ELETROMAGNETISMO I 8 66 RESISTÊNCIA E CAPACITÂNCIA 8.1 - RESISTÊNCIA E LEI DE OHM r r A expressão para a densidade de corrente de condução J = σE , vista no capítulo 6, descreve também a lei de Ohm na sua forma pontual. Consideremos a condução de uma corrente I em um meio de condutividade σ por uma seção transversal e regular S. Tomando então a equação pontual da lei de Ohm e multiplicando ambos os lados pela área S, teremos: r r J S= σS E (A) (8.1) Em termos de intensidade de corrente, podemos escrever que: I = σSE ( A ) (8.2) Vimos no capítulo 5 que o campo elétrico é o gradiente negativo da distribuição dos potenciais. Se admitirmos o campo elétrico como uniforme, seu módulo será o quociente da diferença entre dois potenciais V distantes de um comprimento L. Então: I = σSV L (A ) (8.3) O termo σS / L é apenas dependente da geometria e do meio por onde a corrente passa. Independente da tensão e da corrente, é ainda o inverso da resistência elétrica R deste meio com condutividade σ. A corrente I e a resistência R são então: I= V V ( A ) ; R = (Ω) R I (8.4) Mesmo que os campos elétricos não sejam uniformes, a resistência ainda é definida como a relação entre V e I, em que V é a diferença de potencial entre duas superfícies equipotenciais no meio condutivo e I a intensidade de corrente que atravessa estas superfícies: Podemos então, de modo genérico, escrever que: r a r Vab − ∫b E ⋅ dL R= = r r (Ω) I σ E ∫ ⋅ dS (8.5) S A resistência elétrica assim definida implica em admitir a corrente percorrendo o meio no sentido decrescente dos potenciais. Enquanto que o numerador exprime o trabalho realizado contra o campo por unidade de carga, o denominador desta fração indica o fluxo das linhas de corrente que cruzam uma determinada secção em um meio de condutividade σ. É importante ressaltar que a resistência se opõe à passagem da corrente com uma conseqüente transformação de energia elétrica em térmica, sem armazenamento de energia no campo elétrico que distribui os potenciais. Repetindo, depende apenas da geometria e do meio ou do material em que ela é constituída. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino 67 ELETROMAGNETISMO I Exemplo 8.1 Considere um cabo coaxial com dois cilindros condutores concêntricos de raios a m e b m, conforme a figura 8.1. Uma diferença de potencial aplicada entre eles é responsável por uma corrente de fuga entre os condutores interno e externo que constituem o cabo. Se a corrente de fuga por unidade de comprimento for I A/m, e a condutividade do material entre os condutores for igual a σ S/m, calcule o valor da resistência de fuga da isolação entre os condutores. Solução I a a b b Figura 8.1 Cabo coaxial e corrente radial. r r J E = σ A tensão aplicada define superfícies equipotenciais cilíndricas em que a corrente de fuga entre os dois condutores se distribui radialmente. Vamos inicialmente calcular a densidade de r corrente J em um ponto genérico, distante r m do eixo do cabo entre os dois condutores. Para um metro de cabo, a corrente de fuga total será então: r r I = ∫ J ⋅ dS ( A ) S( r ) Para uma determinada distância radial r, observamos que a densidade de corrente tem seu módulo constante e está alinhada a cada elemento de área da secção S(r). Daí para um comprimento unitário vem que: I = J 2πr .1 (A ) Logo o vetor densidade de corrente é radial e vale para cada r r J = I . a$ r 2 πr (A / m 2 ) r O campo elétrico E em um ponto r será, portanto: r E = ( V / m) I . a$ r 2πrσ ( V / m) Se a diferença de potencial aplicada entre os dois cilindros condutores for Vab, teremos: r a r Vab = Va − Vb = − ∫ E ⋅ d l (V) b Pelas condições do problema a diferença de potencial e a corrente consideram apenas a componente radial do deslocamento, onde r d l = drâ r . Então Vab = − ∫ a b I . dr 2πrσ ( V) Ou seja: Vab = I b ln 2πσ a ( V) Portanto, a resistência de fuga por metro será: R = Vab 1 b = ln I 2πσ a Na realidade a corrente é determinada em função de uma dada posição radial r por 1 2π I = ∫ ∫ Jâ r ⋅ rdφdzâ r , onde r é admitida constante. 0 0 UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ( Ω) 68 ELETROMAGNETISMO I Exemplo 8.2 Considere agora que o dielétrico entre os dois condutores seja formado por dois meios distintos, conforme mostra a figura 8.2. Calcule a resistência de fuga por metro deste cabo coaxial. Solução R= a σ1 σ2 R= b R1 = A diferença de potencial entre os dois condutores é constante. Portanto: ; R2 = V I2 1 b ln πσ 1 a (Ω) R2 R 1.R 2 ( Ω) R1 + R 2 ( Ω) ; R2 = 1 b ln πσ 2 a ( Ω) A resistência (equivalente) será então dada por: ( Ω) Observe que agora para r constante temos I1 = R1 +V Por analogia com o exemplo anterior podemos escrever as expressões para R1 e R2: I = I1 + I 2 (A ) ( Ω) V R= Como no exemplo anterior, a corrente se distribui radialmente e há dois meios diferentes sob a mesma tensão elétrica. Podemos então considerar que a corrente total é a soma de duas correntes I1 e I2. V I1 V Como poderíamos esperar a resistência total é: Figura 8.2 Cabo co-axial com 2 dielétricos em paralelo. R1 = V V = (Ω) I I1 + I 2 R= 1 b ln (Ω) π(σ1 + σ 2 ) a 1 π 1 π 0 0 0 0 ∫ ∫ J1â r ⋅ rdφdzâ r e I 2 = ∫ ∫ J 2 â r ⋅ rdφdzâ r . Exemplo 8.3 Considere agora a configuração mostrada na figura 8.3. Calcular a resistência de fuga. Solução σ2 b Todas as linhas de corrente são radiais e passam tanto pelo condutor 1 como pelo condutor 2. Podemos então assumir que as correntes nos meios 1 e 2 são iguais e: c I = I1 = I 2 (A ) a σ1 Porém a diferença de potencial aplicada entre os condutores é: V = V1 + V2 Figura 8.3 Cabo co-axial com 2 dielétricos em série. V1 = R 1 . I ( V) ; ( V) V2 = R 2 . I R 1.I + R 2 .I = R.I (V) UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ( V) 69 ELETROMAGNETISMO I V2 = R = R 1 + R 2 (Ω) r r a V1 = − ∫c E1 .d r (V) V1 = R1 = I c ln (V ) 2πσ1 a 1 c ln 2 πσ 1 a R= r r c V2 = −∫b E 2 .d r (V ) I b ln 2 πσ 2 c ( Ω) ; ( V) R2 = 1 b ln 2 πσ 2 c 1 ⎛ 1 c 1 b⎞ ⎜ ln + ln ⎟ (Ω) 2 π ⎜⎝ σ1 a σ 2 c ⎟⎠ 8.2 - CAPACITÂNCIA Sejam dois condutores imersos em um meio dielétrico homogêneo, conforme ilustra a figura 8.4. O condutor M1 possui uma carga positiva de Q coulombs e o condutor M2 uma carga de mesma magnitude, porém de sinal contrário. Podemos dizer então que existe, pois, uma diferença de potencial V (V1 em M1 maior do que V2 em M2) entre esses dois condutores, exprimindo a idéia de capacitância. A capacitância C deste sistema é definida como: C= Q (F) V (8.6) Considerando uma carga elétrica livre Q em valor absoluto presente em cada condutor, podemos, ∫S r r empregando Q = D ⋅ dS , escrever que: r r ∫ εE.dS C = SM r r (F) − ∫ E.dL M (8.7) 1 2 E M1 M2 Figura 8.4 Dois condutores carregados, imersos em um meio dielétrico. Podemos notar que tanto a carga Q com a diferença de potencial V entre os condutores, são obtidas em função do campo que se estabelece no dielétrico. Lembre que cargas positivas determinam potenciais positivos e cargas negativas determinam potenciais negativos ao estabelecer os extremos de integração na equação (8.7). UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ( Ω) 70 ELETROMAGNETISMO I Exemplo 8.4 Considere o capacitor da figura 8.5 com duas placas paralelas iguais de área S, separadas por uma distância d. O dielétrico entre elas tem permissividade ε. Calcular a capacitância C deste arranjo. Solução + σs σs d z E Figura 8.5 Capacitor de placas paralelas. Pela definição de capacitância: Q C = V Os extremos de integração foram determinados segundo a orientação do eixo z. No caso, foi desprezado o efeito das bordas para o campo elétrico. Assim: ( F) Como a carga se distribui na superfície plana e condutora de cada placa Q = ρs .S ρsd ε V = (C) ( V) Daí: Vemos que esta distribuição de cargas superficiais gera um campo no dielétrico e conseqüentemente uma tensão elétrica dada por: V = − ∫ sup inf r r E. dL = − ∫ 0 d ρs . dz ε C = ρ sS εS = ( ρ s ε)d d ( F) Independente de Q e V. ( V) Conhecendo a configuração do campo no dielétrico, podemos determinar tanto a carga como a diferença de potencial, exigidas para o cálculo da capacitância. Exemplo 8.5 Suponha agora que o dielétrico tenha a configuração mostrada na figura 8.6. Calcular a capacitância C. Solução d E V Figura 8.6 Capacitor com 2 dielétricos em paralelo. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino 71 O campo elétrico neste caso possui somente a componente tangencial na interface entre os dielétricos. Pelas condições de fronteira entre os dielétricos: ∫ s2 r r D 2 . dS = Q 2 ( C) Q = Q1 + Q 2 E t1 = E t 2 ∫ r r r E1 = E 2 = E s1 r r D 1 . dS + ∫ s2 ( C) r r D 2 . dS = Q r r r D1 = ε1E1 = ε1E ( C / m2 ) D 1S 1 + D 2 S 2 = Q r r r D2 = ε 2 E 2 = ε 2 E ( C / m2 ) ε 1 E.S 1 + ε 2 E.S 2 = Q ∫ s ∫ s1 ( C) r r D 1 . dS = Q 1 ( C) ( C) V = Q ( C) d ε 1S 1 ε S Q + 2 2 = ( F) d d V ( ε 1S 1 Pela lei de Gauss: r r D. dS = Q ( C) + ε 2S2 ) C1 + C 2 = C ( C) ( F) Exemplo 8.6 Tendo o dielétrico entre as placas a configuração da figura 8.7, calcular a capacitância C. Solução V2 D d V V1 Fig. 8.7 - Capacitor com 2 dielétricos em série O campo elétrico neste caso possui somente a componente normal na interface entre os dielétricos. Pelas condições de fronteira entre os dielétricos: D. S = Q D n1 = D n 2 = D ε1E1 = ε 2 E 2 V1 = E1d1 ( V) ( C / m2 ) ; V2 = E 2d 2 V = V1 + V2 V = D D d1 + d2 ε1 ε2 Pela lei de Gauss: r ( V) ( V) r ∫ D. dS = Q ( C) ⇒ D = V=Q ( C) Q S d d1 +Q 2 Sε 2 Sε 1 (C / m 2 ) ( V) ( V) d d V = 1 + 2 ε 1S ε 2S Q 1 1 1 = + C C1 C2 (1 / F) ELETROMAGNETISMO I 72 EXERCÍCIOS 1) Mostre que a resistência elétrica de qualquer material com condutividade σ vale R = L / (σA), admitindo-se que uma distribuição uniforme de corrente atravessa uma secção reta de área constante A ao longo do seu comprimento L. 2) Determine a resistência que existe entre as superfícies curvas, interna e externa de um bloco de prata, definido por raios de curvatura com 0,2 m e 3,0 m respectivamente, uma abertura angular de 5º e espessura de 0,05 m. Dado: condutividade da prata σ = 6,17 x 107 S/m. 3) Uma dada chapa de alumínio possui 1,0 mil de espessura, 5,0 cm de lado e condutividade 38,2 MS/m. Calcule a resistência elétrica desta chapa (a) entre os lados que se opõem às faces quadradas e (b) entre as duas faces quadradas. 4) Calcule a resistência de isolação de um cabo coaxial de comprimento l e raios interno e externo ra e rb respectivamente. 5) Determine a resistência oferecida por um condutor de cobre ao longo de 2 m de comprimento por uma secção reta circular de raio de 1 mm em uma extremidade e que vai aumentando linearmente até um raio de 5 mm na outra. A condutividade do cobre é 58 MS/m. 6) Mostre que a energia armazenada entre as armaduras de um capacitor é maior quando existe um dielétrico, comparativamente ao espaço-livre. Demonstre também que a energia armazenada por um capacitor quando este se encontra carregado com uma carga Q e submetido a uma tensão V é dada por CV2/2. 7) Calcule a capacitância que existe entre duas placas paralelas, uma superior com carga + Q e uma inferior com carga – Q, existindo entre elas um dielétrico de permissividade ε. Despreze o espraiamento do campo elétrico nas bordas das placas condutoras. 8) Determine a capacitância de um cabo coaxial de comprimento finito L, onde o condutor interno tem raio a e o externo raio b, tendo entre eles um dielétrico de permissividade ε. 9) Calcule a capacitância que existe entre duas placas planas que formam um ângulo de 5º definidas por raios de curvatura com 1 mm e 30 mm respectivamente e uma altura de 5 mm, cuja região entre elas encontra-se preenchida por um dielétrico de permissividade relativa 4,5. 10) Retomando o problema anterior, qual a separação d que leva à mesma capacitância quando as placas encontram-se paralelas? 11) Calcule a resistência por unidade de comprimento entre duas superfícies curvas concêntricas, uma de raio r = 0.2 m, outra de raio 0.4 m, limitadas por um ângulo de 30º. O material entre elas possui uma condutividade σ = 6,17×107 S/m. 12) Calcule a resistência de um condutor de alumínio com condutividade 35 MS/m, de 2 m de comprimento, seção reta quadrada de 1 mm2 em uma extremidade, aumentando linearmente para 4 mm2 na outra extremidade. 13) Por um defeito de fabricação, um cabo coaxial possui um deslocamento entre os centros dos condutores interno e externo conforme mostrado na figura a seguir. Tendo o dielétrico uma condutividade de 20 µS/m, determine a resistência de isolação por metro desse cabo. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino 73 ELETROMAGNETISMO I 0.8 cm 2 cm 4 cm Figura para o problema 13 14) Resolver o problema anterior, considerando agora os cabos concêntricos. Compare os resultados. 15) Encontre a capacitância entre as superfícies condutoras do capacitor mostrado na figura abaixo, preenchido por um dielétrico de permissividade relativa 5,5. εr = 5,5 30º 60 mm 5 mm 4 mm Figura para o problema15 16) Calcule a capacitância por unidade de comprimento entre um condutor cilíndrico de 6 cm de diâmetro e um plano condutor, paralelo ao eixo desse cilindro, distante 10 m do mesmo. 17) Um capacitor de placas paralelas com área de 0,30 m2 e separação 6 mm contém três dielétricos assim distribuídos : εr1 = 3.0, com espessura de 1 mm. εr2 = 4.5 com espessura de 2 mm e εr3 = 6,0 com espessura de 3 mm. Aplicando-se uma ddp de 1200 V sobre o capacitor, encontre a diferença de potencial e o gradiente do potencial (intensidade do campo elétrico) em cada dielétrico. 18) A figura a seguir mostra um cabo coaxial cujo condutor interno possui raio de 0,6 mm e o condutor externo raio de 6 mm. Calcule a capacitância por unidade de comprimento incluindo os espaçadores como indicado com constante dielétrica 6,0. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I 74 12.5mm 50 mm Figura para o problema 18 19) Um cabo de potência blindado opera com uma tensão de 12,5 kV no condutor interno em relação à capa cilíndrica. Existem duas isolações: a primeira tem permissividade relativa igual a 6,0, e é do condutor interno em r = 0,8 cm a r = 1,0 cm, enquanto que a segunda tem permissividade relativa igual a 3,0 e vai de r = 1,0 cm a r = 3,0 cm, que corresponde à superfície interna da capa externa. Encontre o máximo gradiente de tensão em cada isolação empregada. 20) Um certo cabo de potência blindado tem isolação de polietileno para o qual εr = 3,26 e rigidez dielétrica 18,1 MV/m. Qual é o limite superior de tensão sobre o condutor interno em relação à blindagem quando o condutor interno possui raio de 1 cm e o lado interno da blindagem concêntrica apresenta raio de 8,0 cm ? UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino