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DIREITOS E ARTIGOS SOBRE AUTUAÇÕES

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As autoridades de trânsito e os órgãos recursais podem invocar a presunção de
legitimidade como único fundamento para manter a aplicação de penalidades
previstas no CTB?
Tendo em vista a relevância do assunto em questão, tomarei a liberdade de reproduzir,
antes de tudo, algumas normas que tratam da autuação e da competência legal para lavrála, quando da constatação de alguma infração de trânsito. Vejamos.
O Código Brasileiro de Trânsito – CTB, instituído pela Lei n. 9.503/1997, assim
estabelece:
Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de
infração, do qual constará:
I - tipificação da infração;
II - local, data e hora do cometimento da infração;
III - caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros
elementos julgados necessários à sua identificação;
IV - o prontuário do condutor, sempre que possível;
V - identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento
que comprovar a infração;
VI - assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do
cometimento da infração.
§ 1º (VETADO)
§ 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da
autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual,
reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente
regulamentado pelo CONTRAN.
§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à
autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além
dos
constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte.
§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá
ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado
pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.
Neste ponto, importa lembrar que a maioria das autuações tem sido lavradas com o
veículo em movimento, sem abordagem (ou interceptação), com base no parágrafo 3º do
artigo 280 (acima), fato que, aliás, encontra respaldo no Manual Brasileiro de Fiscalização
de Trânsito - MBFT, Volumes I e II, aprovados, respectivamente, pelas Resoluções
CONTRAN ns. 371/2010 e 561/2015[i], com as seguintes informações e procedimentos
a serem observados por todos os agentes de trânsito:
4. AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO
O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração de trânsito
(AIT) poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar
designado pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via no âmbito de sua
competência.
Para que possa exercer suas atribuições como agente da autoridade de trânsito, o servidor
ou policial militar deverá ser credenciado, estar devidamente uniformizado,
conforme padrão da instituição, e no regular exercício de suas funções.
O veículo utilizado na fiscalização de trânsito deverá estar caracterizado.
O agente de trânsito, ao constatar o cometimento da infração, lavrará o respectivo auto e
aplicará as medidas administrativas cabíveis.
É vedada a lavratura do AIT por solicitação de terceiros, excetuando-se o caso em que o
órgão ou entidade de trânsito realize operação (comando) de fiscalização de normas
de circulação e conduta, em que um agente de trânsito constate a infração e informe ao
agente que esteja na abordagem; neste caso, o agente que constatou a infração
deverá convalidar a autuação no próprio auto de infração ou na planilha da operação
(comando), a qual deverá ser arquivada para controle e consulta.
O AIT traduz um ato vinculado na forma da Lei, não havendo discricionariedade com
relação a sua lavratura, conforme dispõe o artigo 280 do CTB.
O agente de trânsito deve priorizar suas ações no sentido de coibir a prática das infrações
de trânsito, devendo tratar a todos com urbanidade e respeito, sem, contudo, omitir-se
das providências que a lei lhe determina.
(...)
7. AUTUAÇÃO
Autuação é ato administrativo da Autoridade de Trânsito ou de seus agentes quando da
constatação do cometimento de infração de trânsito, devendo ser formalizado por meio
da lavratura do AIT.
O AIT é peça informativa que subsidia a Autoridade de Trânsito na aplicação das
penalidades e sua consistência está na perfeita caracterização da infração, devendo ser
preenchido de acordo com as disposições contidas no artigo 280 do CTB e demais normas
regulamentares, com registro dos fatos que fundamentaram sua lavratura.
O AIT não poderá conter rasura, emenda, uso de corretivo, ou qualquer tipo de
adulteração. O seu preenchimento se dará com letra legível, preferencialmente, com
caneta esferográfica de tinta azul.
Poderá ser utilizado o talão eletrônico para o registro da infração conforme
regulamentação específica.
(...)
O agente de trânsito, sempre que possível, deverá abordar o condutor do veículo para
constatar a infração, ressalvados os casos nos quais a infração poderá ser comprovada
sem a
abordagem: Para esse fim, o Manual estabelece as seguintes situações:
- Caso 1: ‘possível sem abordagem’ – significa que a infração pode ser constatada sem a
abordagem do condutor.
- Caso 2: ‘mediante abordagem’ – significa que a infração só pode ser constatada se
houver abordagem do condutor.
- Caso 3: ‘vide procedimentos’ – significa que, em alguns casos, há situações específicas
para abordagem do condutor.
Visto isso, e para que não haja nenhuma dúvida a respeito da conclusão a que pretendo
chegar, apresentarei, a seguir, três casos concretos:
1º CASO: Ao ser consultado por um amigo, penalizado com três multas de trânsito, por
um único ato, ou seja, por ter (supostamente) realizado uma conversão em local proibido
pela sinalização, resolvi ajudá-lo, não por ser seu amigo, mas, sim, pela injustiça que
acabei constatando, desde a autuação (lavrada em flagrante inobservância aos preceitos
legais vigentes) até o julgamento do recurso realizado pela JARI, que decidiu, por
unanimidade, pela manutenção da penalidade aplicada pela autoridade de trânsito, sem
qualquer fundamentação, em flagrante desrespeito ao estabelecido no item 8.3 das
Diretrizes para a Elaboração do Regimento Interno das JARI, estabelecidas pela (e em
anexo à) Resolução CONTRAN n. 357/2010[ii], que assim dispõe:
8.3. As decisões das JARI deverão ser fundamentadas e aprovadas por maioria
simples de votos dando-se a devida publicidade.
Analisando-se o “parecer” do relator da JARI, no caso em comento, acompanhado e
reproduzido literalmente pelos demais membros, é possível constatar que o dispositivo
acima não foi observado por nenhum dos três membros. Vejamos a decisão:
“A infração e o veículo foram devidamente caracterizados e em consonância com a
legislação em vigor. Assim, com fundamento no atributo da presunção de
legitimidade, sou pela manutenção da penalidade.”
Como se vê, estamos diante de um “parecer” padrão (copiado e reproduzido literalmente
pelos três membros da JARI), “fundamentado” tão somente na “presunção de
legitimidade” dos atos administrativos, e, pior, flagrantemente desvinculado do caso sob
julgamento, haja vista que, além de não ter dado nenhuma importância às fotos anexadas
ao recurso (demonstrando que a sinalização estava visivelmente encoberta pela vegetação
local), o relator não apresentou sequer manifestação quanto ao pedido de diligência ao
local da suposta infração. Aliás, neste caso, o relator deveria ter observado o que diz o
item 3.1.b das referidas Diretrizes, nos seguintes termos:
“3.1. Compete às JARI:
3.1.a. julgar os recursos interpostos pelos infratores;
3.1.b. solicitar aos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários
informações complementares relativas aos recursos objetivando uma melhor análise
da situação recorrida;”
Neste ponto, uma pergunta se impõe: Mas, afinal, o que vem a ser essa tal “presunção de
legitimidade”, capaz de, por si só (na visão de muitos), “fundamentar” uma decisão
administrativa? A resposta virá mais adiante.
2º CASO: Após receber uma notificação de autuação, acusando o cometimento da
infração de trânsito prevista no art. 187, inciso I, do CTB (TRANSITAR EM
LOCAL/HORÁRIO NÃO PERMITIDO PELA REGULAMENTAÇÃO – RODÍZIO),
com a respectiva foto capturada por equipamento eletrônico, um amigo solicitou a minha
ajuda, notadamente porque, analisando-se a foto, com ampliação da imagem, foi possível
constatar que a placa dianteira do veículo autuado possuía final 6177, enquanto a do
veículo dele, devidamente registrado e licenciado, possui final 8177.
Por óbvio, a defesa da autuação foi deferida de pronto, pela autoridade de trânsito,
notadamente porque, neste caso, como se viu, havia uma foto capaz de revelar a evidente
falha de percepção visual[iii] do agente responsável pela expedição da notificação da
autuação.
Neste ponto, cabe outra pergunta: E se não houvesse a foto que revelou a falha do agente,
será que o notificado conseguiria demonstrar que o veículo dele não estava no local, data
e horário da autuação? Por óbvio, a menos que ele tivesse em seu poder algum meio de
prova nesse sentido (cupom fiscal de estacionamento etc.), seria praticamente impossível.
3º CASO: Posteriormente ao 2º caso, o mesmo amigo recebeu nova notificação de
autuação, acusando o cometimento de outra infração de trânsito, prevista no art. 207 do
CTB (EXECUTAR OPERAÇÃO DE CONVERSÃO À ESQUERDA EM LOCAL
PROIBIDO PELA SINALIZAÇÃO). Desta vez, porém, o auto de infração havia sido
lavrado por um agente de trânsito, em talão eletrônico. Logo, a notificação da autuação
não apresenta a foto do veículo autuado.
Ocorre que, para indignação do autuado, no dia da suposta infração, o veículo dele estava
(segundo ele alega, e eu acredito) na garagem de sua residência, localizada em região
muito distante daquela constante do auto de infração, motivo pelo qual, por óbvio, não
poderia estar lá, no local da infração.
Sendo assim, mais uma pergunta se impõe: A simples afirmação de que seu veículo estava
na garagem e, portanto, não poderia estar no local da infração será (seria) suficiente para
conseguir o deferimento da defesa da autuação, com o consequente cancelamento do auto
de infração? Muito provavelmente, sem a apresentação de qualquer meio de prova
(cupom fiscal de estacionamento; declaração de socorro de urgência, com o respectivo
atestado médico; cópia de controle de entrada e saída de veículos etc.), sua defesa será
(seria) indeferida. A autoridade de trânsito certamente julgará válida a autuação, com base
na “presunção da legitimidade” do ato administrativo.
Pois bem, diante desses três casos concretos, oportunas são as lições do ilustre Doutor e
Mestre em Direito Rafael Maffini[iv], segundo o qual:
O primeiro – e mais relevante – atributo (leia-se, dos atos administrativos) é o da
presunção de validade, que costuma ser denominado “presunção de legitimidade” ou
“presunção de veracidade”. Opta-se pela expressão “presunção de validade” por melhor
traduzir o seu significado jurídico. Com efeito, o atributo da presunção de validade (ou
legitimidade) consiste no fato de que, uma vez praticado, o ato administrativo guardará
em seu favor a presunção de que foi praticado de acordo com a ordem jurídica (de que é
válido, portanto) e de que o seu conteúdo traduz-se como verdadeiro. Tal atributo, cumpre
salientar, apresenta-se em todos os atos administrativos.
Em razão da importância de tal atributo, mostra-se conveniente que se o analise através
de algumas observações que passam a ser expostos:
a) Por primeiro, deve-se ter que a presunção de validade que os atos administrativos
possuem é uma presunção relativa ou juris tantum. Isso significa dizer que a presunção
de que os atos administrativos são praticados validamente pode ser infirmada mediante a
demonstração do contrário, ou seja, de que foi praticado de modo a desrespeitar as regras
e princípios aplicáveis. Assim, não se poderia cogitar de ser uma presunção absoluta (juris
et de jure), sob pena de se proibir que os atos administrativos inválidos fossem anulados.
b) a segunda observação, diretamente relacionada com a primeira, diz respeito a uma
questão processual, qual seja, a questão do onus probandi quanto à validade ou à
invalidade dos atos administrativos. Da presunção de validade dos atos administrativos
decorre o fato de que, em termos gerais, não necessita a Administração Pública provar a
validade dos atos administrativos que pratica, uma vez que tal validade é presumida.
Dessa forma, o ônus da prova da invalidade é do interessado na anulação, mesmo que
existam instrumentos processuais para facilitar tal tarefa (ex.: art. 6º, § 1º, da Lei
12.016/2009, pelo qual o impetrante poderá solicitar em juízo que este requisite
documentos de posse da Administração Pública para a demonstração da lesão a direito
líquido e certo). De outro lado, não se pode olvidar que há circunstâncias em que a
Administração Pública, quando for suscitada, poderá ser obrigada a demonstrar a
legalidade de suas condutas administrativas a outros órgãos ou entidades administrativas
incumbidas da realização de controle (ex.: art. 113 da Lei 8.666/1993). Situações como
essa, contudo, não servem para descaracterizar o significado jurídico da presunção da
validade dos atos administrativos, especialmente se analisado tal atributo na perspectiva
da relação jurídica avençada entre a Administração Pública e o administrado.
(...)
4.1 Princípio do contraditório
O sentido moderno do princípio do contraditório, o qual é incumbido de assegurar a
construção de relações jurídico-processuais dialéticas e racionais, impõe, em linhas
gerais, que se garanta aos interessados na decisão final de um processo a informação
necessária, a reação possível e a cooperação entre as partes envolvidas. Disso resultam os
seguintes consectários básicos: a) informação geral sobre os atos e documentos contidos
no expediente; b) oitiva das partes e c) motivação das decisões administrativas.
4.2 Princípio da ampla defesa
A ampla defesa, que possui relações necessárias com o contraditório, consiste na garantia
de máxima possibilidade de os interessados pleitearem administrativamente em favor
das pretensões vertidas em sede administrativa. Também possui manifestações básicas
que podem ser assim sumarizadas:
a) oponibilidade de defesa prévia à decisão;
b)recorribilidade das decisões administrativas, mesmo que ausente preceito legal
específico;
c) garantia de defesa técnica, através da possibilidade de constituição de advogados;
d)direito à comunicação e ao prazo razoável para o acompanhamento de atos processuais;
e) solicitação e acompanhamento de provas.
Analisando-se as sábias lições acima, e voltando ao 1º CASO, é possível concluir que,
embora a autoridade de trânsito tenha possibilitado (ao autuado) o direito de defesa, esta
não foi analisada sob o crivo dos princípios acima mencionados (do contraditório e da
ampla defesa), nem tampouco sob o estabelecido nas Diretrizes acima mencionadas,
notadamente porque, como se viu, não houve manifestação sequer quanto ao pedido de
diligência ao local da suposta infração. Trata-se, salvo melhor juízo, de decisão nula, por
nítido e inadmissível cerceamento de defesa, bem como por falta de fundamentação.
A propósito, oportunas também são as lições do Doutor Norberto Almeida Carride[v],
segundo o qual:
O ato do agente de trânsito, como todo ato administrativo, traz em si a presunção da
legitimidade, levando o particular o ônus da demonstração de prova em contrário.
Existe sempre a possibilidade de ocorrer falha, decorrente da falibilidade humana, na
aferição de ato ou fato reputado infracional, por parte do agente de trânsito.
Na hipótese de infração: por falta de uso do cinto de segurança, de ultrapassar sinal
vermelho ou amarelo, na aferição de velocidade etc., sem identificação do motorista,
precisa o agente ser cauteloso, a fim de não punir, eventualmente, inocente.
Pode haver equívoco, principalmente quanto ao uso do cinto de segurança, em face de
inúmeras situações que possam ocorrer e atrapalhar ou confundir o agente, que não
é infalível e, via de regra, pessoas sem experiência, principalmente na escola da vida, da
existência, onde a prudência e o bom senso passam a prevalecer.
Como poderia o condutor, estando sozinho no veículo, após receber notificação da
autuação, comprovar que a afirmação do agente é incorreta, e que estava utilizando
correta e adequadamente o cinto de segurança?
Nem o magistrado tem tanta discricionariedade, tanto poder (decide com base em
elementos sólidos de convicção, sendo obrigado a fundamentar, sob pena de nulidade).
Não pode, em certas situações em que os sentidos do agente podem falhar (visão
ofuscada, impressão equivocada, sensação distorcida, etc.), prevalecer a presunção
da veracidade do ato relativo à autuação, principalmente na hipótese de falta de utilização
do cinto de segurança, estando o veículo em movimento (a roupa utilizada pelo condutor,
ou pelos passageiros, a regulagem do dispositivo do suporte do cinto, acima ou mais para
baixo – conforme nos veículos modernos, podem induzir e levar o agente a erro). Afigurase prudente, correta e justa, a atitude omissiva, deixando de autuar na dúvida, ou em
situações inadequadas, afastando o risco de cometer injustiça ao cidadão ordeiro.
Como já se frisou, o mau motorista, o costumeiro violador das regras, por certo acabará
sendo autuado em outras oportunidades que não faltarão.
Esse proceder se afigura como um dos princípios básicos da Justiça.
(...)
Para que ocorra a presunção de veracidade (decorrente da presunção de legitimidade do
ato administrativo), é necessário que o ato ou fato ilícito (administrativo) tenha
sido presenciado pessoalmente pelo agente (não aferido por relato de terceiros) de
trânsito. (...)
Portanto, o agente ou a autoridade de trânsito deve lavrar o auto de infração somente
quando tenha presenciado o fato que relata. Do relato do que teve ciência
pessoal, preenchidos os demais requisitos formais do ato, resulta na presunção relativa
(juris tantum) de veracidade dos fatos narrados (art. 364 CPC), em face do princípio da
presunção de legitimidade dos atos administrativos.
O fato é que, embora caiba ao “particular o ônus da demonstração de prova em contrário”,
conforme bem apontou o nobre Doutor Norberto de Almeida Carride, em muitos casos,
a prova em contrário se torna impossível (prova, aliás, conhecida por diabólica[vi]) ou
excessivamente difícil ao recorrente.
Não é sem motivo que o vigente Código de Processo Civil, ao tratar do ônus da prova,
assim estabelece:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do
autor.
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à
impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos
termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário,
poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por
decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se
desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Veja-se que diante da impossibilidade ou da excessiva dificuldade em se provar fato
contrário, o juiz pode (nos termos do § 1º acima) atribuir o ônus da prova de modo diverso.
Não obstante, no estudo em questão, entendo que nem seria necessário inverter o ônus da
prova, mas, sim, assegurar ao notificado de uma autuação (em movimento) o direito de
ao menos tentar demonstrar que o seu veículo não estava no local da infração (caso esta
seja a sua alegação), no dia e horários apontados (na notificação), por meio de documento
próprio, mais adiante mencionado, a exemplo do direito previsto no § 4º do art. 148-A[vii]
e no § 2º[viii] do art. 306, ambos do CTB, os quais, como se sabe, asseguram ao condutor
fiscalizado o direito à contraprova. Desta forma, portanto, a presunção de legitimidade da
autuação restaria preservada, porém, a depender do caso, poderia ser infirmada mediante
a demonstração do contrário (pelo referido documento).
A título de exemplo, caso o condutor seja flagrado (abordado, portanto), pelo agente de
trânsito, na condução de veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada, e
autuado com base apenas e tão somente em sinais que indiquem tal alteração, na forma
regulamentada pelo CONTRAN[ix], o direito à contraprova lhe será garantido (CTB, art.
306, § 2º).
Por outro lado, por mais absurdo que possa parecer, se a autuação for lavrada com o
veículo em movimento (sem abordagem), com base no MBFT, a “simples” declaração do
agente de trânsito (no auto de infração) será o suficiente, até o presente momento, para
que a autoridade de trânsito competente possa aplicar qualquer das penalidades previstas
no art. 256 do CTB, caso o condutor não tenha acesso à eventual contraprova. Com o
devido respeito, “nem o magistrado tem tanta discricionariedade, tanto poder”, bem disse
o Doutor Norberto Almeida Carride.
Ora, se por um lado (da Administração) a autoridade de trânsito tem o direito de invocar
a presunção de legitimidade dos atos praticados pelos seus agentes (autuações), que, como
se viu, gozam de presunção relativa (juris tantum), por outro, não se pode negar, o cidadão
(autuado) tem (deveria ter) o direito de requerer a apresentação de qualquer documento
(caso existente e ao qual não tem acesso) capaz de demonstrar possível falha do agente
de trânsito, por ocasião da lavratura do auto de infração. Sem isso, por óbvio, a defesa se
torna praticamente impossível.
Registre-se que não estou colando em dúvida (ou suspeição) a lisura do ato (autuação)
praticado pelo agente de trânsito, nem tampouco a sua competência para tanto, mas, sim,
uma possível falha de percepção visual quanto ao fato constatado por ele, ou até a possível
autuação de veículo dublê. Aliás, retornando ao 2º CASO, acima exposto, é possível
extrair, no mínimo, duas hipóteses:
1ª) Ao elaborar a notificação da autuação (olhando para a foto do veículo!), o agente
estava utilizando o WhatsApp (sim, infelizmente, o que mais se vê nos dias atuais são
pessoas, atendentes e servidores de todas as espécies utilizando este aplicativo durante o
turno de serviço, muitas vezes alheios ao seu trabalho) e, devido à falta de atenção, acabou
digitando 8177 em vez de 6177; e,
2ª) Sem ampliar a imagem da placa do veículo, o agente realmente “enxergou” (por falha
de percepção visual) o final 8177, e emitiu a notificação com este final.
Enfim, se diante de uma imagem estática (foto) o agente foi (e é) capaz de cometer uma
falha de percepção visual, ao emitir a notificação da autuação, não é preciso muito esforço
para se imaginar como seria sua atitude diante de um veículo em movimento, dentre tantos
outros, num trânsito como o nosso, sabidamente congestionado em qualquer hora do dia
ou até da noite.
É por tudo isso que, por ocasião da interposição da defesa da autuação ou de eventual
recurso, nos casos de autuação com o veículo em movimento, portanto, sem abordagem,
quando o notificado alegar que o veículo autuado estava na garagem ou em qualquer outro
local, sem a possibilidade de apresentar qualquer documento que possa demonstrar o
alegado, a presunção de legitimidade do ato deveria prevalecer apenas quando a
autoridade de trânsito tivesse em seu poder um documento capaz de demonstrar que o
veículo realmente estava no local da infração.
Demonstrar que o veículo estava no local da infração?! Como assim? Como isso
seria possível? Esta é a pergunta que você, caro leitor, deve estar se fazendo, não é
mesmo?!
Em resposta, eu digo: para demonstrar a presença do veículo no local da infração, bastaria,
por exemplo, que a autoridade de trânsito ou a JARI requeresse a quem de direito, a
pedido do recorrente ou de ofício[x], cópia do histórico (ou relatório) de deslocamento
do veículo, relativo ao dia da autuação, extraída do Sistema Nacional de Identificação
Automática de Veículos (SINIAV[xi]) ou de outro Sistema similar (capaz de detectar a
presença do veículo no local), ao qual o cidadão não tem (ou não teria) acesso. Com isso,
os princípios da ampla defesa e do contraditório restariam assegurados, haja vista que o
notificado (recorrente) teria ao menos uma chance de comprovar a sua alegação.
Nesta altura, caro leitor, você deve estar dizendo: O SINIAV ainda não foi implantado!
Concordo, eu diria. E diria mais. Enquanto este (ou outro) sistema similar (capaz de
demonstrar a presença do veículo no local da infração) não for implantado, entendo que
as defesas ou recursos relativos a autuações com o veículo em movimento (sem
abordagens ou sem a captura de imagens), interpostos sob a alegação de que o veículo
não estava (ou não poderia estar) no local da autuação (porque estava em outro local),
deveriam receber uma melhor atenção por parte das autoridades de trânsito ou, se for o
caso, deferidas de ofício.
Em última análise, diante de eventual defesa ou recurso (negando a presença do veículo
no local da infração), a pontuação relativa à autuação lavrada com o veículo em
movimento, sem abordagem, não deveria ser lançada no prontuário do (suposto) infrator,
seguindo-se, desta forma, a sugestão do nobre colega Marcelo José Araújo[xii],
advogado.
Aliás, seguindo o raciocínio acima, a suspensão do direito de dirigir, prevista para as
infrações que por si só determinam esta penalidade[xiii], também não deveria ser
aplicada, quando a autuação for lavrada sem a indispensável abordagem do veículo, para
que o real infrator seja devidamente identificado e notificado no ato.
Por óbvio, o entendimento acima não seria aplicado quando o próprio condutor
(devidamente notificado) assumisse a responsabilidade pela infração praticada, ou ficasse
inerte (deixasse de apresentar defesa ou recurso), mesmo que autuado sem abordagem.
Alguém certamente bradará: Isso não tem cabimento! Muitos infratores ficarão impunes!
Chega de tanta impunidade! E eu responderia, com as seguintes perguntas: você ficaria
feliz em receber uma notificação de autuação cientificando-o de que uma infração
gravíssima teria sido praticada com o seu veículo, em dia, horário e local onde,
seguramente, você nunca esteve ou não poderia estar? Você ficaria feliz em saber que não
teria como demonstrar que não estava naquele local? Você ficaria feliz em saber que essa
“simples” notificação poderia, ao final do processo, acarretar-lhe a suspensão do direito
de dirigir? Você ficaria feliz em saber que, se isso ocorresse, você poderia ficar impedido
de trabalhar como motorista, caso esta fosse a sua profissão? Enfim, você ficaria feliz em
saber que tudo ocorreu (ou teria ocorrido) porque o real infrator deixou de ser abordado
no ato do cometimento da infração? Se você respondeu sim para ao menos uma dessas
perguntas, você tem razão, ou seja, isso não tem cabimento!
A título de curiosidade, os dois amigos citados no início deste artigo, são, assim como eu,
policiais militares, e também foram agentes de trânsito. Por isso, caso leitor, se você
também for um agente de trânsito, antes de se revoltar com o meu posicionamento,
procure se colocar na situação de um inocente, talvez amigo ou familiar, atuado
injustamente, quando o seu veículo nem sequer estava no local da infração. Ah, e não
esqueça que você poderá ser a próxima vítima!
Portanto, para evitar uma série de transtornos e prejuízos desnecessários, bom seria se a
interceptação de todos os infratores de trânsito fosse possível e viável; se as autuações
apresentassem outros elementos[xiv] necessários à identificação do veículo, além da
placa, marca e espécie; se os julgamentos não fossem fundados tão somente na presunção
de legitimidade dos atos administrativos; se os membros da JARI não apenas copiassem
e colassem “pareceres” (decisões), desvinculados do caso sob julgamento; se todos os
órgãos julgadores fundamentassem suas decisões; se os semáforos funcionassem
adequadamente[xv]; se todas as autoridades também observassem a legislação vigente;
se as autoridades analisassem em prazo razoável as sugestões a elas enviadas[xvi]; se a
educação para o trânsito realmente constituísse um dever prioritário para os componentes
do Sistema Nacional de Trânsito, em todos os níveis de ensino, conforme preveem os
artigos 74 e 76 do CTB; enfim, se todos, sem exceção, tivessem o mínimo de
responsabilidade social. Tudo isso, porém, não passa de um sonho, aliás, muito antigo.
A propósito, não é demais lembrar que, atualmente, há centenas de marronzinhos,
policiais militares e guardas civis credenciados para atuar (e autuar) na fiscalização de
trânsito. Há, inclusive, agentes da SPTrans que, embora credenciados pela autoridade de
trânsito do município de São Paulo, não possuem competência para tanto, conforme
consta de Parecer do Conselheiro Marco Fabricio Vieira, de 12/06/2018, aprovado por
unanimidade pelo CETRAN-SP[xvii], salvo engano, ainda não publicado no diário oficial
do estado, nem tampouco disponibilizado em sua página eletrônica.
Curiosamente, ainda não se sabe (ao menos eu não sei) o motivo, a Resolução CONTRAN
n. 709/2017[xviii], que dispunha sobre a publicação na internet dos nomes e códigos dos
agentes e autoridades de trânsito, bem como dos convênios de fiscalização de trânsito
celebrados pelos órgãos e entidades executivos de trânsito, foi revogada (ontem) pela
Resolução CONTRAN n. 774/2019[xix].
Finalmente, diante de todo o exposto, e considerando a possível existência de muitos
condutores que estão sendo punidos injustamente, inclusive com a suspensão do direito
de dirigir, por infrações praticadas por outrem, com veículos dublês ou com placas
adulteradas, ou até em decorrência de falhas dos agentes de trânsito, entendo que as
autoridades de trânsito e os órgãos recursais não podem invocar a presunção de
legitimidade como único fundamento para manter a aplicação de qualquer das
penalidades previstas no art. 256 do CTB[xx], a exemplo do ocorrido no 1º CASO,
principalmente quando o recorrente alegar que o seu veículo não estava (ou não
poderia estar) no local da infração. Neste caso, salvo melhor juízo, o recorrente
deveria ter assegurado o direito de acesso a algum documento (caso existente e ao
qual não pudesse ter acesso) capaz de comprovar a sua alegação.
Um último comentário: se não havia pressa ou motivo suficiente para a implantação do
SINIAV, talvez agora haja.
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