Um conjunto de pessoas não é uma pessoa.
Os argumentos não podem ser verdadeiros nem falsos porque não são proposições; e
não são proposições porque nada afirmam sobre a realidade.
Um argumento limita-se a estabelecer uma relação entre proposições que afirmam
coisas sobre a realidade.
Não é necessário definir a noção de verdade. A noção normal, que usamos no dia a dia,
é suficiente.
Uma afirmação como «Só a ciência produz conhecimento» só é verdadeira se só a
ciência produz conhecimento; uma afirmação como «É errado torturar crianças
inocentes por prazer» só é verdadeira se é errado torturar crianças inocentes por prazer.
A verdade e a falsidade aplicam-se a proposições, consoante as proposições representam
corretamente ou não a realidade.
Mas temos de definir a validade, pois trata-se de uma noção central da lógica, e uma
noção especializada, diferente do uso normal da palavra. A validade de um argumento
refere-se a um certo aspeto da correção do argumento. Há dois tipos de validade: a
dedutiva e a não dedutiva. Para já, vamos falar apenas da validade dedutiva. A
validade não dedutiva será muito brevemente abordada. (VER ARGUMENTOS E
FALACIAS INFORMAIS)
Consideremos o seguinte argumento:
Platão e Sócrates eram gregos.
Logo, Platão era grego.
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Não é difícil ver que é impossível a premissa ser verdadeira e a conclusão falsa, ao
mesmo tempo. É isto que é a validade dedutiva.
� Um argumento dedutivo é inválido quando é possível que as suas premissas sejam
verdadeiras e a sua conclusão falsa.
� Num argumento dedutivamente válido é impossível as premissas serem verdadeiras
e a conclusão falsa.
Consideremos agora outro argumento:
Platão e Sócrates eram lisboetas.
Logo, Platão era lisboeta.
Este argumento também é dedutivamente válido. Não é difícil ver que é impossível a
premissa ser verdadeira e a conclusão falsa, ao mesmo tempo.
Mas é óbvio que tanto a premissa como a conclusão deste argumento são falsas. Isto
não contraria a definição de validade dedutiva. Pois desde que seja impossível que as
premissas de um argumento sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa, o argumento será
dedutivamente válido — mesmo que todas as suas premissas sejam falsas e mesmo que
a sua conclusão seja igualmente falsa.
Quando se diz que um argumento é dedutivamente válido estamos unicamente a excluir
a seguinte possibilidade: que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Isto é a
única coisa que não pode acontecer num argumento dedutivamente válido.
Se podemos ter argumentos dedutivamente válidos com conclusões falsas, qual é o
interesse da validade dedutiva? O interesse é que a validade dedutiva é um dos
elementos da argumentação dedutiva correta; sem esse elemento não há argumentação
dedutiva correta; mas, só por si, esse elemento é insuficiente para a argumentação
dedutiva correta.
Eis uma comparação útil: o processo de fazer um bolo, o modo como se misturam os
ingredientes, é importante para a qualidade do bolo. Mas só por si não chega, pois por
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melhor que se misturem os ingredientes, se estes forem de má qualidade, o bolo será
mau. Mas se os ingredientes forem bons e os misturarmos mal, o bolo será também
mau. Por isso, precisamos das duas coisas: bons ingredientes e bons processos de
confeção. Do mesmo modo, na argumentação tanto precisamos de premissas
verdadeiras como de validade:
� A validade de um argumento sem a verdade das suas premissas tem como resultado
um mau argumento.
� A verdade das premissas de um argumento sem a sua validade tem como resultado
um mau argumento.
O objetivo da argumentação é ter as duas coisas: validade e premissas verdadeiras. Mas
um argumento não deixa de ser válido por não ter premissas verdadeiras. Retomemos os
dois argumentos anteriores:
Platão e Sócrates eram gregos.
Logo, Platão era grego.
Platão e Sócrates eram lisboetas.
Logo, Platão era lisboeta.
O segundo argumento conclui falsamente que Platão era lisboeta e o primeiro conclui a
verdade; mas ambos são válidos. O problema do segundo argumento não é faltar-lhe a
validade; o que lhe falta é a solidez.
� Um argumento sólido é um argumento válido com premissas verdadeiras.
O segundo argumento não é sólido, dado que a sua premissa é falsa.
Quando um argumento não é sólido, ainda que seja válido, a sua conclusão tanto pode
ser verdadeira como falsa. Mas se um argumento for sólido, a sua conclusão é
verdadeira.
A validade é uma relação entre valores de verdade e a estrutura de um argumento. Se
um argumento tiver uma dada estrutura, será impossível ter premissas verdadeiras e
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conclusão falsa. Assim, a validade e a verdade são coisas diferentes, mas estão
relacionadas entre si.
Fala-se por vezes de dedução. Uma dedução é um argumento cuja validade pode ser
determinada à luz da validade dedutiva.
Em suma,
Forma lógica
Retomemos os dois argumentos apresentados na secção anterior:
Platão e Sócrates eram gregos.
Logo, Platão era grego.
Platão e Sócrates eram lisboetas.
Logo, Platão era lisboeta.
Como vimos, ambos os argumentos são válidos. Não é difícil ver que há algo de comum
aos dois argumentos. Na realidade, a única diferença é que o primeiro fala de gregos e o
segundo de lisboetas. À parte isso, são iguais.
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Além disso, não é difícil ver que tanto faz falar de gregos, lisboetas, franceses ou
qualquer outra coisa: o argumento que obtemos será sempre válido.
Platão e Sócrates eram ananases.
Logo, Platão era um ananás.
Por mais tolas que sejam a premissa e conclusão, o argumento é válido desde que tenha
uma certa estrutura ou padrão. Vamos descobrir que estrutura é essa.
É evidente que dizer «Platão e Sócrates eram gregos» é apenas uma forma abreviada e
mais elegante de dizer «Platão era grego e Sócrates era grego»:
Platão era grego e Sócrates era grego.
Logo, Platão era grego.
Não é difícil ver que não temos de estar a falar de Platão nem de Sócrates para o
argumento ser válido:
O João é alto e a Maria é baixa.
Logo, o João é alto.
Seja o que for que vem antes e depois do «e», se a conclusão repetir o que vem antes do
«e», o argumento é válido:
— e __.
Logo, —.
(Também não é difícil ver que se a conclusão repetir o que vem depois do «e», o
argumento será igualmente válido.)
Em vez de assinalarmos os lugares vazios com — e __ vamos usar letras do alfabeto:
P e Q,
Logo, P.
As letras maiúsculas P, Q, R, etc., representam lugares vazios que só podem ser
ocupados por proposições. Se P for a proposição expressa pela frase «Platão era grego»
e se Q for a proposição expressa pela frase «Sócrates era grego», obtemos o primeiro
argumento apresentado nesta secção.
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� Chama-se variável proposicional às letras P, Q, R, etc., que representam lugares
vazios que só podem ser ocupados por proposições.
Chegámos, assim, à estrutura relevante dos argumentos apresentados. A essa estrutura
ou padrão chama-se forma lógica. Independentemente de falarem de Platão e Sócrates,
de gregos ou lisboetas, de João e Maria, de ser alto ou baixo, todos os argumentos
apresentados são válidos porque todos têm a mesma forma lógica válida.
� A forma lógica é, aproximadamente, a estrutura de um argumento ou proposição
relevante para a validade dedutiva.
Na lógica formal estudam-se os argumentos cuja validade depende exclusivamente da
sua forma lógica; é por isso que se chama «formal». A lógica informal estuda
argumentos cuja validade não depende exclusivamente da sua forma lógica; é por isso
que se chama «informal».
Indicadores típicos de conclusão (tese a demonstrar no argumento):
 Logo
 Então
 Daí que
 Assim
 Portanto
 Por isso
 Segue-se que
 Por consequência
 Por conseguinte
 Infere-se que
 Consequentemente
 É por essa razão que
 Contudo
Indicadores típicos de premissa:
 Porque
 Pois
 Ora
 Se
 Uma vez que
 Posto que
 Visto que
 Tendo em conta que
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 Em virtude de
 Devido a
 Considerando que
 Dado que
 Por causa de
 Como
 A razão é que
Dedução e Indução
Dedução
� A dedução é uma operação mental pela qual se conclui de uma ou mais premissas,
tomadas como antecedente uma proposição que delas deriva necessariamente, em
virtude da observância de regras lógicas.
O valor da dedução esta em ser rigorosa, dado que para alem de obedecer a regras
formais, acaba por dizer na conclusão algo, cerca de alguns, que se encontrava já
presente em todos, ou seja, nas premissas. Contudo, a dedução apresenta a desvantagem
de não ampliar conhecimentos visto que aquilo que se afirma na conclusão estava já
implícito nas premissas.
Ex: Todos os jogadores de futebol são desportistas
Figo é jogador de futebol
Logo, Figo é desportista
(Parte do Geral para o Particular)
Indução
� A indução é a operação mental eu, partindo de um certo número de factos
particulares, conclui uma lei geral, aplicável a todos os casos da mesma espécie.
A indução, na medida em que parte de alguns casos particulares e chega a uma
conclusão aplicando a todos os casos, permite ampliar ou aumentar conhecimentos.
Apresenta porem a desvantagem de não ser rigorosa, possibilitando, nesse sentido, o
aparecimento de casos excecionais que ponham em causa a verdade da conclusão.
Ex: A Terra, Marte, Vénus, Saturno, Neptuno são planetas.
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A Terra, Marte, Vénus, Saturno, Neptuno não brilham com luz própria.
Logo, todos os planetas não brilham com luz própria.
(Parte do particular para o plural)
Definição dos conceitos nucleares
Argumento e proposição
Todos estes conceitos foram
abordados de forma geral ao
longo deste tema, tendo sido
definidos
Forma e conteúdo
Validade e verdade
Dedução e indução
III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia
1. Argumentação e lógica formal
1.2. Formas de interferência válida
Lógica Silogística (Aristotélica)
� A lógica aristotélica foi introduzida por Aristóteles (384-322 a. C.) e sistematizada na
Idade Média. A parte da lógica aristotélica que vou abordar é a lógica silogística, que se
ocupa apenas da validade dedutiva de um certo tipo de argumentos, os chamados
«silogismos».
As quatro formas lógicas: A, E, I, O
Na lógica aristotélica reconhecem-se apenas proposições que tenham uma de quatro
formas lógicas:
1. Todos os A são B.
2. Nenhum A é B.
3. Alguns A são B.
4. Alguns A não são B.
Estas proposições são classificadas como se segue:
 «Todos os A são B» são as de tipo A ou universais afirmativas.
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 «Nenhum A é B» são as de tipo E ou universais negativas.
 «Alguns A são B» são as de tipo I ou particulares afirmativas.
 «Alguns A não são B» são as de tipo O ou particulares negativas.
As proposições destes tipos incluem sempre dois termos. O termo sujeito é aquele que
ocupa o lugar de A. O termo predicado é aquele que ocupa o lugar de B. E diz-se que
um juízo é a atribuição de um termo predicado a um termo sujeito, segundo a estrutura
«S é P» (Sujeito é Predicado). Por exemplo, o termo sujeito em «Todos os animais são
seres vivos» é «animais» e o termo predicado é «seres vivos».
A classificação das proposições
� A classificação das proposições realiza-se tendo em conta dois fatores: a quantidade
e a qualidade. A quantidade refere-se à extensão do termo sujeito da proposição.
� A proposição é universal quando abrange a totalidade da extensão do termo sujeito.
Exemplos: Todos os lisboetas são portugueses. – Tipo A
Nenhum alentejano é lisboeta. – Tipo E
� Uma proposição é particular quando abrange apenas uma parte da extensão do termo
sujeito.
Exemplos: Alguns comerciantes são honestos. – Tipo I
Alguns alunos não são estudiosos. – Tipo O
� A qualidade de uma proposição refere-se ao seu caráter afirmativo ou negativo.
Afirmando, declara-se que determinado termo predicado se aplica a determinado termo
sujeito; negando, declara-se que determinado termo predicado não se aplica a
determinado termo sujeito. As proposições podem ser afirmativas (as de tipo A e de tipo
I) ou negativas (as de tipo E e de tipo O).
A forma canónica das proposições
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� Nem sempre as proposições aparecem na sua forma canónica. Por exemplo, a frase
«Há homens mortais» exprime uma proposição de tipo I, mas não está na forma
canónica. De modo a colocá-la na forma canónica das proposições de tipo I («Alguns A
são B»), teríamos de a exprimir através da frase «Alguns homens são mortais».
� A tabela que se segue mostra algumas formas de exprimir proposições de tipo A, E, I
O, indicando a sua transformação na forma canónica.
Teoria do silogismo
� Um silogismo é uma forma particular de raciocínio (argumento) dedutivo, constituída
por três proposições categóricas (que afirmar ou negam algo de forma absoluta e
incondicional): duas premissas e uma conclusão
Todos os portugueses são sábios.
Todos os minhotos são portugueses.
Logo, Todos os minhotos são sábios.
� Além de terem duas premissas e unicamente proposições de uma das quatro formas
silogísticas, os silogismos têm de obedecer a uma certa configuração:
 O termo maior é o termo predicado da conclusão e ocorre uma única vez na
primeira premissa (premissa maior).
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 O termo menor é o termo sujeito da conclusão e ocorre uma única vez na segunda
premissa (premissa menor).
 O termo médio é o termo que surge em ambas as premissas, mas não na conclusão.
Assim,
Premissa maior
Todo o homem é racional
Premissa menor
Nenhum animal é racional
Conclusão
Nenhum animal é homem
Termo Menor
Termo Médio
Termo Maior
Por exemplo, no argumento acima o termo maior é «sábios», o menor é «minhotos» e o
médio é «portugueses».
� Nem sempre os argumentos surgem na sua forma silogística (a que também se
chama «forma padrão»). Para colocar um argumento na forma silogística, é preciso
apresentar as premissas pela ordem correta. A premissa maior deve estar sempre acima
da premissa menor. O argumento «Não há filósofos dogmáticos, visto que qualquer
filósofo é crítico; mas nenhum dogmático é crítico» não se encontra na forma
silogística.
Na forma silogística este argumento teria de ser apresentado do seguinte modo:
Nenhum dogmático é crítico. (Premissa maior.)
Todos os filósofos são críticos. (Premissa menor.)
Logo, nenhum filósofo é dogmático. (Conclusão.)
� Os silogismos têm uma dada forma lógica. Para representar essa forma lógica, temos
de usar símbolos. Para compreendermos melhor a noção de forma lógica vamos
comparar dois silogismos:
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1.
2.
Todos os anfíbios são vertebrados.
Todos os portugueses são europeus.
Todas as rãs são anfíbios.
Todos os vimaranenses são portugueses.
Logo, todas as rãs são vertebrados.
Logo, todos vimaranenses são europeus.
� No que respeita ao conteúdo, estes silogismos em nada se assemelham, pois as
proposições que os constituem são acerca de assuntos completamente diferentes. Mas
têm exatamente a mesma forma lógica. Essa forma é a seguinte:
Todos os A são B.
Todos os C são A.
Logo, todos os C são B.
� Obteremos os argumentos 1 e 2 se substituirmos «A», «B» e «C» pelos termos
apropriados. É importante distinguir o conteúdo dos argumentos da sua forma lógica,
porque a validade dedutiva depende exclusivamente da forma lógica. Ou seja, para
determinar se um argumento é dedutivamente válido, podemos ignorar o seu conteúdo e
examinar apenas a sua forma. Os argumentos 1 e 2 têm uma forma silogística válida,
mas outros têm formas inválidas. Assim, podemos dizer o seguinte:
 A forma lógica de um argumento é a sua estrutura relevante para a validade
dedutiva.
Regras do silogismo válido
� Um silogismo é válido se, e apenas se, satisfaz todas as regras da validade silogística.
As regras da validade silogística distribuem-se por dois grupos: as regras para termos
(três regras) e as regras para proposições (quatro regras). Comecemos com as regras
para termos:
Regra 1: Um silogismo tem de ter exatamente três termos: termo maior, menor e
médio.
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Por vezes, um silogismo tem «disfarçadamente» mais de três termos, quando um dos
termos é ambíguo e está a ser usado com dois significados diferentes:
As margaridas são flores
Algumas mulheres são Margaridas.
Logo, algumas mulheres são flores.
� Neste caso, o termo «margaridas» é usado em dois sentidos diferentes (valendo por
dois termos): no sentido de nome de flor e de nome próprio de algumas mulheres.
Assim, o silogismo não é válido porque tem quatro e não três termos.
Regra 2: O termo médio tem de estar distribuído pelo menos uma vez.
 Um termo está distribuído quando refere todos os membros da classe.
� Por exemplo, na afirmação «todos os cães são carnívoros», o termo «cães» está
distribuído pois estamos a referir-nos a todos os cães. Mas o termo «carnívoros» não
está distribuído já que não estamos a referir-nos a todos os carnívoros. Podemos
concluir que nas proposições de tipo A o termo sujeito está distribuído mas o termo
predicado não.
Para sabermos se, numa das proposições reconhecidas pela lógica aristotélica, o termo
sujeito ou o termo predicado estão distribuídos basta reter o seguinte:
 O termo sujeito só está distribuído nas proposições universais.
 O termo predicado só está distribuído nas proposições negativas.
A distribuição dos termos pode representar-se na seguinte tabela:
Vejamos o seguinte exemplo:
Todos os romances são obras literárias.
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Todos os poemas são obras literárias.
Logo, todos os poemas são romances.
� Este silogismo é inválido, porque o termo médio «obras literárias», nunca está
distribuído, pois em ambas as premissas é predicado numa proposição de tipo A.
Regra 3: Se um termo ocorre distribuído na conclusão, tem de estar distribuído
nas premissas.
Os espanhóis são ibéricos.
Os portugueses não são espanhóis.
Logo, os portugueses não são ibéricos.
� O argumento anterior é um silogismo inválido porque o termo «ibéricos» está
distribuído na conclusão, mas não na premissa.
Consideremos agora as regras para as proposições:
Regra 4: Nenhuma conclusão se segue de duas premissas negativas.
Nenhum crocodilo tem guelras.
Nenhum crocodilo é um peixe.
Logo, alguns peixes não têm guelras.
� Este argumento é inválido porque tem duas premissas negativas.
Regra 5: Nenhuma conclusão se segue de duas premissas particulares.
Alguns jovens são homens.
Alguns jovens são mulheres.
Logo, algumas mulheres são homens.
� Este silogismo é inválido porque tem duas premissas particulares.
Regra 6: Se as duas premissas forem afirmativas, a conclusão não pode ser
negativa.
Todos os melros são animais.
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Alguns pássaros são melros.
Logo, alguns pássaros não são animais.
� Este argumento é inválido já que a conclusão é negativa, mas as premissas são
afirmativas.
Regra 7: A conclusão tem de seguir a parte ou premissa mais fraca. A parte mais
fraca é a negativa e/ou a particular. Se uma premissa for negativa, a conclusão tem
de ser negativa; se uma premissa for particular, a conclusão tem de ser particular.
Se houver uma premissa particular e outra negativa, a conclusão será particular e
negativa.
Todos os atenienses são gregos.
Alguns atenienses são filósofos.
Logo, todos os filósofos são gregos.
� Este silogismo é inválido porque a conclusão é universal, mas uma das premissas é
particular.
� Convém nunca esquecer que na lógica aristotélica não se pode usar classes vazias.
Assim, quaisquer argumentos que contenham termos como «lobisomens», «mulheres
com mais de 10 metros de altura», «marcianos», etc., não podem ser analisados
recorrendo à lógica aristotélica. Nos casos em que não sabemos se uma classe é vazia ou
não (como a classe dos extraterrestres inteligentes) também não podemos usar a lógica
aristotélica. Caso usemos classes vazias, a lógica aristotélica apresenta resultados
errados. Consideremos o seguinte silogismo:
Todos os portugueses são ibéricos.
Todos os marcianos são portugueses.
Logo, há marcianos ibéricos.
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� O silogismo anterior, válido segundo a teoria do silogismo, é de facto inválido. A
verdade da universal afirmativa «Todos os marcianos são portugueses» não nos obriga a
concluir que alguma vez tenham existido seres da classe dos marcianos. Deste modo,
temos um silogismo constituído por premissas verdadeiras e conclusão falsa – o que
contraria a noção de validade dedutiva.
Figuras do Silogismo
Silogismo da 1ª figura
O termo maior é sempre o predicado da premissa maior e da conclusão e o termo menor
é sujeito da premissa menor e da conclusão. O termo médio é o sujeito da premissa
maior e predicado da premissa menor.
Ex: Todo o homem é mortal – SUJEITO na premissa maior
Ora Sócrates é homem – PREDICADO na premissa menor
Logo, Sócrates é mortal.
Silogismo da 2ª figura
O termo médio é predicado em ambas as premissas.
Ex: Nenhum americano é europeu – PREDICADO na premissa maior
Todo o francês é europeu – PREDICADO na premissa menor
Nenhum francês é americano.
Silogismo da 3ª figura
O termo médio é sujeito em ambas as premissas.
Ex: Todo o filósofo é sábio – SUJEITO na premissa maior
Todo o filósofo é homem – SUJEITO na premissa menor
Algum homem é sábio.
Silogismo da 4ª figura
O termo médio é predicado da premissa maior e sujeito da menor.
Ex: Nenhum europeu é canadiano – PREDICADO na premissa maior
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Todo o canadiano é norte-americano – SUJEITO na premissa menor
Algum norte-americano não é europeu.
De forma mais fácil dos silogismos das figuras
Figuras segundo “SOFIA DANÇA COM ZE”
Premissa
M
M
S
M
M
]
M
Maior
[ Z
M
M
M
Premissa
Maior
1ª F.
2ª F.
3ª F.
4ª F.
� Subentenda-se que M é TERMO MÈDIO.
Formas válidas do silogismo
Esquema das figuras e modos validos do silogismo:
Formas válidas do silogismo
Modos
1ª
Figura
2ª
Figura
3ª
Figura
4ª
Figura
AAA
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AII
AEE
AAI
EAE
EIO
AOO EAE
EIO
AII
AAI AEE
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EAO EIO
IAI
EAO EIO
IAI
OAO
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III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia
1. Argumentação e lógica formal
1.3. Principais Falácias
Falácias silogísticas
� Uma falácia é um argumento mau que parece bom.
Existem quatro falácias associadas às regras de validade silogística para termos e
que são as seguintes:
1. Falácia dos quatro termos: falácia que ocorre quando um silogismo tem mais de
três termos, geralmente «disfarçadamente» (por exemplo, um dos termos é ambíguo).
2. Falácia do médio não distribuído: esta falácia ocorre num silogismo cujo termo
médio não está distribuído.
3. Falácia da ilícita maior: ocorre num silogismo quando o termo maior está
distribuído na conclusão mas não na premissa.
4. Falácia da ilícita menor: ocorre num silogismo quando o termo menor está
distribuído na conclusão mas não na premissa.
III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia
2. Argumentação e retórica
2.1. O domínio do discurso argumentativo: a procura de adesão do auditório
Demonstração e argumentação
Comparemos os seguintes argumentos:
1) Se o Mar Mediterrâneo for água, é H2O.
O Mar Mediterrâneo é água.
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Logo, é H2O.
2) Se os animais não têm deveres, não têm direitos.
Os animais não têm deveres.
Logo, não têm direitos.
Ambos os argumentos são dedutivamente válidos; logo, é impossível, em qualquer dos
casos, que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Contudo, as premissas dos dois argumentos são muito diferentes. No argumento 1, tratase de verdades estabelecidas, que ninguém põe em causa. Mas a primeira premissa do
argumento 2 é muitíssimo disputável. Até pode ser verdadeira, mas não é uma verdade
solidamente estabelecida e amplamente reconhecida como tal.
Aristóteles chama «demonstração» ao primeiro tipo de argumentos dedutivos, e
«dedução dialética» ao segundo:
Uma dedução é um argumento que, dadas certas coisas, algo além dessas coisas
necessariamente se segue delas. É uma demonstração quando as premissas das quais a
dedução parte são verdadeiras e primitivas, ou são tais que o nosso conhecimento delas
teve originalmente origem em premissas que são primitivas e verdadeiras; e é uma
dedução dialética se raciocina a partir de opiniões respeitáveis.
Aristóteles, Tópicos, p. 100a
� Uma demonstração é um argumento dedutivo válido cujas premissas são verdades
estabelecidas e indisputáveis.
� Uma dedução dialética é um argumento dedutivo válido cujas premissas são
plausíveis mas não são verdades estabelecidas e indisputáveis.
Quando temos uma demonstração, no sentido de Aristóteles, nada mais há para discutir:
a conclusão é «constringente», ou seja, estamos racionalmente constrangidos a aceitar
a conclusão.
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O mesmo não acontece no argumento 2. É perfeitamente racional não aceitar a
conclusão desse argumento — basta recusar a primeira premissa, que é muitíssimo
discutível, ainda que seja uma «opinião respeitável».
Claro que o ideal seria encontrar sempre premissas indisputáveis para os nossos
argumentos; mas isso nem sempre é possível. E quando não é possível, temos de nos
contentar com as premissas mais plausíveis, verosímeis ou preferíveis que
conseguirmos encontrar.
Isto, por sua vez, significa que esses argumentos não são conclusivos. É sempre
possível disputar racionalmente as conclusões de argumentos válidos baseados em
premissas meramente plausíveis — basta disputar pelo menos uma das premissas.
Por exemplo, uma pessoa poderia disputar o argumento 2 defendendo
(com outros argumentos) que a primeira premissa é falsa. A esta troca de argumentos
chama-se argumentação.
� A argumentação é uma sequência de argumentos.
Assim, a argumentação difere da demonstração, no sentido aristotélico.
Uma demonstração, neste sentido, é o ponto final da argumentação. Mas não podemos
esquecer que o que está demonstrado foi originalmente estabelecido por argumentação;
pura e simplesmente, essa argumentação foi conclusiva e chegou ao fim.
Em conclusão:
Argumentação
 Utiliza a retórica e a dialética;
 É pessoal, dirige-se a indivíduos para obter a sua adesão;
 É necessariamente situada, já que o orador depende do auditório;
 Persuadir outrem exige: reconhecê-lo como interlocutor, agir sobre ele
intelectualmente e não pela força, tem de ter em conta as reações para adaptar o
discurso;
 Não é um monólogo mas um diálogo;
 Pretende um efeito imediato ou, no mínimo, predispor a uma ação eventual;
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 Utiliza uma linguagem natural que pode levar a equívocos;
 Ao pretender a adesão a uma tese por parte do auditório, torna-se variável, daí que a
intensidade da adesão possa ser acrescida;
 O valor e a quantidade de uma argumentação não pode medir-se unicamente pelos
resultados, depende igualmente da qualidade do auditório que se ganha pelo
discurso.
Demonstração
 É um cálculo formal;
 Diz respeito à verdade de uma conclusão a partir das premissas com que
necessariamente se relaciona;
 A prova demonstrativa é impessoal;
 A sua validade depende das deduções efetuadas;
 É insulado do contexto;
 É impessoal
 Utiliza uma linguagem artificial;
 A sua linguagem, porque é formal, não conduz a equívocos;
 A verdade é uma propriedade da proposição e daí que não haja variação de
intensidade.
Nota: complementam-se no discurso argumentativo.
O auditório e as premissas
Vejamos o seguinte argumento:
Se o assassínio indiscriminado de inocentes for permissível, a vida não é sagrada.
Mas a vida é sagrada.
Logo, o assassínio indiscriminado de inocentes não é permissível.
Este é um argumento válido. Mas será sólido? Não sabemos, porque pelo menos a
segunda premissa é disputável. Imaginemos, contudo, que as premissas do argumento
são realmente verdadeiras, apesar de nós não o sabermos.
Será o argumento nesse caso bom? Não. O argumento não é bom porque não tem em
conta o estado cognitivo do auditório.
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� O auditório são as pessoas com quem estamos a falar, ou para quem estamos a
escrever.
� O estado cognitivo de um auditório é o conjunto de conhecimentos e crenças ou
convicções que o auditório tem.
O argumento não tem em conta o estado cognitivo do auditório porque a sua conclusão
é mais evidente e menos disputável, para qualquer pessoa, do que as suas premissas.
Mesmo partindo da hipótese de que as premissas do argumento são verdadeiras, o
argumento é mau porque as premissas não são mais plausíveis, seja para quem for, do
que a conclusão. Mesmo que sejamos religiosos e aceitemos as duas premissas, é
muitíssimo mais evidente que o assassínio indiscriminado de inocentes não é
permissível do que qualquer uma das premissas.
Diz-se, assim, que o argumento é fraco ou não é bom porque as suas premissas não são
mais evidentes ou mais plausíveis do que a sua conclusão.
� Um argumento bom ou forte é um argumento sólido cujas premissas são mais
plausíveis do que a sua conclusão.
� Um argumento mau ou fraco é um argumento que não é sólido ou cujas premissas
não são mais plausíveis do que a sua conclusão.
A força de um argumento válido é exatamente igual à plausibilidade da sua premissa
menos plausível. Argumentar bem implica descobrir bons argumentos a favor de uma
ideia baseados em premissas que quem é contra essa ideia está disposto a aceitar.
Alguns argumentos são maus ou bons para quaisquer pessoas, como o argumento
acima. Mas outros argumentos poderão ser bons para certas pessoas e maus para outras.
� A plausibilidade das proposições é relativa ao estado cognitivo dos auditórios.
Por exemplo:
Se o Papa defende que não devemos tomar a pílula, não devemos tomar a pílula.
O Papa defende que não devemos tomar a pílula.
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Logo, não devemos tomar a pílula.
A segunda premissa é uma verdade estabelecida. Mas a primeira é disputável.
� Contudo, para um católico este argumento é bom, desde que ele aceite a primeira
premissa e a ache mais plausível do que a conclusão. Mas para uma pessoa que não
partilhe as suas crenças religiosas, o argumento é fraco, pois essa pessoa não aceita a
primeira premissa (apesar de ser possível que essa premissa seja verdadeira, sem que ela
o saiba).
� A solidez de um argumento é independente do estado cognitivo do auditório; nem a
validade nem a verdade dependem do que as pessoas pensam. Mas a força ou
plausibilidade de um argumento é relativa aos estados cognitivos das pessoas: depende
do que as pessoas pensam que é verdade, aceitável ou plausível.
� A um argumento fraco chama-se também «inferência não informativa» ou «inferência
irrelevante». Assim, uma inferência como «Está a chover; logo, está a chover», apesar
de válida, não é informativa. E uma inferência que parte de proposições menos
plausíveis do que a conclusão é irrelevante.
Em conclusão:
Lógica Formal/Dedutiva/Demonstrativa:
- Objetivo: estudo da validade dos argumentos segundo a sua forma;
- Distingue argumentos válidos de inválidos;
- Há uma relação de necessidade entre as premissas e conclusão. Se a forma do
argumento é válida e se as suas premissas são verdadeiras, a conclusão tem de ser
verdadeira;
- Um argumento sólido (válido com premissas verdadeiras) não pode ser refutado;
- O estudo da validade prescinde de referências ao conteúdo das proposições e ao
contexto da argumentação (na qual um orador tenta persuadir um auditório);
- Procura argumentos válidos, mas sobretudo sólidos (com premissas verdadeiras)
- As regras derivam de sistemas formais.
Lógica Informal/Indutiva/Argumentativa:
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- Objetivo: estudo dos argumentos fortes (argumentos que, apesar de inválidos, dão
algum sustento à conclusão) e dos seus graus;
- Distingue graus de força dos argumentos;
- Um argumento forte com premissas verdadeiras justifica, mas não garante a verdade
da conclusão;
- A conclusão do argumento forte é apenas provável ou plausível. Está sempre aberta a
possibilidade de ser refutada;
- O estudo da força dos argumentos não prescinde de referências ao conteúdo das
proposições e ao contexto da argumentação (em que um orador tenta persuadir um
auditório);
- Procura a adesão do auditório, mas sobretudo no discurso argumentativo filosófico,
preocupa-se com a questão da verdade para lá da adesão;
- As regras não derivam de sistemas formais e pode haver argumentos com a mesma
forma e graus de força diferentes.
Ethos, pathos e logos
� Na sua obra sobre a retórica, Aristóteles distinguiu três formas de argumentação:
1. A argumentação baseada no caráter (ethos) do orador; (ligação ao auditório)
O orador deve ser uma pessoa:
Não basta uma pessoa possuir
 Integra
estas características, mas deve
 Honesta
mostrar que as possui.
 Responsável
� Para conquistar a confiança do publico e, consequentemente, obter a crença do
público no seu discurso.
� Segundo Aristóteles, o orador necessita de dar a impressão de uma pessoa que integra
3 características essenciais:
Racionalidade – pois só uma pessoa de raciocínio desenvolvido é capaz de descobrir
soluções ideais para os problemas dos cidadãos;
Junho 2007
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Excelência e benevolência – estas devem associar-se à razão para mostrar que o orador
não deturpa os acontecimentos, não tem ideias reservadas ou segundas intenções, nem
se dispõe a enganar os ouvintes.
2. A argumentação baseada no estado emocional (pathos) do auditório; (ligação ao
auditório)
� Refere-se às emoções despertadas nos ouvintes, pelo orador.
� É o modo como o orador provoca a adesão (entoação, repetições, figuras de estilo,
gestos, questões para refletir, suspensões frásicas…)
3. A argumentação baseada no argumento (logos) propriamente dito.(elemento mais
racional)
� Refere-se àquilo que é dito, ao discurso argumentativo, aos argumentos que o orador
utiliza na defesa das opiniões.
� É o aspeto mais desenvolvido por Aristóteles (segundo ele, é o que deve prevalecer
num discurso).
Eis como Aristóteles explica esta distinção:
Os argumentos convincentes fornecidos através do discurso são de três espécies: 1)
Alguns fundam-se no caráter de quem fala; 2) alguns, na condição de quem ouve; 3)
alguns, no próprio discurso, através de prova ou aparência de prova.
Os argumentos são abonados pelo caráter sempre que o discurso é apresentado de forma
a fazer quem fala merecer a nossa confiança. Pois temos mais confiança, e temo-la com
maior prontidão, em pessoas decentes[…] Isto, contudo, tem de resultar do próprio
discurso, e não das perspetivas prévias do auditório quanto ao caráter do orador. A
convicção é assegurada através dos ouvintes sempre que o discurso desperta neles
alguma emoção. Pois não damos os mesmos veredictos quando sentimos angústia e
quando sentimos alegria, ou quando estamos numa disposição favorável e numa
disposição hostil […].As pessoas são convencidas pelo próprio discurso sempre que
provamos o que é verdade ou parece verdade a partir de seja o que for que é
convincente em cada tópico.
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Aristóteles, Retórica, p. 1356a
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III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia
2. Argumentação e retórica
2.2. O discurso argumentativo: principais tipos de argumentos e falácias informais
Argumentos e falácias informais
� A diferença fundamental entre os argumentos informais e os formais é esta: nos
argumentos formais, a validade depende exclusivamente da sua forma lógica, ao passo
que nos informais a sua validade não depende exclusivamente da sua forma lógica.
Fala-se por vezes de argumentos dedutivos ou de dedução e de argumentos não
dedutivos (que incluem a indução). No Capítulo “Distinção validade/verdade”
estudámos alguns tipos de argumentos dedutivos formais.
� A diferença fundamental entre os argumentos dedutivos e os não dedutivos é a
seguinte: Num argumento dedutivo válido é impossível as suas premissas serem
verdadeiras e a sua conclusão falsa. Mas nos argumentos não dedutivos válidos não é
impossíveis as suas premissas serem verdadeiras e a sua conclusão falsa; é apenas muito
improvável.
� Assim, um argumento dedutivo válido com premissas verdadeiras garante a verdade
da sua conclusão. Mas um argumento não dedutivo válido com premissas verdadeiras
torna provável, mas não garante, a verdade da sua conclusão.
� Todos os argumentos não dedutivos são informais.
� Alguns argumentos dedutivos são informais, mas outros são formais. Os argumentos
dedutivos que estudámos no Capítulo “Distinção validade/verdade” são formais.
Argumentos não dedutivos
� Vamos estudar brevemente os seguintes tipos de argumentos não dedutivos:
1. Induções;
2. Argumentos por analogia;
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3. Argumentos de autoridade.
� Geralmente usa-se o termo «indução» para falar de dois tipos diferentes de
argumentos: as generalizações e as previsões. Uma generalização é um argumento do
seguinte género:
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, todos os corvos são pretos.
� Para que uma generalização seja válida tem de obedecer a algumas regras. Por
exemplo, os casos em que se baseia têm de ser representativos e não pode haver
contraexemplos. Defender que todos os portugueses vão regularmente ao cinema porque
os meus amigos vão regularmente ao cinema viola estas duas regras: os meus amigos
não são representativos dos portugueses em geral e há portugueses que não gostam de
cinema. A falácia da generalização precipitada ocorre quando os casos em que nos
apoiamos não são representativos.
� Numa previsão as premissas baseiam-se no passado e a conclusão é um caso
particular. Por exemplo:
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, o próximo corvo que observarmos será preto.
� Num argumento por analogia pretende-se concluir que algo é de certo modo porque
esse algo é análogo a outra coisa que é desse modo. Por exemplo:
Os filósofos são como os cientistas.
Os cientistas procuram compreender melhor o mundo.
Logo, os filósofos procuram compreender melhor o mundo.
� Não se deve confundir os argumentos por analogia com as analogias propriamente
ditas. Uma analogia é apenas uma semelhança entre coisas; os argumentos por analogia
baseiam-se nesta desejada semelhança, mas não são, eles mesmos, analogias. Como se
pode ver, nos argumentos por analogia uma das premissas é uma analogia.
Vejamos outro argumento por analogia:
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-Hugo Araújo-
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Filosofia 10º/ 11º anos
O mundo é como uma casa.
Todas as casas têm um arquiteto.
Logo, o mundo também tem um Arquiteto — Deus.
� Este argumento é problemático, pois a analogia entre casas e o mundo não é mais
plausível do que a própria conclusão. Um argumento por analogia tem de se basear
numa analogia mais plausível do que a hipótese de a conclusão ser verdadeira. Contestase um argumento por analogia tentando mostrar que há diferenças entre as duas coisas
comparadas que derrotam a conclusão.
� A falácia da falsa analogia ocorre quando há diferenças entre as duas coisas
comparadas que derrotam a conclusão.
� Num argumento de autoridade usa-se a opinião de um especialista, como no
exemplo seguinte:
Hegel disse que a realidade é espiritual.
Logo, a realidade é espiritual.
� Para que um argumento de autoridade seja bom é necessário que o especialista ou
especialistas invocados sejam realmente especialistas da matéria em causa e que os
outros especialistas não discordem dele. Por isso, em filosofia os argumentos de
autoridade são quase sempre falaciosos, dado que os filósofos discordam quase sempre
uns dos outros relativamente a questões substanciais. Só podemos usar argumentos de
autoridade em filosofia caso os outros filósofos, quanto à questão em causa, não
discordem do filósofo que estamos a invocar.
� Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram
explicitamente apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso
pensamento é uma parte importante da discussão filosófica.
Em conclusão:
Diferença fundamental entre os argumentos formais e informais:
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Filosofia 10º/ 11º anos
Nos argumentos formais, a validade depende exclusivamente da sua forma lógica,
enquanto que nos argumentos informais a sua validade não depende exclusivamente da
sua forma.
Dedução/Indução:
Dedução e indução são procedimentos racionais que nos levam do já conhecido ao
ainda não conhecido, isto é, permitem que adquiramos conhecimentos novos graças a
conhecimentos já adquiridos.
Dedução:
- raciocínio com base formal que, se for válido, o é pela sua forma, e se as suas
premissas forem verdadeiras, a conclusão também o é necessariamente, porque esta se
segue necessariamente delas
- parte-se de uma verdade já conhecida para demonstrar que ela se aplica a todos os
casos particulares iguais. Por isso também se diz que a dedução vai do geral ao
particular ou do universal ao individual
- ponto de partida: ideia verdadeira ou teoria verdadeira
- costuma-se representar a dedução pela seguinte fórmula:
Todos os A são B (definição ou teoria geral);
x é A (caso particular);
Portanto, x é B (dedução).
Ex.:
Todos os homens (A) são mortais (B);
Sócrates (x) é homem (A);
Portanto, Sócrates (x) é mortal (B).
- A razão oferece regras especiais para realizar uma dedução e, se tais regras não forem
respeitadas, a dedução será considerada inválida.
Indução:
- raciocínio lógica e formalmente inválido (sendo a sua fundamentação um problema
clássico da filosofia)
- partimos de casos particulares iguais ou semelhantes e procuramos a lei geral, a
definição geral ou a teoria geral que explica e subordina todos esses casos particulares.
- a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão, mas tão só esta pode ser
dita provável ou plausível
- a sua aceitação depende do grau de força do argumento
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Filosofia 10º/ 11º anos
- pode haver argumentos com formas idênticas e força argumentativa diferente
Ex.:
1 – Todos os cães que eu vi são mamíferos.
Logo, todos os cães são mamíferos.
2 – Todos os cães que eu vi foi em Portugal.
Logo, todos os cães estão em Portugal.
- pode ter premissas singulares, particulares (“Alguns”) ou gerais (“Todos”)
- o âmbito e extensão da conclusão é sempre maior que o das premissas
- pode ser encarado de duas perspetivas: generalização e previsão
- a razão também oferece um conjunto de regras precisas para guiar a indução; se tais
regras não forem respeitadas, a indução será considerada falsa.
Generalização:
Consiste em atribuir a todos os casos possíveis de certo tipo aquilo que se verificou em
alguns casos desse tipo. A generalização justifica, portanto, uma conclusão universal a
partir de premissas menos gerais. As premissas são menos abrangentes que a conclusão.
Ex.:
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, todos os corvos são pretos.
A generalização não garante a verdade da conclusão, pois a conclusão é mais geral do
que a premissa. Só podemos considerá-la muito provável.
Regras:
 A amostra deve ser relevante.
 A relação entre o conteúdo das premissas e o conteúdo da conclusão deve ser
representativa de toda a classe.
- a amostra deve representar toda a classe e não apenas algumas das suas espécies
- a conclusão não pode esquecer aspetos significativos e já conhecidos da classe
 A amostra deve ser ampla.
- Quanto maior for a amostra observada, mais forte o argumento será
 Não omitir informação relevante
- Um argumento, mesmo sendo baseado numa amostra grande e relevante, será mau
se omitir informação relevante.
Consequências:
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Filosofia 10º/ 11º anos
 Devemos avaliar uma generalização, tendo em conta o conjunto do nosso
conhecimento.
 A generalização deve ser rejeitada se já forem conhecidos contraexemplos
Falácias:
 Falácia da generalização precipitada ou amostra insuficiente:
Ocorre quando os casos em que nos apoiamos não são representativos, ou seja, baseiase num número muito limitado de casos.
É uma violação da regra: a amostra deve ser ampla
 Falácia da amostra tendenciosa:
Uma amostra é tendenciosa ou parcial e, por isso, de fraca relevância, se não abranger
as variedades de objetos ou situações a que se aplica a sua conclusão.
Mesmo sendo muito grande, uma amostra pode ser tendenciosa ou parcial.
Previsão:
As premissas baseiam-se no passado e a conclusão é um caso particular.
Ex.:
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, o próximo corvo que observarmos será preto.
Diferença fundamental entre os argumentos dedutivos e não dedutivos:
Num argumento dedutivo válido é impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e
a conclusão falsa. Num argumento não dedutivo válido não é impossível que as suas
premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa; é apenas muito improvável. Assim, um
argumento dedutivo válido com premissas verdadeiras garante a verdade da sua
conclusão, enquanto que um argumento não dedutivo válido com premissas verdadeiras
torna provável, mas não garante, a verdade da sua conclusão. Todos os argumentos não
dedutivos são informais.
Algumas falácias informais
� As falácias formais são erros de raciocínio que resultam exclusivamente da forma
lógica. As falácias informais são erros de raciocínio que não resultam exclusivamente
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da forma lógica. O número de falácias informais é muito elevado. Vamos estudar
brevemente algumas das mais comuns.
� A falácia do falso dilema está associada a argumentos baseados em disjunções
(afirmações da forma «P ou Q»). Por exemplo:
As verdades são relativas ou absolutas.
É falso que sejam absolutas.
Logo, são relativas.
Este argumento é dedutivamente válido, mas esconde uma falácia: a primeira premissa é
um falso dilema, pois não esgota todas as possibilidades.
Sem dúvida que além de as verdades serem relativas ou absolutas há outras
possibilidades: talvez algumas verdades sejam relativas e outras não.
� A falácia do apelo à ignorância ocorre sempre que confundimos as coisas e
pensamos que a inexistência de prova é prova de inexistência:
Nunca ninguém provou que há extraterrestres.
Logo, não há extraterrestres.
Como é evidente, do facto de nunca se ter provado que há extraterrestres nada se segue:
não se segue que há nem que não há extraterrestres. Uma forma menos óbvia de
cometer esta falácia é a seguinte:
Os filósofos nunca conseguiram provar que Deus existe nem que não existe.
Logo, não se pode provar que Deus existe nem que não existe.
Devia ser óbvio que se trata de uma falácia. Na véspera da descoberta da cura da
tuberculose as pessoas também poderiam ter dito que era impossível curar a
tuberculose, com o mesmo tipo de argumento. Poderão existir outros argumentos a
favor da ideia de que é impossível provar que Deus existe ou que não existe. Mas este é
falacioso.
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Filosofia 10º/ 11º anos
� A falácia da petição de princípio ocorre sempre que se admite nas premissas o que
se deseja concluir. O caso mais óbvio é a mera repetição:
Deus existe.
Logo, Deus existe.
Este tipo de argumento é sempre falacioso, apesar de dedutivamente válido, dado que a
premissa nunca é mais plausível do que a conclusão.
Normalmente, esta falácia não é formulada de forma tão evidente. Em vez disso, a
premissa falaciosa surge disfarçada com variações gramaticais da conclusão ou
misturada com outras premissas:
Tudo o que a Bíblia diz é verdade porque a
Bíblia foi escrita por Deus.
A Bíblia diz que Deus existe.
Logo, Deus existe.
Chama-se também «raciocínio circular» à petição de princípio.
� A falácia de apelo à força, é o argumento que recorre a forças de ameaça como meio
de fazer aceitar uma afirmação:
Quando as autoridades de trânsito depois de terem esgotado os demais recursos
persuasivos para levar os condutores a não ultrapassarem os limites de velocidade
estabelecidos, lhes recordam que as multas a pagar pelas infrações são elevadas. (ex:
opressão psicológica, ameaças)
� A falácia do apelo à misericórdia (argumentum ad misercordiam) consiste
habitualmente em tentar convencer alguém a fazer algo com base no estado lastimoso
do autor do argumento. O argumento é falacioso quando o estado lastimoso do autor do
argumento não tem qualquer relevância relativamente ao que está em causa. Por
exemplo:
Eu estudei desalmadamente durante as duas últimas semanas.
Logo, o professor deve dar-me uma boa nota.
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Filosofia 10º/ 11º anos
Este argumento é um apelo ilegítimo à misericórdia porque as notas são atribuídas não
em função do esforço do estudante mas sim dos resultados, tal como numa prova
desportiva.
� A falácia de ad hominem é uma falácia contra a pessoa, sendo o argumento que
pretende mostrar que uma afirmação é falsa atacando e desacreditando a pessoa que a
emite.
O Roberto disse que amanhã não há aulas, mas de certeza que há porque ele é mal
criado e um grande preguiçoso.
� A falácia Post hoc, consite em ver uma relação de sequencia causal (causa/efeito)
onde só existe uma relação temporal.
Francisco diz: - Acho que hoje me vai correr mal o teste de Filosofia.
Ana diz: - Porquê?
Francisco diz: - Porque fui ao futebol e o meu clube perder.
III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia
3. Argumentação e Filosofia
3.1. Filosofia, retórica e democracia
A Pólis grega
� A Grécia antiga possuía um regime político em que o governo e a administração
pública se encontravam nas mãos dos cidadãos. No entanto, o conceito de cidadão não
era tão vasto como hoje em dia, sendo que apenas um décimo da população era
considerado cidadão. Para se obter o estatuto de cidadão não se podia ser mulher,
escravo ou meteco, e tinha que se obedecer a um conjunto de regras.
Nessa sociedade fazer parte da vida política era uma espécie de obrigação para qualquer
cidadão. Todos os cidadãos reuniam-se em assembleia popular para decidirem por eles
mesmos os assuntos públicos. A retórica era assim um instrumento fundamental na
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democracia negra, na medida em que permitia aos cidadãos apresentarem, esclarecer e
resolver os problemas.
A democracia grega apresenta-se como uma base para as democracias atuais, embora
com algumas diferenças significativas. Podemos assim estabelecer as igualdades e
diferenças destas duas democracias.
Ao contrário do que acontece atualmente:
 A democracia grega era uma democracia direta;
 Os escravos eram a base da economia e eram deixados à margem da vida político,
evitando-se assim antagonismos de classes;
 Não existia qualquer diferença entre governantes e governados;
 A vida pessoal dos cidadãos e a sua vida política estavam estritamente ligadas.
Tal como hoje em dia:
 A argumentação racional, logos, era a chave da autoridade, sendo que quem exercia
o poder político necessitava sempre apresentar razões aceitáveis;
 Existia uma relação intrínseca entre cidadania e participação,
 Havia a submissão à lei e não a uma pessoa;

Dava-se grande importância à educação cívica e solidariedade.
A disputa entre filósofos e retores
� Ao longo da história, a convivência entre retores e filósofos nem sempre foi fácil,
lutando ambos pela prioridade na formação dos cidadãos gregos.
A retórica foi descoberta pelos gregos como forma democrática de resolver os
problemas da cidade.
A via da filosofia
� Parménides e Platão tinham uma abordagem ontológica da retórica (ontos=ser).
Consideravam que a única via para a verdade era o ser.
Parménides segue a via abstrata da reflexão pura. Investe e confia no poder que a razão
tem de, por si só, especular e atingir a verdade das coisas.
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Indiferente à política, desvalorizava as opiniões humanas e ignorava a importância de se
chegar a consensos e o poder convincente da palavra.
A via da retórica
� Górgias e Demócrito, sofistas, tinham uma abordagem antropológica da retórica
(antrophos = homem). Consideravam que a única via para a verdade era a investigação
pela argumentação interpessoal.
Nesta altura a retórica é vista como uma prática ajustada às necessidades do tempo.
Os sofistas apareceram no final do séc. V a.C., numa época em que a vida democrática
reclamava a participação dos cidadãos que se mostrassem aptos a fazê-lo. Vinham de
vários pontos da Grécia ou até do estrangeiro, apresentando tendência para relativizar os
hábitos e instituições atenienses e para pôr em causa a autoridade das tradições
enraizadas.
� Os sofistas são pois um conjunto de livres-pensadores que se propõem a ensinar a
arte da política e as qualidades que os homens devem possuir para serem bons cidadãos.
Andam de cidade em cidade proporcionando aos jovens que desejam alargar os seus
horizontes intelectuais uma aprendizagem eficiente, habilitando-os para o ingresso na
vida política. Voltavam-se para a formação prática dos homens, tentando torná-los bons
cidadãos e políticos eficientes, ensinando temas relativos à moral, política, economia,
retórica e filosofia.
� Os sofistas põem de lado a procura da verdade em si mesma para insistirem na arte de
expor, argumentar e convencer. A verdade torna-se assim subjetiva e relativa a cada um.
A insistência neste subjetivismo e relativismo fomenta a liberdade intelectual que leva
as pessoas a questionar os conceitos e valores do passado e, simultaneamente, a
estabelecer novos tipos de crenças e ideais. A retórica apresenta-se assim como um
poderosa técnica de persuasão.
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No entanto, este reduzir o caráter absoluto e universal da verdade a meras opiniões
relativas, faz com que os sofistas comecem a ser expulsos do grupo dos filósofos.
Apesar de tudo, hoje em dia considera-se que o mérito dos sofistas reside na sua
reflexão centrada no homem, formação cultural do homem, vocação pedagógica,
radicalidade argumentativa, desenvolvimentos da eloquência e questionamento da
tradição.
A retórica, serva da filosofia
� Com Platão a retórica sujeita-se ao papel de escrava da filosofia. Este vê na retórica
uma forma de manipular as técnicas argumentativas, postas ao serviço de interesses
particulares, desrespeitando a verdade.
Platão opõe-se o verdadeiro conhecimento, procurado pelo filósofo, ao pseudo- saber da
retórica sofista, que através do recurso à lisonja da palavra, negligencia a verdade.
� Apesar de tudo, Platão serve-se da dialética, atribuindo-lhe efeitos persuasivos para
banir a contradição dos interlocutores, e da retórica, utilizando como método de
comunicação e explicação da verdade. A retórica platónica está assim ao serviço da
verdade e não das opiniões humanas, como a retórica sofista.
A retórica ao lado de outros saberes
� A retórica não é tida só como a arte de bem falar, mas também como a teoria dessa
mesma arte. Aristóteles classifica os saberes em t rês grupos, de acordo com a sua
finalidade:
 Ciências Teoréticas, saber explicar (atual conhecimento científico):
-Metafísica, Teologia, Física, Geometria e Astronomia
 Ciências Práticas, saber agir (atuais campos da ação humana):
-Ética, Economia e Política
 Ciências Poiéticas, saber fazer (ligados à produção e técnica):
-Poiética, Dialética, Retórica, Medicina, Música, Ginástica, Estatuária
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Filosofia 10º/ 11º anos
O conhecimento e explicação do mundo, e a ação ou prática humana têm métodos e
meios de prova específicos. Nas ciências teoréticas utiliza-se a intuição para a dedução
lógica de afirmações, e nas ciências práticas usa-se a retórica. Sendo assim, o campo da
ação não se pode reger por verdades científicas demonstráveis, recorrendo-se a
raciocínios dialéticos e discursos retóricos para se comprovarem as opiniões.
Retórica e oratória
� Após a morte de Platão e Aristóteles dá-se na Grécia uma decadência política e social
que se reflete na filosofia. Esta abandona os grandes problemas teóricos e passa a
centrar-se na reflexão sobre os problemas relativos ao bem-estar e felicidade das
pessoas.
� Com a decadência política e social dos gregos e a sua anexação ao Império Romano,
a retórica passa a ser cultivada como oratória, a arte de bem orar e discursar, sendo
utilizada pela sua organização formal e recursos estilísticos que embelezam o discurso.
� Esta orientação da retórica confere-lhe um sentido negativo, na medida em que o
discurso retórico prima pela beleza e forma em detrimento da riqueza do conteúdo.
Na idade moderna, com o privilégio do modelo demonstrativo lógico-matemático, há o
desprezo pelo que é tratado a nível das opiniões humanas.
Retórica e Democracia na atualidade
� Uma vez que na democracia todos os homens devem tomar parte ativa na resolução
dos problemas postos pela vida em comum, a argumentação é t ida como o processo
mais favorável à descoberta de soluções. A retórica torna-se num modelo de resolução
das questões prioritárias e a argumentação apresenta os seguintes aspetos formativo.
Repudia o dogmatismo, opõe-se à aceitação de verdades únicas, promove o exercício do
diálogo, valoriza a racionalidade inter subjetiva e instiga ao dever da participação.
Em conclusão:
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Filosofia 10º/ 11º anos
Há uma ligação natural entre o nascimento da filosofia e um clima social e político que
favorecia a discussão pública de ideias. Contudo, ao longo da história, tanto a filosofia
como as ciências foram cultivadas em regimes contrários à liberdade de estudo e
pensamento.
� Os especialistas em retórica, os retóricos ou retores, eram professores que ensinavam
os jovens gregos a discursar em público: formavam oradores.
Platão e Aristóteles acusavam os retóricos, a que chamavam sofistas, de desonestidade
intelectual.
Acusavam-nos de desprezar a razão e a ética, ensinando a manipular a opinião pública
consoante fosse mais conveniente.
III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia
3. Argumentação e Filosofia
3.2. Persuasão e manipulação ou os dois usos da retórica
Persuasão e Manipulação ou os dois usos da retórica
� A retórica pode ser utilizada devida ou indevidamente, sendo considerados o bom e o
mau uso da retórica.
� O bom uso da retórica consiste em permitir ao auditório decidir por ele mesmo de um
modo consciente e crítico. Está relacionado com a persuasão.
� O mau uso da retórica é quando o auditório não é deixado a decidir livremente, mas
sim em função dos interesses do orador. Está relacionado com a manipulação.
Persuasão
� Persuadir consiste em convencer alguém a aceitar ou a decidir-se por algo sem que
isso implique a diminuição das suas aptidões cognitivas ou comportamentais. O
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Filosofia 10º/ 11º anos
objetivo da persuasão é apenas provocar a adesão, apelando a fatores racionais e
emocionais.
� Na persuasão pressupõe-se que quem é persuadido conhece o objeto sobre o qual
incide a argumentação, está a par de todas as soluções possíveis sobre as quais é
chamado a optar e está consciente das consequências positivas e negativas decorrentes
de cada uma das escolhas.
� A aceitação de uma doutrina passa, por vezes, não só por aquilo que consideramos
verdadeiro mas também pelo que é do nosso agrado. Para isso, o orador serve-se do
logos, ethos e pathos. Apoia-se na força dos seus argumentos logos, na credibilidade da
sua pessoa ethos, e nos sentimentos que desperta ao auditório pathos.
� O fenómeno da persuasão dá-se por 6 etapas, que no seu conjunto formam um todo
indivisível:
Receção e compreensão da mensagem:
1. Exposição à mensagem: é necessário que a pessoa tenha contacto com a mensagem,
que pode ser apresentada numa conferência, revista,
televisão,...
2. Atenção à mensagem: a atenção é seletiva. Não basta ser exposto à mensagem para
que ele capte a nossa atenção.
3. Compreensão da mensagem: cada pessoa extrai e constrói significações da mensagem
que lhe são próprias.
4. Aceitação ou rejeição: a pessoa elabora um juízo em termos de acordo ou desacordo
com as propostas e, eventualmente, pode mudar de atitude.
Aceitação da mensagem:
5. Persistência da mudança: Se a mensagem provocar uma nova atitude esta deve
permanecer, para que se verifique se se efetuou realmente a persuasão.
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6. Ação: a nova atitude concretiza-se através de novos comportamentos baseados na
nova opinião.
Manipulação
� Manipular é o uso indevido da argumentação com o intuito de levar os interlocutores
a aderir involuntariamente às propostas do orador. Na manipulação existe uma intenção
deliberada de desvalorizar os fatores racionais, apelando a uma adesão emocional. O
próprio discurso é baseado em falácias, onde é patente a intenção de confundir o
auditório.
� Do ponto de vista filosófico, manipular corresponde ao uso abusivo da retórica, onde
o orador, munido de ideia que não apresenta a discussão, concentra os seus esforços no
desenvolvimento de técnicas adequadas à sua imposição. Faz dos seus pontos de vista
autênticos dogmas.
� A relação entre o orador e o auditório não é de igualdade mas sim de domínio.
� Para melhor perceber a manipulação há que definir corretamente os conceitos de
erro, mentira e engano:
Erro: o erro é factual. Errar é dizer uma falsidade sem se ter consciência disso, é estarse convencido de que a nossa afirmação é verdadeira. Deve-se ao desconhecimento ou
incapacidade, mas não nunca a má-fé. Não constitui assim manipulação.
Mentira: a mentira é psicológica. Mentir consiste em dizer uma falsidade com intenção
de tal. Implica má-fé e é uma tentativa de manipulação.
Engano: o engano é psicológico e factual. Enganar pressupõe mentir e que essa mentira
seja aceite pelo auditório, ou seja, ele adire à falsidade apresentada. O engano já
pressupõe manipulação.
Princípios éticos da retórica
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� A participação correta na atividade argumentativa pressupõe que se age de boa fé.
Para isso deve respeitar-se certos princípios que foram sendo enunciados por diversos
filósofos ao longo da história:
Princípio da cooperação: todos os participantes devem comprometer-se a respeitar os
objetivos ou finalidades comuns do diálogo, evitando intervenções que se afastem dessa
direção.
Princípio da quantidade: todos devem contribuir com informações necessárias ao
andamento do diálogo, não omitindo possíveis informações úteis mas evitando a
apresentação de informações excessivas.
Princípio da qualidade: as informações apresentadas devem ser fundamentadas e os
participantes devem ser sinceros quanto aos argumentos que apresentam.
Princípio da precisão: nenhum interveniente pode distorcer as afirmações feitas pelos
outros, deformando-lhes o sentido.
Princípio da coerência: os participantes devem manter-se fiéis aos pontos de vista que
apresentam, rejeitando qualquer tipo de informações contraditórias.
Princípio do modo: os intervenientes devem expor claramente os seus pontos de vista,
evitando discursos ambíguos, longos e desordenados que confundam o que se pretende
dizer.
Princípio da livre expressão: os participantes não podem impedir a opinião ou o
questionamento de pontos de vista expressos por qualquer outro interveniente da
discussão.
Princípio da prova: todos os intervenientes são obrigados a fundamentar as afirmações
que fazem se isso assim lhes for exigido.
Em conclusão:
� Persuadir alguém é fazer essa pessoa mudar de ideias.
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� A persuasão irracional ou manipulação é um tipo de argumentação que viola a
autonomia das pessoas e procura impedi-las de pensar.
� A persuasão racional é um tipo de argumentação que respeita a autonomia das
pessoas e se dirige à sua inteligência.
Na persuasão irracional procura-se fechar o debate; por contraste, a persuasão racional é
um convite ao debate e à reflexão. Na persuasão racional argumentamos para chegar à
verdade das coisas, independentemente de saber quem «ganha» o debate; na persuasão
irracional discute-se para «ganhar» o debate, independentemente de saber de que lado
está a verdade.
III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia
3. Argumentação e Filosofia
3.3. Argumentação, verdade e ser
� Platão afirma que há dois usos distintos da retórica, um bom e um mau uso e se o
bom uso consiste em usar a capacidade persuasiva do discurso para dizer o que é
verdade. Temos que perguntar: o que é a verdade? Haverá uma verdade?
� São diferentes as perspetivas assumidas pelos sofistas e por Platão.
� O pressuposto de que Platão parte é que há de facto uma verdade e que ela é a
expressão de uma realidade imutável e perfeita – o mundo do ser – de que a realidade
que continuamente captamos através dos nossos sentidos e da experiência quotidiana é
apenas um reflexo ou uma cópia. Para Platão existe uma verdade universal e absoluta a
respeito de cada assunto, quando o nosso discurso traduz adequadamente essa realidade
ideal. Neste contexto a retórica só será legítima quando o orador colocar a sua
capacidade oratória ao serviço da descoberta e da partilha do conhecimento dessa
verdade universal.
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� Os sofistas, pelo contrário, partem do pressuposto de que, pelo menos no que se
refere aos valores morais e políticos, não existe “verdade” segura e unívoca; existem
unicamente opiniões e argumentos mais ou menos convincentes. Assim sendo, o dever e
direito de quem está convencido da qualidade da sua perspetiva são usar uma
argumentação convincente para conquistar a aceitação das outras pessoas. Para os
sofistas a “verdade filosófica” é múltipla pois, sendo humana nunca é certa senão para
aquele que a possui e enuncia e para os que nela acreditam.
� Estas questões da natureza da realidade e da possibilidade ou impossibilidade de a
conhecermos tal como ela é, tem interessado os filósofos desde os gregos e continua em
aberto e a suscitar inúmeras discussões e diferentes perspetivas de resposta. As questões
de saber o que é «verdade» ou o «conhecimento da realidade» não estão ainda
resolvidas e continuam a desafiar a capacidade racional e argumentativa dos filósofos e
de todos nós.
Se qualquer filósofo:
 Aspira a partilha a verdade em que acredita, a torná-la acessível e admitida pelas
outras pessoas, se possível por todos os seres humanos (auditório universal);
 Não pode impor as suas ideias aos outros nem pela força ou pela violência;
 Então ele não pode pôr de lado a retórica, pois o que ele pode fazer é por
interpretações, isto é, opiniões ou teses, e usar a argumentação para justificar essas
opiniões, procurando persuadir o seu auditório da verdade dessas teses ou, pelo
menos, da sua razoabilidade.
� A retórica é um instrumento indispensável para justificar as nossas opiniões e
permitir o esclarecimento mútuo das pessoas que honesta e sinceramente procuram a
verdade e o verdadeiro conhecimento da realidade ou do ser. Ela permitirá, a todos os
que possuem curiosidade e desejo de aceder à verdade, uma averiguação conjunta do
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conhecimento no pressuposto de que a verdade tem de ser reconhecida por todos
(universalmente) com base num acordo inter subjetivo.
� Claro que nada nos garante que a habilidade retórica não seja usada para manipular
e enganar. Porém, contra esse perigo, o melhor remédio é, justamente, a posse de um
apurado sentido crítico e de uma capacidade argumentativa que nos permita conhecer
os meios para nos defendermos de qualquer tipo de manipulação: “a capacidade de
decompor os raciocínios, analisar as intenções e o alcance dos discursos, ponderar a
pertinência dos argumentos, de modo a podermos assumir uma posição crítica,
esclarecida e ativa face seja a que discurso for”.
Em conclusão:
� Se o estudo for livre e as capacidades críticas das pessoas forem estimuladas e bemvindas, os argumentos falaciosos, por mais atraentes que sejam, acabarão por ser
denunciados, no processo de avaliação crítica de ideias.
� Se o estudo for iniciático, se os estudantes e os professores forem encorajados a
seguir Gurus e Mestres, mas não a pensar por si, quaisquer ideias serão aceites como
Verdades Absolutas, dado que ninguém terá coragem de as criticar — por mais que os
argumentos que as sustentam sejam maus.
IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica
1. Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva
1.1. Estrutura do ato de conhecer
Tipos de conhecimento
Que tipos de conhecimento há? Saber tocar piano, por exemplo, não é como saber que
os pianos têm teclas. Nesta secção, vamos distinguir alguns tipos de conhecimento.
Saber andar de bicicleta é diferente de saber que andar de bicicleta é saudável. Mas
existe algo em comum entre estes tipos de conhecimento: nos dois casos há um sujeito
(que conhece) e um objeto (o que é conhecido).
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Por exemplo:
a. O João sabe andar de bicicleta.
b. O João sabe que andar de bicicleta é saudável.
Ambas as frases exprimem uma relação de conhecimento entre o João e as coisas que
ele sabe. No primeiro caso, o objeto de conhecimento é andar de bicicleta; no segundo,
a ideia de que andar de bicicleta é saudável. Diz-se que o João é o sujeito do
conhecimento ou o agente cognitivo. Por vezes, o objeto e o sujeito de conhecimento
coincidem, pois o João também sabe que ele próprio existe, por exemplo, ou que se
chama «João».
Mas que tipo de coisas sabemos? Vejamos os seguintes exemplos:
1. O João sabe andar de bicicleta.
2. O João conhece Luís Figo.
Reparemos nos objetos do conhecimento do João. Em 1, o objeto do conhecimento é
uma atividade (andar de bicicleta). Este é o tipo de conhecimento a que os filósofos
chamam «saber-fazer».
Saber andar de bicicleta não é como conhecer Luís Figo. O objeto de conhecimento no
caso 2 é um objeto concreto (Luís Figo) e em 1 é uma atividade. Além disso, conhecer
Luís Figo é ter algum tipo de contacto direto com ele, conhecê-lo pessoalmente.
Podemos saber muitas coisas sobre Luís Figo, mas se não o conhecermos pessoalmente
não dizemos que o conhecemos. O mesmo acontece com o conhecimento de uma
cidade, por exemplo. Podemos saber muitas coisas sobre Paris, mas se nunca lá fomos,
não dizemos que conhecemos Paris. A este tipo de conhecimento que temos quando
conhecemos uma pessoa, uma cidade, etc., chama-se conhecimento por contacto.
Alguns filósofos, como Bertrand Russell, defendem que não conhecemos realmente
por contacto uma cidade ou uma pessoa, mas apenas as sensações que temos de uma
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cidade ou de uma pessoa. Contudo, hoje em dia, os filósofos usam a noção de
conhecimento por contacto num sentido menos restrito.
Vejamos mais alguns exemplos:
3. O João sabe que Luís Figo é um jogador de futebol.
4. O João sabe que Londres é uma cidade.
Os filósofos chamam «saber-que» ao tipo de conhecimento expresso em 3 e 4. No caso
do saber-fazer, o objeto do conhecimento é uma atividade. No caso do conhecimento
por contacto, o objeto é uma pessoa ou lugar (um objeto concreto). No caso do saberque, o objeto do conhecimento é uma proposição. Como vimos no uma proposição é
aquilo que é expresso por uma frase declarativa.
Quando dizemos que o João sabe que Londres é uma cidade, o que o João sabe é que a
proposição expressa pela frase que está depois da palavra «que» («Londres é uma
cidade») é verdadeira. Por outras palavras, saber que Londres é uma cidade ou que Luís
Figo é um jogador de futebol é saber que é verdade que Londres é uma cidade ou que
Luís Figo é um jogador de futebol.
A este tipo de conhecimento também se chama «conhecimento de verdades» ou
«conhecimento proposicional», pois o seu objeto é uma proposição verdadeira.
Praticamente tudo aquilo que aprendemos na escola é do tipo saber-que.
Aprendemos que qualquer número multiplicado por zero dá zero, que D. Afonso
Henriques foi o primeiro rei de Portugal, que o Sol é uma estrela, que Portugal fica no
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continente europeu, etc. Praticamente todo o nosso conhecimento científico, histórico,
matemático, literário, etc. é deste tipo.
Não é portanto de estranhar que os filósofos tenham centrado a sua atenção nesta noção
de conhecimento. Por este motivo, iremos também centrar a nossa atenção neste tipo de
conhecimento.
A definição de conhecimento
Conhecimento e crença
Para responder à questão de saber o que é o conhecimento temos de refletir sobre as
coisas que conhecemos para identificarmos o que há de comum entre elas. A primeira
coisa que podemos constatar é que o conhecimento é uma relação entre o sujeito do
conhecimento e o objeto do conhecimento.
Uma crença (ou convicção ou opinião) é também uma relação entre o sujeito que tem a
crença e o objeto dessa crença. Por «crença» os filósofos não querem dizer unicamente
a fé religiosa, mas sim qualquer tipo de convicção que uma pessoa possa ter. Por
exemplo, podemos acreditar que Aristóteles foi um filósofo, ou podemos acreditar que a
Terra é maior do que a Lua.
Dado que tanto a crença como o conhecimento relacionam um agente cognitivo com
uma proposição, que relações existem entre a crença e o conhecimento?
Muitos filósofos defendem que todo o conhecimento envolve uma crença.
Por outras palavras, quando sabemos algo, acreditamos nesse algo. Uma razão para
dizer isto é que as afirmações do género das seguintes são contraditórias, num certo
sentido:
Sei que a Terra é redonda, mas não acredito nisso.
Não acredito em bruxas, mas que as há, há!
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Estas afirmações são contraditórias num certo sentido porque não parece possível saber
algo sem acreditar no que se sabe. Assim, diz-se que a crença é uma condição
necessária para o conhecimento: sem crença não há conhecimento.
� G é uma condição necessária para F quando tudo o que é F é G.
� G é uma condição suficiente para F quando tudo o que é G é F.
Por exemplo, viver em Portugal é uma condição necessária para viver em Lisboa porque
todas as pessoas que vivem em Lisboa vivem em Portugal. E viver em Portugal é uma
condição suficiente para viver na Europa porque todas as pessoas que vivem em
Portugal vivem na Europa.
Eis então aquilo que descobrimos até agora acerca da natureza do conhecimento:
� A crença é uma condição necessária para o conhecimento.
Por exemplo, se o João souber que a neve é branca, então acredita que a neve é branca.
Mas será a crença uma condição suficiente para o conhecimento? Evidentemente que
não, dado que as pessoas podem acreditar em coisas que não podem saber,
nomeadamente falsidades. Uma pessoa pode acreditar que existem fadas, por exemplo,
mas não pode saber que existem fadas porque não há fadas.
� A crença não é uma condição suficiente para o conhecimento.
Como a crença é uma condição necessária mas não suficiente para o conhecimento, a
crença e o conhecimento não são equivalentes.
� Saber e acreditar são coisas distintas.
Ao tentar definir uma coisa, procuramos as condições necessárias e suficientes dessa
coisa. Se tivermos descoberto uma condição necessária mas não suficiente, continuamos
a procurar outras condições necessárias porque em muitos casos um conjunto de
condições necessárias acaba por ser uma condição suficiente.
Por exemplo, uma condição necessária para ser um ser humano é ser um hominídeo.
Mas não é uma condição suficiente, dado que muitos hominídeos não são seres
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humanos. Outra condição necessária para ser um ser humano é ser racional; mas
também não é suficiente, dado que poderão existir seres racionais extraterrestres, por
exemplo, e eles não serão seres humanos. Mas se juntarmos as duas condições
necessárias, obtemos uma condição suficiente, pois basta ser racional e um hominídeo
para ser um ser humano.
É isso que iremos fazer em relação à definição de conhecimento. Dado que ser uma
crença é uma condição necessária mas não suficiente de conhecimento, vamos ver se
haverá outras condições necessárias para o conhecimento que em conjunto sejam uma
condição suficiente.
Conhecimento e verdade
Vimos que a crença é necessária para o conhecimento, mas não suficiente.
Será que há outras condições necessárias para o conhecimento?
Alguns termos da linguagem são factivos. Por exemplo, o termo «ver» é factivo. Isto
quer dizer que se o João viu a Maria na praia, a Maria estava efetivamente na praia. Se a
Maria não estava na praia, o João não a viu lá — apenas pensou que a viu lá, mas
enganou-se.
O mesmo acontece com o conhecimento. Se o João sabe que a Maria está na praia, a
Maria está na praia. Se a Maria não está na praia, o João não pode saber que a Maria
está na praia — pode pensar, erradamente, que a Maria está na praia, mas isso será
apenas uma crença falsa. Como é óbvio, nenhuma crença falsa pode ser conhecimento,
mesmo que a pessoa que tem essa crença pense, erradamente, que é conhecimento.
� O conhecimento é factivo, ou seja, não se pode conhecer falsidades.
Dizer que não se pode conhecer falsidades não é o mesmo que dizer que não se pode
saber que algo é falso. As duas coisas são distintas. Vejamos os seguintes exemplos:
1. A Mariana sabe que é falso que o céu é verde.
2. A Mariana sabe que o céu é verde.
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1 e 2 são muito diferentes. O exemplo 1 não viola a factividade do conhecimento. Mas a
afirmação 2 viola a factividade do conhecimento: a Mariana não pode saber que o céu é
verde, pois o céu não é verde.
Dizer que o conhecimento é factivo é apenas dizer que sem verdade não há
conhecimento.
� A verdade é uma condição necessária para o conhecimento.
Não se deve confundir as seguintes duas coisas: pensar que se sabe algo e saber
realmente algo. Se de facto soubermos algo, então temos a garantia de que isso que
sabemos é verdade. Mas podemos pensar que sabemos algo sem o sabermos de facto.
Por exemplo, no tempo de Ptolomeu pensava-se que a Terra estava imóvel no centro do
universo. E as pessoas estavam tão seguras disso que pensavam que sabiam que a Terra
estava imóvel no centro do universo.
Contudo, mais tarde descobriu-se que essas pessoas estavam enganadas: elas não
sabiam tal coisa, apenas pensavam que sabiam. Claro que quando hoje pensamos que
sabemos que essas pessoas estavam enganadas, podemos também estar enganados.
Será que basta que uma crença seja verdadeira para ser conhecimento?
Por outras palavras, será que uma crença verdadeira é suficiente para o conhecimento?
Vejamos o seguinte diálogo:
Catarina: Acabei de jogar no totoloto, e algo me diz que é desta que vou ganhar.
João: Espero que sim!
Alguns dias depois...
Catarina: João, ganhei o totoloto! Não te disse que sabia que ia ganhar o totoloto?
João: Parabéns Catarina! Mas como podias saber tal coisa? Não quererás antes dizer
que tinhas uma forte convicção de que ias ganhar?
Catarina: Bom, saber, saber, não sabia. Mas achava que sim, e a verdade é que isso
acabou por se verificar.
João: Mas isso só quer dizer que tinhas uma crença verdadeira. Mas será que tinhas de
facto conhecimento? Sabias mesmo que ias ganhar o totoloto? É que se soubesses, não
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precisavas de estar com esperança nisso, e nem sequer precisavas de verificar os
números do sorteio.
Catarina: Como assim?
João: Por exemplo, se sabes quando nasceste, não precisas de consultar o teu bilhete de
identidade para verificar o ano. Do mesmo modo, se soubesses que ias ganhar o
totoloto, não precisavas verificar que números saíram: já sabias que números eram
esses.
Catarina: Sim, tens razão: o facto de as nossas crenças se revelarem verdadeiras não
implica que tivéssemos conhecimento prévio dessas coisas.
Do facto de a crença da Catarina se ter revelado verdadeira não se segue que ela
soubesse que ia ganhar o totoloto. Crenças que por acaso se revelam verdadeiras não
são conhecimento. O conhecimento não pode ser obtido ao acaso.
Vejamos outro exemplo: Imagine-se que a professora de matemática do
João lhe perguntava qual a raiz quadrada de quatro. Imagine-se que ele achava que era
dois, mas não tinha a certeza. Será que ele sabia qual é raiz quadrada de quatro, ou será
que ele apenas teve sorte ao acertar na resposta? Para haver conhecimento uma pessoa
não pode apenas ter sorte em acreditar no que é efetivamente verdade; tem de haver
algo mais que distinga o conhecimento da mera crença verdadeira. Para haver
conhecimento, aquilo em que acreditamos tem de ser verdade, mas podemos acreditar
em coisas verdadeiras sem saber realmente que são verdadeiras.
Portanto, nem todas as crenças verdadeiras são conhecimento. Por outras palavras:
� A crença verdadeira não é suficiente para o conhecimento.
Conhecimento e justificação
Platão foi um dos primeiros filósofos a distinguir a crença do conhecimento. O Teeteto é
um dos seus diálogos mais importantes. É nele que se encontra a definição clássica de
conhecimento, que vamos agora estudar.
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Sócrates: Diz-me, então, qual a melhor definição que poderíamos dar de conhecimento,
para não nos contradizermos?
[...]
Teeteto: A de que a crença verdadeira é conhecimento? Certamente que a crença
verdadeira é infalível e tudo o que dela resulta é belo e bom.
[...]
Sócrates: O problema não exige um estudo prolongado, pois há uma profissão que
mostra bem como a crença verdadeira não é conhecimento.
Teeteto: Como é possível? Que profissão é essa?
Sócrates: A desses modelos de sabedoria a que se dá o nome de oradores e advogados.
Tais indivíduos, com a sua arte, produzem convicção, não ensinando mas fazendo as
pessoas acreditar no que quer que seja que eles queiram que elas acreditem. Ou julgas tu
que há mestres tão habilidosos que, no pouco tempo concebido pela clepsidra sejam
capazes de ensinar devidamente a verdade acerca de um roubo ou qualquer outro crime
a ouvintes que não foram testemunhas do crime?
Teeteto: Não creio, de forma nenhuma. Eles não fazem senão persuadi-los.
Sócrates: Mas para ti persuadir alguém não será levá-lo a acreditar em algo?
Teeteto: Sem dúvida.
Sócrates: Então, quando há juízes que se acham justamente persuadidos de factos que
só uma testemunha ocular, e mais ninguém, pode saber, não é verdade que, ao julgarem
esses factos por ouvir dizer, depois de terem formado deles uma crença verdadeira,
pronunciam um juízo desprovido de conhecimento, embora tendo uma convicção justa,
se deram uma sentença correta?
Teeteto: Com certeza.
Sócrates: Mas, meu amigo, se a crença verdadeira e o conhecimento fossem a mesma
coisa, nunca o melhor dos juízes teria uma crença verdadeira sem conhecimento. A
verdade, porém, é que se trata de duas coisas distintas.
Teeteto: Eu mesmo já ouvi alguém fazer essa distinção, Sócrates; tinha-me esquecido
dela, mas voltei a lembrar-me. Dizia essa pessoa que a crença verdadeira acompanhada
de razão (logos) é conhecimento e que desprovida de razão (logos), a crença está fora do
conhecimento [...].
Platão, Teeteto, 201a-c.
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Aquilo que Platão designa por «logos» é o que tradicionalmente se passou a designar
«justificação». Assim, além de verdadeira, diz-nos Platão, a crença tem de ser
justificada, para que possa haver conhecimento. Mas o que significa isto?
Vimos que o facto de alguém ter uma crença verdadeira não significa que tenha
conhecimento. Por exemplo, do facto de a crença do António de que vai passar de ano
ser verdadeira não se segue que ele saiba realmente que vai passar de ano. Mas se, além
de possuir uma crença verdadeira, o António tiver razões que suportem a sua crença, ele
sabe-o. Por exemplo, se ele acreditar que vai passar de ano porque tem boas notas a
todas as disciplinas, então a sua crença verdadeira não é mero fruto do acaso, mas está
justificada por boas razões: a sua crença é conhecimento. Eis, portanto, a terceira
condição para o conhecimento:
� A justificação é uma condição necessária para o conhecimento.
Mas será a crença justificada suficiente para o conhecimento? Se acreditarmos em algo
justificadamente, teremos a garantia de que sabemos esse algo? Se pensarmos em
Ptolomeu, vemos que ter uma justificação para acreditar numa coisa não significa que se
tenha conhecimento dessa coisa. Ptolomeu tinha boas justificações para pensar que a
Terra estava parada no centro do universo. Mas não sabia que a Terra estava parada no
centro do universo.
Como vimos diferentes pessoas estão em diferentes estados cognitivos. No estado
cognitivo em que se encontrava Ptolomeu, havia justificação para pensar que a Terra
estava parada no centro do universo. Mas os estados cognitivos das pessoas não são
perfeitos e por isso as pessoas podem ter justificação para acreditar em falsidades.
Por exemplo, antes de na Europa se descobrir a Austrália, todos os cisnes conhecidos na
Europa eram brancos. Os europeus tinham por isso uma justificação para pensar que
todos os cisnes do mundo eram brancos.
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Mas depois descobriu-se cisnes negros na Austrália. Logo, podemos ter crenças
justificadas sem ter conhecimento.
Por outras palavras:
� A crença justificada não é suficiente para o conhecimento.
Note-se que para que a crença de alguém esteja justificada não é necessário que essa
pessoa saiba justificar a sua crença. Isso seria absurdo, dado que a justificação mais
profunda para pensar que está uma árvore à minha frente inclui complexos mecanismos
da visão que a maior parte das pessoas desconhece. E mesmo para justificar a crença de
que todos os corvos são negros muitas pessoas serão incapazes de articular
explicitamente um argumento indutivo.
A crença de alguém pode estar justificada sem que essa pessoa a consiga justificar
explicitamente. O que importa é que a sua crença esteja justificada e não que ela saiba
justificar explicitamente a sua crença. Vejamos mais um exemplo: o Pedro é uma
criança de 7 anos e tem uma crença justificada de que o irmão está a beber leite com
chocolate. Mas o Pedro não consegue justificar explicitamente a sua crença. O que
importa é que há uma justificação que legitima a crença do Pedro: nomeadamente, o
Pedro está justificado a acreditar que o irmão está a beber leite com chocolate porque
está a vê-lo beber leite com chocolate e nada há de errado com a sua visão.
Vimos até agora três condições necessárias para algo ser conhecimento: ser uma crença,
ser verdadeira e ser justificada. E vimos também que, separadamente, nenhuma dessas
condições era suficiente. Mas se juntarmos as três condições, obtemos a seguinte
definição de conhecimento, em que S é uma pessoa qualquer:
S sabe que P se, e só se,
a. S acredita que P.
b. P é verdadeira.
c. Há uma justificação para S acreditar que P.
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Esta é a definição tradicional de conhecimento. Uma condição necessária e suficiente
para ter conhecimento é ter uma crença verdadeira justificada.
Apesar de, separadamente, nenhuma das condições ser suficiente para o conhecimento,
tomadas conjuntamente parecem suficientes. Se alguém tiver uma crença, se essa crença
for verdadeira e se além disso essa crença estiver justificada, parece impossível que essa
pessoa não tenha conhecimento.
Conhecimento e crença verdadeira justificada
A definição tradicional de conhecimento foi aceite durante mais de dois mil anos tendo
sido disputada em 1963 pelo filósofo americano Edmund Gettier (n. 1927). Gettier
forneceu um conjunto de contraexemplos que mostram que podemos ter uma crença
verdadeira justificada sem que essa crença seja conhecimento. Vejamos então o tipo de
contraexemplos em causa.
Imaginemos que o João vai a uma festa onde se encontrava a Ana.
Imaginemos ainda o seguinte:
1. O João acredita que a Ana tem a A Arte de Pensar na mochila.
Imaginemos também que a crença do João está justificada. Por exemplo, suponhamos
que a Ana lhe tinha dito que ia levar o manual para a festa porque a Rita lho tinha
pedido emprestado. Portanto, o João não só acredita que a Ana tem A Arte de Pensar na
Mochila como a sua crença está justificada:
2. A crença do João de que a Ana tem a A Arte de Pensar na mochila está justificada.
Até aqui tudo bem. Agora vem a parte substancial do argumento:
Imaginemos que a Rita tinha telefonado à Ana para lhe dizer que afinal já não precisava
que ela lhe emprestasse o manual. Suponhamos agora que o António tinha encontrado a
Ana antes da festa e lhe tinha pedido para levar o manual para a festa para tirar umas
dúvidas com ela. Portanto, a Ana tinha de facto A Arte de Pensar na mochila, mas não o
tinha por causa da Rita, mas por causa do António.
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3. A Ana tem A Arte de Pensar na mochila.
Isto significa que, dado 1, 2 e 3, o João tem uma crença verdadeira justificada. E, logo,
de acordo com a definição tradicional de conhecimento, o João sabe que a Ana tem A
Arte de Pensar na mochila. Mas será que o João sabe tal coisa?
Não! O João não pode saber tal coisa. Aquilo que justifica a crença do João não é o
levou Ana a levar A Arte de Pensar para a festa. É por mera sorte que a crença do João é
verdadeira. Por outras palavras, a razão pela qual o João acredita que a Ana tem A Arte
de Pensar na mochila não é a razão que levou a Ana a levar o manual para a festa.
Assim, temos um caso em que alguém tem uma crença verdadeira justificada mas em
que essa crença não constitui conhecimento. E isto contradiz a definição tradicional de
conhecimento. Logo, a definição tradicional de conhecimento está errada. Ou seja:
� A crença verdadeira justificada não é suficiente para o conhecimento.
Há muitas propostas de solução do problema levantado pelos contraexemplos de
Gettier. Em geral, todas aceitam os méritos da definição tradicional de conhecimento, e
procuram apenas fortalecer a noção de justificação, para bloquear os contra exemplos.
Mas este é um tema para um estudo mais aprofundado.
Em conclusão:
Que tipos de conhecimento há?
O que é o conhecimento?
� A crença é uma condição necessária para o conhecimento.
� O conhecimento é factivo, ou seja, não se pode conhecer falsidades.
� A verdade é uma condição necessária para o conhecimento.
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� Objeções: Os contraexemplos de Gettier. Estes mostram que podemos ter uma
justificação para acreditar em algo verdadeiro sem que esse algo seja conhecimento.
Conhecimento a priori e a posteriori
Quais são as fontes ou origens do conhecimento? Aparentemente, a fonte do nosso
conhecimento de que 2 + 2 = 4 é diferente da fonte do conhecimento de que a neve é
branca. Para sabermos que 2 + 2 = 4 basta pensarmos sobre isso. Mas para sabermos
que a neve é branca temos de ver neve. Isto significa que a justificação do nosso
conhecimento de que 2 + 2 = 4 é diferente da justificação do nosso conhecimento de
que a neve é branca.
No primeiro caso, parece que estamos justificados a acreditar que 2 + 2 = 4 pelo
pensamento apenas, ou pela razão. No segundo caso, estamos justificados a acreditar
que a neve é branca pela experiência, ou através dos nossos sentidos.
Dá-se tradicionalmente os nomes de «conhecimento a priori» e «conhecimento a
posteriori» ou «conhecimento empírico» a estes dois tipos de conhecimento:
� Um sujeito sabe que P a priori se, e só se, sabe que P pelo pensamento apenas.
� Um sujeito sabe que P a posteriori se, e só se, sabe que P através da experiência.
A distinção entre conhecimento a priori e a posteriori encontra-se implícita em muito
filósofos, mas foi com Immanuel Kant (1724-1804) que se tornou mais clara:
[…] designaremos, doravante por juízos a priori, não aqueles que não dependem desta
ou daquela experiência, mas aqueles em que se verifica absoluta independência de toda
e qualquer experiência. A estes opõem-se o conhecimento empírico, o qual é
conhecimento apenas possível a posteriori, isto é, através da experiência.
Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura, 1787, B2-B3.
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Vejamos agora o seguinte caso:
1. Um objeto totalmente azul não é vermelho.
Não precisamos de recorrer à experiência para saber que 1 é verdade: basta pensar. Mas
o próprio conceito de azul, de vermelho e de cor teve de ser adquirido pela experiência,
vendo cores. Apesar de adquirirmos o conceito de azul e vermelho pela experiência, não
precisamos de recorrer à experiência para saber que um objeto todo azul não pode ser
vermelho. A partir do momento em que temos os conceitos de azul, vermelho e cor,
sabemos que 1 é verdadeira. Possuir os conceitos necessários não é mais do que um prérequisito para o nosso conhecimento proposicional. Mas apesar de possuirmos os
conceitos de céu e de azul, não é possível saber que o céu é azul sem olhar para o céu.
Tal como há conhecimento a priori e conhecimento a posteriori, também há
argumentos a priori e argumentos a posteriori.
� Um argumento é a posteriori se, e só se, pelo menos uma das sua premissas é a
posteriori.
� Um argumento é a priori se, e só se, todas as suas premissas são a priori.
Em conclusão:
� Um sujeito sabe que P a priori se, e só se, sabe que P pelo pensamento apenas.
� Um sujeito sabe que P a posteriori se, e só se, sabe que P através da experiência.
� Um argumento é a priori se, e só se, todas as suas premissas são a priori.
� Um argumento é a posteriori se, e só se, pelo menos uma das suas premissas for a
posteriori.
� Conhecemos algo inferencialmente quando conhecemos através de argumentos ou
razões.
� Conhecemos algo não inferencialmente quando conhecemos diretamente (por
exemplo, através dos sentidos).
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IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica
1. Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva
1.2. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
Estrutura do ato de Conhecer
“A perceção através dos sentidos não depende exclusivamente dos atributos fisiológicos
imediatos do olho ou do ouvido. Depende, sim, de um contexto muito mais vasto, que
envolve a disposição global do indivíduo. No caso da visão isso foi investigado segundo
numerosas e diferentes perspetivas, tendo os cientistas demonstrado que a visão requer
o movimento ativo tanto do corpo como da mente. A perceção visual é, portanto, um ato
intencional e não passivo.
Um exemplo claro de como a visão opera sempre num contexto vasto e geral é o da
pessoa que nasceu cega e, mediante uma operação, adquire subitamente a capacidade de
ver. Em tais circunstâncias, a visão clara não é um processo instantâneo, porque tanto o
paciente como o médico têm de realizar um árduo trabalho, até que a confusão de
impressões visuais desprovidas de significado possa ser integrada numa “visão”
verdadeira. Este trabalho implica, entre outras coisas, a exploração dos efeitos dos
movimentos do corpo nas experiências visuais ainda frescas e a aprendizagem do
relacionamento das impressões visuais de um objeto com as sensações tácteis que foram
previamente associadas a ele. Em particular, o que o paciente aprendeu por outras vias
afeta fortemente o que ele vê. A disposição global da mente para apreender objetos por
vias particulares desempenha um papel no ato de selecionar e de dar forma ao que é
visto.
Estas conclusões são confirmadas pela análise neurológica do sistema nervoso. Para se
ver algo em absoluto, o lho tem de se lançar em movimentos rápidos que o ajudam a
extrair da cena alguns elementos de informação. Sabe-se que o modo pelo qual estes
elementos se integram depois numa imagem global, conscientemente percebida,
depende em grande parte dos conhecimentos e hipóteses gerais, por parte de quem vê,
acerca da natureza da realidade. Diversas experiências incisivas revelaram que o fluxo
de informação proveniente dos níveis cerebrais elevados para as áreas de formação de
imagens excede, na realidade, a quantidade de informação que chega dos olhos. Isto é,
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aquilo que se “vê” resulta tanto dos conhecimentos previamente adquiridos como dos
dados visuais acabados de receber.
A perceção dos sentidos é, portanto, fortemente determinada pela disposição total da
mente e do corpo. Mas, por sua vez, esta disposição relaciona-se, de maneira
significativa com a cultura geral e a estrutura social. Do mesmo modo, a perceção
através da mente é também governada por todos estes fatores. Por exemplo, um grupo
de pessoas a passear numa floresta vê e responde de maneira diversa ao ambiente. O
lenhador vê a floresta como uma fonte de madeira, o artista como algo digno de ser
pintado, o caçador como um esconderijo para a caça.
Em cada caso, o bosque e as suas árvores individuais são percebidos de modo muito
diferente, na dependência da formação e expectativas dos passeantes.”
David Bohm e David Peat
A experiência do conhecimento é comum a todos os seres humanos. Mas, afinal, o que é
conhecer?
Quem é que conhece? O que é que se conhece? Como se conhece?
No texto encontramos tentativas de resposta para estas questões. Todos os seres vivos
são dotados de sentidos, isto é, de órgãos que lhes permitem captar, interpretar esses
sinais e responder-lhes adequadamente. O conhecimento faz parte dos mecanismos de
sobrevivência e adaptação ao meio.
No homem o processo de conhecer não é muito diferente dos outros animais mas atinge
níveis de maior complexidade, permitindo alcançar conhecimentos abstratos, pensar a
realidade e manipulá-la.
O que é que nos diz o texto? (vejamos uma perspetiva a respeito do conhecimento,
talvez a mais vulgar e mais fácil de entender, a partir da análise do texto)
1. Afirma que o conhecimento é possível dependendo, em primeiro lugar, da estrutura
fisiológica dos nossos sentidos – das sensações. Os nossos sentidos recebem e dão
significado a determinados estímulos, ignorando outros. Todo o conhecimento tem
origem ou constitui-se a partir da sensação.
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2. As sensações, ou dados dos sentidos, são interpretado por cada indivíduo - o sujeito
do conhecimento. Esta interpretação implica uma organização das sensações num todo
significativo que é o conhecimento percetivo. Assim, o conhecimento percetivo traduz
um primeiro nível de apreensão da realidade. Esta apreensão permite reproduzir na
mente do sujeito a realidade em si mesma.
3. O conhecimento percetivo implica um sujeito (aquele que conhece) e um objeto
(aquilo que é conhecido e representado na mente). O sujeito, através dos sentidos,
apreende um conjunto de dados a que confere significado, construindo assim uma
representação mental ou objeto (em sentido gnoseológico).
4. O objeto construído pelo sujeito não é uma mera soma dos dados sensoriais
apreendidos num dado momento; como se diz no texto “aquilo que se vê resulta tanto
dos conhecimentos previamente adquiridos como dos dados visuais acabados de
receber”. Quer isto dizer que o sujeito que conhece atribui um significado aos dados
recebidos em função da sua própria estrutura, das experiências já vividas, dos
conhecimentos anteriormente adquiridos, dos interesses pessoais, etc.
5. São todos estes fatores (fatores de significação percetiva) que explicam que cada
sujeito possa ter uma visão diferente da mesma realidade.
O ser humano não se limita a conhecer perceptivamente a realidade, desta forma
imediata e vivencial. Também somo capazes de pensar sobre o vivido, elaborando
conhecimentos abstratos que provêm justamente da capacidade de refletir sobre o que
percecionamos. Assim, construímos leis gerais e teorias acerca da realidade. Com base
neste conhecimento abstrato e racional, elaboramos modelos explicativos e
interpretativos da realidade.
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É este nível racional do conhecimento, que é especificamente humano, que tornou
possível a construção da ciência e da filosofia e a evolução tecnológica.
Para alguns autores, há uma estrutura invariante no sujeito que determina a construção,
a configuração e o sentido do objeto. Para outros autores, esta estrutura da mente que
conhece (sujeito gnoseológico) vai-se constituindo ao longo da vida a partir das
características biológicas.
Para outros ainda, é o objeto que determina a sua própria representação, reservando para
o sujeito o papel de mero recetor considerando o conhecimento como uma tomada de
consciência das determinações do objeto.
Em conclusão, conhecer é construir representações mentais da realidade; é o sujeito que
conhece; aquilo que é conhecido é o objeto. Por objeto de conhecimento não se entende
a realidade em si mesma mas a sua representação na consciência. O processo de
construção do conhecimento exige capacidade de captação sensorial dos dados,
capacidade de interpretação e de organização e capacidade de elaboração racional, no
sentido de constituir conceitos, leis gerais e teorias explicativas acerca da realidade
(conhecimento racional).
Análise Comparativa de duas Teorias Explicativas do Conhecimento
� Ao longo da história da filosofia houve várias tentativas para explicar o modo como o
homem conhece e as coisas (tipos de objetos) que é capaz de conhecer; os filósofos
também se preocuparam com o alcance, os limites e a validade desse conhecimento.
� Desde o inicio que os filósofos se perguntam: qual a origem ou fundamento do
conhecimento? Até onde podemos conhecer? Podemos conhecer tudo ou há limites e
limitações do conhecimento? Conhecemos a realidade tal como é em si mesma ou o
nosso conhecimento é à nossa medida, moldado pelo modo como o sujeito é
constituído?
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� Estas questões expressam preocupações de natureza gnosiológica e são constantes ao
longo da história da filosofia. O modo como se tem respondido a estas questões
conduziu à existência de múltiplas teorias explicativas do conhecimento: empirismo,
racionalismo, apriorismo, construtivismo, positivismo, idealismo, materialismo,
dogmatismo, ceticismo, relativismo…
� Vamos explorar apenas duas dessas perspetivas: racionalismo e empirismo.
O racionalismo cartesiano
Da dúvida ao cogito
Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, quis supor que nada há
que seja tal como eles o fazem imaginar. E, porque há homens que se enganam ao
raciocinar, até nos mais simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos,
rejeitei como falsas, visto estar sujeito a enganar-me como qualquer outro todas as
razoes de que até então me servia nas demonstrações. Finalmente, considerando que os
pensamentos que temos quando acordados nos podem ocorrer também quando
dormimos, se que neste caso nenhum seja verdadeiro, resolvi supor que tudo o que até
então encontrara acolhimento no meu espírito não era mais verdadeiro que as ilusões
dos meus sonhos.
Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu,
que assim o pensava, necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade –
eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições
dos céticos seriam impotentes para a abalar, julguei que podia aceitar, sem escrúpulo,
para primeiro princípio da filosofia que procurava.
Depois, examinando atentamente que coisa eu era, e vendo que podia supor que não
tinha corpo e que não havia qualquer mundo ou qualquer lugar onde eu existisse; mas
que, apesar disso, não podia admitir que não existia; e que antes, pelo contrario, por isso
mesmo que pensava, ao duvidar da verdade das outras coisas, tinha de admitir como
muito evidente muito certo que existia; ao passo que bastava que tivesse deixado de
pensar para não ter já nenhuma razão para crer que existia, ainda que tudo o que tinha
imaginado fosse verdadeiro; por isso, compreendi que era uma substância, cuja essência
ou natureza é apenas o pensamento, que para existir não tem necessidade de nenhum
lugar nem depende de nenhuma coisa material. De maneira que esse eu, isto é, a alma
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pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo, mais fácil mesmo de conhecer
que este, o qual, embora não existisse, não impediria que ela fosse o que é.
Depois disso, considerei duma maneira geral o que é indispensável a uma proposição
para ser verdadeira e certa; porque, como acabava de encontrar uma com esses
requisitos, pensei que devia saber também em que consiste essa certeza. E tendo notado
que nada há no que eu penso, logo existo, que me garanta que digo a verdade, a não ser
que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir, julguei que podia admitir
como regra geral que é verdadeiro tudo aquilo que concebemos muito claramente e
muito distintamente; havendo apenas alguma dificuldade em notar quais são as coisas
que concebemos distintamente.
René Descartes, Discurso do Método
� O texto foi escrito por um filósofo francês do século XVII que se dedicou ao estudo
dos problemas do conhecimento e construiu um sistema de índole racionalista. Vivia-se
então numa época de crise e de incerteza que se refletia nas posições céticas adotadas
pelos contemporâneos de Descartes. Ora Descartes tinha uma formação matemática e
desejava garantir a existência de um conhecimento verdadeiro.
No texto, extraído do Discurso do Método, uma das suas obras mais divulgadas:
1. Começa precisamente por levantar o problema da dúvida em três domínios
fundamentais:
 Dúvida acerca do conhecimento sensorial;
 Dúvida acerca da capacidade da razão humana;
 Dúvida quanto á possibilidade de distinguir sonho de realidade.
2. Refere a decisão de não aceitar nada como verdadeiro ate encontrar uma verdade que
resista a toda e qualquer dúvida (um conhecimento indubitável).
� Esta atitude de Descartes é uma forma de garantir a validade absoluta de um
conhecimento capaz de resistir à dúvida mais exagerada. Por isso se considera que a
dúvida cartesiana é metódica, universal (abrange todos os conhecimentos) e voluntária.
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3. Enuncia a primeira verdade a que Descartes chegou: o cogito ou a existência de um
ser pensante (penso, logo existo).
� Esta primeira verdade vai ser aceite por Descartes que sobre ela assentará o seu
sistema filosófico.
Trata-se de uma verdade de natureza puramente racional, ou seja, que depende
unicamente do uso da razão humana e na sua descoberta não foi necessária a
contribuição dos sentidos. A existência do cogito é a primeira informação segura a que
Descartes chegou depois de deliberadamente ter posto tudo em dúvida e encerra o
sujeito que conhece em si mesmo, reduzindo-o a ser “uma coisa que pensa” (res
cogitans).
Duvida ainda da existência dos outros seres humanos e das coisas materiais, incluindo o
seu próprio corpo.
� O objetivo cartesiano de alcançar a verdade começa a cumprir-se no momento da
dúvida, no momento em que se rompe com o sensível e com o conhecimento até então
constituído e se procura a verdade na própria razão.
4. Seguidamente o texto de Descartes define a natureza do cogito afirmando a sua
independência em relação ao corpo e a sua natureza de puro pensamento.
Contrariamente ao nosso conhecimento vulgar que nos leva a acreditar mais facilmente
na existência das coisas e do corpo do que na existência da mente, Descartes conclui
que o conhecimento desta é mais acessível e é anterior ao conhecimento das coisas
corpóreas; o corpo não faz parte da mente e é de outra natureza.
5. Apresenta, finalmente, o critério de verdade válido para Descartes. Serão aceites
como verdadeiras unicamente aquelas ideias que se apresentem à razão como sendo
claras e distintas, características que Descartes encontra na apreensão intuitiva e
racional da ideia do cogito. A apreensão do cogito fornece o critério de verdade das
ideias.
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� Como verificamos Descartes parte da dúvida e alcança uma primeira verdade por via
unicamente racional. Neste momento da construção do sistema cartesiano Descartes só
admite a existência de um eu cuja natureza se resume a produzir pensamento. Será que
existe alguma coisa fora e para além do seu eu? Como vai conseguir sair para fora do
cogito e demonstrar a existência da realidade material?
� Descartes não pode basear-se nos sentidos uma vez que os excluíra como fonte fiável
de conhecimento.
Só lhe resta refletir sobre si mesmo e procurar na mente, no cogito, a possibilidade de
provar a existência de algo para além do seu próprio pensamento. O que é que esta
reflexão lhe vai permitir descobrir?
Diferentes tipos de ideias: ideias que “nasceram comigo” (ideias inatas); outras que
vieram de fora (ideias adventícias); outras que foram feitas e inventadas por mim (ideias
factícias).
� Ao examinar a natureza das ideias, Descartes valoriza as que são inatas e entre elas
descobre a ideia de Deus como ser perfeito e como o homem é um ser imperfeito, que
não pode por si só criar a ideia de perfeição, esta ideia é inata e só pode ter origem no
próprio Deus que a colocou na nossa mente. Esta ideia ao fazer-nos conceber Deus
como um ser perfeito, incapaz de nos enganar, passa a ser garantia de que o
conhecimento construído pela razão é verdadeiro. Assim, alem da existência do cogito,
Descartes passa a admitir a existência de Deus e a existência do mundo.
� No texto que se segue podemos avaliar a importância da perspetiva racionalista:
O racionalismo
A posição epistemológica vê no pensamento, na razão, a fonte principal do
conhecimento humano chama-se racionalismo. Segundo ele, o conhecimento só merece
na realidade este nome quando é logicamente necessário e universalmente válido.
Quando a nossa razão julga que uma coisa tem que ser assim e não pode ser de outro
modo, que tem de ser assim, portanto, sempre e em todas as partes, então, e só então,
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nos encontramos ante um verdadeiro conhecimento, na opinião dos racionalistas. (…)
Uma forma determinada do conhecimento serviu evidentemente de modelo à
interpretação racionalista do conhecimento. Não é difícil dizer qual é: é o conhecimento
matemático. Este é, com efeito, um conhecimento predominantemente conceptual e
dedutivo. (…) O pensamento impera com absoluta independência de toda a experiência,
seguindo somente as suas próprias leis. Todos os juízos que formula distinguem-se,
além disso, pelas características da necessidade lógica e da validade universal. (…) O
racionalismo alcançou maior importância na Idade Moderna em Descartes. Segundo ele
são inatos um certo número de conceitos, justamente os mais importantes, os conceitos
fundamentais do conhecimento. Estes conceitos não procedem da experiência, mas
representam um património originário da razão. (È a teoria das ideias inatas).
(…)
O mérito do racionalismo consiste em ter visto e feito sobressair o significado do fator
racional no conhecimento humano mas é exclusivista ao fazer do pensamento a fonte
única ou própria do conhecimento. Além disso, o racionalismo deriva de princípios
formais proposições materiais; deduz de meros conceitos conhecimentos. (Penso na
intenção de derivar do conceito de Deus a sua existência; ou de definir, partindo do
conceito de substancia a essência da alma). Apresenta assim um espírito dogmático que
provocou reações opostas como, por exemplo, o empirismo
Como se pode concluir:
1. O racionalismo toma a razão como única fonte de conhecimento.
2. Pressupõe a existência de ideias inatas, descobertas por intuição racional, de
conhecimento das quais deduz todos os outros conhecimentos que devem ser
logicamente necessários e universalmente válidos.
3. Para conferir ao conhecimento esse caráter de universalidade e necessidade, toma
a matemática como modelo a seguir para todos os tipos de conhecimento.
4. Rejeita a experiência como fonte de conhecimento por considerar que ela é
enganadora e conduz a conhecimentos particulares e contingentes (por oposição à
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universalidade e necessidade próprias do conhecimento racional construído a
partir do modelo matemático do conhecimento).
5. Apesar de ter sido importante a valorização da razão como fonte de conhecimento,
os racionalistas têm tendência para um certo exclusivismo (apenas admitindo uma
única fonte de conhecimento) e dogmatismo (ao considerar a possibilidade de
construirmos um conhecimento absolutamente verdadeiro e ao derivar as ideias a
existência das coisas).
O empirismo
� O empirismo opõe ao racionalismo a tese de que todo o conhecimento, incluindo o
mais geral e abstrato, tem origem e deriva da experiência. A razão não contém nenhum
princípio ou ideia que não derive da experiência, ou seja, não há ideias inatas.
A origem do conhecimento
Podemos, pois, dividir todas as perceções da mente em duas classes ou tipos, que se
distinguem pelos seus diferentes graus de força e de vivacidade. As menos intensas e
vivas são comummente designadas pensamentos ou ideias. Ao outro tipo (…)
chamemos-lhe impressões (…). Pelo termo impressão significo todas as nossas
perceções mais vivas, quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos
ou queremos. E as impressões distinguem-se das ideias, que são as impressões menos
intensas, das quais somos conscientes quando refletimos sobre qualquer das sensações
ou movimentos acima mencionados.
D. Hume, Investigação sobre o entendimento humano
� Assim sendo todas as nossas ideias têm que encontrar uma impressão que lhes
corresponda e só é possível a existência de um conhecimento verdadeiro do que é
observável, todos os conhecimentos que ultrapassem o observável são abusivos ou
ilusórios.
� A indução é uma operação da mente que faz parte de factos observáveis e alcança um
conhecimento mais geral; esta é a única operação da razão que permite superar o
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particular e o contingente mas que, ao fazê-lo, só pode alcançar um conhecimento
provável. Podemos encontrar, num empirista do século XX, Bertrand Russell, um
exemplo disto mesmo: “O homem que regularmente alimenta o frango acaba por um dia
lhe torcer o pescoço, mostrando quão útil seria ao frango lançar-se a teorias de maior
subtileza acerca das uniformidades do universo” (B. Russell, Os Problemas da filosofia,
pág. 109)
� A verdade é, para o empirismo, a confrontação dos juízos com os factos observáveis
que traduzem. Os juízos universais obtidos por indução não podem ser confrontados
com os factos, uma vez que a observação nunca permite verificar todos os casos, pelo
que a sua verdade não é necessária nem universal.
� Os princípios que, para os racionalistas, estão contidos na razão humana não existem
para os empiristas que têm dificuldade em explicar, por exemplo, a existência de um
nexo causal necessário entre dois fenómenos que acontecem um depois do outro.
O empirismo de David Hume
“Para os empiristas como David Hume, todos os nossos conhecimentos provêm da
experiência e a razão não possui princípios inatos anteriores à experiência.
Mas é preciso, então, explicar porque a todo o momento o nosso espírito se projeta além
da experiência imediata. Ao colocarmos leite no fogo, por exemplo, dizemos: o leite vai
ferver. A todo o momento, nós fazemos previsões análogas e os nossos juízos excedem
a “esfera restrita dos nossos sentidos”. Se tomamos a experiência, o dado, por guia
único, temos o direito de dizer “o leite ferve” no momento em que o vemos ferver, mas
nada nos autoriza anteciparmo-nos ao curso das coisas, a exceder o que nos é dado no
momento e a fazer previsões do tipo: o leite vai ferver.
Se prevemos alguma coisa, é porque vamos além da experiência presente, em nome de
um princípio da razão: o princípio de causalidade. O aquecimento é a causa da ebulição;
supomos, entre aquecimento e ebulição, uma relação necessária de tal modo que, ao
aquecermos o leite, possamos prever que ele vai ferver passados alguns instantes. É pelo
facto de admitirmos esta relação necessária que pensamos que o aquecimento
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necessariamente produzirá a ebulição, que ultrapassamos audaciosamente a experiência
presente: o leite vai ferver.
Portanto, David Hume, para justificar o seu empirismo integral, depara-se com um
problema difícil. É-lhe necessário demonstrar que os próprios princípios da razão, por
exemplo, o princípio de causalidade, provêm da experiência.
À primeira vista, não se depreende como o princípio de causalidade pode ter origem na
experiência.
É certo que verificamos que o leite ferve, após ter sido levado ao fogo. Comprovamos
que ele aquece e depois ferve. Mas não podemos afirmar que ele ferve porque foi
aquecido. É verdade que diariamente podemos fazer a mesma comprovação. O
aquecimento é sempre seguido de ebulição. Mas o que verificamos é uma “conjunção
constante” e não uma “conexão necessária”, não vemos a ação causal, o “porquê”. (...)
E, no entanto, não nos limitamos a dizer que os acontecimentos se sucedem, mas
afirmamos que eles se produzem e se determinam uns aos outros, que existem causas e
efeitos. Qual será, então, a origem do princípio de causalidade?
Hume explica-o a partir do hábito e da associação de ideias. Porque esperamos ver a
água a ferver quando a aquecemos? É porque, responde Hume, aquecimento e ebulição
sempre estiveram associados na nossa experiência passada. Formou-se um hábito deste
modo. Quando levamos um líquido ao fogo aguardamos a ebulição porque a nossa
experiência passada habituou-nos a isto. Ao dizermos que o leite vai ferver, tiramos
“uma conclusão que excede, no futuro, os casos passados” de que já tivemos
experiência; é que a imaginação, irresistivelmente arrastada pela força do hábito, passa
de um acontecimento dado àquele de ordinário o acompanha. Assim, o passado
impulsiona a imaginação que, “como uma galera acionada pelos remos, desliza sem
necessidade de novo impulso”. A experiência passada orienta a imaginação e esta,
adestrada pelo hábito, projeta-a sobre o acontecimento que está para vir, quando em
face do aquecimento. O leite vai ferver. Ao afirmar isto, aparentamos ultrapassar a
experiência, mas o que fazemos na realidade é seguir uma tendência criada pelo hábito.
Somente o hábito nos faz imaginar uma ligação necessária entre o aquecimento e a
dilatação.
Tal explicação é puramente psicológica e não traz à ideia de causalidade qualquer
garantia objetiva; por outras palavras, Hume explica porque acreditamos na causalidade,
mas não mostra a razão pela qual acreditamos. Ele mostra porque esperamos
irresistivelmente que se produza a ebulição, quando assistimos ao aquecimento. Mas
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não demonstra que temos razão em fazê-lo, não justifica logicamente a nossa
expectativa. Teoricamente, diz ele, poderia acontecer que o leite não fervesse. Pois nada
prova que a experiência de amanhã confirmará a de ontem e a de hoje. Teoricamente,
nada prova que o leite levado ao fogo não se congelará!
Efetivamente, segundo a teoria de Hume, não podemos falar de causas e efeitos, mas
apenas de factos que, na nossa experiência passada, se sucederam uns aos outros.
Consequentemente, se o princípio de causalidade é apenas um resumo dos nossos
hábitos, ele poderá ser desmentido pela experiência futura. Em rigor, ele não passa de
uma ilusão explicável pela psicologia do hábito e da expectativa. Não estamos mais
certos de coisa alguma e o empirismo de Hume desemboca num verdadeiro ceticismo.”
Huisman & Vergez, O conhecimento
� Podemos agora inventariar as seguintes ideias:
1. Para o empirismo a origem do conhecimento é a experiência.
2. Na razão não existe nada que não tenha a sua origem nas impressões.
3. Todo o conhecimento absolutamente verdadeiro tem como limite o observável.
4. Como todos os nossos conhecimentos gerais partem da experiência que nos dá
sempre um conhecimento do particular, é o processo indutivo de inferência que
permite alcançar conhecimento universal. Como há uma generalização a todos os
casos daquilo que foi observado apenas em parte, não temos garantia lógica de que
as verdades gerais sejam necessárias e universais. Assim, todo o conhecimento
universal é apenas uma probabilidade não sendo impossível que se venha a revelar
falso no confronto com a observação de novos dados (experiências futuras).
5. Com base na observação e na experiência apenas podemos afirmar que dois
fenómenos se sucedem habitualmente um ao outro. Por isso, Hume conclui ser
impossível afirmar que exista uma relação necessária de causa efeito entre esses dois
fenómenos, isto é, nega a existência do princípio de causalidade por não haver uma
impressão que lhe corresponda.
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6. Do mesmo modo que retira fundamento lógico ao princípio de causalidade, David
Hume também exclui do âmbito do conhecimento verdadeiro (justificado
logicamente) a afirmação de objetos que não sejam dados na experiência, de Deus,
por exemplo.
7. Ao negar o caráter de verdade aos conhecimentos gerais e ao estabelecer a
experiência como única fonte do conhecimento, o empirismo estabelece limites ao
conhecimento, desembocando num ceticismo. O ceticismo é uma posição
gnoseológica acerca da validade e do alcance do nosso conhecimento que dúvida da
possibilidade da razão humana construir um conhecimento verdadeiro.
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Em conclusão:
Descartes:
Objetivo  Reformar os princípios do conhecimento (pretende reformar o
conhecimento (criar novos métodos que se querem científicos)
� Como?
 Procurando um princípio evidente incondicionado
 Deste decorre o conhecimento de tudo o mais, mas não reciprocamente
Método  Dúvida (metódica)
� Como se chega a algo evidente?  Duvidando
� Na dúvida como método rumo à evidência (racional):
 Considera falso o que for, por mínimo, duvidoso (e obviamente o que for falso);
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 Considera enganador aquilo que alguma vez nos enganou.
Características da dúvida cartesiana:
 metódica  é apenas um método para chegar a algo evidente;
 provisória  porque apenas corresponde a uma suspensão temporária dos
conhecimentos;
 hiperbólica  porque há uma análise radical e total dos conhecimentos possíveis
(excessiva).
� Na época de Descartes surge a ciência moderna.
A dúvida aplica-se a:
 conhecimento sensível
A dúvida vai aplicar-se, em primeiro lugar, às informações dos sentidos. Os sentidos
enganam-nos algumas vezes. Aplicando o principio hiperbólico que orienta a aplicação
da dúvida: se devemos considerar enganador aquilo que alguma vez nos enganou, então
os sentidos não merecem qualquer confiança.
 existência do mundo
Descartes põe em causa outros dos fundamentos essenciais do saber tradicional: a
convicção ou crença imediata na existência das realidades físicas ou sensíveis. Mas
como encontrar uma razão para duvidar daquilo que parece ser tão evidente? Como
duvidar da existência das realidades sensíveis ou corpóreas?
Descartes inventa um argumento engenhoso que se baseia na impossibilidade de
encontra um critério absolutamente convincente que nos permita distinguir o sonho da
realidade. Há acontecimentos que, vividos durante o sonho, são vividos com tanta
intensidade como quando estamos acordados.
Se assim é, não havendo uma maneira clara de diferenciar o sonho da realidade, pode
surgir a suspeita de que aquilo que consideramos real não passe de um sonho. Deste
modo, posso supor que os acontecimentos e as coisas que julgo reais nada mais são do
que figurantes de um sonho. Basta esta suspeita, basta esta mínima dúvida, para
transformar os acontecimentos e as coisas que eu julgava absolutamente reais em
realidades meramente imaginárias: todas as coisas sensíveis podem não passar de
realidades que só existem em sonho (incluindo o meu corpo).
Se os sonhos são ilusórios por que é que o mundo exterior não é também?  põe em
causa a existência do mundo.
 conhecimento das matemáticas e existência de Deus como um ser bom e não
enganador
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As matemáticas são produtos da atividade do entendimento e por isso constituem a
dimensão dos objetos inteligíveis. Sendo estas realidades inteligíveis consideradas as
mais evidentes, se as pudermos pôr em causa, todos os outros produtos do entendimento
serão postos em dúvida. A estratégia é simples e sempre a mesma: devemos encontrar
um motivo, uma razão, um argumento, para suspeitar, por muito pouco que seja, da
validade dos conhecimentos matemáticos. Se essa suspeita, essa dúvida, for possível,
esses conhecimentos serão considerados falsos, como manda o princípio hiperbólico
que rege o exercício da dúvida.
O argumento que vai abalar a confiança depositada nas noções e demonstrações
matemáticas baseia-se numa hipótese ou numa suposição: a de que Deus, que
supostamente me criou, criando ao mesmo tempo o meu entendimento, sendo um ser
omnipotente, pode fazer tudo, mesmo criar o meu entendimento, ao depositar nele as
verdades matemáticas, pode tê-lo criado “virado do avesso” sem disso me informar. Por
outras palavras, logo à partida, o meu entendimento pode estar radicalmente pervertido,
tomando como verdadeiro o que é falso e por falso o que é verdadeiro.
Enquanto a hipótese de Deus enganar não for rejeitada, não podemos ter a certeza de
que as mais elementares “verdades” matemáticas são realmente verdadeiras. Se isso
vale para as “verdades” mais elementares e simples, mais se aplica ainda às mais
complexas.
� Parece que chegamos ao ceticismo radical, em que não há um princípio racional no
mundo para chegar à primeira verdade:
 Se há dúvidas, há alguém que duvida
 Se alguém que dúvida, alguém pensa (não pode duvidar que é o sujeito da dúvida)
 Se pensa, tem consciência de si enquanto ser que pensa
 Logo, há um 1º princípio indubitável e evidente

O “eu” que pensa é a primeira evidência racional
EU PENSO, LOGO EXISTO  1ª verdade epistemológica
(sou um ser que pensa)
Cogito, Ergo Sum (latim)  Penso logo sou
� No plano ontológico, Descartes começa por duvidar de tudo quanto existe, para ver se
há alguma verdade clara e distinta que se apresente ao espírito com evidência tal que
não possa ser negada (intuição). O método é racionalista porque a evidência de que
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Descartes parte não é, de modo algum, a evidência sensível e empírica. Os sentidos
enganam-nos, as suas indicações são confusas e obscuras, só as ideias da razão são
claras e distintas. O ato da razão que percebe diretamente os primeiros princípios é a
intuição. A dedução limita-se a veicular, ao longo das belas cadeias da razão, a
evidência intuitiva das "naturezas simples". A dedução nada mais é do que uma intuição
continuada.
� A dúvida de Descartes é hiperbólica e metódica. “Existe, porém, uma coisa de que
não posso duvidar, mesmo que o demónio me queira sempre enganar. Mesmo que tudo
o que penso seja falso, resta a certeza de que eu penso. Nenhum objeto de pensamento
resiste à dúvida, mas o próprio ato de duvidar é indubitável. "Penso, logo existo.” Não é
um raciocínio (apesar do logo) mas uma intuição.
� Assim, a primeira verdade cartesiana é o cogito (“penso, logo existo”) em que conclui
que existe enquanto substância pensante. Mas é preciso garantir a o fundamento da
existência do homem. O fundamento ontológico é Deus, que garante a nossa existência
e a própria veracidade da sua existência. Esta é a prova ou argumento ontológico ao
qual se segue um apelo ao raciocínio categórico-demonstrativo.
� No plano ontológico, Descartes começa por pôr em dúvida o plano dos
conhecimentos. O cogito é a garantia da evidência das coisas, mas Deus é o fundamento
epistemológico que garante a veracidade dos nossos conhecimentos.
� Nos “Princípios da Filosofia”, Descartes deteta a ideia de “um ser omnisciente, todopoderoso e extremamente perfeito”. Após ter chegado à verdade do Cogito, conclui que
existe em nós a ideia de um “Ser todo perfeito”, e não podendo ser o homem, como ser
imperfeito que é, a causa desta ideia, afirma que o Ser que é causa desta ideia deve ter
mais perfeição do que a sua representação (a Ideia). Logo, Deus existe porque existe em
nós a sua ideia. Este é o argumento da causalidade ou princípio de adequação causal.
� Descartes, considera, assim, que só um ser perfeito pode ter posto em nós, seres
imperfeitos, esta ideia de perfeição, pois o efeito não pode ser maior do que a causa.
Deus é a causa das ideias inatas que colocou no homem.
O “eu” (alma) ≠ Corpo
(substância imaterial e racional) (substância material)
� Esta verdade, “Eu penso, logo, existo”, vai ser o critério ou o modelo de toda e
qualquer verdade ou evidência posterior.
 Sujeito que pensa  subjetividade
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(o saber tem que ser objetivo se não não passa de uma crença, e a definição de
crença é insuficiente)
 É preciso um princípio objetivo, que garanta a validade dos conhecimentos e a
existência dos objetos fora do sujeito
 Se duvido, sou imperfeito
(se não tivéssemos em nós a ideia de perfeição, não sabíamos que éramos
imperfeitos)
� Porquê? Porque duvidar é ser menos perfeito do que ser sabedor
 Só sei que sou imperfeito por referência à ideia de perfeição que possuímos.
Como é que tenho a ideia de perfeição?
� Não pode ter sido criada por mim porque do menos perfeito não pode surgir o mais
perfeito. Logo, a ideia de perfeição foi-me colocada por um ser mais perfeito (o mais
perfeito)  DEUS
Deus  a perfeição absoluta tem de ser a causa da minha ideia de perfeição
Logo, Deus existe.
� Características de um ser perfeito:
 Omnisciente
 Omnipotente
 Existência necessária e eterna  não é apenas possível, é necessário
A existência de Deus é necessária porque, para um ser ser perfeito tem que
existir, logo, a existência necessária tem que ser atribuída ao perfeito
Ordem do conhecer ≠ Ordem do ser
� Ordem do conhecer:
1ª Verdade  “Eu” penso
2ª Verdade  “Deus como existência necessária”
� Ordem do ser:
1ª Verdade  Deus  existente necessário
2ª Verdade  Eu penso  existência possível
� Objetos correspondentes às outras ideias inatas (evidentes)
� Se Deus existe, está refutada a hipótese de Deus enganador
� Temos ideias inatas (nascem connosco, são a marca de Deus)
 “Deus”
 “Eu” – Alma
 Verdades da matemática, geometria, ideia de causalidade
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
As ideias evidentes, claras e distintas puramente racionais

O que conhecemos do mundo são as suas características racionais
O que é que garante a objetividade/validade deste conhecimento?
� Deus é a primeira verdade metafísica, é a fonte, origem ou raiz do conhecimento. Ele
garante a objetividade, certeza e evidencia dos conhecimentos racionais, assim como a
sua validade universal.
� Garante a correspondência permanente entre as nossas ideias e os objetos a que
correspondem, independentes de nós.
� Garante a existência continuada do mundo, mesmo depois de não pensarmos nele
David Hume:
� Origem do conhecimento  experiência sensível imediata (é daqui que deriva todo
o nosso conhecimento)
(não há ideias inatas, porque tudo o que conhecemos no mundo é baseado no
contacto/experiência sensível)

� Perceções:

Impressões  sensações que temos ao observar um objeto; emoções; extraímos de
um contacto mais imediato  são a base em que assenta todo o conhecimento (por
contacto)

Aparência

Perceções:
 Ideias  são imagens mais fracas das impressões, pois são resultados das
impressões; marcas deixadas pelas impressões, uma vez estas desaparecidas;
representação/cópia da impressão

As ideias são mais fracas que as impressões (a diferença entre impressões e
ideias é simplesmente de grau e não de natureza)

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Corre o risco de ser errada qualquer proposição que enunciemos acerca do que a
experiência imediata nos leva realmente a conhecer
Perceções (elementos do conhecimento):
� Impressões
 simples
 complexas
� Ideias
 simples
 complexas
Proposições:
 “Estou a ter uma sensação de castanho” 
 “A mesa é castanha”  (supõe-se que a mesa tem uma existência independente de
nós)

Não quer dizer que a mesa seja castanha ou até mesmo que ela
exista

� Porque pessoas diferentes e o mesmo sujeito têm perspetivas diferentes sobre o
 sensações (cor, som,forma)
suposto mesmo objeto

que não é garantido por elas  não há razão para que uma das perspetivas seja mais
correta do que outra
Conhecimento proposicional (remete para as perceções):
 Conhecimento de ideias:
� Não é preciso recorrer à experiência sensível para saber se algo é verdade ou não;
basta recorrer à razão
Ex.: “O triângulo tem 3 lados” (proposição analítica  predicado faz análise do sujeito)

Verdades de razão (a razão fundamenta a afirmação  sendo uma
verdade de razão a sua contraditória é falsa (Ex.: “O triângulo não tem 3 lados”))
� A razão opera naquilo que é baseado na experiência (só se adquirem ideias das
impressões)

� Não há necessidade de recorrer à experiência para avaliar a verdade da proposição
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� Partimos da experiência sensível para ter as ideias; mas existem certos conceitos que,
quando falamos deles, não é preciso recorrer à experiência para avaliar a sua verdade
 O conhecimento de ideias não diz nada de novo sobre o mundo
 Conhecimento de factos:
� São proposições cujo valor de verdade tem que ser analisado pela experiência
Ex.: “O martelo é pesado” (proposição sintética  o predicado acrescenta algo
ao sujeito)
� Só pelos conhecimentos de facto podemos acrescentar algum conhecimento do
mundo

permite ter algum conhecimento do mundo

A experiência não nos dá um conhecimento universal

� Todo o conhecimento de factos (conhecimento empírico) é meramente provável, se
entendido que a experiência não fornece universalidade e que o contrário de uma
verdade de facto é sempre logicamente possível)
Hume  o problema da causalidade:
Conhecimento (origem):
� Impressão sensível  Ideia  Conhecimento
1- Tacada na bola A (impressão sensível)
2- Acompanhamento do trajeto da bola A (impressão sensível)
3- Bola A toca em B
4- Bola B desloca-se

Após a sucessão de impressões podemos concluir:
A causa B  De que impressão sensível resulta a causa?
Não há impressão sensível de causa  há uma sucessão de movimentos
� Há uma relação necessária entre A e B, de modo a que, sempre que surge A,
esperamos que B lhe suceda
Causa:
� Há uma causa quando um objeto sucede a outro e entendemos que isso acontece de
forma necessária
Sempre acontecerá  o futuro assemelha-se ao passado
Como adquirimos a ideia de causa?
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� Há uma conexão necessária entre dois ou mais eventos
� Problema:
 Não há nenhuma impressão sensível da qual derive a ideia de causa
Contudo, observamos:
a) a contiguidade espacial (espaço onde a bola A toca na bola B)
ESPAÇO
b) sucessão temporal (A sempre anterior a B)
TEMPO
c) conjunção constante e regular entre A e B (quando surge A e B, A desloca-se
e toca em B, que se desloca)

Chamamos causa ai que precede e efeito ao que sucede
> Da observação desta constante conjunção como formamos a ideia de causa?
a) haverá algum poder concreto na causa que fez com que o efeito lhe suceda?
Talvez, mas não o podemos observar (pois só vemos a impressão sensível e não
conhecemos a verdadeira natureza das coisas)
 Vemos só o movimento e não o que está por trás deste
b) a memória só nos dá informação sobre os acontecimentos particulares que
recordamos
Só a memória por si, não nos diz nada em relação ao futuro (só em relação ao
passado)
c) Não é contraditório, dedutivamente, que B não suceda a A
d) Indutivamente, não podemos afirmar que o futuro será como o passado
utilizando o raciocínio indutivo porque este assume que o futuro será como o passado.
Seria dizer que o futuro será como o passado, porque no passado o futuro era como o
passado.
 A ideia de causa não deriva da observação de algo nos fenómenos, mas do
desenvolvimento de um costume ou de um hábito mental (desenvolvemos o hábito de
esperar que B aconteça mal vemos A acontecer)
1ª
2ª
3ª
n

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


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
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

=
=

=
=
� Nada muda nos fenómenos; muda aquilo que nós pensamos que vemos (ao observar
repetidamente os fenómenos muda a nossa mente, que vai criando a ideia de
causalidade)
� Surge um novo sentimento ou emoção que a mente cria por ela mesma  imaginação
 impressão interna
Como surge a ideia de causa?
Resulta de uma impressão interna ou de reflexão, a partir da repetição observada
cuja base é a imaginação.

Desenvolvimento do hábito ou costume mental que está relacionado com a ideia
de causa
� Qual é para Hume a impressão original de onde surge a ideia de causalidade?
Impressão original  imaginação
� Porque não pode a noção de causalidade ser considerada conhecimento? Qual é então
o seu estatuto?
 Não é um produto da razão
 Não resulta de uma impressão sensível
Estatuto da noção de causalidade  ficção da imaginação
� O conceito de causa não é adquirido empiricamente pois não há uma impressão
sensível responsável pela ideia de causa. A nossa imaginação devido à observação da
conjunção regular e repetida entre os fenómenos formula um sentimento interno
responsável pela ideia de causalidade.
� Segundo Hume a causalidade e a necessidade existem mais na mente do que nas
coisas porque:
 Não temos maneira de saber o que acontece na realidade
 Não temos a ideia de causa
 A ideia de causa é produto da nossa mente porque não temos acesso à essência das
coisas
 Vemos os fenómenos apenas no seu exterior/movimento
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� Será que o conhecimento é possível? Este é um dos problemas centrais da
epistemologia.
� Os céticos consideram que não, argumentando da seguinte maneira:
1. Se há conhecimento, as nossas crenças estão justificadas.
2. Mas as nossas crenças não estão justificadas.
3. Logo, não há conhecimento.
� Este argumento é válido e a primeira premissa é geralmente aceite como verdadeira.
� Se a segunda premissa for verdadeira, então a conclusão também terá de o ser.
Nesse caso, os céticos estão certos.
� Mas por que razão dizem os céticos que as nossas crenças não estão justificadas?
� Há um argumento que os céticos apresentam precisamente para mostrar isso. É o
argumento da regressão infinita da justificação:
1. Toda a justificação se infere de outras crenças.
2. Se toda a justificação se infere de outras crenças, então dá-se uma regressão infinita.
3. Se há uma regressão infinita, as nossas crenças não estão justificadas.
4. Logo, as nossas crenças não estão justificadas.
� Este argumento também é válido. Mas será sólido?
� A primeira premissa diz que justificamos umas crenças a partir de outras crenças.
� Mas se é assim, diz-se na segunda premissa, o processo de justificação não tem fim,
recuando sucessivamente de umas crenças para outras.
� Nesse caso, as nossas justificações serão sempre insuficientes, sugere-se na terceira
premissa.
� Existirá alguma falha no argumento da regressão infinita da justificação ou os céticos
têm mesmo razão?
� Fundacionistas e coerentistas acham que os céticos estão errados, mas por razões
opostas.
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Modelos explicativos do conhecimento:
ORIGEM/FUNDAMENTO
VALIDADE
(ALCANCE/LIMITES)
POSSIBILIDADE
Racionalismo
 O fundamento é a razão há qual se atribui um poder
superior, o qual, aliado a um método adequado permitirá o
conhecimento do todo (ciência);
 Parte de princípios evidentes, claros e distintos, de onde se
deduzem, necessariamente, todas as verdades sobre o mundo,
segundo o rigor das matemáticas;
 Desvaloriza por completo o papel da sensibilidade, porque
os sentidos são confusos;
 O conhecimento sensível é considerado enganador. Por
isso, as representações da razão são as mais certas, e as
únicas que podem conduzir ao conhecimento logicamente
necessário e universalmente válido.
 O saber tem uma validade
UNIVERSAL
 Dogmatismo  crença de que se
pode obter saber certo, seguro e
absoluto sobre a realidade
Empirismo
 O fundamento do conhecimento é a experiência sensível,
que fornece o material básico (ideias e impressões);
 A razão opera intelectualmente, mas opera apenas sobre
aquilo que a experiência fornece, pois não tem um poder
absoluto;
 A base do conhecimento não é segura, certa e indubitável,
chega apenas a conhecimentos prováveis;
> Remete para  indução
 causalidade
 Os empiristas negam a existência de ideias inatas;
 A mente está vazia antes de receber qualquer tipo de
informação proveniente dos sentidos. Todo o conhecimento
sobre as coisas, mesmo aquele em que se elabora leis
universais, provém da experiência, por isso mesmo, só é válido
dentro dos limites do observável.
 O saber tem uma validade
relativa e limitada ao que se
pode conhecer empiricamente
 Ceticismo:
> Radical  não é possível qualquer
tipo de conhecimento.
> Moderada (Hume)  não é
possível conhecer toda a realidade
nem sequer ter conhecimentos
firmes e seguros, justificados
racionalmente.
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IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica
2. Estatuto do conhecimento cientifico
2.1. Conhecimento vulgar e conhecimento cientifico
Conhecimento vulgar e Conhecimento científico
“O que tenho a dizer sobre a ciência pode ser formulado, muito abreviadamente, do
seguinte modo: a ciência não é a digestão dos dados sensoriais que recebemos através
dos nossos olhos, ouvidos, etc., e que combinamos de um modo ou de outro, que
ligamos através de associações e depois transformamos em teorias. A ciência é
constituída por teorias, que são obra nossa. Nós fabricamos as teorias, saímos com elas
pelo mundo, analisamos o mundo ativamente e vemos qual a informação que podemos
extrair, arrancar do mundo. O universo não nos dá qualquer informação se não
partirmos para ele com esta atitude interrogativa: nós perguntamos ao universo se esta
ou aquela teoria é verdadeira ou falsa.”
Karl Popper
� O texto de Popper refere-se a um tipo particular de conhecimento: a ciência. Chama a
atenção para o facto de o cientista não poder partir da observação vulgar para elaborar
as teorias. Estas têm de resultar da imaginação criador do cientista e só num segundo
momento é que se processa a sua validação empírica. A atitude do cientista é sempre
ativa e de interrogação da realidade procurando que ela responda às questões teóricas de
modo a permitir concluir se a teoria é verdadeira ou falsa.
� Além da ciência há também o conhecimento vulgar ou senso comum. Vamos agora
caracterizar cada um destes níveis de conhecimento:
O Senso Comum
“O senso comum é um diabinho que tem mau aspeto. A tirania que exerce sobre o nosso
juízo é dissimulada, discreta e anónima. Regularmente diverte-se a enganar-nos. É
verdade que a nossa ingenuidade tem poucas desculpas. Numerosos filósofos puseramnos na defensiva contra as insuficiências do senso comum, revelando a sua natureza
demasiado rudimentar e denunciando os seus estratagemas. (...)
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Desde o poema de Parménides (século V antes da nossa era), (...) que a opinião comum
é submetida a julgamento e pesadamente condenada: “nada há nela que seja verdadeiro
ou digno de crédito”, foi assim um dos primeiros a dizer que é preciso não acreditar
demasiado nas crenças; a opinião não é a verdade e os nossos sentidos estão repletos de
inexatidões. (...)
O senso comum é necessariamente insidioso. Ninguém lhe escapa completamente. É
aliás o que o define.
Certamente seria ridículo negar que o senso comum nos é quotidianamente de uma
grande utilidade prática. Aliás a vida corrente encarrega-se de chamar à ordem quem
dele seja desprovido, por vezes com uma certa crueza. Ele tem também uma utilidade
funcional que nos é essencial. Que seria da atividade do pensamento se não tivéssemos,
à partida, uma pequena provisão de preconceitos para alimentar? Que faria o nosso
cérebro se não tivesse grão para moer? Sem dúvida, nada de grandioso, mas é forços
reconhecer que o domínio de validade do senso comum é muito limitado.”
Etienne Klein
� Quais são então as características do senso comum? Podemos defini-lo como o modo
comum, corrente e espontâneo de conhecer adquirido na nossa vivência quotidiana.
Permite ao homem resolver os problemas com que se depara no dia a dia, adaptar-se o
sobreviver. Características:
� Resulta de experiências pessoais e é influenciado pela cultura sendo transmitido de
pais para filhos. É um conhecimento empírico e superficial que depende da experiência
quotidiana. Conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar
observando sensorialmente as coisas.
✓ É ametódico, assistemático e fragmentário. Adquire-se sem o haver procurado ou
estudado, sem a aplicação de um método e sem reflexão.
✓ É um conhecimento ingénuo porque não é crítico, não problematiza nem questiona.
✓ É um conhecimento subjetivo, depende do sujeito que conhece, é uma mera opinião
particular.
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� Segundo alguns autores, o conhecimento científico pode partir do senso comum
criticado e, segundo outros, tem mesmo de operar uma rutura pois são duas formas de
conhecer totalmente distintas podendo o senso comum constituir-se como um obstáculo
ao desenvolvimento da ciência. A ciência é um conjunto de teorias construídas para
compreender e explicar a realidade. Que características deve ter este conhecimento para
ser considerado válido?
Características da Ciência
“O enorme prestígio da ciência explica-se facilmente: deve-se à própria natureza da
inteligibilidade científica. Efetivamente, no seio do desejo de verdade e de certeza que
obceca o nosso espírito, há como uma tripla exigência, um triplo voto, a que a ciência
positiva consegue responder de um modo surpreendente. Em primeiro lugar, uma
exigência de objetividade: precisamos de um saber objetivo, que alcance as coisas tal
como são e não como gostaríamos que fossem (...), dizendo de outro modo, o saber
verdadeiro ultrapassa a opinião. O que quer dizer que se pretende universal: que é a
segunda exigência de que falámos. Precisamos de um saber universalmente válido,
capaz de criar o acordo entre os espíritos, suscetível de ser verificado e controlado por
outrem. Ao que se acrescenta, em terceiro lugar, uma exigência de clareza e
racionalidade. O espírito humano não se contente com a simples constatação, com um
armazenar e amontoar de dados. A sua intenção última é clarificar os factos, é captar o
seu “como” e o seu “porquê”, é explicar e compreender. Compreender é sempre, de uma
certa maneira, considerar em conjunto, descortinar relações, reduzir a diversidade de
dados à unidade de uma ideia ou de uma lei, ou de um simples sistema de ideias e de
leis logicamente coerente; em resumo, é sempre introduzir a ordem, unidade, clareza
intelígível, na infinita complexidade dos acontecimentos que compõem o universo”.
Dondeyenne
� Contrariamente ao senso comum, a ciência procura compreender e explicar a
realidade, como se diz no texto, o “como” e o “porquê” dos factos através da construção
de leis, princípios e teorias que devem ser objetivas, isto é, capazes de dizer
adequadamente como as coisas que acontecem e serem válidas para todos; deve ainda
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ser um conhecimento claro e racional, construído através de um método rigoroso e
adequado ao seu objeto, constituindo um sistema de conhecimentos coerente e
articulado.
Em conclusão:
Ciência  atividade desenvolvida pela comunidade científica, num dado contexto
histórico, em laboratórios de universidades e outros centros de investigação.
� Elabora teorias ou hipóteses para explicar de forma racional/justificada/provada
experimentalmente e objetiva os fenómenos que estuda. (a ciência deve eliminar tudo
aquilo que é subjetivo)
� É uma construção do homem  Resulta da sua imaginação para pensar respostas.
 Objeto: encontrar respostas para questões sobre o ser humano e o mundo, através
do uso de métodos de prova e de justificação que sejam racionais, objetivos e
públicos.
 Resultados: leis e teorias. Estas teorias ou leis podem sempre sofrer revisão uma
vez que não são incontestáveis, ou seja, dogmas. A ciência não cria verdades
absolutas ou teorias definitivas.
 Leis científicas: hipóteses que não foram desmentidas por facto algum. São
proposições gerais (válidas para todos os casos do mesmo género) que descrevem e
explicam por que algo acontece. Elas apenas verificam a ocorrência dos factos,
analisando as causas e os efeitos relacionados com o evento. Se uma lei científica é
verdadeira, então nada no universo lhe desobedece. São, por isso, universais. As leis
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científicas não são, contudo, verdadeiras; são sempre suscetíveis de revisão, pois a
ciência baseia-se no pensamento crítico. Por vezes, as leis científicas não são
verdadeiras, mas são as maias adequadas para o fenómeno.
 Teorias científicas: conjuntos organizados e sistemáticos de leis que explicam um
determinado tipo de fenómenos. Na Ciência, uma teoria é o ponto máximo a que
pode chegar uma hipótese. Se uma proposição se tornou uma teoria, é explica
suficientemente um fenómeno e, nas tentativas de falseá-la, não foi possível refutála.
O que torna científica uma teoria ou uma lei?
1.Uma teoria é científica se, não negada pelos factos, tem valor explicativo e preditivo,
isto é, permite predizer novos fenómenos e factos dando conta deles.
2.Tem de ser testável. Deve ser possível confirmá-la ou refutá-la. (se não for testável
será, por exemplo, metafísica)
Senso comum:
Conhecimento relativamente superficial e acentuadamente prático que é partilhado por
uma certa cultura e transmitido de forma acrítica, de geração em geração, ou seja, este
tipo de conhecimento está estreitamente ligado às atividades quotidianas, resultando de
generalizações que se baseiam na experiência e na prática.
� Como se formam as crenças, técnicas e costumes característicos do senso
comum?
1. experiência pessoal
2. por meio de testemunho dos outros
� Uma pessoa transmite-nos uma coisa  confiando no seu testemunho, podemos
beneficiar das observações e generalizações empíricas por eles realizadas  tradição 
transmissão
3. popularização dos conhecimentos científicos
� Através dos meios de comunicação muitos conhecimentos científicos podem
incorporar-se no conhecimento comum, formando-se assim, conhecimentos mais ou
menos vagos sobre genética, astronomia, etc.
� Características do senso comum:
1. Caráter relativamente acrítico  o senso comum tende a aceitar a correção dos
conhecimentos tal qual como foram transmitidos.
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2. Predomínio da descrição sobre a explicação  é próprio do senso comum indicar ou
descrever o que acontece e não o motivo por que acontece ou então as explicações
oferecidas são incompletas e por vezes fantasiosas.
3. Falta de sistematização  os seus conteúdos não estão relacionados entre si, não
formam um conjunto organizado e coerente.
4. É um conhecimento essencialmente prático, tratando principalmente de como temos
de agir, o que fazer para construir algo, que regras de comportamento devemos cumprir
na relação com os outros.
IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica
2. Estatuto do conhecimento cientifico
2.2. Ciência e construção – validade e verificalidade das hipóteses
Podem as hipóteses científicas ser verificadas
� Na sua tentativa de explicar e prever alguns aspetos daquilo que acontece no mundo,
os cientistas formulam hipóteses, isto é, proposições e teorias que talvez sejam
verdadeiras. (As teorias, aliás, consistem em várias proposições organizadas
sistematicamente.) Para avaliar uma hipótese cientificamente, é preciso recorrer à
observação ou experiência. E uma hipótese pode ser «validada» ou «invalidada» pela
experiência — ou, como se costuma dizer para evitar confusões com a noção de
«validade» que encontramos na lógica, pode ser confirmada ou refutada pela
observação.
Método Cientifico
Indução
� A ciência utiliza o raciocínio indutivo
� Parte-se da observação de uma característica em casos particulares e generaliza-se
concluindo-se que todos os casos desse tipo têm a característica observada.
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� Por que há indução na ciência?
 Ex.: Síndroma de Down
Os pacientes com Sindroma de Down têm um cromossoma a mais. Chegou-se a esta
conclusão porque os geneticistas examinaram um vasto número de pacientes com
Síndroma de Down e verificaram que todos eles tinham um cromossoma a mais.

Ex.: Teoria de Newton – Teoria da gravitação
Observou apenas alguns corpos e inferiu que acontecia em todos os corpos.
� Análise de David Hume sobre a indução:

“Será que o Sol se vai levantar amanhã?”

Diremos que sim, porque até agora o Sol sempre apareceu no horizonte

baseado no passado, diremos que o futuro será igual ao passado
� Hume dirá que não tem fundamentação/sustentação  o facto de ter nascido no
passado não quer dizer que irá nascer amanhã (nada nos garante que o futuro será como
o passado).
� Por que acreditamos tão firmemente que será assim?
� Porque acreditamos que o futuro será como o passado, isto é, que a natureza se
comporta sempre do mesmo modo.

Princípio da Uniformidade da Natureza  Segundo este princípio,
a natureza terá princípios uniformes (foi e sempre será)  a natureza comporta-se
sempre da mesma maneira

Não é válido porque é baseado na indução

Não serve de justificação para o raciocínio indutivo (só tivemos experiência de casos
particulares)
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Filosofia 10º/ 11º anos
� Se a experiência não pode justificar a nossa crença na indução será que a nossa razão
o consegue?

Existe um princípio racional à priori que prove que os raciocínios
indutivos são válidos?
Não  Conclusão: Não há nenhum princípio racional nem empírico
seguro que fundamente o conhecimento baseado na indução.
Situação  Não há nada que justifique a indução
Problema fundamental  não tem fundamentação lógica
� As observações empíricas são pensadas como se não houvesse nada por trás. Só havia
indução se a mente fosse uma “tábua-rasa”.
Método Hipotético-Dedutivo
Uma das primeiras perspetivas sobre o método foi a de Francis Bacon, no século XVII,
que teorizou o método científico partindo da ideia de que não haveria ciência sem
observação, uma vez que esta era o próprio ponto de partida tanto para a formulação das
teorias como para a sua verificação posterior. Assim se deu origem a uma perspetiva
sobre o método científico de inspiração empirista e que podemos resumir nas seguintes
regras:
1. Observação
Uma observação torna-se problemática quando revela as fragilidades de uma teoria,
quando a contradiz, isto é, põe em causa a sua capacidade explicativa  vai contra o
que acontece numa teoria prévia
Ex.:
1. Em 1643, os encarregados do serviço de abastecimento de água em Florença foram
surpreendidos por um facto inesperado. Ao usarem uma bomba construída para
extraírem água de uma cisterna sucedeu que, enquanto se mantinha a cisterna a nível de
certo modo elevado, a água saía abundantemente. Contudo, ao descer a cisterna a um
nível de 10,33 m, a água deixava de subir no interior da bomba vazia.

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Contraria a teoria de Aristóteles: “a natureza tem horror ao vazio”

Surge então uma hipótese  Pressão atmosférica
2. Lavoisier  observa que o chumbo depois de queimado pesa mais do que o chumbo
inicial
Trata-se de um facto polémico porque, segundo um dos químicos da época, a
combustão de um corpo metálico faz com que seja libertada uma substância chamada
“flogístico”.

Surge uma hipótese  existência do oxigénio  a combustão de um corpo implica a
fixação do oxigénio do ar e, por isso, o corpo fica mais pesado.
Esta observação problemática nunca é pura/ingénua; enquadra-se sempre numa teoria
prévia
2. Formulação de hipóteses;
Hipótese  enunciado que se propõe como base para explicar por que motivo ou como
se produz um fenómeno ou um conjunto de fenómenos interligados
É necessário explicar por que motivo ou como se produz um fenómeno ou um conjunto
de fenómenos interligados
Podemos usar a indução na ciência, mas na formulação de hipóteses a indução não
desempenha um papel fundamental  a indução não tem caráter explicativo
Para
formular
a
hipótese
é
preciso
pensar

papel
importante
da
imaginação/criatividade do cientista, mais do que a observação empírica (observação
mais imediata)
Atualmente, pensa-se que o papel da experiência na formulação das hipóteses é bem
menor do que os filósofos empiristas julgavam  a ideia de que a experiência é muito
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importante para clarificar o conhecimento científico é algo que não é assim tão claro e
nítido.
Para explicar os fenómenos são utilizadas suposições, analogias, imaginação
 Capacidade criativa e inteligência do cientista na formulação de hipóteses
3. Verificação experimental das hipóteses;
Uma vez estabelecida provisoriamente a hipótese, o passo imediatamente seguinte
consiste em deduzir dela determinadas consequências.
A dedução de consequências tem a ver com a necessidade de testar teorias. As
consequências são testadas para averiguar o grau explicativo da hipótese.
Quanto mais abrangente, maior será o número de consequências e maior probabilidade
terá em ser falsa
A hipótese pode ser rejeitada se as consequências não passarem no teste
Umas passam, outras são refutadas

Se são refutadas arranja-se outra teoria para que as consequências passem
todas no teste

rejeita-se a teoria na sua totalidade (a teoria é defendida como uma
totalidade)
4. Lei (caso as hipóteses sejam verificadas).
A teoria passa os testes e é aceite  a teoria foi verificada/aceite/confirmada, mas não
podemos dizer que é verdadeira porque ela pode vir a ser refutada
 A teoria não passa os testes e é refutada

reformula-se essa mesma teoria

formula-se uma nova teoria
Verificabilidade  ideia de que é possível tentar provar que uma teoria é verdadeira
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Filosofia 10º/ 11º anos
Como é claro, neste tipo de método valoriza-se a indução como a operação da razão que
permite passar de um certo número de casos observado para uma lei universal.
Outras perspetivas sobre o método científico valorizavam a dedução. Nestas se inclui o
pensamento de Descartes que, ao considerar as ideias como produção da razão sem
necessidade da contribuição dos sentidos, defende poder deduzir das ideias todos os
outros conhecimentos.
Com o aparecimento da física de Galileu (um pouco antes de Descartes), surge uma
nova forma de conceber o método científico, valorizando o papel da hipótese e da
dedução matemática das consequências da hipótese. Dá-se grande relevância à
teorização que deve preceder a formulação da hipótese e ao caráter teórico da própria
hipótese. Realça-se o caráter ideal e abstrato da lei científica.
“As leis da física galilaica são, com efeito, leis “abstratas”, que sem mais não têm
validade para os corpos reais. Sem dúvida que respeitam a uma realidade; mas essa
realidade não é a experiência quotidiana; é uma realidade ideal e abstrata. Nós não
precisamos que nos lembrem isto; estamos demasiado habituados a essa abstração.
Precisamos até do contrário: de que nos recordem que o mundo ideal da física
matemática não é, para falar verdade, o mundo real.”
A. Koyré
O papel da observação em ciência é então criticado e suplantado pelo da teorização que
deu origem a uma nova perspetiva sobre este tipo de conhecimento e sobre o método da
sua construção.
Podemos então considerar que a ciência contemporânea, na sequência da proposta
originariamente apresentada por Galileu, inclina-se mais para considerar que o método
indutivo não permite alcançar as finalidades que a ciência pretende atingir e propõe, em
alternativa, aquilo que se pode designar por método hipotético-dedutivo. Este, como
vimos no texto anterior, considera não se poder partir da observação empírica mas de
um facto problema surgido no seio de uma teoria.
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Filosofia 10º/ 11º anos
Assim, podemos dizer que o método hipotético-dedutivo contém os seguintes
momentos:
1. Formulação de um problema;
2. Enunciação de uma hipótese;
3. Dedução das consequências a partir da hipótese;
4. Verificação da hipótese;
5. Refutação ou confirmação da hipótese.
Em conclusão:
O modelo nomológico-dedutivo
� As explicações científicas de acontecimentos são argumentos dedutivamente
válidos cuja conclusão é o explanandum e cujas premissas são o explanans.
� O explanans de uma explicação científica indica pelo menos uma regularidade ou
lei da natureza e pelo menos uma proposição que descreve condições iniciais.
� Explicar um acontecimento é mostrar que, em virtude de certas regularidades ou
leis da natureza, este tinha de ocorrer dada a realização de certas condições iniciais.
� Explicar uma lei é deduzi-la de leis mais gerais.
O modelo estatístico-indutivo
� Explicar um acontecimento é mostrar que, em virtude de certas regularidades ou leis,
este tinha uma probabilidade elevada de ocorrer dada a realização de certas condições
iniciais.
(Pelo menos uma das regularidades ou leis tem uma caráter estatístico.)
O Falsificacionismo de Karl Popper
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-Hugo Araújo-
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Método falsificacionista  o cientista deve tentar refutar a sua teoria e não tentar
confirmá-la porque por mais vezes que a teoria passe no teste não pode ser considerada
verdade.
Contra a verificabilidade
Partimos de hipóteses/teorias/conjeturas
 A hipótese ou teoria é sempre universal  explica como a natureza/mundo se
comporta agora, no passado e no futuro (para sempre) mas como o confronto com a
experiência ou verificação é um caso particular, não nos diz que será válida para
sempre

Como não podem ser verificadas, implicaria que se observassem todos os
casos particulares passados, presentes e futuros, o que é impossível.
É universal mas cada experiência/teste é sempre realizada num espaço e tempo
particulares, ou seja, qualquer verificação é particular
Como não sabemos como o Mundo é, formulamos hipóteses para chegar à verdade, mas
nunca temos a certeza de que é verdadeira
 Sendo a hipótese universal, nunca há verificação universal
Não podemos querer dizer que uma teoria é verdadeira (nem provavelmente verdadeira)
 só podemos dizer que é falsa
Verificabilidade
TC
C
Falácia da afirmação do consequente  o esquema da
verificabilidade é falacioso
Logo, T
Proposta  Falsificabilidade  possibilidade de mostrar que uma hipótese é falsa
TC
NC
Logo, NT
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Modus Tolens
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Devemos sempre tentar refutar a hipótese

Se não podemos refutar uma teoria  Teoria não refutada 
Corroborada
(maior espírito crítico pois procura-se os erros da sua teoria  procura-se
mostrar que a sua teoria é uma má teoria)
Segundo Popper não há verificabilidade
Consequências da falsificabilidade
a) Altera a relação ciência/verdade de uma teoria
Nunca se pode dizer que uma teoria é verdadeira:
 ou e falsa
 ou é corroborada
O cientista já não deve procurar a verdade da teoria mas sim tentar falsificá-la. Só pode
dizer que uma teoria é falsa. Se uma teoria resiste aos testes, diz-se-á corroborada (ainda
não refutada), mas nunca verdadeira nem possivelmente verdadeira.
b) Permite distinguir teorias científicas de não científicas (critério de demarcação de
ciência/não ciência)
Porque uma teoria só é científica se for falsificável (“testável experimentalmente”)
Como é que a ciência progride?
A ciência desenvolve-se/avança segundo conjeturas para resolver problemas e
refutações ou por ensaio/tentativa e erro  quando mostramos que as nossas teorias não
são assim tão boas  formulação de novas teorias ou melhoramento

por ensaio e erro (conjeturas e refutações)
Quando há uma refutação a ciência avança
Quanto mais as teorias resistirem, mais fortes são, mas não temos a certeza que seja
verdadeira e que corresponda à realidade
A ciência parte de problemas  os problemas exigem respostas hipotéticas (teorias)
Devemos procurar erros na nossa teoria
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Qual o papel do erro na ciência?
É aprender para evoluir, o que só é possível com uma atitude crítica (a atitude crítica é
essencial na ciência segundo Popper, porque só conseguimos encontrar erros se
assumirmos uma atitude crítica)
Como é que Popper caracteriza a ciência quanto à verdade?
A ciência avança numa crescente e progressiva aproximação à verdade/crescente
objetividade
O cientista procura falsificar
As teorias que não são falsificadas são corroboradas (não há diferentes níveis)
Ex.:
Teoria de Newton
Segundo Newton, a órbita de Mercúrio deveria comportar-se de certo modo, mas foi
verificado que a órbita era outra
Problema: Desvio na órbita do planeta Mercúrio
Teoria de Einstein
O problema é resolvido pela teoria de Einstein (que a teoria de Newton não explicava)
Ao ser resolvido o problema podemos dizer que a ciência avança numa crescente e
progressiva aproximação à verdade?  É preciso que a teoria de Einstein resolva o
problema que a teoria de Newton não explicava e que explique tudo o que a teoria de
Newton já explicava
Como pode evoluir a ciência se ela avança apenas pela negativa?
 crescente aproximação da realidade
 crescente aproximação da objetividade no mundo
As novas teorias têm que dar conta dos erros que a outra dava e tem que explicar o que
a antiga já explicava

só assim há um progresso em relação à verdade
Alarga o campo do conhecimento em relação ao mundo  mais objetivo
Aproximação à verdade  maior objetividade (melhor representação do mundo)
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Não acrescenta por mera acumulação  acrescenta através de uma perspetiva crítica
Crítica à indução:
Não há indução porque não há observação pura  toda a observação tem por trás
sempre uma expectativa/perspetiva/teoria/hipótese
Temos sempre alguma carga que nasce connosco que vai condicionar a maneira como
nos relacionamos com o mundo.
Na ciência sobrevivem as teorias mais aptas
Acontece desde o plano mais básico (biológico) até à ciência. A ciência, como os
indivíduos, partem de problemas.
O indivíduo adapta-se biologicamente, de forma crescente ao mundo, e a ciência
aproxima-se gradual e progressivamente à verdade  tentativa e erro (há sempre uma
tentativa de adaptação ao mundo. Só se aprende se se errar).
A primeira teoria é quando nascemos (carga biológica com que nascemos)
Ciência  modo mais elaborado de nos relacionarmos com o mundo. Funciona em
continuidade com uma visão pré-científica do mundo
Há medida que se aproxima da verdade vai tendo uma visão mais objetiva do mundo (a
ciência)
Por que há relação entre a verificação e lógica indutiva?
Indução:
 Observação empírica (pura)  generalização
 Quantas mais observações parece mais verdadeira a conclusão  confirma a
generalização
 É sempre inconclusivo  pode ser sempre refutado
Método hipotético-dedutivo
 Hipótese  Consequências  experimentação (observação conforme a hipótese
prevê)  confirmar/verificar
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O que há de comum?
É a ideia de que a experiência é que dita a última palavra sobre a verdade ou validade
das hipóteses
Assim sendo:
Em conclusão:
� Uma teoria do método científico procura responder às seguintes questões:
1) Qual é o ponto de partida das teorias científicas?
2) Como se chega à formulação das teorias científicas?
3) O que se faz às teorias científicas depois de terem sido formuladas?
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Objeções ao indutivismo
� Não é possível registar e classificar factos empíricos sem atender a qualquer
perspetiva teórica.
� As leis científicas que dizem respeito ao inobservável não podem resultar de simples
generalizações indutivas baseadas na observação.
Objeções ao falsificacionismo
� Muitas vezes os cientistas trabalham sobretudo com o objetivo de confirmar as
teorias e continuam a defendê-las mesmo quando as previsões empíricas delas
deduzidas não ocorreram.
� Não é fácil refutar conclusivamente uma teoria. Dado que as previsões empíricas são
deduzidas de um vasto conjunto de hipóteses, se estas fracassarem podemos apenas
concluir que pelo menos uma dessas hipóteses (que pode nem pertencer à teoria) é falsa.
IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica
2. Estatuto do conhecimento cientifico
2.3. A racionalidade cientifica e a questão da objetividade
� Possibilidade do que seja o mundo  confrontada com a crítica e experimentação
para chegar à realidade e objetividade  corresponde à eliminação de todos os
elementos subjetivos (pela negativa); corresponde a uma representação do mundo que
corresponda ao que as coisas são, à realidade (pela positiva)
� O cientista tem que afastar tudo o que é sonho/devaneio (texto de Jacob)
� Objetividade na ciência  depende dos meios (tecnológicos, por exemplo)

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A objetividade é mutável, mas é a finalidade da ciência
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� A ciência é objetiva  critério para a objetividade: é formulada em linguagem
matemática e rigorosa (a linguagem matemática é universal)
� A ciência será um processo de desenvolvimento contínuo (em que a nova teoria
prolonga a anterior) ou descontínuo (em que a nova teoria não é comparável com a
anterior)
� A objetividade absoluta é ideia apenas, tal como uma ciência acabada
 Questão: não estará a realidade sempre para lá da representação que a ciência
constrói?
Problema: há continuidade/descontinuidade na ciência?
A perspetiva de Kuhn sobre a objetividade da ciência
� Perspetiva descontinuista do desenvolvimento da ciência
� A atividade científica tem 3 conceitos fundamentais:
 paradigma
 ciência normal e ciência extraordinária
 revolução científica
� Tem uma visão mais realista
Os cientistas investigam baseados no paradigma
O paradigma é uma visão do mundo que engloba:
 a teoria dominante
 princípios filosóficos
 conceção metodológica
 procedimentos técnicos, etc.
Ciência normal:
� Período de vigência de um paradigma  período em que os cientistas investigam
segundo o que diz o paradigma
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� Durante este período podem surgir anomalias  começam a haver desvios no que a
teoria devia dar conta

Se não houverem muitas há uma desvalorização dessas mesmas
anomalias (1ª reação)

Quando há anomalias em grande número entra-se num período de
crise/momentos críticos

Instabilidade na prática científica  conflito/ausência de consenso

Período de ciência extraordinária
Ciência extraordinária  Quando os cientistas se apercebem que é necessário outro
tipo de respostas
� O paradigma utilizado começa a ser posto em causa, mas ainda não há um novo
modelo; esse modelo vai ser formulado no período de ciência extraordinária
 Revolução científica  passagem de um paradigma para outro
� Paradigma 1 é substituído pelo paradigma 2
� O paradigma 2 não possui as mesmas características que o paradigma 1  os
pressupostos vão ser completamente diferentes  baseado em princípios diferentes
P1 e P2 são incomensuráveis  não podem ser comparados porque partem de
pressupostos completamente diferentes

Surgimento da descontinuidade (incomensurabilidade)
Consequências:
 cai-se numa perspetiva relativista (as respostas que um paradigma dá são relativas a
esse mesmo paradigma)
� O paradigma 2 não é melhor que o paradigma 1; é apenas diferente
 a ciência não procura a verdade
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 a realidade depende do paradigma vigente
 o conceito de objetividade é muito matizado (muito relativo)
� Critérios para a aceitação de um paradigma:
 capacidade para explicar factos polémicos persistentes
 utilidade na resolução de problemas
 realização de previsões adequadas
 aura e prestígio dos cientistas que inventam uma nova teoria e a defendem

O conceito de objetividade acaba por se diluir em parte porque alguns dos critérios são
subjetivos
� Kuhn  esquema complexo mas mais próximo da realidade
Em conclusão
O modelo da evolução da ciência de Thomas Kuhn
� No período da pré-ciência várias escolas rivais discutem incessantemente os
fundamentos da disciplina em questão.
� Esse período termina quando uma teoria bem sucedida institui um paradigma.
� Instituído um paradigma, inicia-se um período de ciência normal.
� A ciência normal é uma atividade de resolução de enigmas, tanto teóricos como
experimentais, governada pelas leis, regras e princípios do paradigma.
� Durante este período surgem anomalias. Uma anomalia é um enigma, teórico ou
experimental, que não encontra solução no âmbito do paradigma vigente.
� Devido à acumulação de anomalias, irrompe uma crise: a confiança num paradigma é
abalada.
� Surge assim um período de ciência extraordinária, marcado pela contestação do
paradigma e pela procura de alternativas.
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� Ocorre uma revolução científica quando o paradigma é substituído por um novo
paradigma, à luz do qual se retoma a atividade da ciência normal.
� Os paradigmas são incomensuráveis. A incomensurabilidade dos paradigmas é a
impossibilidade de compará-los objetivamente de maneira a concluir que um é melhor
do que o outro.
� Assim, a ciência não progride em direção à verdade.
APONTAMENTOS REVISTOS POR UMA PROFESSORA DA ÁREA, DRª
PAULA DA ESCOLA SECÚNDARIA PADRE BENJAMIM SALGADO, EM
JOANE.
TODOS OS ITENS FORAM RETIRADOS DAS ORIENTAÇOES PARA
EXAME NACIONAL 2007/2008 DO GAVE.
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